128 - cadernos de teatro

51
5/19/2018 128-CadernosdeTeatro-slidepdf.com http://slidepdf.com/reader/full/128-cadernos-de-teatro 1/51

Upload: humberto-sueyoshi

Post on 05-Oct-2015

139 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

128 - Cadernos de Teatro

TRANSCRIPT

  • ATEMPORADA DE 1991:DRAMAS'. (E COMDIAS) DA RECESSO

    1

    Bernardo Jablonski

    \n': ,," >.": :".,0,,'

    " '.'! :

    duo naconal cmostraram.sa (em sua maioria)pouco expressivos ou criatvos.: Se houve peasdensas e interessantes criadas em solo ptrio, elas,definitivamente no chegaram aos palcos cariocas.

    fato de ter sido um ano de crise erecessoficou bem explicitado no nmero de monlogos: 8,(ou 10% do total). Monlogos so sem dvida mais

    ? \ baratos. Se somarmos a esse nmer os espetculos, 7\ representados apenas por dois atores, alcanamos a

    L significativa cifra de 21 peas, quase 40% de tudo.kJ I A crise e a recesso parecem' ter deflagrado com

    \/\< ;.~?/ mpeto todo o poderoso e proverbial narcisismo da". \N.I'r- ("{,~., / . 1 tI" t ' . 'd' Fl~ ,; if."'1 t"!.,A' 1',,*,~M:m L..H.!f!, J r,iJ,I./;i.!r..) \.~y;.",,,A,mz'bil\i3rii1~, Cr,;;j91'i:;'~~ 0:Jfduilli-J~'

    I',OT 1f

  • Isto tudo adquire propores hericas diante deum ano recessivo e onde as autoridades federais eestaduais t'raram vergonhosamente o cavalo dachuva, deixando a cultura sem abrigo e entregueao. seu prprio azar. E por falar em autoridade, amunicipal deve classe uma explicao para os ne-bulosos critrios que envolvem a utilizao da ,salaBertold Breeht, no Planetrio da Gvea. Emboraa referida sala esteja caindo aos pedaos; a'nda um teatro..e que merecia urna seleo mais cuida-dosa em termos de repertrio.

    .2

    sca, c'nema, televiso, vdeo, consumidores e seusperfis devem render a curto prazo muito mais di-nheiro aos grandes jornais do que a nossa arteemera. fato. A longo prazo, no entanto, essadiminuio de espao diz mais da pobreza de esp-rito e da falta de viso dos editores. Ocomprom'ssocom a arte e a cultura no deveria estar to atre-lado ao vil metal Essa questo, no entanto, j foiabordada com muita felicidade aqui mesmo nosCadernos de Teatro por Yan Michalski (O Declnioda CT'tica na Imprensa, nQ 100) e por Henrique Os-car (O Declnio da Imprensa Arrastou o da Crtica,

    Apenas poucas entidades. privadas se dedica- nQ 107). No por acaso, ambos, ex-crticos.ram ao mecenato artstico. Dentre elas sobressaiu-

    d Sh 11 . . A dificuldade em ganhar espao na morensase niti amente a e, que manteve sua poltica e. chamar a ateno do rblieo tem geradoinelus-de iJiceJit:vos, alm das premaes anuais' - pre-enchendo, diga-se de passarem. outra omssoso- ve certas monstruosidades, como por exemolo, avernamental. O Banco do Brasil, [ust-a seja feita,. figura do "divulgador". Esses "despachantes", ver-foi outro heri isolado na luta para manter viva a ' dadeiros "atravessadores da arte" ganham as vezesativdade teatral carioca. Eno teatro infantil, a mais do que todo elenco em uma temporada curta.Coca-Cola apresentou-se ma's uma vez em ,grande, Isso porque eles possuem as chaves mg'casqueestilo. O que a Shell tem feito relo teatro adulto, lhes do acesso s salas de reportagem e garantema Coca-Cola, guardadas as devidas propores, faz' aue o mundo saber que o espeteulo Xexiste. Nopelo infantil. . h nada contra a ressoa do divulgador, criatura

    to humana e sensvel quanto eu e voc. Agora,Nossa imprensa merece um destaque especial. deve haver algo de podre no reino teatral que obr-

    Nesses tempos bicudos em que alm de tudo o tea- ga a distores to graves no oramento de umatro tem de competir com cinemas. shows de msi-. produo ...ca, vdeos, televiso, a ateno (ou desateno) da,grande imprensa desempenha um panel de destaque. . E a coluna de "telnhos" - que grtuita e

    uma espcie de servio que a grande imprensaE aqui o panorama no foi dos mas satisfatrios.Por um lado foi gratificante ter de volta' no presta no apenas comunidade teatral, masorn-Jornal do, Brasil a coluna Entreatn. COm notcias cplmente a todos os le'tores que querem se nfor-sobre o que est acontecendo 111) Rio, no Brasil e mar a respeito das possibilidades de lazer e cultu-no mundo, no mbito teatral. To misteriosamente ra disponveis na cidade - parece por veze con-como desapareceu, ela reapareceu, dessa vez, espe-: fiada a pessoas que odeiam, seno o teatro, ao me-ramos, para ficar. nos o seu ofcio. Freqentemente a sen sanccm-

    pleta e uma pea simplesmente "deixa de existir"!Quanto ao outro lado, as queixas so 'muitas. Os prejuzos decorrentes para as peas que deixam

    No que se que'rapr na imprensa 'a culpa por' de ser anunciadas, infelizmente, so calculveis,nossos erros, mas francamente, com amigos assim,terriveImente calculveis! Evidentemente nem sem-os inimigos no precisam se esforar muito. Pr- pre a culna do responsvel pela seo, Possvel-meiramente, o espao dedicado s. resenhas vem mente, at, na maioria das vezes, as chefias sim-diminuindo gradativamente, obrigando os crtcos-a lplesmente devem mandar cortar partes da "d'spen-verdadeiros malabarismos de conciso para escanar svel" coluna, por falta de espao. urosamentea .um tratamento superficial e roder dar a idia isso muito mais difcil de acontecer nos "primi-exata do que sentiram dos espetculos vistos, M- nhos", os tijolinhos de cinema...

  • E para encerrar o j l?ng~ es~~o de~ca~o imprensa no que diz respeite a crt'ca, sena inte-ressante 'que houvesse crticos substitutos em casode viagem dos titulares. J houve casos de nohaver crticas por um ms ou mais, simplesmenteporque o crtico estava viajando. Crticos tm todoo direito de trarem frias e viajarem. At mere-cem, por certas coisas que !o obrigados a assistir.Mas o teatro merece ateno e a indispensvel re-percusso na coluna especializada. De qualquermodo, Macksen Luiz no Jornal do Brasil, BrbaraHeliodora - fazendo muitas vezes o papel de veryangry woman - no OGlobo, Armindo Blanco noO ma e Lionel Fischer na Tribuna da Imprensa(para citar apenas os mais atuantes) continuamexercendo suas funes e prestando significativacontribuio ao teatro carioca.

    Um outro aspecto, no diretamente ligado satividades teatrais do ano passado ou deste, aquesto do reg'stro profissional, indispensvel aoexerccio do ofcio. Parece que j est na hora dosindicato rever sua posio - muito til historica-mente - de subordinar a atuaco em teatro, cine-ma e TV exigncia de certificado fornecido poralgumas escolas. Ao menos, a exemplo de outrossindicatos (dana, msicos) e mesmo do sindicatodos artistas e tcnicos de outros estados, que se faaum teste, prova ou similar, para aqueles que nopuderam/no quiseram fazer um curso oficial, masque tenham talento e que'ram se dedicar s artescncas. Bailarinos, pintores, cantores, msicos, ar-tistas plsticos e cineastas estudam porque querem,para se aprimorarem, para se familiarizarem comseus instrumentos de trabalho, para o auto-cresci-mento, enfim, O mercado vai selecionar quem bom, quem no . Essa abertura inclusive serviriapara evitar mal-entendidos e acusaes de favore-cimento a filhos ou parentes de artistas que esta-riam conseguindo seus registres independentementede quaisquer cursos realzados ou com discutveisatividades pregressas que legitimariam a referidaconcesso. Um exame objetivo poderia libertar oscandidatos da obrigatoriedade de freqentar cursosnem sempre "maravilhosos" e expulsar de cena umcerto subjetiv.smo na hora de se conferir registrosem funo de "atividades passadas".

    Voltando razo de ser do presente trabalho- a anlise da temporada de 91 - vale destacaruma outra tendncia que vem se consolidando, qualseja a de diretores e produtores estarem se voltan-do para as adaptaes de romances ou outras for-mas de narrativas. Assim, tivemos Bukowski, aFera na Selva, Mil e Umas Noites (duas monta-gens) , O Cobrador, Cartas Portuguesas; Werther,Cnticos Infernais, entre outros, como exemplos deadaptaes, mais ou menos felizes.

    No balano das comdias e dos dramas, vence-ram estes ltimos: quase 60% dos espetculos en-quadraram-se na categoria drama. Esoetculos mis-tos e comdias completaram os 100%. Em pocasde crise e recesso, espera-se que haja muitas co-mdias, espetculos digestivos e escapistas empenca. No foi o caso, pelo menos em 91. Vivemos.. ., .pOIS uma cnse, mas uma cnse sena

    Enfim, se 91 no pode ser considerado um anompar no teatro carioca, tambm no foi nenhuma"tragdia". E foi o ano que nos deu espetculos queficaro, como Nar,ida Zulprio, pelo talento histri-nico de Regina Cas; Toda Donzela tem um Paique Uma Fera, como um primor de comdia ins-talado num cubculo em Copacabana; o paulista -possivelmente o melhor espetculo da temporada -Vem Buscar.me que Ainda sou Teu; o interessanteO Cobrador baseado em um conto de Rubem Fon-seca e igualmente "importado" de So Paulo; ocuriosssimo Um Certo Hamlet, irreverente e auda-ciosa adaptao de Abujamra e seus F... Privile-giados; os rodrigueanes Bonitinha, mas Ordinriae A Vida Como Ela - esse ltimo ainda poderiaser melhor no fosse to desnecessariamente longo,e O Tiro que Mudou a Histria, rara bem dosadafuso de polt'ca e teatro. Como se v/viu, no foium ano to mau assim.

    E para finalizar, falando de ns mesmos,OTablado completou 40 anos, com seus cursos tun-cionando a pleno vapor, os Cadernos de Teatrosendo publicados (graas ao patrocnio da Shell) etrs montagens realizadas durante o ano: OCava-linho Azul, Romeu e Julieta e OBoi e o Burro noCaminho de Belm. E Maria Clara Machado com-pletou seus 70 anos lanando um livro: Eu e o

    , I~"rl\l.. Ferrtliidw 1\Y"

    IiIIMUl.' f;una. ,j, ,i'lrilulOO CuIUP'J'lUI. . ~ ,'y"'(\\l"""'1~1i\1!i''' ",,::"; 1)[1\ G[\Jl.lJ1 I,Q I ,. - .

    3

  • , '

    .~.. ,..

  • ., ~ A ARTE UM TIPODE EXIBICIONISMO -

    'l'adeuz Kantor, entrevistado por Barbara Sawa

    . ; .'

    . O diretor e artista polons Tadeuz Kantor,apesar de seus .setenta e cinco anos, ainda respei-tadoiro Ocidente como um diretcr experimentalistasurpreendente, nos moldes sombrios e altamentepessoais que marcaram seu trabalho desde a cria-o elo Teatro Cricot 2, em 1955. Produes como.The Water Hen ("A galinha aqutica"), The DeadC!ass ("A classe morta"), WieLopole, Wielopole eLet the Al'tists Die ("Deixem os artistas morre-rem"), valeram-lhe uma legio de fs cu!t, masraras vezes ele' quis explicar seus pontos de vistae sua abordagem teatral ria forma discursiva deuma entrevista. Esta entrevista, que apareceu pelaprimeira vez na revista Po!ityka, n~ 39 (novembrode 1988), foi concedida durante. a apresentao emNova York no trabalho mais recente de Kantor,I Shall Never Return ("Nunca mais voltarei"), nocom~o daquele ano. (I)

    Barbara Sawa: - Estamos em Nova York,onde est acontecendo o maior festival de arte detodos os tempos. O senhor acha que um eventocomo este apropriado para o tipo de arte que oserihor iaz?

    (I') 'No nmero anterior publicamos uma outra entrevistade 1'. K,mlo1' - A Arte UJJ Delito. Com estas duas entrevis-tas tentamos oferecer aos leitores um painel dos pensamsntos d~umdosmiores encenadores do teatro contemporneo, cujasmontaqcas, fufdizm2nte, ns, brasileiros, nunca pudemos assistirde perto..

    Tadeuz Kantor>. Eu, pessoalmente, sou COl1i-tra festivais de arte, embora voc possa dizer queo Cricot 2 participa de quase todos eles; O fato que aqueles que querem nos ver tentam aproveitarsituaes especiais como esta simplesmente porque quando eles tm um pouco mais de dinheiro paragastar. Me parece tambm que hoje em dia, umfestival visto como parte da chamada estruturacomunicativa. Trata-se de um fenmeno muito re-cente, de modo que no posso dizer se bom ouruim. Mas parece bvio que, em geral, os festivaistendem a desvalorizar a arte, embora possa haveruma ou duas excees em que isto no acontece.Por outro lado, os festivais do s pessoas a oportu-nidade de assistira uma grande variedade de pro-duesteatrais d mundo inteiro. .... .

    B. S.: - Seria correto dizer que su ltimaproduo I Shall Never Return deveria ser conside-rada a sua declarao artstica definitiva? FrankRich, do New York Times, chegou a sugerir que otrabalho fosse considerado seu testamento artstico.

    T. K.: ~ Qualquer coisa que eu teriha realiza-do, especialmente nos ltimos anos, faz partedomeu testamento artstico.

    B. S.: - Mas isto parece particularmente claronesta ltima produo, que engloba elementos dseus trabalhos anteriores: The Dead C!ass, Wielo-pore, Wie!opole e Let the Artists Die. Muitos espec-tadores acharam que este foi o mais pessoal detodo os seus espetculos.

    T. K.: - Bem, no sei. .. Sempre me vi comopessoal e individual, e qualquer artista diria prova-velmente o mesmo a respeito de si.

    B. S.: - Osenhor acha ento que a melhor artedeve ser individual?

    T. K.: - Certamente que sim, embora tenhahavido pocas em que ela era coletiva, como naIdade Mdia. Mas, na verdade, no sabemos ao certo se era assim mesmo. .. devem ter existido algunsindivduos extraordinrios dos quais no sabemosquase nada. Mas durante a Renascena o ato crati-

  • 6

    vo individual tornou-se o maior trunfo da culturaeuro-a. Eu, pessoalmente, devo dizer que sou con-tra qualquer idia de arte coletiva, mas sabendo danecessidade .do trabalho coletivo no teatro. Mas,um ti-o de "criatura divina" ou demurgo, porquemesmo no teatro, h sempre algum mais dotado,sempre acreditei que h uma certa divindade emtodo artista, embora eu reconhea que hoje em diamuitas pessoasconsiderariam minha crena ultra-passada. E tenho certeza de que sem esse demurgo,capaz de ns-rsr, liderar e organizar um grupo depessoas, qualquer esforo coletivo est fadado aofracasso.

    B. S.: - Ao que parece, a tendncia criaoisolada est se espalhando por todo o mundo ...

    T. K: - Est sim, rorque o estilo de vida mo-derna facilita esta tendncia. O trabalho isolado um fenmeno comum nos Estados Unidos. na Fran-a, na Polnia e provavelmente no resto da Europa.Os artistas tentam evitar grandes gru-os e no secomunicam uns com os outros. A maioria deles vivereclusa. A era da bomia do ps-ruerra j passou.As pessoas no tm mais a com-u'so de se encon-trar em bares de artistas. O Caf Flore, em Paris,testemunhou um dia o come-o do existencialismo eo nascimento do informe!. Os artistas ficavam lhoras e horas - Sartre. Andr Breton, e outros ...Mas tudo isso acabou. Hoje as pessoas no vo abares: elas ficam em casa. Na Polnia tambm.

    B. S.: - comum as pessoas trabalharem so-zinhas?

    T. K: - No. O comum evitar os outros ...

    B. S.: - Seria. certamente difcil, neste caso,negar o carter individualista da arte, mas suponhoque o senhor nunca tenha sido criticado por faltade individualismo em seu trabalho.

    T. K: - Alguns crticos dizem at mesmo quesou extremamente egosta, ou um egosta com ela-ras tendncias narcscas e exibicionistas. E, de fato,acredito que a arte um ti-o de exibicionismo, sim-plesmente porque todo artista se mostra para o p-

    blico. o mesmo que pendurar o prprio retrato naparede. Uma vez que voc faz isso, voc se mostra. isso que eu sinto, mas talvez as pessoas tenhamopinies diferentes. Acho, ainda, que os artistaspodem ser 'com-arados s rrostitu'as, mesmo quena maioria dos casos os arlistas no se vendam pordinheiro ...

    B. S.: - No apndice do rrograma de r ShallNever Retttrn, que osenhor chamou de "confisses",o senhor diz que para a arte ser "elevada" ela temque "sair da sarjeta". O que o senhor quer dizercom isto?

    T. K: - Oaue eu quero dizer que o artista,se quiser gritar, deve descer at o nvel mais baixo.Foi isto que eu escrevi no que voc chama. de mi-nhas "confisses". Estas so, no entantc.r.minhasidias pessoais, e no vou forar nngum a aceit-las. Omesmo acontece com meu teatro - ningum,nem no meu pas nem em cualquer outro lugar,deve achar que eu quero criar qualquer lho demoda. Smolesmente, no do meu estild, imporminhas idias aos outros.

    B. S.: - Quando o senhor fala em "sarjeta",o senhor se refere pobreza?

    T. K: - "Pobreza" entre aspas ...

    B. S.: - A dificuldades, ento?

    T. K: - Esta tambm no a palavra maisadequada. Refiro-me situao em que se tem auecomear do nada, sem aualquer ti-o de' apoio. Foio que aconteceu com todas as grandes pessoas, quetiveram que fazer alguma coisa rartindo do zero -na "pobreza". Ento, a "pobreza" , para mim, umacondio muito humana. Porque o homem nasce na"pobreza". Depois, adquire coisas, se torna podero-so e rico... e finalmente morre. Ocomeo e o fimso sempre na "pobreza". Da que a "pobreza", paramim, uma condi-o verdadeiramente humana" etambm uma condio onde a arte pode existir.

    por isso que criei para mim essa idia de rea-lidade pobre - realidade no seu nvel mais' baixo;

  • Mas ela no s uma inveno minha, porque elatem alguma eoi.a muito polonesa No perodo deentre~guerras, Bruno Schulz const;uiu em seus ro-mances um mundo com uma realidade degradante.Eu concebi' uma idia de realidade pobre, confusae desamparada frente a todos os poderes supremosdo mundo.

    B. S.: - O senhor acha que desta pobreza po-lonesa podem nascer grandes obras de arte?

    T. K.: - Houve uni tempo ria Polnia em queexcelentes obras nasciam da pobreza. Foi entre 1945e 1948,. pouco depois da guerra; quando podia-sesentir esta enersa dinmica,' este sentimento de li-berdadeto indispensvel arte. muito fcil lidarcom a robreza Quando se tem liberdade. E naquelapoca tnhamos liberdade, mas ela nos foi logo tira-da e'compreendemos que a arte 'tinha que ser ma-nipulada pelo estado. O realismo socialista tornou-se a moda oficial. Ns a rejeitamos imediatamente:sete d ns se recusaram a participar da glriasocial-realista. Nos silenciamos durante oito anos.Agrande mudan-a ocorreu em 1955, e esse foi o se-gndo 'perodo frtil para a arte .. polonesa. Aindano 'nosrefizemos do susto, apesar de ele agora estarse atenuando, por causa da situao atual da Po-lnia. . .

    Foi em 1955 que o Cret 2' nasceu na "nobre-za", e muitos talentos brotaram de repente. Surgiuogru Krakow, de phtoresconi. artistas comoBrzozowski, Mikulski, Jarema e:Stern: Foi um da-queles raros momentos' da histria da arte europ.aem que nasceu algo genuinamente novo.

    .B. S.: - Gostaria de fazer agora ao senhor oque me parece ser a pergunta padro sobre "in-fluncias" - mas tenho a imoresso de que cadaartista deve perseguir alguns ideais .. ;

    T. K.: - No gosto da .palavra "influncia",porque um clich. Deveria ser bvio uma pessoaestrsempre sob alguma inf'unda, do contrrio aarte no poderia nunca existir. S' na Polnia queas re~sbas acham que o artista deve inventar tudosoznho; ou pelo menos parecer-se 'com Minerva -

    alguma cabea divina. Eu sou, provavelmente, .anica pessoa neste pas que afirma que no h artesem' influncia. Por isso os crticos idiotas ficamfalando que minha arte no pessoal, porque estousempre sob influncia de um ou outro artista..

    Picasso o exemplo perfeito de uni artista queno teria realizado' nada sem influncias externas- ele sempre dizia a si mesmo que no 'era capazde pintar sem antes olhar o trabalho' de algum.Eu, na verdade, sempre que me deparo com umaidia comprevadamente boa. tento trabalhar comela. Ser. que isto unia influncia? No; isto oque chamo de eontnuao de uma tendncia emparticular.

    B. S.: - O senhor poderia me dar exemplosde tais "tendncias" 'que foram mais importantespara o senhor?

    T. K: - No' teatro seriaWyspianski,na pintu-ra, Malczewski. Bruno Schulz na prosa. J. men-cionei Schulz antes, mas agora quero acrescentaralgumas ralavras, Quando criei uma idia da real-dade no nvel mais baixo, percebi que eu estava ins-piradona tradiro polonesa de entre-guerras e rarotcu'armente rela noo de Srhulzde realidade de-gradante. A diferena entre Schulza.eu Que nspartimos de pontos diferentes..Mas O m-ortante que no me sinto isolado em meus rPll~amentos:snto-me.rarte de uma certa tradio cultural, o que muito importante para mim. .

    . Digo "certa" tradio, deliberadamente, 'porquesinto que tambm fa"o parte de outra tradi-o. Ira-ta-se da linha iniciada por Marcel Duehamps, quemorava em Zurique durante a Primeira GuerraMundial e que trabalhou com a id''de objetO con-cludo. Este, para ele, ro era um trabalho artsti-co concebido pelo artista, e sim aquele que o artis-ta retira da realidade edec1ar:"Este objeto ex-trado da realidade uma obra de arte."

    B. S.: -O senhor sempre' tentou usar essemtodo, no foi?

    T. K.: - Sim, a primara vez foi em 1944,quando no conhecia asdlas de Duchamps. Naque-

    " '1\

    7

  • la .poca.ele morava em Nova York e a Europa nosabiamutoaseu respeito: na Polnia ningum oconhecia, inclusive eu. E ento, o que que eu es-tava tentando fazer? :Eu estava: trabalhando rio TheReturn. Df Ulysses, 'de'WysiJianski. Dispensei a ce-nografia porque a pea tinha que sermontada em.uma sala parcialmente destruda na guerra, e aque-la prpria sala serviria de cenrio. Ento, Ithaca es.tava nasala, onde haviam janelas cobertas comtbuas; paredes despedaadas eum monte de entu-lho no cho; Decidi' que este mesmo espao - umobjeto concludo extradoda vidareal- compunhauma obra de arte.

    B. S.: - O senhor poderia nos dizer o queaconteceu 'depois, e como as produces subsenien-tes podem estar relaconadas a I Shdll NeverReturn?

    T. 'K.:' :.. Iiesde 1955 que venho usando muitostermcs pata descrever meu trabalho no teatro. Esses'termos so como sinais, pois sempre apontam paraa ditec0 tomada em meu trabalho, Em 1966, era oTeatro InformeI, em 1963, oTeatro Zero, em 1967~ oano que produzi The Water Hen - o teatro dOcoliteCimento. Em 1972 montamos Biqots and' Ta-laooins: era o teatro da impossibilidade: The Dead'Class, de 1975; fazia parte do. Teatro da Morte. Eeste foi oltim' de meus nomes, meus si1anz~dores, Parei de cri-los quando meu colaborador :..ou como Crai~ dizia,' "uma linda' mulher chamadaMorte" ....:. apareceu no palco, Depois disso, passei achamar meu teatro de Jumble Stall ("Estbulo daConfuso"} .

    B.S.: ., A noo de Teatro da Morte ocupaum lugar especial na histria do teatro, no ?

    T. K: - Eu diria que a morte esteve semnrepresente nas artscnicas desde o princno, Ela:semore foi aoontada como o principal agente moti-vador da. aendramtca. Este , certamente, casodos teatros gregos e mexicanos, por exemplo, 'NaPolnia, durante o perodo romntico, os trabalhostfraisde Mickiewici eB'owack tambm tinham'profundas razes mi tradio d Teatro da Morte.

    Quando decd introduzir a Morte no meu teatro;todos os nomes anteriores como informei, ,zeroiouimpossvel, tornaram-se suprfluos. O nome teatrobastava - como acontecia na Grcia e em RomaPor isso Wielopole, WieIopol no tinha nenhumoutro. nome formal: ela pertencia ao teatro que ex-plorava a memria e o passado como senda.a reali-dade mais tangvel.

    B. S.: ....., Podemos falar sobre a histria; queparece to importante para o senhor? Nas suas"confisses", o senhor fala da histria - "a histriados' movimentos e das ideologias das massas; detrocas de governo' e de atrocidades com as' mas-sas..." Osenhor poderia me explicar o.queo se-nhor quer dizer com "a memria e' o passado' queconstituem a realidade mais tangvel"? ' r :

    lo"

    T. K: - Na minha opinio o passado, e.noo presente, a realidade mais tangvel, prinepalmen-te porque o presente fluido- ele vira passadonuma frao de segundo. E por isso, oncomate-rial no qual eu posso trabalhar o passado.. sevoc parar para pensar, voc vai ver que o passadocont", alar-s plpmentos do presente. Se; por ~Xem7plo, WieIopole, Wielopole nos diz algo sobre a. minhafamlia na Primeira Guerra Mundal, ela ,tambmdiz algo que vlido hoje em dia.

    B. S,: - Em I Shall Never Return sente-se ofnrte impacto emocional e intelectual do passado:Muitos espectadores se perguntavam se as tensesemocionais da pea eram fruto de sua experinciapessoal durante a ltima guerra. .

    T. K: - Pode-se interpretar os trgicos aconte-cimentos da ltima guerra em termos gerais. O queeu estou falando de uma tragdia individual, pes-sal rrofundamente enraizada em duas fontes:' natragdia antiga e na Bblia. Foi a tragdiaantigaque, pela primeira vez, exps publicamente (usoesta ralvra deliberadamente porque naquelapocao teatro era pblico) todos os tipos de fantasmasdas salas deestar das famlias conhecidas: traices,assassinatos secretos, e fatos aterrorizantes. ABbliafez uma coisa anloga, pois todos os santos bblicoseram renmados por suas atitudes frente aos seus

  • segredoS mais ~timos quanto amantes, esposas edesgraas pessoais.

    B. S.: - Mas em I Shal! Never RetuTn, pes-soas diferentes viram coisas distintas. Alguns disse-ramqe era um pro~es~o contra os assas~i~atos emmassa cometidos na ltima guerra. Os asiticos e osafricanos consideraram a pea uma metfora sobrea situaao em seus pases, enquanto que o crticodo New York Times traou um paralelo entre a l-tima cena, que mostra urna cova coletiva, e o fimtrgico de Pompeia. No verdade que cada textopossui vrias leituras?

    T. K: - O que eu quis fazer nesse espetculofoi mostrar minha averso a movimentos de massa,a assassinatos em massa, a governos recorrendo aoterrorismo. .. mas eu tambm queria mostrar quedesaprovo movimentos artsticos em massa. No total,minha pea se coloca contra qualquer fora quequeira suprimir os direitos do indivduo. Vejamosos movimentos artsticos como o surrealismo, odadasmo, o construtivismo, ou a arte conceituaI;no comeo cada uma representava uma fora devan Guarda mas logo todas tendiam a se tornar oprin~ipal ~ovimento de massa e a impor ao artistasuas crenas e regras. E esta foi uma caractersticanegativa. de todas as tendncias de vanguarda.

    .B S.: - Mas o senhor mesmo participou dealguns desses movimentos ...

    T. K: - verdade. Contribu para algunsdeles, e mais, eu formulava manifestos artsticospensando em salvar a humanidade com eles. Masem 1975, quando era inconcebvel romper com orano dos abstracionistas, eu de repente passei paraa pintura figurativa. Acho que isto foi mais ou m.e-nos quando trabalhei em The Dead Class. E depois,muitos dos meus colegas abstracionistas me chama-

    . Id"t"ram de "traidor". E um bom exemp o o errarartstico que acontece quando a vanguarda querimpor seu modo de pensar.

    . Ma~ acho que hoje em dia podemos ver esse"terror" da vanguarda como algo que pertence aopassado. Omundo da arte comeou a compreender

    que no pode haver uma idia que seja boa paratodo mundo. Ser que podemos falar o mesmo deoutros movimentos de massa ou de ideologias,comoo marxismo? difcil dizer. Eu nunca fui marxis-ta. Oexistencialismo? Sim, Sartre queria impor suasidias ao mundo. Eu j fui um existencialista, masno muito fiel. Posso dizer o mesmo em relao Igreja ...

    Minha idia era, ento, mostrar minha oposica todos os movimentos que tentaram subordinar oindivduo, porque para mim um ser humano, ho-mem ou mulher, com todos os seus problemas, suasvitrias, seus fracassos, e suas tragdias, uma ga-rantia da continuao da vida.

    B. S.: - Em uma de suas "confisses" o senhorescreveu o seguinte: "A verdade S pode ser encon-trada em um ser individual." Isto esclarece melhorI Shal! Never Return?

    T. K: - No, s um ponto de partida, porqueme parece que uma idia abstrata de um ser indi-vidual no seria suficiente para uma encenao. De-.veria-se dar ao indivduo abstrato uma dimenso

    , " " " I"pessoal, um pronome possessivo meu - meu..S depois que isto for feito que poderei ser tot~l.mente responsabilizado por tudo, porque agora naoestarei lidando com um indivduo qualquer, mas.com a minha vida - a vida de quem produziu apea. claro que no coloquei isto assim, dreta-mente, na pea, porque no acho que as pessoas es-tejam interessadas em detalhes da minha vida par-ticular. Elas nem se preocupam com meus altos ebaixos. Acho que todos iam simplesmente rir se eume expusesse, pois este carter da natureza huma-na. Da, esta dimenso estritamente pessoal, istoque chamo de "meu", deveria ser traduzido em ~ermos universais, de modo que cada um que assista produo possa dizer que, at um certo ponto, elalhe diz respeito. Do contrrio as pessoas iria:n. sedissociar da pea instantaneamente, e reagmamrindo se eu dissesse: "Olha, eu tra minha mulher"ou "ela me deixou, e eu vou me matar".

    B. S.: - Acho que esta dimenso universalest clara na sua produo. Muitos espectadores 9

  • 10

    mostraram estar emocionalmente tocados de umaforma muito forte, e depois se perguntavam comoaquilo havia acontecido - se era devido ao seuraro talento artstico ou ao fato do espetculo tersido construdo com base na sua experincia pes-soaI. ..

    T. K: - Como voc sabe muito comum quea experincia pessoal no tenha nenhum reflexo naarte. Mas eu, pessoalmente, acredito que uma expe-rincia dolorosa seja essencial, se quisermos teruma arte de boa qualidade. No entanto, algumque esteja tentando criar um sentido artstico paraesta experincia tem que ser uma pessoa extrema-mente sensvel. muito comum uma pessoa quetenha passado por uma experincia horrvel sairdela completamente impassvel e cnico. Isto acon-tece, no ?

    B. S.: - Em I Shall Never Return o senhordescreve duas culturas coexistentes - a polonesae a judaica. Me pergunto o que ter influenciadoesta viso artstica - a sua histria pessoal ou outrafonte de inspirao? J me apontaram at os traba-lhos de Leibisz Perec como uma possvel influncia.

    T. K.: - No, neste caso no houve nenhumainfluncia direta, embora eu no possa negar mui-tas influncias judaicas, visto que a influncia dacultura judaica na Polnia foi colossal. A produoem si foi inspirada at certo ponto na minha infn-cia. Fui criado pelo irmo da minha av, que erapadre. Quando meu pai no voltou da guerra, mi-nha me decidiu morar mais perto de sua me.

    .Todos ns morvamos na casa do padre. O maioramigo do padre era um rabino de Wielopole, e daeu aprendi desde cedo que o catolicismo no eramuito diferente do judasmo. Me lembro que obispo de Tarnow no aprovava a ligao do padrecom aqueles que "crucificaram Jesus Cristo". Nosei a histria da famlia do lado do meu pai, masacho que devem ter havido alguns ancestrais ju-deus. Mas isto no importante para mim. O quetem valor esta importncia da cultura judaicasobre a polonesa.

    B. S.: - Na produo o senhor mostra clara-mente estas culturas interdependentes como igual-mente importantes.

    T. K: - Sim, a igreja e a sinagoga no igual-mente importantes. Uma vez escrevi que eu tinhacrescido sombra da igreja e da sinagoga...

    B. S.: - Ao que parece o senhor queria dizerque no era ateu ...

    T. K: - No, agora eu no sou ateu, mas jfui, na escola. Naquela poca eu achava a religiomuito ingnua, Talvez os ateus tenham sido impor-tantes no sculo dezoito, mas hoje um ateu deela-rado parece membro de uma seita.

    B. S.: - Ento agora o senhor cr?

    T. K: - Sim, acho que sim. A religio fazparte da vida humana. O homem criou a religiopara viver e sobreviver.

    B. S.: - O senhor pode me dizer alguma coisasobre a sua prxima produo?

    T. K.: - No, porque no sei se vai haver ou-tra. Sempre que comeo a trabalhar em algo novo,eu o chamo de "ltimo" - "a ltima pea", ou "altima produo". muito estimulante porque tem-se a convico de que a "ltima" coisa tem que serpreparada com o maior cuidado e perfeio.

    B. S.: - Ento nesse espeteulo existem coisasque o senhor gostaria de mudar e melhorar? Paraatingir aquela perfeio com a qual sonhamos avida toda?

    T. K: - No, eu no tenho tais "objelivos fi-nais". Talvez como intelectual eu seja muito ctcopara ter tais ambies. Os construtvistas que di-ziam, "aqui est nosso objetivo, quando o atingir-mos a terra ser o paraso". Eu sei que para o ar-tista um bom objetivo aquele que est sempre emmovimento.

  • B. S.: - Ento, na verdade, no se deve nun-ca dizer "nunca mais voltarei Polnia, ao Mxico,ou aos Estados Unidos ... "

    T. K: - Dizer "nunca mais voltarei" umpouco teraputico. Sinto-me mais satisfeito e valo-rizado. Quando digo que nunca mais voltarei, querodize! que sou capaz de no voltar porque, sendoto importante, isto no faz diferena para mim...Mas sei que as coisas no so assim. Ento por queno dizer "nunca mais voltarei", esperando voltarlogo?

    (,Extrado de New Thcatre Qllarter/y. Traduzido por Maria[uliana Braga. Urna colaborao do Curso de Traduo do De.partamento de Letras da PUCRo.) 11

  • 12

    oDRAMATURGOJan Kott

    Jan Kott participou da primeira edio darevista New Theatre Quarterly, e continuou comoum de .seus oonsultores desde o comeo do antigoTheatre Quarterly, para o qual tambm contribuaregularmente. Com muitos ttulos publicados - seulivro mais recente, The Bottom 'Iranslation, foipublicado pela Northwestern University Press em1987 - este crtico dispensa apresentaes e, desdea primeira publicao de Shakespeare, Our Contem-porary, em 1965, sua viso de como a crtica podeser relevante para a prtica teatral tambm revelaque ele vem sendo muito procurado, tanto quantoaquela criatma misteriosa, o dramaturgo ("dra-maturg") .(*)

    H oito ou nove anos atrs (ou h dez, talvez?)trabalhei como dramaturgo do teatro B por maisde seis. meses. Por um momento ele havia sido umdos melhores teatros da Europa, agraciado com umcamarote imperial, mas perdeu seu esplendor antesda Primeira Guerra Mundial. A partir de ento,aquele camarote foi usado ocasionalmente peloChanceler da Repblica e, duas ou trs vezes nosltimos cinqenta anos, uma pelo rei da Itlia edepois por uma rainha belga ou holandesa. Tudo oque resta de seu antigo esplendor a grande esca-daria em mrmore que leva a salas enormes que

    (*) O relato que se segue ilustra com muita clareza que,mesmo no primeiro mundo, certas novidades apresentam maisproblemas do que solues (n.e.).

    mais se parecem aos sales de expesiao, dosmuseus, com as paredes repletas de imensos retra-tos a leo, em molduras douradas, de autores eatrizes do sculo dezoito at hoje. Os mais antigosmostram as mulheres vestidas com roupas de cri-nolina, mesmo no papel de Desdrnona, e os' homenscom ricas capas tecidas a ouro. . ,',

    Meu conhecimento da lngua alem resumia-sea poucas palavras. Talvez seja por isso que eu(apesar de terem aberto o camarote imperial espe-cialmente para mim, na qualidade de dramaturgoprincipal) guarde as melhores lembranas daquelesseis meses no teatro, no dos espetculos em si, masdos intervalos. Mesmo nos momentos mais dram-ticos, as peas pareciam ser pouco mais do que umaanimao em cmera lenta da galeria de retratosque acabo de descrever. Mas os intervalos eramrealmente maravilhosos.

    Um intervalo podia, s vezes, durar quase umahora e freqentemente havia dois intervelaos numanoite, em um s espetculo. Nos dois bares do tea-tro eram servidos champanhe e pequenos canapsde caviar vermelho ou de salmo. Para mim, osatares principais da noite eram os espectadores,dirigindo-se aos bufs ou olhando-se nos enormesespelhos.

    Os escritrios administrativos ficavam nas trsalas do prdio, o que me lembrava o teatro Slo-wacki, da Cracvia, e, mais ainda, o teatro Lww,projetado pelo mesmo arquiteto ou, pelo menos,inspirado no mesmo modelo. Na ala principal fica-va a dreo do teatro. Na ala lateral, com escadasindependentes, estavam os arquivos e os escritriosdos dramaturgos menos importantes: se me recor-do bem, eles eram sete e, apesar de muito maisnovos do que eu, eram todos carecas, exceo deum, que tinha cabelos compridos.

    Ele era o nico que falava ingls. Perguntei aele o que todos faziam. "Como assim?!" respondeu,surpreso com a ingenuidade da minha pergunta, eexplicou que liam todas as peas enviadas ao teatroe as resumiam para o diretor geral. ,,'

    Meu escritrio de dramaturgo ficava e~ umaala independente, com escadas privativas. A,pa!a-

  • vra escritrio muito modesta para descrev-lo.Uma porta forrada (sem dvida com a inteno deproteger os segredos do dramaturgo) ligava a ante-sala a um apartamento completo, com banheiro ecozirJla. Havia um armrio de loua com serviooara quatro pessoas, p para caf, ch e at mesmouma garrafa de conhaque. Quatro poltronas baixas,dois sofs e uma mesa enorme com dois telefones,um preto e um branco, compunham a decoraodo estdio. O telefone branco no funcionava eestava sempre desligado, e ningum me telefonavapelo outro, a no ser a minha esposa. E mesmoassim, raramente.

    . Ningum, tampouco, me visitava l a no ser ovigia, que diariamente me levava os jornais s11: 35 hs em ponto e tambm os seminrios ilustra-dos, s segundas-feiras. Tudo em alemo, claro.Eu os juntava em um canto e, como ningum osretirava, logo se formava uma enorme pilha depapis.

    Aps duas ou trs semanas da minha chegada,ningum havia ainda me pedido para fazer nada.E eu, um pouco sem jeito, marquei uma reuniocom o diretor. Seu escritrio era, pelo menos, odobro do meu. E em sua mesa haviam trs telefo-nes: um branco, um preto e um dourado. Maistarde descobri que o dourado era s decorao. Odiretor, que no era fluente no ingls, tinha aindamais dificuldade para entender o meu sotaque. Masele era muito simptico.

    Bebemos quatro doses de conhaque e fomospara a lanchonete do teatro, ali na mesma praa,onde comemos cachorros-quentes deliciosos, commolho picante. A partir daquele dia, como resulta-do daquela visita, passei a receber o Neue FreiPresse todas as manhs s 10 hs, e duas vezes maissemanrios s segundas-feiras. Ainda assim, nuncame pediram para fazer nada.

    E assim passaram-se os dois primeiros meses.Eu havia me acostumado ao meu escritrio e aostelefones silenciosos e, alterando um pouco o meuhorrio, comecei a aparecer por volta do meio-dia,beber um copo de conhaque e me dirigir sozinho lanchonete para comer cachorros-quentes commolho picante. At um dia, no final do segundo

    ms, uma moa da loja de flores bateu na minhaporta. Era para entregar um buqu de rosas. Masno eram para mim e, sim, para Z. Eu j conheciaaquele nome. H pouco tempo atrs ele havia sidoconsiderado um dos melhores crticos teatrais. Eele tambm havia escrito um livro sobre Shakes-peare. Foi uma grande surpresa descobrir que osnossos escritrios tinham a mesma entrada, s queo dele ficava no andar de cima.

    No dia seguinte fui visit-lo. Ele sabia da mi-nha existncia e ficou realmente contente ao mever. "Eu era o dramaturgo principal antes de vocchegar", disse ele, "meu escritrio era no andar debaixo, mas agora me puseram aqui. Como vocpode ver, duas vezes menor do que o seu". Eramenor realmente, mas no como ele havia dito."Nos ltimos sete meses ningum me telefonou ouveio me ver." Apontou para o telefone, coberto porquase um dedo de poeira. "E, mesmo que algumquisesse, no poderia falar comigo pois ele estdesligado. Recebo os jornais s uma vez na sema-na e geralmente so do ms passado. Os meus potesde caf esto vazios. Pelo menos ainda recebo meusalrio, que exatamente a metade do que eu re-

    bi t "ce la an es ...

    Pouco antes de ir embora, fiz a ltima visitaao meu vizinho do andar de cima. "Voc j ouviufalar em N.?", perguntou-me. Eu disse que claroque sim. No final dos anos vinte, N. havia escritoum livro sobre Shakespeare que ainda era citadoem vrias antologias. Ele j havia sido comparadoa Karl Kraus, e suas crticas teatrais eram famosaspelo humor e ironia. "Ele, um dia, tambm j foidramaturgo principal deste teatro, at me contra-tarem. Ele ainda tem um escritrio no terceiroandar."

    Subimos juntos. O escritrio nada mais era doque uma sala, praticamente no sto, com pilhasenormes de jornais subindo pelos cantos, quase ato teta. N. estava sentado em uma grande poltronade couro. Sua barba branca e comprida parecia ade um duende. "No consigo me lembrar da ltimavez que algum subiu aqui para me visitar", disse,"no posso nem oferecer caf, pois h um ano queno recebo o p. E desconfio que os jornais vm 13

  • 14

    da lata de lixo", disse o duende, apontando para apilha, que era uns vinte centmetros mais alta doque ele. "At o telefone tiraram. Tambm, j nofuncionava h mais de um ano. Mas ainda recebomeu salrio, que um quarto do que ganha o dra-maturgo principal. Como vocs podem ver, vai tudode mal a pior ... " E enfiou-se de tal maneira nacadeira de couro j gasto, que mal podamos v-lo.

    No ltimo ms de maio, Erwin Axer e eufomos convidados para uma reunio em Berlim,com jovens atares e diretores. Aps sermos recep-cionados com vinho, comeou um longo debate.Axer foi o ltimo a falar: "H muitos anos quedou aulas de interpretao teatral e sei que poss-vel aprend-lo. H muitos anos que dou aulas dedireo e sei que impossvel aprend-lo." "Epode-se aprender a ser um dramaturgo?", pergunta-ram. Erwin parou, sorriu e apontou para mim."Quem pode falar sobre isto Jan Kott."

    (Extredo de New Theatre Quartecly, vol, VI, n' 21, 1990. Tra-duzido por Maria Juliana Braga. Colaborao do Curso deTraduo do Departamento de Letras da PUe-Rio).

    ~I

    f;

  • ,

    HISTRIAS DO TEATRO

    Peter Hay

    A ARTE E APAIXO

    1. Emocione os outros, no a si mesmo

    "Garrick emocionava a platia mais do quequalquer outro atar ccshecido, o que' provavelmen-te o fazia sofrer em igual medida". Certa vez, aodizer isso a Tom King, o comediante, um senhorrecebeu a seguinte resposta: "Que engano, senhor,achar que ele sofre com seus sentimentos! Certavez eu estava contracenando com ele em Rei Leal',quando, no meio de uma cena muito tocante e apai-xonada, a platia em lgrimas, ele virou seu rostopara mim e, fazendo uma careta cochichou: "Queincrvel, Tom, no que funciona?"

    2. Nada de sentimentos, por favor

    Henry Irving era o atol' mais controverso nosltimos anos da Inglaterra vitoriana. Edward Gor-don. Craig, filho de Ellen Terry, comeou na com-panhia de Irving e mais ~arde escreveu um livroonde explora os segredos de sua arte.

    Irving valorizava a, espontaneidade, mas rara-mente cedia a ela: o que ele fazia, era resultadode elaborados projetos. Ele no respeitava o tipode simplicidade que no revelava a arte. No sepode dizer simplesmente que ele gostasse de suaarte; o teatro era sua religio. Para ele era uma idio-tice 'encarar a arte como uma brincadeira, algo na-tural e espontneo.

    Parece que houve um dia em que, aps teste-munhar o que se chama de "uma atuao inspira-da de gnio", "cheia de sentimentos", ele ps-se delado e disse: "Meu filho, oua o que eu vou te dizer.Nos prximos vinte ou trinta anos voc pode serchamado para representar umas oito mil vezes, ecomo voc talvez no se sinta sempre inspiradovoc pode, durante a execuo de um papel muitodesgastante, no se sentir inspirado por mais de,digamos, uns dez minutos em cada ato. Da, achoque bom voc se lembrar de que s com muitoesforo voc pode, digamos, trabalhar um persona-gem, um papel, com tanto cuidado que, inspiradoou no, voc vai ser um sucesso! Quanto menos'sentimento', melhor. Entendeu, meu filho?"

    3. Boa atuao

    Quando perguntaram a Joseph Jefferson, atoramericano do sculo XIX, sua opinio sobre a ditacontrovrsia de Coquelin (Coquelin achava que umator simplesmente no deveria sentir nada, e Irvingachava que o ator deveria dar a impresso de estarsentindo todas as coisas que dissesse), este respon-deu candidamente: "No meu caso, acho que t~lho melhor com o corao quente e a cabe~ fp1Jli}6>\

    }.J J. " /C,::,' \. r F'

    C'" ~'~'\FSICO ;

  • Lady Constance Benson:

    A escola da vida

    Observvamos os ateres experientes para vercomo que conseguiam seus efeitos, como chega-vam constituio de certos papis, como muda-vam a maneira de andar de acordo com o persona-gem que representavam. Recordo-me de sir HenryIrving me dizendo: - "Observe, observe sempre, ese voc no vil' nada que valha a pena copiar, veralgo que deve evitar" - e Ben Greet aconselhoLI-me, em carta muito gentil: "Veja o mximo possi-vel de trabalhos, bons e ruins."

    E eu ouvi. Na verdade, ele estava muito bome sua concepo de Nero era interessante: mas nodava para olhar para ele. A testa enrugada, as so-brancelhas franzidas, o olhar marcante e profundo,no eram suficientes para atenuar a comicidade da-quele nariz aberto a todos os ventos, cheirando aalegria de viver, e contradizendo com sua aparn-cia a expresso dramtica de seu rosto.

    - Mas Coquelin, respondi, po: causa do seu I 6.nariz; ele lhe.d uma fisionomia cormca na mag- Initude e na tnsteza.

    - Que idiotice! Oua, vou recitar Nero paravoc.

    O APRENDIZADO 7. O MestTe

    Noel Coward 1embra-se de como sir CluldesHawtrey encarregou-se de sua educao teatralaps t-lo empregado aos onze anos de ida(w'

    Eu costumava ficar num canto do palco paraobserv-lo e ele me ensinava - a rir. Lembro-medele quando, nos ensaios, ele ficava em cima demim e, em frente de toda a companhia ele dizia:- Agora, garoto, voc tem que rir. Comece assim:- Ho, ha, ha, ha, ha, ha. Mas respire direito. Eele ficava em cima de mim at que eu conseguisse.Ele dizia - Agora sorria - e eu fazia - ha, ha,ha.

    No comeo de 1962, Nol foi convidado dehonra de um jantar oferecido pela Galeria do Clubedos Estreantes (Gallery First - Nighter's Club).Ele comeou seu discurso dizendo-se "incrivelmen-te acostumado a falar publicamente" e continuou"Vocs querem meu conselho sobre interpreta-o? Fale claramente, no esbarre nas pessoas e, seprecisar de motivao, pense no seu pagamento nasexta-feira".

    (1) (n. e.) Ou na linguagem de hoje em dia: fazendopontas.

    I Todos do teatro referiam-se a Noel COie'ard. como O MESTRE, porque ele estava sempre pmntoRoscius montou {L primeira escola de teatro na {L aconselhar e a treinar os jovens aspiremtes

    Roma antiga, mas o treinamento profissional no se carreIra,difundiu at o nosso SCldo. A maioria dos ataresaprendeu atravs da experincia, trabalhando comoextras (ou "utilidade geral" e "cavaleiro andante"como eram chamados de forma pitoresca na Ingla-terra); eles aprendtam com a observao de ata-res mais experientes, Os estilos de interpretaomudam a cada gerao, mas alguma coisa ainda transmitida dos grandes atares do passado. (1)

    Forbes-Bobertson teve muita sorte porque bemno comeo de sua carreira o famoso diretor shakes-peareano Samuel Phelps simpatizou-se com ele e odirigiu em todos os seus papis. Deste modo, ele 8. Aprendendo a riraprendeu a tcnica que havia sido transmitida deGarrick, atravs da sra. Siddons e de Macready,para Phelps, cujos ensinamentos e influncia, con-forme Robertson afirmou, foram os principais res-ponsveis por seu desempenho artstico. - Possome gabar de ter um bom pedigree histrinico -disse ele. - H a boa escola antiga e a m escolaantiga, e a primeira a melhor escola em qualquertempo.

    5. A grande tradio

    16

    iS; Ma ;;;;; ax &

  • Eele:,....L Agora; vamos' l e eu,-':' Ra,h,a,ha, ha,.Erauma tcnica e) claro, ajudava muito: ele po',deda;-JiFarrin~o eternamente nopalco. Ele tam-b~m .'me. ensinou a usar minhas. ,mos e meus braqse ~ ~alan-Ios:naturalmente. .

    '" ; -,,

    9; .onselho precioso

    , LglirenceOlivier j ,era urnator. hmo,10qtu!n~do quase desistiu de sua profisso. Fel'zmente en-controu-se com Tyrnne Guthrie na hora certa.

    Certa vez Guthrie me deu 'meihr 'conseIhbque eu jhavia recebido, o que foi para mim umagrande surpresa.' Guthiie e" John .Burrellhavamrecomeado o Old Vic e Ralph Richardson' Ii eu escfreamos nossa primeira peca, ARMSANDTHEMAN no Opera' House de Manchester. Ralph e euhavamos s'dc dispensados da' Marinha rara fazer-mos este trabalho e deu :tuM cetto:No dia seguintefomos juntos .ao bar pertoda porta .do. palco tomar-mos uma cerveja. Na volta ele comprou um jornale eu, olhando, por cima de seu ombro, medidaque, andvamos em dreo: ao hotel Midland,: Iioseguinte: "RalphRichardson foi 'um Bluntschli bri-lhante. Lsurence Olivier, por, outro lado, .:'.",epensei: Chega. H\ quase vinte anos Que isso .meacontece. Vou voltar para a Marinha. No agentomais... No su-orto criticas, no a~ento mais ...Bem, naquela noite, To-y Gutherie foi assistir .~pea, e quando samos pela porta do palco e dobra-mos a squriambaxo da marquise do prdo doteatro, Tony, do alto de sua grande estatura, olhourara mime disse':' ~ Gostei muito de seu' Sergius.,FiZ' um mUXJW e disse: ~ Oh, muito obrigado,certamente voc est querendo, ser gentil. E elecontiruou: "No, de forma alguma, porqu?"E resJondi:.,. melhor voc no perguntar.. ;por favor. "Mas voc no gosta' do Sergus?" per-guntou. E eu disse: Olha aqui, se voc no fosseto alto, eu te dava um soca. Oque quevoc estdizendo, como que voc pode gostar de um-per-sonagem como aquele; to burro e idiota? No hnada a fazer mas me conformar e-seguir as dicasdo que Shaw consderava engraado naquela~oca.

    Como que voc pode gostar (]e :nm personagerpcomo aquele? E ele respondeu: "Bem' de certo,se voc no consegue gostar. do Sergius, voc novai nunca faz-lo. bem, no ?". Ea me deumestalo, e algo aconteceu,' eu acho, quemefezniudarde atitude. Minha. nova posturaque talvez me es-tivesse fazendo fa1taat ento, mudou radicalmen-te minha relao com, tudo o que envolve o traba-lho de interpretao; .. ,.',''.,': " .' '

    , .,. . .:

    io. ' Tomando vergonha e entrand~ p.arlt a escola

    As escolas de teatro, so um pr-requisito rela-tivamente recente para; a profisso. Era comum queos jovens aspirantes do palco aprendessem por sis, nos bastidores de uma companhia de teatro, nuesperana de serem usados em pequenos papis que'os fizessem notar. W. Duncan Ross; que dirigiu al-gumas das esc:olas' de terttro mais importantes di!Inglaterra, do Caild e dos Estados Un'dos, l.embraotipo de inCidente que certamente ocorrim na ear-reini, depraticamel1te todos os atares; .

    " Nos anos 50, euestav~ trabalhndQ!1o Nottin-gham play-house e ,procurvamos UIll. aprendiz ., quefizesse aquela srie de pontas que preisam ser fei-tas no teatro. Um jovem notvel, louro e de olhos,azuis, "fez um teste" para o trabalho. Sua forteambio para a carreira era bvia e ele: :era talel~toso dema's para ser usado como um "quebra-galhos". O rapaz' ioimbravi3ivlnnle desapon-tado, .,' ",', ,

    . Trs anos mais tarde, eu estava no teatro Ol~Vic, de Bristol, assistindo a:uma' rroduo de THElY.[ATCHJ'4AKER;na, qual, o' mesmo jovem estavafazendo um timo trabalho no pequeno papel, deum cocheiro. Logo aps otrmino, do espeteulouiaos bastidnresparabenz-lo, e perguntei o que elehav a feito desde aquela entrevista em Nottingham.O jovem Peter O'Toole respondeu: "Fui para aRADA (Real Academia de Artes Dramticas) e fizum teste; aquela experincia me fez tomar vergo-nha e procurar, uma formao adequada para umatar. 17

  • 18

    11. A regra de {Juro

    Paul Muni' era um atar muito esforado lU!Filadlfia quando" um dia, W. C. Fields apareceuns bastidores aps uma matin;

    "Voc nunca vai conseguir ser um saltimban-co, meu rapaz "disse Fields" seus olhos so tris-tes demais. "Os olhos de'Muni devem ter pare-cido mais tristes ainda, porque Fields completou:"Mas no oua o que eu digo, rapaz, todo o meusucesso baseia-se em uma s regra: nunca ouaconselhos de nirigum!"

    FALAS

    12. Uma vez em Roma

    Sabe-se 'do seguinte incidente com' ColleyCibber. Certa noite, fazendo uma comdia romana,quando disse as palavras "naquela poca eu estavaem Roma"; ele parou rapidamente., Ele procurou aajuda do ponto e, no encontrandc-o, correu emdireo aos bastidores, agarrou o homem pelo co-larinho, puxou-o para a luz do palco, e disse: "Vouenforc-lo, seu patife, o que que eu estava azen-do em Roma? Por que voc no me diz?"

    13. O ponto

    No teatro moderno, a figura do ponto tornou-sequase obsoleta apesar de algumas casas europiasrinda colocarem algum lU! ca'xa do centro dafrente do palco. Atravs dos sculos os atares com-plementavam suas rendas com espordicos traba-lho.~ de ponto, como tambm os aspirantes mal su-cedidos se resignavam a obter a glria do palcoatravs de tal proximidade. Infelizmente, algunsdesenvolveram personalidades amargas e vinga-tivas.

    , Diz-se que o velho Barry, como era' chamado oantigo pontada Teatro de Dublin, que ele era toindependente e abstrado do texto encenado queuma noite, quando um atar "emoacou" e olhou an-siosamente para Barry nos bastidores, pedindo' a

    "deixa" (como chamado), Barry, que obviamen-te estava ocupado com outra coisa naquelecmomen-to e com o pensamento longe dali, nem percebeuque o chamavam; at que finalmente, o ater, de-sesperado chamou-o: "Barry, me d o textupnrfavor!" E Barry respondeu, com a calma de umponto e a impressionante dstrao de um irlands,em alto e bom tom: "Que texto, meu garoto ?I>.E calmamente molhando os indicadores, comeou afolhear o script para, acompanhar o infeliz pecador.

    . ,

    14. Ajuda demais

    Todos sabiam que, Ellen Terry tinha pssimamemria.

    Quando estudava um de seus p~pis '1lU!is im-portantes, lU! produo de Irvinq de Madame SarisGne, ela recolheu-se para um balnerio tranqilo.Ela nunca conseguiu decorar suas falas.

    Na noite de estria havia pontos escond'dos emcada entrada, atrs das cortinas da janela e nala-reira; no momento que' ela parava, ouviam-se mut-mrios e assovios por todo o palco. No final; com-pletamente confusa, ela parou, bateu palmas 'e 'disseem compasso: "Ser que algum pode no me dro texto?

    15. Lapso

    Aqui, Sarah Bernhardt descreve o pesade10 doatar.

    Certa vez, sem que eu percebesse, eu tive umsrio lapso de memria no palco. Foi em Londres,no Ga'e1y Iheatre, Eu tinha sofrido talhemorra-gia que o Dr. Vintras e o Parrot recusaram-se ame deixar trabalhar, naquela noite, em O Estran-geiro, de Alexandre Dumas. No dei ouvidos. De-ram-me uma soluo de pio que deixou' minhacamea um pouco pesada. Quando entrei no rlcoeu estava quase inconsciente, mas fiquei maravi-lhada com a recepo do pblico. Eu andava comouma sonmbula, tentando me encontrar no palco.Minha voz soava muito longe para mim. Eu estava

  • naquele '. torpor delicioso causado-pelo efeito demorfma, do pio e do haxixe. .

    Durante o prme'ro ato correu tudo bem, masnOi terceiro, justoquando eu, Sra.Clarkson, conta-va Duquesa deSeptmonts (feita por Croizette),todos os males que afligiam a minha vida, quandoeu :deveria ter comeado a contar minha histriainterminvel, eu no conseguia me lembrar denada; Croizette sussurrou minha primeira fala;eu via seus lbios se mexendo, mas no conseguiaouvir /nada, Ento, falei calmamente: A razopara t-la chamado aqui, madame, que eu gosta-ria de inform-Ia sobre as razes dos meus aios ...pensei bem e decidi no revel-Ias hoje.

    Sophie Croizette olhou para mim aoavorada,levantou-se, e deixou. o palco com os lb'os tremen-do e' o olhar fixo em mim. "O que aconteceu?"perguntaram, vendo-a' sucumbir numa roltrona,quase sem resnrao. Sarah enlouqueceu! Estoudizendo, ela est completamente louca! Ela nuloutoda a nossa cena. Como? Ela pulou duzentas falas!Por qu? No sei. Parecia calmssima."

    Toda essa conversa, me contaram; foi rpidademais para que pudesse ser registrada. Coquelinfoi av'sado e subiu ao palco para terminar o ato.Qua,ndo' as cortinas se fecharam, continuei zonza etriste com o que me haviam dite. Eu no haviapercebido nada. Sob o efeito do pio, eu havia per-dido . a memria momentaneamente. Felizmente,consegui recuper-la para fazer algumas coisas quedevia Jazer no quinto ato, no qual tive um timodesempenho. Dificilmente eu me atreveria a dizerque a platia no percebeu o corte acidental.

    16.. Memria. i .

    John Henderson, ator muito qdmirado .noscttlodezoito, era outro que possu~ uma memriaadmirvel. Oprofessor Dugald Stewart testou. suashabilidades.

    '. Na presena do filsofo, ele pegou um jornal e;apsI-leapenas uma vez, repetiu uma parte toextensa do que havia lido, que o professor ficou

    maravilhado; Ante' a .surpresa desse, Hendersonrespondeu modestamente: "Se o senhor tivesseanos para garantir seu po de cada d'a, o senhorno estaria to maravilhado com o fato de um h-bito ter criado esta minha facilidade dememori-zao,

    17 . Associao

    Macready, certa vez, foi prejudicado na peaVirgnio. O ator que fazia o papel de Numitoriono conseguia se lembrar do prprio nome. -e-- Vocvai se lembrar, senhor - disse o autor trgico,pronunciando .0 nome cuidadosamente, -.pela as-sociao de idias. Pense nos Nmeros, no Livro dosNmeros. Numitor'o passou o dia pensando nele,e, noite, a "associao de idias" produziu o S-guinte resultado:

    Numitorio: - Onde est Virgnia? Por querazo voc prende as mos daquela jovem? ..

    Cludio:-Quemest perguntando?

    Numitorio: - Eu, seu tio- Deuteronomol

    18. Vma orao

    A maioria das histrias de pessoas que bebemmuito referem-se a homens, mas pelo. menos umaatriz era famosa pelo seu amor . bebida.

    verdade que Tallula "ama" todos os lquidosque contenham lcool, no importa a qualidade,com exceo do "scotch". Ela gosta de Dubonnet,de vinho do Reno, de vermute comcassis, deBourbon com gua cristal, de whisky moda an-tiga, de ehampagne, de cerveja, de conhaque, dechope, ou cerveja preta - e gosta de beb-los subs-tancialmente. Uma de suas favoritas uma poomgica chamada Francesa 75: conhaque com umpouco de champagne, Ela capaz de "entornar"seis Francesas 75 sem perder seu invarivel sangue-frio. No restaurante de Sardi, onde ela costumaalmoar,seu prato favorito, que- no consta nomenu, uma tijela de vichysoisse acompanhada' dequatro daiquiris, .\ ,'. 19'".,

  • 2

    .....".. .Assocado' a seuhbito d beber, ela semprecumpre um ritual curiosoem seu camarim, momen-tos' antes de sa .' pr.meira entrada danoite de es-triade uma pea. Ajoelha-se em frente s foto-grafias de seu pai -e de sua me, em molduras dou-radas, sobre a mesa de maquiagem. Cruza as mossobre o peito e reza em silncio. Querido Deus,por favor, no permita que eu faa alguma bestei-ra esta noite." Depois, bebe uma taa de cham-pagno.

    1~ : ImproiJ::a,

    ..' Oi atores, como, os estudantes, adoram pregarpe;as. As mais comuns incluem sumir com rouFasecabids, imadilhqs para fazer de bobos os nova-ts desasad~s, ou falsas cartas elogiosas paraen-vaidecer os membros do elenco. E. Allen Smitn,que escreveu o livro sobre estas brincade;ras, citatruques "primrios como segurar uma ostra ou umabola de creme gelado q'(tando tiver que apertar asmos de outro atar no palco. Smith chama o palcode paraso dos brincalhes.

    A histria de Eva Arden e um telefone depalco um exemplo. Ela estava. trabalhando emum teatro e quando ela estava no meio deuma falalonga eimportante, o. telefone tocou sem queespe-rassem, ~va parou e olhou. para. o.ator que contra-cenava com ela. Osorriso maroto em seu rosto mos-trou-lhe qe a gracinha havia sido obra dele. Elad'ricliu-serapidamehte para' o.telefone, respondeuii chamada,' e depois virou-se para o atar e disse:"": para voc ....:. Apesar de esforar-se para impro-visar uma 'Conversa, seu desempenho foifraco eartificial' e quando ele terminou Eva' retornou suafala como se nada houvesse acontecido,

    MULTID:ES E EXTRAs

    20. o tdio a mensagem

    oatol' ingls William Terrise foi assassinado dolildode fora da portado palco do Teatro Adelphiem 1897, por Richard Price, um figurante recm

    demitido. No'rr'rUllfuerite esses sujeitinhos in.Signifi~cantes costumavam se V;rgar de f.arma menos vio-lenta ... , .

    Um jovemator;' ambicioso ms sem niuit ta-lento, empregou-se na .companhia 'shakesperlan~ deteatro itinerante de sir Donald Wolfit para fazer fipapel de mensageiro final de Macbeth, o quaf temque entrar correndo rio palco,gaguejar "M:'lse~nhor, a rainha morreu", e sair correndo. Fi o'queele fez durante vriastemporadas, at que; ente-diado, pediu a sir Donald um papel maior.' Wulflitrecusou-se, apesar dos inmeros apelos do ator. Esseassunto tornou-se.vento, uma verdadeira obsessopara o atol'. Cada vez mais deprimido, dormia eacordava. pensando em vingal')a a.t~ certa noite,quando decidiu .sabotar a pea..No espetculcse-guinte, ele entrou apressadamente no palco' e'4is~e:Meu senhor! A rainha sente-se muitomeJhre neste momento est at jantando." E saiu corren-do, dexando para o perplexo ator-diretor a. :tarefade consertar a situao da melhor maneira PQssjveL

    21. Cena de inultido'

    Edwal'd Gordon considerado um ds gni.')sdo teat1'Oinoderno,ttulo com o audlletef~con;cordado inteiramente; Filho de Ellen Terrfj, era na:.tural que ele se dedicasse cimeira o.rtstic.Noteatro a justi dura; apesar dealgurras vezes re-cair sobre ohomrr errado. ",." ,

    r' .'. .. I... _ .

    Craig nunca foi valorizado por sua modstia eno era muito querido no teatrnesoecialmene ,pe-los extras. Na cena da batalha em Cymberlin,elee Ben Webster tinham que lutar abrindo caminho,ombro a ombro, por entre um grupo de figurantesque lutavam. Certa vez, Ben percebeu que o esta-vam espetando por trs com uma escada, e .batamem sua cabe'a com ummachado, alm de 6. empur-rarem llluito alm do necessrio. Ele flnaJrhehte,virou-se para s tropas e murmurou furios*hte:"Que diabo vocs esto fazendo?" O exrcito hesi-tou um pouc parou. "Nos desculpe, sDhor!"disse um deles "pensamos que o' senhor fosse osr. Graig." .

    "

  • 22. Agradeo, mas no, obrigado

    Certa vez, numa emergncia repentina, chama-ram Orlando Day, um atar londrino de quarta ca-tegoria,; para substituir um astro por uma noite,Apesar da pea estar em cartaz h algum tempo,ele mandou telegramas para vrios crticos e tam-bm.para oautor da pea, J. M. Barrie, anunciando:"Orlando Dav esta noite substituir Allen Ains-worth no Crerion". A resposta de Barrie foi re-gistrada. Ele telegrafou de volta ao ambicioso atar:"Obrigado por ter me avisado a tempo."

    AMADORES

    23. Quintessencial

    As grandes jiguras do teatro, em grande parte,comearam como amadores. O dramaturgo e poetaJohn Drinkwater, jundou com Barry Jacks.on aCompanhia Teatral de Birmingham, um dos teatrosmais importantes da Inglaterra no come;odestesculo. Antes disso ele havia sido atar amarL~r ed, ~qul, em suas lembranas,. a. essncia da atitu-deamadorstica.

    Quando jovem conheci Barry Jackson em Bir-mingham .~ ele tinha a minha idade. Vivamospara o teatro e fundamos juntos o Pylgrim Players,um grupo de amadores diferente da maioria, poisos membros tinham que dedicar todas as suas noitesda semana aos ensaios. Ns. dois atuvamos. Achoque .representei sessenta ou setenta papis de todosos. tipos, mas eu no era um bomater - quandono. gostava de ..uma. personagem, minha vontadeera dizer. para o. pblico, "Saibam que este aquino sou eu"..

    '') .

    24: Ata.que ao ponto

    Um certo amador, que mais tarde chegou a co-mandar um excelente grupo de teatro da Esccia,numa ocasio no foi muito bem no texto de suapersonagem. Em termos teatrais, ele no havia' de,corado suas falas. O ponto ento, teve muito tra-

    balho - mas infelizmente seu esforo parece tersido exagerado. Imagine o deleite da platia ao ouviro ator inserir no texto (acompanhado por vigorososgestos do homem na caixa do palco): "Basta! Eusei disso!"

    Temos tambm a velha histria do mensageiroem NIacbeth, quando Macready fazia o Senhor deCawdor. O ponto havia ajudado o novato a repas-sar suas falas, as quais foram repetidas perfeita-mente, assim: "Meu senhor, como estivesse ali

    . na colina, de guarda, olhei para Birnam. E pare-ceu-me ver que a floresta dali comeava a se mo-ver", (em um s flego). Mas quando Macbethrespondeu "Mentiroso!", o coitado caiu de joelhosexclamando: "Eu juro,' sr. Macready", 'apontan-do par o ponto - foi o que ele me disse!

    (Extraido de Theafrical Amcd~tes,' Oxlord Univ. Prrss.. 1987.Traduo de Maria Juliana Braga. Colaborao do Curso deTraduo da pue-Rio). 21

  • Adriana Sampaio Leite (l)

    (1) Figurin'sta e Comunicadora Visual.

    CONSIDERAES SOBRE OFIGURINO

    EM UMA MONTAGEM TEATRAL

    A partir da primeira leitura do texto tem-sematerial de anlise para escolher a linha a seguir;de uma segunda vez j se pode analis-lo' sob oponto de vista tcnico, "decupando", detectando si-tuaes diversas, trocas de roupas e de cenrios.Quanto aos atares preciso levar em consideraoo fsico, a pele de cada um, para constituir a roupa

    I favorecendo ou desfavorecendo o que o personagemI precisa.

    No decorrer dos ensaios, vai-se tendo noo daforma do espetculo, No comeo das mareaces nopalco, pode-se ter a noo de relao roupa/movi-mento/ator. Existem limites da roupa, enquantoobjeto, que devem ser considerados para serem

    A partir do texto "Etapas de uma montagem", equacionados.de Bertold Brecht, podemos fazer um paralelo noque diz respeito ao processo de montagem de um Quando o cenrio delimitado, ainda comofigurino, desde a sua concetuao at a sua pro- uma etapa de marcao no palco, deve-se estudarduo. como os ateres se movem no espao fsico. con-i-

    Brecht divide o processo de montagem de um derando a relao movimento/ roupa e delimitaoespetculo em etapas: desde a primeira leitura do espacial. So momentos estticos, operando com atexto at a apresentao do espetculo ao pblico. forma, cor e textura. H que procurar perceber deO processo da criao do figurino segue uma linha que forma pode o vesturio render mais.ao mesmo tempo paralela e de interao com o Nos ensaios parcia's, momento em que cadaresto da montagem. cena tratada separadamente, torna-se oportuno

    Fazer teatro trabalhar em equipe. O figurino refletir o caminho que o trabalho do figurinistaveste o atol' que est dentro de um cenrio, debai- est tomando, em paralelo ao trabalho do atol'. Axo de uma luz, seguindo uma determinada direo. partir da, procura-se trazer todos os aparatos que

    No se pode imaginar isoladamente uma roupa, o personagem tem que usar, para que os ensaioscomo se ela estivesse apenas fazendo Moda. sejam feitos com estes elementos, a fim de que os

    A roupa no teatro, mais do que bela, tem que I ateres se familiarizem com objetos como culos,se fazer verossmel. A sua parcela, enquanto comu- bolsas, saltos altos, saias compridas, etc ...nicador~, ~ necessri~. Mas importante perceb:r Nos ltimos momentos, h que se a ,arar aso seu limite vale dizer o ponto em que ela nao . .. P

    b' f do t' ' lt arestas, assim como se estivesse pintando um qua-

    rou e a cena o uscan o o que es a a sua vo a. ,, . . . dro, Sempre e tempo de acrescentar detalhes ouAlem do proces.so mterno do grupo, o igurino tirar excessos, ou de transformar o que incomoda.

    tem o seu pro] eto independente, que corre em pa- , .., "ralelo, Normalmente, a conceituao do espetculo .A feitura do figurino e um trabalho de carpm- feita em grupo (diretor, cengrafo, figurinista, ~aIla" um Ir e v:' para ~e achar ~ ponto c~rto. Paraetc.), A partir desta conceituao o projeto deslan- IS.tO e r~comendavel mL1~ta pesquisa e muitaabsor-cha. So os desenhos, a forma e a cor, primeira- ~ao. Se,l~ o texto localizado na atualidade ou emmente de ois a esquisa de materiais das textu- epocas diferentes,,p p ,ras e, per fim, a execuo das roupas. Tenha-se como certo:

    A roupa comunica, passa sua mensagem, cria

    Iuma relao de troca com o atol', compondo o per-sonagem.22

  • CRTICA INTERNACIONAL

    ARTIST DECENDING ASTAIRCASE

    de Tom Stoppard

    ,-' "

    OBSERVER7.8.8.8Michael Hatcliffe

    No ano .de 1922, trs jovens surrealistas derequintada mentalidade burguesa observam emcrescente exaltao uma jovem bela e cega servi-los de ch, leite e acar sem deixar respingar umagota sequer. Os jovens encaram o evento, tantocomo; uma vitria sobre a desgraa quanto comoum triunfo da representao. artstica. A peaA1'tist Descending a Stai1'Case, de Tom Stoppard,dirigida por Tim Luscombe, em cartaz em KingsHead, uma d.vertda e comovente pea de rdio,datada de 1972 e pela primeira vez encenada. TomStoppard havia recm escrito a excitante Jumpel'se estava prestes a colocar a maravilhosa Tro.vestiesem cena.

    A pea se passa em 1972 quando o relaciona-mento' dos trs surrealistas j velhos se encontradesgasdo e, talvez um deles, Beuchamp (PeterCopley] ou Martello (William Lucas) tenha em-purrado Donner (Frank Middlemass) escada abai-xo. As onze cenas voltam ao tempo at 1914, pocaem que as ambies artsticas de inocentes se opu-nham ao front que inaugurava a Primeira GrandeGuerra Mundial; e avanam novamente no temporetomando o incio da pesa em 1972. A morte deDonner. . ainda um mistrio. O gravador de Beu-champ no qual ele gravava silncio sobreposto emcamadas, como quem dobra uma pea de cama em

    lisa e guarda-a em camadas parece finalmente tergravado uma mosca sendo esmagada.

    Art:st Descending a Staircase traz Stoppard emexcelente forma, permitindo entre seus perso-gens um dilogo leve e, em sua maioria, verdadei-TO com respeito habilidade, talento, artesanato,imaginao e arte; e ao mesmo tempo levando-osao suicdio devido a suas cegas obsesses. Sophie(Sarah Woodward) d vida pea interpretandocom notvel sensibilidade e os trs . artistas maisjovens - Karl James, Gereth Tudor Prince e JohnWarnaby -; combinam a amargura de quando maisvelhos com a ingnua insensibilidade da juventude.Uma mudana do espetculo para Mayfair ouPiccadlly, mais do que merecida, suprimiria o in-tervalo, aparentemente exigido por especuladoresde bares de teatro, dessa forma ento a pea cor-reria por 90 minutos seguidos sem intervalo.

    Time Out10.8.88Helen Rose

    A curiosa pea de rdio de Tom Stoppard ago-ra montada cor Tim Luscombe se utiliza de frag-mentos de diferentes pocas para expor a imagemtotal de um evento, do mesmo modo que DuChamps reuniu diferentes aspectos de seu tema naobra Nude Descending a Staircase com O propsitode representar uma seqnca estroboscpca demovimentos evolutivos. O cenrio de Martin Chit-ty incorpora idias da famosa pintura de DuChamps por meio da qual os trs artistas deStoppard - um pintor, um msico e um escritordesenvolvem a trama.

    Quando a cortina se levanta estamos no anode 1972 e o artista Donner encontra-se morto aop da escada. Usando um misterioso assassinatocomo pano de fundo, Stoppard explora uma sriede eventos que justapostos culminam nesta ima-gem final. Subindo e descendo nos anos como numaescala musical, as onze cenas da pea retornain aoano de 1914 e em seguida avanam novamente atinstantes depois da cena de abertura sobrepondo asdiferentes pocas. A pea gira em torno de uma 23

  • GUARDIAN3.8.88 INicholas de Jongh

    jovem cega, Sophie (Sarah' ~oodward) e seuamor imprprio por um dos artistas, O ponto cen-traI da pea trata de como "vemos" um evento e oassimilamos' como verdade. A ltima cena, permi-te platia uma viso de um inc'dente, enquantoos personagens permanecem no escu:o. Ape:ar daproduo de Tim Luscombe perder a'introduto ~oscacos' sonoros do original, alm de cometer o im-perdovel equvoco de incluir u~ intervalo inopor-tuno e injustificvel, ela se exb com um elencode personalidade e talento cuja atuao e, sem d-vida alguma, aparncia se completam mutuamentede forma perfeita no passar dos anos.

    City Limit~11:8.88Teresa Allen

    Artist Descending a Staircase, de Tom Stop.pard se concretiza finalmente de forma fascinanteevoluindo com tamanha complexidade, avanando eregredindo no tempo, que o pblico se v constan-temente ameaado a perder o fio da meada, ao mes-mo tempo que mantm os olhos paralisados na en-genhosidade da ao. Arrepio s de pensar nograu de dificuldade da pea - pela primeira vezencenada, no Kings Head, mais de 15 anos depoisde escrita - quando interpretada no rdio, meiopara o qual ela foi escrita. '

    Mas a forma da pea, que dura. 90 minutos,' hbil e engenhosamente comandada por seu cn-tedo. Isso porque, Stoppard montou.a pea com ainteno de mostrar o modo como a revelao e a

    T St d t ' da reminiscncias de ' experincia so, captadas com o passar do tempo.om opparo, a raves s ,A pea faz uma meditao sobre o, artista ,~ sua

    trs artistas j idosos, explora aquilo que entende, habilidade ilusria de ver mas no perceber, oudemos como arte e faz uso de um humor sarcstico ' d d

    perceber tarde demais. O artista acusa o, e serreferindo-se s extravagncias surrealistas nessa um diletante. Sua habilidade de ver o impede demistura sofisticada do inteligente, do misterioso, do perceber e quando ele descobre, v de fato, j romntico e do trgico. A estrutura da pea Art;st tarde demais. Uma romntica alena mitalDescendinga Staircase (Kings Head) .:- seis cenas est por trs do que parece ser o passate~pi ~evoltam no tempo partindo de 1972 at 1914, em se- Stppard: ridicularizar os pretextos e as 'prete!}.guida cinco cenas avanam novamente no tempo':':': ses de artistas em seus trabalhos. !acabaria com um dramaturgo menos talentoso ou ,

    Em primeiro lugar as complexidades. Sloppardum elenco menos competente; os talentosos e vete- organizou a pea com onze cenas, comeando emranos Willim Lucas, Peter Copley e Frank Middle~ 1972 quando um dos trs artistas, que morain jun-mass 'interpretam papis que parecem feitos sb tos, encontrado morto. A pea trata. da soluo domedida. Stoppard, como sempre, demonstra inteli- crime. As cinco cenas subseqentes, como que segncia de sobra, atirando idias que variam de pro, sobrepondo em camadas, voltam cada vez mais nofundas e pretensiosas a simplesmente banais, con- tempo e na v.da desses trs homens, Martello, Beu- , 'troladas pela habilidade do autor de passar do su- champ e Donner, Comea voltando algumeshcrs,blime ao ridculo com facilidade. Entretanto, depois uma semana e em seguida pula paraq pas-Sarah Woodward quem torna a noite gloriosa in- sado longnquo de 1922, 1920 e 1914. As cinsoenasterpretando uma jovem cega que entra na vida dos finais retomam a ao do final da quinta, d quar-trs artistas. Ela gil, sensvel e viva e na cena ta, da terceira, da segunda e da primeira ceila::Esseem que, sem viso, serve uma bandeja de ch, a processo permite platia chegarao esclar~ciriienplatia parece perder o flego. A ironia cruel de to num processo similar ao dos trs artistas. 'A 'peaseu destino, como revelado na ltima cena, le- vai e volta no tempo.' Sua estrutura romo 'ovanta mais uma vez a questo da percepo huma- quadro de Du Champ de onde Stoppard tira 'o t,na e seu arrasador golpe de mestre. tulo da pea.24

  • , Os trs artistas em conflito, que no incio apa- 'recm mais velhos, so artistas experimentando aarte, mudando suas prprias formas de expresso,mas que mantm constante a lembrana do amorpela bela Sophie, uma jovem cega porm fascinan-te, j falecida, que irrompe em suas vidas na dca-da de vinte. Sua morte, um suicdio problemtico,deixa dvidas que os perseguem por toda vida. Elaamava o homem que pintara o quadro que haviavisto antes de perder a viso. Mas, como no podiade'xar de' ser, os artistas nunca puderam' ver oquadro com clareza. Um erro. era cometido, perce-bido, obviamente Sem querer, mais de' 50 anosdepois.

    , Stoppard refora essaidia da falta de viso doartista, anloga cegueira da moa, com o espe-tculo dos trs artistas de frias na Europa emagosto de 1914. Na produo de Tim Luseombe osom e a imagem das prime'ras horas de guerra osmostra insensveis. Acena impressionante e hor-rvel ~ o espetculo de homens perdidos na arte.E um espelho de tudo.

    A produo de Luscombe um pouco dificulta-da pelo pequeno palco e pelas formas abstratas docenrio de Martin Chitty. Alm disso ele parece noconseguir persuadir seus atares a reagir com .sur-presa' ou' emoo bastante quando suas personagensmasnovss assumem o palco. Mas o elenco foi mui-to bem escolhido e a pea interpretada de forma'magnfica - Peter Copley e Frank Middleinasscomo personificao da velhice respeitvel e reclusa.Os trs atares jovens so bastante parecidos com ostrs mais velhos: Sarah Woodward como uma moaperdida irradia uma certa delicadeza de triteza econformao. Entretanto, com exceo da cena nicade guerra a pea s mantm magnificamente inte-ligente, fria e seca. A emoo no transmitida,mas est implicita na pea.

    (Extrado de Theaire Record, London, 1988. Traduzido porMai Ins D. Carelli. Uma colaborao do Curso de Traduodo Departamento de Letras da PUC.Rio.)

    ;.i I

    \. ','.' '.

    ,1:~'/ '., .,i''if;\;/

    " ::

    25

  • No 229 banqueiros incineramduplicatas vencidas e das cinzasnascem novas duplicatas.

    No 109 o rei instala seu gapinetesecreto e esconde a coroa decrisprasos na terrina.

    No 119 moram (namoram?)virgens contidas em cintos decastidade.

    No 15' o ltimo leitor de Dante,o ltimo de Cervantes, o ltimode Musil, o ltimo do DirioOficial dizem adeus palavraimpressa.

    No 169 agricultores protestamcontra a fuso de sementes quefaz nascerem cereais investidos eo milho produzir crianas.

    No 129o aqurio de peixesfosforescentes ilumina do teto apoltrona de um cego de nascena.Ateno, 139. Do 24~ baixar s23h um peloto para ocupar-te eflitar a bomba suja, de que tedizes depositrio.

    No 14' mora o voluntriodegolado de todas as guerras emperspectiva, disposta a matar e amorrer em cinco continentes.

    j'~:

    11

    No 239 celebra-se o rito do boimanso, que de to manso ganhoubiografia e aurola.

    No 249, vide 139.

    No 259 que fazes tu, morcego do3~? que fazes tu, miss adormecidana passarela?

    No 269 nossas sombrasdespregadas dos corpos passeiamdevagar, cumprimentado-se.

    O 279 uma clnica de nervosdirigida por general-mdicoreformado, e em que. aos sbadostodos se curam para adoecer denovo na segunda-feira.

    Do 289 saem boatos de revoluoe cruzam com outros decontra-revoluo.Imprprio a qualquer uso' queno seja o prazer, o 299foideclarado inabitvel.Excesso de lotao no 3{)No 31~ a Lei afia seu arsenal deespadas inofensivas e magistrados

    No 179 preparam-se oraes de cobrem-se com cinzas de ovelhassapincia, tratados internacionais . sacrificadas.e bulas de antibiticos. No 329 a Guerra dos 100 AnosNo se s.ab~ o que aconteceu ao continua objeto de anlise189. Suprimido da Torre. acuradssima,

    No 199 profetas do Antigo No 339 um homem pede para serTestamento conferem profecias no crucificado e nao lhe prestamcomputador eletrnico. ateno.

    No 209, Cacex Otan Emfa Joc Juc No 349 um ladro sem ter o queFronap Fbi Usaid Cafesp Alalc roubar rouba o seu prprioEximbank trocam de letras, relgio.viram Xfp, Jjs, Ixxu e que No 359 que.xam-se da monotoniasei mais. d deste poema e esquecem-se a

    monotonia da Torre e das queixas.Um mosquito , no 369, o nicosobrevivente do que foi outrora

    TEXTO PARA ESTUDO

    POEMA DA TORRE SEMDEGRAUS

    No trreo se arrastam possuidoresde coisas recoisificadas.

    No 19 andar vivem depositriosde pequenas convices,mirando-as, remirando-as comlentes de contato.

    No 29 andar vivem negadores depequenas convices, pequeninoseles mesmos.

    No 39andar - tls tls - a noitecria morcegos.

    No 49, no 79, vivem amorosos semamor, desamorando.

    No 59 algum semeou de preos,dentes de fera, caco de espelho, apista encerada para o baile dasdebutantes de 1848.

    No 6Q rumina-se poltica nacerteza-esperana de que a ordemprecisa mudar, deve mudar, h demudar, contanto que no se movaum alfinete para isso.

    No 8Q, ao abandono, 255 cartasregistradas no abertas selam omistrio da expedio dizimadapor ndios Anfika.

    No 99cochilam filsofosobservados por apotegmas queno chegam a concluso plausvel.

    Carlos Dl'ummond de Andrade

    26

  • residncia movimentada comjantares, peras, paves.

    No 379 a cano:Filorala amar!inalouliseno i flanurame!iglcio omoldanaplunigirio olanin.

    No 38Q, o parlamento sem vozadmitido por todos os regimes,exercita-se na mmica de oraes.

    No 399 a celebrao ecumnicados anjos da luz e dos anjos datreva, sob a presidncia de ummeirinho surdo.

    No 409 s h uma porta, umaporta, uma porta.

    Que se abre para o 419 de'xandopassar esqueletos algemados econduzidos por fiscais do Impostode Conscincia.

    No 42Q goteiras formam um lagoonde Miam ninftias e ninfetasexecutam bailados quentes.

    No 43Q, no 419, no ... (continuaindefinidamente) .

    27

  • 28

    SBRE OS MALES QUE OFUMOPRODUZ C)

    MONLOGO DE ANTON CHECOV

    Traduo de Maria Julieta Drummond

    Personagem - IVANoVIcH HUSMEADROV, maridode sua mulher, a qual, por sua vez, propriet-ria de um Conservatrio Musical e de umpensionato para moas.

    o cenrio representa palco de um clube deprovncia.

    HVSMEADROV, costeletas compridas, sem bigodes;usa 'um 'fraque pudo, entra com ar solene, cum-

    .. '., .primenta e' ajeita o colete - Respeitveis senhorase, de certo modo, respeitveis cavalheiros, (Alisa ascosteleta.s) Minha mulher qu's que eu fizesse aquiuma conferncia popular, com fins de beneficn-cia .., E por que no? V l, uma conferncia; paramim tanto faz. Claro que no sou professor e estouafastado das instituies cientficas. Mas, contudo,e apesar de tudo, e at se poderia dizer que custade minha prpr.a sade, h trinta anos que estoutrabalhando sem cessar em problemas de ordempuramente cientfica, que medito e at mesmo es-crevo de vez em quando artigos cientficos querdizer, no propriamente cientficos, mas como sefossem. Diga-se de passagem, h dias escrevi umenorme artigo denom'nado: "Sobre os Males Oca-sionados por Alguns Insetos". Minhas filhas gosta-ram muito, especialmente da parte que se referiaaos percevejos, mas eu li e rasguei. Pode-se escre-ver sobre qualquer coisa, mas impossvel viver

    (1) Atendendo a inmeros pedidos de leitores. estamosrcpubllcando esse monloqo, oriqlnalmente divulgado no nme-ro 49 dos Cadernos de Teatro, j esgotado.

    sem o p-da-Prsial At no piano h percevejos.r.Para tema da minha conferncia de hoje escolhi, seassim me posso expressar, os males causados hu-manidade pelo uso do fumo. Eu, pessoalmente,fumo; mas minha mulher me ordenou dissertarhoje sobre os males que o fumo produz e, ento, intil discutir. Sobre o fumo? V l, que seja sobreo fumo, para mim tanto faz. Mas quanto aos senho-res, respeitvel pblico, convido-os a ouvir minhaconferncia com seriedade, para evitar que algumacoisa desagradvel acontea. Os que receiem cace-tear-se com uma palestra rida e cientfica, podemretirar-se, sem ouvi-la.

    (Ajeita o colete)

    Peo especialmente a ateno dos mdicos aqupresentes - eles podero extrair de minha confe-rncia muitos elementos proveitosos, porque o fumo,alm dos efeitos nocivos que tem, utilizado' tam-bm na medicina. Por exemplo, se prendermosuma mosca numa bolsa de fumo, ela morrer, pro-vavelmente, pela decomposin do seu sistema ner-vose.

    O fumo principalmente uma planta. Quandofao minhas conferncias, pisco geralmente. bolhodreito, mas de nervosismo, Sou normalmente umhomem muito nervoso, e comecei a piscar em 13 desetembro de 1889, no mesmo dia em que minhamulher deu luz, digamos assim,' a minha quartai'ha, Brbara. Todas as minhas filhas nasceramnum dia 13. Mas (consulta o relgio) por falta detempo no podemos nos afastar nem nos desviar dotema da conferncia. Devo dizer-lhes que minhamulher tem um conservatrio de msica e umpensionato particular, quer dizer, no exatamenteum pensionato, mas qualquer coisa no gnero. Aquientre ns, minha mulher gosta de queixar-se dafalta de dinheiro, mas tem guardados uns quaren-ta a cinqenta mil, ao passo que eu no tenho nemum centavo, nem um vintm. Mas, para que falardisso? Sou o administrador do pensionato, comproos gneros alimentcios, fiscalizo as empregadas,controlo as despesas, forro os cadernos, mato ospercevejos, levo o cachorrinho de minha mulherpara passear, cao camundongos... Uma noitedessas fui incumbido de entregar farinha a mante-

  • qemme'que'xat.Sinto tvontad'de'chorar! Ossenhores diro -e as filhas? .. ~ Qiiefilhas? Flocom elas las riem... Millh fullrer tem stefi]has ... P~fdo, acho que so 'seis. .. {VivamenteyNo, 7! . :" "

    , ' . Ana; a maisvelha, tem 27an"JI;..a cacula, 17,Respeitvel. pblico (depo:s' de '..o"harpara trs)"sou um i pobre diabo, transormei-me- num idiota\num mi'ervel.Na realidade, porm, 'est diantedos senhores: um, dos paisma'pMlzes: do mundo.Se . ao .menos os senhores ,soubesserrt!Vivi .commi~haliluJher33 anos' e.rosso di~~n' que -foramosmelhores anos de minha vida, t. 'rnelhores: no d;o,mas qualquer coisa no 'gnero: Resumindo, elespassaram como uni s momento' feliz e, 'nata dizera verdade, eles que vo para o-inferno! :(Olha piratrs) Mas 'parece que ela ainda 'no: 'chegou; noest aqui e a gente codedzer: que quser.r:,Tenho um .medo ' horrvel, ., tenho' 'medo quandelameolha." .

    "', .': O". ....\ .'. _:':" '\\

    Porque fico penando: se minhas filhas nose casaram at agora, com eerte~;;''porque soumas bobas ,.e porque os r~oazes no I tm opQrtuni~dade de v-las. Minha muJherngci.u~L~ar f2sta~,no convida ningum para ja!1ta~, uma sellhora:nuito. avarenta, se~~re zanga.da, ,F~s~urgona e Poristo nmguem nos ~ISJta, mas.; ',' ro?sq dizer~J.hes~ITlse~redo. .. ((lp10Xlma,se da nbal,ta) All,e .a.s .filhas d~minha mulher podem ser vistas em. dia,s. de grandefesta na casa de minha .ti,a J1at~li;;t.. Seminoy~,aquela senhora que sofre de reumaiismoe usa umvestido amarelo com manchinhas pretas, como' Seestivesse polvilhada de baratas, L.jambm se ser,vem pratos frios e,quando m'nhamulher no est(\,pode-se fazer isso (gesto' de b,eber). onfesso g~eme embriago com a primeira dose e me sinto tobem, e ao mesmo tempo to triste, que nem possoexplicar; no se sabe porque, a gente recorda a ju-ventude e d vontade de fugir correndo. Ah, se ossenhores soubessem que vontade! (Com entusias-mo), Correr. deixar tudo e sair correndo, sem olharpara trs! Para onde? No importa para onde ...mas largar esta vida suja, vulgar e barata que me

    " " . . .'.. " l .

    est transformando num miservel; 'num velho im- li"becil, mim polrediota. Fugirdesta'riirilher IDesi ~tI

    ga cozinheira para ela fazer umas panquecas. Poisbem, em uma palavra, quando estas ficaram pron-tas, minha mulher veio cozinha avisar que trspensionistas no comeriam panquecas por estaremcom as glndulas inflamadas. Sobraram, assim, al-gumas panquecas. Que fazer com elas? A princpiominha mulher decidiu guard-las em algum lugarfresco, mas depois pensou, pensou e afinal disse:"Coma voc, palhao!" Quando est de mau hu-mor ela me chama assim, de palhao, de vbora,de Satans. Mas que espcie de Satans sou eu?No as comi... engul-as sem mastigar, porqueando sempre com fome. Ontem, por exemnlo, elano me deu de comer. "No vale a pena alimentarvoc, seu palhao, .."

    Entretanto (comufta o relgio), j falamosbastante e nos afastamos um pouqu'nho do tema.Prossesuremcs, apesar de que os senhores, natu-ralmente, escutariam com mais prazer agora algu-ma romana, uma ria, uma sinfonia", (Canta)"No retrocederemos no ardor do combate,.," Nome lembro de onde isto. A proosito, esqueci-mede dizer queno,cQnser:vatr1'de minha mulher,alm do cargo de administrador; ocupo-me tambmdo ensino de matemt'ca, fsica, qumica, ~eografia,histria, solfejo, literatura, etc, As aulas de danae de desenho minha mulher cobra se-arado apesarde que essas aulas sou eu tambm quem d,

    Nosso conservatrio fica no Beco-dos-Cinco-Cachorros, n9 13, possvel que minha vida sejato desgraada porque moramos no nmero 213,Todas as minhas filhas nasceram em dias 13 e nossacasa tambm tem 13 janelas .. , Mas para que falarn'sso? Se precisarem de alguma informao a res-peito da escola, os senhores podem procurar minhamulher. em casa, a qualquer hora, e o regulamento vendido na portaria a 3D copeques o exemplar.(T"ra do bolso vrios folhetos) Se quiserem, possodistribuir estes.v, 3D copeques o exemplar! Quemquer? (Pausa) Ningum quer? Est bem, 20!(Pausa) Que pena! Ah, casa n9 I3! Tudo sai erradopara mim, estou ficando velho e idiota.,. Aquiestou, fazendo uma conferncia. Pareo um sujeitoalegre, mas, na realidade, est me dando vontadede soltar um berro com toda a fora dos pulmes. . ,e de ser engolido pela terra, No tenho ningum a

    ------_.~

  • qunha, cretina, avarenta, desta criatura perversaque h 33 .anos me tortura. Abandonar a msica, acozinha, o dinheiro de minha mulher, todas essasmesquinharias e vulgaridades. " e parar em algumlugar longe; longssmo no campo, e l ficar, quietocomo uma rvore, como um poste, como um espan-talho, sob avastido do cu, contemplando' a noiteinteira a luanova, clara, boiando l em cima. Eesquecer,squecer! Ah, como eu gostaria de nome lembrar de nada! Como gostaria de arrancar domeu corpo porcaria deste fraque que usei no meu'casamento 'h 30 anos ... (t:ra bruscamente ofraque) ,. e com o qual estou sempre fazendo confe-rncias dercardadel Toma;' desgraado! (Pisa oJraque) Toma! Estou velho, pobre, miservel comoeste colete 'rasgado nas costas (mostra as costas).No preCiso! de nada, estou acima de tudo isto, soumais puro' do que tudo isto; j fui moo, inteligen-te, .estudei na universidade, cons'derava-me um serhumano, !sonhava... Agor no necessita nada,nada... nada mais do que descanso... descanso ...(Olhapa.,ra .trs e pe de novo. rapidamente o fra-que). Mas atr,s dos bastidores est minha mulher;veio e estme.esperando a. (Consulta o relgio)'J.'ennina,u a. hora... Se ela perguntar, peo porfavor, ~iga!p. que a conferncia foi feita ... que opalhao, ql.!~r. d'zer, eu, se portou com dignidade ...(Olha .dqoslaio e limpa a garganta) Est olhandopara aqui, .. (Levanta a voz) Partindo do fato deque o fumo contm um veneno terrvel, como aca-bo de demonstrar, a concluso que no se devefumar d~l)l~neira alguma, e eu me permito decerto modo alimentar a esperana de que esta con-ferncia sobre. os males produzidos. pelo fumo tenhaefeitos proveitosos. Nada mais! Dixi et animam le-v,avt. (Cumprimenta e sai com ar solene) .

    . ,'.

    .r"

    I"~ .

    ~-..,..,..

    * Trad., do espanhol - Teatro Comp:eto ~ Checov -3Q .Ed. Sudamerlcana, B. Aires - Publicado em CT n' 45.

  • H;M.S.CORMORANT EM'PARANAGUA C)

    Rubem Fonseca

    QUARTO DE MANOELANTNIO

    Cama, estante cheia de livros,uma escrivaninha com papis espalhados, tinteiros, mata-borro,vrias canetas e o crnio amare-lado de uma caveira. Na paredeum espelho, oretrato de um casal,que poder ser, ou no, o dospai~ d verdadeiro Manoel Ant.pio Alv~re~ deAzevedo, poeta dosculo XIX que morreu antes decomnletar vinte e um anos deidade. Na parede est escrito acarvo: . .

    1850 - Feliciano Coelho Duarte1851 - Joo Batista Pereira da

    Silva Jnior1852 .,Duas jovens esto conversando

    no quarto. Uma usa trajes de gala

    (1) . "H.M.S. Cormorant em Parana-gu" uma