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Bol. Téc. Petrobras, Rio de Janeiro, 47 (1): 88-100, jan./mar., 2004 88 VALIDAÇÃO DE MODELO TRIDIMENSIONAL PARA O ESCOAMENTO GÁS-SÓLIDO DILUÍDO VERTICAL E HORIZONTAL, POR TÉCNICAS DE FLUIDODINÂMICA COMPUTACIONAL (CFD) VALIDATION OF THE THREE-DIMENSIONAL MODEL FOR THE DILUTE GAS-SOLID FLOW IN HORIZONTAL AND VERTICAL DUCTS, BY COMPUTATIONAL FLUID DYNAMIC (CFD) TECHNIQUES VALIDACIÓN DE MODELO TRIDIMENSIONAL PARA EL DERRAME GAS-SÓLIDO DILUIDO VERTICAL Y HORIZONTAL, POR TÉCNICAS DE FLUIDODINÁMICA COMPUTACIONAL (CFD) Rodrigo K. Decker 1 Henry França Meier 2 Milton Mori 1 RESUMO Pretende-se, aqui, aplicar e corroborar o modelo invíscido, transiente e tridimensional, para o transporte vertical e horizontal de partículas, mediante comparação dos resultados numéricos com dados experimentais. Para a resolução das equações diferenciais parciais do modelo foi empregado o código comercial de CFD, o CFX, que se baseia no método numérico dos volumes finitos para a discretização numérica. Acoplamento pressão-velocidade do tipo SIMPLEC, modelo de turbulência k-ε padrão e esquema de diferenciação de primeira ordem (UPWIND) foram utilizados como estratégias para garantir solução numérica estável e convergente. A comparação com dados da literatura apresenta boa concordância, assegurando futuras aplicações do modelo para casos industriais. Um estudo de caso foi analisado com o objetivo de se determinar o efeito de uma curva autolimpante, na seção de transporte horizontal, sobre a distribuição de partículas na seção transversal do duto para, com isso, minimizar a deposição de partículas nas paredes inferiores do duto, conforme observado na prática. ABSTRACT It is intended in this work to apply and corroborate the 3-D, transient, inviscid model, for the horizontal and vertical particle conveying, by comparing the numerical results with experimental data. For the solutions of the parcial diferencial equation models was employed the commercial code CFD, the CFX, based on the numerical method of finite volumes for the numerical discretization. The pressure-velocity coupling by SIMPLEC algorithm, k-ε turbulence default model and first order diferencial scheme (UPWIND), were used as strategies to guarantee convergency and stability of the numerical solution. The results reason compare with literature data, show a good agreement, making sure future model applications for industrial cases. A case study was made with the objective of determining the effect 1 Laboratório de Modelagem e Simulação de Processos Químicos, Departamento de Processos Químicos, Faculdade de Engenharia Química, Universidade Estadual de Campinas. e-mail: [email protected] e-mail: [email protected] 2 Laboratório de Fluidodinâmica Computacional, Departamento de Engenharia Química, Centro de Ciências Tecnológicas, Universidade Regional de Blumenau. e-mail: mé[email protected]

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Bol. Téc. Petrobras, Rio de Janeiro, 47 (1): 88-100, jan./mar., 2004 88

VALIDAÇÃO DE MODELO TRIDIMENSIONAL PARA O ESCOAMENTO GÁS-SÓLIDO DILUÍDO VERTICAL E

HORIZONTAL, POR TÉCNICAS DE FLUIDODINÂMICA COMPUTACIONAL (CFD)

VALIDATION OF THE THREE-DIMENSIONAL MODEL FOR THE

DILUTE GAS-SOLID FLOW IN HORIZONTAL AND VERTICAL DUCTS, BY COMPUTATIONAL FLUID DYNAMIC (CFD) TECHNIQUES

VALIDACIÓN DE MODELO TRIDIMENSIONAL PARA EL DERRAME GAS-SÓLIDO DILUIDO VERTICAL Y HORIZONTAL, POR TÉCNICAS

DE FLUIDODINÁMICA COMPUTACIONAL (CFD)

Rodrigo K. Decker1

Henry França Meier2

Milton Mori1

RESUMO Pretende-se, aqui, aplicar e corroborar o modelo invíscido, transiente e tridimensional, para o transporte vertical e

horizontal de partículas, mediante comparação dos resultados numéricos com dados experimentais. Para a resolução das equações diferenciais parciais do modelo foi empregado o código comercial de CFD, o CFX, que se baseia no método

numérico dos volumes finitos para a discretização numérica. Acoplamento pressão-velocidade do tipo SIMPLEC, modelo de turbulência k-ε padrão e esquema de diferenciação de primeira ordem (UPWIND) foram utilizados como

estratégias para garantir solução numérica estável e convergente. A comparação com dados da literatura apresenta boa concordância, assegurando futuras aplicações do modelo para casos industriais. Um estudo de caso foi analisado com o objetivo de se determinar o efeito de uma curva autolimpante, na seção de transporte horizontal, sobre a distribuição de

partículas na seção transversal do duto para, com isso, minimizar a deposição de partículas nas paredes inferiores do duto, conforme observado na prática.

ABSTRACT It is intended in this work to apply and corroborate the 3-D, transient, inviscid model, for the horizontal and vertical

particle conveying, by comparing the numerical results with experimental data. For the solutions of the parcial diferencial equation models was employed the commercial code CFD, the CFX, based on the numerical method of

finite volumes for the numerical discretization. The pressure-velocity coupling by SIMPLEC algorithm, k-ε turbulence default model and first order diferencial scheme (UPWIND), were used as strategies to guarantee convergency and stability of the numerical solution. The results reason compare with literature data, show a good agreement, making

sure future model applications for industrial cases. A case study was made with the objective of determining the effect

1 Laboratório de Modelagem e Simulação de Processos Químicos, Departamento de Processos Químicos, Faculdade de Engenharia Química, Universidade Estadual de Campinas. e-mail: [email protected] e-mail: [email protected] 2 Laboratório de Fluidodinâmica Computacional, Departamento de Engenharia Química, Centro de Ciências Tecnológicas, Universidade Regional de Blumenau. e-mail: mé[email protected]

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of a self-cleaning elbow in the horizontal transport section, over the particle distribution in the duct transversal section, as so, minimizing particles rope formation in the bottom of the duct, as observed in practice.

RESUMEN Se pretende, aquí, aplicar y corroborar el modelo sin viscosidad, transiente y tridimensional, para el transporte

vertical y horizontal de partículas, mediante comparación de los resultados numéricos con datos experimentales. Para la resolución de las ecuaciones diferenciales parciales del modelo fue empleado el código comercial de CFD, el CFX,

que se basa en el método numérico de los volúmenes finitos para la discretización numérica. Acoplamiento presión-velocidad del tipo SIMPLEC, modelo de turbulencia k-ε estándar y esquema de diferenciación de primer orden

(UPWIND), fueron utilizados como estrategias para garantizar solución numérica estable y convergente. La comparación con datos de la literatura, presenta buena concordancia, asegurando futuras aplicaciones del modelo para casos industriales. Un estudio de caso fue analizado con el objetivo de determinar el efecto de una curva auto-

limpiante, en la sección de transporte horizontal, sobre la distribución de partículas en la sección transversal del conducto para, con eso, minimizar la deposición de partículas en las paredes inferiores del conducto, conforme

observado en la práctica. 1. INTRODUÇÃO O transporte pneumático gás-solido é largamente empregado nas mais diversas indústrias de processos devido, principalmente, ao baixo consumo de energia para o transporte de sólidos particulados via arraste por uma corrente gasosa. Entretanto, detalhes do comportamento do escoamento não são totalmente conhecidos. Dentre eles pode-se salientar a influência da geometria sobre o escoamento multifásico. Entende-se por influência da geometria os efeitos da mudança brusca da direção principal do escoamento devido à presença de, por exemplo, curvas bruscas que promovem redistribuição da fase particulada ao longo da seção transversal do escoamento, minimizando fenômenos indesejáveis de sedimentação, crustação nas paredes da tubulação de transporte pneumático de sólidos particulados, que podem, por sua vez, produzir perda de carga e aumentar o consumo energético para o transporte. Existem basicamente duas abordagens fenomenológicas empregadas na representação matemática do escoamento bifásico gás-solido: a abordagem Lagrangiana e a abordagem Euleriana. A abordagem Lagrangiana considera o sólido descontínuo e o gás como um contínuo, que interagem entre si por meio de forças de interação gás-sólido, como o arraste de fricção e o de forma. A fase gasosa é modelada pelas equações clássicas de conservação, da mecânica do contínuo, e as partículas, como entidades individuais, são tratadas pela mecânica clássica do corpo sólido, especificamente pela aplicação da 2a Lei do movimento de Newton. Muitos autores vêm utilizando ao longo dos anos o modelo Lagrangiano para o escoamento gás-solido. Lun (1), por exemplo, obteve boa concordância com os dados experimentais obtidos por Tsuji et al. (2). Akilli et al. (3) propuseram um modelo numérico para a predição do comportamento do escoamento gás-sólido em um tubo horizontal, após uma curva de 90o de vertical para horizontal, na tentativa de validar o modelo com dados experimentais. Nguyen e Fletcher (4), com um modelo Lagrangeano, obtiveram numericamente dados sobre o comportamento da interação entre o sólido e a superfície da parede do duto, predizendo efeitos decorrentes do escoamento gás-sólido. As dificuldades encontradas na abordagem Lagrangiana relacionam-se com a necessidade de utilização de correlações para se descreverem as interações que ocorrem entre partícula-parede, partícula-partícula e partícula-gás. Outro aspecto importante é que o modelo não é capaz de prever as variáveis de campo para a fase particulada, dificultando a visualização científica dos fenômenos que influenciam nas trajetórias das partículas.

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A abordagem Euleriana considera ambas as fases, sólida e gasosa, como sendo duas fases distintas, interagindo entre si, e induzindo à interpenetrabilidade das fases, onde ambas as fases são contínuas e possuem propriedades de estado distintas na mesma localização espaço-tempo. Gidaspow (5), utilizando a abordagem Euleriana, propôs uma análise unidimensional (1-D) em estado estacionário para o escoamento gás-sólido, obtendo características macroscópicas do escoamento, como, por exemplo, a queda de pressão ao longo do duto. Com o passar dos anos, novos modelos foram propostos na tentativa de se analisarem fenômenos que, pela dificuldade computacional, eram até então inviáveis. Alves e Mori (6) propuseram um modelo fluidodinâmico bidimensional (2-D) para o escoamento particulado em um reator de leito fluidizado circulante do tipo riser, considerando-se a teoria cinética dos materiais granulares (KTGF) para a representação da turbulência na fase sólida, e também o caso invíscido de forma similar a este trabalho. Comparando-se resultados numéricos, obtidos com o método dos volumes finitos (MVF), com dados experimentais, Alves e Mori (6) verificaram uma não-concordância na predição de perfis de concentração e velocidade axial, próximos à parede do reator, com o modelo invíscido, que não previa o acúmulo e a corrente descendente de sólidos. Já com o modelo KTGF para predizer a viscosidade da fase sólida, os autores verificaram consistência e concordância entre resultados numérico e experimental. Pretende-se, com o presente estudo, mostrar que a não-corroboração entre dados numéricos e experimentais, de perfis de concentração e velocidade, próximos à parede do tubo, utilizando o modelo invíscido para a fase sólida, verificado em estudos anteriores, é devido à desconsideração de parâmetros geométricos na solução do modelo, quando da adoção de um modelo 2-D e permanente. Portanto, propõe-se uma análise tridimensional (3-D) e transiente, considerando-se o modelo invíscido para a caracterização da fase sólida, em dutos verticais e horizontais com escoamento gás-sólido diluído. Dados experimentais obtidos por Tsuji et al. (2) e por Akilli et al. (3) são utilizados para corroborar o modelo proposto. Tanto Tsuji et al. (2) quanto Akilli et al. (3) obtiveram dados de perfis de concentração e velocidade em seus experimentos, sendo que Tsuji et al. (2) obtiveram dados por LDV “Laser Doppler Velocimeter” para um tubo vertical, e Akilli et al. (3) obtiveram dados por PDA “Phase Doppler Anemometry” para um tubo horizontal. Após validação do modelo invíscido para a fase sólida apresenta-se um estudo de caso, com o objetivo de se determinar o efeito de uma curva autolimpante na seção de transporte horizontal, sobre a distribuição de partículas na seção transversal do duto. Para, com isso, minimizar a deposição de partículas nas paredes inferiores do duto, conforme observado na prática. 2. MODELAGEM MATEMÁTICA As equações fundamentais da fluidodinâmica são a equação da conservação da massa (continuidade) e as equações do movimento (momentum). Particularmente, as principais hipóteses simplificadoras adotadas para a modelagem do escoamento gás-sólido são: • adoção de um diâmetro médio para a caracterização da fase sólida; • ausência de tensões turbulentas na fase sólida (modelo invíscido); • turbulência isotrópica para a fase gasosa, predita pelo modelo padrão k-ε; • a força de pressão atua somente sobre a fase gasosa; • a transferência de quantidade de movimento na interface é predita pela adoção de um modelo

constitutivo de força de arraste. O modelo apresentado a seguir é utilizado para a predição das principais características fenomenológicas do escoamento gás-sólido em dutos, sob regime de transporte pneumático, e representam a base teórica para uma análise de fluidodinâmica computacional, envolvendo mecanismos turbulentos, interação gás-sólido, dinâmica do escoamento, domínio espacial tridimensional, entre outras características.

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2.1. Equações de Conservação As equações da conservação utilizadas para a solução do modelo matemático são as da conservação da massa e a do movimento, aplicadas para cada fase. A equação da conservação da massa para as fases gasosa e sólida é expressa pelas equações (1) e (2), respectivamente:

( ) ( ) 0f.ft ggggg =ρ∇+ρ

∂∂ v (1)

( ) ( ) 0f.ft sssss =ρ∇+ρ

∂∂ v . (2)

Já as equações do movimento, para as fases gasosa e sólida, são expressas pelas equações (3) e (4) respectivamente, conforme seguem:

( ) ( ) ( ) resFgTvvv +∇−ρ+∇−=ρ∇+ρ∂∂ pf.ff.ft gg

efggggggggg (3)

( ) ( ) resFgvvv −ρ=ρ∇+ρ∂∂

sssssssss f f.ft

. (4)

2.2. Equações Constitutivas O tensor efetivo sobre a fase gasosa estabelece uma relação similar ao modelo para um fluido newtoniano geral, onde a tensão é diretamente proporcional à deformação, e é dada pela expressão,

gefef

g 2 DT µ−= (5) onde:

( )[ ]Tggg vvD ∇+∇=

21

e, (6)

)t(

gef µ+µ=µ . (7)

Na equação (7) a viscosidade turbulenta, )t(µ , é obtida a partir de um modelo isotrópico de turbulência conhecido por modelo k-ε padrão:

g

2g

g)t( k

ρ=µ µ . (8)

Há duas equações adicionais de conservação, uma para a energia cinética turbulenta (k) e outra para a taxa de dissipação de energia cinética turbulenta (ε):

( ) ( ) ( )gggggk

ef

gggggggg Gfk.fkf.kft

ερ−+

σ

µ∇+=ρ∇+ρ

∂∂ v ; (9)

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( ) ( ) ( ) .k

CGCf.ff.ft g

ggg2g1gg

ef

ggggggggε

ερ−+

ε∇

σ

µ∇=ερ∇+ερ

∂∂

εv (10)

onde:

g)t(

ggG v:T ∇−= (11) A força resistiva entre as fases é modelada por uma equação do tipo:

( )sgs,g vvFres −β= (12) onde o coeficiente de interface s,gβ pode ser predito para escoamentos concentrados (fg<0,8) através da lei de Darcy (Gidaspow (5)):

pp

sgsg2

ppg

sgs,g d

f75,1

dff

150φ

−ρ+

φµ=β

vv. (13)

Para escoamentos diluídos (fg > 0,8), um modelo proposto por Wen e Yuu (Gidaspow (5)) relaciona o coeficiente de interface com o coeficiente de arraste, CD, da seguinte forma:

pp

ssgggDs,g d

ffC

43

φ

−ρ=β

vv . (14)

O cálculo do coeficiente de arraste para os vários regimes de escoamento é dado pelas seguintes equações.

• Para o regime de Stokes (0 < Rep ≥ 0,2) tem-se:

pD Re

24C = ; (15)

• Para a região viscosa (0,2 < Rep ≥ 500 a 1000),

( )687,0p

pD Re15,01

Re24C += ; (16)

• Para região turbulenta (Rep > 500 a 1000),

44,0CD = . (17) A predição do coeficiente de arraste é realizada para os vários regimes de escoamento, a partir da correlação de Coelho e Massarani (7), válida para toda faixa de número de Reynolds, evitando possíveis descontinuidades provocadas pela mudança de regime de escoamento, típicas de um modelo descontínuo padrão onde se adota uma função para cada faixa de número de Reynolds. A correlação é:

18.1

85.02

85.0

p1K

ReK24Cd

+

= (18)

onde, K1 e K2 são constantes do modelo, expressos pelas seguintes equações:

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φ=

065.0log.843.0K p

101 ; (19)

p2 88.431.5K φ−= . (20)

E o número de Reynolds da partícula,

g

psgp

dRe

µ

−ρ=

vvg. (21)

2.3. Condições de Contorno Algumas simplificações são adotadas na solução do modelo matemático proposto anteriormente. Na entrada considera-se uma distribuição uniforme para o perfil de velocidade e frações volumétricas, para as propriedades turbulentas (k e ε). Nas paredes, é adotada a condição de não deslizamento para todas as variáveis. Já na saída, é considerada uma condição de pressão uniforme e constante. 3. MODELAGEM NUMÉRICA As simulações numéricas foram conduzidas por meio de um pacote comercial de CFD, o CFX 4.4, desenvolvido pela AEA Technology. Este pacote comercial é composto por três módulos: o pré-processador, o processador e o pós-processador. O pré-processador possui duas partes: a primeira é utilizada para criar uma geometria multibloco, composta por sólidos hexaédricos, onde estes dão suporte à construção de uma malha numérica tetraédrica nas superfícies dos sólidos, sendo esta a representação da geometria no plano computacional; a segunda é utilizada para a geração de um arquivo onde são escolhidos os modelos matemáticos e as ferramentas numéricas necessárias para a solução, gerando desta forma um modelo numérico. O processador é um módulo de solução numérica, onde as técnicas numéricas de volumes finitos são empregadas para a solução do modelo numérico gerado no pré-processador. O pós-processador é utilizado para a visualização científica dos resultados obtidos no processador, na forma de mapas de cores, vetores e animações gráficas. 3.1. Metodologia de Solução O CFX 4.4 mencionado anteriormente foi utilizado para a solução das equações de conservação da massa e quantidade de movimento, para ambas as fases. Na solução das equações diferenciais parciais do modelo, é empregado o método dos volumes finitos. A dimensão dos volumes é definida pela malha numérica. No centro de cada um dos volumes existentes são realizados os cálculos de balanço de massa e quantidade de movimento. Todas as variáveis são definidas no centro do volume de controle, e estes são conectados com as variáveis dos volumes vizinhos através das fronteiras preenchendo, desta forma, todo o domínio físico a ser calculado.

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O acoplamento da pressão-velocidade empregado foi o SIMPLEC, com esquema de interpolação de primeira ordem (upwind). O algoritmo RHIE-CHOW foi empregado com procedimento AMG e ICCG para resolver as equações algébricas discretas. Um detalhamento maior deste método se encontra em Patankar (8 , 9) e Maliska (10). 4. ESTUDO DE CASOS Foram propostas quatro diferentes geometrias para o escoamento pneumático gás-sólido . A primeira refere-se à geometria proposta por Akilli et al. (3) (com dados experimentais por PDA), conforme mostra-se na figura 1. Já a segunda, proposta por Tsuji et al. (2) (com dados experimentais pela técnica de LDV), é apresentada na figura 2.

Fig. 1 - Estudo de caso 1. Fig. 1 - Case study 1.

Fig. 2 - Estudo de caso 2. Fig. 2 - Case study 2.

As geometrias mostradas anteriormente são aqui utilizadas para a validação do modelo numérico. Após a corroboração deste modelo, duas aplicações industriais são abordadas. A primeira consiste no escoamento gás-sólido num duto de ar terciário, localizado nas indústrias de cimento, conforme se mostra na figura 3. A segunda se refere a uma alteração no duto de ar terciário mostrado na figura 3, onde uma curva autolimpante é utilizada para amenizar os efeitos do acúmulo de sólidos no interior do duto, conforme figura 4.

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Fig. 3 - Estudo de caso 3. Fig. 3 - Case study 3.

Fig. 4 - Estudo de caso 4. Fig. 4 - Case study 4.

As propriedades físicas e geométricas dos estudos de caso são apresentadas individualmente para cada caso, conforme tabela I.

TABELA I PROPRIEDADES FÍSICAS E GEOMÉTRICAS PARA CADA CASO EM ESTUDO

TABLE I PHYSICAL AND GEOMETRICAL PROPRIETIES FOR EACH CASE IN STUDY

Tsuji et. al. (2) Akilli et. al. (3) Industrial

Propriedades Caso 1 Caso 2 Caso 3 Caso 4

ρg (Kg/m3) 1.0 1.18 0.25 0.25 µg (Kg/m.s) 1.218E-05 1.85E-05 1.9E-05 1.9E-05 ρs (Kg/m3) 1020.0 1350.0 3000.0 3000.0

dp (m) 5.0E-04 5.0E-05 5.6E-05 5.6E-05

Físicas

φ 1.0 1.0 1.0 1.0 D1 (m) 0.0400 0.154 2.6 2.6 D2 (m) 0.0305 L1 (m) 1.31 6.1 64.08 46.334 L2 (m) 2.58 6.1 L3 (m) 1.62 H1 (m) 6.48 3.4 15.204 15.204

Geométricas

H2 (m) 1.37 5. RESULTADOS E ANÁLISES PRELIMINARES 5.1. Validação do Modelo A validação do modelo foi realizada primeiramente a partir de dados obtidos por Akilli et al. (3).

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Foram utilizados em torno de 50000 elementos computacionais na solução numérica do modelo, sendo estes concentrados próximos à parede do duto, possibilitando a obtenção de resultados mais precisos. Os resultados observados para o caso 1, entre os perfis de velocidade obtidos por Akilli et al. (3) e os perfis obtidos através da simulação numérica, podem ser observados na figura 5.

Fig. 5 - Perfil de velocidade do gás, em regime permanente para o caso 1. Fig. 5 - Gas velocity profile, in permanent regime, for the case 1. Foram aplicados, neste caso, velocidades na entrada igual a 30 m/s. A razão de carga utilizada foi m = 1 a uma distância L/D = 29, conforme experimento realizado pelo autor. Para o caso 2, foram utilizados aproximadamente 10500 elementos computacionais, e os resultados numéricos foram comparados com dados obtidos por Tsuji et al. (2). Razões de carga praticamente nulas foram aplicadas a fim de se determinar numericamente a veracidade do modelo monofásico, conforme mostra-se na figura 6, que serve de condição inicial para os estudos do escoamento gás-sólido a diferentes razões de carga .

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Fig. 6 - Perfil de velocidade para a fase gás em regime permanente para o caso 2. Fig. 6 - Velocity profile for the gas phase, in permanent regime, for the case 2. Velocidades de entrada iguais a 6.7 m/s foram usadas neste estudo, sendo possível observar velocidades máximas de 13.4 m/s nas regiões centrais do tubo. Situações bifásicas com várias razões de carga estão sendo analisadas e dependem de um tempo de processamento numérico bastante superior ao caso monofásico, de forma a garantir uma solução estável e em regime permanente. Estes casos serão analisados em profundidade na dissertação. 5.2. Visualização Científica Animações parciais do escoamento gás-sólido para os casos 1 e 2 podem ser observadas nas figuras a seguir (figs. 7 e 8). Nestas figuras mostram-se os perfis de fração volumétrica de sólidos e velocidade da fase gasosa para os casos 1 e 2.

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Fig. 7 - Perfis de fração volumétrica de sólidos e velocidade da fase gás para o caso 1. Fig. 7 - Solid volume fraction profile and gas phase velocity for the case 1.

Fig. 8 - Perfis de fração volumétrica de sólidos e velocidade da fase gás para o caso 2. Fig. 8 - Solid volume fraction profile and gas phase velocity for the case 2. Observa-se, nas figuras 7 e 8, que o sólido, ao entrar na seção de estudo, acumula-se na região logo após a curva de entrada, caracterizando uma região de alta perda de carga. No decorrer do escoamento, este sólido vai sendo redistribuído ao longo da seção transversal. No caso mostrado na figura 7, após ocorrer a redistribuição do sólido, este é depositado na parede inferior do duto, devido a efeitos da força de campo gravitacional. Já na figura 8, o sólido tem um maior acúmulo na região inversa à região de acúmulo na entrada, devido aos efeitos de escoamento observados. Nas figuras 9 e 10 são mostrados os resultados obtidos após a simulação dos casos industriais, casos estes referentes ao escoamento gás-sólido diluído a partir do forno para o calcinador numa indústria de cimento, sem e com a curva autolimpante, respectivamente.

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Fig. 9 - Perfis de fração volumétrica da fase sólida e velocidade da fase gasosa para o caso 3. Fig. 9 - Volume fraction profile for the solid phase and gas phase velocity for the case 3.

Fig. 10 - Perfis de fração volumétrica da fase sólida e velocidade da fase gasosa para o caso 4. Fig. 10 - Volume fraction profile for the solid phase and gas phase velocity for the case 4. Observa-se, nos estudos realizados, que a curva autolimpante provoca uma redistribuição das partículas na seção transversal. Estas são arremessadas para o seio da fase gás, fazendo com que sejam transportadas adiante, evitando que um grande número de partículas seja depositado na parede do duto inferior do duto, como observado na figura 9. Campos de maior velocidade são observados no interior da fase gás para a figura 10, devido aos efeitos da curva autolimpante, facilitando, desta forma, o arraste das partículas ao longo do duto.

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6. CONCLUSÕES A análise dos resultados permitiu obter as seguintes conclusões: O modelo invíscido, considerando-se os efeitos geométricos tridimensionais e o transiente, permitem predições realistas dos campos de velocidade e fração volumétrica para o escoamento gás-sólido diluído, tanto em tubulações horizontais quanto em verticais. A aplicação do modelo para uma situação real em escala industrial forneceu uma explicação fenomenológica para o uso de curvas autolimpantes, relacionada a efeitos de redistribuição das frações volumétricas na seção transversal do tubo. Há necessidade de um aprofundamento nos estudos de corroboração do modelo tridimensional transiente e invíscido para um maior número de casos experimentais. O uso de ferramentas de fluidodinâmica computacional mostrou-se eficiente no presente estudo, de escoamento gás-sólido diluído em tubulações horizontais e verticais. REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS (1) LUN, C. K. K. (2000), “Numerical simulation of dilute turbulent gas-solid flows”, Internacional Journal

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in a vertical pipe”, J. Fluid Mech., Vol 139, p.417-434. (3) AKILLI, H.; LEVY, E. K.; SAHIN, A. (2001), “Gas-solid flow behavior in a horizontal pipe after a 90º

vertical-to-horizontal elbow”, Powder Technology, Vol 116, p.43-52. (4) NGUYEN, A. V.; FLETCHER, C. A. J. (1999), “Particle interaction with the wall surface in two-phase

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(9) PATANKAR, S. V. (1980), A calculation procedure for two-dimensional elliptic situations, Numerical

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