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A INFLUÊNCIA DA ESPIRITUALIDADE NO PROCESSO DE LUTO(A)THE INFLUENCE OF SPIRITUALITY IN THE MOURNING PROCESS
Karini Callegari Mazocco–[email protected] Fernanda da Silva–[email protected]
Pamela Akemi Benfica Matsui–[email protected] do Curso de Psicologia – Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium
Orientador Profº Me. Rodrigo Feliciano Caputo – Unisalesino – [email protected]
Orientadora Profª Ma. Jovira Maria Sarraceni – Unisalesino–[email protected]
RESUMO
Este trabalho teve como objetivo pesquisar se existe ou não a influência da espiritualidade diante do processo de enfrentamento de luto, e se existe como ela acontece. Para a realização deste estudo foram entrevistadas seis pessoas que perderam algum ente querido no período entre um mês até um ano e dois meses, consideradas com alguma espiritualidade e que possuíssem vínculo com o falecido, para verificar isso utilizou-se a escala de espiritualidade – DSES e a escala de apego adulto – E.A.A., a qual foi adaptada de acordo com a necessidade da pesquisa. Como referencial teórico lançou-se mão da abordagem fenomenológica-existencial, da qual propôs um olhar para as vivências de perda de cada participante, considerando cada experiência como única para o ente do ser-no-mundo. Os resultados mostraram que emergiram quatro categorias principais: “vínculo”; “implicações frente ao luto: morte súbita e anunciada”; “ausência presente” e “espiritualidade: um modo de enfrentamento do luto”. Tais categorias revelam a influência da espiritualidade no processo de superação do luto.
Palavras-chave: Morte. Luto. Espiritualidade.
ABSTRACT
This study aimed at investigating if there is some spirituality influence in the face of mourning process, and in case of affirmative answer, how it happens. It was interviewed six people who lost loved ones between one month to one year and two months, and considered with some level of spirituality and that had a close relationship with the deceased. We applied the daily spirituality experience scale - DSES and adult attachment scale – AAS to understand the level of spirituality and notice adult attachment in each participant. The study presents a theoretical framework of existential phenomenology approach, which proposed a look at the experiences of loss of each participant, considering each experience as unique to the being of being-in-the-World. The results showed four major categories: “bond”; “implications about mourning: sudden and announced death”; "the present absence" and "spirituality: a way of coping with mourning". These categories showed the influence of spirituality in the mourning process.
Keywords: Death. Mourning. Spirituality.
Universitári@ - Revista Científica do Unisalesiano – Lins – SP, ano 7, n.15, jul-dez de 2016
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INTRODUÇÃO
Pouco se fala sobre morte no ocidente. Este assunto tornou-se ao longo dos
anos menos discutido e familiarizado se comparado aos tempos mais antigos. Nessa
perspectiva o modo como as pessoas vivenciam o luto também mudou, sendo quase
extirpado à sociedade a expressão de tristeza do sofrimento através das roupas
pretas e da introspecção daquele que sente a dor, a qual é vivida de forma mais
escondida, sem ser demonstrada com muita intensidade. A morte então aparece
como um mistério, do qual ninguém volta para contar aos que ficam o que há no
mundo dos mortos (ARIÈS, 2012).
A pessoa que perde alguém querido, rompendo os vínculos afetivos, passa a
buscar novo sentido para sua vida, onde a espiritualidade aparece a muitos como
uma possibilidade de esperança, já que se caracteriza como uma busca de sentido
da vida universal, não necessariamente sendo vinculada ao divino, a qual traz
conforto e esperança a pessoa que a busca (BOFF, 2013).
A Psicologia como ciência que estuda o homem em sua totalidade, vem
abrindo espaço para discussões acerca da espiritualidade, com o objetivo de
compreender melhor sua interface na vida cotidiana das pessoas. Sendo a morte
uma certeza diante da vida e a espiritualidade um fator próprio do ser humano, é
importante estudá-los e compreendê-los (KOENIG, 2007; PAIVA, 2005).
Dessa forma, o interesse pelo tema surgiu diante do mistério que rodeia a
morte e pela confusão que ainda se faz quando se fala de espiritualidade, que é um
termo muito abrangente. Reflexões sobre o assunto, trouxeram a questão que
norteia o presente trabalho: “a espiritualidade influencia no processo de luto? ”.
Os objetivos do trabalho foram averiguar a interferência da espiritualidade no
enfrentamento do luto e compreender de que modo essa influência acontece na vida
do enlutado.
1 MORTE E LUTO
A vida é estar no mundo (ser-no-mundo), por isso pode-se dizer que “a morte
é um fenômeno da vida” (HEIDEGGER, 2005 b, p. 28) da qual quem vive está
sujeito a não viver mais. Ao pensar nesse fenômeno da vida, é possível visualizar o
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impacto que traz a morte para a pessoa querida que fica, a quebra dos vínculos, as
tentativas de ressignificação da vida deste que foi deixado pelo moribundo.
Heidegger (2005 a), ao remeter-se ao ente e suas possibilidades de ser
(existir) como pre-sença, mostra que este também é ser-para-a-morte e a partir da
forma que compreende existencialmente a morte passa a refleti-la em seus cultos
fúnebres.
Nisso, o homem, ao tomar consciência de sua finitude, passa a procurar
respostas para sua existência e também para o fim dela, “de onde vim?”, “o que
sou?”, “para onde vou?”. Todavia, a morte continua sendo um mistério, apesar de o
homem já ter realizado grandes feitos históricos e grandes descobertas científicas,
pois ela é marcada pela apreensão e, consequentemente, pela insegurança que
surge diante daquilo que não se conhece. Esses atributos sobre a morte desafiam
as distintas culturas, filosofias, artes e religiões (CAPUTO, 2008).
O luto é caracterizado por uma reação a perdas importantes, não
necessariamente apenas à perda de um ente querido, mas também de qualquer
coisa que seja significativa.
Diante disso, o luto pode ser conceituado “como uma crise, porque ocorre um
desequilíbrio entre a quantidade de ajustamento necessário de uma única vez”
(BROMBERG, 1996, p. 104). Fukumitsu (2013, p. 31) coloca que o luto é “um
processo dinâmico no qual o enlutado, primeiramente, volta-se para a perda e busca
o objeto perdido”, já que a dor de perder algo ou alguém gera uma sensação
desagradável e angustiante para a pessoa.
“Nessa perspectiva, a elaboração do luto funciona como uma espécie de
processo de cura, que termina com o restabelecimento da pessoa e a retomada do
equilíbrio abalado” (MATOS-SILVA, 2011, p. 51). A quebra de um elo significativo
entre uma pessoa e seu ente querido pode torna-se tão desorganizador, que se faz
necessário o processo de luto para a recuperação do lutuoso.
2 ESPIRITUALIDADE
Como o ser humano está em constante movimento podemos dizer que
grande parte de nós, senão todos, buscamos pelo sentido da vida, pelo menos em
algum momento dela e a espiritualidade faz parte desta busca.
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Espiritualidade é uma expressão para designar a totalidade do ser humano enquanto sentido e vitalidade, por isso espiritualidade significa viver segundo a dinâmica profunda da vida. Isso significa que tudo na existência é visto a partir de um novo olhar onde o ser humano vai construindo a sua integralidade e a sua integração com tudo que o cerca (MULLER, 2004, p.8).
Souza (2012) afirma que a espiritualidade é uma das fontes de regeneração,
de avivamento, ânimo, força e esperança que todo o ser humano procura e vai além
do campo da religião, que é mais firmado em dogmas e rituais.
Para Muller (2004), compreende-se a espiritualidade como não sendo um
estado, mas uma forma de viver e não é possível ignorar que na sociedade moderna
há uma busca pela crença espiritual. Essa busca não é compreendida como uma
meta, mas como uma forma de dar sentido para aquilo em que se crê. Com isso a
espiritualidade beneficia a mente e o corpo, garantindo um equilíbrio existencial ao
homem, pois pode proporcionar uma nova forma de encarar os obstáculos e
dificuldades que a vida oferece.
O término da vida, principalmente em se tratando de uma pessoa muito
próxima ao enlutado, a espiritualidade tende a surgir como forma de amparo ao
indivíduo, já que esta pode ser definida como um exercício que colabora para
a expansão da vida, para relações de abertura, para a subjetividade e a elevação
como forma de ser (BOFF, 2013).
3 METODOLOGIA
Este estudo consiste em uma pesquisa exploratória, já que investigações
relativas ao luto e a espiritualidade são incipientes e tal modalidade de pesquisa
permite maior familiaridade das pesquisadoras com o fenômeno investigado. A
questão desta pesquisa foi averiguar se a espiritualidade influencia no processo de
luto e se influencia, como interfere na vida das pessoas que estão vivenciando o
luto.
O método lançado mão foi o clínico-qualitativo por se tratar de acordo com
Marconi e Lakatos (2010) de uma relação íntima entre pesquisador e pesquisado,
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onde o pesquisador precisa estar atento a fala espontânea da pessoa e para suas
questões pessoais.
Participaram da pesquisa seis pessoas residentes da área urbana da cidade
de Lins-SP e região, com idade entre 20 e 70 anos, abrangendo diferentes faixas
etárias e que perderam entes queridos a mais de um mês e menos de um ano e dois
meses. Esse tempo foi considerado pelas pesquisadoras, pois em até um ano de
perda o enlutado vive, pela primeira vez, datas comemorativas sem o falecido,
sendo então algo desconhecido a ser enfrentado.
Além dessas características, os participantes possuíam ligações emocionais
significativas, conforme apontou a Escala de Apego Adulto (E.A.A) aplicada nos
participantes, essa foi desenvolvida por Collins e Read (AUGUSTIN, 2010). Os
investigados também foram considerados espiritualizados, conforme indicação da
Escala de Experiência Espiritual Diária (DSES) (traduzido por Oliveira, 2011). A
aplicação destas escalas se deu, pois dentre outros fatores o grau do vínculo é um
diferencial importante na instalação e elaboração do luto; bem como detectar se os
investigados são espiritualizados é de suma importância na realização desta
investigação.
Optou-se pela utilização da entrevista semiestruturada, que segundo Vianna
(2001) é elaborada a partir de um roteiro flexível que possibilita à ampliação e
enriquecimento da fala, deixando assim o entrevistado à vontade para discorrer
sobre suas questões. Assim, foi realizado um roteiro norteador a fim de facilitar a
narrativa dos depoentes quanto ao tema em questão, sendo que tal roteiro foi
aprimorado por meio de uma entrevista piloto.
Ao todo foram realizadas seis entrevistas, sendo que os depoentes tiveram
três encontros com as pesquisadoras, sendo que os dois primeiros encontros
antecederam as entrevistas, pois visaram à formação do vínculo, o qual segundo
Caputo (2014) é importante para que os entrevistados sintam-se mais confortáveis
para relatar as suas vivências relativas ao luto. No último encontro foram realizadas
as entrevistas propriamente ditas, as quais foram gravadas em áudio e os dois
primeiros encontros foram registrados por meio de relatórios, os quais visaram
registrar os dados coletados.
Em um primeiro contato com esses dados lançou-se mão do referencial de
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Meihy (2002) sobre a história oral como inspiração, pois segundo este autor existe
uma diferença entre a língua oral e escrita, e é preciso de um tratamento dos dados
para que a transcrição ocorra de forma que não haja perda de sentido ou de
significado. Ele coloca também que existem três etapas de uma entrevista, sendo a
transcrição, textualização e transcriação. Na transcrição a entrevista será escrita
com as mesmas palavras que estas foram ditas pelo depoente, após isso é preciso
ser feita a textualização, onde retira-se os erros gramaticais e as perguntas, de
forma que o texto possa ficar mais inteligível e por fim faz-se a transcriação, que
tornará a transposição mais literária, de forma a trazer no texto os momentos em
silêncio, as ironias, os gestos, emoções etc.
Esse cuidado em manter os significados no momento da transposição dos
dados, além de trazer uma maior fidelidade ao que foi dito, também acompanha o
zelo com a história do entrevistado, uma vez que tal análise, inspirada no método
fenomenológico-existencial, visa proporcionar um olhar para a existência a partir da
busca do sentido do ser (FEIJOO, 2000).
Assim todos os dados coletados foram tratados para serem, posteriormente,
analisados visando a compreensão do processo de luto dos participantes,
possibilitando então trazer a luz se há ou não a influência da espiritualidade no
caminho trilhado pelo ser enlutado.
4 ANÁLISE DOS DADOS
O que as experiências das perdas por morte, especialmente a morte de um
ente querido, mostram é que precisamos aprender que o ser humano é finito e que
apesar de muito parecer ser onipotente, ele não é. É preciso aprender que a morte
um dia chega para todos e que nós não temos controle nenhum sobre ela. É preciso
aprender que por mais que a morte traga dor, insegurança e medo, ela também traz
consigo uma nova maneira de enxergar o mundo, uma nova maneira de viver diante
da ausência daquele que se tanto apreciava. A morte, depois que a aceitamos,
estabelece uma renovação, uma reelaboração de quem somos e o que gostaríamos
de fazer com o tempo que ainda nos resta. “Dessas elaborações podem surgir
grandes ensinamentos e aprendizados de vida [...], as perdas bem vividas podem
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sim nos tornarem, num segundo momento, pessoas mais amadurecidas e sábias”
(SILVA, 2007, p. 78).
O que as vivências também mostram que existem alguns fatores que fazem
parte da passagem pelo processo do luto. Com isso, no processo de análise
emergiram itens como o vínculo, implicações frente ao luto: morte súbita e
anunciada, ausência presente e espiritualidade: um modo de enfrentamento do luto.
4.1 Vínculo
O vínculo apareceu como um fator significativo na relação entre os
participantes e seus familiares falecidos, pois demonstraram ter forte laço afetivo e
apego a eles, conforme Vento Veemente coloca que era muito dependente do
marido “meu esposo se foi tão inesperadamente... justo ele, o meu companheiro,
pessoa que eu era dependente”. Os participantes diziam e rediziam a importância
que aquela pessoa tinha em sua constituição de ser-no-mundo, uma vez o outro
aparece como aquele que reafirma sua existência. Tal como apontava Heidegger
(2005) o dasein é um ser-com, ou seja, o ser do homem se constitui em grande
parte por meio das relações que estabelece e, talvez, porque não dizer das relações
que por algum motivo se rompem.
Percebemos também que o vínculo não precisa ser necessariamente o tempo
que a pessoa conviveu fisicamente com o ente querido que faleceu, mas se aquilo
que construíram juntos é suficientemente sólido neste relacionamento, capaz até de
lhe causar o vazio da perda, como se uma parte de si mesmo fosse retirada, como
podemos ver no relato abaixo:
Depois de um tempo minha vó teve que voltar para São Paulo... neste momento, nos distanciamos um pouco, mas ainda assim nos falávamos todos os dias pelo telefone... o contato continuou. Quando terminei o ensino médio, voltei a morar em São Paulo com minha avó... ela, agora, me via como um homem e a gente conversava sobre diversos assuntos, porque ela era muito inteligente e me ensinava muitas coisas. Nossas conversas se tornaram racionais e de conhecimento, como são conhecidas as corujas, um animal sábio e inteligente. Eu voltei para Guaiçara novamente, mas a ligação entre nós sempre permaneceu forte (Coruja Vermelha).
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Sendo assim, a morte de um ente querido além de trazer a dor da quebra do
vínculo, desencadeia sentimentos em relação ao término da própria vida, já que a
pessoa pode ter a sensação de que tudo aquilo que ele construiu ao lado do
falecido, também se esvaiu juntamente com sua morte.
O rompimento de um vínculo significativo por morte é quase sempre
impactante, porém o modo como foi cortada a teia que ligava o falecido com o
lutuoso pode tornar o processo de elaboração do luto mais lento ou prolongado,
mais ou menos intenso. Isso ocorre especialmente em casos em que o morto sofreu
pois “as causas e circunstâncias da perda também têm uma importância no
processo de elaboração desta [...] Sabe-se que o estado em que fica o morto, pode
ter fortes influências nas memórias e lembranças, que se tem dele” (KOVÁCS, 1992,
p. 155). Na pesquisa, dos seis entrevistados, quatro lidaram com a perda inesperada
e duas acompanharam ou auxiliaram no processo da doença, indicativa de uma
morte anunciada.
4.2 Implicações frente ao luto: morte súbita e anunciada
A morte inesperada, ou também chamada de súbita acontece sem um aviso
prévio assim como um terremoto desestabiliza as estruturas. Com seus gestos e
através das próprias falas, pôde-se ver o choque deste depoente:
Faz seis meses do falecimento da minha avó, ela tinha 79 anos e morreu de infarto. Ela não morreu de nenhum problema de saúde que ela tinha... então fui pego de surpresa quando fiquei sabendo de sua morte (Coruja Vermelha).
As representações de mortes súbitas que aturdiram os enlutados, segundo
Matos-Silva (2011, p. 63), são mortes que causam uma ruptura muito drástica e não
há tempo para um último adeus, pois a brutalidade com que se perde o laço afetivo,
antes permanente, “evidencia a fragilidade da condição humana”. O autor ainda
coloca que “no luto decorrente da morte súbita, a sensação de ela não ter ocorrido
realmente pode ser ainda mais intensa e prolongada”.
Já a morte anunciada traz o aviso prévio do falecimento, da mesma forma que
um grão de areia escorre pela ampulheta e evidencia o término do tempo. Os
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entrevistados que vivenciaram esse tipo de morte procuraram aproveitar o tempo
que lhes restava com o ente querido:
[...] foi internado em Barretos devido a sua fase terminal do câncer no pâncreas... eu já sabia que ele não iria sobreviver, mas não estava preparada para sua a morte (Andorinha).
[...] eu tirei férias e fiquei 45 dias em casa com ela... eu dava banho, fazia tudo e ficamos bem próximas e eu fazia tudo com amor [...] (Âncora).
Tanto no recebimento de notícias de morte súbita quanto de anunciada os
participantes manifestaram não estarem totalmente preparados para a perda de
alguém tão próximos a eles, gerando sentimento de estranheza de viver com a falta
do outro, “no entanto, aceitar sua inevitabilidade e aprender a lidar com ela poderia
trazer bastante benefício para vida humana” (SOUZA, 2012, p. 21).
4.3 Ausência presente
Foi possível compreender também que independente do tempo do
falecimento, a saudade é demasiada para quase todos os participantes. Para
Kovács (1992), o tempo do luto é volúvel e a característica mais permanente é
solidão.
Franco (2008) a pessoa que passa pelo processo de luto deverá buscar um
novo sentido para suas vivências, consigo e com o mundo, uma vez que
compreendemos esse ser como ser-no-mundo, onde “não há existência sem mundo
e nem mundo sem existência” (JARDIM, 2013, p. 52).Além de encarar a perda, essa
pessoa precisa aprender a viver com a ausência do outro, já que a sua pre-sença no
mundo o torna um ser-com, que simboliza estar em um mundo compartilhado com
os outros e “somente num ser-com e para um ser-com é que o outro pode faltar”
(HEIDEGGER, 2005 a, p. 172).
Eu ainda enfrento o luto, porque tem dia que dói mais... tem dia que eu sinto muito a falta dela... as vezes vejo coisas que ela gostava e lembro dela, não tem como não ficar triste (Âncora, 1 ano e 2 meses).
Daqui alguns dias completará um ano da morte de meu esposo e mesmo depois desse longo período eu não tive coragem de ir ao cemitério para ver
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a homenagem que nossas três filhas fizeram no túmulo... eu ainda não acredito em sua morte (Vento Veemente, 1 ano)
Com esse processo todo, eu não quero ficar dentro de casa, pois tudo me lembra muito a ela, pois é doloroso ter que desempenhar o papel dela, ter que arrumar a casa, cozinhar, cuidar do meu pai (Pétalas de Margarida, 3 meses).
Para a fenomenologia-existencial existe uma viabilidade de reconfiguração do
mundo vivido a partir do findar do outro, mas não existe recolocação, por isso a
incumbência seria a ressignificação da vida do enlutado e não uma suplantação
propriamente dita do luto (FREITAS, 2013).
4.4 Espiritualidade: um modo de enfrentamento do luto
Por fim a espiritualidade aparece como uma luta interna, mostrando que a fé e
a realidade da perda tornaram-se dois polos a serem enfrentados, conforme foi
percebido em algumas entrevistas realizadas, onde relataram terem brigado com
Deus, questionando sua permissão sobre a morte da pessoa querida.
Entre o paradoxo da fé e dos sentimentos, que doem e são sentidos, o vento vem e sopra com força nuances do que sinto e do que devo sentir, hoje mesmo com tantos questionamentos voltei a ir para a igreja... não suportaria tudo isso sem o amor de Deus, porém ainda dói (Vento Veemente).
Franco (2008) coloca que existe alguns fatores que ocorrem na dimensão
espiritual do luto, sendo: sonhos, perda ou aumento de fé, raiva de Deus,
questionamento de valores, dor espiritual e sentir-se traído por Deus.
Identificamos que após entrarem em contato com tais sentimentos, apesar do
conflito gerado entre eles e Deus, falavam dEle como alguém que os auxiliariam
nesse processo, pois nenhum participante deixou de mencionar sua busca, pelo
menos em algum momento, de um refúgio/conforto na fé, mostrando que todos eles
possuem uma inclinação para a espiritualidade.
Sendo assim todos os dados analisados trouxeram um olhar para o
movimento gerado pelo processo de luto, que indicaram que a figura divina está
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sendo o lugar de abrigo para essas pessoas e, portanto, a espiritualidade está sendo
utilizada como alicerce.
CONCLUSÃO
Abordar sobre luto, em primeiro momento, pode causar certo desconforto,
todavia encontrar um ambiente de escuta acolhedora para discorrer sobre a dor
possibilita sentir liberdade e alívio. Diante das inquietações que o findar do falecido
traz, somos envolvidos pela esperança de um futuro com novas possibilidades, que
geram a compreensão do sentido de existir no mundo.
É justamente o assimilar da essência do ser-com-o-outro e com o mundo que
proporciona auto percepção, crescimento e aprendizagem. Reconhecer e respeitar o
ser humano nesta essência é que faz de nós psicólogos mais comprometidos e
sensíveis com a vida.
Adentramos então, no mundo singular e inerente dos indivíduos da pesquisa,
vislumbrando a pessoa em luto e depreendendo o ser em sua existencialidade,
durante as realizações dos encontros, compartilhando com eles suas emoções.
Pudemos apreciar suas lágrimas, sentir seus tons de vozes, constatar suas dores,
mas também admirar suas esperanças.
Para aqueles que sentem que uma parte de si se dissipou junto com o ser
amado, mas ainda assim, permanecem nesse mundo, a esperança brota como a
inevitabilidade de continuar a caminhar mesmo sem o ente querido fazendo parte de
suas vivências.
Tudo isso revela que a espiritualidade pode auxiliar na superação do luto,
facilitando o processo de retomada da vida. Diante disso, pode-se dizer que a
espiritualidade tem interferência muito considerável no processo do luto, pois gera
um conforto no indivíduo que perdeu alguém próximo e querido, sentindo que sua
dor está sendo compreendida e amparada.
Nos sentimos honradas em participar da construção desse processo, que vai
muito além de uma pesquisa, mas se trata de vidas, e com elas trazem suas
bagagens, de sofrimento, dores e alegrias, que de uma forma muito generosa foram
compartilhadas conosco. Foi uma trajetória muito significativa, que jamais
poderemos excluir de nossa vida pessoal e acadêmica.
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Alguns jardins teimam em florescer apesar de algumas flores não exalarem
mais os seus perfumes. Alguns barcos teimam em velejar, mesmo sabendo que as
tempestades podem enfrentar. As lagartas teimam em se tornarem borboletas,
apesar de terem que aprender a voar.
É preciso aprender que apesar de enfrentarmos vivências duras, amargas e
difíceis de esquecer, ainda assim pode valer a pena viver quando se consegue
diante de uma perda ressignificar a vida, encontrando para esta um sentido.
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