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ISSN: 0872-4814 Órgão de Expressão Oficial da APED Volume 18 • N. o 1/2010 DOR ® Editorial 3 O Factor de Crescimento Nervoso como Biomarcador na Cistite Intersticial/Síndrome Dolorosa Vesical 5 Analgesia do Trabalho de Parto: Perspectivas e Avanços 8 Acupunctura: Um Opiáceo no Tratamento da Dor 15 Metadona nas Unidades de Dor 21 Dor Crónica não Oncológica: Crenças e Atitudes Referentes à Prescrição de Medicamentos Opióides Fortes nos Cuidados de Saúde Primários 29

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ISSN: 0872-4814

Ó r g ã o d e E x p r e s s ã o O f i c i a l d a A P E D

Volume 18 • N.o 1/2010DOR®

Editorial 3

O Factor de Crescimento Nervoso como Biomarcador na Cistite Intersticial/Síndrome Dolorosa Vesical 5

Analgesia do Trabalho de Parto: Perspectivas e Avanços 8

Acupunctura: Um Opiáceo no Tratamento da Dor 15

Metadona nas Unidades de Dor 21

Dor Crónica não Oncológica: Crenças e Atitudes Referentes à Prescrição de Medicamentos Opióides Fortes nos Cuidados de Saúde Primários 29

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PERMANYER PORTUGALwww.permanyer.com

ISSN: 0872-4814

Ó r g ã o d e E x p r e s s ã o O f i c i a l d a A P E D

Volume 18 • N.o 1/2010

DOR®

Ilustração da capa: Antonio Manuel Pantoja Rojao

Editorial 3Sílvia Vaz Serra

O Factor de Crescimento Nervoso como Biomarcador na Cistite Intersticial/Síndrome Dolorosa Vesical 5

Célia Duarte Cruz, Rui Pinto, Tiago Lopes e Francisco Cruz

Analgesia do Trabalho de Parto: Perspectivas e Avanços 8

Lisbete Cordeiro, Irene Ferreira, Alejandro Martin, Laila Castelo-Branco e Luís Liça

Acupunctura: Um Opiáceo no Tratamento da Dor 15Maria Salomé Martins Ferreira e Maria Graça Pereira

Metadona nas Unidades de Dor 21Ana Melo Botelho

Dor Crónica não Oncológica: Crenças e Atitudes Referentes à Prescrição de Medicamentos Opióides Fortes nos Cuidados de Saúde Primários 29

Leonor Tiago e Romão José

Director da revistaSílvia Vaz Serra

EditoresArmanda Gomes

Ananda FernandesGraça Mesquita

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© 2011 Permanyer PortugalAv. Duque d’Ávila, 92, 7.º E - 1050-084 LisboaTel.: 21 315 60 81 Fax: 21 330 42 96www.permanyer.com

ISSN: 0872-4814Dep. Legal: B-17.364/2000Ref.: 569AP101

Impresso em papel totalmente livre de cloroImpressão: Comgrafic

Este papel cumpre os requisitos de ANSI/NISOZ39-48-1992 (R 1997) (Papel Estável)

Reservados todos os direitos. Sem prévio consentimento da editora, não poderá reproduzir-se, nem armazenar-se num suporte recuperável ou transmissível, nenhuma parte desta publicação, seja de forma electrónica, mecânica, fotocopiada, gravada ou por qualquer outro método. Todos os comentários e opiniões publicados são da responsabilidade exclusiva dos seus autores.

Currículo da autora da capaAntónio Manuel Pantoja Rojão nasceu em Évora em 1943. Exerceu Medicina em Lisboa e há cerca de 20 anos

dedica-se à pintura como autodidacta.Bebendo nos motivos populares, no naturalismo, no impressionismo, na figuração, no abstracto e na simbologia

sem seguir escola, aqui ou ali, tem exposto em vários locais da cultura.Realizou desde 1989 doze exposições individuais e mais de 100 colectivas. Foi galardoado com duas Menções

Honrosas e o Prémio Mário Botas de Pintura da Sociedade Portuguesa de Escritores e Artistas Médicos (SOPEAM) em 1999.

Está representado em várias colecções particulares e de entidades públicas, designadamente: nos Museus de Évora, de Sintra e de Guimarães; nos Museus Municipais de Ovar, Portimão e Viana do Castelo; também em Lisboa no Museu da Cidade e no Museu da Água da EPAL; assim como nas Câmaras Municipais de Évora, de Sesimbra e de Mourão; e ainda na Ordem dos Médicos e na Federação Nacional dos Médicos.

1. A Revista «DOR» considerará, para publicação, trabalhos científicos relacionados com a dor em qualquer das suas vertentes, aguda ou crónica e, de uma forma geral, com todos os assuntos que interessem à dor ou que com ela se relacionem, como o seu estudo, o seu tratamento ou a simples reflexão sobre a sua problemática. A Revista «DOR» deseja ser o órgão de expressão de todos os pro-fissionais interessados no tema da dor.

2. Os trabalhos deverão ser enviados em disquete, CD, DVD, ZIP o JAZZ para a seguinte morada:

Permanyer PortugalAv. Duque d’Ávila, 92, 7.º Esq.1050-084 Lisboa

ou, em alternativa, por e-mail: [email protected]

3. A Revista «DOR» incluirá, para além de artigos de autores convidados e sempre que o seu espaço o permitir, as seguientes secções: ORIGINAIS - Trabalhos potencialmente de investigação básica ou clínica, bem como outros aportes originais sobre etiologia, fisiopatologia, epidemiologia, diagnóstico e tratamento da dor; NOTAS CLÍNICAS - Descrição de casos clínicos importantes; ARTIGOS DE OPINIÃO - assuntos que interessem à dor e sua organização, ensino, difusão ou estratégias de planeamento;

NORMAS DE PUBLICAÇÃO

CARTAS AO DIRECTOR - inserção de objecções ou comentários referentes a artigos publicados na Revista «DOR», bem como observações ou experi-ências que possam facilmente ser resumidas; a Revista «DOR» incluirá outras secções, como: edito-rial, boletim informativo aos sócios (sempre que se justificar) e ainda a reprodução de conferências, protocolos e novidades terapêuticas que o Conselho Editorial entenda merecedores de publicação.

4. Os textos deverão ser escritos configurando as páginas para A4, numerando-as no topo superior direito, utilizando letra Times tamanho 12 com espaços de 1.5 e incluindo as respectivas figuras e gráficos, devidamente legendadas, no texto ou em separado, mencionando o local da sua inclusão.

5. Os trabalhos deverão mencionar o título, nome e apelido dos autores e um endereço. Deverão ainda incluir um resumo em português e inglês e mencionar as palavras-chaves.

6. Todos os artigos deverão incluir a bibliografia relacionada como os trabalhos citados e a respectiva chamada no local correspondente do texto.

7. A decisão de publicação é da exclusiva respon-sabilidade do Conselho Editorial, sendo levada em consideração a qualidade do trabalho e a oportuni-dade da sua publicação.

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DOR

EditorialSílvia Vaz Serra

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Começo por Desejar um Óptimo Ano de 2011 a Todos os Colegas.

Contrariando o sentimento de apatia e pessimismo que paulatinamente se vai instalan-do em todas as áreas da sociedade – como que um manto ténue mas pesado de desalento e impotência, mas tão de acordo com o «fado» da alma portuguesa – a revista pretende dizer: «não, não vou por aí!».

É nos tempos de maior dificuldade e exigên-cia que temos de ser mais inventivos, perseve-rantes, audaciosos e exigentes.

Mas devem estar a questionar qual o sentido destas palavras. Qual o papel da revista nesta postura de combate, de não aceitação da des-graça, prevista e imposta? Cada um per se tem a obrigação de cumprir a sua tarefa, o melhor que sabe e pode, dar o melhor da sua arte. A direcção da revista tem também uma responsa-bilidade e quer, neste ano de 2011, acertar o passo com o tempo real!

Pretende-se a recuperação substancial do atraso na publicação e distribuição da revista.

Temos como meta a publicação não das quatro revistas anuais, mas sim a quase totalidade dos números em falta (há que manter o sentido da realidade).

Para alcançarmos este desiderato, algumas alterações de forma, mas não de qualidade e exigência, terão de ser efectuadas. A orienta-ção inicial de manter dois volumes monotemá-ticos e dois volumes politemáticos por ano, poderá não ser cumprida sendo previsível um maior número de volumes politemáticos. A es-trutura das revistas politemáticas (que contem-pla várias áreas distintas: ciências básicas, multidisciplinaridade, espaço do interno e a dor vista pelos outros) poderá, pontualmente, ser alterada.

Mas estou certa de que todos compreenderão e aceitarão estas «perturbações», estes «ruídos de fundo». Uma revista «atempada» torna-se mais viva e dinâmica e suscita, necessariamente, uma troca e partilha de ideias e informações, mais aliciante e profícua. Conto com todos!

Obrigado.

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ORDEM DE TRANSFERÊNCIA

(a enviar pelo Sócio ao respectivo Banco) AO BANCO …………………………………………………………………………………………………………………………………………….……………….

ESTABELECIMENTO …………………………………………………………………………………………………………………………………………………

Por DÉBITO da conta ordenante e CRÉDITO da conta do beneficiário, abaixo indicadas, queiram transferir a importância de 25,00 (Vinte e cinco Euros).

Transferência Permanente no mês de ____________ com início em_______(ano). Periodicidade: ANUAL

ORDENANTE NOME ……………………………………………………...……………………..……………….…………………………….….……

NIB

BENEFICIÁRIO NOME ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA PARA O ESTUDO DA DOR – APED

NIB 0 0 3 3 0 0 0 0 0 0 0 9 4 8 3 8 5 5 0 0 5

B. C. P. – PORTO

………….…………………………., ………... de …………….………………. de …… ………………………………………………………………………………..……………...

(Assinatura)

ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA PARA O ESTUDO DA DOR – APED

FICHA DE INSCRIÇÃO Nome …………………………………………………………………………….……………………………………………………………………………………….

Data de Nascimento …...../……../………...… Naturalidade ………………………………………………..……………………..………….……….………

Profissão ………………………….….…………………… Especialidade .………………………..…………….………………………………….………….

Categoria Profissional …………………….…………….………… Área de Trabalho ……………………………………………………….

Formação pós-graduada relevante:………………………………………………………………………………………………………….

………………………………………………………………………………………………………………………………………………..

Local de Trabalho ………………….………………..………………….………

Endereço: ……………………………………………………..……

Telefone ……….……..……………… Telemóvel ……….………………

Fax ……………………. E-mail ………………………………...

Código Postal -

Localidade ……………………….………………………………………………

Data de Inscrição …..../……./……..….

Assinatura ……………………….……..…………………….…………………………………..

No acto de inscrição, deverá ser paga a quantia de 25,00 referente à quota de ano de 2011, em cheque à ordem de “APED”, enviado para Prof. Fani Neto, Instituto de Histologia e Embriologia, Faculdade de Medicina, Alameda Prof. Hernâni Monteiro, 4200-319 PORTO

Residência...……………………………………..…......................

…………………………………………………………………….

Telefone ……….……..……………… Telemóvel ……….……………

Fax ……………………. E-mail ……………………………...

Código Postal -

Localidade …………………………………….............................

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ResumoA cistite intersticial/síndrome doloroso vesical (IC/PBS) é uma doença do tracto urinário baixo com características inflamatórias. Tem uma grande prevalência nas mulheres e acarreta um custo económico elevado já que afecta estes doentes na idade em que são mais produtivos. O tratamento da IC/PBS é essencialmente dirigido ao alívio dos sintomas, uma vez que esta doença pode ter uma origem multifactorial que é difícil de estabelecer. Assim, vários estudos têm procurado identificar novos biomarcadores que possam ser utilizados no diagnóstico da IC/PBS e que permitam uma abordagem terapêutica mais eficaz. O artigo aqui discutido, Urinary nerve growth factor is increased in patients with interstitial cystitis/bladder pain syndrome and decreased in responders to treatment, de Liu, et al. (BJU Int. 2009;104:1476-81), propõe a utilização da medição dos níveis urinário do factor de crescimento nervoso (NGF) como um novo biomarcador desta doença. A relevância deste artigo reside na demonstração da variação dos níveis urinários de NGF em função do tratamento. Mais estudos são necessários para consolidar a importância deste novo biomarcador.

Comentário sobre o artigo original

O Factor de Crescimento Nervoso como Biomarcador na Cistite Intersticial/Síndrome Dolorosa VesicalCélia Duarte Cruz1, Rui Pinto2, Tiago Lopes2 e Francisco Cruz1,2

Urinary nerve growth factor level is increased in patients with interstitial cystitis/bladder pain syndrome and decreased in responders to treatmentLiu HT, Tyagi P, Chancellor MB, Kuo HC. BJU Int. 2009;104:1476-81

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1Instituto Histologia e Embriologia Faculdade de Medicina e IBMC Universidade do Porto Porto 2Departamento de Urologia Hospital de S. João Porto E-mail: [email protected]

A cistite intersticial/síndrome dolorosa vesical (IC/PBS, do inglês interstitial cystitis/painful blad-der syndrome) é uma doença inflamatória crónica do tracto urinário baixo. É caracterizada por uma série de sintomas, entre os quais se destacam a imperiosidade, poliaquiúria e dor suprapúbica com a bexiga cheia que desaparece após a micção1. O diagnóstico da IC/PBS é feito por exclusão, eli-minando outras doenças cujos sintomas possam ser sobreponíveis aos da IC/PBS. O diagnóstico pode ser complementado através de avaliação urodinâmica, cistoscopias com hidrodistensão ou avaliando a sensibilidade vesical ao cloreto de potássio. No entanto, é necessário ter em conta que o teste da sensibilidade ao cloreto de potás-sio pode gerar resultados variáveis20 e que a cis-toscopia com hidrodistensão pode ser dolorosa.

A IC/PBS pode afectar tanto homens como mu-lheres, mas é mais comum no sexo feminino, causando uma redução significativa da qualidade de vida destas doentes. Sendo uma doença difí-cil de diagnosticar, a prevalência real da IC/PBS

permanece por determinar. No entanto, alguns es-tudos apontam para uma prevalência de 200 por cada 100.000 indivíduos, e é provável que muitas outras pessoas sofram desta doença dada a falta de biomarcadores específicos que caracterizem a IC/PBS22. A IC/PBS acarreta uma morbilidade con-siderável, afectando os doentes na fase de vida em que são mais produtivos e a sua vida familiar22. O custo económico da IC/PBS é bastante elevado e reflecte quer a perda de produtividade associa-da à doença quer custos associados aos cuida-dos médicos de que estes doentes necessitam.

No que respeita à patofisiologia da IC/PBS, a sua etiologia é desconhecida e não existe con-senso na identificação do elemento que despo-leta a doença. Um acontecimento que desem-penha um papel importante na IC/PBS é a disfunção do urotélio. Em condições normais, o urotélio é impermeável devido à presença uma camada superficial de glicosaminoglicanos e glicoproteínas9. Durante a IC/PBS, a espessura desta camada protectora diminui muito e a per-meabilidade do urotélio aumenta, permitindo que moléculas, como os iões potássio, o atra-vessem e activem os aferentes viscerais25, pre-sentes na região suburotelial ou penetrando nas regiões profundas deste epitélio especializado.

Outro factor importante parece ser a activação de mastócitos presentes na bexiga. É bem sabido que estas células participam em reacções alérgi-cas e acumulam histamina, citocinas, vasodilata-dores e o factor de crescimento nervoso (NGF, do

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inglês nerve growth factor) em grânulos citoplas-máticos. Alguns estudos mostraram que em biop-sias da bexiga de doentes com IC/PBS, o número de mastócitos presentes no urotélio e na submuco-sa estava aumentado8,14,15. É possível que estas células possam contribuir para os elevados níveis de triptase, histamina e NGF detectados na urina de doentes com IC/PBS19. Tal como as substâncias provenientes do lúmen da bexiga e que atraves-sam o urotélio, também os elementos libertados por desgranulação dos mastócitos podem induzir activação dos aferentes viscerais sensitivos.

A libertação de diversos mediadores por mas-tócitos, outras células inflamatórias e pelo urotélio pode levar à sensibilização destas fibras nervo-sas, resultando numa diminuição do seu limiar de activação. Assim sendo, os aferentes sensitivos vesicais, que na sua maior parte são fibras sensi-tivas nociceptivas, passam a ser activados por pequenos volumes de urina armazenados na be-xiga13,16. Muitos doentes descrevem sensações dolorosas em condições normais e sentem o pri-meiro desejo de micção com volumes de urinar significativamente menores (cerca de 74 ml) do que aqueles observados em indivíduos saudáveis (aproximadamente 163 ml)21. Os aferentes vesi-cais podem também participar em fenómenos de inflamação neurogénica, um processo altamente dependente dos níveis de NGF30 e que se crê ser importante durante a IC/PBS. Verifica-se que os aferentes vesicais sensitivos, quando estimulados, podem libertar neuropeptídeos com propriedades pró-inflamatórias, como a substância P e o pépti-do relacionado com o gene da calcitonina (CGRP, do inglês calcitonin gene-related peptide)2,18. Tan-to a substância P como o CGRP podem estimular células inflamatórias, resultando no aumento da secreção de mais mediadores pró-inflamatórios que potenciam a sensibilização dos aferentes vesicais e perpetuam a disfunção vesical2,18.

Dada a combinação de todos estes factores patofisiológicos, facilmente se depreende que o tratamento da IC/PBS é difícil. De facto, várias estratégias terapêuticas possam ser utilizadas no tratamento, produzindo resultados variáveis. Ne-nhum tratamento elimina de uma forma uniforme os sintomas de dor suprapúbica, imperiosidade e poliaquiúria, pelo que o tratamento, dirigido à erradicação da dor vesical, resulta de uma com-binação individualizada de terapias feita para o doente em questão. São utilizados analgésicos e anti-inflamatórios não-esteróides (AINE), conside-rados primeiro tratamento7. Podem também ser utilizados anti-histamínicos, como a hidroxizina, e corticosteróides7, que contribuem para a inibição das células inflamatórias presentes na bexiga, levando à diminuição dos níveis de mediadores pró-inflamatórios (histamina, leucotrienos, prosta-glandinas, etc.) que estas células libertam. Ou-tras abordagens terapêuticas surgem como op-ção para casos em que os fármacos surtem pouco efeito ou produzem efeitos secundários. Assim, também está descrita a instilação de

agentes que visam restabelecer as característi-cas do urotélio enquanto barreira protectora, tais como ácido hialurónico e condroitinossulfatos7,29. Podem também ser instilados outros agentes que têm acção anti-inflamatória, analgésica e que re-laxa o detrusor, como o dimetilsulfóxido26,27,29. Por último, outras alternativas menos usuais são tam-bém utilizadas tais como o uso de acupunctura, hipnose ou alterações da dieta7. Daqui se conclui que o tratamento da IC/PBS não é fácil e os es-pecialistas recorrem a várias estratégias para tra-zer ao doente uma melhoria da sua qualidade de vida. A dificuldade no tratamento reside na difi-culdade de estabelecer a verdadeira causa pa-togénica e isolar o evento que espoleta a doença. O diagnóstico da IC/PBS é geralmente subjectivo e apenas com a utilização de técnicas invasivas e dispendiosas (como cistoscopia e obtenção de biopsias da bexiga), normalmente reserva-das para doentes em fase avançada de IC/PBS, se obtêm dados objectivos que permitem fazer um diagnóstico correcto com segurança. Assim, a descrição de novos biomarcadores para o diagnóstico e previsão da progressão desta do-ença assume uma importância decisiva.

O artigo aqui em discussão, «Urinary nerve growth factor is increased in patients with inters-titial cystitis/bladder pain syndrome and decrea-sed in responders to treatment» de Liu, et al., propõe que o nível de NGF na urina de doentes com IC/PBS pode servir como marcador da gra-vidade da doença. Utilizando amostras de urina de 122 doentes e 28 indivíduos saudáveis, os níveis de NGF na urina foram determinados por Enzyme Linked Immunosorbent Assay (ELISA), um teste imunoenzimático que permite a detec-ção de proteínas com grande fiabilidade, e cor-relacionados com a intensidade da dor antes e após tratamento. Os resultados obtidos indicam que os níveis de NGF são elevados nos indivíduos doentes e baixam após tratamento. Em indivíduos que não responderam positivamente ao tratamen-to, os níveis de NGF urinários permaneceram ele-vados. Estes dados sugerem que a medição dos níveis de NGF urinários poderá ser utilizada como dado complementar do diagnóstico da IC/PBS, eventualmente contribuindo para o esclareci-mento da causa da doença. A relevância deste artigo reside no possível estabelecimento de um novo biomarcador numa doença que permanece um desafio clínico. Além disso, a colheita de urina e a análise do NGF urinário por ELISA não apresenta grandes dificuldades a nível técnico e não acarreta grandes despesas em comparação com outros métodos diagnósticos. Por último, esta análise não é invasiva, o que assume particular importância em doentes com dor persistente.

A síntese e libertação de NGF parecem ser um factor determinante na IC/PBS, conforme o de-monstram os dados obtidos em vários estudos com modelos animais desta patologia. De facto, verifica-se que após administração de NGF a animais intactos, estes desenvolvem disfunção

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C. Duarte Cruz, et al.: O Factor de Crescimento Nervoso como Biomarcador na Cistite Intersticial/Síndrome Dolorosa Vesical

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vesical e hiperexcitabilidade dos aferentes sensi-tivos que inervam a bexiga4,6,31,32, de forma análo-ga ao que ocorre em doentes com IC/PBS. Por outro lado, promovendo-se a redução da acção do NGF através de proteínas recombinantes ou anta-gonistas do seu receptor, a função vesical e a hipersensibilidade periférica melhora significativa-mente nos mesmos modelos animais desta doen-ça10-12. O NGF é uma neurotrofina essencial para o desenvolvimento do sistema nervoso periférico. Exerce os seus efeitos ligando ao seu receptor específico TrkA23, abundantemente expresso pelos aferentes vesicais e pelo urotélio17,24. Assim, o NGF presente na urina poderá contribuir para a dor e a disfunção vesical que acompanham a IC/PBS, afectando quer o urotélio quer as fibras sensitivas que enervam a bexiga. Investigar o papel desem-penhado pelo NGF em doentes com IC/PBS re-veste-se assim de grande importância porque poderá permitir uma melhor compreensão da doença e, possivelmente, a pesquisa de novas e mais eficientes estratégias terapêuticas.

No entanto, este artigo também apresenta al-guns problemas que devem ser evitados em tra-balhos futuros. No que respeita ao grupo contro-lo (indivíduos saudáveis), a sua caracterização é escassa. Nenhuma informação é dada acerca da idade e do sexo destes indivíduos, o mesmo se passando com os indivíduos com IC/PBS. Embo-ra esta síndrome possa afectar ambos os sexos, a prevalência é mais elevada nas mulheres. Dado que se desconhece se a libertação de NGF na urina varia de acordo com o sexo ou a idade do indivíduo, tal informação deve também ser acautelada em estudos futuros. Outro ponto importante tem a ver com os tratamentos prescri-tos aos doentes estudados. Dado que alguns in-divíduos foram tratados com pentosano polissulfa-tado por via oral, outros receberam instilações de toxina botulínica e outros foram tratados com ins-tilação de ácido hialurónico, é impossível saber qual o tratamento mais eficaz no decréscimo do NGF urinário observado nos doentes que melho-raram após tratamento. Por último, a fonte do NGF na urina permanece por estabelecer de uma forma cabal. Alguns estudos mostram que o urotélio hu-mano e de rato produzem NGF3,17. Por outro lado, também o músculo detrusor é capaz de sintetizar e secretar esta neurotrofina5,28, bem como os mastócitos presentes na parede vesical.

Em suma, este artigo de Liu, et al.15 é impor-tante porque, juntamente com outros trabalhos, aponta para o NGF como um possível biomarca-dor da IC/PBS. Os detalhes apontados facilmen-te podem ser corrigidos em trabalhos futuros. Tais estudos são altamente desejáveis para expandir esta área de conhecimento e confirmar ou refutar a utilização do NGF urinário como biomarcador desta doença, podendo ser utilizado para com-plementar outros métodos diagnósticos. Além disso, será interessante verificar futuramente qual a verdadeira contribuição desta molécula na pro-gressão da IC/PBS, uma vez que, podendo estar

na génese da disfunção vesical e dor intensa que os doentes referem, o NGF poderá ser con-siderado como um bom alvo terapêutico.

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ResumoA dor associada ao trabalho de parto é considerada intensa e excruciante. Na primeira fase do trabalho de parto a dor advém, inicialmente, da dilatação do segmento inferior do útero e do cérvix. No final da primeira fase e na segunda fase, a dor tem origem na dilatação do canal de parto, com distensão dos tecidos da vagina e do períneo. Para dar resposta às necessidades maternas dispomos de vários métodos analgésicos. Os métodos não-farmacológicos são diversos, mas a maioria apresenta parca evidência científica. Os mais estudados incluem a acupunctura, a hipnoterapia, a hidroterapia e o recurso à estimulação nervosa eléctrica transcutânea (TENS). A analgesia sistémica, com recurso aos opióides, é vantajosa quando é impossível a realização de técnicas analgésicas do neuroeixo. O remifentanilo parece ser uma mais-valia nestas situações. A analgesia do neuroeixo, considerada a técnica por excelência no alívio da dor no trabalho de parto, é o único método que promove o alívio da dor com mínimos efeitos maternos e fetais. As baixas doses de anestésicos locais e opióides e a deambulação abriram novos horizontes na evolução deste método analgésico. Com o avanço tecnológico e médico, assiste-se ao desenvolvimento de novos sistemas de administração de fármacos e ao renascimento de antigas técnicas, como a analgesia intratecal contínua. São necessários mais estudos de modo a expandirmos as possibilidades analgésicas no trabalho de parto e adaptá-las às necessidades particulares de cada grávida e à evolução do trabalho de parto, com mínimos efeitos adversos maternos e fetais.

Palavras-chave: Dor. Trabalho de parto. Analgesia. Técnicas.

AbstractPain associated with labor is considered intense and excruciating. In the first stage of labor, pain is initially caused by the dilation of the inferior segment of the uterus and cervix. Pain from the late first stage and second stage of labor arises from the dilation of the birth canal with stretching of perineal and vaginal tissues. In order to attend to the mother’s analgesic needs, several methods are at our disposal. There are many nonpharmacological methods, although most of them lack scientific evidence. The most studied include acupuncture, hypnotherapy, hydrotherapy, and transcutaneous electrical nerve stimulation. Systemic analgesia with the use of opioids is advantageous when it is not possible to use neuraxial techniques. Remifentanil seems to be an alternative in such situations. Neuraxial analgesia is considered to be the most effective means of providing pain relief in labor, with minimal fetal and maternal effects. The use of low doses of local anesthetics with opioids and deambulation opened new possibilities for this analgesic method. With both technological and medical advances, new administration routes are being developed and old techniques, such as continuous spinal analgesia, are being recovered. More research is needed in order not only to expand the alternatives offered for labor pain relief, but also to adapt them to the specific needs of each woman, with minimal fetal and maternal effects. (Dor. 2010;18(1):8-14)Corresponding author: Lisbete Cordeiro, [email protected]

Key words: Pain. Labor. Analgesia. Techniques.

Analgesia do Trabalho de Parto: Perspectivas e AvançosLisbete Cordeiro1, Irene Ferreira2, Alejandro Martin1, Laila Castelo-Branco3 e Luís Liça3

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1Assistente Hospitalar de Anestesiologia 2Assistente Hospitalar Graduada de Anestesiologia 3Interno do Internato Complementar de Anestesiologia Centro Hospitalar de Setúbal – Hospital de São Bernardo Setúbal E-mail: [email protected]

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IntroduçãoA dor associada ao trabalho de parto é senti-

da como uma das experiências mais dolorosas vivenciada pela mulher. A analgesia ideal ba-seia-se no equilíbrio entre a eficácia analgésica e a redução de efeitos adversos maternos e fetais. A procura constante desse equilíbrio, a par de um maior envolvimento materno no tra-balho de parto, contribui para novos avanços na analgesia do trabalho de parto.

Em 1847 surgem as primeiras referências à analgesia do trabalho de parto, quando Sir James Young Simpson administrou éter a uma grávida em trabalho de parto1,2. Em 1853, com a admi-nistração de clorofórmio à Rainha Vitória aquando do nascimento do seu oitavo filho, J. Snow esta-beleceu os alicerces da analgesia obstétrica1,2. Na primeira metade do século XX são descritas as primeiras anestesias regionais em obstetrícia1. A analgesia do neuroeixo, como praticada na actualidade, «nasceu» em 1943 com Hingson e Edwards, citados por CA Wong1, e tem evoluído no sentido de alcançar a analgesia ideal.

A dor no trabalho de parto apresenta um com-ponente visceral, associado às contracções ute-rinas e à dilatação do colo, observados no pri-meiro estádio, e um componente somático, associado à distensão perineal, característico do segundo estádio. No primeiro estádio, os im-pulsos nervosos são conduzidos através dos ner-vos aferentes viscerais (fibras A-δ e C) dos seg-mentos T10 a L1, originando uma dor difusa e mal localizada. No segundo estádio, os impulsos nervosos são transmitidos por fibras nervosas somáticas dos segmentos S2 a S4, responsáveis por uma dor aguda e bem localizada3,4.

Para a maioria das mulheres, a dor no trabalho de parto é uma dor severa, equiparada à cau-salgia5. O alívio da dor, sem comprometer o bem-estar materno e fetal nem a progressão do trabalho de parto, é a pedra-chave da analgesia do mesmo. A analgesia do neuroeixo é compro-vadamente o método analgésico mais eficaz no trabalho de parto. No entanto, este método pode tornar-se inviável perante a presença de contra-indicações para a realização da técnica, a recu-sa da grávida, um trabalho de parto rápido ou a indisponibilidade do anestesiologista.

A procura constante da excelência analgési-ca, no sentido de alcançar a satisfação materna, aliada à segurança do método, promoveu o de-senvolvimento de vários métodos analgésicos no trabalho de parto. No entanto, uma eficácia analgésica no trabalho de parto não está neces-sariamente associada a uma elevada satisfação materna6.

Métodos não-farmacológicosO alívio da dor no trabalho de parto deve ser

adaptado a cada mulher, de modo a alcançar-se a maior eficácia e satisfação possível. O re-curso a métodos farmacológicos nem sempre é

uma opção materna, o que tem contribuído para o desenvolvimento de variados métodos não-farmacológicos7. Alguns destes métodos têm mostrado fraca evidência científica, necessitan-do de mais estudos para validação7,8.

Os métodos não-farmacológicos mais utiliza-dos, e com alguma evidência científica compro-vada, incluem a acupunctura, a hipnoterapia, a hidroterapia e o recurso à TENS.

A acupunctura baseia-se na estimulação de pontos anatómicos específicos do corpo, recor-rendo à inserção e manipulação de agulhas fi-nas. O seu uso, na dor no trabalho de parto, tem apresentado resultados díspares. Alguns auto-res referem que os dados colectados sugerem que a acupunctura promove o alívio da dor e a redução do consumo de analgésicos endoveno-sos ou epidurais7,9,10, enquanto outros estudos evidenciam que a acupunctura promove um alí-vio inconsistente da dor11. Outros, ainda, con-cluem que a acupunctura é um bom adjuvante na analgesia no trabalho de parto12. Em duas revisões actuais, Cho, et al. salientam que não existe evidência que valide o uso da acupunc-tura na dor associada ao trabalho de parto13, e Smith, et al. referem que a acupunctura pode ser útil no manejo de algumas queixas associadas à gravidez, como as náuseas e as dores lomba-res e pélvicas14.

A hipnose representa um estado de concen-tração focada, durante o qual vão sendo forne-cidas à grávida sugestões que a induzem a di-minuir a percepção da dor. A susceptibilidade da mulher à hipnose parece estar aumentada na gravidez15. Os dados disponíveis sugerem que este método reduz a necessidade do recurso a métodos farmacológicos1,7,8,16.

A imersão na água corresponde à submersão completa do abdómen da grávida, em qualquer fase do trabalho de parto. Os estudos compro-vam que, nas grávidas de baixo risco, a imersão na água durante a primeira fase do trabalho de parto diminui a dor8,17. Não existe evidência científica que corrobore o seu uso na segunda e terceira fases do trabalho de parto17.

A TENS consiste na aplicação de estímulos eléctricos de baixa intensidade e elevada fre-quência, através de eléctrodos colocados na região lombar. As mulheres que utilizaram este método, aparentemente, apresentam uma maior tolerância à dor18. No entanto, não existe evidên-cia científica que comprove diferenças significa-tivas na dor8. O facto dos estímulos eléctricos serem administrados pela grávida aumenta a sua sensação de controlo sobre a evolução do trabalho de parto18.

A maioria dos estudos que avaliam os méto-dos não-farmacológicos conclui pelo seu bene-fício no início da primeira fase do trabalho de parto8. Quando a grávida entra na fase activa do trabalho de parto, verifica-se uma maior neces-sidade de recurso aos métodos farmacológicos (analgesia sistémica, técnicas do neuroeixo).

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Analgesia sistémica – opióides

Os opióides sistémicos têm sido largamente empregues como método analgésico no traba-lho de parto. A sua popularidade tem sido con-testada, em alguns artigos publicados, devido aos efeitos secundários maternos e neonatais e à fraca eficácia analgésica19,20. No entanto, no-vos fármacos e novos equipamentos têm im-pulsionado a utilização desta modalidade anal-gésica19. Apesar destes desenvolvimentos, a analgesia do neuroeixo mantém-se o método mais eficaz no trabalho de parto, sendo a anal-gesia sistémica reservada para situações em que a analgesia regional está contra-indicada, não está disponível ou é recusada pela grávi-da1,19,21-24.

A petidina foi introduzida em 1939 e, apesar de ser o opióide mais utilizado por via sistémi-ca1,25, a sua eficácia analgésica no trabalho de parto tem sido questionada20,25. Num estudo pu-blicado em 1996, concluiu-se que a petidina apresenta um efeito sedativo marcado associa-do a um modesto efeito analgésico20. Este mo-desto efeito analgésico é corroborado por outro estudo realizado em 200426. Os efeitos adversos maternos e fetais, associados aos opióides, fo-ram avaliados em estudos comparativos que incluíram a petidina22,27-29. Um dos estudos foi interrompido devido aos baixos valores de Ap-gar27. A depressão do neonato associada à pe-tidina é um efeito adverso bem documentado19. As náuseas, os vómitos e a depressão respi-ratória materna foram descritos noutros traba-lhos27-29. Os efeitos adversos da petidina re-sultam não só de uma semivida prolongada materna (2,5 a 3 h) e fetal (18 a 23 h), mas também da acumulação de metabolitos activos (ex.: norpetidina, com uma semivida de 60 h no neonato)19.

A dor no trabalho de parto é uma dor episódi-ca e intensa, devendo o opióide ideal apresentar um perfil farmacocinético adequado a esta situ-ação particular. Neste sentido surgiu o remifen-tanilo, que é um opióide sintético, agonista se-lectivo dos receptores μ-1, de curta duração de acção, pouco solúvel e com grande ligação às proteínas30. Apresenta um início de acção rápi-do, sendo metabolizado por hidrólise através das esterases plasmáticas e tecidulares, não especí-ficas, em metabolitos que são praticamente inac-tivos19,30-32. A sua rápida eliminação leva a que não haja acumulação, mesmo em administra-ções prolongadas19. Atravessa rapidamente a placenta, sendo igualmente metabolizado pelo neonato19,30-32. Pelas suas características farma-cocinéticas, aparentemente, o remifentanilo é o opióide ideal para o alívio da dor cíclica do tra-balho de parto. Contudo, os efeitos adversos, maternos e fetais, associados aos opióides po-dem limitar a sua utilização. A depressão respi-ratória, materna e fetal, é o mais preocupante, mas na maioria dos estudos é descrita como

transitória e facilmente ultrapassável pelo re-curso a oxigénio suplementar e redução da dose utilizada21,22,28,29,33,34. A sedação é referi-da em muitos estudos, mas raramente é acen-tuada21-23,29,34,35. As náuseas e os vómitos apre-sentam uma incidência variável, entre 19 e 48% conforme os estudos34. De realçar o facto de estes efeitos ocorrerem com alguma frequência durante o trabalho de parto, mesmo sem anal-gesia. O prurido, quando presente, é descrito como moderado e não necessitando de terapêu-tica específica34,35, ou como intenso, obrigando à suspensão do fármaco36. Não existe evidência científica de instabilidade hemodinâmica ou rigi-dez muscular associadas à administração de re-mifentanilo como analgésico no trabalho de par-to. Os padrões da frequência cardíaca fetal, o índice de Apgar, o sangue do cordão umbilical e as escalas de avaliação neurocomportamental dos recém-nascidos mostraram variações den-tro dos padrões normais19,21,22,24,29,30,32,34,35.

O recurso à analgesia controlada pelo doente (PCA) em bolus, perfusão contínua ou associa-ção dos dois métodos, parece adequar-se ao perfil farmacocinético do remifentanilo e ao pa-drão cíclico da dor do trabalho de parto, adi-cionando vantagens à analgesia, tais como menores efeitos secundários, maior satisfação materna, melhoria nas escalas de dor e menor taxa de conversão para analgesia do neuroei-xo21,28,35. São vários os estudos que avaliam a eficácia analgésica do remifentanilo no trabalho de parto, mas a dose ideal e o método de ad-ministração mais adequado ainda são pontos controversos19,21-24,30,32-35,37,38. Doses mais eleva-das com intervalos de bloqueio mais curtos correlacionam-se com maior eficácia analgésica e maior incidência de efeitos secundários mater-nos, como depressão respiratória, náuseas, vó-mitos e sedação. Doses mais baixas e intervalos de bloqueio maiores estão associados a menor incidência de efeitos secundários, mas menor eficácia analgésica. Factores como a antecipa-ção da próxima contracção pela grávida, a adequação das doses à evolução da dor e à progressão do trabalho de parto, uma perma-nente monitorização respiratória e vigilância da grávida e um aumento progressivo da dose do bolus, de modo a dar resposta às necessidades individuais da grávida, contribuem para cimen-tar o uso do remifentanilo na analgesia do trabalho de parto21,24,28. Apesar de todos os benefícios do remifentanilo, a sua segurança ainda carece de confirmação e o seu risco/benefício deve ser ponderado para cada caso.

O fentanilo, o alfentanilo e o sufentanilo são outros opióides já utilizados por via endovenosa no trabalho de parto. O fentanilo apresenta uma potência 800 vezes superior à petidina, com pi-co-de-acção em três a quatro minutos após a administração, mas apresenta também importan-tes efeitos adversos no neonato, com excessivo recurso à naloxona no pós-parto19. O alfentanilo

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tem rápido início de acção e curta duração de acção, mas a sua eficácia analgésica é inferior à do fentanilo e apresenta um efeito depressor neonatal superior ao da petidina19. O sufentanilo apresenta uma baixa potência e um potencial para a depressão neonatal19.

O recurso ao remifentanilo, nos casos de re-cusa de técnica do neuroeixo ou indisponibili-dade para realização da mesma, parece uma alternativa promissora. No entanto, as técnicas do neuroeixo permanecem as técnicas de refe-rência para o alívio da dor no trabalho de parto, apesar de também estas não serem isentas de riscos.

Analgesia locorregionalHistoricamente, a técnica epidural começou

por ser utilizada recorrendo à administração de uma dose única de grandes volumes de um anestésico. Como a analgesia era de curta du-ração, impunha-se a necessidade de procedi-mentos epidurais repetidos. Com o advento do cateter epidural, a suplementação analgésica, durante o trabalho de parto, passou a ser facili-tada39. Inicialmente, a dose de anestésico local utilizada, para além da eficácia analgésica, apresentava também uma incidência elevada de bloqueio motor e hipotensão materna1,39. Nos anos 80, a descoberta dos receptores dos opi-óides no sistema nervoso central levou à asso-ciação destes aos anestésicos locais, que actu-ando sinergicamente providenciavam uma maior qualidade analgésica, com menores doses de cada fármaco e consequente minimização dos efeitos adversos1,40. Para além da eficácia anal-gésica, a epidural tradicional (com recurso a concentrações elevadas de anestésico local) encontra-se associada a maior recurso à oxito-cina41, a um trabalho de parto prolongado42 e a maior risco de parto instrumentado43. Não há evidência de que a analgesia epidural esteja associada a um risco aumentado de cesariana, dor lombar prolongada ou efeitos neonatais ad-versos43,44. A satisfação materna, no que diz respeito ao alívio da dor, não parece ser influen-ciada pela epidural43. No entanto, uma metaná-lise comparando a epidural com a analgesia sistémica conclui que a satisfação materna é maior com a epidural45.

No sentido de alcançar a técnica analgésica ideal e proporcionar uma experiência aprazível, procurou-se a flexibilidade e adaptabilidade da analgesia do neuroeixo aos vários momentos do trabalho de parto. As baixas doses de anestési-cos locais, a associação de opióides, a perfusão epidural contínua, a técnica sequencial, a deam-bulação durante o trabalho de parto e a analge-sia epidural controlada pelo doente (PCEA) são o reflexo dessa procura.

A perfusão epidural contínua, apesar de apre-sentar uma analgesia mais consistente e uma diminuição do trabalho do anestesiologista, está

associada a um consumo de doses elevadas de anestésico local e a um possível bloqueio motor profundo, quando comparada com a administra-ção intermitente de bolus46,47. Experimentalmen-te, foi demonstrado que os bolus permitem uma distribuição mais uniforme do fármaco, devido à maior pressão aplicada para a administração do mesmo, originando um bloqueio sensitivo mais eficaz48.

Na última década, verificou-se uma tendência crescente para a utilização da técnica sequen-cial na analgesia do trabalho de parto. O seu rápido início (dois a cinco minutos), associado a um mínimo bloqueio motor, permite uma maior mobilidade por parte da grávida1,49,50. Esta téc-nica combina as vantagens da analgesia intra-tecal com a versatilidade do cateter epidural, o qual pode ser utilizado durante todo o trabalho de parto39. Fármacos como os opióides e os anestésicos locais, em baixas doses, isolados ou em associação39,49,50, são utilizados de modo a tirar o maior benefício desta técnica, alcançan-do uma analgesia eficaz e menos efeitos adver-sos, com elevada satisfação materna. Complica-ções como analgesia insuficiente, hipotensão e depressão respiratória maternas, retenção uriná-ria, prurido (habitualmente não necessitando de tratamento), dor no local da injecção, cefaleias pós-punção da dura (baixa incidência), náuse-as, bradicardia fetal e outras mais raras (migra-ção do cateter epidural, anestesia espinhal total, convulsões, meningite) podem estar presentes e implicam uma vigilância constante por parte do anestesiologista1,39,41,50-53. Por causar mínimo bloqueio motor, permitindo a deambulação53, a técnica sequencial tem sido referida como walking epidural. Esta denominação pode ser igualmente aplicada na técnica epidural com baixas doses de anestésico local, tanto em bo-lus como em perfusão. A possibilidade de de-ambulação no trabalho de parto aumenta a sa-tisfação materna e parece ser superior com a sequencial54-56. Estudos mostram que a deam-bulação não influencia a duração do trabalho de parto nem os níveis de dor55-57. Tanto a epidural como a sequencial, associadas à deambulação, são técnicas eficazes e seguras para a grávida e para o feto54,56,58,59, obviam a necessidade de es-vaziamento vesical57,59, diminuem a incidência de parto instrumentado58 e implicam adequada moni-torização materna e fetal51,54,58,60. A sequencial apresenta um efeito analgésico inicial rápido, ní-veis de dor inferiores na primeira hora, doses inferiores de anestésico local e alterações hemo-dinâmicas nos primeiros 30 minutos54,58,60,61. A epidural com doses baixas apresenta menor consumo de oxitocina e de anestésico local, quando associada à deambulação56.

A PCEA foi introduzida no trabalho de parto em 1988, demonstrando ser uma técnica segura e eficaz62-65. Permite que a grávida controle a dose de fármaco a administrar por via epidural segundo as suas necessidades e as alterações

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dos padrões de dor e da dinâmica do trabalho de parto63,65. Quando comparada com uma per-fusão epidural contínua, a PCEA apresenta van-tagens, tais como menor número de intervenções não programadas por parte do anestesiologista, menores doses de anestésico local e melhor mobilidade39,49,50,63. A eficácia analgésica da PCEA depende da concentração e não do tipo de anestésico local66, mas no caso da bupiva-caína parece haver um aumento da incidência do bloqueio motor62. Ainda não foram definidas doses de bolus ou intervalos de tempo ideais para a PCEA no trabalho de parto39,49,62. A as-sociação com perfusão basal relaciona-se com uma menor incidência de dor irruptiva, originan-do uma menor intervenção por parte do aneste-siologista39,65,67, sendo a sua eficácia analgésica e o consumo de fármacos pontos controver-sos39,49,50,62,68-69. Comparativamente à perfusão endovenosa, a PCEA não aumenta a incidência de cesarianas nem de parto instrumentado, re-duz os efeitos adversos maternos e neonatais aumentando a satisfação materna70, mas os custos associados são ligeiramente mais ele-vados40.

Futuros desenvolvimentosSistemas de administração automáticos

Na tentativa de individualizar a analgesia no trabalho de parto, encontram-se em processo de desenvolvimento novos sistemas de administra-ção de fármacos pelo cateter epidural. Entre estes temos:

– Bolus automáticos intermitentes (BAI). – Analgesia controlada pelo doente asso-

ciada a bolus automáticos intermitentes. – Analgesia controlada pelo doente integrada

pelo computador. – Sistemas descartáveis de PCA.Os BAI correspondem a um sistema automá-

tico desenhado para administrar um pequeno bolus de anestésico local a intervalos programa-dos47. Estudos mostram que, comparativamente à perfusão epidural contínua, os BAI estão as-sociados a uma diminuição do número de doses de resgate, menor consumo de anestésico local e opióide, maior duração analgésica após se-quencial e equivalente alívio da dor39,49. Estes efeitos poderão estar relacionados com uma dis-seminação mais homogénea dos analgésicos pelo espaço epidural39,48,49.

A PCA associada a BAI, comparada com a perfusão epidural contínua, reduz o consumo de analgésicos e origina uma maior satisfação ma-terna39,47 e menor recurso materno à PCEA71.

A PCA integrada pelo computador é um siste-ma no qual um programa analisa o consumo de anestésico local na última hora e ajusta o ritmo da perfusão contínua às necessidades mater-nas49,62,72,73. A evidência científica mostra uma redução na incidência da dor irruptiva, sem au-mentar o consumo dos fármacos nem os efeitos

secundários, e uma maior satisfação materna, comparativamente com a PCEA49,62,72,73.

Os sistemas descartáveis de PCA são menos volumosos do que os electrónicos, podendo fa-cilitar a deambulação62. Um estudo concluiu que não havia alterações no que diz respeito à efi-cácia analgésica, satisfação materna e efeitos secundários, entre um sistema descartável e um electrónico74. A impossibilidade de programa-ção e os custos acrescidos são desvantagens destes sistemas62.

Analgesia intratecal contínuaAplicada pela primeira vez em 1944 à grávida

em trabalho de parto75, esta técnica foi sofrendo modificações no que respeita à agulha e ao ca-teter a utilizar76. Trata-se de uma técnica que requer punção da dura associada à colocação intratecal de um microcateter1. Em 1992, após relatos de lesões neurológicas (síndrome da cauda equina) em doentes não obstétricos, es-tes cateteres foram retirados da prática anesté-sica77,78. Estudos posteriores em animais identi-ficaram a toxicidade do anestésico local como causa da lesão neurológica76,77. Num estudo comparativo entre analgesia intratecal contínua

e analgesia epidural contínua, conclui-se que na analgesia intratecal, com bupivacaína e sufenta-nilo, a incidência de complicações neurológicas é inferior a 1% e a eficácia analgésica inicial, bem como a satisfação materna, são maiores. No entanto, verificou-se uma maior tendência, no grupo intratecal, para cefaleias pós-punção da dura e prurido. Os cateteres intratecais apresen-taram maiores dificuldades técnicas e de remo-ção77. Alguns autores consideram que, pelo fac-to desta técnica permitir uma maior estabilidade hemodinâmica, os seus benefícios podem supe-rar os riscos em doentes com importantes co-morbilidades1,50,76.

ConclusãoA dor associada ao trabalho de parto é viven-

ciada pela mulher como uma experiência pes-soal, intensa e evolutiva. As técnicas analgési-cas têm evoluído no sentido de satisfazer as necessidades maternas, diminuindo os efeitos adversos a elas associados. A procura da téc-nica ideal passa pela sua individualização e adaptação às alterações constantes da grávida à medida que evolui o trabalho de parto. Os avanços tecnológicos e farmacológicos, asso-ciados à pesquisa médica, aumentam o leque de possibilidades analgésicas disponíveis. Mais estudos serão necessários de modo a que seja possível tornar o parto um momento agradável e seguro, tanto para a mãe como para o recém-nascido.

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ResumoO texto que se apresenta aborda aspectos teóricos importantes no paciente com dor e apresenta dois paradigmas de tratamento que estão hoje ao dispor dos pacientes, nomeadamente os tratamentos convencionais e não convencionais. Dos tratamentos não convencionais, destaca-se a acupunctura, que tem demonstrado a sua eficácia no controlo da dor, principalmente na dor crónica.O presente artigo explora a problemática da dor crónica com a descrição da fisiologia da acupunctura no tratamento da dor, apresentando uma revisão da literatura sobre investigação na área particularmente ao nível da eficácia e, finalmente, tecendo algumas considerações sobre o tratamento da dor crónica.

Palavras-chave: Dor crónica. Acupunctura. Tratamento.

AbstractThis paper focuses on the important theoretical aspects in the patient with pain, presenting two treatment paradigms that are now available to patients: specifically, conventional and unconventional treatments. Acupuncture is one of the most well known unconventional treatments that has shown its effectiveness in controlling pain, particularly chronic pain.This paper explores chronic pain, including the physiology of acupuncture in treating pain, presents a literature review of the research on acupuncture’s effectiveness, and, finally, presents some thoughts on the treatment of chronic pain. (Dor. 2010;18(1):15-20)Corresponding author: Maria Salomé Martins Ferreira, [email protected]

Key words: Chronic pain. Acupuncture. Treatment.

Acupunctura: Um Opiáceo no Tratamento da DorMaria Salomé Martins Ferreira1 e Maria Graça Pereira2

Dor (2010) 18

IntroduçãoO fenómeno sensitivo-doloroso é a transforma-

ção dos estímulos ambientais em potenciais de acção que são transmitidas para o sistema ner-voso central (SNC) através das fibras nervosas periféricas. Os receptores nociceptivos são re-presentados por terminações nervosas livres pre-sentes nas fibras mielínicas finas A-δ e amielíni-cas C das estruturas superficiais e profundas do tegumento, da parede das vísceras e dos vasos sanguíneos e nas fibras correspondentes III e IV

do sistema musculoesquelético. Os nocicepto-res relacionados com as fibras C têm uma taxa de transmissão lenta, respondem a estímulos térmicos, mecânicos e químicos, induzem uma dor surda ou dor mais prolongada, sensação de queimadura ou de prurido intenso, enquanto que as fibras A-δ têm uma taxa de transmissão rápi-da, respondem ao toque e a estímulos térmicos, transmitindo a sensação de dor aguda. As fibras do tipo A, em especial as fibras Ab, são respon-sáveis pela percepção mais fina como o tacto, e as fibras do tipo C de condução mais lenta (amielínica) responsáveis pela condução da dor, em especial de características difusas, as quais levam os estímulos até ao corno posterior da medula e este estímulo ascende pelo tracto es-pinotalâmico até ao córtex1 (Fig. 1)2.

A dor é um fenómeno complexo que consiste na interacção das componentes biológicas, psi-cológicas, sociais e ambientais3.

A dor crónica, definida como a dor que não di-minui, uma vez que não responde aos tratamentos,

1Professora Adjunta Escola Superior de Saúde de Viana do Castelo – EsenfVc Coimbra 2Professora Associada Escola de Psicologia Universidade do Minho Braga E-mail: [email protected]

[email protected]

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que persiste por um longo período e desenvol-ve fenómenos de aprendizagem e condiciona-mento26 provoca no paciente alterações ao ní-vel da actividade física, sono, vida sexual, trabalho, lazer, alteração do humor e auto-esti-ma, pensamentos negativos, desesperança e alterações nas relações familiares3. É na popu-lação feminina que existem mais sintomas rela-cionados com a dor, e a dor crónica afecta mais as mulheres que os homens4. No entanto, de-vido à multicausalidade da experienciação da dor, é difícil de determinar se essa diferença tem origem nos factores psicológicos ou nos biológicos5. Estas alterações são difíceis de ava-liar, implicando uma valorização das percepções de cada paciente, relativamente à dor que sen-te. Torna-se por isso importante considerar todas as variáveis implicadas na dor e os factores psi-cossociais relevantes para a dor crónica. Neste sentido, importa avaliar o comportamento adop-tado pelo paciente perante a dor; perceber a forma como o contexto social interfere no com-portamento do doente, já que o comportamen-to não só é reforçado e moldado pelos outros, como também influencia e molda o comporta-mento dos outros, e avaliar o suporte social que está relacionado positivamente com a adapta-ção à dor, pois quanto maior for o suporte, menor é o uso da medicação e maior a activi-dade do doente6.

Na avaliação da pessoa que sofre de dor crónica, é ainda importante atender às crenças, já que estas constituem um preditor muito im-portante na adesão ao tratamento; o locus de controlo é igualmente importante considerar na

avaliação, pois existem diferenças na forma como os doentes percebem o controlo sobre a sua dor; a auto-eficácia que vai interferir na to-lerância à dor e as estratégias de coping adop-tadas pelo paciente, pois doentes que permane-cem passivos têm menor controlo sobre a sua dor e apresentam níveis elevados de incapaci-dade física6.

Considerando que o medo, a ansiedade, a frustração, a desesperança e a depressão fa-zem parte do emocional da pessoa que sofre de dor crónica25, é muito importante avaliar estas variáveis no sentido de perceber como interfe-rem na vida da pessoa. De facto, existe uma relação muito forte entre a ansiedade e a dor, sendo que a ansiedade pode exacerbar a dor, aumentar o medo de ter dor, provocar compor-tamentos de evitamento à dor e desenvolver um processamento mal-adaptativo da sensibilização à dor. A baixa expectativa pode acompanhar sentimentos de frustração ou de depressão7. Ainda segundo estes autores, a prevalência de depressão é muito elevada em pacientes com dor crónica e é um preditor de maior incapaci-dade física, maior frequência na percepção de dor, mais perturbações do sono, piores resulta-dos na actividade física, menor percepção do apoio social e diminuição dos benefícios de in-tervenção.

Apesar dos dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) não sugerirem a dor crónica como causa da mortalidade global, é conside-rada um grande problema de morbilidade, cau-sando alterações no doente, família e comunida-de, para além dos altos custos para a sociedade3.

Córtex

Tálamo

Mensencéfalo

Núcleo Magno

Médula oblongata

Feixe espinotalâmico

Medula espinal Fibras nociceptivas aferentes primárias

Cordão posterior (substância gelatinosa)

Formação reticular lateral

Formação reticular media

Área periaqueductal

Modulação descendente

Sistema limbico

Figura 1. Feixe espinotalâmico2.

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M.S. Martins Ferreira, M. Graça Pereira: Acupunctura: Um Opiáceo no Tratamento da Dor

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Assim, as variáveis referidas anteriormente, no seu conjunto, bem como todas as opções de tratamento possíveis para minimizar e/ou erra-dicar a dor daquele que sofre, fazem da dor crónica uma das maiores preocupações para todos os que se interessam em proporcionar uma vida digna às pessoas que vivem suportan-do a sua dor, cabendo no entanto ao indivíduo a decisão de escolher o que lhe parece mais eficaz27.

Tratamento da dor crónica As dores crónicas, de uma forma geral, não

são susceptíveis a um só tipo de tratamento e temos hoje ao nosso alcance, além da inter-venção farmacológica, outras formas de trata-mento que vão desde a cirurgia, procedimen-tos comportamentais, psicoterapia, treino de relaxamento que reduzem a tensão e a ansieda-de, e ainda as intervenções ditas «alternativas» que são consideradas intervenções complemen-tares8.

Relativamente à intervenção farmacológica, que inclui a medicação narcótica e a psicotrópi-ca9, as investigações nesta área revelam que a medicação tem maiores benefícios quando to-mada em intervalos de tempo fixos do que quan-do é tomada em SOS, ou seja, sempre que o paciente não suporta a dor. Num estudo de-senvolvido por Berntzen, et al.10 com o objec-tivo de verificar este facto, os autores concluí-ram que os pacientes que recebiam os analgésicos em intervalos de tempo fixos apre-sentavam níveis de dor mais baixos associados a mais altos níveis de humor, quando compara-dos com os pacientes que recebiam analgési-cos em SOS.

No que diz respeito à medicação psicotrópica, o maior índice de alívio da dor crónica tem sido obtido com a toma dos antidepressivos tricícli-cos e estes parecem dar cada vez mais provas no controlo da dor. Ao verificar os efeitos anal-gésicos dos antidepressivos, nomeadamente os que inibem a recaptação da serotonina, Goo-dking, et al.11 desenvolveram um estudo cujos resultados indicaram que estes, em relação ao placebo, não faziam efeito no que diz respeito à intensidade da dor, à actividade física e à de-pressão, quando comparados com a toma dos antidepressivos.

No entanto, um grande número de pacientes não consegue controlar a sua dor apenas com a forma de tratamento farmacológico8 e há en-tão a necessidade de se associar outras formas de tratamento com vista à resolução do proble-ma. No passado foram utilizados, com base num conceito específico de dor, bloqueios anes-tésicos de nervos e processos cirúrgicos abla-tivos12. Esta forma de tratamento partia do prin-cípio que as vias do sistema eram bloqueadas por estas técnicas, os impulsos não alcançavam o centro da dor e consequentemente não eram

processados no cérebro. Kurita, et al.28 referem que alguns pacientes, após um período de 6 a 18 meses da execução desta técnica, desen-volveram uma sensação relatada como pior do que a dor sentida anteriormente. As células na região lesada do nervo perderam os seus im-pulsos sensoriais normais, mas passaram a gerar impulsos anormais causando sensações muito desagradáveis e muitas vezes insupor-táveis.

Alguns investigadores questionam-se e ten-tam procurar que tipo de intervenção é mais eficaz no controlo da dor e quer a compreensão dos mecanismos associados à dor como a for-ma como a dor é contextualizada e tratada tem evoluído ao longo dos tempos. De entre os tra-tamentos complementares para controlar a dor, destacamos a acupunctura, que tem demonstra-do a sua eficácia, em especial na dor crónica e tem recebido grande destaque na média nas últimas décadas como uma modalidade tera-pêutica alternativa aos tratamentos convencio-nais13.

Esta técnica milenar já era utilizada para ali-viar as pessoas das suas dores ou de outros problemas causadores de sofrimento pelos curandeiros chineses, muito antes de Hipócra-tes. No século XX, a acupunctura encontra es-paço no Ocidente sendo actualmente ampla-mente aceite e procurada para controlar a dor14. Para a medicina tradicional chinesa, a energia vital do corpo (Qi) circula através de canais cha-mados meridianos, que têm as filiais conectadas aos órgãos e às funções corporais, sendo a doença atribuída ao desequilíbrio do Qi e a dor ao resultado do bloqueio do Qi e à sua conse-quente interrupção.

Fisiologia da acupuncturaMuitas teorias têm sido elaboradas sobre os

mecanismos fisiológicos da acupunctura com o intuito de explicar os seus efeitos analgésicos. Filshie, et al.15 avançaram com a hipótese de que um estímulo de um ponto de acupunctura específico fornece informação para áreas corti-cais correspondentes, permitindo que os cen-tros cerebrais superiores regulem as actividades controladas pelos sistemas endócrino e autóno-mo. O autor defende que, para que isto ocorra, é necessário que o hipotálamo e o corpo amig-dalóide desempenhem um papel fundamental tanto na mediação dos impulsos sensoriais para o córtex pré-frontal, quanto na recuperação de informação no córtex pré frontal. Para explicar os fenómenos da acupunctura nestes mecanis-mos neurobiológicos é apresentada a teoria da β-endorfina16 (Fig. 2).

Estes autores defendem que a resposta fisio-lógica da acupunctura ocorre a três níveis: um efeito local que surge quando um ponto de acupunctura é estimulado através da inserção de uma agulha; o efeito sobre a medula espinal

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que ocorre após a inserção da agulha com a libertação de neuropeptídeos para o líquido ce-falorraquidiano; e finalmente o efeito ao nível cortical com a libertação de endorfinas e sero-tonina.

No tratamento por acupunctura, através da inserção de agulhas há estimulação das fibras sensitivas A, de condução mais rápida (mielíni-ca) e das fibras C, de condução mais lenta (amielínica), responsáveis pela condução da dor, bem como pelo transporte dos estímulos até ao corno posterior da medula e deste até ao tálamo e córtex, respectivamente2 (Fig. 2). Nas lâminas I, II, III e V do corno posterior da medu-la, são libertadas substâncias analgésicas como a substância P, somatostatina e encefalina e no tálamo, através de mecanismos neuro-humorais, são libertadas substâncias, como a endorfina, encefalina e neurotransmissores, originando, além do efeito analgésico, um relaxamento mus-cular através de reflexo víscero-somático1. Por este mecanismo, ao estimularmos os pontos de acupunctura, estamos a agir como um apazi-guador da dor estimulando os pontos do acu-punctura que afectam as fibras nervosas.

De acordo com os autores referidos anterior-mente, a acupunctura estimula as fibras nervo-sas nos músculos que enviam impulsos para a medula espinal e activam três centros (medula

espinal, mesencéfalo e hipotálamo/hipófise) para promover a analgesia. A medula espinal utiliza transmissores como encefalina e dinorfina para bloquear os estímulos aferentes de baixa frequência e outros, nomeadamente o ácido γ-aminobutírico (GABA), para bloquear os es-tímulos de alta frequência. O mesencéfalo utiliza a encefalina para activar o sistema de Rafe des-cendente, que inibe a transmissão da dor pela medula espinal, através de um efeito sinérgico das monoaminas, serotoninas e norepinefrinas. O mesencéfalo possui ainda um circuito que evita as ligações endorfinérgicas em estímulos de alta frequência. Por fim, no centro hipotála-mo/hipofisário, a hipófise liberta β-endorfina, sendo este centro activado apenas por baixas frequências17.

Por conseguinte, quando as agulhas são inse-ridas próximo do local da dor ou ainda em pon-tos dolorosos (Ashi), maximizam os circuitos que estimulam os neurónios dentro da medula espi-nal e ainda os neurónios nos outros dois centros. Quando as agulhas se inserem em pontos dis-tais da dor activam o centro hipotalâmico-hipo-fisário sem o benefício do efeito no local da dor. A inserção local de agulhas (segmentais) pro-duz, normalmente, uma analgesia mais intensa que a inserção de agulhas distais, porque utiliza os três centros17. Ainda segundo este autor, na

Giro de cíngulo

Córtexpré-frontal

Núcleo medialintralaminar

Projeção cortical difusa

Projeção somatotópicapara o córtex sensitivo

Tálamo

Núcleo ventralpóstero-lateral (VPL)

RF

HipotalamoVia inibitória descendente

OPPAG

RM5HT

Corno posteriorNociceptor

(lento)

Nociceptor(rápido)

Lesão na pele

C: fibra (lenta)Aδ: fibra (rápida)ENC: encefalinaSG: substância gelatinosaL1: lâmina 1RM: magno de rafePAG: substância cinzenta periaquedutalRF: formação reticularOP: peptídeo opiáceo

Pele

C

L1

SGDecussação

ENCFa

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dor

sola

tera

l

Trat

o es

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Trat

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tissi

nápt

ico

+

RF

Núcleo arqueado

Figura 2. Uma hipótese do alívio da dor que envolve as áreas corticais superiores. O hipotálamo e outras áreas corticais superiores estão envolvidos na libertação da β-endorfina, bem como outros opiácios e neurotransmissores. Esta hipótese sugere o envolvimento das áreas corticais superiores, como o córtex sensitivo e o córtex frontal, sobretudo o córtex pré-frontal e as áreas límbicas15.

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M.S. Martins Ferreira, M. Graça Pereira: Acupunctura: Um Opiáceo no Tratamento da Dor

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electroacupunctura, além da agulha é feita uma estimulação eléctrica dos pontos de acupunc-tura e o uso da acupunctura por laser (estimu-lação dos pontos de acupunctura sem agulha) é uma opção bastante utilizada em crianças e em pacientes que não apreciam submeter-se às agulhas.

Avaliação da eficácia da acupuncturaAlguns estudos examinaram a eficácia do

tratamento através da acupunctura em diver-sas queixas dolorosas. Mao, et al.18 desenvol-veram um trabalho de investigação, em que os pacientes eram submetidos a tratamentos por acupunctura com estimulação eléctrica e concluíram que no tratamento específico das dores obtêm-se melhores resultados através de estimulação intensa dos pontos, do que com estimulação menos intensa, devido a maior es-tímulo e com isso, maior liberação serotoninér-gica.

Patel, et al.19 e Ezzo, et al.12 desenvolveram um estudo em que compararam o resultado do tratamento por acupunctura com tratamento convencional e com tratamento placebo, tendo concluído que a acupunctura foi mais eficaz quando comparada com o tratamento conven-cional; enquanto que, quando comparada ao placebo, o resultado foi inconclusivo.

He, et al.20 estudaram doentes que sofriam de cancro da mama, envolvendo um total de 48 mulheres divididas em dois grupos e verifi-cou que o grupo de mulheres que beneficiaram da acupunctura, apenas 27,1% experimentou dor ao 7.o dia do pós-operatório em comparação com 65,5% no grupo de controlo que recebera os cuidados habituais.

Um outro estudo sobre o tratamento por acu-punctura na lombalgia, desenvolvido por Carls-son, et al.21 verificou que dum total de 50 doentes, divididos em dois grupos, em que 34 beneficia-ram de acupunctura e 16 formavam o grupo de placebo, ao fim de seis meses, 14 dos 34 doen-tes apresentaram melhorias relativamente à in-tensidade da dor, enquanto que no grupo de controlo, apenas dois dos 16 doentes viram a dor diminuída.

Naslund, et al.16 desenvolveram um estudo com 58 doentes que sofriam de dor crónica de-vido a gonartrose e que tinham sido divididos aleatoriamente para receberem acupunctura profunda ou superficial, duas vezes por semana, num total de 15 tratamentos. Os resultados não só demonstraram o alívio da dor em ambos os grupos, como a manutenção do alívio durante os seis meses seguintes.

Victers, et al.8 exploraram o efeito da acu-punctura nas cefaleias crónicas em 401 doen-tes. Os indivíduos estudados foram distribuídos aleatoriamente em dois grupos. Um recebeu tra-tamentos de acupunctura e o outro recebeu os cuidados habituais por parte do seu médico de

família, durante três meses. O resultado mostrou que o grupo que beneficiou dos tratamentos de acupunctura tinha uma redução de 34% na dor relativamente ao início do estudo, enquanto que o grupo que beneficiou dos cuidados habituais teve uma redução de 16% na intensidade da dor. Verificaram ainda que o grupo que fez acu-punctura necessitou de menos 15% de medica-mentos para a dor, menos 25% de consultas médicas e menos 15% de dias de baixa, quan-do comparados com o grupo de controlo. Uma análise do custo-benefício com base neste es-tudo demonstrou vantagem na utilização da acupunctura em comparação com o tratamento habitual22.

ConclusãoWeinman23 refere que nem a experienciação

de um sintoma nem a sua severidade explicam adequadamente as razões que determinam a procura de cuidados médicos. Há pois a neces-sidade de compreender de que forma é que os sintomas são percepcionados, bem como o modo como influenciam os comportamentos de-signadamente a procura dos cuidados de saú-de. De facto, os comportamentos de procura dos cuidados de saúde e os factores que os influenciam são complexos e ainda mal compre-endidos24.

Encontrar uma intervenção eficaz no controlo da dor crónica é para o profissional de saúde um dos mais importantes objectivos. Procurar um médico para tratar a dor que sente ou aderir a um determinado tratamento pressupõe a influ-ência de determinados factores. O comporta-mento do indivíduo depende da forma como nele se repercutem as alterações das variáveis psicossociais cognitivas e demográficas, nome-adamente as suas expectativas, a ansiedade, a interpretação de sintomas, a sua percepção de controlo, o que pensa sobre os médicos, medi-camentos, a relação com a equipa profissional, a sua profissão, o estado civil, o sexo e a idade que vão interferir na adesão a este ou àquele tratamento.

Não existem estudos científicos em Portugal que nos permitam identificar o que diferencia os pacientes que procuram a acupunctura para tra-tar a sua dor, dos que procuram o tratamento convencional. Face à inexistência de estudos, no contexto desta problemática, designadamen-te quais os factores subjacentes à procura do tratamento de acupunctura ou quais os factores preditores na resposta ao tratamento por parte de quem sofre de dor crónica, bem como as suas implicações quando comparado com o tra-tamento convencional, seria muito importante desenvolver investigação no sentido de melho-rar as estratégias no controlo da dor crónica com vista a ajudar as pessoas que sofrem des-te flagelo que é a dor crónica. Aqui fica lançado o repto.

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ResumoIntrodução. Por a metadona ser um opióide de manufactura fácil, de muito baixo custo, utilizado como analgésico, desde 1947, com triplo mecanismo de acção: agonista dos receptores opióides, antagonista dos receptores N-metil-d-aspartato (NMDA) e inibidor da recaptação de monoaminas, constituindo mais-valia em contextos de dor neuropática, dor refratária a analgésicos opióides convencionais e, ainda, em termos de custo-benefício, apresenta-se a experiência da analgesia com metadona nas unidades de dor da rede publica nacional até 2006.Métodos. Análise das respostas a questionário original aplicado aos responsáveis das 50 unidades de dor do Serviço Nacional de Saúde (SNS) entre junho de 2005 e março de 2006.Resultados. Até 2006, não havia qualquer experiência em três quartos das unidades, estando, à data, um quinto dos médicos familiarizado com as regras de prescrição de metadona como analgésico.A metadona foi usada em 13 unidades em 42 casos (dor aguda 23/dor crónica 19). A circunstância mais invocada para a prescrição de metadona foi a presença de antecedentes de toxicofilia, seguida da necessidade de rotação de opióides; foi obtido controlo satisfatório da dor com efeitos secundários negligenciáveis.Onze das unidades de dor obtinham metadona nos centros de atendimento a toxicodependentes (CAT) e duas na farmácia hospitalar, foi apontada grande dificuldade na obtenção de metadona e não foram identificados obstáculos à sua utilização por parte dos doentes ou familiares.A metadona foi utilizada em 19 casos de dor crónica, maioritariamente em doentes oncológicos, com predomínio discreto do sexo feminino, média etária de 50,6 anos, sempre em contexto de rotação de opióides e nunca primeira escolha.Os responsáveis de 46 das 50 unidades de dor reconheceram sentir necessidade de utilizar metadona como analgésico, três afirmaram não sentir necessidade, e um médico respondeu não sabe/não responde. Os motivos da necessidade sentida de utilização identificados neste estudo foram, por ordem de eleição, rotação por toxicidade (37), rotação por dor refractária (36), antecedentes de toxicofilia (25), fármaco de primeira linha (9), insuficiência renal (11), outros (10), insuficiência hepática (4), baixo preço (3), dor neuropática (2) e comodidade posológica (2).Conclusões. Mesmo em condições adversas, de difícil acessibilidade e divulgação insuficiente, a metadona, até 2006, foi utilizada em 13 unidades de dor da rede pública como analgésico em 42 casos, com 92% dos responsáveis a reconhecer a necessidade de incluir metadona no formulário das unidades de dor do SNS.

Palavras-chave: Questionário unidades de dor SNS. Metadona Dor Survey Methadone Pain.

AbstractIntroduction. Being methadone an easy manufactured, low cost, strong opioid used since 1947 on pain management with triple mechanism of action (opioids receptor agonist, NMDA receptor antagonist and inhibiting monoamines reuptake) very useful on neuropathic pain, on pain unresponsive to conventional opioids and cost beneficiary, we present the Portuguese experience up to 2006 on National Health Care System Pain Management Units. Methods. An original questionnaire was locally applied on each chief medical of the 50 units. Results. Up to 2006 there was no experience with methadone on pain in three-quarters of the units, being, at the time, only one fifth of the medical staff familiarized with its prescription rules.

Metadona nas Unidades de DorAna Melo Botelho

Dor (2010) 18

Unidade de Apoio Domiciliario Instituto Portugues de Oncologia Francisco Gentil Lisboa E-mail: [email protected]

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A metadona é um opióide forte, sintético, de manufactura fácil e de muito baixo custo usado como analgésico desde 1947, com triplo meca-nismo de acção – agonista dos receptores opi-óides µ, σ e κ, antagonista dos receptores NMDA (inibição equipotente à da quetamina) com re-versão da tolerância à morfina e alívio da hipe-ralgesia – e inibidor da recaptação de monoami-nas, de modo similar aos antidepressivos tricíclicos, donde a sua mais-valia em contextos de dor neu-ropática, dor refratária a analgésicos opióides convencionais e, ainda, em termos de custo-benefício, sendo recomendada, como alternativa à morfina, nas directrizes da Organização Mun-dial da Saúde (OMS) para o controlo da dor oncológica e está incluída na lista básica de fármacos para alívio da dor oncológica, mode-rada-severa, publicada pela OMS em 19961-6.

A metadona consta, ainda, da selecção de «vinte fármacos essenciais em cuidados paliati-vos» em décimo lugar, somente ultrapassada, no grupo dos opióides, pela morfina7. Bruera afirma que existem três barreiras à utilização de metadona como analgésico: desconhecimento por parte dos clínicos da sua farmacocinética, estigma da sua associação, por parte dos mé-dicos, exclusivamente à desintoxicação de toxi-codependentes e, paradoxalmente, o seu baixo preço (1/10 do da morfina), que não constitui incentivo económico suficiente para a indústria farmacêutica ou para as instituições de saúde investirem em ensaios clínicos, divulgação ou formação profissional2,8-10. Assim, a metadona é classificada como um «fármaco órfão» por Ripa-monti, pois apesar do seu valor clínico não é rentável e, devido a isso, não é interessante para a indústria farmacêutica11.

De acordo com a experiência internacional, a metadona é uma opção segura quando prescri-ta por médicos experientes e familiarizados com

Methadone was used up to 2006 in 42 cases (acute pain 23/chronic pain 19), the main reason was drug addiction followed by the need to rotate the opioid. Good pain control was achieved in every single case and secondary effects were neglectable.Eleven units obtained methadone from National Drug Rehab Centers (CAT) and two from hospital pharmacy. It was stated that, up to 2006, it was very difficult to obtain methadone for pain control, nevertheless there were no obstacles neither from patients, nor their families.On the 19 chronic pain reports female:male ratio was 1.7, median age 50.6 years and majority cancer patients; methadone was introduced always on opioid rotation never as a first choice.Forty-six from 50 chief medicals agreed that they need free access to methadone for pain control, three that they do not and one had no opinion formed. Methadone was claimed for opioid rotation, either by toxicity or refractory pain, drug addict, first line drug, renal failure, miscellaneous, hepatic failure, low price and neuropathic pain.Conclusions. Up to 2006, even under adverse conditions, difficult access and no publicity, methadone was used on pain at 13 units in 42 cases and 92% of the chief medicals stated the need to include it on pain management units formulary. (Dor. 2010;18(1):21-8)Corresponding author: Ana Melo Botelho, [email protected]

Key words: National Health Care System Pain Management Units.

o seu uso, devendo ser titulada cuidadosamen-te e em doses personalizadas de acordo com protocolos de rotação como o modelo de Ed-monton (rotação lenta) ou o modelo Morley & Makin (rotação rápida), e é uma alternativa váli-da aos opióides convencionais para doentes no domicílio9,12-21.

A metadona é utilizada nos hospices do Reino Unido, por 89% dos médicos, desde a publica-ção da recomendação nesse sentido pela Pain Relief Foundation em 19932. No Anderson Can-cer Center (EUA), o número de prescrições de metadona como analgésico, para doentes em tratamento ambulatório, aumentou 12 vezes, num período de 3 anos, até 200522. No entanto, em Portugal, é desconhecida quer a utilização de metadona como analgésico, quer a necessi-dade sentida da sua utilização; assim, e com o intuito de caracterizar a experiência nacional, foi aplicado, em entrevista, questionário original nas unidades de dor da rede pública.

O questionário está dividido em três secções distintas: a) caracterização sumária da unidade de dor; b) caracterização do uso de metadona como analgésico nas unidades de dor, e c) ca-racterização da necessidade sentida de utilização de metadona no combate à dor pelos responsá-veis das unidades de dor.

O questionário foi aplicado pela autora, em cada unidade de dor, em entrevista presencial, feita aos responsáveis médicos das mesmas, entre junho de 2005 e março de 2006.

Foram incluídas as unidades de dor presentes no Prontuário das unidades de dor portuguesas, publicado pela Associação Portuguesa para o Estudo da Dor (APED), em 2005, com edição de Caseiro, admitindo-se que, à data, este docu-mento pudesse conter a quase totalidade das unidades de dor existentes na rede pública, re-presentadas no mapa da figura 123.

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A. Melo Botelho: Metadona nas Unidades de Dor

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Resultados

Da análise das respostas obtidas verificou-se que, até 2006, não havia qualquer experiência com metadona no controlo da dor em 37 das 50 unidades de dor entrevistadas.

Nas 13 unidades de dor com experiência com metadona, esta foi utilizada em dor aguda e cró-nica (3), exclusivamente em dor aguda (6), e exclusivamente em dor crónica (4).

A experiência nas unidades de dor da rede pública de analgesia com metadona, até 2006, totalizava 42 casos assim distribuídos:

– Dor aguda, 23, predominantemente periope-ratória, e, exclusivamente em toxicodepen-dentes a fazer tratamento de desintoxicação com metadona.

– Dor crónica, 19, a maioria dos quais doentes oncológicos (13); três doentes em tratamento de desintoxicação com metadona.

Num universo de 183 médicos especialis-tas, no conjunto das unidades de dor, 32, cer-ca de 17%, estavam familiarizados com as regras de prescrição de metadona como anal-gésico.

Nos 13 centros com experiência com a utiliza-ção de metadona as circunstâncias selecciona-das pelos médicos responsáveis das unidades de dor para a sua prescrição distribuíram-se de acordo com o observado na tabela 1.

A opção mais vezes assinalada pelos médicos foi a f (antecedentes de toxicofilia: 10 respostas), seguida da opção a (rotação de opióides por toxicidade inaceitável) e da opção b (rotação de opióides por dor refractária), ambas com três respostas cada. Um dos médicos referiu ter uti-lizado a metadona como analgésico de primeira linha. A opção pela utilização da metadona em contexto de insuficiência renal também foi refe-rida, apenas por um dos médicos.

Coimbra H.U.C. C.H.C. I.P.O. Coimbra

Guimarães

Vila Real

AmaranteMatosinhosGaiaFeira

S.J. da Madeira

Aveiro ViseuÁgueda Anadia Guarda

Covilhã

Fundão

Leiria

Caldas da Rainha

SantarémTorres Vedras

Vila Franca de XiraAmadora

Barreiro

AlmadaSetúbal

Beja

Faro

Portimão

Funchal

P. Delgada

Évora

ElvasCascais

Lisboa H.F.A. H. Egas Moniz H.S.F. Xavier H. Capuchos I.P.O. Lisboa H. Sta. Cruz H.C. Cabral H. Militar principal

F. da Foz

Porto H.S. João H.Sto. António I.P.O. Porto

EstarrejaO. Azeméis

Mirandela

Figura 1. Mapa (por lapso não está representada a unidade de dor de Castelo Branco).

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Tabela 1. Critérios de utilização de metadona

Unidades\alíneas a b c d e f g

Matosinhos X X X X Tolerância

Porto Santo António X

Castelo Branco X

Fundão X X

Oliveira Azeméis X

Leiria X

Águeda X Dor aguda

Elvas X Imigrado

Lisboa Curry Cabral X

Lisboa Capuchos X IPOLFG

Lisboa IPOLFG X X

Almada X

Funchal X

3 3 1 1 0 10 4

a: rotação toxicidade; b: rotação dor refractária; c: fármaco de primeira linha; d: insuficiência renal; e: insuficiência hepática; f: antecedentes toxicofilia; g: outras.

A opção g (outras) incluiu doentes oncológi-cos já medicados, no estrangeiro ou no Instituto Português de Oncologia de Lisboa Francisco Gentil (IPOLFG), dor aguda e tolerância em caso de dor não oncológica.

A opção e (insuficiência hepática) não foi re-ferida por qualquer dos médicos.

Os médicos reportaram ter obtido controlo satisfatório da dor em 100% dos casos.

Os efeitos secundários da metadona foram descritos como os «esperados», «aceitáveis» e de «fácil manejo» (sic). Nenhum dos médicos inquiridos relatou qualquer situação de morte decorrente da utilização de metadona.

Dez unidades de dor obtinham metadona di-rectamente a partir dos CAT, duas a partir da farmácia hospitalar, e a unidade do Instituto Português de Oncologia Francisco Gentil, de Lisboa, teve acesso a metadona durante um período de 2 anos, entre 2001-2003, por dispo-sição legal, a partir do CAT.

Quanto às dificuldades sentidas na obtenção de metadona para o controlo da dor pelos res-ponsáveis das unidades de dor até 2006, atra-vés de pergunta aberta foi possível apurar que nos hospitais da Universidade de Coimbra foi solicitada por duas vezes autorização ao Infar-med para a disponibilização de metadona para ser utilizada como analgésico, sempre indeferi-da: «só está aprovada em Portugal para trata-mento de toxicodependência» (sic). No IPO do Porto foi feito o mesmo pedido ao Infarmed, que

«reclamou mais informação referente à utilização de metadona» (sic), esta informação foi entre-gue e, mesmo assim, a resposta final foi negati-va. Na unidade de dor do Hospital Garcia de Orta, em Almada, a sua utilização como analgé-sico também já foi solicitada, tendo sido, igual-mente, indeferida pelo Infarmed. No IPOLFG, a utilização de metadona como analgésico fora do abrigo do protocolo celebrado em 2001 com o Infarmed «é impossível...» (sic). O médico res-ponsável da unidade de dor do Hospital Santo António no Porto refere que, nas circunstâncias actuais, em 2005, «não há via» (sic) para a uti-lização de metadona no combate à dor.

Dos entrevistados com experiência na utiliza-ção da metadona como analgésico, somente os do Centro Hospitalar da Cova da Beira e o do Hospital Pedro Hispano, de Matosinhos, referi-ram fácil acessibilidade à metadona; os restan-tes são unânimes em reconhecer a intransponi-bilidade dos obstáculos legais e institucionais à sua utilização em doentes fora do âmbito de tratamentos de desintoxicação.

Não foram identificados pelos médicos entre-vistados quaisquer obstáculos à utilização de metadona no controlo da dor por parte dos do-entes ou familiares.

Foram descritos pelos médicos 19 casos de dor crónica com necessidade de recurso a utili-zação de metadona.

Na tabela 2 é possível observar a distribuição dos casos, por unidade de dor, sexo, idade e diagnóstico do doente.

Na tabela 3 é possível observar a distribuição por caso clínico de dor crónica com recurso a utilização de metadona por tipologia da dor, uso médico prévio de opióides e, quando tal se apli-ca, motivo da rotação de opioides.

A distribuição observada destes casos por sexo foi de 7 ♂:12 ♀, informação omissa em dois casos por dificuldade de acesso aos re-gistos por parte dos médicos entrevistados. Verificou-se que a média de idades registada foi de 50,6 anos, entre 37-80 anos, informação omissa em dois casos pela razão acima citada. Em relação à distribuição observada, por diag-nóstico, neste grupo de casos, há a destacar o predomínio de doença oncológica (14), fi-bromialgia (1), síndrome miofascicular (1), do-ença arterial periférica (1), síndrome complexo regional (1) e infecção VIH/SIDA (1). Na distri-buição de casos por tipologia de dor, foi pos-sível constatar o predomínio de dor neuropáti-ca (12 casos).

No que se refere à distribuição observada por critério de utilização, pode dizer-se que na tota-lidade dos casos a metadona foi introduzida em contexto de rotação de opióides e não constituiu uma primeira escolha.

Quanto à distribuição observada dos moti-vos individualizados para a rotação de opiói-des verificou-se a presença de 11 casos de dor refractária, primária e secundariamente, a

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A. Melo Botelho: Metadona nas Unidades de Dor

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outros opióides (morfina, buprenorfina e fenta-nil) e de quatro casos de toxicidade inaceitável (morfina).

Somente em 3, dos 19 casos, o motivo da opção pela metadona decorreu do facto de se tratarem de doentes toxicodependentes a fazer tratamento de desintoxicação.

Na figura 2 é representada a distribuição da necessidade sentida de utilização da metadona como analgésico nas unidades de dor, em grá-fico de barras.

Verificou-se, assim, que responsáveis de 46 das 50 unidades de dor entrevistados afirmaram

sentir necessidade de utilizar metadona como analgésico (92% dos casos); deste grupo, 5 afir-maram que a metadona é imprescindível, 10 que a necessidade da sua utilização é frequente e 31 que é esporádica. A formulação da pergunta não terá sido, concluiu-se a posteriori, a mais correcta, visto a palavra portuguesa «imprescin-dível» não constituir alternativa complementar às restantes classificações utilizadas na figura 2. Nesta questão utilizou-se indevidamente a pala-vra «imprescindível» para significar «uso diá-rio», assim pode classificar-se a metadona em imprescindível e prescindível. Logo, e de acordo

Tabela 2. Distribuição por unidade de dor, sexo, idade e diagnóstico dos casos de dor crónica com recurso a metadona nas unidades de dor do SNS até 2006

Unidades Sexo Idade Diagnóstico

Fundão

Caso 1 M 56 Carcinoma do recto

Caso 2 F 58 Osteossarcoma

Caso 3 F 80 Carcinoma da mama

Caso 4 M 70 Carcinoma do recto

Matosinhos

Caso 1 M 50 Carcinoma do recto

Caso 2 F 46 Fibromialgia

Caso 3 F 59 Carcinoma da mama

Caso 4 M 41 Carcinoma das vias biliares

Caso 5 F 41 Síndrome miofascicular

Caso 6 F 36 Epidimoma C3C6

Caso 7 F 58 Carcinoma da mama

Caso 8 F 53 Carcinoma do recto

Lisboa Capuchos

Caso 1 F 45 Carcinoma da mama

Caso 2 F 40 Infecção VIH

Almada

Caso 1 M ? DAP

Lisboa IPOLFG

Caso 1 M 40 S. complexo regional algodistrofia

Caso 2 F 37 Linfangioma gigante

Porto Santo António

Caso 1 F 37 Adenocarcinoma do estômago

Elvas

Caso1 M ? Doença oncológica

Tabela 3. Distribuição por tipologia da dor, uso médico prévio de opioides e motivo de rotação de opióides dos casos de dor crónica com recurso a metadona nas unidades de dor do SNS até 2006

Unidades Classificação da dor

Uso prévio de opióides

Motivo

Fundão

Caso 1 Neuropática S Refractária

Caso 2 Mista S Toxicidade

Caso 3 Neuropática S Toxicidade

Caso 4 Neuropática S Refractária

Matosinhos

Caso 1 Nociceptiva S Refractária

Caso 2 Neuropática S Toxicidade

Caso 3 Nociceptiva S Refractária

Caso 4 Nociceptiva S Refractária

Caso 5 Neuropática S Refractária

Caso 6 Neuropática S Refractária

Caso 7 Neuropática S Refractária

Caso 8 Mista S Refractária

Lisboa Capuchos

Caso 1 Neuropática S Refractária

Caso 2 Neuropática S Toxicodependente

Almada

Caso 1 Neuropática S Toxicodependente

Lisboa IPOLFG

Caso 1 Neuropática S Toxicidade

Caso 2 Neuropática S Toxicidade

Porto Santo António

Caso 1 Mista S Toxicodependente

Elvas

Caso 1 ? S Imigrado

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DOR

0a b c d e f g

5

10

15

20

25

30

35

40

0

5

10

15

20

25

30

35

NS/NR

Nenhuma

Esporádica

Frequente

Impresc

indível

Figura 2. Distribuição da necessidade sentida de utilização da metadona como analgésico nas unidades de dor.

Figura 3. Distribuição dos critérios identificados para a necessidade sentida de utilização da metadona nas unidades de dor. a: rotação por toxicidade; b: rotação por dor refractária; c: fármaco de primeira linha; d: insuficiência renal; e: insuficiência hepática; f: antecedentes de toxicofilia; g: outras.

com a questão formulada e as respostas obtidas, podem tirar-se as seguintes ilações: somente três médicos referiram que a metadona é pres-cindível (cerca de 6%), os restantes consideram necessitar de metadona para uso esporádico (31 casos – 62%), uso frequente (10 casos – 20%) e uso diário (5 casos – 10%).

A distribuição dos critérios seleccionados identificados pelos responsáveis das unidades de dor para justificar a utilização de metadona foi a observada na figura 3.

A opção mais votada foi rotação de opióides por toxicidade inaceitável (37), seguida, muito de perto, pela rotação de opióides por dor re-fractária (36), a terceira mais seleccionada an-tecedentes de toxicofilia (25), em quarto lugar surge a insuficiência renal (11) e fármaco de primeira linha (9). Somente quatro médicos refe-rem insuficiência hepática como eventual critério para a utilização de metadona.

A opção g (outras) foi escolhida por 10 dos médicos, com a seguinte distribuição: baixo preço

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A. Melo Botelho: Metadona nas Unidades de Dor

27

DOR

(3), dor neuropática (3) e comodidade posológi-ca (2). Surgiram, ainda, como critério apontado no âmbito da alínea g, dor aguda perioperatória, ser toxicodependente activo, anorexia grave concomitante e dor moderada.

ConclusõesNão há qualquer experiência, até 2006, em

analgesia com metadona em 37 das 50 unida-des de dor entrevistadas (74%).

Nas unidades de dor do SNS visitadas, e até 2006, num universo de 183 médicos especialis-tas, só cerca de 17% estão familiarizados com as regras de prescrição de metadona como analgésico.

A experiência com metadona no controlo da dor nas unidades de dor onde foram realizadas as entrevistas totalizava 42 casos, com a seguin-te distribuição: dor aguda (23), predominante-mente peri-operatória exclusivamente em toxico-dependentes a fazer tratamento de desintoxicação com metadona e dor crónica (19), a maioria dos quais doentes oncológicos, neste grupo, somen-te 3, de 19, se encontravam a fazer tratamento de desintoxicação. Foi obtido controlo satisfató-rio da dor em 100% dos casos, os efeitos secun-dários foram descritos como os «esperados», «aceitáveis» e de «fácil manejo» (sic) e não houve registo de nenhuma complicação fatal de-corrente do seu uso.

A circunstância mais vezes seleccionada, pe-los médicos responsáveis das unidades de dor que utilizam metadona, para a sua prescrição como analgésico, foi a presença de anteceden-tes de toxicofilia, seguida, ex aequo necessida-de de rotação de opióides por toxicidade ou dor refractária.

Onze das 13 unidades de dor obtinham meta-dona a partir dos CAT, e duas directamente a partir da farmácia hospitalar; foi apontada, pela maioria dos médicos entrevistados, grande difi-culdade na sua obtenção, com referência a res-posta negativa, por parte do Infarmed, a pedi-dos de autorização. Não foram identificados pelos médicos entrevistados quaisquer obstácu-los à utilização de metadona no controlo da dor por parte dos doentes e seus familiares.

Nos 19 casos de dor crónica com necessida-de de recurso a metadona, a distribuição obser-vada por sexo foi de 7 ♂:12 ♀; dada a pequena dimensão dos grupos não se reveste de grande significado a diferença observada entre os se-xos. A média de idades registada é de 50,6 anos, entre 37-80 anos; este espectro amplo permite, eventualmente, reflectir sobre a transversalidade geracional do fenómeno da dor moderada-seve-ra com necessidade de recurso a metadona. O predomínio de doença oncológica observado está conforme a previsão encontrada na litera-tura da existência de doentes oncológicos com doença avançada com dor refractária a analgé-sicos opióides convencionais.

A tipologia da dor mais observada é a neuro-pática, factor este que, certamente, contribuiu em alguns casos para a opção pelo uso da me-tadona, dado o seu perfil de actuação.

Na totalidade dos casos o motivo de utiliza-ção da metadona foi a rotação de opióides, não constituindo uma primeira escolha; esta constatação não diminui o valor indiscutível da metadona no controlo da dor, como de resto se observou pelos resultados terapêuticos ob-tidos.

Os responsáveis de 46 das 50 unidades de dor visitadas afirmaram sentir necessidade de usar metadona como analgésico; trata-se de um nú-mero expressivo que parece sustentar, indubita-velmente, a utilidade da metadona, e que de-nuncia, ao mesmo tempo, uma lacuna do SNS. Deste universo de 46 médicos, apenas cinco prevêem necessidade de uso diário, 10 uso fre-quente e 31 esporádico. Somente em três das 50 unidades de dor os responsáveis afirmaram não sentir necessidade nenhuma de dispor de metadona para o controlo da dor, e um médico respondeu não sabe/não responde.

O motivo mais seleccionado para a necessi-dade de utilização de metadona foi a rotação de opióides, quer por dor refractária, quer por toxi-cidade inaceitável, o que está conforme com as recomendações publicadas. A presença de an-tecedentes de toxicofilia, terceira opção mais seleccionada, prende-se com a utilização opor-tunística da metadona como analgésico em do-entes já medicados com metadona. A presença de insuficiência renal constitui critério de even-tual utilização para cerca de um quarto dos mé-dicos, número inferior ao esperado, dada a van-tagem da metadona ser predominantemente excretada por via intestinal e não possuir meta-bolitos activos. A opção g (outras) foi escolhida por 10 médicos, e inclui, entre outros, argumen-tos como baixo preço (3), dor neuropática (3) e comodidade posológica (2).

Portugal tem recursos económicos limitados na área das despesas de saúde e, de acordo com a bibliografia consultada, existe dor refra-tária à morfina, o que obriga à disponibilização de, pelo menos, três analgésicos opióides fortes alternativos. Serve o presente estudo para veri-ficar que, mesmo em condições adversas, de difícil acessibilidade e divulgação insuficiente, a metadona terá sido utilizada em treze unidades de dor com sucesso no controlo da dor crónica, moderada-severa, em 19 casos, sempre em contexto de rotação de opióides, com efeitos secundários negligenciáveis, sem qualquer obs-táculo por parte dos doentes e familiares, e que 92% dos médicos entrevistados, neste estudo, reconheceram sentir necessidade de utilizar metadona como analgésico nas unidades de dor do SNS português. Assim sendo, não se trata de introduzir a metadona no formulário na-cional de medicamentos, mas sim de usar um fármaco que já está licenciado em Portugal para

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DOR

efeitos de desintoxicação para uma outra finalida-de e oferecer, assim, aos doentes das unidades de dor do SNS resposta personalizada adequada quando os analgésicos opióides convencionais não são eficazes, cumprindo as directivas que organismos internacionais, como a OMS e Pain Relief Foundation, têm vindo a preconizar.

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ResumoIntrodução. Uma abordagem efectiva da dor crónica não oncológica (DCNO) constitui um problema de saúde relevante ao nível dos cuidados de saúde primários. Apesar das directrizes existentes, estudos efectuados demonstraram a existência de um número significativo de clínicos relutantes em relação à utilização de medicamentos opióides fortes (MOF) no tratamento da DCNO de intensidade moderada-forte.Objectivo. O presente estudo teve como objectivo analisar as atitudes dos clínicos de cuidados de saúde primários (CCSP) e a respectiva disponibilidade em relação à prescrição de MOF para pacientes com DCNO. Adicionalmente, procurou também estudar-se o nível de formação específica dos referidos clínicos.Métodos. Sendo parte integrante de um estudo de maiores dimensões, um total de 14 questões (7 pares) foi utilizado para avaliar as atitudes dos clínicos inquiridos em relação à prescrição de MOF para pacientes com DCNO.Resultados. Um total de 154 inquéritos foi considerado válido e inserido na base de dados utilizada (taxa de resposta de 44% [154/350]). Cerca de dois terços dos inquiridos (66,9% [103/154]) classificaram a respectiva atitude como sendo favorável à prescrição de MOF. A quase totalidade dos clínicos afirmou considerar ser provável tanto a obtenção de um controlo efectivo da dor (98,7% [147/149]) como de uma melhoria da qualidade de vida global dos pacientes com DCNO (94,0% [140/149]). A ocorrência de comportamentos abusivos foi considerada provável por 43,2% (64/148) dos clínicos, enquanto que 39,2% (58/148) considerou ser provável o surgimento de comportamentos de adição.Conclusão. Os resultados do presente estudo demonstram que esta amostra de CCSP evidenciava uma atitude global moderadamente favorável em relação à prescrição de MOF para pacientes com DCNO.

Palavras-chave: Atitudes. Cuidados de saúde primários. Dor crónica não oncológica. Opióides fortes.

AbstractIntroduction: An effective management of Chronic NonOncologic Pain (CNOP) is a relevant health issue on the primary health care level. Although the existent guidelines, studies previously done show the existence of a significant number of physicians reluctant in relation to the use of Major Opioids (MO) in the treatment of CNOP of mild to severe intensity.Objective: The present study had the objective of analyze the Primary Health Care Physicians (PHCP) attitudes and their willingness in relation to the prescription of MO for patients with CNOP. Additionally, it tried to investigate the level of specific formation of the referred physicians.Methods: As part of a larger study, a total of fourteen questions (7 pairs) was used to evaluate the attitudes of the participating physicians in relation to the prescription of MO for patients with CNOP.

Dor Crónica Não Oncológica: Crenças e Atitudes Referentes à Prescrição de Medicamentos Opióides Fortes nos Cuidados de Saúde PrimáriosLeonor Tiago1 e Romão José2

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1Interno do Ano Comum

Hospital de São João Porto 2Assistente Hospitalar Graduado de Anestesiologia Centro Hospitalar do Porto − Hospital de Santo António Porto E-mail: [email protected]

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prescrição de MOF para pacientes com DCNO, mesmo quando estes apresentavam indicação clínica formal15-19. O possível desenvolvimento de comportamentos de adição, dependência fí-sica e/ou consumo abusivo foram alguns dos factores identificados como determinantes da disponibilidade dos clínicos em relação à referi-da prescrição8,20-23.

Segundo um estudo de Potter, et al.17, 35% dos CCSP inquiridos não prescreveriam MOF para pacientes com DCNO, mesmo que se ve-rificasse uma não responsividade a qualquer um dos tratamentos efectuados. A referida evic-ção era justificada com o receio da possível ocorrência de comportamentos aditivos e/ou dependência.

Mais recentemente, um estudo de Nwokeji, et al.4 revelou que dois terços dos CCSP ques-tionados se consideravam favoráveis à prescri-ção de MOF para pacientes com DCNO de in-tensidade moderada-forte. Aproximadamente 80% dos respondentes acreditava que os MOF seriam efectivos no controlo da dor e na melho-ria da qualidade de vida global dos pacientes com DCNO. No entanto, cerca de metade dos inquiridos (51%) fazia referência à possível ocor-rência de comportamentos de adição por parte dos pacientes.

A falta de formação específica e a existência de crenças por parte dos clínicos determinam a respectiva atitude em relação à utilização tera-pêutica de MOF, a qual, por sua vez, acaba por influenciar as suas decisões relativamente à prescrição da mesma para pacientes com DCNO17,18,22.

Diversos estudos tentaram já analisar o co-nhecimento e as crenças dos clínicos em geral em relação à prescrição de MOF. No entanto, pouco se sabe ainda sobre a forma como os factores em causa determinam as respectivas atitudes e, consequentemente, a sua disponibi-lidade em relação à supramencionada prescri-ção4,17,22.

O objectivo do presente estudo foi, essen-cialmente, o de analisar as atitudes dos CCSP e a respectiva disponibilidade em relação à prescrição de MOF para pacientes com DCNO

Results: A total of 154 questionnaires was considered valid and inserted in the used database (response rate of 44% [154/350]). About two-thirds of the respondents (66.9% [103/154]) classified their attitude as being favorable to the prescription of MO. Almost all the physicians considered as probable the obtention of an effective pain control (98.7% [147/149]) and a significant improvement in the global patient’s quality of life (94.0% [140/149]). The occurrence of abusive behaviors was considered probable for 43.2% (64/148) of physicians, whereas 39.2% (58/148) of them considered as probable the appearance of addictive behaviors.Conclusion: The results of the present study show that this sample of PHCP present a global attitude moderately favorable in relation to the prescription of MO for patients with CNOP. (Dor. 2010;18(1):29-40)Corresponding author: Leonor Tiago, [email protected]

Key words: attitudes, primary health care, chronic nononcologic pain, major opioids

Introdução

Entende-se por DCNO a que, resultando de qualquer patologia não neoplásica, se mantém, de forma contínua ou recorrente, por 3 ou mais meses1.

Uma abordagem efectiva (diagnóstica e te-rapêutica) da DCNO constitui um problema de saúde relevante, nomeada e principalmen-te ao nível dos cuidados de saúde primários, nos quais proliferam as queixas álgicas po-tencialmente classificáveis como tradutoras de DCNO2.

De resto, são as patologias do foro osteoarti-cular e musculoesquelético (particularmente frequentes ao nível dos cuidados de saúde primários), e não a dor de etiologia oncológica, as principais causas de dor crónica (DC), sen-do, entre estas, a lombalgia a causa mais pre-valente1,3.

Sendo considerada um verdadeiro desafio tanto pelo paciente como pelo prestador de cuidados, os componentes sensitivos, emocio-nais e comportamentais associados à etiolo-gia e/ou intensidade da DCNO tornam, fre-quentemente, o respectivo tratamento bastante complexo4.

Existe, actualmente, um número considerável de alternativas terapêuticas visando o tratamen-to de pacientes com DC5. Os analgésicos opiói-des são considerados fundamentais na aborda-gem do supramencionado tipo de dor. Em particular, os MOF devem ser utilizados no tratamento da DCNO de intensidade modera-da-forte6.

A utilização deste tipo de analgésicos é rodeada, contudo, de alguma controvérsia, sendo notória a inexistência de consenso no que se refere a potenciais indicações e for-mas de prescrição de MOF para pacientes com DCNO7.

Inúmeras têm sido as directrizes elabora-das de modo a orientar os clínicos no trata-mento da DC1,8-14. Apesar das directrizes existentes, estudos entretanto efectuados de-monstraram a existência de um número signi-ficativo de clínicos relutantes em relação à

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L. Tiago, R. José: Dor Crónica Não Oncológica

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de intensidade moderada-forte. Adicionalmente, procurou também estudar-se o nível de forma-ção específica dos referidos clínicos e a ade-quação da mesma ao actual estado de conhe-cimento.

MétodosNo presente estudo foi utilizado um desenho

transversal não experimental. Tendo por base a natureza exploratória da investigação em cau-sa, o supramencionado desenho pode ser clas-sificado como sendo de investigação correla-cional24.

A população alvo deste estudo correspon-deu a CCSP (especialistas e internos de Medi-cina Geral e Familiar bem como Clínicos Ge-rais) em exercício da respectiva actividade clínica. A população inquirida incluiu elemen-tos inscritos no 26.o Encontro Nacional de Clí-nica Geral (18-21 de Março de 2009, Hotel Tivoli Marina de Vilamoura) que cumprissem a premissa anteriormente enunciada. Através da utilização da estrutura da Teoria do Comporta-mento Planeado25, um questionário escrito foi então desenvolvido, tendo por base investiga-ções similares desenvolvidas em outros países ocidentais, sendo posteriormente distribuído aos clínicos presentes no já referido Encontro Nacio-nal com o objectivo de investigar as respectivas atitudes e crenças referentes à prescrição de MOF para pacientes com DCNO.

O protocolo referente ao estudo em consi-deração foi devidamente aprovado pelos Con-selhos Científico e Pedagógico do Mestrado Integrado em Medicina do Instituto de Ciên-cias Biomédicas Abel Salazar/Centro Hospita-lar do Porto − Hospital Santo António, institui-ções integradas na Universidade do Porto, Porto, Portugal.

Desenvolvimento do questionárioDe modo a concretizar o estudo em causa foi

elaborado um inquérito tendo por base investi-gações análogas desenvolvidas em outros paí-ses ocidentais.

Tendo como objectivo garantir a correcção conceptual do referido questionário, ao mesmo encontrava-se anexada uma carta introdutória, na qual, para além de uma descrição sumária do estudo e dos respectivos objectivos, se en-contrava a definição de DCNO (dor que, resul-tando de qualquer patologia não neoplásica, se mantém, de forma contínua ou recorrente, por 3 ou mais meses) e a indicação dos MOF actualmente disponíveis, em farmácia de ofici-na, em Portugal (morfina, buprenorfina e fen-tanilo).

O supramencionado inquérito constava de uma pergunta inicial na qual os inquiridos clas-sificavam a respectiva atitude (desfavorável [ex-tremamente ou ligeiramente], neutra ou favorável [ligeiramente ou extremamente]) em relação à

prescrição de MOF para pacientes com DCNO de intensidade moderada-forte.

Seguiam-se duas perguntas, construídas em paralelo, nas quais os participantes atribuíam uma probabilidade relativa (improvável [extre-mamente ou ligeiramente], neutra ou provável [ligeiramente ou extremamente]) bem como uma avaliação pessoal (negativa [francamente ou li-geiramente], neutra ou positiva [ligeiramente ou francamente]) a cada um de sete itens apresen-tados. A construção em paralelo das questões em causa teve como objectivo o estudo das crenças e atitudes dos referidos inquiridos no que se refere à prescrição da categoria farma-cológica acima enunciada.

Seguia-se uma pergunta na qual os respon-dentes classificavam a respectiva formação aca-démica referente à prescrição de MOF na abor-dagem da DCNO.

O questionário em causa foi então revisto por especialistas em Anestesiologia com formação específica na área da dor (elementos da Consul-ta Externa da Unidade de Dor Crónica do Hos-pital de Santo António), de modo a identificar e corrigir possíveis erros de conteúdo, forma e/ou organização estrutural.

Construção das variáveisSendo parte integrante de um estudo de maio-

res dimensões, um total de 14 questões (7 pa-res) foi utilizado para avaliar as atitudes dos clínicos inquiridos em relação à prescrição de MOF para pacientes com DCNO.

As medidas de atitude (A0) foram calculadas através da determinação de dois factores: as crenças comportamentais (ci) dos clínicos inqui-ridos relativamente à supramencionada prescri-ção e a avaliação (ai) que os mesmos fazem das possíveis consequências (quão positivas ou ne-gativas) decorrentes das respectivas práticas de prescrição26,27.

Desenvolveram-se então sete pares de itens, considerando a crença comportamental em es-tudo e a avaliação da respectiva ocorrência (caso esta se verificasse), tendo os mesmos sido avaliados, usando as questões constantes do inquérito, através da aplicação de uma esca-la bipolar de cinco pontos (–2 a +2)25,28,29.

Utilizando a estrutura da Teoria do Comporta-mento Planeado, o modelo do valor expectável (A0 = ∑ ci × ai) faz uso de uma abordagem mul-tiplicativa para calcular as atitudes dos clínicos questionados. A utilização da referida aborda-gem teve como objectivo a determinação do grau com que cada um dos itens individuais (factores) considerados influenciou a atitude global dos inquiridos no que se refere à prescri-ção de MOF para pacientes com DCNO. A abor-dagem em causa implicou o cálculo dos produ-tos cruzados (ci × ai) referentes a cada um dos sete pares de itens utilizados no estudo. Por exemplo, se num determinado item o clínico

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considerasse ser extremamente provável a ocor-rência de comportamentos aditivos aquando da prescrição de MOF (ci = +2) e francamente ne-gativa a referida ocorrência (ai = –2), então a respectiva atitude em relação à prescrição de MOF, considerando este item (par) em particular, seria de –4, ou seja, extremamente desfavorável. Os sete pares de itens (c1-7 × a1-7) referentes a cada um dos participantes foram somados, sen-do calculada a média do grupo de inquiridos de modo a determinar um score de atitudes global (A0 = ∑ ci × ai, com um intervalo de valores pos-síveis de –28 a +28)30.

Concomitantemente, a atitude dos diferentes clínicos inquiridos em relação à prescrição de MOF para pacientes com DCNO de intensidade moderada-forte foi avaliada, de uma forma di-recta, através da pergunta inicial do inquérito, na qual era solicitado aos participantes que pro-cedessem à classificação da respectiva atitude. As respostas obtidas foram então tratadas de uma forma dicotómica: os clínicos que classifi-caram a referida atitude como «extremamente desfavorável» ou «ligeiramente desfavorável» foram considerados como desfavoráveis à pres-crição de MOF, enquanto os que a classificaram como «ligeiramente favorável» ou «extremamen-te favorável» foram considerados como favorá-veis à prescrição. As respostas referentes aos clínicos que se consideraram neutros em rela-ção à utilização da terapêutica em causa não foram utilizadas na análise comparativa dos sco-res de atitudes.

Participantes no estudo e distribuição do inquéritoOs dados utilizados na realização do presente

estudo foram obtidos de CCSP (especialistas e internos de Medicina Geral e Familiar bem como Clínicos Gerais) em exercício da respectiva actividade clínica e inscritos no 26.o Encontro Nacional de Clínica Geral, sendo este último uti-lizado como plataforma para a distribuição e recolha do inquérito desenvolvido.

Análise estatísticaOs dados obtidos através do inquérito distri-

buído foram codificados e armazenados numa base de dados do programa de análise estatís-tica Statistical Package for the Social Sciences − versão 17.0 (SPSS Inc, Chicago, Illinois).

Foram efectuadas análises estatísticas descri-tivas, utilizando distribuições de frequência, mé-dias e desvios-padrão para caracterizar a popu-lação respondente e identificar e descrever tendências ou anomalias nos dados referentes a cada uma das variáveis em estudo.

O teste não paramétrico de Mann-Whitney foi utilizado com o objectivo de identificar a possível existência de diferenças nas respostas referen-tes a cada um dos sete pares de itens em es-tudo, bem como aos respectivos scores e ao score total, entre o grupo de clínicos que se

considerava favorável à prescrição de MOF e aquele que, por sua vez, se mostrava desfavo-rável em relação à mesma (p < 0,05 foi consi-derado estatisticamente significativo).

ResultadosDos 350 inquéritos inicialmente distribuídos

aos participantes no referido Encontro Nacional que cumpriam as premissas acima descritas, foram recolhidos 161. Entre estes encontravam-se sete inquéritos não preenchidos, tendo então um total de 154 inquéritos sido considerado válido e inserido na base de dados utilizada no presen-te estudo, sendo pois a taxa de resposta de 44% (154/350).

Características demográficas e profissionaisA caracterização demográfica e profissional

dos clínicos inquiridos encontra-se devidamente sumarizada na tabela 1.

Tabela 1. Características demográficas e profissionais dos clínicos inquiridos

Variável

Idade (anos)

Média (±DP) 44,50 (±11,08)

Valor mínimo 25

Valor máximo 60

Género

Masculino 54 (35,1%)

Feminino 100 (64,9%)

Experiência clínica (anos)

Média (±DP) 18,97 (±11,12)

Valor mínimo 1

Valor máximo 33

Informação não disponível 8

Localização da prática clínica

Meio urbano 82 (53,9%)

Meio suburbano 36 (23,7%)

Meio rural 34 (22,4%)

Informação não disponível 2

Número de pacientes com DCNO observados por semana

Média (±DP) 15,56 (±15,35)

Valor mínimo 1

Valor máximo 100

Informação não disponível 13

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DOR

A análise dos resultados constantes na referi-da tabela demonstrou que 64,9% (100/154) dos inquiridos eram do género feminino, sendo a idade média (±DP) dos mesmos de 44,50 anos (±11,08).

A maioria dos clínicos respondentes (53,9% [82/152]) referiu desenvolver a respectiva práti-ca clínica em meio urbano, dividindo-se os res-tantes, quase igualmente, pelos meios suburba-no (23,7% [36/152]) e rural (22,4% [34/152]).

Os profissionais inquiridos apresentavam, em média (±DP), 18,97 (±11,12) anos (media-na, 23 anos) de experiência clínica e, segundo a respectiva estimativa, observavam, em mé-dia (±DP), 15,56 (±15,35) pacientes (mediana, 10 pacientes) com DCNO por semana.

Atitude em relação à prescrição de medicamentos opióides fortes para pacientes com dor crónica não oncológica de intensidade moderada-forte

As respostas dos clínicos inquiridos à questão inicial, referente à classificação da respectiva atitude em relação à prescrição de MOF, encon-tram-se sintetizadas na tabela 2. Cerca de dois terços dos inquiridos (66,9% [103/154]) classifi-caram a respectiva atitude como sendo favorá-vel (ligeiramente favorável ou extremamente fa-vorável); 27 dos respondentes (17,5%) afirmaram ser neutros, enquanto apenas 24 (15,6%) se classificavam como sendo desfavoráveis (extre-mamente desfavoráveis ou ligeiramente desfa-voráveis) em relação à supramencionada pres-crição.

A frequência média e a distribuição de cada um dos itens referentes às crenças comporta-mentais, ci, encontram-se devidamente sumari-zadas (c1-7) na tabela 3.

A quase totalidade dos clínicos questionados (98,7% [147/149]) afirmou considerar ser prová-vel (ligeiramente provável ou extremamente pro-vável) a obtenção de um controlo efectivo da dor através da utilização de MOF. Adicionalmente, a grande maioria dos mesmos (94,0% [140/149]) referiu também acreditar na efectividade da re-ferida terapêutica na melhoria da qualidade de vida dos pacientes com DCNO.

Quando inquiridos sobre a ocorrência de com-portamentos abusivos por parte dos pacientes,

43,2% (64/148) dos clínicos afirmaram ser provável o surgimento dos mesmos, enquan-to 41,2% (61/148), por sua vez, consideravam ser pouco provável (extremamente imprová-vel ou ligeiramente improvável) a referida ocorrência.

No que aos comportamentos de adição se refere, verificou-se uma distribuição semelhante à do item anterior, sendo que 43,2% (64/148) dos clínicos questionados afirmaram ser pouco provável a ocorrência dos mesmos, enquanto 39,2% (58/148) consideraram a referida ocorrên-cia como sendo provável, prevalecendo pois, neste caso e contrariamente ao item anterior, as opiniões que davam como pouco provável o res-pectivo surgimento.

Parte considerável dos inquiridos (38,4% [56/146]) considerou ser provável sentir uma maior dificuldade na abordagem de pacientes com comorbilidades caso optasse pela prescri-ção de MOF. A maioria dos profissionais ques-tionados (60,8% [90/148]) classificou a ocorrên-cia de depressão respiratória como sendo pouco provável aquando da utilização terapêutica de MOF. Por fim, a diminuição do recurso aos ser-viços de saúde foi considerada provável pela maior parte dos inquiridos (55,4% [82/148]).

Na tabela 4 encontram-se devidamente suma-rizadas (a1-7) a frequência média e a distribuição da avaliação, ai, dos clínicos em relação à pos-sível ocorrência de cada um dos itens referentes às crenças comportamentais, a qual se constitui como um componente avaliador da respectiva atitude.

A quase totalidade dos clínicos participantes considerou ser positiva (ligeiramente positiva ou francamente positiva) tanto a obtenção de um controlo efectivo da dor (100% [137/137]) como de uma melhoria significativa da qualidade de vida dos pacientes (99,3% [136/137]).

A maioria dos profissionais questionados classificou como sendo negativa (francamente negativa ou ligeiramente negativa) a ocorrência de comportamentos abusivos (82,5% [113/137]) bem como de comportamentos de adição (79,6% [109/137]).

Quando confrontados com a possibilidade de virem a experienciar uma maior dificuldade na abordagem de pacientes com comorbilida-des caso optassem pela prescrição de MOF,

Tabela 2. Atitude dos clínicos em relação à prescrição de MOF para pacientes com DCNO de intensidade moderada-forte* (n = 154)

Desfavorável (n = 24; 15,6%) Favorável (n = 103; 66,9%)

Classificação da atitude Extremamente desfavorável

Ligeiramente desfavorável

Neutra Ligeiramente favorável

Extremamente favorável

N.o (%) de respostas 9 (5,8) 15 (9,7) 27 (17,5) 66 (42,9) 37 (24,0)

*Em resposta à pergunta «Como classifica a sua atitude em relação à prescrição de MOF para pacientes com DCNO de intensidade moderada-forte?».

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DOR

Tabela 3. Crenças comportamentais dos clínicos inquiridos em relação à prescrição de MOF para pacientes com DCNO de intensidade moderada-forte*

Item N.º de respostas

Média (±DP)

Extremamente improvável

Ligeiramente improvável

Neutra Ligeiramente provável

Extremamente provável

Controlo efectivo da dor

149 1,67 (±0,50)

0 (0%) 0 (0%) 2 (1,3%) 45 (30,2%) 102 (68,5%)

Melhoria da qualidade de vida do paciente

149 1,44 (±0,70)

1 (0,7%) 2 (1,3%) 6 (4,0%) 62 (41,6%) 78 (52,3%)

Comportamentos abusivos

148 –0,02 (±1,28)

22 (14,9%) 39 (26,4%) 23 (15,5%) 48 (32,4%) 16 (10,8%)

Comportamentos de adição

148 –0,22 (±1,32)

37 (25,0%) 27 (18,2%) 26 (17,6%) 48 (32,4%) 10 (6,8%)

Maior dificuldade na abordagem de pacientes com comorbilidades

146 0,01 (±1,09)

15 (10,3%) 33 (22,6%) 42 (28,8%) 48 (32,9%) 8 (5,5%)

Depressão respiratória

148 –0,59 (±1,16)

37 (25,0%) 53 (35,8%) 22 (14,9%) 32 (21,6%) 4 (2,7%)

Diminuição do recurso aos serviços de saúde

148 0,48 (±1,15)

8 (5,4%) 25 (16,9%) 33 (22,3%) 52 (35,1%) 30 (20,3%)

*Em resposta à pergunta «Caso prescrevesse MOF a pacientes com DCNO de intensidade moderada-forte, quão provável acha que seria a ocorrência do seguinte?». Escala: –2 = extremamente improvável a +2 = extremamente provável.

Tabela 4. Avaliação dos clínicos inquiridos em relação à possível ocorrência de cada um dos itens referentes às crenças comportamentais*

Item N.º de respostas

Média (±DP)

Francamente negativa

Ligeiramente negativa

Neutra Ligeiramente positiva

Francamente positiva

Controlo efectivo da dor

137 1,71 (±0,46)

0 (0%) 0 (0%) 0 (0%) 40 (29,2%) 97 (70,8%)

Melhoria da qualidade de vida do paciente

137 1,58 (±0,51)

0 (0%) 0 (0%) 1 (0,7%) 55 (40,1%) 81 (59,1%)

Comportamentos abusivos

137 –1,16 (±0,70)

46 (33,6%) 67 (48,9%) 24 (17,5%) 0 (0%) 0 (0%)

Comportamentos de adição

137 –1,14 (±0,73)

47 (34,3%) 62 (45,3%) 28 (20,4%) 0 (0%) 0 (0%)

Maior dificuldade na abordagem de pacientes com comorbilidades

133 –0,80 (±0,69)

21 (15,8%) 64 (48,1%) 48 (36,1%) 0 (0%) 0 (0%)

Depressão respiratória

136 –1,19 (±0,68)

47 (34,6%) 68 (50,0%) 21 (15,4%) 0 (0%) 0 (0%)

Diminuição do recurso aos serviços de saúde

137 0,58 (±1,24)

8 (5,8%) 21 (15,3%) 34 (24,8%) 31 (22,6%) 43 (31,4%)

*Em resposta à pergunta «Caso prescrevesse MOF a pacientes com DCNO de intensidade moderada-forte, quão positiva ou negativa acha que seria a ocorrência de cada um dos seguintes?». Escala: –2 = francamente negativa a +2 = francamente positiva.

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DOR

63,9% (85/133) dos respondentes avaliou o referido aumento de dificuldade como sendo ne-gativo.

Quando inquiridos sobre a possível ocorrência de depressão respiratória aquando da utilização terapêutica de MOF, a maioria dos inquiridos (84,6% [115/136]) considerou a mesma como sendo negativa.

Uma parte considerável dos inquiridos (54,0% [74/137]) considerou ser positiva a possível di-minuição do recurso aos serviços de saúde, sendo que 21,2% (29/137) dos mesmos consi-deraram a referida diminuição como sendo ne-gativa.

Na tabela 5 encontram-se sumarizados os va-lores médios dos scores de atitude compostos (produtos cruzados) referentes a cada um dos sete pares de itens estudados, bem como a soma total dos mesmos, a qual é considerada como sendo representativa da atitude global.

Globalmente, e tendo em conta a premissa acima descrita, poderá dizer-se que os clínicos inquiridos evidenciaram uma atitude favorável (média [±DP], 8,68 [±7,08]; intervalo de valores possível, –28 a +28) em relação à prescrição de MOF para pacientes com DCNO de intensidade moderada-forte.

A análise dos dados obtidos demonstrou a existência de scores médios positivos em to-dos os itens considerados, indicando pois que os clínicos inquiridos apresentavam atitudes favoráveis em relação à prescrição de MOF quando consideravam cada um dos referidos

Tabela 5. Score composto referente à atitude dos clínicos inquiridos*†

Intervalo de valores‡

N.º de respostas§

Valor mínimo Valor máximo Média (±DP)¶

Controlo efectivo da dor 137 0 4 3,02 (±1,37)

Melhoria da qualidade de vida do paciente 137 –4 4 2,46 (±1,61)

Comportamentos abusivos 140 –4 4 0,16 (±2,00)

Comportamentos de adição 140 –4 4 0,55 (±2,06)

Maior dificuldade na abordagem de pacientes com comorbilidades

141 –4 4 0,14 (±1,52)

Depressão respiratória 136 –2 4 0,99 (±1,87)

Diminuição do recurso aos serviços de saúde

141 –4 4 1,28 (±1,66)

Score composto de atitude** 134 –5 28 8,68 (±7,08)

*Em resposta às perguntas referentes às crenças comportamentais, «Caso prescrevesse MOF a pacientes com DCNO de intensidade moderada-forte, quão provável acha que seria a ocorrência do seguinte?» e à avaliação que delas fazem os clínicos inquiridos, «Caso prescrevesse MOF a pacientes com DCNO de intensidade moderada-forte, quão positiva ou negativa acha que seria a ocorrência de cada um dos seguintes?».†Score: crença comportamental (ci) × avaliação (ai).‡Intervalo de valores possível para cada item, –4 a +4; intervalo de valores possível para o score composto, –28 a +28.§Número de respostas válidas utilizadas para calcular o score composto, n = 134.¶Média (±DP) dos produtos cruzados referente a cada um dos itens em estudo.**A soma total representa o score composto para as sete atitudes baseadas em crenças em estudo ([soma de c1 × a1 a c7 × a7]/10).

itens isoladamente. A atitude dos clínicos era particularmente favorável em relação à prescri-ção de MOF quando os mesmos se referiam tanto à obtenção de um controlo efectivo da dor (média [±DP], 3,02 (±1,37); intervalo de va-lores possível, –4 a +4) como à melhoria global da qualidade de vida dos pacientes (média [±DP], 2,46 (±1,61); intervalo de valores possí-vel, –4 a +4).

As figuras 1-3 ilustram as diferenças obser-vadas nas crenças referentes à prescrição de MOF entre os grupos de clínicos desfavorá-veis à referida terapêutica e o de favoráveis à mesma.

Considerando, isoladamente, cada um dos itens referentes às crenças comportamentais (ci), foram encontradas diferenças estatistica-mente significativas nas médias respeitantes aos itens «melhoria da qualidade de vida do pacien-te», «comportamentos abusivos» e «comporta-mentos de adição». Por sua vez, a análise dos valores médios correspondentes à avaliação (ai) dos clínicos em relação à possível ocorrência de cada um dos itens anteriormente referidos veri-ficou a existência de diferenças estatisticamente significativas apenas no item «melhoria da qua-lidade de vida do paciente». A análise dos va-lores médios dos scores de atitude compostos (ci × ai) relativos a cada um dos sete pares de itens em estudo revelou a existência de diferen-ças significativas apenas no item «melhoria da qualidade de vida do paciente». Por fim, a aná-lise dos valores médios de score total (soma dos

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DOR

Controlo efectivo da dor

Melhoria da qualidade de vida do paciente

Comportamentos abusivos

Comportamentos de adição

Maior dificultade na abordagem depacientes com comorbilidades

Depressão respiratória

Diminuição do recurso aos serviçosde saúde

–1,5 1,5 2–0,5 0,50 1–1

Clínicos favoráveisClínicos desfavoráveis

Figura 2. Avaliação dos clínicos favoráveis versus clínicos desfavoráveis em relação à possível ocorrência de cada um dos itens referentes às crenças comportamentais. Em resposta à pergunta «Caso prescrevesse MOF a pacientes com DCNO de intensidade moderad-forte, quão positiva ou negativa acha que seria a ocorrência de cada um dos seguintes?». Os scores representados correspondem aos valores médios referentes a cada um dos itens. Escala: –2 = francamente negativa a +2 = francamente positiva.

Controlo efectivo da dor

Melhoria da qualidade de vida do paciente

Comportamentos abusivos

Comportamentos de adição

Maior dificultade na abordagem depacientes com comorbilidades

Depressão respiratória

Diminuição do recurso aos serviçosde saúde

–1 –0,5 0 0,5 1 1,5 2

Clínicos favoráveisClínicos desfavoráveis

Figura 1. Crenças comportamentais dos clínicos favoráveis versus clínicos desfavoráveis. Em resposta à pergunta «Caso prescrevesse MOF a pacientes com DCNO de intensidade moderada-forte, quão provável acha que seria a ocorrência do seguinte?». Os scores representados correspondem aos valores médios referentes a cada um dos itens. Escala: –2 = extremamente improvável a +2 = extremamente provável.

scores de atitude compostos) referente a cada um dos grupos de clínicos em consideração demonstrou a existência de uma diferença es-tatisticamente significativa, evidenciando os clínicos favoráveis atitudes, de facto, mais fa-voráveis (10,28 [±6,96]) em relação à prescri-ção de MOF do que aqueles que se haviam considerado como desfavoráveis (6,48 [±8,04]) à mesma.

Classificação da formação referente à prescrição de medicamentos opióides fortes na abordagem da dor crónica não oncológica

A classificação atribuída pelos clínicos inqui-ridos à respectiva formação referente à prescri-ção de MOF na abordagem de pacientes com DCNO encontra-se devidamente sintetizada na figura 4.

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Muito boa5%

Boa15%

Suficiente41%

Insuficiente39%

Controlo efectivo da dor

Melhoria da qualidade de vida do paciente

Comportamentos abusivos

Comportamentos de adição

Maior dificultade na abordagem depacientes com comorbilidades

Depressão respiratória

Diminuição do recurso aos serviçosde saúde

–0,5 2,5 3 3,50,5 1,51 20

Clínicos favoráveisClínicos desfavoráveis

Figura 3. Score composto referente à atitude dos clínicos favoráveis versus clínicos desfavoráveis. Os scores traduzem o produto cruzado (ci × ai) referente a cada um dos itens utilizados de modo a avaliar as atitudes dos clínicos inquiridos em relação à prescrição de MOF. Escala: –4 = extremamente desfavorável a +4 = extremamente favorável.

Figura 4. Classificação da formação referente à prescrição de MOF na abordagem de pacientes com DCNO. Em resposta à pergunta «Como classifica a sua formação no que se refere à prescrição de MOF na abordagem da DCNO?».

Uma parte considerável dos participantes (41,2% [63/153]) classificou a respectiva forma-ção como sendo suficiente; parte igualmente significativa (39,2% [60/153]) considerou-a insu-ficiente. Apenas 19,6% (30/153) dos inquiridos a classificaram como sendo boa ou muito boa.

DiscussãoO presente estudo permitiu a obtenção de

uma visão global da atitude dos CCSP em rela-ção à prescrição de MOF para pacientes com DCNO de intensidade moderada-forte.

A maioria dos clínicos inquiridos (66,9% [103/154]) classificou a respectiva atitude como sendo favorável à prescrição de MOF. Apenas 24 (15,6%) dos respondentes se classificavam como sendo desfavoráveis em relação à mes-ma. Este estudo, de forma semelhante aos es-tudos de Potter, et al.17 e de Nwokeji, et al.4, demonstrou, pois, a inexistência de consenso entre os CCSP quanto à possível utilização des-te tipo de analgésicos como opção terapêutica na abordagem da DCNO, sendo, no entanto, notória uma menor percentagem de clínicos desfavoráveis à mesma do que a encontrada nos estudos similares utilizados como referên-cias comparativas.

O estudo em consideração não terá analisado muitos dos factores potencialmente envolvidos na determinação da atitude dos clínicos em re-lação à prescrição de MOF.

Dos factores considerados, a possível ocor-rência de comportamentos abusivos e/ou de adição foi identificada como sendo o principal obstáculo à prescrição de MOF para pacientes

com DCNO. A literatura entretanto publicada a propósito desta temática tem feito referência a uma maior probabilidade de comportamentos de adi-ção (nomeadamente aquando do consumo de opióides) entre os pacientes com predisposi-ção para os mesmos7,30,31. Contudo, existem poucas evidências sugerindo que a ocorrência desses comportamentos seja comum entre os pacientes com DC sem qualquer história prévia de adição19,21,31-33.

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DOR

Estes achados levantam a questão referen-te à consciência que os clínicos terão em relação à prevalência de comportamentos de adição entre os pacientes com DCNO aos quais são prescritos MOF. Os resultados permi-tem também pôr em questão o nível de conhe-cimento dos clínicos inquiridos em relação ao conceito de adição e de outros conceitos intima-mente relacionados, tais como os de dependên-cia física, tolerância e pseudoadição15-19.

A quase totalidade dos clínicos questionados (98,7% [147/149]) afirmou considerar ser prová-vel a obtenção de um controlo efectivo da dor através da utilização de MOF, crença esta que se encontra de facto devidamente fundamenta-da por estudos recentes34-36 nos quais se de-monstrou que os MOF são efectivos no controlo sintomático da DCNO. Adicionalmente, a grande maioria dos mesmos (94,0% [140/149]) referiu também acreditar na efectividade da referida terapêutica na melhoria da qualidade de vida global dos pacientes. No entanto, a probabilida-de relativa atribuída à referida ocorrência foi de facto significativamente menor no grupo de clí-nicos desfavoráveis do que no grupo de clínicos favoráveis (média [±DP], 0,96 [±0,86] vs 1,59 [0,55]; p < 0,01). Na verdade, não se poderá afirmar que as reservas evidenciadas a este pro-pósito sejam de facto desprovidas de qualquer sentido. Apesar de investigações entretanto efectuadas35-40 sugerirem que os MOF podem proporcionar uma melhoria significativa da quali-dade de vida global dos pacientes, os especia-listas nesta matéria concordam com a necessida-de de obtenção de dados adicionais e baseados em evidências que fundamentem os possíveis benefícios que têm sido atribuídos à utilização terapêutica a longo prazo de MOF (p. e. menos perturbações do sono, melhoria global do nível de funcionalidade física).

Crenças positivas (favoráveis) como as an-teriormente enumeradas tiveram um impacto fundamental na determinação da atitude global dos clínicos em relação à terapêutica em consi-deração.

O presente estudo encontrou algumas diferen-ças consideráveis nas atitudes em relação à prescrição de MOF entre os dois grupos de clí-nicos em comparação.

De acordo com o esperado, os clínicos que se assumiram como sendo desfavoráveis evi-denciaram, de facto, atitudes menos favoráveis em relação à prescrição do que os clínicos que se classificaram como favoráveis. Foram, de fac-to, encontradas diferenças estatisticamente sig-nificativas (p < 0,05) entre os dois grupos de clínicos considerados aquando da análise dos itens referentes às crenças comportamentais. O grupo de clínicos desfavoráveis atribuiu uma maior probabilidade relativa à possível ocorrên-cia de comportamentos abusivos (média [±DP], 0,63 [±1,38] vs –0,33 [±1,16]) e/ou de adição (média [±DP], 0,33 [±1,55] vs –0,45 [±1,28]), a

qual terá contribuído negativamente para a ati-tude global do grupo em causa.

Por fim, a análise dos valores médios de sco-re total referentes a cada um dos grupos de clínicos considerados demonstrou a existência de uma diferença estatisticamente significativa (p < 0,05) entre os mesmos, evidenciando os clínicos favoráveis atitudes, de facto, mais favo-ráveis (média [±DP], 10,28 [±6,96]; intervalo de valores possível, –28 a +28) em relação à pres-crição de MOF do que aqueles que se haviam considerado como desfavoráveis (média [±DP], 6,48 [±8,04]; intervalo de valores pos-sível, –28 a +28) à mesma. Os resultados des-critos, sendo semelhantes aos obtidos por estu-dos similares4, tornam no entanto evidente uma atitude global aparentemente mais favorável do que a evidenciada nestes últimos.

No que à classificação da formação específi-ca referente à prescrição de MOF para pacien-tes com DCNO diz respeito, verificou-se que uma parte considerável dos participantes (41,2% [63/153]) a classificou como sendo suficiente; parte igualmente significativa (39,2% [60/153]) considerou a referida formação específica como insuficiente. Assim sendo, estes resultados vêm confirmar a existência de lacunas significativas ao nível da formação, as quais se encontram já consideradas no Programa Nacional de Contro-lo da Dor1. De resto, é feita referência a estraté-gias de intervenção (p. e. criação e divulgação junto dos profissionais de saúde de orientações técnicas sobre a utilização de opióides em pa-cientes com DCNO) e de formação (p. e. ela-boração de uma proposta visando a obrigato-riedade de formação específica no Internato Complementar de Medicina Geral e Familiar) que visam a obtenção de competências espe-cíficas na abordagem diagnóstica e terapêutica da sintomatologia álgica em geral e da DCNO em particular.

Limitações do estudoO presente estudo apresenta, de facto, algu-

mas limitações. À semelhança de muitos outros estudos utilizando inquéritos, o número limitado de clínicos participantes, e portanto constituin-tes da amostra analisada, faz com que os dados obtidos devam ser interpretados com alguma precaução.

Face à natureza exploratória do estudo em cau-sa, deve ter-se em consideração que nem todos os factores que possivelmente influenciam a ati-tude dos clínicos foram devidamente identifica-dos e/ou caracterizados.

Os achados do estudo são apenas generali-záveis ao grupo de clínicos inquirido; assim sen-do, devem ter-se as devidas reservas aquando de uma possível extrapolação dos resultados obtidos para outros CCSP.

É possível que um viés de selecção tenha influenciado os resultados obtidos neste estudo,

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decorrendo o mesmo da distribuição do inqué-rito a uma amostra de CCSP obviamente limitada e determinada pela presença no Encontro Na-cional anteriormente referenciado.

Adicionalmente, tratando-se este de um estudo com base na participação voluntária dos CCSP, os resultados obtidos podem encontrar-se distor-cidos, podendo, pois, não ser sequer represen-tativos de todos os CCSP presentes no referido Encontro.

Investigação futuraÀ semelhança do que sucede com todas as

investigações empíricas, verifica-se a necessi-dade de validar os achados do presente estudo em outros grupos de CCSP.

Assim sendo, deverá ser desenvolvida inves-tigação adicional de modo a determinar a pos-sível generalização dos resultados a uma popu-lação representativa da comunidade de CCSP actualmente em exercício em Portugal.

Uma vez que o objectivo do estudo em con-sideração foi o de analisar as atitudes dos CCSP em relação à utilização terapêutica de MOF, in-vestigações posteriores poderão estudar a pos-sível existência de diferenças entre estes e ou-tros clínicos pertencentes a especialidades distintas nas quais seja também relevante a re-ferida problemática (p. e. Medicina Interna e Anestesiologia).

ConclusãoOs resultados do presente estudo demons-

tram que esta amostra de CCSP evidenciava uma atitude global moderadamente favorável em relação à prescrição de MOF para pacientes com DCNO, embora a maioria dos clínicos se tenha classificado como sendo favorável à mesma.

Globalmente, os resultados deste estudo são compatíveis com os existentes na literatu-ra consultada, sendo notória uma atitude glo-bal aparentemente mais favorável do que a evidenciada nos estudos similares utilizados como referência comparativa. De resto, menos de um quinto dos respondentes se considerou como sendo desfavorável em relação à pres-crição de MOF.

As atitudes dos clínicos que se consideravam desfavoráveis em relação à prescrição de MOF encontravam-se negativamente influenciadas pelas preocupações referentes à possível ocor-rência de comportamentos abusivos e/ou de adição. No entanto, a influência fortemente po-sitiva decorrente do facto de a maioria dos refe-ridos clínicos considerarem ser provável a ob-tenção de um controlo efectivo da dor e de uma melhoria da qualidade de vida global dos pa-cientes acabou por determinar, paradoxalmente, uma atitude ligeiramente favorável por parte deste grupo de clínicos.

Face ao interesse actual na obtenção de melhorias significativas no que se refere à

abordagem da dor em pacientes com DCNO, torna-se necessária a realização de investigação adicional de modo a analisar de que modo as barreiras identificadas influenciam, de facto, a prescrição de analgésicos opióides. É particu-larmente relevante o papel que as estratégias educacionais podem assumir na desmistifica-ção das crenças associadas às referidas bar-reiras.

AgradecimentosA Rui Manuel Cerqueira Magalhães (departa-

mento de Estudo das Populações do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, Universidade do Porto, Porto, Portugal) pela disponibilidade e apoio ao nível da análise estatística do presente estudo.

A José Manuel Soares Malheiro Romão (Cen-tro Hospitalar do Porto – Hospital de Santo António, Porto, Portugal) pela disponibilidade demonstrada, pela revisão dos conteúdos cien-tíficos e pelo apoio logístico, sem os quais seria, de facto, impossível a concretização do estudo em causa.

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