universidade vale do rio doce – univale · defined in each case, with the factual analysis of...

57
UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE FACULDADE DE DIREITO, CIÊNCIAS ADMINISTRATIVAS E ECONÔMICAS FADE CURSO DE DIREITO Maria da Conceição Coelho A POSSIBILIDADE DA INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS DECORRENTES DO PROCEDIMENTO DE DESAPROPRIAÇÃO PELO PODER PÚBLICO Governador Valadares - MG 2010

Upload: others

Post on 27-Sep-2020

0 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE – UNIVALE · defined in each case, with the factual analysis of damage to person as well as with the convictions of the justice court . The Moral Damage

UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE

FACULDADE DE DIREITO, CIÊNCIAS ADMINISTRATIVAS E

ECONÔMICAS – FADE

CURSO DE DIREITO

Maria da Conceição Coelho

A POSSIBILIDADE DA INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS

DECORRENTES DO PROCEDIMENTO DE DESAPROPRIAÇÃO PELO

PODER PÚBLICO

Governador Valadares - MG

2010

Page 2: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE – UNIVALE · defined in each case, with the factual analysis of damage to person as well as with the convictions of the justice court . The Moral Damage

MARIA DA CONCEIÇÃO COELHO

A POSSIBILIDADE DA INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS

DECORRENTES DO PROCEDIMENTO DE DESAPROPRIAÇÃO PELO

PODER PÚBLICO

Monografia apresentada ao curso de Direito da Faculdade de Direito, Ciências

Administrativas e Econômicas- FADE, da Universidade Vale do Rio Doce, como requisito parcial para obtenção do título

de bacharel em Direito. Orientador: Prof°. Rogério Paula Miranda

Governador Valadares - MG

2010

Page 3: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE – UNIVALE · defined in each case, with the factual analysis of damage to person as well as with the convictions of the justice court . The Moral Damage

MARIA DA CONCEIÇÃO COELHO

A POSSIBILIDADE DA INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS

DECORRENTES DO PROCEDIMENTO DE DESAPROPRIAÇÃO PELO

PODER PÚBLICO

Monografia apresentada como requisito para obtenção do grau de bacharel em

Direito, apresentada à Faculdade de Direito, Ciências Administrativas e Econômicas – FADE da Universidade do

Vale do Rio Doce.

Governador Valadares, _____ de ______________ de_____

Banca Examinadora:

_______________________________________________ Prof.: Rogério Paula Miranda – Orientador

Universidade Vale do Rio Doce

__________________________________________________

Prof.: ............................................. Universidade Vale do Rio Doce

_______________________________________________

Prof.: ..............................................

Universidade Vale do Rio Doce

Page 4: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE – UNIVALE · defined in each case, with the factual analysis of damage to person as well as with the convictions of the justice court . The Moral Damage

Dedico este trabalho primeiramente a Deus, pois sem Ele,

nada disso seria possível.

Aos meus pais, pilares da minha existência, exemplo de

integridade e luta, ambos no plano superior, mas que na

lembrança transmitiram-me força para que jamais

desistisse dos meus sonhos e objetivos.

Ao meu marido FLAMARYON e meus filhos BRUNO e

IURE, que com carinho, amor e paciência toleram a minha

ausência e não deixaram que eu desistisse.

Page 5: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE – UNIVALE · defined in each case, with the factual analysis of damage to person as well as with the convictions of the justice court . The Moral Damage

AGRADECIMENTOS

A Deus pelo seu amor, pela oportunidade e proteção que me proporcionou na

conclusão do curso.

À minha família e amigos pelo incentivo e apoio dedicado a mim com suas orações e

palavras de conforto.

E aos meus professores e especialmente ao meu orientador, prof. ROGÉRIO, por

terem me ensinado que o saber é a maior dádiva de Deus em nossas vidas.

E aos colegas e amigos, que fiz durante estes anos, que de alguma forma

contribuíram para esta conquista, tornando-a assim mais leve e feliz, a todos vocês:

“Dividi, pois, conosco os méritos desta conquista, porque ela vos pertence, e é tão

vossa quanto nossa”.

Page 6: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE – UNIVALE · defined in each case, with the factual analysis of damage to person as well as with the convictions of the justice court . The Moral Damage

O direito não é uma pura teoria, mas uma força viva. Por isso a justiça sustenta

numa das mãos a balança em que pesa o direito, e na outra a espada de que se serve para defendê-lo. A espada sem a

balança é a força bruta; a balança sem a espada é a impotência do direito.

Rudolf Von Ihering

Page 7: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE – UNIVALE · defined in each case, with the factual analysis of damage to person as well as with the convictions of the justice court . The Moral Damage

RESUMO

O presente trabalho se propôs a verificar a possibilidade de indenização por danos morais decorrentes do procedimento de desapropriação pelo Poder Público no ordenamento jurídico pátrio. O estudo reflete um dos principais cotejos entre direitos

individuais e o interesse público: a contraposição entre o direito real de propriedade do ser humano, assim como o dever de sua inviolabilidade imposto „erga omnes’,

com a função social da propriedade e o interesse público que se trata da função

precípua da Administração Pública. Ambos são valores constitucionalmente previstos, mas que nas complexas relações sociais sempre trazem conflitos a serem analisados e solucionados pelos intérpretes do Direito. O procedimento de

desapropriação demonstra a possibilidade de o Estado interferir na propriedade privada em benefício da coletividade desde que seja observado o devido procedimento legal e que se indenizem de forma justa aqueles indivíduos cujos bens

estejam sendo alvo de restrição. O conceito de „justa indenização‟ não está disciplinado em nenhuma norma jurídica do nosso ordenamento, sendo uma expressão inteiramente subjetiva a ser definida em cada caso concreto, contando

com a análise fática de prejuízos causados à pessoa assim como com as convicções de justiça do juiz. O Dano Moral, por sua vez apresenta diversos conceitos trazidos pela doutrina, mas é pacífico que ele reside no sentimento interior do indivíduo para

com ele mesmo e para com a sociedade. Essa pesquisa demonstra a evolução de diversos conceitos jurídicos que implicam na assunção de um direito novo, em que o dano é reparado tanto em seu aspecto material quanto moral. Defende, portanto que

a desapropriação, como modalidade de extinção do direito de propriedade do particular, pode gerar não só um dano material, dado a repercussão na órbita patrimonial do indivíduo, mas igualmente em sua esfera moral já que a extinção

forçada do direito de propriedade do administrado pode lhe causar profundos gravames, que não se esgotam com a sua sub-rogação no valor econômico expropriado.

Palavras chave: Indenização. Dano moral. Desapropriação. Poder Público.

Page 8: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE – UNIVALE · defined in each case, with the factual analysis of damage to person as well as with the convictions of the justice court . The Moral Damage

ABSTRACT

This study aimed to verify the possibility of compensation for moral damages

resulting from the procedure of expropriation by the government in Brazilian law. The

study reflects one of the main comparison between individual rights and public

interest: the opposition between the real right of ownership of human beings, as well

as the inviolability of its tax obligation "erga omnes", with the social function of

property and public interest that addresses the primary function of public

administration. Both values are constitutionally provided for, but that the complex

social relations always bring conflicts to be analyzed and solved by the interpreters of

the law. The procedure of expropriation demonstrates the ability of the state

interfering in private property for the benefit of the community they must observe the

proper legal procedure and that damages awarded fairly those individuals whose

assets are being subject to restriction. The concept of 'just compensation' is not

disciplined in any rule of law in our land, being an entirely subjective term to be

defined in each case, with the factual analysis of damage to person as well as with

the convictions of the justice court . The Moral Damage in turn presents various

concepts brought by the doctrine, but it is undisputed that he is the individual's inner

feelings to himself and to society. This research demonstrates the evolution of

various legal concepts that imply the assumption of a new right, where the damage is

repaired in both its material and moral aspect. Believes therefore that the

expropriation as a means of extinguishing the right of private property, may not only

material damage, given the impact of the individual assets in orbit, but also in its

moral sphere as the forced extinction of ownership the administered can cause you

profound liens, which are not exhausted by its subrogation on the economic value

expropriated.

Keywords: Indemnity. Damage. Expropriation. Government.

Page 9: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE – UNIVALE · defined in each case, with the factual analysis of damage to person as well as with the convictions of the justice court . The Moral Damage

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 9

2 ASPECTOS GERAIS E FUNDAMENTOS JURÍDICOS DOS DANOS MORAIS 12

2.1 A GÊNESE E A EVOLUÇÃO DOS DANOS MORAIS ......................................... 15

2.2 DANOS PATRIMONIAIS E EXTRAPATRIMONIAIS ........................................... 19

2.3 A RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO ESTADO...................................22

3 ASPECTOS GERAIS E FUNDAMENTOS JURÍDICOS DO PROCEDIMENTO DE DESAPROPRIAÇÃO ................................................................................................... 25

3.1 A EVOLUÇÃO DO DIREITO DE PROPRIEDADE E DO PROCEDIMENTO DE DESAPROPRIAÇÃO NO BRASIL ............................................................................... 28

3.2 PRESSUPOSTOS E FASES DA DESAPROPRIAÇÃO ...................................... 32

3.3 DETERMINAÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO ......................................... 36

4 A POSSIBILIDADE DA INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS DECORRENTES DO PROCEDIMENTO DE DESAPROPRIAÇÃO ....................................................... 39

4.1 POSICIONAMENTOS DOUTRINÁRIOS CONTRÁRIOS .................................... 43

4.2 VISÃO JURISPRUDENCIAL E CASUÍSTICAS....................................................46

4.3 A POSIÇÃO DOS TRIBUNAIS SUPERIORES .................................................... 48

5 METODOLOGIA ..................................................................................................... 51

6 CONCLUSÃO ......................................................................................................... 52

REFERÊNCIAS ............................................................................................................ 54

Page 10: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE – UNIVALE · defined in each case, with the factual analysis of damage to person as well as with the convictions of the justice court . The Moral Damage

9

1 INTRODUÇÃO

O inciso XXIV do artigo 5º da Constituição Federal do Brasil claramente

expressa que “A lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por

necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia

indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição.”

Inciso importante no ordenamento brasileiro, pois assegura ao proprietário

cujo bem será desapropriado o direito a um procedimento específico estabelecido na

lei, assim como à indenização prévia e justa pelos danos sofridos com a perda de

sua propriedade.

Especificamente com relação à desapropriação, o preceito constitucional

regulador da matéria é claro ao determinar que o Poder Público, ao realizar a

desapropriação, deverá oferecer ao particular uma justa indenização.

No entanto, a despeito de se assegurar o direito à reparação, tormentosa

questão surge no momento de se apurar o „quantum’ indenizatório, ou seja, o valor

da indenização. Principalmente naquilo que é relativo ao seu atributo “valor justo”.

O conceito de „justa indenização‟ não está disciplinado em nenhuma norma

jurídica do nosso ordenamento, sendo uma expressão inteiramente subjetiva a ser

definida em cada caso concreto, contando com a análise fática de prejuízos

causados à pessoa, assim como com as convicções de justiça do juiz.

Esse ideal de Justiça, portanto, deve ser buscado, prioritariamente, para

que se atenda ao disposto na Magna Carta. Entretanto, sabe-se da complexidade de

se enfrentar o conceito de Justiça. O que se pode entender por justo, num dado

momento histórico-político, pode facilmente vir a ser tido como injusto em diferente

conjuntura.

No curso do processo judicial relativo à desapropriação, só podem ser

discutidas questões que digam respeito ao preço ou a vício processual. É o que

determina o artigo 20 do Decreto-lei nº. 3.365/41 que regulamenta o procedimento

de desapropriação, nos seguintes termos: “A contestação só poderá versar sobre

vício do processo judicial ou impugnação do preço; qualquer outra questão deverá

ser decidida por ação direta”.

Esse dispositivo completa-se com a norma do artigo 9º, que veda ao Poder

Judiciário, no processo de desapropriação, decidir se verificam ou não casos de

utilidade pública.

Page 11: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE – UNIVALE · defined in each case, with the factual analysis of damage to person as well as with the convictions of the justice court . The Moral Damage

10

Sendo possível, portanto, discutir no processo o valor da indenização, resta

saber qual ou quais os parâmetros serão utilizados pelos juízes para a determinação

dessa reparação. Limita-se ela a reparar os danos materiais sofridos pelo

desapropriado ou abrangeria ainda aqueles danos de ordem moral que sofreu em

decorrência da perda do bem?

De tudo o exposto, portanto, a presente pesquisa procura responder ao

seguinte questionamento: é possível que no procedimento de desapropriação

realizado pelo Poder Público se inclua no valor da indenização obrigatória a

reparação por danos morais sofridos pelo desapropriado?

Apresenta como objetivos aprofundar a disciplina normativa dos danos

morais no ordenamento jurídico nacional e analisar as conseqüências do

procedimento de desapropriação realizado pelo Poder Público para, por fim, chegar

ao seu objetivo geral, ou seja, avaliar a possibilidade da indenização por danos

morais decorrentes do procedimento de desapropriação realizado pelo Poder

Público no ordenamento jurídico brasileiro.

Apesar de ser o tema atual e estar devidamente consolidado pela

Constituição Federal, o direito moral ainda exige um estudo mais acurado,

principalmente porque certas questões pertinentes ao instituto ainda não se

encontram devidamente pacificadas, como é o caso da caracterização do dano e do

quantum indenizatório.

O tema passa nesse momento por uma reciclagem de conceitos, depois de

sua positivação através do texto constitucional. Agora o enfrentamento jurídico

passa a ser com a disciplina do uso do instituto, visto que a demanda reprimida que

existia, levava à sua aplicação sem uma uniformidade de critérios.

A necessidade de estudar o dano moral e sua aplicação no procedimento de

desapropriação está ligada diretamente à decidibilidade e justiça do caso concreto,

restando, portanto, a sua importância.

Justifica-se, dessa forma, a pesquisa o fato de que o tema relativo aos

danos morais em sede de desapropriação desperta polêmica e a jurisprudência

ainda não se posicionou com um enfoque atualizado. Os resultados obtidos nesta

pesquisa poderão constituir diretrizes para os responsáveis pela aplicação e

interpretação da lei

A reparabilidade do dano moral possui pacífica aceitação, mas requer uma

interpretação inovadora da legislação de modo a propiciar a aplicação dos direitos

Page 12: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE – UNIVALE · defined in each case, with the factual analysis of damage to person as well as with the convictions of the justice court . The Moral Damage

11

constitucionalmente previstos, como o da propriedade privada e da justa indenização

nos casos de desapropriação e ainda de princípios como o da dignidade da pessoa

humana.

A ausência de estudos doutrinários específicos que contemplem o tema em

questão demonstra a necessidade de se desenvolver pesquisas nessa área do

conhecimento. Daí decorre outra relevância do estudo tendo em vista a possibilidade

de apresentar significativa contribuição ao entendimento do problema.

É preciso, portanto, fazer uma nova leitura do direito civil e incluir no instituto

da „justa indenização‟ do procedimento desapropriatório a proteção ao dano moral

suportado. A responsabilidade civil Estatal nos casos de desapropriação e reparação

deve, então, não mais visar responder conflitos de ordem estritamente materiais.

Deve visar a uma efetiva resposta na tutela do indivíduo, na qual o Poder

Público precisa indenizar o desapropriado sempre que esse procedimento causar

qualquer atentado à reputação da pessoa, à sua autoridade legítima, ao seu pudor,

à sua honra, à sua segurança e tranqüilidade, ao seu amor próprio, à integridade de

sua inteligência, a suas afeições, etc.

Enfrentar a indagação dessa possibilidade e defender uma alteração

fundamental, que deve ocorrer em sede de desapropriações, trazendo à tona o

instituto do dano moral e a sua compatibilização e inserção no conceito de “justa

indenização” justifica a pesquisa.

Page 13: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE – UNIVALE · defined in each case, with the factual analysis of damage to person as well as with the convictions of the justice court . The Moral Damage

12

2 ASPECTOS GERAIS E FUNDAMENTOS JURÍDICOS DOS DANOS MORAIS

O ordenamento jurídico brasileiro não apresenta uma definição de dano

moral. A sua aceitação repousa em uma interpretação sistemática do nosso direito e

cada doutrinador apresenta um conceito diferente, mas que de uma forma geral

reflete sempre o sentimento interior do indivíduo para com ele mesmo e para com a

sociedade.

Para o professor Yussef Said Cahali, um dos maiores estudiosos do dano

moral no Brasil:

Dano moral é a privação ou diminuição daqueles bens que têm um valor precípuo na vida do homem e que são a paz, a tranqüilidade de espírito, a liberdade individual, a integridade individual, a integridade física, a honra e os demais sagrados afetos, classificando-se desse modo, em dano que afeta a parte social do patrimônio moral (honra, reputação, etc.) e dano que molesta a parte afetiva do patrimônio moral (dor, tristeza, saudade, etc.), dano moral que provoca direta ou indiretamente dano patrimonial (cicatriz deformante, etc.) e dano moral puro (dor, tristeza, etc.) (CAHALI, 1998, p. 20).

O jurista luso, professor Inocêncio Galvão Telles, por sua vez, apresenta o

seguinte conceito:

Dano moral se trata de prejuízos que não atingem em si o patrimônio, não o fazendo diminuir nem frustrando o seu acréscimo. O patrimônio não é afetado nem passa a valer menos, nem deixa de valer mais. Há a ofensa de bens de caráter imaterial, desprovidos de conteúdo econômico, insusceptíveis verdadeiramente de avaliação em dinheiro. São bens como: a integridade física, a saúde, a correção estética, a liberdade e a reputação. A ofensa objetiva desses bens tem, em regra, um reflexo subjetivo na vítima traduzido na dor ou sofrimento, de natureza física ou de natureza moral. Violam-se direitos ou interesses materiais, como quando se pratica uma lesão corporal ou um atentado à honra. Em primeira linha causam-se danos não patrimoniais como os ferimentos ou a diminuição da reputação, mas em segunda linha podem também causar danos patrimoniais como as despesas de tratamento ou a perda de emprego (TELLES, 1989, p. 375).

Segundo Diniz (1998, p. 81), dano moral seria “a lesão de interesses não

patrimoniais de pessoa física ou jurídica, provocada pelo fato lesivo” e Silva (1993,

p. 13), o dano moral é “o conjunto de tudo aquilo que não seja suscetível de valor

econômico".

Page 14: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE – UNIVALE · defined in each case, with the factual analysis of damage to person as well as with the convictions of the justice court . The Moral Damage

13

Arnoldo Wald demonstra que:

Dano é a lesão sofrida por uma pessoa no seu patrimônio ou na sua integridade física, constituindo, pois, uma lesão causada a um bem jurídico, que pode ser material ou imaterial. O dano moral é o causado a alguém num dos seus direitos de personalidade, sendo possível a cumulação da responsabilidade pelo dano material e pelo dano moral (WALD, 1989, p. 407).

Por fim, para Bittar (1993, p. 24) "são morais os danos e atributos valorativos

(virtudes) da pessoa como ente social, ou seja, integrada à sociedade (como, v.g., a

honra, a reputação e as manifestações do intelecto)".

Verifica-se, portanto, por todos os conceitos apresentados que o

entendimento acerca do Dano Moral é indefinido. No entanto, percebe-se que o

ponto comum entre eles é que toda lesão não patrimonial que venha a sofrer o

indivíduo e que cause repercussão no seu interior é, em tese, passível de reparação.

A evolução por que passou a disciplina dos danos morais no Brasil e no

mundo foi de extrema importância para que esse instituto pudesse ser

fundamentado juridicamente e utilizado como argumentação para a obrigação de se

reparar os danos causados à personalidade dos indivíduos.

No ordenamento brasileiro não existe um diploma normativo específico que

discipline os danos morais. Mas embora esse instituto esteja presente em

legislações esparsas, o reconhecimento de sua existência e aplicação já é

pacificado no direito positivo.

Assim é que a Constituição Federal ao tratar de forma límpida dos direitos e

garantias fundamentais em seu artigo 5º, expressou nos incisos, V e X o seguinte:

Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; [...] X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação (BRASIL, 1988).

Page 15: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE – UNIVALE · defined in each case, with the factual analysis of damage to person as well as with the convictions of the justice court . The Moral Damage

14

O Código de Defesa do Consumidor (Lei nº. 8.078/90), por sua vez, traz um

grande avanço com relação à disciplina dos danos morais mencionando não apenas

os individuais, mas também os coletivos, em seu artigo 6º, inciso VI a seguir:

“Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

[...] VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais,

individuais, coletivos e difusos” (BRASIL, 1990).

A Lei n°. 8.884/94 modificou o artigo 1º da sua antiga redação, ou seja, da

Lei n°. 7.347/85 (Lei de Ação Civil Pública), introduzindo os adjetivos morais e

patrimoniais, que antes limitava-se a fazer referência à responsabilidade por danos.

Assim nos termos do artigo 1° da lei:

Art. 1º - Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados: I - ao meio-ambiente; II - ao consumidor; III - à ordem urbanística; IV – a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; V - por infração da ordem econômica e da economia popular (BRASIL, 1985).

O Novo Código Civil Brasileiro (Lei nº. 10.406 de 10 de Janeiro de 2002) em

seu artigo 186 também faz referência ao dano moral ao normatizar os atos ilícitos:

“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou

imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral,

comete ato ilícito” (BRASIL, 2002).

Além desse importante artigo o Novo Código Civil estabeleceu no artigo 944

que “a indenização mede-se pela extensão do dano” e no artigo 946 que nos casos

de obrigação indeterminada, como no dano moral, na ausência de lei ou contrato

disposição, as perdas e danos serão apurados na forma determinada pela lei

processual e tratou no parágrafo único do artigo 953 e no caput o dano moral

decorrente de injúria, difamação ou calúnia e da fixação do valor das suas

reparações por equidade.

Dessa forma, como ainda não existe no direito positivo pátrio

regulamentação que estipule critérios para a fixação dos danos morais, a doutrina

Page 16: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE – UNIVALE · defined in each case, with the factual analysis of damage to person as well as with the convictions of the justice court . The Moral Damage

15

tem considerado a fórmula da discricionariedade e do arbitramento judicial com a

recomendação de bom senso ao julgador.

Criticando essa fórmula e a ausência de critérios Carlos Edison do Rego

Monteiro Filho aborda o tema:

Diz-se, e talvez aqui se verifique unanimidade nestas fórmulas, que o juiz deve arbitrar o valor da reparação prudentemente e, que deve se valer de critérios de razoabilidade; que deve, neste mister, atuar com moderação; que o valor atribuído à vítima deve ser proporcional a seu sofrimento; que tal montante seja suficiente para cobrir-lhe a extensão do dano, mas que não lhe seja fonte de lucro, de enriquecimento, etc. Ora, do que é que está se falando? O que significa cada um destes modelos de razoabilidade? Impõe-se, de pronto, uma constatação fundamental: essas teses servem a todos os tipos de raciocínio. Moldam-se a todo tipo de valor que o magistrado haja por bem arbitrar. Causa, insista-se, enorme perplexidade o fato de cada uma destas fórmulas justificar o arbitramento de qualquer quantia. Utiliza-se do mesmo prudente arbítrio do juiz para determinar valores que vão de 1 a 10 mil salários mínimos (MONTEIRO FILHO, 2000, p. 145).

2.1 A GÊNESE E A EVOLUÇÃO DOS DANOS MORAIS

A reparação por danos causados a terceiros remonta do Direito Romano.

Apesar de não ter fixado regras ou princípios sobre a matéria foi ele o responsável

pela gênese da reparabilidade dos danos morais.

Inicialmente, em especial nos delitos privados, a obrigação de indenizar

estava ao arbítrio do próprio ofendido, através da chamada actio. Ou seja, a

indenização não se tratava de obrigação do ofensor, mas sim de mera faculdade

deste.

No período pré-clássico do Direito Romano, entre 754 a.C. até 126 a.C. a

reparação do dano, inclusive moral, era determinada principalmente através da

interpretatio dos jurisconsultos.

Com a edição da primeira codificação das Leis Romanas (Lei das XVII

Tábuas), em 455 a.C. foram consolidados entre os delitos privados os fatos ilícitos

contra a pessoa, ou seja, regulamentou-se a vingança privada, e o ius civile

contemplava três figuras delituosas:

a) Membrum ruptum: referia-se ao delito de mutilação de um membro do

corpo, para o qual era previsto a punição com a pena de Talião, ou seja,

Page 17: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE – UNIVALE · defined in each case, with the factual analysis of damage to person as well as with the convictions of the justice court . The Moral Damage

16

o autor deveria sofrer a mesma mutilação a que havia dado causa,

deixando-se a critério da vítima a opção de optar pela composição

pecuniária, sem regulamentação legal nesse sentido;

b) Fractum: referia-se a quebra ou fratura de ossos. E por tratar-se de delito

menos grave, a pena de Talião foi substituída pela pena pecuniária no

valor de 300 asses em se tratando de homem livre e 150 asses em se

tratando de escravos;

c) Iniura: consistia em violência leve, que abrangia outras ofensas corporais,

tais como tapas, beliscões, etc, com punição equivalente a 25 asses.

Posteriormente com a adoção do ius honoratium, que eram as criações do

Pretor Peregrino visando regular situações não previstas no ius civile, se abandonou

o antigo conceito de lesão física, passando a abranger também a personalidade

moral, significando esta como difamação, ofensa à honra alheia, surgindo então, o

efetivo instituto do dano moral.

Criou-se assim a actio injuriarum aestimatória, aplicável aos casos de ofensa

à personalidade e físicas, proibindo-se a pena de Talião e ficando a ressarcibilidade

a critério do Pretor. Essa condenação quando concedida, era sempre pecuniária e

tinha como pressuposto a existência de injuria voluntária por parte do ofensor.

Posteriormente, no período pós-clássico, o dano moral sofreu alterações, porém,

sempre com a cominação de uma pena pecuniária.

No Direito Luso, poucas são as referências sobre a instituição do dano

moral, porém nas Ordenações Manuelinas, Livro III, Título 71, parágrafo 31 e,

Filipinas, Livro III, Título 86, parágrafo 16, assim encontra-se sua existência:

E se o vencedor quiser haver, não somente a verdadeira estimação da cousa, mas segundo a affeição que ella havia, em tal caso jurará elle sobre a dita afeição; e depois do dito juramento pode o juiz taxá-lo, e segundo a dita taxação, assim condenará o réu, e fará execução em seus bens, sem outra citação da parte.

1

No Direito Canônico, mais especificamente nas arras esponsalícios,

consagrou-se a reparação dos danos e prejuízos pela ruptura da promessa de

casamento. Em 1983 com a adoção do Novo Código Canônico, caracterizada foi a

indenização por danos morais nos seguintes termos: "Cân. 220 - a ninguém é lícito

1 ORDENAÇÕES MANUELINAS. Promulgada em 1521 por Dom Manuel I. Disponível em

http://www.ci.uc.pt/ihti/proj/manuelinas/ Acesso em 3 de maio de 2010.

Page 18: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE – UNIVALE · defined in each case, with the factual analysis of damage to person as well as with the convictions of the justice court . The Moral Damage

17

lesar ilegitimamente a boa fama de que alguém goza, nem violar o direito de cada

pessoa de defender a própria intimidade" (CÓDIGO DE DIREITO CANONICO,

1983).

A Declaração Universal dos Direitos dos Homens proclamada em 10 de

dezembro de 1948 pela Organização das Nações Unidas, tutelou a honra em seu

artigo 12 proclamando:

Ninguém será objeto de intromissões arbitrárias em sua vida particular, em sua família, em seu domicílio, ou em sua correspondência, nem padecerá, seja quem for, atentados à sua honra e à sua reputação (DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS, 1948).

Já no direito brasileiro, apesar de mais recente, a figura do dano moral

remonta do início do século XX. Mesmo antes da promulgação da atual Constituição

Federal, diversas leis esparsas já previam indenizações pelos danos

extrapatrimoniais causados.

O precursor, Decreto 2.681 de 1912, já no início do século passado,

regulamentou civilmente as estradas de ferro trazendo para o ordenamento jurídico

pátrio a responsabilidade objetiva do fornecedor do serviço: as companhias

ferroviárias. Estabeleceu competência para apuração de lucros cessantes e do dano

moral, quando se tratasse de “deformidade”, inclusive com a característica de tipo

aberto.

O Código Civil de 1916 (Lei nº. 3.071/1916), revogado pelo atual,

regulamentava diversas situações de indenizações por danos, em especial no artigo

1550, quando tratava do dano moral, prevendo a possibilidade de ocorrência deste

para os casos de “ofensa a liberdade pessoal”.

Especificamente na área do dano moral, tratou no artigo 1.547 a indenização

por injúria ou calúnia, estabelecendo a reparação que delas resultasse ao ofendido.

Trouxe um critério de fixação de valor vinculado à multa, pelo dobro, da previsão do

Código Penal para o respectivo crime.

O Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei nº. 4.117/1962) foi o próximo

diploma a tratar do dano moral. Trouxe novidades tais como a tarifação do dano

moral no § 1º do artigo 84; a forma de estimação em decorrência da posição social

ou política do ofendido; a situação econômica do ofensor; a intensidade do ânimo de

ofender; a gravidade e repercussão da ofensa, e ainda, a possibilidade de

Page 19: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE – UNIVALE · defined in each case, with the factual analysis of damage to person as well as with the convictions of the justice court . The Moral Damage

18

“retratação” como forma de atenuar a pena de reparação, independente da ação

penal.

Durante o regime militar foi editado o Código Eleitoral (Lei nº. 4.737/1965)

assegurando além da indenização por dano moral, a não tolerância à propaganda

que apresentasse calúnia, difamação ou injúria e criando o direito de resposta do

ofendido, sem prejuízo da ação penal.

A Lei de Imprensa (Lei nº. 5.250/1967) regulando a liberdade de

manifestação do pensamento e de informação, segue a mesma linha do Código

Eleitoral, estendendo a responsabilidade civil às empresas jornalísticas com a

previsão de ação de regresso destas contra os jornalistas, ofensores e, ainda, a

retração da ofensa.

Em 1973, com a Lei nº. 5.988 de 14 de dezembro, os direitos autorais foram

regulamentados garantindo os direitos morais do autor, tratando de direito à criação

artística. No artigo 28 estabeleceu que os “direitos morais são inalienáveis e

irrenunciáveis”.

A Constituição da República de 1988 acabou com qualquer dúvida acerca da

possibilidade da indenização por danos morais no ordenamento brasileiro ao

disciplinar, de forma límpida, os direitos e garantias fundamentais em seu artigo 5º,

incisos, V e X.

Assim conforme ressalta Melo “a constitucionalização do dano moral

indiscutivelmente inaugurou uma nova fase no direito brasileiro, porquanto

institucionalizou a obrigação de compensar a dor ou a humilhação sofrida pelo

indivíduo em decorrência da prática de ato ilícito”. 2

Atualmente além de constitucionalmente previsto, o dano moral está incluído

em importantes diplomas normativos infraconstitucionais como o Código de Defesa

do Consumidor e o Código Civil, além de ter sido pacificado pela jurisprudência

como na Súmula 37 do Superior Tribunal de Justiça que diz: “são cumuláveis as

indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato”.

A doutrina nacional costuma dividir essa evolução histórica do dano moral no

Brasil em três fases distintas: a) a negativista, em que não se reconhecia o direito à

reparação do dano moral; b) a intermédia, no período de 1966 a 1988, em que a

2 MELO, Nehemias Domingos de. Dano moral coletivo nas relações de consumo . Jus Navigandi, Teresina, ano

8, n. 380, 22 jul. 2004. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5462 Acesso em 03 de maio

de 2010.

Page 20: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE – UNIVALE · defined in each case, with the factual analysis of damage to person as well as with the convictions of the justice court . The Moral Damage

19

reparação passa a ser acolhida em determinados casos, não se admitindo a

cumulação dos danos morais com os danos patrimoniais e c) a positivista, iniciada

em 1988, em que a reparação do dano moral ganha patamar constitucional, dotada

de autonomia e pleno reconhecimento como direito fundamental.

É de se verificar, de tudo o exposto, que desde que o direito passou a ser

codificado a ressarcibilidade por danos morais esteve presente, ainda que

indiretamente, e de outra forma não poderia ser, acabou por ser positivado no direito

brasileiro. Dessa forma, o ordenamento jurídico pátrio tem evoluído ao longo dos

anos na busca do enquadramento normativo das instituições do dano e das suas

respectivas indenizações.

2.2 DANOS PATRIMONIAIS E EXTRAPATRIMONIAIS

A construção de uma ordem jurídica justa – ideal perseguido, eternamente,

pelos grupos sociais – repousa em certas pilastras básicas como na de que a

ninguém se deve lesar. Consequentemente havendo dano na esfera alheia surge a

necessidade de reparação, como imposição natural da vida em sociedade. Ou seja,

assim que aparece a lesão a um bem jurídico protegido, surge a obrigação de

indenizar, que deverá corresponder à reparação integral do dano.

Nesse sentido expressa Bittar:

Pode-se então enfatizar como danos ressarcíveis os prejuízos materiais ou morais sofridos por certa pessoa, ou pela coletividade, em virtude de ações lesivas perpetradas por entes personalizados. Ingressam, assim, na categoria jurídica de danos reparáveis as lesões pecuniárias ou morais experimentadas por alguém, em razão de fato antijurídico de outrem, basicamente, da prática de ato ilícito, ou do exercício de atividades perigosas. Atingem as lesões, pois, aspectos materiais ou morais da esfera jurídica dos titulares de direito, causando-lhes sentimentos negativos; dores; desprestígio; redução ou diminuição de patrimônio; desequilíbrio em sua situação psíquica, enfim, transtornos em sua integridade pessoal, moral ou patrimonial (BITTAR, 1999, p. 31).

Essas responsabilidades de reparação pelo dano causado a outrem são

estudadas no campo da Responsabilidade Civil e podem ter um cunho material

(patrimonial) ou moral (extrapatrimonial). Além disso, podem elas ser cumuladas. É o

que se extrai da interpretação da súmula 37 do Superior Tribunal de Justiça.

Page 21: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE – UNIVALE · defined in each case, with the factual analysis of damage to person as well as with the convictions of the justice court . The Moral Damage

20

A responsabilidade civil pode ser conceituada nos dizeres de Maria Helena

Diniz como:

[...] a aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros, em razão de ato por ela mesma praticado, por pessoa por quem ela responde, por alguma coisa por ela pertencente ou de simples imposição legal (DINIZ, 2008, p. 35).

Por esse conceito pode-se concluir que responsabilidade civil, deriva da

agressão a direito particular, gerando para o agressor o dever de reparação do dano

e/ou o dever de indenizar o ofendido. Deveres esses que podem decorrer de

cláusula contratual estipulada pelas partes ou por imposição legal, como denota os

artigos 186,187 e 927 do Novo Código Civil:

Art. 186 - Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. Art. 187 - Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. [...] Art. 927 - Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem (BRASIL, 2002).

Tendo em vista os dispositivos constantes no diploma que regula as

relações civis, a doutrina costuma listar quatro requisitos para a ocorrência da

responsabilidade civil. São eles: a conduta comissiva ou omissiva do agente, o dano

à esfera patrimonial ou moral de outrem, o nexo de causalidade entre a conduta e o

dano e, por fim, a culpa em qualquer uma de suas modalidades (imprudência,

negligência ou imperícia) ou dolo do agente. Isto quando se tratar de

responsabilidade subjetiva, pois na objetiva não se perquire de culpa ou dolo no

momento de praticar a ação danosa, como é o caso da responsabilidade civil do

Estado em razão de comportamentos danosos em suas relações com os

administrados. Modalidade de responsabilidade que será analisada no próximo

tópico devido a sua importância para o presente estudo.

Voltando à distinção os danos patrimoniais são aqueles que geram um

prejuízo material evidente e determinado à esfera patrimonial de um indivíduo ou de

uma coletividade. Ou seja, possui repercussão direta no mundo físico causando

Page 22: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE – UNIVALE · defined in each case, with the factual analysis of damage to person as well as with the convictions of the justice court . The Moral Damage

21

prejuízo econômico. Nesse caso a providência é a tentativa de reparação dos

prejuízos por parte de quem os ocasionou se estes já estiverem consumados.

Dessa forma, o dano material é a lesão concreta que afeta um interesse

relativo ao patrimônio da vítima. Consiste na perda ou deterioração total ou parcial,

dos bens materiais que lhe pertencem, sendo suscetível de avaliação pecuniária e

de indenização pelo responsável. Constituem danos patrimoniais a privação do uso

da coisa, os estragos nela causados, a incapacitação do lesado para o trabalho, a

ofensa a sua reputação, quando tiver repercussão na sua vida profissional ou em

seus negócios.

Portanto, se o ataque se dirigir ao bem material, o dano será patrimonial e

que, por si só, será indenizável. No entanto, para que ocorra o dever de indenizar

não bastam um ato ou conduta ilícita e nexo causal; é necessário que tenha havido

decorrente repercussão patrimonial negativa no acervo de bens de quem reclama.

Esse dano patrimonial abrange ainda, não só o dano emergente (o que o lesado

efetivamente perdeu), mas também o lucro cessante (o aumento que seu patrimônio

teria, mas deixou de ter, em razão do evento danoso).

Já o dano extrapatrimonial ou moral, por sua vez, é aquele em que a ofensa

se dá a bem imaterial. É preciso que se agrida direitos da personalidade, com ou

sem reflexos de perda patrimonial. Há correntes que defendem que essa reparação

teria natureza compensatória (ressarcindo a vítima pelos danos sofridos), outras

apontam para uma natureza punitiva (reprimindo o ofensor pelos atos que deram

causa aos danos), e alguns ainda preceituam que a indenização por dano moral

seria mista atendendo às duas funções.

Para Pereira (2005, p. 288):

A idéia de reparação liga-se à noção de patrimônio, pois verificando que a conduta antijurídica do agente provocou-lhe uma diminuição, a indenização traz o sentido de restaurar, de restabelecer o equilíbrio, e de reintegrar-lhe a cota correspondente ao prejuízo.

Porém, segundo o autor, para a fixação do valor da reparação do dano

moral, não será esta a idéia-força. Não é assente na noção de contrapartida, pois

que o prejuízo moral não é suscetível de avaliação em sentido estrito.

Conseguintemente, hão de distinguir-se as duas figuras, da indenização do prejuízo

material e da reparação do dano moral; a primeira é reintegração pecuniária ou

Page 23: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE – UNIVALE · defined in each case, with the factual analysis of damage to person as well as with the convictions of the justice court . The Moral Damage

22

ressarcimento stricto sensu, ao passo que a segunda é sanção civil direta ao ofensor

da reparação da ofensa, e, por isto mesmo, liquida-se na proporção da lesão sofrida.

2.3 A RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO ESTADO

A responsabilidade civil decorre, como analisado, de ação ou omissão,

dolosa ou culposa, cuja conseqüência seja a produção de um prejuízo. A

modalidade que será tratada aqui visa essencialmente a restabelecer pelo

ressarcimento um equilíbrio econômico rompido pelo Pode Público em detrimento de

um particular.

Entretanto, é conhecido que houve longo período na história da humanidade

em que o Estado jamais pagou os danos que seus agentes causavam ao cidadão.

Aliás, nem se cogitava do tema, já que predominava a teoria do direito divino, pela

qual o soberano está acima de quaisquer erros. A infalibilidade do chefe transmitia-

se a seus funcionários. Quando os juristas se conscientizaram do fato criaram a

teoria da irresponsabilidade jurídica.

Para justificá-la seus seguidores se baseavam nas seguintes justificativas:

a) Quando o Estado exige a obediência de seus súditos, não o faz para fins

próprios, mas justamente para o bem deles. Logo, não lhe pode vir

responsabilidade alguma ulterior;

b) Não é justificável a ficção de que os funcionários administrativos sejam

órgãos imediatos do Estado e que, em conseqüência, seus atos devam

ser tidos como atos do Estado. Este só é representado pelo chefe de

Governo. Os funcionários são meros servidores do Estado e, por isso,

seus atos só são de considerar atos do Estado quando este os tiver

ordenado ou reconhecido como tais;

c) As relações jurídicas do mandato não podem ser, por analogia, aplicáveis

aos servidores do Estado;

d) A opinião de que o Estado deve responder pela culpa na escolha do

funcionário não procede, porque, inexistindo nenhum dever jurídico do

Estado quanto à nomeação de funcionários capazes, falece a razão de

responsabilidade do Estado, dada porventura a hipótese de ter havido

menos cuidado a esse respeito.

Page 24: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE – UNIVALE · defined in each case, with the factual analysis of damage to person as well as with the convictions of the justice court . The Moral Damage

23

Contudo, o atual nível de desenvolvimento democrático e humanitário

experimentado pelas sociedades não permite que tal teoria da irresponsabilidade se

sobreponha. Ela é criticada por Guimarães Menegale, nos seguintes termos:

1º) a teoria da ficção legal, superada em nossos dias não justifica a irresponsabilidade do Estado, cuja vontade autônoma se supõe; 2º) o principio geral da culpa in eligendo e in vigilando aplica-se ao Estado, pessoa dotada de capacidade; 3º) o Estado, como ente dotado de personalidade, é sujeito de direito e obrigações (MENEGALE, 1957, p. 502).

Ou seja, os ordenamentos jurídicos evoluíram e hoje atribuem também ao

Estado a responsabilidade pela reparação dos danos causados aos particulares,

uma vez que é visível que, como toda atividade, a da Administração pode causar

danos, o que inclusive, ocorre com muita freqüência.

No Brasil as constituições de 1824 (Art. 179) e de 1891 (Art. 82), já previam

a responsabilização dos funcionários públicos por abusos e omissões no exercício

de seus cargos. Mas a responsabilidade era do funcionário, vingando até aí, a teoria

da irresponsabilidade do Estado.

Durante a vigência das Constituições de 1934 e 1937 passou a vigorar o

princípio da responsabilidade solidária. O lesado podia mover ação contra o Estado

ou contra o servidor, ou contra ambos, inclusive a execução.

Entretanto, a figura da responsabilidade direta ou solidária do funcionário

desapareceu com o advento da Carta de 1946, que adotou o princípio da

responsabilidade objetiva do Estado, com a possibilidade de ação regressiva contra

o servidor no caso de culpa.

Esse alargamento ampliou-se com a Constituição de 1988, que estendeu a

responsabilidade civil objetiva às pessoas jurídicas de direito privado, prestadoras de

serviços públicos, os não essenciais, por concessão, permissão ou autorização.

Assim é que em seu artigo 37 § 6º a Constituição Federal determina:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: [...] § 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa (BRASIL, 1988).

Page 25: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE – UNIVALE · defined in each case, with the factual analysis of damage to person as well as with the convictions of the justice court . The Moral Damage

24

A análise do dispositivo constitucional, portanto, permite inferir que para

ocorrer a responsabilidade objetiva estatal são exigidos os seguintes requisitos: 1)

pessoa jurídica de direito público ou direito privado prestadora de serviço público; 2)

dano causado a terceiro em decorrência da prestação de serviço público (nexo de

causalidade); 3) dano causado por agente, de qualquer tipo; 4) agente aja nessa

qualidade no exercício de suas funções.

Em que pese a aplicação da teoria da responsabilidade objetiva ser adotada

pela Constituição Federal, o Poder Judiciário, em determinados julgamentos, utiliza

a teoria da culpa administrativa para responsabilizar o Estado em casos de omissão.

Assim, a omissão na prestação do serviço público tem levado à aplicação da teoria

da culpa do serviço público (faute du service) nos casos em que o Estado deveria ter

agido e não agiu.

Quanto à reparação do dano, esta pode ser obtida administrativamente ou

mediante ação de indenização junto ao Poder Judiciário. Para conseguir o

ressarcimento do prejuízo, a vítima deverá demonstrar o nexo de causalidade entre

o fato lesivo e o dano, bem como o valor do prejuízo.

Uma vez indenizada a vítima, fica a pessoa jurídica com direito de regresso

contra o responsável, isto é, com o direito de recuperar o valor da indenização junto

ao agente que causou o dano, desde que este tenha agido com dolo ou culpa, ou

seja, a responsabilidade do agente é subjetiva.

A responsabilidade do Poder Público não existirá ou será atenuada quando

surgirem as excludentes da responsabilidade: a força maior e a culpa exclusiva da

vítima. Nestes casos, não existindo nexo de causalidade entre a conduta da

Administração e o dano ocorrido, a responsabilidade estatal será afastada. Cabe ao

Poder Público, entretanto, o ônus de provar a culpa da vítima ou a existência de

força maior.

Dessa forma, quando se tratar de responsabilidade objetiva do Estado, este

só deixará de responder se caso não haja nexo entre seu comportamento e o dano

causado. Na lição de Mello (2002, p. 865) “o Estado exime-se apenas se não

produziu a lesão que lhe é imputada ou se a situação de risco inculcada a ele não

existiu ou foi sem relevo decisivo para a eclosão do dano. Fora daí responderá

sempre”.

Page 26: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE – UNIVALE · defined in each case, with the factual analysis of damage to person as well as with the convictions of the justice court . The Moral Damage

25

3 ASPECTOS GERAIS E FUNDAMENTOS JURÍDICOS DO PROCEDIMENTO DE

DESAPROPRIAÇÃO

A desapropriação é apresentada pela doutrina com os mais variados

conceitos. Alguns adotam um conceito mais elaborado como o apresentado pelo

eminente professor José Carlos de Moraes Salles segundo o qual desapropriação

seria:

Instituto de direito público, que se consubstancia em procedimentos pelo qual o Poder Público (União, Estados-membros, Territórios, Distrito Federal e Municípios), as autarquias ou as entidades delegadas autorizadas por lei ou contrato, ocorrendo caso de necessidade ou de utilidade pública, ou, ainda, de interesse social, retiram determinado bem de pessoa física ou jurídica mediante justa indenização, que, em regra, será prévia e em dinheiro, podendo ser paga, entretanto, em títulos da dívida pública ou da dívida agrária, com cláusula de preservação do seu valor real, nos casos de inadequado aproveitamento do solo urbano ou de reforma agrária rural, observados os prazos de resgate estabelecidos nas normas constitucionais respectivas (SALLES, 1992, p. 83).

Outros como Pietro, por sua vez, apresentam conceitos mais simplórios:

A desapropriação é o procedimento administrativo, pelo qual o poder público ou seus delegados, mediante prévia declaração de necessidade pública, utilidade pública ou interesse social, impõe ao proprietário a perda de um bem, substituindo-o em seu patrimônio por justa indenização (PIETRO, 1999, p. 134).

Assim embora os conceitos possam variar sua essência se baseia no fato de

que se trata de um ato pelo qual o Poder Público, mediante prévio procedimento e

indenização justa, em razão de uma necessidade ou utilidade pública, ou ainda

diante do interesse social, despoja alguém de sua propriedade e a toma para si. Há

aquisição originária da propriedade pelo Poder Público, por meio de uma

transferência forçada, não importando que o desapropriado tenha o justo título e

boa-fé do bem.

O procedimento pode ser realizado em favor das pessoas de direito público

ou de pessoas de direito privado delegadas ou concessionárias de serviço público.

Excepcionalmente pode ser realizada por pessoas de direito privado que

desempenhem atividade de interesse público.

Podem ser desapropriados bens móveis e imóveis, corpóreos e incorpóreos,

inclusive os direitos. Os bens públicos também são passíveis de desapropriação. A

Page 27: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE – UNIVALE · defined in each case, with the factual analysis of damage to person as well as with the convictions of the justice court . The Moral Damage

26

União pode desapropriar bens dos Estados e Municípios; e os Estados poderão

desapropriar bens de Município.

O fundamento que justifica a desapropriação reside no fato de que o

interesse público deve prevalecer sobre o interesse privado, ou seja, a comunhão

social não seria possível sem a obrigação do indivíduo de sacrificar o seu interesse

privado em benefício do bem comum.

José Cretella Júnior manifesta-se acerca do assunto e declara:

O quinto elemento integrante da conceituação é a finalidade, no fundo sempre pública, social, nunca privada ou particular. O interesse público prepondera sobre o interesse privado – eis que o grande princípio que informa o instituto expropriatório, em todas as épocas e em todos os países. Quer se trate de necessidade ou de utilidade pública, quer se trate de interesse social, o fundamento expropriatório é não individual, mas social, coletivo, público, em qualquer de suas modalidades (CRETELLA JÚNIOR, 1976, p. 22).

Cumpre ainda fazer uma distinção entre as terminologias desapropriação e

expropriação prevista no artigo 243 da Constituição Federal in verbis:

Art. 243. As glebas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas serão imediatamente expropriadas e especificamente destinadas ao assentamento de colonos, para o cultivo de produtos alimentícios e medicamentosos, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei (BRASIL, 1988).

Portanto, a despeito de muitos doutrinadores as tratarem como sinônimos, o

próprio artigo deixa claro que expropriação é uma modalidade de desapropriação em

que o particular perde o bem em virtude de ato ilícito, qual seja este, o cultivo de

plantas psicotópicas. Nessa modalidade não há qualquer tipo de indenização (razão

pela qual é considerada como confiscatória) e o proprietário fica sujeito às

penalidades previstas em lei.

Sua disciplina está na Lei 8.257/91 e não é o cultivo de qualquer planta

psicotrópica que pode ensejar a expropriação, mas apenas as que são consideradas

ilícitas (é possível o cultivo para fins terapêuticos), ou seja, com o plantio não

autorizado pelo Poder Público e por estar incluída no rol do Ministério da Saúde.

Page 28: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE – UNIVALE · defined in each case, with the factual analysis of damage to person as well as with the convictions of the justice court . The Moral Damage

27

O fundamento jurídico da desapropriação está assentado na idéia de

domínio eminente de que dispõe o Estado sobre todos os bens existentes em seu

território. Assim, esse procedimento, como em outras intervenções estatais na

propriedade deriva do poder de polícia, sendo imposição unilateral e imperativa da

Administração que coage o particular, em benefício do bem estar coletivo.

A diferença entre a desapropriação e as demais formas de intervenção do

Estado na propriedade privada, como as servidões e as limitações administrativas, é

que a desapropriação gera a perda da propriedade pelo particular. Essa

particularidade faz com que o procedimento desapropriatório seja a forma mais

profunda de intervenção da Administração em bens privados. Dessa forma, o

ordenamento jurídico evoluiu para que se evitassem arbitrariedades no uso dessa

prerrogativa.

Constitucionalmente a desapropriação é regulada nos seguintes artigos:

Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] XXIV - A lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição; Art. 182 - A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. § 4º - É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de: Art. 184 - Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei. Art. 243 - As glebas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas serão imediatamente expropriadas e especificamente destinadas ao assentamento de colonos, para o cultivo de produtos alimentícios e medicamentosos, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei (BRASIL, 1988).

Page 29: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE – UNIVALE · defined in each case, with the factual analysis of damage to person as well as with the convictions of the justice court . The Moral Damage

28

3.1 A EVOLUÇÃO DO DIREITO DE PROPRIEDADE E DO PROCEDIMENTO DE

DESAPROPRIAÇÃO NO BRASIL

O direito de propriedade durante anos foi visto como sendo o direito real

mais amplo, congregando os poderes de usar, gozar, e dispor da coisa, de forma

absoluta, exclusiva e perpétua. Contudo, evoluiu do sentido individual para o social.

Antes, „propriedade‟ e "individual" andavam lado a lado, conjuntamente identificando-

se, mas com o correr dos tempos, a "propriedade" perdeu seu traço individualista e

se torna „social‟.

O direito à propriedade privada é garantido no Brasil desde o período do

Império com a primeira Constituição datada de 1824. No entanto, a Carta Magna

estabelecia que o Poder Público, em caso de utilidade pública, deveria usar e

empregar como lhe conviesse a propriedade, usufruindo dela, sendo, em

contrapartida, o cidadão previamente indenizado do valor e estabelecendo também,

que lei marcaria os casos com que teria lugar esta única exceção dando as regras

para se determinar a indenização.

A Constituição republicana, vigente a partir de 1891, manteve a essência da

Constituição de 1824, estabelecendo que, salvo nos casos de desapropriação por

necessidade ou utilidade pública, mediante indenização prévia, o direito de

propriedade manter-se-á em toda a sua plenitude.

Com a edição da Constituição de 1934 surgiu no direito brasileiro uma nova

tendência. A partir de então, constitucionalmente, a propriedade privada passaria a

ser condicionada ao cumprimento de sua função social, como se percebe da leitura

do seu artigo 113, item 17, dispondo que "o direito de propriedade, não poderá ser

exercido contra o interesse social ou coletivo, na forma que a lei determinar".

No entanto, em 1937, ao implantar o chamado Estado Novo, Getúlio Vargas

impôs ao País uma nova Constituição e que não repisou o tratamento dado ao tema

pela Constituição anterior. Assegurou apenas que estaria o direito resguardado,

salvo a desapropriação por necessidade ou utilidade pública, mediante indenização

prévia. Subtraiu, portanto o condicionamento do direito de propriedade à sua função

social.

A Constituição de 1946, sucessora, por sua vez, regida pelo espírito da

redemocratização resultante do final da Segunda Guerra Mundial, restaurou a

necessidade do cumprimento da função social da propriedade, incluindo-a entre os

Page 30: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE – UNIVALE · defined in each case, with the factual analysis of damage to person as well as with the convictions of the justice court . The Moral Damage

29

princípios regentes da ordem econômica e social. Dispôs, assim, que estaria

condicionado o uso da propriedade ao bem-estar social, podendo a lei promover a

justa distribuição da propriedade, com igual oportunidade para todos, garantindo em

suma o direito de propriedade, salvo o caso de desapropriação por necessidade ou

utilidade pública, ou por interesse social, mediante prévia e justa indenização em

dinheiro. A Emenda Constitucional nº. 10 de 1964, acrescentou à matéria a

possibilidade de a União promover a desapropriação de imóveis rurais para aqueles

fins.

Por sua vez, mantendo a mesma disposição estabelecida por sua

antecessora, a Constituição de 1967 contemplou a função social da propriedade

entre os princípios da ordem econômica e social. Todavia, com o fito de realização

da justiça social e em substituição ao vago condicionamento do uso da mesma ao

bem-estar social previsto nas constituições predecessoras, estabeleceu (art. 157,

inciso III) que um dos princípios para este fim é a função social da propriedade,

consagrada anteriormente pelo Estatuto da Terra (art. 2º, § 1º).

A Constituição de 1969 também disciplinou a matéria no título relativo à

ordem econômica e social, no entanto, o princípio da função social da propriedade

esteve quase que unicamente relacionado, em termos de aplicação, com a

desapropriação para fins de reforma agrária.

A Constituição Federal brasileira atual garante o direito de propriedade no

seu artigo 5º, que traz o rol dos direitos e garantias fundamentais, nos seguintes

termos:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] XXII - é garantido o direito de propriedade XXIII - a propriedade atenderá a sua função social (BRASIL. 1988).

Por outro lado, também manteve a propriedade e a sua função social como

um dos princípios conformadores da ordem econômica:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [...] II - propriedade privada; III - função social da propriedade (BRASIL, 1988).

Page 31: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE – UNIVALE · defined in each case, with the factual analysis of damage to person as well as with the convictions of the justice court . The Moral Damage

30

Assim, a propriedade em geral, de acordo com a tradição constitucional

brasileira, não mais possui contornos de direito individual puro, nem deve ser

entendida como uma instituição do Direito Privado. É, ao contrário, instituição

pertencente ao Direito Público, pois se trata de princípio constitucional da ordem

econômica.

Mais adiante, a Carta vigente inova a história do ordenamento constitucional

brasileiro, ao traçar os contornos da função social da propriedade urbana e rural.

Isso porque, não há uma única espécie de propriedade, e a Constituição trará

diferenciação de tratamento a cada uma delas, inclusive no que concerne ao

cumprimento da função social.

Já no que tange ao histórico da desapropriação no Direito brasileiro o

primeiro diploma a regular o instituto foi o Decreto de 21 de maio de 1821 durante o

Brasil Império que fora fortemente influenciado pelos princípios consagrados na

Revolução Francesa.

A Constituição Política do Império do Brasil de 1824 em seu artigo 179

determinava que era garantido o direito de propriedade em toda a sua plenitude,

mas se o bem público, legalmente verificado, exigisse o uso e emprego da

propriedade do cidadão, seria ele previamente indenizo do valor dele. O Estatuto

Básico do Império, no entanto, não previu os pressupostos básicos da

desapropriação: necessidade ou utilidade pública.

Posteriormente em 1826 sobreveio uma lei que passou a discriminar os

casos em que ocorreria a desapropriação aludindo aos pressupostos da

necessidade e da utilidade pública. Interessante mencionar que na época a

ocorrência de necessidade púbica seria verificada pelo Judiciário e a de utilidade

pública pelo Legislativo.

Em 1834 um Ato Adicional introduziu importantes modificações na

Constituição do Império e na matéria determinou que as províncias passavam a ter

competência para, por suas assembléias, legislar sobre desapropriação por utilidade

municipal ou provincial.

A Constituição da República de 1891 prescreveu no § 17 do artigo 72 que o

direito de propriedade se mantinha em toda a sua plenitude, salva a desapropriação

por necessidade ou utilidade pública mediante indenização prévia.

Em 1903 foi baixado o Decreto nº. 4.956 que aprovou o regulamento de

consolidação e modificação do processo sobre as desapropriações por necessidade

Page 32: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE – UNIVALE · defined in each case, with the factual analysis of damage to person as well as with the convictions of the justice court . The Moral Damage

31

ou utilidade pública para obras da União e do Distrito Federal, diploma esse que

regulou a matéria no país até o advento do Decreto-lei 3.365 de 1941 que é a nossa

atual lei de desapropriações.

O Código Civil Brasileiro de 1916 versou sobre a desapropriação em

diversos dispositivos tratando-a como um dos modos de perda da propriedade

imóvel.

Com a promulgação da Constituição Federal de 1934, houve inovações no

tocante ao exercício do direito de propriedade. Este direito não era mais absoluto e a

desapropriação só poderia ocorrer em razão de utilidade ou necessidade pública e

mediante prévio e justo pagamento de indenização.

Nova Carta Política foi promulgada quando do golpe político de 1937.

Alterações, de fato, quanto ao direito de propriedade, vieram somente em 1942,

após a entrada em vigor da Lei Constitucional nº. 5, de 10 de março, a qual

modificou o texto do art. 122, acrescentando mais um caso expropriatório: a

suspensão da garantia do direito de propriedade de súditos de Estado estrangeiro

que por qualquer forma tivesse praticado atos de agressão de que resultasse

prejuízo para os bens e direitos do Estado Brasileiro ou bens e direitos de pessoas

físicas ou jurídicas brasileiras.

Deste modo, o Decreto nº. 3.365, de 21 de julho de 1941, surgiu em meio à

vigência da Magna Carta de 1937. Mesmo com algumas modificações que lhe tem

sido introduzidas com o passar dos anos, ainda hoje é o estatuto legal que regula a

intervenção do Estado na propriedade privada por meio da desapropriação no Brasil

(BRASIL, 1941).

Por fim a Constituição Federal de 1988 trouxe importantes inovações em

matéria de desapropriação como os já mencionados artigos 5º inciso XXIV; 22 inciso

II; 182 § 3º e § 4º; 184 e 185 e 243.

Assim, a evolução do direito de propriedade e desapropriação traz a idéia de

que é garantido o direito à propriedade mas se o proprietário negligencia o bem que

lhe pertence, abandonando-o, inaproveitando-o, conservando-o improdutivo, não

explorando-o ou explorando abaixo de suas reais possibilidades, ocorre a hipótese

de intervenção estatal na propriedade, mediante a desapropriação, que, retirando a

propriedade do dominus negligente, a transfere para quem possa dar-lhe a

destinação social prevista, ou seja a Administração pelo Estado intervém no sentido

Page 33: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE – UNIVALE · defined in each case, with the factual analysis of damage to person as well as with the convictions of the justice court . The Moral Damage

32

de transferir a propriedade e a posse a quem melhor se utilize em benefício do bem

comum ou em razão do interesse social.

3.2 PRESSUPOSTOS E FASES DA DESAPROPRIAÇÃO

O procedimento desapropriatório reflete o ponto máximo de possibilidade de

intervenção estatal em bens de particulares. Dessa forma, para que tal procedimento

não fosse utilizado de forma incontrolável evitando o confisco e arbitrariedades pelo

Poder Público, a Constituição estabeleceu em seu artigo 5º, inciso XXIV já

mencionado, os pressupostos ou requisitos para que tal ato ocorresse.

Ou seja, a desapropriação é possível desde que a Administração Pública

obedeça às condições que a autorizam: necessidade pública, utilidade pública ou

interesse social, pagamento de indenização prévia, justa e em dinheiro, no caso de

desapropriação comum e em títulos especiais da dívida pública, quando se tratar de

desapropriação para política urbana ou para reforma agrária, nos termos e

condições dos artigos 182 e 184 e ss., respectivamente.

A necessidade pública surge quando a Administração se encontra diante de

um problema inadiável e premente, isto é, que não pode ser removido nem

procrastinado e para cuja solução é indispensável incorporar no domínio do Estado

o bem particular.

A utilidade pública existe quando a utilização da propriedade privada é

conveniente e vantajosa ao interesse coletivo, mas não constitui imperativo

irremovível.

Haverá motivo de interesse social quando a desapropriação se destine a

solucionar os chamados problemas sociais, isto é, aqueles diretamente atinentes às

classes pobres, aos trabalhadores e à massa do povo em geral pela melhoria nas

condições de vida, pela mais eqüitativa distribuição da riqueza, enfim, pela

atenuação das desigualdades sociais.

As hipóteses de necessidade e utilidade pública se encontram disciplinadas

no Decreto nº. 3.365/41, não fazendo, no entanto, qualquer diferenciação entre

esses dois pressupostos. Nesse sentido opina Eurico Sodré:

Page 34: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE – UNIVALE · defined in each case, with the factual analysis of damage to person as well as with the convictions of the justice court . The Moral Damage

33

Necessidade e utilidade pública se equiparam quando se trata de desapropriar, podendo, por isto, ser consideradas como sinônimas, para esse efeito. Tanto isto é certo que a lei vigente – Dec. 3.365/41 – aboliu a distinção entre elas, catalogando como de utilidade pública todos os casos outrora contemplados como de necessidade pública, nas leis extravagantes e no Código Civil (SODRÉ, 1955, p. 51).

De fato o Decreto 3.365/41 ao estabelecer as hipóteses de necessidade ou

utilidade pública em seu artigo 5º caput não fez diferenciação entre elas. Apenas

englobou todas as possibilidades como de utilidades públicas.

Art. 5º: Consideram-se casos de utilidade pública: a) a segurança nacional; b) a defesa do Estado; c) o socorro público em caso de calamidade; d) a salubridade pública; e) a criação e melhoramento de centros de população, seu abastecimento regular de meios de subsistência; f) o aproveitamento industrial das minas e das jazidas minerais, das águas e da energia hidráulica; g) a assistência pública, as obras de higiene e decoração, casas de saúde, clínicas, estações de clima e fontes medicinais; h) a exploração ou a conservação dos serviços públicos; i) a abertura, conservação e melhoramento de vias ou logradouros públicos; a execução de planos de urbanização; o parcelamento do solo, com ou sem edificação, para sua melhor utilização econômica, higiênica ou estética; a construção ou ampliação de distritos industriais; j) o funcionamento dos meios de transporte coletivo; k) a preservação e conservação dos monumentos históricos e artísticos, isolados ou integrados em conjuntos urbanos ou rurais, bem como as medidas necessárias a manter-lhes e realçar-lhes os aspectos mais valiosos ou característicos e, ainda, a proteção de paisagens e locais particularmente dotados pela natureza; l) a preservação e a conservação adequada de arquivos, documentos e outros bens moveis de valor histórico ou artístico; m) a construção de edifícios públicos, monumentos comemorativos e cemitérios; n) a criação de estádios, aeródromos ou campos de pouso para aeronaves; o) a reedição ou divulgação de obra ou invento de natureza científica, artística ou literária; p) os demais casos previstos por leis especiais (BRASIL, 1941).

Portanto, o artigo 5º do Decreto 3.365/41 só aludiu aos casos de utilidade

pública, muito embora se encontrem, na discriminação legal, vários casos de

manifesta necessidade pública, como, por exemplo, as hipóteses de desapropriação

para socorro público em casos de calamidade pública (alínea „c‟) e por motivo de

segurança nacional (alínea „a‟) (BRASIL, 1941).

Para alguns autores, inclusive, os pressupostos da desapropriação

(necessidade pública, utilidade pública, ou ainda, interesse social) poderiam reduzir-

Page 35: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE – UNIVALE · defined in each case, with the factual analysis of damage to person as well as with the convictions of the justice court . The Moral Damage

34

se a um único: o de utilidade pública. No entanto, outros, consideram útil a divisão

por realçar melhor os casos em que a desapropriação é permitida.

As hipóteses de interesse social, por sua vez, não vieram disciplinadas no

Decreto 3.365/41, isto, pois, foi ele editado sob a égide da Constituição de 1937, que

não previa a hipótese de desapropriação por interesse social. Esta só veio a ser

mencionada na Constituição de 1946 (§16 do art. 141), de sorte que apenas em

1962 veio à luz o primeiro diploma legal sobre desapropriação por interesse social: a

Lei nº. 4.132, seguido mais tarde, pela Lei 4.504 de 1964 (Estatuto da Terra), que

estabeleceu outros casos de desapropriação dessa natureza.

Assim dispõe o artigo 2º da Lei 4.132/62:

Art. 2º - Considera-se de interesse social: I - o aproveitamento de todo bem improdutivo ou explorado sem correspondência com as necessidades de habitação, trabalho e consumo dos centros de população a que deve ou possa suprir por seu destino econômico; II - a instalação ou a intensificação das culturas nas áreas em cuja exploração não se obedeça a plano de zoneamento agrícola (VETADO); III - o estabelecimento e a manutenção de colônias ou cooperativas de povoamento e trabalho agrícola; IV - a manutenção de posseiros em terrenos urbanos onde, com a tolerância expressa ou tácita do proprietário, tenham construído sua habitação, formando núcleos residenciais de mais de 10 (dez) famílias; V - a construção de casas populares; VI - as terras e águas suscetíveis de valorização extraordinária, pela conclusão de obras e serviços públicos, notadamente de saneamento, portos, transporte, eletrificação, armazenamento de água e irrigação, no caso em que não sejam ditas áreas socialmente aproveitadas; VII - a proteção do solo e a preservação de cursos e mananciais de água e de reservas florestais; VIII - a utilização de áreas, locais ou bens que, por suas características, sejam apropriados ao desenvolvimento de atividades turísticas (BRASIL, 1962).

O Estatuto da Terra (Lei nº. 4.504/64), por sua vez, aumentou as hipóteses

em seu artigo 20 in verbis:

Page 36: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE – UNIVALE · defined in each case, with the factual analysis of damage to person as well as with the convictions of the justice court . The Moral Damage

35

Art. 20. As desapropriações a serem realizadas pelo Poder Público, nas áreas prioritárias, recairão sobre: I - os minifúndios e latifúndios; II - as áreas já beneficiadas ou a serem por obras públicas de vulto; III - as áreas cujos proprietários desenvolverem atividades predatórias, recusando-se a pôr em prática normas de conservação dos recursos naturais; IV - as áreas destinadas a empreendimentos de colonização, quando estes não tiverem logrado atingir seus objetivos; V - as áreas que apresentem elevada incidência de arrendatários, parceiros e posseiros; VI - as terras cujo uso atual, estudos levados a efeito pelo Instituto Brasileiro de Reforma Agrária comprovem não ser o adequado à sua vocação de uso econômico (BRASIL, 1964).

O procedimento de desapropriação se divide basicamente em duas fases: a

fase declaratória e a fase executória que será administrativa quando houver acordo

com o proprietário ou judicial quando não houver.

Para se ter início o procedimento é imprescindível a ocorrência da

declaração expropriatória, momento em que o Poder Público emite a sua intenção

de ulterior transferência da propriedade do bem para seu patrimônio. Vale destacar

que a declaração expropriatória deve ser formalizada através de lei ou decreto

emanado do Chefe do Poder Executivo (Presidente, Governadores e Prefeitos).

O importante é que o ato declaratório indique o sujeito ativo da

desapropriação, a descrição do bem, a declaração de utilidade, necessidade pública

ou interesse social, a destinação específica a ser dada ao bem, o fundamento legal

que autoriza a desapropriação e os recursos orçamentários destinados ao

atendimento da despesa.

Nessa fase declaratória há somente a manifestação formal de interesse por

aquele bem, mas ainda não há a transferência da propriedade para o Poder Público.

Mesmo assim, já se geram importantes efeitos como: submissão do bem à força

expropriatória do Estado; a fixação do estado do bem, isto é, suas condições,

melhoramentos, benfeitorias, que serão levados em consideração no cálculo da

indenização; o direito do agente ou representante do Poder Público de penetrar no

bem a fim de fazer verificações e medições; o início da contagem do prazo de

caducidade da declaração e a impossibilidade de deslocamento do bem para a

circunscrição territorial diferente daquela em que se deve efetuar a desapropriação.

Posteriormente à fase declaratória é necessário que seja instaurado um

procedimento administrativo para que haja efetivamente a transferência da

Page 37: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE – UNIVALE · defined in each case, with the factual analysis of damage to person as well as with the convictions of the justice court . The Moral Damage

36

propriedade. Caso não haja acordo, ter-se á que promover a ação judicial de

desapropriação.

Assim fala-se em fase executória administrativa, extrajudicial, voluntária ou

amigável, quando as partes chegam a um acordo quanto à indenização e o lavram

através de escritura pública e fala-se em fase executória judicial quando não houver

acordo, e como a desapropriação não é auto-executória, o Poder Público terá que

promover uma ação de desapropriação nos moldes procedimentais do Decreto-lei e

subsidiariamente do Código de Processo Civil.

A manifestação judicial poderá ser de dois tipos: a) homologatória; quando o

proprietário do bem aceita, em juízo, a oferta pelo expropriante b) contenciosa:

quando o proprietário e o expropriante não acordam em relação ao preço, que terá

que ser fixado pelo juiz.

Por fim, não se poderá discutir, na fase judicial, sobre eventual desvio de

finalidade do administrador ou sobre a existência dos motivos que o administrador

considerou como de utilidade pública ou de interesse social e a contestação só

poderá versar sobre vício do processo judicial ou impugnação do preço. Todavia,

tais discussões poderão ser levadas pelo expropriado ao Judiciário em ação

autônoma, denominada de ação direta pelo art. 20 do Decreto-Lei nº. 3.365/41

(BRASIL, 1941).

3.3 DETERMINAÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO

Como já mencionado a norma constante no inciso XXIV do artigo 5º da

Constituição Federal permite a desapropriação por necessidade ou utilidade pública

ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização, em dinheiro,

ressalvados alguns casos previstos na própria Constituição. Portanto, não haverá,

em regra, desapropriação sem que, previamente, tenha sido paga justa indenização

ao desapropriado.

Dessa forma, para que haja justiça na indenização, é preciso que se

recomponha o patrimônio do particular com quantia que corresponda a todo o

desfalque sofrido por ele em decorrência do procedimento. No entanto, não pode a

desapropriação ser instrumento de enriquecimento nem de empobrecimento da

Administração ou do desapropriado.

Page 38: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE – UNIVALE · defined in each case, with the factual analysis of damage to person as well as with the convictions of the justice court . The Moral Damage

37

O termo justa indenização é um ideal que deve ser buscado com a máxima

intensidade, pois, será o único meio de atendimento ao preceito constitucional

regulador da matéria. Portanto, os métodos de avaliação dos bens desapropriados

devem ser eficazes e mais próximos possíveis dos reais valores dos bens, assim

como o juiz deve valer-se de sua convicção e exame de todos os motivos que o

processo lhe ofereça.

Assim é que o artigo 27 da Lei de Desapropriação (Decreto-lei nº. 3.365/41)

estabelece que o juiz indicará na sentença os fatos que motivaram seu

convencimento e deverá atender, especialmente, aos seguintes elementos:

a) estimação dos bens para efeitos fiscais;

b) ao preço de aquisição e interesse que o proprietário aufere dos bens

expropriando;

c) situação, estado de conservação e segurança;

d) valor venal dos bens da mesma espécie, nos últimos cinco anos;

e) valorização ou depreciação da área remanescente, pertencente ao

desapropriado (BRASIL, 1941)

No entanto, é preciso ressaltar que, embora deva o juiz atender aos

elementos mencionados no artigo 27, não está ele obrigado a limitar-se

exclusivamente ao exame dos mesmos. Com efeito, outros poderão ser utilizados

pelo magistrado no desenvolvimento lógico do raciocínio de que resultará a fixação

do quantum indenizatório.

Defende-se aqui o mero caráter exemplificativo do rol do artigo 27 da lei de

desapropriação e que deverá incluir-se nessa análise o valor de afeição que o bem

possui para o desapropriado, de modo a possibilitar-lhe, o ressarcimento pelo dano

moral sofrido em decorrência da perda do bem.

Em seu livro Desapropriação para fins de Reforma Agrária, Edílson Pereira

Nobre Júnior defende que:

Page 39: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE – UNIVALE · defined in each case, with the factual analysis of damage to person as well as with the convictions of the justice court . The Moral Damage

38

Conforme as circunstancias especiais a envolverem o caso concreto, o valor de afeição, ensejador de reparação moral nos termos do art. 952, parágrafo único, do código civil, também poderá ser incluído na indenização. A lei espanhola de 1954, por exemplo, é expressa no seu artigo 47, reconhecendo a possibilidade, além da fixação do justo preço, do pagamento do acréscimo de 5% à guisa de premio de afeição. Por esse motivo não se deve olvidar que, muito embora a desapropriação não se caracterize como compra e venda, mas, ao contrário, como perda compulsória da propriedade, a justa indenização deve compensar o proprietário do valor do bem mais prejuízos decorrentes do ato estatal, os quais devem ser devidamente comprovados, como, por exemplo, valor de afeição e honorários de advogados e de assistentes técnicos, pagos em razão da necessidade de contratação de profissionais especializados para, em juízo, ser demonstrada que a oferta não condiz com o valor devido pelo expropriante (NOBRE JÚNIOR, 2006, p. 202).

Page 40: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE – UNIVALE · defined in each case, with the factual analysis of damage to person as well as with the convictions of the justice court . The Moral Damage

39

4 A POSSIBILIDADE DA INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS DECORRENTES

DO PROCEDIMENTO DE DESAPROPRIAÇÃO

A desapropriação, como pôde ser observado, é um instituto que representa

o auge da intervenção do Estado na propriedade privada, regulando a transferência

definitiva da titularidade de um bem particular ao domínio público.

A propriedade privada, embora tenha seu valor amparado no sistema, cairá

em domínio público, toda vez que se faça necessária sua utilização definitiva pelo

Estado, para a realização de fins sociais de interesse coletivo. Assim, longe de

possuir caráter absoluto, ela curva-se ao interesse público, sendo uma forma

conciliadora entre a garantia da propriedade individual e a função social, que exige

usos compatíveis com o bem-estar da coletividade.

Para o Estado, sob a égide da sua já consolidada Responsabilidade Objetiva

importa apenas a constatação do nexo causal entre a atividade estatal e a ofensa

aos interesses jurídicos do particular, mesmo que esta tenha se dado de forma

legitima, como ocorre na desapropriação. A responsabilidade civil do Estado tem

esta peculiaridade em virtude do próprio fundamento de sua existência, qual seja, o

princípio democrático e o princípio republicano. Portanto, o ponto de partida para o

dever estatal de indenizar é a situação concreta do particular, pouco importando se o

dano é conseqüência de um agir conforme ou desconforme o direito.

Especificamente com relação à desapropriação, o preceito constitucional

regulador da matéria é muito claro ao determinar que o Poder Público, ao realizar a

desapropriação, deverá oferecer ao particular uma justa indenização.

Abrangidos neste valor patrimonial a ser ofertado a titulo de indenização,

segundo entendimento consolidado, estariam não só o próprio valor econômico do

bem desapropriado, como também os lucros cessantes e danos emergentes, os

juros compensatórios (no caso de ter havido imissão provisória na posse), os juros

moratórios, a correção monetária, e, no caso de intervenção do Judiciário, os

honorários advocatícios e a correção monetária.

Esse entendimento do que vem a ser essa „justa indenização‟ vem sendo

extraído, basicamente, da interpretação do Decreto nº. 3.365/41. Este diploma

concentra-se apenas na problemática econômica do instituto, donde procura

encaixar toda a noção de indenização à materialidade. Porém, em momento algum a

Page 41: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE – UNIVALE · defined in each case, with the factual analysis of damage to person as well as with the convictions of the justice court . The Moral Damage

40

Constituição Federal de 1988 refere-se à expressão „preço‟. Alude, sim, à noção de

„justa indenização‟, que não se confunde com o simples valor de compra ou venda.

A impossibilidade de submissão da justa indenização ao mero preço fica

fortalecida à luz dos parâmetros inseridos na nova realidade constitucional brasileira,

como por exemplo, a previsão do art. 5o, V e X da Carta Maior.

Na opinião de Vicente de Paula Mendes:

A Constituição deveria ordenar indenização integral, em vez de indenização justa. Mas parece que justo, aí, tem sentido específico, significando mais que o simples valor econômico, permitindo considerar, em cada caso, as conseqüências particulares da perda da propriedade, quiçá até o prejuízo moral (MENDES, 1993, p. 52).

Neles o constituinte reconhece, expressamente, o direito à indenização por

danos morais sofridos. Assim, se houve uma preocupação em se garantir a

indenização do gravame moral, a nível constitucional, é porque o constituinte

entendeu, como um valor supremo, que a indenização não poderia mais ser tomada

em seu aspecto puramente patrimonial.

Não só o dano material deve ser indenizado, mas também o agravo moral.

O Poder Constituinte Originário, assim, quis dar adeus à concepção puramente

materialista da indenização. O próprio Código Civil de 2002, reformulando o artigo

1543 do Código Civil de 1916, dispõe em seu art. 952 e parágrafo único que:

Art. 952: Havendo usurpação ou esbulho do alheio, além da restituição da coisa, a indenização consistirá em pagar o valor das suas deteriorações e o devido a título de lucros cessantes; faltando a coisa, dever-se-á reembolsar o seu equivalente ao prejudicado. Parágrafo único: Para se restituir o equivalente, quando não exista a própria coisa, estimar-se-á ela pelo seu preço ordinário e pelo de afeição, contando que este não se avantaje àquele (BRASIL, 2002).

Ressalte-se que o valor de afeição há muito tempo foi levado em

consideração pelo legislador, haja vista que o valor material não consegue satisfazer

plenamente os indivíduos. O homem, em sua existência, longe de ser apenas

matéria, traz consigo um complexo de sentimentos.

O dano moral é uma lesão sentida nos aspectos mais íntimos e

fundamentais do ser humano, em razão de uma violação de um direito patrimonial

ou não patrimonial. Trata-se de um real dano à pessoa, à moral, à honra, dentre

outros, sendo injusta a sua não reparação.

Page 42: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE – UNIVALE · defined in each case, with the factual analysis of damage to person as well as with the convictions of the justice court . The Moral Damage

41

Mesmo que não possa o juiz conceder uma reparação exata, não será

concebível que a recuse totalmente. A reparação dos danos morais é inerente ao

próprio direito assim como toda reparação. A perda, pelo particular, de um bem de

grande valor de afeição, em favor do Estado, indiscutivelmente pode vir a causá-lo

um dano moral e se os bens morais constituem bens jurídicos, não podem deixar

eles de serem tutelados pelo direito.

Assim a desapropriação, como modalidade de extinção do direito de

propriedade do particular, pode gerar não só um dano material, dada a repercussão

na órbita patrimonial do indivíduo, mas igualmente em sua esfera moral, de modo

que esta eficácia não pode ser desprezada pelo cientista do direito.

É fácil constatar que a extinção forçada do direito de propriedade do

administrado, por meio da desapropriação, pode lhe causar profundos gravames,

que não se esgotam com a sua sub-rogação no valor econômico expropriado.

Alguns bens possuem grande valor de afeição para os seus proprietários,

superando, inclusive, o simples valor econômico, monetariamente representado.

O dano moral pelo valor de afeição, ocorre principalmente em proprietários

desapropriados que possuem uma forte ligação com a terra por sua história de vida

e de sua família. Vale frisar que ao proprietário estão ligados seus parentes que,

como ele, também sentem a perda de um bem afetivo.

Essa história de vida ligada à propriedade, tanto pode ocorrer por laços de

família com uma fazenda que foi moradia de antepassados ou também pelo

sentimento gerado na propriedade, por todo o trabalho despendido ali, construindo-

se um lugar que sempre sonhou para se morar.

São casos típicos de dano moral a afronta inopinada de certas

desapropriações indiretas, os abalos psíquicos sofridos pelo expropriado, o temor

causado pela atuação policial, a desarticulação de famílias em virtude do ato, o

atentado ao apego de certas pessoas a túmulos de entes queridos presentes nas

propriedades e outros muitos que ferem os direitos da personalidade e da família e

que, outrossim, podem atingir entidades coletivas de caráter social ou cultural.

São conseqüências materiais do dano moral as despesas médicas com

doenças causadas pela expropriação, quase sempre de fundo psicossomático, a

morte ou a diminuição da capacidade de trabalho de origem análoga, dentre

diversas outras.

Page 43: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE – UNIVALE · defined in each case, with the factual analysis of damage to person as well as with the convictions of the justice court . The Moral Damage

42

A indenização da vítima de dano moral tem cunho eminentemente

satisfativo, não conseguindo traduzir, em quantia exata em dinheiro, a extensão de

um dano à personalidade, pois isso seria totalmente incompatível com a própria

noção de dano moral. Existem parâmetros, indicadores reais, que servem de auxílio

à fixação do quantum indenizatório.

Portanto, essa flexibilidade, na fixação exata da indenização por dano moral,

na verdade existente, não implica em sua inadmissibilidade. O dano moral, há

tempos, transborda da doutrina e jurisprudência pátrias. É pacifico que a

indenização por dano moral, hoje, é imposta nas mais diversas situações,

justamente por ser, embora flexível, absolutamente viável. O intuito é o de oferecer à

vítima condições monetárias para usufruir, gozar de outros bens da vida, de modo a

tentar esquecer os danos do passado.

É importante mencionar que nem todas as modalidades de desapropriação

pelo Poder Público são hábeis a gerar a indenização por danos morais. A

Constituição de 1988 prevê três modalidades de desapropriação com caráter

sancionatório, também chamadas de desapropriações extraordinárias. Duas delas

são previstas para os casos de descumprimento da função social da propriedade

urbana (art. 182, §4º, III) e da propriedade rural (art. 184), hipóteses em que o

pagamento da indenização é feito em títulos da dívida pública e não em dinheiro. A

terceira é a prevista no artigo 243, que trata da expropriação de glebas de terras em

que sejam cultivadas plantas psicotrópicas, hipótese em que o expropriado não faz

jus a qualquer tipo de indenização, além de ficar sujeito às sanções previstas em lei.

Assim ao se tratar de desapropriação decorrente do descumprimento da

função social, visível a impossibilidade de ressarcimento por danos morais, pois

nesses casos, o procedimento desapropriatório surge como sanção em virtude do

mau uso ou descaso do indivíduo para com seu bem e seria um contra-senso

indenizá-lo por algum dano extrapatrimonial. E no caso do procedimento

expropriatório em virtude do cultivo de plantas psicotrópicas, a própria Constituição

Federal impõe a impossibilidade de qualquer tipo de indenização.

As demais modalidades de desapropriação, também denominadas de

desapropriações ordinárias, ou seja, aquelas assentadas em necessidade ou

utilidade pública e interesse social, por sua vez, não oferecem nenhum impedimento

ao ressarcimento moral, caso se verifique dano dessa natureza. Pelo contrário, é

Page 44: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE – UNIVALE · defined in each case, with the factual analysis of damage to person as well as with the convictions of the justice court . The Moral Damage

43

uma obrigação do Estado frente ao comando normativo constitucional imperativo de

se oferecer ao desapropriado uma indenização justa.

Existe ainda uma outra modalidade de desapropriação que é um instituto

não regulado por lei, mas que é uma realidade no Direito Brasileiro. Trata-se da

desapropriação indireta, ou seja, toda intervenção do Estado na propriedade que

venha a impossibilitar o uso e gozo de um bem, retirando-lhe o conteúdo econômico.

Ela costuma vir "disfarçada" na forma de uma limitação administrativa ou servidão. A

ocupação do imóvel pela Administração dá-se sem existência do ato declaratório de

utilidade pública, e principalmente sem o pagamento da justa e prévia indenização.

Ela nada mais é, na verdade que o esbulho da propriedade particular e como tal não

apresenta apoio na lei.

Não é difícil a percepção, portanto, da possibilidade de dano moral em

decorrência dessa modalidade de desapropriação. Se as modalidades ordinárias,

que obedecem ao devido procedimento legal, são aptas a gerar o ressarcimento

extrapatrimonial, mais o é essa espécie decorrente de um ato ilegal e imoral do

Poder Público.

4.1 POSICIONAMENTOS DOUTRINÁRIOS CONTRÁRIOS

Embora como visto, tenha-se atualmente uma inclinação no sentido de se

aceitar essa possibilidade, principalmente pela introdução no ordenamento jurídico

brasileiro da nova mentalidade no que diz respeito à reparabilidade dos danos

morais, as opiniões durante muito tempo foram divergentes e ainda se encontram

algumas que não vêem, no dano moral, um instituto que possa ser somado no valor

da indenização decorrente da desapropriação.

A resistência encontrada na doutrina e jurisprudência em aceitar a inclusão

do valor de afeição na noção de justa indenização, encontra explicação no arraigado

e arcaico hábito da só reparação do dano patrimonial. Todavia, a revolução de

diversos conceitos jurídicos implicou na assunção de um direito novo, em que o

dano é reparado tanto em seu aspecto material quanto moral.

Salles é um dos defensores dessa impossibilidade. Em sua opinião,

Page 45: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE – UNIVALE · defined in each case, with the factual analysis of damage to person as well as with the convictions of the justice court . The Moral Damage

44

O valor de afeição não pode ser levado em conta no momento em que for fixada a indenização devida em virtude da expropriação, por haver real impossibilidade de traduzi-lo economicamente O ressarcimento decorrente da expropriação há de ser palpável concreto, calculado em bases reais e assentado em dados comumente considerados no mercado mobiliário para os bens da mesma espécie. O valor de afeição, por dizer respeito exclusivamente ao proprietário, é inalferível economicamente, não podendo ser levado em consideração para o efeito de se fixar a indenização em virtude da desapropriação (SALLES, 1992, p. 472).

Paulo de Araújo Lima em artigo defende idêntico ponto de vista nos

seguintes termos:

É entendimento tranquilamente aceito que não se compõem no valor da indenização fatores de afeição ou puramente subjetivos, como se faz na esfera privada. E não se levam em conta tais fatores porque o valor afetivo diz somente com uso peculiar da coisa que lhe faz o titular. É um fator meramente pessoal, e evidentemente, não tem expressão quando se considera a propriedade unicamente pela sua faceta objetiva de poder trocá-la por outra equivalente em dinheiro.

3

Esse também é o posicionamento de Fagundes, segundo o qual:

A expressão usada pela nossa lei exclui o cômputo do valor de afeição ou estimativo. O interesse auferido da coisa só pode ser de natureza econômica. O apreço que lhe empreste o dono, sob outros aspectos, não se resolve auferindo de vantagens; será inauferível, isto é, intraduzível economicamente. A lei cogitou apenas de compensar o proprietário do desfalque de ordem estritamente patrimonial (FAGUNDEZ, 1949, p. 345).

Em contrapartida pensa-se que atingir o íntimo de um ser humano é muito

mais grave e condenável do que violar um direito seu, meramente patrimonial. A

doutrina do dano moral representa um confronto direto à concepção puramente

materialista das coisas. Com ela, consagram-se outros valores. O Direito passa a

enxergar mediante um universo muito mais amplo e nítido da realidade.

Assim é papel natural do juiz a fixação do quantum, não estando, entretanto,

vinculado ao valor imputado pela vítima, e sim norteado pelo princípio da

razoabilidade, como se dá em sede de qualquer indenização por dano moral. O

Estado indeniza o dano moral causado aos administrados em quaisquer outras

situações distintas da desapropriação. A desapropriação não traz, em si, diferença

intrínseca às outras situações em que o Estado indeniza, que impossibilite a

3 LIMA, Paulo de Araújo. Imissão na posse dos bens expropriados. RDA 82/395

Page 46: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE – UNIVALE · defined in each case, with the factual analysis of damage to person as well as with the convictions of the justice court . The Moral Damage

45

cogitação desse ressarcimento. Também na desapropriação pode o juiz fixar a

indenização do dano moral, como um suporte à indenização material já existente.

Basta se prender às balizas reveladas na doutrina do dano moral.

Embasado nesta interpretação sistemática, o operador jurídico deve reler o

Decreto-Lei nº. 3.365/41 à luz da Constituição Federal. Consoante explicita Dallari:

A legislação de desapropriação atual não facilita o cumprimento do princípio de indenização justa, consagrado em nível constitucional. A reformulação da Legislação Geral vigente se impõe porque o Decreto-Lei 3365/41, embora satisfatório para a época de sua edição, tornou-se obsoleto com o correr do tempo e ora se apresenta desajustado da orientação constitucional que o sucedeu (DALLARI apud MOTTA, 1999, p. 683).

Zenum em 1998, nos dá um exemplo de uma relação onde exista o valor de

afeição, podendo ser aplicado analogicamente aos proprietários e possuidores

desapropriados Vejamos seu ensinamento:

Além disso, pode-se catalogar, ainda, o fato de uma pessoa ver, ilícita ou culposamente, alguém queimar um quadro de estimação e impossível de ser substituído, vez que outro igual não se consegue. Para os contrários à doutrina do dano moral, indeniza-se tão só o quadro, mas o sofrimento, o sentimento que se apodera do proprietário, causando-lhe grandes males, levando-o ao estado de morbidez, fica sem reparação? (ZENUM, 1998, p. 122).

Muitos proprietários desapropriados dizem serem insubstituíveis suas

propriedades rurais, seja porque tem ali ligado um laço de família, seja porque

devido ao trabalho despendido na propriedade durante anos, criou um laço afetivo

muito forte em relação ao bem material.

Assim, a despeito das manifestações contrárias da doutrina que não aceita a

possibilidade de indenização aqui pesquisada, o objetivo principal desse trabalho

acadêmico é o de demonstrar que é possível no ordenamento jurídico brasileiro a

indenização moral atribuída ao indivíduo como ressarcimento do procedimento de

desapropriação realizado pelo Poder Público.

Page 47: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE – UNIVALE · defined in each case, with the factual analysis of damage to person as well as with the convictions of the justice court . The Moral Damage

46

4.2 VISÃO JURISPRUDENCIAL E CASUÍSTICAS

Em 1961 o Judiciário pátrio entendeu por bem integrar o valor de afeição no

quantum indenizatório decorrente da desapropriação. Em verdadeiro „ leading case’,

o Tribunal de Justiça de São Paulo, ao julgar a apelação cível n° 112.932, em 28 de

dezembro de 1961, proposta pelo departamento de Estradas e Rodagens contra

Jorge Flaquer, com base no voto do Desembargador Relator Prado Fraga,

determinou que se indenizasse o valor de afeição de uma propriedade agrária, por

ter o proprietário a transformado em uma chácara de veraneio.

Aliás, para que não reste qualquer dúvida acerca da existência de

jurisprudência desse entendimento, necessário ressaltar que o Egrégio Tribunal de

Justiça de São Paulo já decidiu nesse sentido, ocasião em que o assunto em exame

passou por uma consideração mais detida, culminando no reconhecimento da

indenizabilidade do valor de afeição. A propósito, a ementa foi sucintamente lavrada,

com o teor seguinte: "São indenizáveis, na desapropriação, tanto o valor da

conveniência, como o de afeição".

No corpo do acórdão, relatado pelo desembargador Prado Fraga, posição

nele sustentada foi alicerçada no ensinamento de Garsonnet, segundo o qual:

Ter em conta, em certa medida, o valor de conveniência ou de afeição que para ele (expropriado) tinha a propriedade que lhe é tirada, e compensar assim até um certo ponto, se possível, a contrariedade ou mesmo a mágoa que ele experimenta em deixar uma residência cômoda, agradável, ao alcance de seus negócios ou que lembranças de família tornaram querida (GARSONNET, 1900, p. 23).

Por fim deve-se citar o magistério de Souza (1999, p. 47):

Em suma, é forçoso incluir o valor de afeição na indenização expropriatória sempre que o bem guardar uma especial relação de afeto para com o proprietário. Caso não o seja, restará descumprido um princípio constitucional, o de que a indenização deve ser justa. A aceitar-se a inclusão do valor de afeição na fixação da indenização expropriatória, é bastante que se leve em conta que o problema da justa indenização, diabolicamente complicado por uma série de indagações quase sempre sem sentido, é tão simples que os fatores complicadores vêm dos interrogantes e não das questões.

O desembargador José Domingues Ferreira Esteves do Tribunal de Justiça

do Estado de Minas Gerais também teve a oportunidade de julgar nesse sentido em

Page 48: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE – UNIVALE · defined in each case, with the factual analysis of damage to person as well as with the convictions of the justice court . The Moral Damage

47

24 de julho de 2007 em apelação cível de ação de reparação de danos materiais e

morais em face da Administração Pública da cidade de Uberaba. Abaixo a ementa

do referido acórdão:

AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS - VIOLAÇÃO DE SEPULTURA MEDIANTE DESAPROPRIAÇÃO - AUSÊNCIA DE PRÉVIO PROCESSO ADMINISTRATIVO - INÍCIO DO PRAZO PRESCRICIONAL. O prazo prescricional só tem início na data do conhecimento da violação da sepultura. A desapropriação de sepultura, sem prévio procedimento administrativo, não merece guarida, notadamente, diante da relevância do bem jurídico tutelado. Quem providencia o sepultamento de familiar próximo, irrefutavelmente, sofre abalo à moral, sofrimento e angústia por ser surpreendido pela remoção do ente querido da sepultura que adquiriu, sem sequer poder recuperar os restos mortais, para o culto ao falecido. Sentença parcialmente reformada no reexame, prejudicados os recursos voluntários. Nº. do processo: 1.0701.03.056174-3/001

4.

Outros casos típicos de danos morais em decorrência de procedimentos

desapropriatórios aparecem nas construções de barragens hidrelétricas, muito

comuns em nosso país e que geram muitos impactos, tanto ao meio ambiente como

às populações ribeirinhas.

De fácil e notória constatação, é o dano material sofrido pelas populações,

com a perda das terras, plantações, casas e demais benfeitorias a serem inundadas.

Já quanto aos outros danos causados, muito pouco é dito e nada é proposto para a

sua indenização. Essas construções muito comumente causam além da migração,

perdas sociais e simbólicas, ou seja, a ruptura das relações de vizinhança, de

parentesco, de comunidade.

Há ainda percepção de prováveis perdas de bens culturais, tais como igreja,

cemitério, escola, bem como mudanças dos costumes e das tradições, a tristeza

gerada durante toda a duração do Licenciamento Ambiental, o constrangimento e a

dor de sair do lugar onde mora e sempre morou e de ver sua história e cultura ser

apagada, além da perda do imóvel com valor de afeição. Muitas memórias

4 Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Acórdão. Número do processo: 1.0701.03.056174-

3/001. Relator desembargador José Domingues Ferreira Esteves. Disponível em http://www.tjmg.jus.br/juridico/jt_/inteiro_teor.jsp?tipoTribunal=1&comrCodigo=701&ano=3&txt_processo=56174&complemento=1&sequencial=0&palavrasConsulta=AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS - VIOLAÇÃO DE SEPULTURA MEDIANTE DESAPROPRIAÇÃO - AUSÊNCIA DE PRÉVIO PROCESSO ADMINISTRATIVO - INÍCIO DO PRAZO PRESCRICIONAL. &todas=&expressao=&qualquer=&sem=&radical= Acesso em 4 de maio de 2010.

Page 49: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE – UNIVALE · defined in each case, with the factual analysis of damage to person as well as with the convictions of the justice court . The Moral Damage

48

e histórias da população ficam debaixo d‟água para sempre, sem nenhuma

compensação.

O modo de vida dos produtores rurais e suas raízes históricas, que se

mantêm pela continuidade em uma determinada comunidade, constituem um bem

incorpóreo. Muito mais do que terras inundadas, têm-se memórias, culturas e

valores afetivos.

Dessa forma à luz da CF/88, não há como se afastar a indenização do dano

moral, quando o mesmo surgir em razão de uma desapropriação. Defender o

contrário é restringir comando constitucional e desconsiderar o real alcance da

expressão „justa indenização‟. Seria antagônico que o mesmo Direito, que torna

bens de maior significância indisponíveis, até mesmo para os seus próprios titulares,

deixasse-os sem reparação, quando atingidos pela desapropriação, ressarcindo

apenas aqueles de menor significado, meramente patrimoniais e disponíveis.

4.3 A POSIÇÃO DOS TRIBUNAIS SUPERIORES

É pacífica nos Tribunais Superiores do Brasil (Supremo Tribunal Federal e

Superior Tribunal de Justiça) a possibilidade de indenização por danos morais tendo

em vista que a própria Constituição brasileira em seu artigo 5º incisos V e X garante

tal direito aos cidadãos.

Já no que se referente ao instituto da desapropriação, por se tratar de um

procedimento complexo, os julgados e jurisprudências são diversos. No entanto,

aqueles que envolvem danos morais não chegaram a ter seu mérito discutido. Nos

casos submetidos às suas apreciações, os Tribunais sempre questionavam a

incompetência dos mesmos ou o não cabimento dos recursos utilizados pelas

partes.

O Ministro Eros Grau do Supremo Tribunal Federal em decisão de agravo de

instrumento AI 765523/RS em 26 de agosto de 2009, se manifestou nesse sentido:

Ao analisar caso análogo, essa Corte fixou entendimento no sentido de que a controvérsia sobre ressarcimento de danos morais em caso de desapropriação de terras declaradas de posse indígena tem natureza infraconstitucional, é o que se depreende do julgamento do RE n. 472.098-AgR, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, assim ementado: Recurso extraordinário: descabimento: acórdão recorrido que deferiu pedido de indenização por danos morais e materiais decorrentes de expulsão de

Page 50: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE – UNIVALE · defined in each case, with the factual analysis of damage to person as well as with the convictions of the justice court . The Moral Damage

49

terras declaradas de posse permanente dos indígenas: controvérsia de natureza infraconstitucional, relativa ao direito do recorrido ser ressarcido pelos danos que lhe foram infligidos pela ação da Administração Pública: a alegada violação dos dispositivos constitucionais invocados seria, se ocorresse, indireta ou reflexa, que não enseja reexame na via do recurso extraordinário: incidência, mutatis mutandis, do princípio da Súmula 636: Não se questiona nos autos o fato de as terras pertencerem a povo indígena ou de ser da União a competência para fazer a demarcação das terras indígenas.

5

No entanto, aguarda-se o julgamento pelo STF de Recurso Extraordinário

intentado pelo Estado do Rio Grande do Sul contra acórdão proferido pelo Tribunal

de Justiça daquele estado em que o Egrégio Tribunal terá a oportunidade de se

manifestar acerca do assunto.

O caso se trata de ação de indenização por danos morais intentada em face

do Estado do Rio Grande do Sul por Emilio Zanini e Irica Sartori Zanini em razão de

terem sido obrigados a entregar sua propriedade rural, pois considerada área de

ocupação tradicional indígena.

O Juiz de Direito em primeira instância julgou improcedente o pedido e

justificou dizendo que as partes teriam transacionado sobre a indenização devida em

razão das terras que deveriam ser devolvidas aos indígenas, inclusive quanto aos

danos morais.

Em recurso de apelação nº. 70019747492 os autores postularam a reforma

da sentença. Alegaram que a escritura pública de indenização de Áreas Indígenas,

firmado entre as partes, abrangia, tão-somente, os valores pertinentes aos bens

imóveis, e não indenização por eventuais danos morais sofridos.

O Tribunal de Justiça, por sua vez, julgou procedente a apelação dos

autores e justificou que os danos morais sofridos pelas partes decorreram da

perturbação de sua paz ocorrida no processo de devolução das terras aos índios,

com as invasões promovidas por estes e a própria perda da propriedade, levando-os

a modificar o plano de suas vidas, afastando-os dos vínculos que mantinham com o

local. Nesse sentido, levou em conta que os autores foram forçados a saírem de

imóvel que possuíram por aproximadamente trinta anos. Por fim determinou que R$

15.000,00 para cada um dos demandantes seriam adequados para minimizar os

danos morais suportados.

5 Superior Tribunal Federal. Agravo de Instrumento Nº. 765523/RS. Relator Ministro Eros Grau. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=(Desapropriação danos morais) NAO S.PRES.&base=baseMonocraticas. Acesso em 03 de maio de 2010.

Page 51: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE – UNIVALE · defined in each case, with the factual analysis of damage to person as well as with the convictions of the justice court . The Moral Damage

50

O estado do Rio Grande do Sul, insatisfeito com a decisão do Tribunal de

Justiça, intentou os recursos extraordinário e especial nº. 70024041444 que não

foram admitidos em decisão interlocutória desse mesmo tribunal. Assim o estado

membro mediante agravo de instrumento requereu ao STF a admissão do recurso

extraordinário que foi deferida, conforme pode se verificar na recente decisão da

Ministra relatora Carmen Lucia:

Em uma análise preliminar, a matéria é constitucional e não demanda o reexame do conjunto probatório constante dos autos, pois se trata de saber se a desapropriação de terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, nos termos do art. 231, § 6º, da Constituição da República ensejaria indenização por danos morais aos não índios em decorrência da sua retirada das terras, razão pela qual afasto os fundamentos da decisão agravada. Pelo exposto, dou provimento a este agravo de instrumento. Subam os autos para apreciação do recurso extraordinário (art. 21, inc. VI, e art. 316 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal).

6

Portanto através do Recurso Extraordinário em questão o Supremo Tribunal

Federal terá a oportunidade de julgar a possibilidade de indenização por danos

morais decorrentes do procedimento de desapropriação pelo Poder Público, posição

defendida nessa monografia.

6 Superior Tribunal Federal. Agravo de Instrumento Nº. 759092/ RS. Relatora Ministra Cármen Lúcia.

Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=(Desapropriação danos morais) NAO S.PRES.&base=baseMonocraticas. Acesso em 03 de maio de 2010.

Page 52: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE – UNIVALE · defined in each case, with the factual analysis of damage to person as well as with the convictions of the justice court . The Moral Damage

51

5 METODOLOGIA

A presente pesquisa foi teórica e se fundamentou nos métodos dedutivo e

histórico. Inicialmente foi feita uma abordagem geral dos diplomas normativos,

regras e princípios imprescindíveis para a análise do problema, para só então

vislumbrar, mediante contrastes e co-relações uma possível solução.

Para a realização dessa análise geral, fez-se uma abordagem

transdisciplinar que perpassa o Direito Constitucional, Civil e Administrativo

buscando determinar os fundamentos embasadores da necessidade e possibilidade

de se exigir indenização por danos morais decorrentes do procedimento de

desapropriação pelo Poder Público.

Foi utilizada a técnica de pesquisa teórico-bibliográfica, partindo-se do

levantamento de material bibliográfico e documentação do material coletado

(doutrina, jurisprudências e legislações) para posterior estudo crítico e elaboração da

redação final.

Page 53: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE – UNIVALE · defined in each case, with the factual analysis of damage to person as well as with the convictions of the justice court . The Moral Damage

52

6 CONCLUSÃO

De tudo o exposto conclui-se que no ordenamento brasileiro não existe um

diploma normativo específico que discipline os danos morais, mas o reconhecimento

de sua existência e aplicação já é pacificado no direito positivo. Com a Constituição

Federal de 1988 a reparação do dano moral ganha patamar constitucional, dotada

de autonomia e pleno reconhecimento como direito fundamental.

Danos patrimoniais são aqueles que geram um prejuízo material evidente e

determinado à esfera patrimonial de um indivíduo ou de uma coletividade e dano

moral toda lesão não patrimonial que venha a sofrer o indivíduo e que cause

repercussão no seu interior e é passível de reparação.

Os ordenamentos jurídicos evoluíram e hoje atribuem também ao Estado a

responsabilidade pela reparação dos danos causados aos particulares, uma vez que

é visível que, como toda atividade, a da Administração pode causá-los, inclusive os

de ordem moral.

A responsabilidade civil do Estado em razão de comportamentos danosos

em suas relações com seus administrados é objetiva, ou seja, não se perquire de

culpa ou dolo no momento de praticar a ação danosa.

A Desapropriação, por sua vez, é uma faculdade da Administração Pública

da retirada da propriedade de alguém sobre um bem desde que motivada por uma

necessidade ou utilidade pública ou interesse social que justifique tal conduta ou

ainda em decorrência do mau uso ou do não cumprimento da função social da

propriedade. Este procedimento está fundamentado no princípio da supremacia do

interesse coletivo sobre o individual e na idéia de domínio eminente de que dispõe o

Estado sobre todos os bens existentes em seu território.

A este direito de desapropriar do Poder Público corresponde o dever de

reparar o dano decorrente do ato estatal, de forma que os interesses públicos e do

particular se harmonizem e que ambas as esferas jurídicas sejam respeitadas. A

desapropriação deve ser acompanhada por uma indenização ao proprietário que

perdeu o domínio sobre o bem. Em que pese ser uma faculdade da Administração, a

desapropriação tem um caráter compulsório para o particular, que terá seu dano

desagravado pela indenização recebida.

A desapropriação é possível desde que a Administração Pública obedeça às

condições que a autorizam: necessidade pública, utilidade pública ou interesse

Page 54: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE – UNIVALE · defined in each case, with the factual analysis of damage to person as well as with the convictions of the justice court . The Moral Damage

53

social, pagamento de indenização prévia, justa e em dinheiro, no caso de

desapropriação comum e em títulos especiais da dívida pública, quando se tratar de

desapropriação para política urbana ou para reforma agrária.

O procedimento de desapropriação se divide basicamente em duas fases: a

fase declaratória - momento em que o Poder Público emite a sua intenção de ulterior

transferência da propriedade do bem para seu patrimônio - e a fase executória que

será administrativa quando houver acordo com o proprietário ou judicial quando não

houver.

O termo justa indenização é um ideal que deve ser buscado com a máxima

intensidade de modo que o juiz deve valer-se de sua convicção e exame de todos os

motivos que o processo lhe ofereça. Nessa análise deve-se incluir o valor de afeição

que o bem possui para o desapropriado, de modo a possibilitar-lhe, o ressarcimento

pelo dano moral sofrido em decorrência da perda do bem.

A perda, pelo particular, de um bem de grande valor de afeição, em favor do

Estado, indiscutivelmente pode vir a causá-lo um dano moral e se os bens morais

constituem bens jurídicos, não podem deixar eles de serem tutelados pelo direito.

Assim a desapropriação, como modalidade de extinção do direito de

propriedade do particular, pode gerar não só um dano material, dada a repercussão

na órbita patrimonial do indivíduo, mas igualmente em sua esfera moral, de modo

que esta eficácia não pode ser desprezada pelo cientista do direito.

As modalidades de desapropriação aptas a gerarem ressarcimento por dano

morais são as ordinárias (decorrentes de necessidade ou utilidade pública e

interesse social) e as indiretas. As modalidades extraordinárias decorrentes do

descumprimento da função social não geram direito a esse ressarcimento por

incompatibilidade e as decorrentes do mau uso da propriedade em virtude de

plantações de psicotrópicos não geram direito a qualquer tipo de indenização por

proibição da própria lei.

A resistência encontrada na doutrina e jurisprudência, em aceitar a inclusão

do valor de afeição na noção de justa indenização, encontra explicação no arraigado

e arcaico hábito da só reparação do dano patrimonial.

Já existem julgados que integram o dano moral no quantum indenizatório

decorrente da desapropriação, mas aguarda-se a posição do Supremo Tribunal

Federal acerca da posição aqui defendida, que terá a oportunidade de se posicionar

com o julgamento do Recurso Extraordinário nº. 70024041444.

Page 55: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE – UNIVALE · defined in each case, with the factual analysis of damage to person as well as with the convictions of the justice court . The Moral Damage

REFERÊNCIAS

BITTAR, Carlos Alberto. Tutela dos direitos da personalidade e dos direitos autorais nas atividades empresariais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993.

______, Carlos Alberto. Reparação civil por danos morais. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.

BRASIL. Constituição, 1988. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 05 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 15 mar. 2010.

______. Decreto-lei nº. 3.365 de 21 de junho de 1941. Dispõe sobre desapropriações por utilidade pública. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/Decreto-Lei/Del3365.htm>. Acesso em: 25 abr. 2010.

______. Lei nº. 4.132 de 10 de setembro de 1962. Define os casos de desapropriação por interesse social e dispõe sobre sua aplicação. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L4132.htm> Acesso em: 25 abr. 2010.

______. Lei nº. 4.504 de 30 de novembro de 1964. Dispõe sobre o Estatuto da Terra

e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/L4504.htm>. Acesso em: 25 abr. 2010.

______. Lei nº. 7.347 de 24 de julho de 1985. Disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio-ambiente, ao consumidor, a bens e

direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/L7347orig.htm>. Acesso em: 15 mar. 2010.

______. Lei n.º. 8.078 de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do

consumidor e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8078.htm>. Acesso em: 15 mar. 2010.

______. Lei nº. 10.406 de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Novo Código Civil brasileiro. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.

CAHALI, Yussef Said. Dano moral. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998.

CÓDIGO DE DIREITO CANONICO. Promulgado pela autoridade João Paulo II, Papa. Roma: 25 de Janeiro de 1983. Disponível em: <http://www.vatican.va/archive/esl0020/_index.htm> Acesso em: 25 abr. 2010.

CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários às leis de desapropriação. 2. ed. São Paulo: Bushatsky, 1976.

Page 56: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE – UNIVALE · defined in each case, with the factual analysis of damage to person as well as with the convictions of the justice court . The Moral Damage

DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS. Adotada e proclamada

pela resolução 217 A (III) da Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948. Disponível em: <http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm>. Acesso em: 25 abr. 2010.

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. São Paulo: Editora Saraiva, 1998.

______. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

FAGUNDEZ, M. Seabra. Da desapropriação no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos. 1949.

GARSONNET, Pierre Bouchez. Traité de l’expropriation. França: Paul Dupont, 1900.

LIMA, Paulo de Araújo. Imissão na posse dos bens expropriados. RDA 82/395.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2002.

MELO, Nehemias Domingos de. Dano moral coletivo nas relações de consumo. Jus

Navigandi. Teresina, ano 8, n. 380, 22 jul. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5462>. Acesso em: 14 mar. 2010.

MENDES, Vicente de Paula. A indenização na desapropriação. Belo Horizonte: Del Rey, 1993.

MENEGALE, Guimarães. Direito administrativo. 3. ed. 1957.

MONTEIRO FILHO, Carlos Edison do Rêgo. Elementos de responsabilidade civil por dano moral. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.

MOTTA, Carlos Pinto Coelho. Curso Prático de Direito Administrativo. Belo Horizonte: Del Rey, 1999.

NOBRE JUNIOR, Edílson Pereira. Desapropriação para fins de reforma agrária. 3. ed. Curitiba: Juruá, 2006.

PEREIRA, Cáio Mario da Silva. Instituições de direito civil. 15. ed. v. 2. Rio de Janeiro: Forense, 2005.

PIETRO, Maria Sylvia Zannela Di. Direito administrativo. 10. ed. São Paulo: Atlas, 1999.

SALLES, José Carlos de Moraes. A desapropriação à luz da doutrina e da jurisprudência. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992.

Page 57: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE – UNIVALE · defined in each case, with the factual analysis of damage to person as well as with the convictions of the justice court . The Moral Damage

SILVA, Wilson de Melo. O dano moral e sua reparação. Rio de Janeiro: Forense, 1993.

SODRÉ. Eurico. A Desapropriação. 3. ed. (póstuma). São Paulo: Saraiva, 1955.

SOUZA, Paulo Cesar de. A indenização por danos morais na desapropriação após a constituição federal de 1988. v. 88, n. 759, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.

Superior Tribunal Federal. Agravo de Instrumento Nº. 765523/RS. Relator Ministro

Eros Grau. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=(Desapropriação danos morais) NAO S.PRES.&base=baseMonocraticas. Acesso em 03 de maio de 2010.

Superior Tribunal Federal. Agravo de Instrumento Nº. 759092 / RS . Relatora Ministra Cármen Lúcia. Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=(Desapropriaç

ão danos morais) NAO S.PRES.&base=baseMonocraticas. Acesso em 03 de maio de 2010.

TELLES, Inocêncio Galvão. Direito das obrigações. 6. ed. Coimbra: Coimbra, 1989.

Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Acórdão. Número do processo: 1.0701.03.056174-3/001. Relator desembargador José Domingues Ferreira Esteves.

Disponível em http://www.tjmg.jus.br/juridico/jt_/inteiro_teor.jsp?tipoTribunal=1&comrCodigo=701&ano=3&txt_processo=56174&complemento=1&sequencial=0&palavrasConsulta=AÇÃ

O DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS - VIOLAÇÃO DE SEPULTURA MEDIANTE DESAPROPRIAÇÃO - AUSÊNCIA DE PRÉVIO PROCESSO ADMINISTRATIVO - INÍCIO DO PRAZO PRESCRICIONAL. &todas=&expressao=&qualquer=&sem=&radical= Acesso em 4

de maio de 2010.

WALD, Arnoldo. Curso de direito civil brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989.

ZENUM, Augusto. Dano Moral e sua Reparação. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998.