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SUMÁRIO
Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
1. Das Astreintes
1.1. Conceito . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
1.2. Amparo legal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
1.3. Finalidade e Natureza Jurídica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
1.4. Requisitos para a aplicação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
1.5. Faculdade do Magistrado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
1.6. Termo “a quo” e “ad quem” . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
1.6.1. Termo “a quo” . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
1.6.2. Termo “ad quem” . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
1.7. Diferenças entre Astreintes x Multas x Danos . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
1.8. Multas dos artigos 475-J, 600 e 601 do CPC . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
1.9. Coisa julgada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
1.10. Flexibilidade na fixação e alteração pelo Juízo . . . . . . . . . . . . . . . . . .
1.10.1. Efeito “ex tunc” e “ex nunc” . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
2. Efeitos das decisões finais e dos recursos em relação às Astreintes
2.1. Decisão final . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
2.2. Recursos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
3. Execução das Astreintes
3.1. Momento processual adequado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
3.2. Rito processual . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
3.3. Execução Provisória . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
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4. As Astreintes e o Ministério Público na defesa dos direitos difusos e coletivos .
Conclusão Crítica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Bibliografia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
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INTRODUÇÃO
O Processo Civil Contemporâneo tem dado grande destaque à tutela específica,
procurando meios e instrumentos para atender quem procura, no Poder Judiciário, uma
solução para que seu direito seja efetivado da forma mais próxima possível à original.
Até pouco tempo atrás, antes da reforma trazida pela Lei nº 10.444/02, o
Judiciário encontrava-se de “mãos atadas”, principalmente no tocante às obrigações de
fazer e de não-fazer, nas quais prevalece a liberdade individual e física do devedor.
Na prática, o credor procurava a Justiça Pública em busca da efetivação do seu
direito e recebia, na maioria das vezes, como resultado final, o valor correspondente em
dinheiro, ou seja, o direito do credor era revertido em perdas e danos.
O descrédito começou a ameaçar o Judiciário, vez que não tinha instrumentos
suficientes e eficazes para atender o credor e fazer prevalecer seu direito de forma
específica.
Diante de tal ameaça, o Legislador encontrou uma solução: emprestar do
direito francês a chamada “Astreinte”, que grande semelhança possuía com a antiga “ação
cominatória” do direito brasileiro.
É este instituto, que no direito pátrio recebe a nomenclatura de “multa diária”,
que se pretende estudar nesta tese, analisando, cuidadosamente, seu conceito, natureza
jurídica, características, peculiaridades, exequibilidade e questões controvertidas na
doutrina e na jurisprudência.
Até o momento, grande maioria dos estudiosos do Direito brasileiro tem
abordado o tema de forma superficial e acessória, mencionando-o apenas como uma
2
ferramenta auxiliar na busca da tutela específica, da tutela inibitória e da execução em si,
deixando de observar sua riqueza e complexidade.
Importante o estudo do instituto sob seu próprio e peculiar prisma, sendo esta
uma das pretensões da presente obra.
Especificamente, a execução das Astreintes é o foco principal desta
dissertação, porém, para tanto, faz-se necessário um estudo aprofundado do instituto em si
a fim de possibilitar a posterior análise de pontos controversos de sua execução.
Sendo assim, a tese terá como alicerce as características e peculiaridades das
Astreintes para sustentar o objeto final, que é a sua execução, passando, durante a
construção do raciocínio lógico-jurídico, por questões amplamente controversas e
sanando pontos obscuros ou omissos da legislação.
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1. DAS ASTREINTES
1.1. Conceito
A priori, a conceituação do instituto, sua natureza e alcance são
imprescindíveis tanto à compreensão das astreintes, como ferramenta jurídica, quanto a
seu implemento, via executiva.
A propósito, merecem colação conceitos elaborados por renomados
doutrinadores, todos empenhados em apontar características, ou peculiaridades e até
finalidades do instituto jurídico.
No entendimento de Guilherme Rizzo Amaral:
As astreintes constituem técnica de tutela coercitiva e acessória, que visa
a pressionar o réu para que o mesmo cumpra mandamento judicial,
pressão esta exercida através de ameaça ao seu patrimônio,
consubstanciada em multa periódica a incidir em caso de
descumprimento.1
Humberto Theodoro Júnior, por sua vez, analisa as Astreintes sob o prisma de
sua funcionalidade:
(...) o direito moderno criou a possibilidade de coagir o devedor das
obrigações de fazer e não fazer a cumprir as prestações a seu cargo
mediante imposição de multas. Respeitada a intangibilidade corporal do
devedor, criam-se, desta forma, forças morais e econômicas de coação
1 Guilherme Rizzo Amaral. As Astreintes e o processo civil brasileiro. Multa do artigo 461 do CPC e outras. p. 85.
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para convencer o adimplente a realizar pessoalmente a prestação
pactuada.2
Nas palavras de Luiz Guilherme Marinoni:
A multa, característica essencial da tutela inibitória, objetiva pressionar o
réu a adimplir a ordem do juiz, visando à prevenção do ilícito mediante o
impedimento de sua prática, de sua repetição ou de sua continuação.3
Observe-se, nos conceitos apresentados, o descuido de entremear a finalidade
na definição do instituto.
Metodologicamente, é pecaminosa a confusão da essência com o desígnio,
sendo confuso conceituar Astreinte como forma de coerção, só porque este seria seu
objetivo principal.
Cumpre, pois, buscar uma definição, que revele a essência das Astreintes,
considerando ser ela uma punição, a modalidade punitiva, condições de sua aplicação,
iniciativa e interesse, qual sua dimensão. Poder-se-ia, então sugerir o seguinte conceito:
Astreintes são sanções pecuniárias, periódicas, que incidem a partir do
descumprimento de ordem judicial, podendo ser fixadas a pedido da parte ou de ofício
pelo magistrado, em valor suficiente para pressionar, psicologicamente, o devedor a
cumprir o mandamento judicial.
Ressalte-se que a periodicidade da multa não é limitada ao espaço de tempo
denominado “dia”, podendo ser até mesmo horas, semanas, quinzenas etc.
2 Humberto Theodoro Júnior. Curso de Direito Processual Civil. Volume II. p. 267. 3 Luiz Guilherme Marinoni. Tutela Inibitória (individual e coletiva). 2ª Edição. p. 173-174.
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Tal questão é amplamente debatida, porém o §6º do artigo 461 do Código de
Processo Civil é claro, in verbis: o juiz poderá, de ofício, modificar o valor ou a
periodicidade da multa, (grifo nosso) caso verifique que se tornou insuficiente ou
excessiva.
Ora, se a periodicidade da multa fosse limitada ao dia, tal previsão legal seria
descabida, o que sugere fique esta a critério do magistrado.
1.2. Amparo Legal
As Astreintes estão previstas em diversas leis de nosso ordenamento jurídico,
sendo previstas no Código de Processo Civil, na Consolidação das Leis do Trabalho, na
Lei da Ação Civil Pública, no Código de Defesa do Consumidor, no Estatuto da Criança e
do Adolescente, entre outros.
O Código de Processo Civil prevê as Astreintes nos artigos 287, 461, §§ 4º, 5º
e 6º, 461-A, § 3º, e 645. Vejamos.
Art. 287. Se o autor pedir que seja imposta ao réu a abstenção da prática
de algum ato, tolerar alguma atividade, prestar ato ou entregar coisa,
poderá requerer cominação de pena pecuniária para o caso de
descumprimento (grifo nosso) da sentença ou da decisão antecipatória de
tutela (arts. 461, § 4º, e 461-A).
Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de
fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se
6
procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado
prático equivalente ao do adimplemento.
(...) § 4º O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença,
impor multa diária ao réu, (grifo nosso) independentemente de pedido do
autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando-lhe prazo
razoável para o cumprimento do preceito.
§ 5º Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado
prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento,
determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por
tempo de atraso, (grifo nosso) busca e apreensão, remoção de pessoas e
coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se
necessário com requisição de força policial.
§ 6º O juiz poderá, de ofício, modificar o valor ou a periodicidade da
multa, caso verifique que se tornou insuficiente ou excessiva
Art. 461-A. Na ação que tenha por objeto a entrega de coisa, (grifo nosso)
o juiz, ao conceder a tutela específica, fixará o prazo para o cumprimento
da obrigação.
(...) § 3º Aplica-se à ação prevista neste artigo o disposto nos §§ 1º a 6º
do art. 461 (grifo nosso).
Art. 645. Na execução de obrigação de fazer ou não fazer, fundada em
título extrajudicial, o juiz, ao despachar a inicial, fixará multa por dia de
atraso no cumprimento (grifo nosso) da obrigação e a data a partir da qual
será devida.
Já na Consolidação das Leis do Trabalho (Decreto-Lei nº 5.452 de 1 de maio
de 1943), a previsão das Astreintes se dá em dois artigos, porém elas prevêem limitações
de valores a serem fixados pelo juiz.
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Art. 729 - O empregador que deixar de cumprir decisão passada em
julgado sobre a readmissão ou reintegração de empregado, além do
pagamento dos salários deste, incorrerá na multa de Cr$ 10,00 (dez
cruzeiros) a Cr$ 50,00 (cinquenta cruzeiros) por dia (grifo nosso), até que
seja cumprida a decisão.
Os valores mencionados neste artigo foram revistos pelas Leis nºs 6.986, de
1982 e 6.205, de 1975.
Art. 137 - Sempre que as férias forem concedidas após o prazo de que
trata o art. 134, o empregador pagará em dobro a respectiva remuneração.
§ 2º - A sentença dominará pena diária (grifo nosso) de 5% (cinco
por cento) do salário mínimo da região, devida ao empregado até que seja
cumprida.
O Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8078 de 11 de setembro de 1990),
por sua vez, determina o uso das Astreintes em seu artigo 84, in verbis:
Art. 84. Na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de
fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou
determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente
ao do adimplemento.
§ 4° O juiz poderá, na hipótese do § 3° ou na sentença, impor multa
diária (grifo nosso) ao réu, independentemente de pedido do autor, se for
suficiente ou compatível com a obrigação, fixando prazo razoável para o
cumprimento do preceito.
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O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069 de 13 de julho de 1990)
também reconheceu a eficiência e importância do instituto:
Art. 213. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de
fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou
determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente
ao do adimplemento.
§ 2º O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença,
impor multa diária ao réu, (grifo nosso) independentemente de pedido do
autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando prazo
razoável para o cumprimento do preceito.
§ 3º A multa só será exigível do réu após o trânsito em julgado da
sentença favorável ao autor, mas será devida desde o dia em que se
houver configurado o descumprimento.
A Lei da Ação Civil Pública (Lei nº 7.348, de 24 de julho de 1985), determina
que na busca da defesa dos interesses difusos e coletivos a Astreinte também é uma
aliada:
Art. 11. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de
fazer ou não fazer, o juiz determinará o cumprimento da prestação da
atividade devida ou a cessação da atividade nociva, sob pena de execução
específica, ou de cominação de multa diária, (grifo nosso) se esta for
suficiente ou compatível, independentemente de requerimento do autor.
Pelo exposto, observa-se que o instituto em estudo foi amplamente agasalhado
por todo o sistema jurídico pátrio, sendo que sua disseminação em diversas áreas do
direito, decididamente comprova sua importância, eficácia e eficiência.
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1.3. Finalidade e Natureza Jurídica
As Astreintes possuem duas principais finalidades que, a nosso ver, são
igualmente importantes: auxiliar na concreção da tutela específica e proteger a dignidade
do Poder Judiciário.
Na busca da tutela específica, a Astreinte é usada como instrumento coercitivo
na chamada “execução indireta”, onde pressiona psicologicamente o devedor, para que
ele tenha a iniciativa de cumprir a obrigação, desempenhando o papel de medida
processual com caráter público.
Da mesma forma, é utilizada como arma na proteção da dignidade do Poder
Judiciário que, além do artigo 14 do Código de Processo Civil, possui uma nova forma de
fazer com que sua decisão seja cumprida de forma voluntária, preservando o respeito à
jurisdição e evitando o desgaste causado pela aplicação da “execução direta”, onde o juiz
ataca incisivamente o patrimônio do devedor, para fazer cumprir sua determinação, sendo
que, por vezes, referida medida é ineficaz diante da natureza da obrigação sub judice.
Neste sentido manifesta-se Gilberto Antônio Medeiros:
As astreintes, assim, substituem a atividade ‘manu militari’ do Estado,
que seria inoperante e, talvez, poderia tornar-se violenta, porque, em
última análise, recairia diretamente sobre a pessoa do devedor, atentando,
possivelmente, sobre sua liberdade.4
Já Fabiano Carvalho ressalta o caráter coercitivo das Astreintes:
4 Gilberto Antonio Medeiros. As “Astreintes” no direito brasileiro. p. 124.
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A multa diária não é pena para sancionar o devedor pelo fato de não haver
cumprido a obrigação. Também não tem natureza de ressarcimento dos
danos. É meio de coação, de simples ameaça, que tem por escopo
constranger o devedor a cumprir a ordem judicial, com finalidade de obter
o resultado ideal.5
Em relação à natureza jurídica das Astreintes, vale ressaltar que há grande
divergência doutrinária a respeito, sendo que há quem diga que possui natureza
reparatória, repressiva, retributiva, ressociabilizadora, inibitória, obrigacional, entre
outras.
Cada uma dessas opções, isoladamente, é insuficiente para determinar a
natureza jurídica de tão complexo instituto, sendo que seria inaceitável dizer que as
Astreintes possuem natureza coercitiva e nada mais.
Em verdade, não seria adequado emprestar de outros institutos um molde para
identificação da natureza jurídica da Astreinte, que tem sua própria e peculiar natureza
jurídica, como figura própria e peculiar que o é.
Enquanto tal idéia não é disseminada, parece-nos mais razoável e compatível
com as características do instituto entender que as Astreintes possuem natureza jurídica da
cláusula penal, que pune eventual descumprimento de ordem judicial, pressionando
psicologicamente o obrigado a cumprir o mandamento e desestimulando outras eventuais
inadimplências.
1.4. Requisitos para a aplicação
5 Fabiano Carvalho. Execução da Multa (Astreintes) Prevista no Artigo 461 o CPC. p. 210.
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Para que seja possível a incidência das Astreintes, deve-se observar
atentamente a todos seus requisitos, razão porque se faz necessário o estudo de cada um
deles.
De plano, não se descuidará da competência, vez que apenas o juiz, que
preside o processo, poderá fixar as Astreintes, a pedido da parte ou ex officio6.
A fixação pode se dar em qualquer fase processual, nas decisões proferidas em
qualquer instância, pois sempre que houver uma decisão judicial, com um determinado
comando, haverá o risco do inadimplemento.
Será aplicável apenas nas obrigações onde não houver procedimento específico
para a efetivação do mandamento judicial, ou que não possa ser realizada por execução
direta, através do próprio judiciário.
Neste sentido, Rizzato Nunes afirma que:
Em rigor, a fixação da multa cominatória só tem sentido quando o
magistrado não pode tomar a medida diretamente e/ou quando o próprio
credor também não (com ou sem o auxílio ou autorização do juiz) ou,
ainda, quando um terceiro não possa fazê-lo.7
Luciano Marinho de Barros e Souza Filho disserta sobre a aplicabilidade das
Astreintes nas obrigações personalíssimas:
Diante de obrigações personalíssimas, as quais só o devedor pode
cumprir, não interessa a ninguém sua conversão em perdas e danos, opção
6 Tópico abordado no item 1.5 7 Guilherme Rizzo Amaral. As Astreintes e o processo civil brasileiro. Multa do artigo 461 do CPC e outras. p. 85.
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facultada exclusivamente aos credores, pelos artigos 633 e 461, parágrafo
1º, do CPC. Há mesmo que se impor pesadas multas, para compelir os
devedores a cumprirem no vencimento as obrigações que lhes ordenarem
a Justiça, evitando-se o desleixo e o descrédito institucional.8
Nota-se que a multa diária não é aplicável à execução por quantia certa, ou
seja, obrigação de dar pecúnia, bem como não será aplicável nos casos de adjudicação
compulsória, onde esta é determinada de ofício pelo juiz da causa.
Por outro lado é amplamente aplicável nas obrigações de fazer e de não fazer,
onde a liberdade individual e corporal do devedor deve ser respeitada, bem como nas
obrigações de dar, em que o objeto da obrigação não seja dinheiro em espécie.
O artigo 287 do Código de Processo Civil é claro ao mencionar as obrigações
em que caberão Astreintes, in verbis:
Se o autor pedir que seja imposta ao réu a abstenção da prática de algum
ato, tolerar alguma atividade, prestar ato ou entregar coisa, poderá
requerer cominação de pena pecuniária para o caso de descumprimento da
sentença ou da decisão antecipatória de tutela (arts. 461, § 4o, e 461-A).
Apesar de haver certa divergência doutrinária a respeito do cabimento das
Astreintes nas obrigações de dar, o artigo 461-A do Código de Processo Civil prevê
expressamente a sua aplicação:
Art. 461-A. Na ação que tenha por objeto a entrega de coisa, o juiz, ao
conceder a tutela específica, fixará o prazo para o cumprimento da
obrigação.
(…) § 3º Aplica-se à ação prevista neste artigo o disposto nos §§ 1º a 6º 8 Luciano Marinho de Barros e Souza Filho. Multa Astreintes: um instituto controvertido. p. 509.
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do art. 461
Essencial, ainda, a presença do “periculum in mora”, da irreparabilidade do
dano ou da “inocuidade do decisum”, pois sem eles a Astreinte perderia sua eficiência já
que tem como finalidade, dentre outras, impelir o devedor ao mais breve cumprimento da
obrigação.
Com efeito, a característica periódica do instituto se dá para que o devedor
cumpra a determinação judicial dentro do prazo estipulado, aumentando o montante a ser
pago de acordo com o tempo de atraso, buscando impedir a ocorrência de prejuízo ou
irreparabilidade do dano pela demora, bem como a ineficiência do mandamento judicial.
Posteriormente, deve-se observar se há possibilidade do cumprimento da
obrigação, vez que há casos em que não há mais como realizar a determinação judicial
nos exatos termos descritos na decisão.
Caso não seja possível cumprir a obrigação em seus exatos termos, não há
razão para aplicar as Astreites, pois a obrigação deverá ser revertida, desde logo, em
perdas e danos, sendo pago um valor correspondente em dinheiro, caso em que, como já
vimos, também não é aplicável Astreinte.
Por fim, deve-se observar se a multa diária é adequada para o caso concreto, se
a forma coercitiva é compatível com a situação sub examine, pois, dependendo da
situação concreta, a fixação da Astreinte pode resultar em maior desmoralização para o
judiciário ou até mesmo em uma dívida que jamais será paga.
1.5. Faculdade do Magistrado
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O Código de Defesa do Consumidor, de 11 de setembro de 1990, apresentou
em seu texto a possibilidade de fixação da Astreinte ex officio, vez que, até então, era
necessário o pedido da parte credora para que o juiz determinasse a sua incidência.
Referido codex trouxe a tendência da busca pela tutela específica, a qual foi
amplamente cingida pelo Código de Processo Civil, que, em 07 de maio de 2002, através
da lei nº 10.444, recebeu várias alterações neste sentido.
O CDC, em seu artigo 84, regulamenta a questão da faculdade do magistrado
da seguinte forma, in verbis:
Na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou
não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou
determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente
ao do adimplemento.
(...) § 4° O juiz poderá, na hipótese do § 3° ou na sentença, impor multa
diária ao réu, independentemente de pedido do autor, (grifo nosso) se for
suficiente ou compatível com a obrigação, fixando prazo razoável para o
cumprimento do preceito.
Sendo assim, a persecução da tutela específica, ou seja, a busca pelo
cumprimento da obrigação em sua forma originária, prevaleceu em relação ao princípio
da inércia do judiciário, que impede o juiz de tomar providências por conta própria.
Atualmente, o juiz natural que preside o processo pode adotar uma série de
providências independentemente do pedido da parte, merecendo as Astreintes certo
destaque, pois além de surtir o efeito coercitivo para que a obrigação seja cumprida
rapidamente, os valores recebidos são revertidos ao credor, beneficiando-o duplamente.
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1.6. Termo “a quo” e “ad quem”
1.6.1. Termo “a quo”
O termo inicial de incidência das Astreintes se dá de acordo com a natureza da
obrigação em questão.
Nas obrigações comissivas (dar e fazer), nas quais o devedor deve praticar
algum ato, o momento de incidência da Astreinte é o da citação do devedor no processo
de execução (para títulos extra-judiciais) ou da sua intimação da sentença de mérito do
processo de conhecimento que, com a nova forma processual sincrética, dá início
automaticamente à chamada “fase executiva”.
Já no caso das obrigações omissivas (não-fazer), as Astreintes só passam a
incidir quando o devedor, devidamente citado ou intimado, descumpre a determinação
judicial, praticando o ato do qual deveria abster-se.
Pelo exposto, observa-se a necessidade de ocorrer a efetiva execução da
obrigação, sendo que a citação no processo de conhecimento não é suficiente para
determinar que se principie a incidência da multa diária.
A jurisprudência é uníssona neste sentido, sendo que destaca-se, dentre as
demais, a seguinte decisão do Superior Tribunal de Justiça:
Da citação. Necessidade de processo de execução. Impossibilidade de
aceitar-se como termo inicial a citação no processo de conhecimento.
Exigência de ter havido descumprimento da sentença. Arts. 287 e 644,
CPC. Recurso provido.
16
I - as "astreintes", originadas do direito francês, têm por objetivo coagir o
devedor, que foi condenando a praticar um ato ou abster-se da referida
prática, a realizar o comando imposto pelo juiz. Elas não correspondem a
qualquer indenização por inadimplemento e, portanto, somente são
incidíveis nas obrigações de fazer ou de não-fazer. II - A multa diária
somente pode ser cobrada a partir do descumprimento da sentença, o
qual, por sua vez, requer instauração do processo de execução e sua
regular formação, com a citação, impedindo entender-se que a
condenação "a partir da citação" seja a citação do processo de
conhecimento (grifo nosso).9
Por outro lado, eventual prazo para o cumprimento da determinação judicial
concedido pelo juiz deve ser respeitado.
Sendo assim, se o juiz, no momento da intimação ou citação, fixar prazo para
que a obrigação seja cumprida deve-se aguardar o seu esgotamento para que comece a
incidir multa periódica.
1.6.2. Termo “ad quem”
O instituto ora estudado possui característica peculiares que lhe são essenciais
para atingir a finalidade almejada.
A finalidade almejada, a primeira vista, é o cumprimento da determinação
judicial, sendo que enquanto a ordem não for cumprida a Astreinte não terá atingido seu
objetivo.
9 REsp 123.645/BA, Rel. Min.. Sálvio de Fiqueiredo Teixeira, Quarta Turma, julgado em 23/09/1998, DJ 18/12/1998 p. 360.
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Enquanto não atinge seu escopo, a Astreinte continua a incidir, buscando
sempre a efetividade do mandamento judicial.
Ora, pelo exposto, conclui-se facilmente que o termo “ad quem” da Astreinte
se dá no momento do cumprimento da obrigação.
Porém, houve um momento em que se levantou a seguinte questão: o que
acontece quando a obrigação não é cumprida e o valor da multa periódica fica tão alto que
acaba por gerar enriquecimento ilícito da parte credora?
Houve quem acreditasse na possibilidade da fixação de prazo final para a
incidência das Astreintes, com o objetivo de impedir que o valor ultrapassasse o limite da
sensatez.
No entanto, tal entendimento foi rechaçado pelos Tribunais, pois fixar referido
prazo seria o mesmo que incentivar o descumprimento da determinação judicial.
A solução encontrada é realmente simples.
Consiste na aplicação do §6º do artigo 461do Código de Processo Civil que
menciona, in verbis: “o juiz poderá, de ofício, modificar o valor ou a periodicidade da
multa, caso verifique que se tornou insuficiente ou excessiva”.
Exatamente nestes termos manifestou-se o Superior Tribunal de Justiça:
Processo civil - obrigação de fazer - Astreintes - fixação de termo final.
Impossibilidade. É lícito ao juiz modificar o valor e a periodicidade da
Astreinte (CPC, Art. 461, § 6º). Não é possível, entretanto, fixar-lhe
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termo final, porque a incidência da penalidade só termina com o
cumprimento da obrigação.10
Sendo assim, quando a multa demonstrar-se excessiva devido ao grande atraso
no cumprimento da obrigação, pode o magistrado, ex officio ou a pedido da parte, ajustar
e adequar o valor ao caso sub examine, porém, sem fixar um termo final para sua
incidência que não a data do cumprimento da obrigação.
1.7. Diferenças entre Astreintes x Multas x Danos
Na prática, há quem faça confusão entre as Astreintes, as multas e os danos.
Em verdade, os três institutos possuem certa semelhança, vez que todos
acabam sendo pagos pelo devedor ao credor em razão do inadimplemento de obrigação.
Por outro lado, suas características, origem e fundamentação legal são
completamente diferentes.
As Astreintes, conforme já estudamos, é uma multa periódica, imposta pelo
magistrado, para estimular o devedor a cumprir a determinação judicial.
A Multa, também conhecida por “cláusula penal”, por sua vez, é fixada pelo
particular nos contratos em que participa, como forma de evitar seu descumprimento.
Já o Dano é a forma pela qual se resolve uma questão judicial onde o
cumprimento da obrigação em si não é mais possível, momento em que é convertida para
10 Rel. Min Humberto Gomes de Barros – Recurso Especial nº 890.900 - SP (2006/0088695-0)
19
a chamada “Perdas e Danos”, que corresponde ao valor da obrigação em dinheiro,
somado com os danos e com as perdas sofridas pelo credor.
Com efeito, essas diferenças trazem diversas consequências.
Quando o instituto em questão for a Astreinte ou a Multa, a obrigação principal
ainda será devida, sendo que em uma eventual execução ela também será cobrada.
Em compensação, quando tratar-se de Danos, a obrigação principal não será
cobrada, vez que o dano corresponde exatamente a esta obrigação que não pode mais ser
cumprida especificamente.
Note-se que a Multa é instituto bem próximo à Astreinte, porém inconfundível
com a mesma.
Ambas buscam desestimular o descumprimento de obrigação, porém a Multa,
além de não ser periódica e ser fixada pelo particular, possui limite estipulado em lei para
não se tornar abusiva (artigo 412 do Código Civil).
Por fim, em que pese as semelhanças apresentadas, inadmissível a confusão
entre institutos tão diferentes, vez que um estudo superficial é suficiente para notar as
gritantes discrepâncias existentes.
1.8. Multas dos artigos 475-J, 600 e 601 do CPC
Tomando como base a recém estudada confusão de alguns operadores do
direito, vale ressaltar a diferença entre as Astreintes e as multas dos artigos 475-J, 600 e
601, do Código de Processo Civil.
20
Pela breve leitura da lei é possível notar as diversas diferenças entre as
Astreintes e a multa do artigo 475-J, do Código de Processo Civil.
Art. 475-J. Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou
já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante
da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento e, a
requerimento do credor e observado o disposto no art. 614, inciso II, desta
Lei, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação.
Referido artigo restringe a multa à execução por quantia certa, fixa o prazo
para pagamento do valor executado (15 dias), fixa o valor da multa (10% do valor da
execução) e determina que deve haver requerimento da parte.
Ora, a Astreinte é multa diária, sendo que o prazo para o início de sua
incidência e o seu valor são determinados pelo juiz, bem como o requerimento da parte é
dispensável, podendo o juiz fixá-la ex officio.
Observa-se que a função da multa do artigo 475-J é “de mera remuneração
moratória”11, ou seja, ela é uma forma de compensar do credor pela demora do devedor.
Em sentido completamente contrário vai a Astreinte, pois em momento algum
pretende compensar o credor pelo atraso no cumprimento, mas sim fazer com que a
obrigação seja cumprida de forma específica, resguardando a dignidade do Poder
Judiciário.
Outra diferença está no caráter acessório da multa do artigo 475-J, enquanto a
Astreinte é completamente independente do direito material sub judice.
11 Humberto Theodoro Júnior. Curso de Direito Processual Civil. Volume II. p. 53.
21
Em relação ao artigo 600 e 601, dispõe o CPC, in verbs:
Art. 600. Considera-se atentatório à dignidade da Justiça o ato do
executado que:
I - frauda a execução;
II - se opõe maliciosamente à execução, empregando ardis e meios
artificiosos;
III - resiste injustificadamente às ordens judiciais;
IV - não indica ao juiz onde se encontram os bens sujeitos à execução.
IV - intimado, não indica ao juiz, em 5 (cinco) dias, quais são e onde se
encontram os bens sujeitos à penhora e seus respectivos valores.
Art. 601. Nos casos previstos no artigo anterior, o devedor incidirá em
multa fixada pelo juiz, em montante não superior a 20% (vinte por cento)
do valor atualizado do débito em execução, sem prejuízo de outras
sanções de natureza processual ou material, multa essa que reverterá em
proveito do credor, exigível na própria execução.
Parágrafo único. O juiz relevará a pena, se o devedor se comprometer a
não mais praticar qualquer dos atos definidos no artigo antecedente e der
fiador idôneo, que responda ao credor pela dívida principal, juros,
despesas e honorários advocatícios.
A multa prevista neste artigo, refere-se aos atos atentatórios à dignidade da
Justiça, fixa o quantum em até 20% do valor executado e determina que o valor será
revertido ao credor, prevendo, por fim, a possibilidade de relevar a pena.
Por sua vez, as Astreintes também procuram preservar a dignidade do
judiciário, porém através da efetividade do procedimento executivo.
22
Nesta multa dos artigo 600 e 601, o valor também é limitado a uma
porcentagem do valor executado (assim como na multa do artigo 475-J) e o valor pago é
revertido ao exequente, diferentemente das Astreintes que não possui previsão legal sobre
a destinação do valor (o entendimento de que será revertida para o credor é
jurisprudencial) e não fixa um limite para o quantum.
Por fim, a grande diferença entre os artigos 600 e 601 e as Astreintes é a
possibilidade de relevar a multa, o que não ocorre em nenhuma das outras multas
estudadas, pontuando, mais uma vez, sua singularidade.
1.9. Coisa julgada
Quando tratarmos de Astreintes devemos sempre lembrar que ela jamais fará
coisa julgada formal ou material, podendo ser alterada a qualquer momento pelo
magistrado.
Importante deixar claro que a sentença que fixa a Astreinte submete-se aos
efeitos da coisa julgada, sendo que apenas as Astreintes podem sofrer alterações depois do
trânsito em julgado do mandamento judicial.
Referia peculiaridade se dá para evitar que o valor exceda a razoabilidade ou
que se torne insuficiente para coagir o devedor.
Como a multa é fixada para que a obrigação seja cumprida com brevidade, o
valor fixado costuma ser alto, de forma que o devedor prefira cumprir a obrigação do que
pagar a multa.
23
Passado certo período após o início da incidência das Astreintes, o valor da
multa acumula-se, tornando-se, por vezes, exorbitante, trazendo enorme prejuízo para a
parte devedora que, dependendo da situação, não possui condições de pagar.
É este acúmulo de valores que procura-se evitar, deixando sempre disponível
ao juiz adequar o valor da multa à situação em exame.
Da mesma forma, busca-se a manutenção do valor da multa para valor mais
alto, pois sempre que o devedor preferir pagá-la ao invés de realizar o mandamento
judicial, significa que o valor é insuficiente, devendo ser aumentado de imediato.
1.10. Flexibilidade na fixação e alteração pelo Juízo
O magistrado possui ilimitada disponibilidade para a fixação das Astreintes,
vez que não há na legislação, ou mesmo na jurisprudência, regras rígidas ou valores
determinados que devam ser obedecidos no momento da estipulação do valor.
Referida flexibilidade é necessária em razão da peculiaridade que cada caso
apresenta, vez que uma padronização do valor descaracterizaria o instituto por completo.
Por outro lado, a falta de um parâmetro de comparação acaba por gerar, em
alguns casos, insatisfação das partes que consideram o valor muito alto ou muito baixo, de
acordo com o caso concreto.
Trata-se de questão subjetiva, em que compete ao juiz avaliar o processo e
determinar valor que entenda ser compatível, adequado e suficiente.
24
Em relação à posterior alteração do valor, considerando que a Astreinte não se
submete aos efeitos da coisa julgada, esta pode ocorrer em qualquer momento, gerando,
por vezes, instabilidade jurídica.
Observe que a posterior mudança do valor, ou mesmo a mera expectativa de
mudança, gera incerteza que pode incentivar o devedor a não cumprir a obrigação na
esperança de que o valor seja alterado.
Da mesma forma, o credor pode sentir-se desestimulado a iniciar a execução
das Astreintes em razão da perspectiva de que o valor será aumentado ou mesmo pelo
receio de ter que devolver o dinheiro em caso de diminuição do valor.
Em que pese as questões ora expostas, os benefícios trazidos pela inexistência
de coisa julgada das Astreintes são infinitamente superiores à instabilidade jurídica que
pode gerar em alguns casos. Isso porque o valor fixado, até mesmo por não possuir
parâmetros rigorosos, é muitas vezes excessivo ou insuficiente e, se não alterado,
resultaria na inépcia da Astreinte.
Defendendo a total disponibilidade do juiz em alterar o valor das Astreintes,
manifesta-se Luciano Marinho de Barros e Souza Filho:
Por vezes, obrigações serão submetidas às astreintes mas, mesmo
assim, não serão cumpridas – e, por conseguinte, já consumadas, ou
seja, obrigações que conformam verdadeiros títulos de crédito –
tornar-se-ão astronômicas, forçando o magistrado, no caso concreto,
a viabilizá-las, impondo cláusulas como a ‘rebus sic stantibus’, ou
propondo acordos entre as partes quase que ‘compulsoriamente’, ou
ainda, diminuindo ex officio o quantum debeteur, a fim de evitar o
pretenso enriquecimento sem causa; contradiz a liquidez e
25
executoriedade da dívida, a independência e o extremismo próprios
deste tipo de sanção, em grave detrimento à credibilidade e à
segurança jurídico-institucional.12
Ou seja, sempre que o valor demonstrar-se insuficiente ou excessivo, deve ser
alterado.
Ainda neste sentido manifesta-se Cândido Rangel Dinamarco:
Como a finalidade destas é persuadir, e o juiz verifica que o
obrigado ainda prefere pagar a multa a consumar o adimplemento, o
aumento do valor pode concorrer para a obtenção do resultado
desejado.13
Por fim, há, também, a questão do eventual enriquecimento sem causa do
credor nos casos em que as Astreintes são fixadas em valor elevado ou posteriormente
aumentado. No entanto, Luciano Marinho de Barros e Souza Filho põe fim a qualquer
discussão afirmando que:
A ‘limitação’ da multa nada tem a ver com o enriquecimento ilícito do
credor, porque não se trata de contraprestação de obrigação, nem tem
caráter reparatório. Possui, sim, um emblemático interesse de consecução
de obrigações pactuadas e/ou determinadas legal e judicialmente,
preservando e valorizando, destarte, a estabilidade, a eficácia e o caráter
cogente do ordenamento jurídico.14
12 Luciano Marinho de Barros e Souza Filho. Multa Astreintes: um instituto controvertido. p. 503. 13 Cândido Rangel Dinamarco. A reforma da reforma. p. 242. 14 Luciano Marinho de Barros e Souza Filho. Multa Astreintes: um instituto controvertido. p. 501-502.
26
1.10.1. Efeito “ex tunc” e “ex nunc”
Quando o valor das Astreintes é alterado, o juiz deve determinar se o seu efeito
será “ex tunc” ou “ex nunc”.
Sempre que a mudança se der para aumentar o valor seu efeito será “ex nunc”,
pois o devedor deixou de cumprir a obrigação sob a coerção de determinado valor, sendo
inaceitável condenar-lhe a pagar valor mais alto que o estipulado naquela ocasião.
Por outro lado, quando a alteração se der para diminuir o valor essa deverá ter
efeito “ex tunc”, ou seja, deve possuir efeito regressivo, pois a diminuição implica na
declaração de que o valor anteriormente fixado era excessivo e, portanto, deveria ser
menor.
27
2. EFEITOS DAS DECISÕES FINAIS E DOS RECURSOS EM RELAÇÃO
ÀS ASTREINTES
Conforme já abordado anteriormente, a Astreinte pode ser fixada a qualquer
tempo, em qualquer fase do processo e em qualquer grau de jurisdição.
Também já foi abordada a questão da imunidade da Astreinte em relação aos
efeitos da coisa julgada, sendo que apenas a sentença transita em julgado, podendo a
Astreinte ser modificada a qualquer tempo.
Diante destas duas assertivas, nota-se que surge um problema: o que acontece
com a Astreinte fixada anteriormente à nova decisão que julga improcedente o pedido?
Seria ela exigível?
É isso que estudaremos a seguir.
2.1. Decisão final
Em resposta à questão supra citada, surgiram duas correntes doutrinárias,
sendo que neste momento o conceito da Astreinte será determinante no posicionamento
de cada doutrinador.
A primeira corrente afirma que a Astreinte tem como função garantir o
cumprimento da decisão judicial e preservar a dignidade do Estado, interferindo na
vontade do devedor para que ele cumpra voluntariamente a obrigação determinada,
isentando-se do pagamento da multa diária.
28
Consequentemente, entendem que a Astreinte não é uma obrigação assessória,
mas sim autônoma em relação ao direito subjetivo pleiteado pelo autor da demanda.
Sendo ela independente do direito subjetivo questionado na ação, não há
porque ser extinta em razão da sentença que julga improcedente o pedido do autor, afinal,
mesmo que errada, houve uma determinação judicial que foi descumprida.
Nas palavras de Lívia Cipriano Dal Piaz:
(...) não nos parece que descumprir uma ordem judicial seja
insignificante. Esta, uma vez publicada, enquanto vigente, ainda que
venha a ser modificada posteriormente, deve ser cumprida. Tal é a
finalidade da multa, coibir o cumprimento da ordem.15
Após mencionar o entendimento do autor Sérgio Arenhart de que o valor deve
ser cobrado independentemente da decisão final, conclui o raciocínio a autora:
Parece correto tal entendimento, uma vez que se o objetivo é dar
efetividade às decisões judiciais, assegurando a autoridade estatal que deu
a ordem. Caso contrario o devedor estaria desestimulado a cumprir a
ordem com a esperança de vê-la reformada em grau superior, libertando-
se da obrigação.16
No tocante à independência da multa em relação ao direito material disputado
no processo, Fabiano Carvalho apresenta a seguinte passagem:
A multa diária não se identifica com o direito material. As astreintes têm
natureza processual, com finalidade de forçar o devedor a cumprir a
15 Lívia Cipriano Dal Piaz. Os limites da atuação do juiz na aplicação das astreintes. p. 77. 16 Ibid., mesma página.
29
decisão judicial que determinou a prestação de uma obrigação. Trata-se
de relação entre o Estado-juiz e o devedor.17
É neste sentido o entendimento de MARCELO LIMA GUERRA:
É forçoso reconhecer que o credor não tem, em princípio, direito a
receber nenhuma quantia em dinheiro, em razão direta do
inadimplemento do devedor, que não seja aquele correspondente às
perdas e danos. [...] Tendo o credor o direito à tutela específica de seu
direito, arma-se o juiz de meios para pressionar psicologicamente o
devedor com medidas coercitivas diversas, principalmente a multa diária.
A multa diária é, portanto, medida de caráter processual, não tendo
qualquer ligação direta com o direito substancial para o qual se pede a
tutela executiva.18
Sendo assim, inexistindo relação entre a obrigação determinada pelo juiz e a
multa fixada como forma de coerção, quando a Astreinte for fixada antes da sentença, na
antecipação de tutela, e a decisão final julgar improcedente a ação, ela não se extinguirá,
continuará exigível.
A temática foi levada ao STJ:
Há precedente do Superior Tribunal de Justiça no mesmo sentido ora
defendido: ‘[...] É claro que houve uma decisão liminar do juiz que tinha
que ser cumprida, a não ser que fosse suspensa, mas não se discutiu isso
aqui. O juiz concedeu a liminar, determinando que essa decisão fosse
cumprida e a parte não cumpriu. Se, posteriormente, chegou-se à
conclusão que não era o caso de cumprimento, que a ação foi julgada
improcedente, não importa no momento. O importante é que o juiz deu 17 Fabiano Carvalho. Execução da Multa (Astreintes) Prevista no Artigo 461 o CPC. p. 216. 18 Marcelo Lima Guerra. Execução Indireta. p. 207.
30
uma liminar e a parte descumpriu, quando tinha que cumprir, sob pena de
prisão, porque estava desobedecendo uma ordem judicial.19
Sérgio Cruz Arenhart também compartilha do entendimento da primeira
corrente, levantando a problemática da instabilidade jurídica:
A parte, a quem incumbe o cumprimento da ordem, sabendo ser ela
passível de mudança com a sentença, não tem estímulo para o
cumprimento voluntário da ordem, já que: em cumprindo, não terá
nenhum benefício; em não cumprindo, sujeita-se à sorte de suas alegações
no processo e à eventualidade de sucesso em sua defesa. Põe-se por terra
todo o esforço do jurista no intuito da efetividade do processo.20
Também é defensor da primeira corrente Fabiano Carvalho:
É oportuno dizer que a imposição de multa diária diz respeito ao
cumprimento das decisões judiciais e em nada se identifica com o direito
material envolvido. De um lado esta o Estado, representado pelo juiz, de
outro o devedor. Este pensamento é representado por Luiz Guilherme
Bondioli: ‘Como se pode ver, são inerentes a instituição da multa aqueles
elementos já citados de coerção indireta e de respeito às decisões
emanadas do Estado-juiz. Assim, na relação por ela instituída, encontra-se
num dos pólos aquele em face de quem foi emitido dado comando
jurisdicional, a quem incumbe cumprir o dever jurídico contido em tal
comando; e, no outro pólo, o Estado-juiz, a quem interessa ver respeitadas
e prestigiadas as ordens por ele emitidas. A pessoa que ingressa em juízo
objetivando a imposição do cumprimento de dado dever jurídico não
integra diretamente essa relação. Não obstante tenha interesse em ver
observado o quanto disposto na ordem judicial (e a multa é fundamental
19 STJ, REsp 220.982 – RS, Rel. Min. José Delgado, j. 22.02.2000, RSTJ 134/118 20 Sérgio Cruz Arenhart. A tutela inibitória da vida privada. p.203.
31
para isso como mecanismo indireto de pressão), ela efetivamente não
ocupa qualquer dos pólos na relação instituída pela multa; a multa não é
imposta conta si (o devedor é que sofrerá suas consequências) nem em
seu favor (ela não tem caráter indenizatório, ressarcitório ou reparatório; é
acima de tudo, um instrumento a serviço do prestigio das decisões
emanadas do Estado-juiz)’.21
Por outro lado, a segunda corrente entende que a Astreinte não possui a
finalidade de resguardar a dignidade da justiça, bem como entende que é obrigação
acessória ao direito questionado na ação e, portanto, dependente da obrigação principal,
devendo ser considerada extinta e inexigível quando a ação for julgada improcedente:
É neste sentido o entendimento de Eduardo Talamini:
Não é viável opor contra essa conclusão o argumento de que a multa
resguarda a autoridade do juiz – e não diretamente o direito pretendido
pelo autor –, de modo que, ainda que posteriormente se verificasse a falta
de razão do autor, isso não apagaria, no passado, o descumprimento, pelo
réu, da ordem judicial que recebera. A legitimidade da autoridade
jurisdicional ampara-se precisamente na sua finalidade de tutelar quem
tem razão. A tese ora criticada, se aplica, longe de resguardar a autoridade
jurisdicional, apenas contribuiria para enfraquecê-la: consagraria o culto a
uma suposta ‘autoridade’ em si mesma, desvinculada de sua razão de ser.
Tanto mais grave, quando se considera que o crédito da multa não
redunda em benefício ao Estado, mas do autor – o qual, na hipótese em
exame, não tem o direito que afirmara como seu22
Ao tratar do presente assunto, Guilherme Rizzo Amaral elabora o seguinte
raciocínio: 21 Fabiano Carvalho. Execução da Multa (Astreintes) Prevista no Artigo 461 o CPC. p. 212. 22 Eduardo Talamini. Tutela relativa aos deveres de fazer e de não fazer: CPC, art. 461; CDC, art. 84. p. 255.
32
Cumpre indagar, entretanto, se a necessidade de confirmação das
Astreintes pela decisão final de mérito implicaria a ineficácia da medida
coercitiva em análise.[...] a ameaça exercida pela multa está na
possibilidade de alcançar o patrimônio do demandado. Afirma Marioni
que ‘o réu é coagido a fazer ou não fazer porque receia ter que pagar a
multa’. Neste particular é injustificada a preocupação daqueles que
propugnam pela exigência da multa independentemente da confirmação
da mesma em decisão final.23
Note-se que o raciocínio leva ao entendimento de que a função da Astreinte é
apenas coercitiva, sendo que a multa pecuniária seria aplicada somente nos casos em que
a sentença final desse procedência ao pedido.
Mas afinal, de que adianta uma ameaça sem a real possibilidade de acontecer o
fato temido? É o mesmo que ameaçar com uma arma de fogo que a vítima sabe não estar
municiada; é o mesmo que brandir uma espada sem gume.
Ademais, a expectativa de que a multa poderá ser eventualmente extinta de
acordo com o deslinde da demanda, gera instabilidade jurídica que, além de prejudicar a
eficiência da multa (por criar expectativa ao devedor de que não terá que pagá-la),
intimida o credor, que receará executá-la.
Neste sentido é o entendimento de Arenhart:
23 Guilherme Rizzo Amaral. As Astreintes e o Processo Civil Brasileiro. Multa do artigo 461 do CPC e outras. p. 163.
33
Com esta ameaça, qual credor estará disposto a correr o risco de exigir a
multa e ver, posteriormente, seu patrimônio escorrendo pelo ralo, com a
indenização pela procedência da demanda?24
Se não bastasse, a afirmação de que a Astreinte é obrigação acessória e que
deve seguir a principal é descabida, afinal como poderia uma obrigação acessória não
submeter-se aos mesmos efeitos que a principal??
Note-se que este é o caso das Astreintes no que se refere aos efeitos da coisa
julgada. A obrigação principal determinada pelo juiz transita em julgado, mas a Astreinte
não se submete a tais efeitos, podendo, conforme já estudado, ser modificada a qualquer
tempo.
Por todas essas razões é que entende-se mais coerente, eficaz, bem como
condizente com a realidade processual e com a natureza da Astreinte a adoção da primeira
corrente, sendo que a Astreinte já fixada não será extinta quando houver decisão final de
improcedência da ação, permanecendo em vigor a sua exigibilidade.
Por fim, vale ressaltar que, nos casos em que a sentença der procedência ao
pedido, deverá ser fixada expressamente nova Astreinte (se adequado ao caso concreto),
vez que a multa fixada anteriormente jamais poderá ser “repristinada” à sentença final.
2.2. Recursos
Contra a decisão que fixa Astreinte cabe recurso, mas, enquanto o recurso é
processado pelos Tribunais, como fica a exigibilidade e incidência da multa?
24 Sérgio Cruz Arenhart. A tutela inibitória da vida privada. p.203.
34
Em verdade, a questão não é tão complicada quanto aparenta, afinal basta
aplicar o raciocínio lógico-jurídico que se alcança uma regra geral.
Inicialmente, é evidente que o recurso, para surtir efeito em relação à Astreinte,
deve combatê-la especificamente, caso contrário ela permanecerá da forma como foi
fixada na decisão, sem haver qualquer alteração na sua incidência ou exigibilidade.
O recurso que guerreia a Astreinte, de acordo com o caso concreto, pode ser
recebido com efeito suspensivo, devolutivo ou, no caso de agravo de instrumento, efeito
retido.
Sendo assim, a incidência e exigibilidade da Astreinte seguirá o efeito do
recurso, ou seja, se o efeito for suspensivo, a multa estará suspensa, se for devolutivo ou
retido, a multa vigorará normalmente.
Importante ressaltar que, na hipótese de efeito suspensivo, quando a multa já
estiver incidindo no momento da interposição do recurso, o valor que já é devido
permanecerá, suspendendo apenas os débitos supervenientes, até o momento da decisão.
Para que não haja confusão, necessário deixar bem claro que a questão tratada
no item 1.10.1. refere-se à alteração do valor e não à questão de mérito do processo ou de
extinção da Astreinte como é o assunto ora debatido, sendo que cada situação deve
obedecer às circunstâncias que as compõem.
35
3. EXECUÇÃO DAS ASTREINTES
3.1. Momento processual adequado
A Astreinte pode ser executada a qualquer tempo, sendo que quanto antes se
iniciar o procedimento executivo, maior efeito coercitivo ela produzirá no devedor.
Por outro lado, há o risco de, durante a execução provisória, o valor da multa
ser diminuído em razão de sentença referente à fase de conhecimento do processo,
gerando uma certa insegurança ao credor que pretende iniciar desde logo a execução.
Em verdade, existe enorme divergência doutrinária e jurisprudencial a esse
respeito, havendo quem entenda não ser possível a execução da multa antes do trânsito
em julgado da decisão que a fixou.
Fabiano Carvalho entende que é possível e necessária a execução da multa
antes do trânsito em julgado:
(...) toda vez que houver cominação de multa diária, com a finalidade de
constranger o devedor a satisfazer a obrigação, e esta multa não for
exigida desde logo, ou seja, antes do trânsito em julgado, pode-se ter a
certeza de que o meio coercitivo empregado será inócuo e o devedor
permanecerá inerte, aguardando o resultado final do processo.25
Também neste sentido é a decisão do Superior Tribunal de Justiça:
Fornecimento de energia elétrica. Interrupção. Decisão interlocutória.
Religamento. Descumprimento. Astreintes. Execução. Possibilidade.
25 Fabiano Carvalho. Execução da Multa (Astreintes) Prevista no Artigo 461 do CPC. p. 217.
36
I - Trata-se de recurso especial interposto contra o acórdão que manteve
decisão interlocutória que determina a imediata execução de multa diária
pelo descumprimento da ordem Judicial(grifo nosso).
II - Considerando-se que a "(...) função das astreintes é vencer a
obstinação do devedor ao cumprimento da obrigação de fazer ou de não
fazer, incidindo a partir da ciência do obrigado e da sua recalcitrância"
(REsp nº 699.495⁄RS, Rel. Min. LUIZ FUX, DJ de 05.09.05), é possível
sua execução de imediato, (grifo nosso) sem que tal se configure
infringência ao artigo 475-N, do então vigente Código de Processo Civil.
III - "Há um título executivo judicial que não se insere no rol do CPC
475-N mas que pode dar ensejo à execução provisória (CPC 475-O). É a
denominada decisão ou sentença liminar extraída dos processos em que
se permite a antecipação da tutela jurisdicional, dos processos
cautelares, ou das ações constitucionais" (CPC comentado, Nelson Nery
Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, Editora Revista dos Tribunais, 9ª
ed, pág. 654).
IV - A hipótese em tela se coaduna com o que disposto no artigo 461, §
4º, do CPC, tendo em vista o pleno controle da recorrente sobre a
execução da ordem judicial.
V - Recurso especial improvido.26
Por outro lado, o Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul se manifestou
sobre o assunto no sentido da impossibilidade de execução antecipada:
Agravo de Instrumento. Ação cautelar inominada. Obrigação de fazer.
Cominação de multa diária pelo descumprimento. Astreintes. Execução
antecipada. Impossibilidade. Ainda que imposta liminarmente multa,
como meio coercitivo, pelo descumprimento desta decisão interlocutória
que estabelece obrigação de fazer, mister se faz a sua mantença, através
26 STJ, REsp. nº 885.737 - SE (2006⁄0201101-2). Rel. Min. Francisco Falcão, votado em 27.02.2007.
37
de sentença transitada em julgado, que é título hábil a viabilizar sua
exigibilidade através de execução. Agravo improvido. Decisão mantida27
Entende-se mais correta e condizente com as características e finalidades do
instituto ora estudado, a primeira posição.
O Ministro Francisco Falcão, ao julgar o recurso especial nº 885.737 - SE
(2006⁄0201101-2) supra citado, menciona o seguinte trecho da decisão guerreada:
(...) O rol dos títulos executivos do art. 584 do CPC não pode ser tido como
exaustivo, sob pena de se deixar cair no vazio os tão comentados artigo 273 e
461 do CPC. De que adiantaria a fixação de multa por descumprimento de uma
obrigação de fazer ou não-fazer, se não pudesse ser executada?
(...)omissis.
Confunde a Agravante, quiçá movido por interpretação literal do art. 584, I,
CPC, sentença condenatória com eficácia condenatória. A rigor, desejou a Lei
Processual Civil exprimir que é a decisão de natureza condenatória que cria
título executivo judicial, não precisando ser, necessariamente, (1) sentença e (2)
condenatória (fls. 131⁄2).
Note-se que o trecho acima transcrito deixa evidente as desastrosas
consequências advindas da impossibilidade da execução parcial ou provisória das
Astreintes, sendo o entendimento predominante favorável à possibilidade.
3.2. Rito processual
27 Agravo de instrumento nº197183999, Primeira Câmara Cível. Tribunal de Alçada do RS, Relator: Dês. Teresinha de Oliveira Silva, julgado em 11/11/97.
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A Astreinte sempre se originará de um mandamento judicial, seja em acórdão,
sentença ou decisão interlocutória, portanto sua execução sempre será fundada em titulo
judicial.
Sendo assim, o crédito originado da multa seguirá a execução por quantia
certa, rito previsto no artigo 646 e seguintes do CPC.
Este entendimento é pacífico na jurisprudência, inexistindo qualquer dúvida
quanto ao rito a ser usado na execução.
Referindo-se ao rito processual adequado para a execução das Astreintes,
explica Humberto Theodoro Júnior: “Uma vez, porém, que se cuida de condenação de
natureza pecuniária, a forma obrigatória de sua execução é a da execução por quantia
certa”28
3.3. Execução provisória
Conforme já estudado no item 3.1., é possível, e até recomendável, a realização
da execução provisória das Astreintes.
Com efeito, a execução provisória será possível apenas quando houver recurso
pleiteando a diminuição do valor ou a extinção da própria Astreinte, vez que ela será
devida independentemente da decisão final referente ao direito material.
Regulamentada pelo artigo 475-O do CPC, a execução provisória corre por
conta e risco do exequente, que será obrigado a reparar eventuais danos sofridos pelo
executado nos casos de reforma da sentença (art. 475-O, I, CPC). 28 Humberto Theodoro Júnior. Medida Cautelar. Multa diária. Exequibilidade. p. 211.
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No correr da execução, desejando o credor levantar o valor depositado, alienar
propriedade, ou praticar outros atos que possam resultar grave dano ao executado, deverá
prestar caução idônea, arbitrada pelo próprio juiz (art. 475-O, III, CPC), sendo ela
dispensada apenas nos casos previstos no §2º do artigo 475-O do Código de Processo
Civil.
Quando parte da sentença for reformada, a execução ficará sem efeito apenas
em relação à matéria alterada, conservando-se no tocante ao direito mantido, por
exemplo, se for diminuído o valor da Astreinte, a execução não perderá totalmente seus
efeitos, mudará apenas o valor a ser executado.
No tocante à aplicação da multa do 475-J na execução provisória, é majoritário
o entendimento de impossibilidade, conforme expõe Humberto Theodoro Júnior:
A multa em questão é própria da execução definitiva, pelo que se
pressupõe sentença transitada em julgado. Durante o recurso sem efeito
suspensivo, é possível a execução provisória, como faculdade do credor,
mas inexiste, ainda, a obrigação de cumprir espontaneamente a
condenação para o devedor. Por isso não se pode penalizá-lo com a multa
pelo atraso naquele cumprimento.
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4. AS ASTREINTES E O MINISTÉRIO PÚBLICO NA DEFESA DOS
DIREITOS DIFUSOS E COLETIVOS
A lei da Ação Civil Pública (nº 7347/85) prevê a possibilidade de cominação
de multa diária (Astreintes) nos casos de obrigações de fazer e de não fazer, porém com
algumas regras específicas para sua destinação e exigibilidade.
Na questão da destinação, a jurisprudência tem entendido que o valor deve ser
revertido em favor do credor, mas, na ação civil pública, a lei específica prevê um fundo
onde o valor deve ser depositado. Vejamos:
Art. 13. Havendo condenação em dinheiro, a indenização pelo dano
causado reverterá a um fundo gerido por um Conselho Federal ou por
Conselhos Estaduais de que participarão necessariamente o Ministério
Público e representantes da comunidade, sendo seus recursos destinados à
reconstituição dos bens lesados.
Parágrafo único. Enquanto o fundo não for regulamentado, o dinheiro
ficará depositado em estabelecimento oficial de crédito, em conta com
correção monetária.
Observa-se que o valor resultante das Astreintes não é destinado a quem
ajuizou a ação, mas sim a um fundo que pode ser Federal ou Estadual.
Atualmente, este fundo corresponde ao FDDD (Fundo Federal de Desefa dos
Direitos Difusos), regulamentado pelo decreto nº 1306/94 e pela lei nº 9008/95, que criou
o Conselho Federal Gestor do FDDD.
Diante de referida previsão legal, nota-se ser descabida a alegação de alguns
operadores do direito de que ocorre enriquecimento ilícito do Ministério Público, parte
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legítima para propor a ação civil pública em defesa dos direitos difusos e coletivos,
quando fixada a Astreinte.
Ademais, conforme já estudado, não há que se falar em enriquecimento ilícito
da parte que recebe as Astreintes por não se tratar de contraprestação de obrigação e por
não possuir caráter reparatório.
No tocante à exigibilidade, a Lei da Ação Civil Pública é expressa ao prever
que a multa só será exigida no caso de procedência final da ação e após o trânsito em
julgado da sentença final (artigo 12, §2º).
Extremamente criticável a norma supra citada, vez que a limitação imposta
prejudica sobremaneira a efetividade e a eficácia da Astreinte, conforme abordagem do
item 2.1. desta tese.
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CONCLUSÃO CRÍTICA
Observadas as problemáticas apontadas no decorrer do trabalho, nota-se que
grande parte é solucionada pela doutrina e pela jurisprudência em razão da omissão
legislativa.
Por outro lado, algumas destas soluções merecem crítica, devendo ser
aprimoradas com o escopo de garantir a maior efetividade das Astreintes, como é o caso
da destinação do montante devido e do momento da execução do valor.
Em relação à legitimidade para a cobrança do valor devido, não há previsão
legal específica, por essa razão “a jurisprudência foi o remédio encontrado para
solucionar a omissão legislativa, firmando entendimento no sentido de que o valor da
multa deve ser revertido em favor do credor da obrigação”29, ignorando o disposto na Lei
da Ação Civil Pública que determina a criação de um “fundo gerido por um Conselho
Federal ou por Conselhos Estaduais de que participarão necessariamente o Ministério
Público e representantes da comunidade, sendo seus recursos destinados à reconstituição
dos bens lesados”30.
Por outro lado, a questão do momento da execução é controversa até hoje,
sendo que há quem defenda que deve ser aplicada a norma do artigo 11 da Lei da Ação
Civil Pública e há quem entenda que a execução deve ser iniciada desde o momento do
descumprimento do mandamento judicial.
Ora, deve-se entrar em um consenso sobre a aplicação, ou não aplicação, dos
artigos da Lei da Ação Civil Pública em relação às Astreintes previstas nas demais
legislações pátrias.
29 Fabiano Carvalho. Execução da Multa (Astreintes) Prevista no Artigo 461 o CPC. p. 212. 30 Artigo 13 da Lei nº 7347/85
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Recomenda-se, portanto, a não aplicação de referido instituto normativo, vez
que trata de direitos específicos que devem ser regidos de forma própria, usando-o, no
entanto, como base para uma nova perspectiva.
Através do Direito Comparado, sugere-se a adoção do sistema jurídico Alemão
em relação às Astreintes (artigos 888 e 89031), onde o valor resultante é revertido em
favor do Estado, harmonizando a destinação do montante com a finalidade jurídica da
multa.
31 888 Nicht vertretbare Handlungen (1) Kann eine Handlung durch einen Dritten nicht vorgenommen werden, so ist, wenn sie ausschließlich von dem
Willen des Schuldners abhängt, auf Antrag von dem Prozessgericht des ersten Rechtszuges zu erkennen, dass der
Schuldner zur Vornahme der Handlung durch Zwangsgeld und für den Fall, dass dieses nicht beigetrieben werden
kann, durch Zwangshaft oder durch Zwangshaft anzuhalten sei. 2Das einzelne Zwangsgeld darf den Betrag von
25.000 Euro nicht übersteigen. 3Für die Zwangshaft gelten die Vorschriften des Vierten Abschnitts über die Haft
entsprechend.
(2) Eine Androhung der Zwangsmittel findet nicht statt.
(3) Diese Vorschriften kommen im Falle der Verurteilung zur Eingehung einer Ehe, im Falle der Verurteilung zur
Herstellung des ehelichen Lebens und im Falle der Verurteilung zur Leistung von Diensten aus einem Dienstvertrag
nicht zur Anwendung.
890 Erzwingung von Unterlassungen und Duldungen
(1) Handelt der Schuldner der Verpflichtung zuwider, eine Handlung zu unterlassen oder die Vornahme einer
Handlung zu dulden, so ist er wegen einer jeden Zuwiderhandlung auf Antrag des Gläubigers von dem
Prozessgericht des ersten Rechtszuges zu einem Ordnungsgeld und für den Fall, dass dieses nicht beigetrieben
werden kann, zur Ordnungshaft oder zur Ordnungshaft bis zu sechs Monaten zu verurteilen. Das einzelne
Ordnungsgeld darf den Betrag von 250 000 Euro, die Ordnungshaft insgesamt zwei Jahre nicht übersteigen.
(2) Der Verurteilung muss eine entsprechende Androhung vorausgehen, die, wenn sie in dem die Verpflichtung
aussprechenden Urteil nicht enthalten ist, auf Antrag von dem Prozessgericht des ersten Rechtszuges erlassen wird.
(3) Auch kann der Schuldner auf Antrag des Gläubigers zur Bestellung einer Sicherheit für den durch fernere
Zuwiderhandlungen entstehenden Schaden auf bestimmte Zeit verurteilt werden.
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Referente ao momento da execução da multa, conforme já mencionado no
corpo desta tese, entende-se mais apropriada a adoção da corrente que defende ser
possível a execução desde o momento do descumprimento da determinação judicial.
Destas sugestões surge uma problemática: como o Estado realizaria, com toda
a sua morosidade, a arrecadação de referido valor?
É neste momento que se aconselha o uso do texto da Lei da Ação Civil Pública
como base, vez que a solução mais viável seria criar um Fundo Nacional onde o valor
seria depositado e destinado à educação, saúde e outros fins sociais, através da
administração de um Conselho Federal ou de Conselhos Estaduais dos quais participariam
o Ministério Público e os representantes da comunidade, os quais seriam parte legítima
para entrar com a ação de execução.
Evidente que tal questão deve ser estudada com maior profundidade,
analisando a viabilidade e funcionalidade prática da idéia, porém fica aqui uma proposta a
ser examinada e, quem sabe um dia, ser efetivamente aplicada no ordenamento jurídico
brasileiro.
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