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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE INSTITUTO DE CIÊNCIAS DA SOCIEDADE DE MACAÉ DEPARTAMENTO DE DIREITO AMANDA ZACCHE RODRIGUES POLÍTICAS MIGRATÓRIAS: PERSPECTIVA COMPARADA ENTRE BRASIL E PORTUGAL MACAÉ 2017

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

INSTITUTO DE CIÊNCIAS DA SOCIEDADE DE MACAÉ

DEPARTAMENTO DE DIREITO

AMANDA ZACCHE RODRIGUES

POLÍTICAS MIGRATÓRIAS: PERSPECTIVA COMPARADA ENTRE BRASIL E

PORTUGAL

MACAÉ

2017

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AMANDA ZACCHE RODRIGUES

POLÍTICAS MIGRATÓRIAS: PERSPECTIVA COMPARADA ENTRE BRASIL E

PORTUGAL

Trabalho de conclusão de curso apresentado ao

Departamento de Direito, do Instituto de

Ciências da Sociedade da Universidade

Federal Fluminense, polo Macaé, como

requisito parcial para a obtenção do grau de

Bacharel em Direito.

Orientadora: Profa. Dr

a. Letícia Leidens

MACAÉ

2017

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Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca de Macaé.

Elaborado por Fabíola Freitas da Silva Rangel – CRB-7/5737

R696 Rodrigues, Amanda Zacche.

Políticas migratórias: perspectiva comparada entre Brasil e Portugal / Amanda Zacche Rodrigues. – Macaé, 2017.

46 f.

Bibliografia: p. 44 - 46.

Orientador(a): Letícia Virgínia Leidens. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Direito) –

Universidade Federal Fluminense, 2017.

1. Política internacional. 2. Migração. 3. Direitos humanos

(Direito internacional público). 4. Imigração. 5. Portugal. I. Leidens,

Letícia Virgínia. II. Universidade Federal Fluminense. Instituto de Ciências da Sociedade de Macaé. III. Título.

CDD 341.1219

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AMANDA ZACCHE RODRIGUES

POLÍTICAS MIGRATÓTIAS: PERSPECTIVA COMPARADA ENTRE BRASIL E

PORTUGAL

Trabalho de conclusão de curso apresentado ao

Departamento de Direito, do Instituto de

Ciências da Sociedade da Universidade

Federal Fluminense, polo Macaé, como

requisito parcial para a obtenção do grau de

Bacharel em Direito.

Aprovada em _____________________________

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________________ Prof. Drª. Letícia Leidens

_____________________________________________

Prof. Me. Andressa Somogy de Oliveira

_____________________________________________

Prof. Drª. Fernanda Andrade Almeida

MACAÉ

2017

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AGRADECIMENTOS

Diante desta realização pessoal, atribuo à palavra gratidão um estado de espírito, que

nos permite ver aprendizados em todas as situações. A Universidade consiste em um universo

de pessoas e ensinamentos, que nos possibilita ser gratos aos triunfos e quedas, às afinidades e

divergências, ao ceder e ao receber, já que não há um curso em que alguém se forme sozinho,

e não há aluno sem a dedicação de um professor.

Agradeço aos familiares e amigos pela paciência em épocas que a Universidade exigiu

dedicação e a maior parte do meu tempo.

Sinto-me grata principalmente por ter pais que apoiam todos os meus sonhos e me

oferecem todo suporte para alcançar meus objetivos. Gostaria de agradecer à minha mãe

Cláudia pelo amor incondicional, por me ensinar a ser forte, determinada e por estar sempre

disposta a me oferecer o seu colo. Agradeço ao meu pai Paulo, por ser extremamente

amoroso, atencioso, por me mostrar a força do pensamento positivo, e me ensinar a priorizar

sempre a minha felicidade.

Agradeço imensamente a minha irmã Carolina por ser a minha maior incentivadora,

por acreditar no meu potencial e por estar ao meu lado em todos os desafios e conquistas. Sem

dúvidas, o seu exemplo de mulher forte e dedicada foi essencial para a minha formação.

Agradeço a Universidade Federal Fluminense pelos cinco anos de aprendizado e a

todos os professores que contribuíram nessa caminhada.

À Universidade de Lisboa, que me recepcionou em um semestre de mobilidade

internacional acadêmica, onde pude experimentar a discência em uma Universidade

estrangeira, e que abriu meus horizontes para os temas que repercutem atualmente no cenário

internacional jurídico. Sem essa experiência, provavelmente o tema escolhido para o trabalho

não seria o mesmo, além de possibilitar a vivência temporária em outro país, pois só se sabe

verdadeiramente os desafios enfrentados pelos imigrantes, quando a pessoa se torna um.

À toda equipe do escritório F.L.Melo Advogados, onde estagiei por dois anos. Posso

dizer que aprendi muito mais do que advogar e que ganhei uma segunda família. Agradeço

principalmente ao meu mestre Felipe Melo, que fez questão de ser mais do que um chefe que

apenas gerencia o meu trabalho, sendo na verdade um líder, mentor, e até mesmo um pai, por

incentivar o meu desenvolvimento pessoal e me inspirar a cada dia com seu exemplo.

Por fim, e não menos importante, à minha orientadora, a Prof. Dra. Letícia Leidens,

pela paciência e pelos ensinamentos. Agradeço principalmente por estar sempre disposta a

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ouvir meus apontamentos e contribuir de forma construtiva desde a escolha do tema até a

conclusão do trabalho.

Dedico esse trabalho, com amor, aos meus pais, que são a minha base, e à minha irmã,

que é a referência.

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RESUMO

O presente trabalho analisa os fluxos migratórios do Brasil e de Portugal, desde a época do

Brasil colonial e das grandes navegações, respectivamente, até a atualidade, traçando um

paralelo entre as políticas de imigração adotadas pelos países e o contexto histórico social e

econômico vivenciado. O problema da pesquisa cinge-se na adoção de políticas migratórias

voltadas unicamente ao interesse nacional pelos Estados, o que consequentemente gera graves

violações aos direitos humanos dos imigrantes. Ressalta-se, portanto a necessidade de uma

legislação supranacional específica sobre os direitos migratórios. Neste diapasão, o trabalho

cumpre analisar os aspectos históricos e a evolução legislativa dos países em questão,

expondo as melhorias e apontando os problemas que ainda persistem em relação ao tema.

Palavras-chave: autonomia estatal; direitos humanos; direito internacional; direito

migratório; imigração.

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ABSTRACT

The present essay analyzes the migratory flows of Brazil and Portugal, since the colonial

period in Brazil and the great navigations, until present, drawing a parallel between the

immigration policies adopted by the countries and the historical, social and economic context

experienced. The research issue is focused on the adoption of migratory policies geared solely

to the national interest by the states, which consequently generates serious violations of the

human rights of immigrants. Therefore, the need for specific supranational legislation on

migratory rights is emphasized. In this context, the essay is worth analysing the historical

aspects and the legislative evolution of the countries in question, exposing the improvements

and pointing out the problems that still persist in relation to the theme.

Keywords: estate’s autonomy; human rights; immigration; immigration law; international

law.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 1

1 A POLÍTICA MIGRATÓRIA NO BRASIL .................................................................. 5

1.1 DA COLONIZAÇÃO AO ESTADO NOVO ............................................................................ 5

1.2 PERÍODO DITATORIAL E AS POLÍTICAS AUTORITÁRIAS E RESTRITIVAS ............................. 8

1.3 A REDEMOCRATIZAÇÃO E O BRASIL PÓS-CONSTITUCIONAL .......................................... 10

1.4. A NOVA LEI DO IMIGRANTE E O ESTATUTO DO ESTRANGEIRO: POLÍTICA MIGRATÓRIA DA

ATUALIDADE .................................................................................................................... 13

2.A POLÍTICA MIGRATÓRIA EM PORTUGAL.......................................................... 16

2.1 AS GRANDES NAVEGAÇÕES: UM PAÍS TRADICIONALMENTE DE EMIGRAÇÃO .................. 16

2.2 A MUDANÇA DOS FLUXOS: .......................................................................................... 17

2.2.1 O processo de descolonização .............................................................................. 17

2.3 UMA POLÍTICA MIGRATÓRIA EUROPEIA E A ADESÃO AO ESPAÇO SCHENGEN .................. 20

2.4 A LÓGICA DO MERCADO .............................................................................................. 24

2.5 A FASE DAS MEDIDAS DE REGULAÇÃO DOS FLUXOS ...................................................... 26

2.6 A ATUAL POLÍTICA MIGRATÓRIA.................................................................................. 27

3. A PROTEÇÃO INTERNACIONAL DOS DIREITOS DOS IMIGRANTES ............. 33

3.1. OS DIREITOS HUMANOS FRENTE À SOBERANIA ESTATAL .............................................. 36

CONCLUSÃO ................................................................................................................... 41

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............. 44ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO.

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1

INTRODUÇÃO

A imigração faz parte da história da humanidade e foi através do movimento humano

que o planeta foi amplamente colonizado. Os fluxos migratórios acompanham o contexto

geopolítico determinado no mundo, apesar de não haver regulamentação específica sobre o

tema no cenário internacional.

Utilizando-me da experiência de estudar durante seis meses na Universidade de

Lisboa, em Portugal, devido ao programa de mobilidade internacional da Universidade

Federal Fluminense, pude constatar como a imigração é um fenômeno que impacta

consideravelmente a sociedade atual, principalmente na Europa. Observei também que os

bairros predominantemente de imigrantes são considerados perigosos pela sociedade

portuguesa, fato este que me motivou a pesquisar mais sobre como esses indivíduos são vistos

perante os países que os recepcionam.

De acordo com o Ministério das Relações Exteriores1, atualmente existe mais de três

milhões de brasileiros vivendo no exterior, um número expressivo e que denota a concepção

de que buscar a vida em outros países faz parte da realidade e da motivação de muitos

nacionais, e por essa razão o assunto merece ser cada vez mais debatido e conhecido por

todos, inclusive os operadores do direito.

O advento da globalização acentuou as relações interestatais, cada vez mais as

empresas são incentivadas a se internacionalizarem, o capital atravessa fronteiras

abundantemente e diversos são os motivos que levam as pessoas a buscar uma vida no

exterior, como qualidade de vida, ofertas de emprego e reunificação familiar2.

Não obstante, os países possuem autonomia para regular a entrada de imigrantes em

seu território, e muitas vezes o faz observando o interesse nacional e a ascensão do Estado.

Por mais que os indivíduos sejam cotidianamente incentivados a ultrapassar as fronteiras e

1 Ministério das Relações Exteriores. Disponível em: http://www.brasileirosnomundo.itamaraty.gov.br/a-

comunidade/estimativas-populacionais-das-comunidades/Estimativas%20RCN%202015%20-

%20Atualizado.pdf Acesso em: 01 de dezembro de 2017. 2 ANDENA, Emerson Alves. Transformações da Legislação Imigratória Brasileira: Os (des)caminhos rumo

aos direitos humanos. USP, São Paulo, 2013, p. 3.

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almejar novas oportunidades em outros países, na realidade tais pessoas se deparam com

políticas migratórias restritivas e graves violações aos direitos humanos do estrangeiro3.

É mister reforçar a ideia de que posicionamentos nacionalistas não podem justificar

violações aos direitos humanos. Ao sobrepor os interesses estatais em relação aos interesses

individuais do imigrante, cria-se circunstâncias experimentadas por estrangeiros em diversos

países, sendo ele desenvolvido ou não, como a privação de garantias sociais, situações de

ilegalidade, submissão à exploração da força de trabalho, por não possuir um visto que

permita o exercício laboral. Além do exposto, muitas vezes o estrangeiro é considerado um

―extraterrestre‖ pela população, alimentada de ideias xenofobicas.

Neste sentido, o presente trabalho analisa os fluxos migratórios do Brasil e de

Portugal, países intrinsecamente ligados no quesito migração, ao considerar que o primeiro foi

colônia do segundo nos tempos das grandes navegações e do expansionismo europeu, e

criaram-se laços que até hoje perpetuam no interesse de seus nacionais de estabelecerem a

vida em um país com tantas similaridades culturais e por motivos de descendência.

Além do exposto, Portugal está inserido na União Europeia, um bloco de livre

circulação de pessoas regulado por um direito transnacional, e por isso apresenta diferenças

substanciais em relação à política migratória, ao comparar com o Brasil. Neste aspecto, e

diante da crescente ideia de se estabelecer blocos econômicos e de livre circulação, nota-se a

relevância para o Brasil e demais países do MERCOSUL do estudo dos fenômenos ocorridos

na Europa e as consequências sociais e jurídicas das políticas migratórias determinadas para

os países que são regidos por normas supranacionais.

Reconhecido a importância da União Europeia em provar de forma empírica a

capacidade de uma supranacionalidade, e de garantir direitos para uma rede populacional que

ultrapassa os limites estatais4, questiona-se por que os Estados continuam insistentes em

adotar políticas migratórias que impedem a livre entrada e permanência de pessoas em seus

territórios. Por mais que seja custoso para os países manterem uma política garantidora de

direitos, há incontáveis benefícios na recepção de estrangeiros, como o suprimento da

necessidade de mão de obra e o intercâmbio cultural.

3 ANDENA, ibid., p. 3.

4 LIMA, Marcelo. O Estado versus o estrangeiro: reflexões sobre a soberania e a liberalização da imigração

à luz do cosmopolitismo. Boletim Científico ESMPU, Brasília, a. 10 – n. 35, p. 51-82 – jul./dez. 2011, p. 55.

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Nas palavras do autor Marcelo Lima5 ―a União Europeia serviu para demonstrar que já

há estrutura administrativa e jurídica suficiente para avanços maiores, em matéria de direitos

humanos e extensão da cidadania a uma grande população.‖. Se tais avanços são perceptíveis,

considera-se que a comunhão de esforços entre os países e a busca pelo desenvolvimento dos

direitos humanos em todas as esferas sociais, também podem possibilitar que nenhum

indivíduo fique desamparado fora das fronteiras de seu estado nação e que seja garantido sua

liberdade de ir, vir e permanecer onde desejar.

Neste diapasão, o problema da pesquisa consiste no fato de que por mais que os ideais

imigratórios estejam amplamente difundidos, falta mecanismos para coagir os Estados a

cumprirem a regulamentação internacional, ou como já salientado, falta legislação

internacional específica sobre o assunto, que não abra brechas para que os países violem os

direitos humanos do imigrante.

Isso posto, questiona-se se as políticas migratórias adotadas pelos países em questão

são condizentes com a realidade política e social e se são efetivas em garantir os direitos dos

imigrantes. Busca-se responder tais apontamentos analisando o contexto histórico e a lei em

vigência em cada país, ressaltando se houve avanços em uma perspectiva humanitária e os

problemas ainda enfrentados no quesito migração.

Neste sentido, o método utilizado na pesquisa será primordialmente a análise de

estudos históricos e legislações, visto que a intenção é dispor como esses dois fatores estão

relacionados, considerando que as leis são feitas de acordo com o interesse nacional, muitas

vezes desatendendo as demandas individuais ou de determinada minoria.

O trabalho cumpre destacar que a falta dessa regulamentação específica possibilita os

Estados a agirem conforme os interesses da época e as necessidades experimentadas. Em

tempos de escassez de mão de obra, adotam-se políticas migratórias mais maleáveis, quando o

interesse é trabalhadores qualificados, restringem-se os vistos para aqueles que possuem

condições de investir no país, e em tempos de enaltecimento do nacionalismo

exacerbadamente, e fomentação de ideias xenofobicas, se fecham as fronteiras para os

imigrantes.

Diante do exposto, o primeiro capítulo esboçará as políticas migratórias postas em

prática pelo Estado brasileiro, desde a época colonial, em que o país recebia majoritariamente

5 LIMA, Ibid., p. 55.

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colonos incentivados pelo governo português, com objetivos exploratórios, até as tendências

atuais, ressaltando o contexto histórico da época. Cita-se o período ditatorial, em que a

imigração era severamente restrita e o advento da Constituição Federal de 1988, na qual

conceitos humanísticos foram adotados e observaram-se avanços em relação às garantias dos

imigrantes. Ao final do capítulo traça-se um paralelo entre o Estatuto do Estrangeiro (Lei

6.815/80) e a Nova Lei de imigração (Lei 13.445/2017), destacando o aprimoramento em

âmbito jurídico dos direitos dos imigrantes.

O segundo capítulo traz o panorama em relação às políticas do Estado português,

desde o período das grandes navegações, em que os números de imigrantes recebidos pelo

país eram considerados insignificantes, o processo de descolonização e a mudança dos fluxos,

situação em que os nacionais das ex-colônias passaram a serem os principais imigrantes que

entravam em Portugal, a entrada do país no espaço Schengen e a inserção em um bloco que

desconstituiu as fronteiras entre os membros, gerando novos desafios ao combate da

imigração ilegal. Por fim, os dois últimos itens demonstram a necessidade do país de adotar

medidas que consigam efetivamente regular os fluxos e a crescente tendência de atrair mão de

obra qualificada, respectivamente.

Em relação ao terceiro capítulo, objetiva-se expor as normas relacionadas ao direito

internacional do imigrante existentes nos acordos internacionais de direitos humanos, e a

crítica da necessidade de uma legislação específica sobre direito migratório será esmiuçada.

Por fim, analisa-se os direitos humanos frente a soberania estatal, bem como as ações dos

países em análise neste sentido.

. Ressalta-se que de uma forma geral, o trabalho busca apontar o que é considerado

como novas tendências do direito em relação à imigração, aos direitos humanos e aos blocos

supranacionais.

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1 A POLÍTICA MIGRATÓRIA NO BRASIL

1.1 Da colonização ao Estado Novo

Imperioso para o presente trabalho é a exposição de um panorama da política

migratória brasileira nos tempos remotos, a fim de compreender o atual cenário e traçar uma

linha cronológica de sua evolução, para também destacar as fases políticas e econômicas,

tanto interna quanto externa, que influenciaram nas diretrizes que regulam a vida dos

imigrantes.

Neste diapasão, em relação aos fluxos nos Brasil, pode-se dizer que teve início, de

acordo com as palavras da renomada doutrinadora Ana Luisa Zago de Moraes6, da seguinte

forma:

A invasão europeia no continente americano ou, em uma perspectiva eurocêntrica, o descobrimento, ocorreu no período mercantilista, caracterizado pela crença na

superioridade do Velho Mundo, pela formação de fortes Estados-Nacionais,

inclusive mediante a exploração econômica de colônias além-mar, garantindo o

acesso a matérias-primas...Desse violento ―encontro‖ surgiu a miscigenação:

brancos, os dominadores; índios, os ―donos‖ do território; negros, vindos de forma

forçada, em razão do tráfico de escravos.

Isto posto, é importante salientar que a formação da sociedade brasileira é marcada de

forma latente pelos fluxos migratórios de cada época, sendo criado com base em diferentes

personalidades culturais e raciais. Apesar disso, na opinião da doutrinadora supracitada7: ―os

europeus não emigraram no verdadeiro sentido da palavra‖. Segundo a mesma, a emigração

não pode se tratar apenas de dominar ou explorar temporariamente e economicamente outros

países, e quando for conveniente, retornar para o país que realmente se destinaram os frutos

do processo migratório.

Oportuno ratificar que a escravidão foi um cruel episódio na história do fluxo de

pessoas no país, e que muitas vezes é confundido com imigração, ao considerar que este se

trata do deslocamento voluntário de pessoas para determinado lugar em busca de trabalho e

oportunidades, enquanto aquela pode ser definida como uma mobilidade forçada com fins

exploratórios, que nas palavras de Moraes8, tem-se que:

6MORAES, Ana LuisaZago. Crimigração: a relação entre política migratória e política criminal no Brasil.

São Paulo: IBBCRIM, 2016. p. 53. 7MORAES, ibid, p. 54. 8MORAES, ibid, p. 56.

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A escravidão, aliás, é uma extrema violência contra a mobilidade humana, e se vale

do aparelho repressivo, inclusive estatal para impedir o êxodo da força de trabalho,

que tende a buscar a liberdade, melhores condições de vida e romper condições

desumanas de trabalho e de disciplina a que são submetidas. Nesse norte, a história

da escravidão negra na América demonstra a necessidade vital de controlar o

trânsito de mão de obra, seja por intermédio dos navios fechados, seja pelas técnicas

repressivas empregadas contra os escravos fugidos.

Nota-se ainda que, o modo como os escravos eram vistos perante a sociedade também

foi um motivo para não incluí-los na definição de imigrantes, considerando que eram tratados

como mercadorias, e não como sujeito de direitos, ou conforme consta na tese de Emerson

Alves Andena9:

Imaginar que a imigração internacional foi inaugurada no Brasil com o ingresso dos

escravos seria uma incongruência...Tratado como bem comum suscetível de compra e venda, o escravo, não só no Brasil, mas também em outros países, não era dotado

de personalidade jurídica, não era considerado um ser humano digno de direitos.

Como já salientado, o momento histórico e econômico influenciaram na determinação

dos fluxos e suas características, não sendo diferente em relação a abolição da escravatura, em

que pese se necessitou de uma mão de obra substitutiva para aquela antes exercida pelos

escravos trazidos forçadamente para o Brasil. Moraes10

sabiamente aponta para este marco

histórico, ao expor que:

Outro grande impulso à imigração foi a abolição da escravatura, em 1888, e a

necessidade de incentivar a vinda de trabalhadores de fora do país, principalmente

para as plantações de café nas grandes fazendas do interior de São Paulo, em

substituição ao trabalho escravo. Em razão disso, foi criado o Departamento de

Imigração e Colonização de São Paulo, filiado à Secretaria da Agricultura, com a

finalidade de incentivar as Companhias de Imigração, que tinham a concessão para

trazer os imigrantes europeus para as lavouras de café, transformando a imigração

em uma campanha de arrecadação de mão de obra.

Vale ressaltar, que nas palavras da autora11

, existia a categoria dos imigrantes

subsidiados, que recebiam incentivos para migrarem para o Brasil, como custeio de passagens

e concessão de lotes de terra, sendo eles predominantemente europeus. Há ainda aqueles

imigrantes espontâneos, que vinham por causa própria, e ainda os indesejáveis, que não eram

beneficiados pela política migratória da época. A autora afirma ainda que mesmo aqueles

desejáveis, eram controlados para que se deslocassem para locais de interesse e para se

9 ANDENA, op. cit., p. 55

10MORAES, op. cit., p. 57. 11MORAES, op. cit., p. 58

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portarem conforme as necessidades do governo, sendo certo que os incentivos eram

normalmente voltados para famílias.

Avançando para o período do século XX ou mais especificamente, o pós Primeira

Guerra Mundial, segundo Moraes12

, houve um aumento de restrições e barreiras à livre

migração que existia anteriormente. Nota-se que no período, a figura do colono imigrante

deixa de ser protagonista, e ao invés disso, cria-se a ideia do anarquista estrangeiro,

caracterizado por ameaçar a ordem pública. Nas palavras da autora, têm-se que:

Os ―anarquistas‖, no Brasil, eram aqueles que perturbavam a República Velha de

diversas formas: criticavam as instituições políticas liberais, a Igreja, a família e até

a educação tradicional. Tratavam-se especialmente de fomentadores de greves, ou

seja, pregavam a ação direta mediante a organização dos trabalhadores em

movimentos de contestação não mediados pelas instituições formais, que se

tornavam um grande incomodo para o governo e para as indústrias.13

Convém ressaltar, porém, como o estudo histórico ajuda na compreensão das tomadas

de decisões referente às políticas migratórias, considerando que, por mais que o mundo

estivesse vivendo um período de medidas restritivas à migração, o Brasil não poderia deixar

de garantir os direitos básicos de todos aqueles vindos durante o período colonial. Ora,

conforme aponta a autora supracitada, era latente a necessidade da afirmação da cidadania,

participação política e até mesmo resolução de causas de cunho trabalhistas, sendo os

pioneiros nestas os italianos, que formavam parte do proletariado paulista.14

Assim sendo, a

autora afirma que15

:

A ―Grande Naturalização‖ foi uma resposta às lutas e necessidades dos imigrantes.

Por outro lado, foi um dos estopins para discursos excludentes e de manutenção da

ordem vigente, uma vez que gerou várias críticas contra a ―demasiada‖ abertura do Brasil à ―escória‖ dos demais países. Tais discursos criaram a figura do indesejável,

uma espécie de bode expiatório para os problemas da República: o anarquista-

estrangeiro. Com esse personagem, foi possível associar repressão social com a

eficiente medida de expulsão de estrangeiros.

No mesmo sentido, cita-se ainda um informativo16

do TST, sobre as condições do

trabalho dos imigrantes, na época:

Posteriormente, com o desenvolvimento das leis trabalhistas a partir dos anos 30 (apesar da fundação de certos órgãos essenciais, como o Conselho Nacional do

12MORAES, op. cit., p. 70 13 MORAES, op. cit., p. 71. 14

MORAES, op. cit., p 70. 15MORAES, op. cit., p 73. 16 TST- Informativo da Coordenadoria de Gestão Documental e Memória Ano III - N° 5 - Maio de 2013.

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Trabalho, ter acontecido já na década anterior), surgiu também a necessidade de se

lidar com a massa de imigrantes do ponto de vista das relações legais de trabalho.

Assim, os estrangeiros começaram a buscar também seus direitos na Justiça do

Trabalho quando necessário. Num ambiente em que a discriminação poderia ser

inevitável e as leis relacionadas ao trabalho ainda estavam nascendo, os estrangeiros

tornaram-se alvos vulneráveis.

Neste diapasão, a autora17

afirma ainda que criou-se o pensamento nacionalista

brasileiro, ou em suas palavras: ―Esse nacionalismo lutava contra o passado, avaliado

negativamente, contrapondo-se à colonização e ao Império, e prestigiava a terra e o homem

nacional, que falava a ―língua brasileira‖. Tais mudanças, conforme aponta a autora, deu

início e adquiriu força consolidada durante o Estado Novo, que perdurou até o ultimo governo

do golpe militar.

1.2 Período Ditatorial e as políticas autoritárias e restritivas

Conforme explicitado anteriormente, o período referente ao Estado Novo trouxe

significativas mudanças em relação à aceitação de imigrantes no Brasil. A título de exemplo,

conforme explica Andena18

, cabia na época, ao Ministro da Justiça e Negócios Interiores, o

exame da solicitação acerca da concessão ou não da autorização para o visto dos estrangeiros

que desejavam ingressar no Brasil. É sabido que, na época, vigorava o Decreto-Lei nº

3.175/41, responsável pelo duro controle à entrada de estrangeiros no Brasil. Nesse sentido,

aponta que:

A Lei estabelecia critérios eugênicos que seriam aferidos já na apresentação

brasileira no exterior, mediante análise pessoal do estrangeiro candidato a entrar no país... Orientais de diversas nacionalidades, americanos identificados como não

brancos, estrangeiros de origem judaica que não eram norte-americanos natos, os

portadores de doenças e deficiências físicas e aqueles que não professavam a

religião católica, tinham o pedido indeferido ou enfrentavam uma avaliação muito

mais rigorosa para satisfazer as exigências à concessão de visto.

Vale ressaltar ainda, de acordo com Andena19

, que o Decreto Lei supracitado, excluía

de vez os refugiados nos processos de imigração para o Brasil, considerando que, para entrar

no território brasileiro, era necessária uma autorização de retorno, de fato e de direito, do

Estado onde se obtém o visto ou do Estado que é nacional, dentro do prazo de dois anos a

17

MORAES, op. cit., p .75 18 ANDENA, op. cit. p. 92. 19 ANDENA, op. cit.,91.

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contar da entrada no Brasil. Nota-se que é uma medida influenciada também pela Segunda

Guerra Mundial.

Observa-se que tais diretrizes restritivas de direitos migratórios perduraram no período

do pós-guerra, conforme salienta Moraes20

:

Assim, a política migratória do pós-guerra permaneceu impregnada por uma retórica

nacionalista, bem como de conceitos fundamentados na ciência eugênica para a

defesa do branqueamento da raça. Além disso, com raras exceções, as opiniões emitidas através da Revista de Imigração e Colonização, após 1945, vinham ainda

impregnadas pelas ideias racistas defendidas pelo nazi-fascismo.

A autora supracitada, afirma ainda, que os estrangeiros julgados como comunistas no

Brasil não foram verdadeiramente perdoados após a anistia decretada. Ressalta-se que os

anistiava das práticas do comunismo, porém, não impedia que os acusados fossem expulsos

do território nacional.21

Em relação ao período ditatorial, Andena22

nos traz a reflexão acerca do Decreto-lei nº

941 de 13 de outubro de 1969 e posteriormente ao Ato Institucional nº 5, responsável pelo

endurecimento do sistema governamental, e que passou a regular a situação jurídica do

estrangeiro. Cumpre destacar que, tal dispositivo legal objetivou regular a forma de expulsão

do estrangeiro nocivo à segurança nacional, possibilitando o procedimento sumário para a

medida. Ainda nas palavras do autor: ―Na vigência desse Decreto o regime militar buscava

exigências extralegais e mudava de acordo com seu próprio arbítrio as regras em relação à

admissão de estrangeiros.‖

Assim, o próximo período, conhecido como a redemocratização, viria para garantir, ou

ao menos regular, todos as violações aos direitos humanos que os imigrantes que chegavam

no Brasil sofreram naquela época. O próximo item visa demonstrar a necessidade de garantias

de direitos básicos e expor o advento de uma nova Constituição e de Tratados Internacionais,

que foram fundamentais para inserir o Brasil numa perspectiva global de proteção aos direitos

humanos.

20

MORAES, op.cit. p. 94. 21MORAES, op.cit. p. 95. 22 ANDENA, op. cit., p. 98

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10

1.3 A redemocratização e o Brasil pós-constitucional

Ante o exposto no subitem anterior, e considerando o momento histórico global, pós

segunda guerra, neste tópico observa-se a necessidade de proteger os direitos humanos em

todos os sentidos, com atenção especial aos direitos dos imigrantes, tema principal deste

trabalho monográfico. Assim sendo, cita-se as palavras de Flávia Piovesan23

a respeito do

dado contexto histórico:

Vale dizer, se o fim da Segunda Guerra Mundial significou a primeira revolução no

processo de internacionalização dos direitos humanos, impulsionando a criação de

órgãos de monitoramento internacional, bem como a elaboração de tratados de

proteção dos direitos humanos – que compõem os sistemas global e regional de

proteção – o fim da Guerra Fria significou a segunda revolução no processo de

internacionalização dos direitos humanos, a partir da consolidação e reafirmação dos

direitos humanos como tema global.

Cumpre salientar ainda, o compromisso firmado pela Constituição Federal frente aos

Tratados Internacionais de Direitos Humanos, visto que por mais que a maioria deles não

tenham sido incorporados com status de emenda constitucional, irão compor o rol de direitos

fundamentais em sentido material, estabelecendo seu âmbito de proteção e com eficácia

garantida.24

Em relação ao Brasil, os dados referentes ao fluxo migratório de entrada, mesmo após

a Segunda Guerra, sofreram uma baixa. Nas palavras de Andena25

, o número caiu de

quinhentos e oitenta e sete mil estrangeiros na década de 50, para cento e cinquenta e nove

mil e quinhentos na década de 60, chegando ainda a trinta e nove mil e quinhentos na década

de 70, época conhecida como ―milagre econômico‖. Fato é que, as políticas restritivas

duraram muitos anos, e além disso, por mais que o momento econômico fosse favorável, o

Brasil contraiu uma grande dívida externa, deixando de ser atrativo para a imigração.

A Constituição de 1988 veio também para quebrar paradigmas quanto ao tratamento

dos estrangeiros em terras nacionais. Não é novidade, como aponta Moraes26

, que a

Constituição trouxe em seu corpo, a ideia de dignidade como uma qualidade intrínseca e

indissociável de qualquer ser humano, e, portanto, irrenunciável e inalienável. Ressalta-se,

23 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. São Paulo: Max Limoned,

2004, p. 256. 24

MORAES, op. cit., p. 207. 25 ANDENA, op. cit., p. 38. 26MORAES, op. cit., p.203.

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como aponta a autora27

, que a Constituição Federal é uma ruptura entre o Brasil antigo e o

Brasil pós Constitucional, dando escopo ao Estado democrático de direito e reafirmando

valores humanistas. Nesse diapasão, cita-se o expresso em seu art. 5º em relação aos

estrangeiros: ―... garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a

inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade‖.

Nota-se que o texto constitucional, conforme bem salienta a autora28

, não traz de

forma expressa as características da política migratória brasileira, o que se interpreta é que há

a constatação da pauta de direitos humanos em seus dizeres. Em relação à regulamentação

relacionada à imigração, insta destacar que é competência privativa da União legislar sobre o

tema, embora os estados e municípios possam adotar suas respectivas políticas públicas.

Em relação à participação dos estrangeiros na efetiva vida pública, aponta-se29

que há

certas distinções em relação ao que pode ser exercido por brasileiros natos e naturalizados,

como alguns cargos privativos de brasileiro nato (art.12, §2º), informando ainda que:

O texto constitucional veda, expressamente, o alistamento como eleitor e, portanto, o voto, aos estrangeiros (art.14, §2º), o que não obsta a participação em conselhos

populares, como já ocorre no município de São Paulo, em conferências, audiências

públicas ou outros âmbitos de participação que não exijam alistamento eleitoral. Em

relação a esse tema, aliás, está tramitando, no Congresso Nacional, a Proposta de

Emenda à Constituição 119/2001, que prevê a alteração do art. 14, para facultar a

participação de estrangeiros domiciliados no Brasil em eleições municipais30

É mister apontar quem eram os novos rostos dos imigrantes vindos ao Brasil a partir

da década de 70. Andena31

afirma que eram predominantemente os vindos da América Latina,

citando-se principalmente os bolivianos, argentinos, paraguaios, peruanos e uruguaios. Tal

fato se explica através dos acordos bilaterais formados, ainda na década de 50, para a entrada

de estudantes, bem como as razões políticas e econômicas.

Cristalino dizer, de acordo com Moraes32

, que até meados do século XX as imigrações

ocorriam majoritariamente do Norte para o Sul do mundo, devido as novas oportunidades que

o ―Novo Mundo‖ prometia. Ocorre que, passado tal período, e com o advento da

globalização, que destaca as diferenças econômicas entre os Estados, os fluxos migratórios

27MORAES, op. cit., p. 204. 28MORAES, op. cit., p. 205. 29MORAES, op. cit., p. 204. 30

MORAES, op. cit., p. 205. 31 ANDENA, op. cit., p.38. 32MORAES, op. cit., p. 192.

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passaram a ser dos Estados do sul para os do norte, em busca de melhor qualidade de vida e

ao processo de desenvolvimento, além dos conflitos armados que se observa em diversos

países subdesenvolvidos.

Nota-se, porém, como já exposto por Andena e agora reafirmado por Moraes33

, que

os fluxos na América Latina vêm ganhando força, principalmente, porque houve um

aperfeiçoamento da legislação migratória vigente, bem como a assinatura do acordo de livre

trânsito de trabalhadores entre os países do MERCOSUL.

Andena34

aponta também, que devido ao número crescente de sulistas buscando novas

oportunidades nos países do norte, principalmente Estados Unidos e Europa, a política

migratória brasileira passou a proteger também seus nacionais que buscavam viver em outros

países. Dentre as prioridades da política externa brasileira, cita-se um atendimento mais

eficiente e menos burocrático aos brasileiros nas embaixadas e consulados e o advento de

consulados itinerantes, que se aproximam do brasileiro no exterior. Nota-se que a

preocupação ao adotar tais medidas, também se dá em razão da credibilidade que o Brasil terá

nas relações exteriores.

Vale ressaltar ainda, que a medida supracitada é uma forma de proteção aos

brasileiros, visto que não são desconhecidas as diversas violações de direitos humanos

sofridos por eles no exterior. Diante disso, a Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos

Deputados passou a acompanhar as dificuldades vivenciadas pelos brasileiros em Portugal e

esteve presente no primeiro encontro relacionado à emigração brasileira, que aconteceu em

Lisboa nos anos de 1997. 35

Diante do exposto, por mais que a tendência pós-constitucional fosse garantir a

preservação dos direitos humanos no Brasil, bem como a garantia do direito dos estrangeiros,

pode-se dizer que a legislação que vigorava até os dias atuais não é considerada totalmente

justa ou igualitária em relação a estes direitos. Em se tratando do Estatuto do Estrangeiro (Lei

6.815/1980), segundo Andena36

, é notório como seus dispositivos tendem a selecionar os

imigrantes, atraindo os de mão de obra qualificada e excluindo os demais

33MORAES, op. cit., p. 196. 34

ANDENA, op. cit., p. 41. 35

ANDENA, op. cit., p. 42. 36 ANDENA, op. cit., p. 101.

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1.4. A Nova Lei do Imigrante e o Estatuto do Estrangeiro: Política Migratória da

atualidade

Mister destacar que além da disposição constitucional aberta aos estrangeiros

supracitada, há também a previsão na legislação brasileira de outras leis ordinárias que dão

amparo ao tema proposto, citando-se o Estatuto do Estrangeiro (Lei 6.815/1980) e a Nova Lei

de Imigração (Lei 13.445/2017).

Conforme exposto anteriormente, o Estatuto do Estrangeiro não é o melhor exemplo

de legislação garantidora do ingresso de estrangeiros no Brasil de forma igualitária, sendo ele

na verdade bem restritivo a conveniência nacional. Diante disso, cumpre-se traçar um paralelo

entre o Estatuto do Estrangeiro (Lei 6.815/1980), e a nova lei de imigração (Lei 13.445/2017)

aprovada no Congresso, a fim de apontar a evolução da legislação brasileira neste sentido.

Conforme aponta o escritor Paulo Henrique Faria Nunes37

, a imigração pode trazer

tanto resultados positivos, como negativos para o país receptor, tudo vai depender de sua

organização interna e formulação de suas políticas migratórias. É notório, como o autor

salienta, que em épocas de crise econômica, as normas se tornam mais rígidas e seletivas,

porém, não dá para ignorar, o fato que diversos cidadãos do mundo buscam abrigo por fugir

de zonas de conflito ou Estados em situação de miséria. O ponto em questão é que, com uma

boa administração e execução das políticas migratórias, pode-se descartar a opção de

simplesmente negar ajuda ou acolhimento para seres humanos que só querem uma

oportunidade de viver dignamente.

Em relação ao Brasil, destaca-se, em primeiro ponto, os princípios que norteiam o

tema. Segundo o autor supracitado, o Estatuto do Estrangeiro (Lei 6.815/1980) traz como

princípios gerais sobre a admissibilidade do estrangeiro no Brasil (art.3º) o: Interesse

nacional; Segurança Nacional; Organização institucional; Interesses políticos,

socioeconômicos e culturais; Defesa do trabalhador nacional; Discricionariedade; Respeito à

liberdade (art.50).

Já a Lei de Migração (Lei 13.445/2017), segundo o autor38

, além de trazer um rol

generoso de princípios, inclui também o vocábulo diretrizes, visto que muitos dos incisos

37

NUNES, Paulo Henrique Faria. Lei de Migração: novo marco jurídico relativo ao fluxo transnacional de

pessoas. Goiânia: Edição do autor, 2017, p. 35. 38 NUNES, op. cit. p. 35.

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apontam metas para um futuro próximo, o que já caracteriza o fim evolutivo que a lei

apresenta. Neste sentido, apontam-se alguns desses princípios capazes de ilustrar tal evolução:

Art. 3o A política migratória brasileira rege-se pelos seguintes princípios e diretrizes:

I - universalidade, indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos;

II - repúdio e prevenção à xenofobia, ao racismo e a quaisquer formas de

discriminação;

III - não criminalização da migração;

IV - não discriminação em razão dos critérios ou dos procedimentos pelos quais a

pessoa foi admitida em território nacional;

V - promoção de entrada regular e de regularização documental;

VI - acolhida humanitária;

VII - desenvolvimento econômico, turístico, social, cultural, esportivo, científico e

tecnológico do Brasil; VIII - garantia do direito à reunião familiar;

IX - igualdade de tratamento e de oportunidade ao migrante e a seus familiares;

X - inclusão social, laboral e produtiva do migrante por meio de políticas públicas.

O autor39

ainda afirma que a Lei de Migração (Lei 13.445/2017), veio para afirmar

práticas que já estavam sendo executadas recentemente, como a acolhida humanitária aos

imigrantes haitianos no Brasil, regido pela Resolução Normativa nº 97/2012, que permitiu a

concessão de visto permanente por razões humanitárias.

Outro ponto que merece destaque diz respeito à criminalização da imigração. O

Estatuto do Estrangeiro (Lei 6.815/1980) previa uma séria de sanções variadas como multa,

deportação, expulsão, cancelamento de registro, detenção e reclusão, já a Lei de Migração

(Lei 13.445/2017), apresenta sanções meramente administrativas, sujeitas ao pagamento de

multas ou deportação (art. 106-110). 40

Neste sentido de adoção do princípio da não criminalização do imigrante, Moraes41

aponta que:

O PL 2.516/2015, por outro lado, já apresenta inúmeros avanços, inclusive ao adotar

o princípio da não criminalização dos imigrantes e prever a expulsão como

expressamente destinada somente àqueles que cometerem crime, salvo os de menor potencial ofensivo; ao ampliar as causas de inexpulsabilidade para abranger o

ingresso no país nos primeiros anos de vida, residindo regularmente, desde então; e

a revogação do ato expulsório, após o decurso de determinado lapso temporal e

quando comprovado que o imigrante é réu primário e exerce atividade laborativa.

Quanto aos documentos de viagem e a permanência do estrangeiro no Brasil, é bem

verdade que a Lei de Migração (Lei 13.445/2017) trouxe um rol muito mais extenso do que o

39

NUNES, op. cit., p. 40. 40 NUNES, op. cit., p. 42. 41 MORAES, op. cit., p. 311.

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Estatuto do Estrangeiro (Lei 6.815/1980), conforme aponta Nunes42

. Quanto a isso, cita-se o

já exposto anteriormente, que para que o acolhimento ou recepção de estrangeiros seja efetivo

e traga benefícios ao país, é importante que seja regulado e fiscalizado. Tais procedimentos

evitam, por exemplo, condutas delituosas, como o crime organizado transnacional e o tráfico

internacional de pessoas.

Vale ainda mencionar, a retirada compulsória do estrangeiro do Brasil e como ocorre o

procedimento. No âmbito no Estatuto do Estrangeiro, acontecia de três formas: deportação,

expulsão e extradição. Nota-se que as duas primeiras não oferecem nenhum diálogo

interestatal, caracterizando-as como medidas unilaterais. 43

Já a Lei de Migração (Lei 13.445/2017) traz um novo instituto chamado repatriação,

que permite a não aceitação do estrangeiro no momento de seu ingresso no Brasil. É ainda

possível, na vigência da Lei, a transferência de pessoas condenadas e a transferência de

execução da pena, mecanismos estes já pactuados em tratados celebrados pelo Brasil.44

Isto posto, os tópicos aqui apresentados visam demonstrar a evolução do Brasil no

quesito regulamentação da vida do estrangeiro em território nacional. Nota-se, conforme

demonstrado desde o início no presente tópico, que o momento histórico e as discussões em

pauta no mundo, definitivamente influenciam nas políticas migratórias adotadas pelos países.

42

NUNES, op. cit., p. 51. 43 NUNES, op. cit., p. 81. 44 NUNES, op. cit., p. 81.

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2.A POLÍTICA MIGRATÓRIA EM PORTUGAL

2.1 As grandes navegações: Um país tradicionalmente de emigração

Salienta-se a forte ligação entre os países em análise no quesito migração. Conforme

exposto anteriormente, Portugal foi colonizador do Brasil, o que consequentemente levou um

contingente de portugueses para o país colonizado. No período pós-colonial, houve uma

grande onda migratória no sentido inverso45

, brasileiros imigraram para Portugal por motivos

como a reunificação familiar, ou por melhores condições de vida em um Estado europeu com

similaridade cultural. Ao analisar os fluxos migratórios nos dois países, constata-se que as

políticas adotadas estão diretamente ligadas ao contexto histórico e ao laço existente entre

eles.

Conforme demonstrado, os fluxos migratórios dizem muito mais do que dados

demográficos, visto que mostram os caminhos e diretrizes adotadas pelos países e como isso

irá influenciar em sua regulação e se as políticas migratórias adotadas irão beneficiar ou

acarretar mais descontrole social.

Para entender como Portugal lida com a questão migratória, é de fundamental

importância constatar que desde o advento das Grandes Navegações, o objetivo principal dos

portugueses era colonizar novos territórios, em outras palavras, o foco era as metas mercantis

e imperiais, ao invés de regulamentação de entradas. 46

Nota-se, porém, conforme já exposto, que tais fluxos podem não ser caracterizados ou

denominados como migratórios, pois como expresso47

anteriormente, o objetivo era o

enriquecimento português, e não a busca de uma nova vida em território estrangeiro por

motivos próprios, o que caracterizaria uma imigração. Visto isso, a denominação mais

apropriada é colonos ao invés de emigrantes, apesar de na prática, ser difícil diferenciá-los na

análise dos fluxos.

45 BAGANHA, op. cit., p. 31 46 SANTOS, Aline Lima. Sistema migratório Brasil-Portugal: hierarquias geográficas e dinâmicas dos

fluxos e contrafluxos populacionais no limiar do século XXI. (tese). Universidade de São Paulo, Faculdade de

Filosofia. São Paulo, 2016. p. 47 47 SANTOS, op. cit., p. 47.

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Com relação a formação da identidade portuguesa, nota-se que esta também sofreu a

influência de outros povos, principalmente devido ao estabelecimento de hierarquias,

conforme cita Santos48

. Neste sentido, a autora expõe que:

A identidade portuguesa surge, primeiramente, baseada na fé cristã, contra os

―infiéis‖ mouros. Em seguida, no contexto do povoamento das ilhas da Madeira e

dos Açores, a presença estrangeira fez-se notável. Citam-se, por exemplo, os judeus

sefarditas, os genoveses, os florentinos – dedicados à produção de açúcar na ilha da Madeira - , os flamengos, os franceses e, por fim, os ingleses, em uma sequência

temporal.

A autora supracitada49

afirma ainda que nesse momento já é possível observar

o sentimento xenófobo em relação aos mouros, considerados infiéis, e também em relação aos

judeus, principalmente quando o cristianismo passou a ser obrigatório em Portugal, e

posteriormente quando foi instaurada a inquisição.

Tal fato nos leva a reflexão que em todas as épocas, o que se apresenta

diferente às crenças e costumes de um povo de determinado país, pode contribuir no fomento

da xenofobia na população local, motivo esse que faz da discussão relacionada à imigração e

às diferenças culturais de suma importância para o momento atual.

2.2 A mudança dos fluxos:

2.2.1 O processo de descolonização

Analisa-se ainda que Portugal não perdurou hegemonicamente como potência

europeia, levando em consideração que vários fatores históricos culminaram na mudança dos

fluxos, de um país predominantemente de imigração ou colonizador, para um país de

emigração.

Entre os fatores que culminaram para a independência do Brasil e futuramente

a mudança do eixo, cita-se a fragilidade do império português, as concessões de soberania ao

governo da Grã Bretanha, e as mudanças de relações entre metrópole e colônia, como o fato

do centro administrativo do império ter ido para a cidade do Rio de Janeiro.50

Nas palavras da

autora, têm-se que: ―As relações entre um império frágil e uma potência em ascensão

48

SANTOS, ibid., p. 48. 49 SANTOS, ibid., p. 48 50 SANTOS, op. cit. p. 65.

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manifestaram- se com esta última ora permitindo e colaborando, ora coagindo as ações de

Portugal.‖51

Com o advento da independência do Brasil e das outras colônias portuguesas,

criou-se uma nova onda migratória tendo Portugal como destino. Considera-se que os

principais imigrantes eram os descendentes de portugueses que foram para as colônias e

também os chamados ―retornados‖52

, ou seja, os próprios portugueses que deixaram a terra de

origem na expansão do império. Nota-se que estes últimos podem não ser denominados de

imigrantes, porém contribuíram no impacto causado por esse novo fluxo.

No quesito números, a doutrinadora Maria Ioannis Baganha53

expõe que:

O fim do império colonial português provocou o retorno a Portugal de aproximadamente 500 mil nacionais, dos quais se estima que 59% tinham nascido

na metrópole. Os restantes 41% incluíam os seus descendentes, bem como pessoas

de naturalidade e ancestralidade africana de nacionalidade portuguesa (Pires et al.,

1984). Este último grupo de retornados veio, naturalmente, aumentar o número de

portugueses de descendência africana residentes em território nacional.

O advento do Decreto-Lei n.º 308-A/75 criou um contingente populacional de

imigrantes, devido à retirada da nacionalidade de alguns grupos, muitos de nacionalidade

africana, e que devido a uma reunião familiar, aumenta o fluxo migratório para Portugal. Os

artigos 1º à 3 do Decreto traz taxativamente aqueles que mantiveram a nacionalidade

portuguesa e o artigo 4 exclui os demais, conforme se observa:

Artigo 1º - Conservam a nacionalidade os seguintes portugueses domiciliados em

território ultramarino tornado independente:

a) Os nascidos em Portugal continental e nas ilhas adjacentes;

b) Até à independência do respectivo território, os nascidos em território ultramarino

ainda sob administração portuguesa;

c) Os nacionalizados;

d) Os nascidos no estrangeiro de pai ou mãe nascidos em Portugal ou nas ilhas

adjacentes ou de naturalizados, assim como, até à independência do respectivo

território, aqueles cujo pai ou mãe tenham nascido em território ultramarino ainda

sob administração portuguesa;

e) Os nascidos no antigo Estado da Índia que declarem querer conservar a

nacionalidade portuguesa; f) A mulher casada com, ou viúva ou divorciada de, português dos referidos nas

alíneas anteriores e os filhos menores deste.

2. Os restantes descendentes até ao terceiro grau dos portugueses referidos na alínea

a), alínea c), alínea d), primeira parte, e alínea e) do número anterior conservam

51 SANTOS, op. cit. p.66. 52 BAGANHA, op. cit., p. 31. 53

BAGANHA, Maria Ioannis. Política de imigração: A regulação dos fluxos. Revista Crítica de Ciências

Sociais [Online], 73 | 2005, colocado online no dia 01 Outubro 2012, criado a 01 Outubro 2016. Disponível em:

http://rccs.revues.org/952 ; DOI : 10.4000/rccs.952, p.31. Acesso em: 7 de novembro de 2017.

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também a nacionalidade portuguesa, salvo se, no prazo de dois anos, a contar da

data da independência, declararem por si, sendo maiores ou emancipados, ou pelos

seus legais representantes, sendo incapazes, que não querem ser portugueses.

Artigo 2º -1. Conservam igualmente a nacionalidade portuguesa os seguintes

indivíduos:

a) Os nascidos em território ultramarino tornado independente que estivessem

domiciliados em Portugal continental ou nas ilhas adjacentes há mais de cinco anos

em 25 de Abril de 1974;

b) A mulher e os filhos menores dos indivíduos referidos na alínea anterior.

2. Os indivíduos referidos no número anterior poderão optar, no prazo de dois anos a

contar da data da independência, pela nova nacionalidade que lhes venha a ser atribuída.

Artigo 3º- Para os fins do presente diploma, e salvo prova em contrário, presumem-

se nascidos em Portugal continental, nas ilhas adjacentes e nos territórios

ultramarinos os indivíduos ali expostos.

Artigo 4º -Perdem a nacionalidade portuguesa os indivíduos nascidos ou

domiciliados em território ultramarino tornado Independente que não sejam

abrangidos pelas disposições anteriores

Nota-se que a Lei supracitada estabeleceu de forma mais rigorosa o direito à

nacionalidade, e o motivo se dá também pelas causas que levaram os ―retornados‖ e os

nacionais das colônias a migrarem para Portugal. Primeiramente, cita-se a guerra civil em

Angola, que trouxe um número expressivo de entradas em Portugal, e também a instabilidade

política e insegurança vivida em ex colônias, como Guiné, e Moçambique.54

O autor José

Pedro Pequito55

, nesse sentido, expressa que:

Entretanto, a instabilidade política que emergiu nas ex-colónias após os processos de

independência veio criar uma vaga de imigração para Portugal, na procura de

melhores condições de vida e de trabalho. Apesar disso a população estrangeira

(legal) em Portugal não subiu muito. Em 1980 eram 51 mil (0,5% da população),

sendo os africanos maioritários entre estes (49%). Note-se que 41% do total de estrangeiros eram Cabo-Verdianos, que vinham para Portugal principalmente para

trabalhar. Entre aqueles que entraram como refugiados encontravam-se

maioritariamente Angolanos e Moçambicanos.

Neste diapasão, pode-se dizer que o início dos anos 80 determinou a situação atual da

imigração Portuguesa. Isso porque, a Lei 37/81, que regula a entrada permanência e expulsão

de estrangeiros, não levou em consideração esse fluxo migratório causado pelos nacionais das

colônias, e nas palavras de Benesová56

, foi considerada benevolente. Certo é que a medida

mais fácil para entrar em Portugal era através do visto de curto prazo, que era concedido para

fins de estudo, turismo, dentre outros, mas que servia de mecanismo para entrar legalmente no

54 BENESOVÁ, Šárka. Movimentos migratórios em Portugal. (Trabalho de Conclusão de Curso).

,Universidade Masarykova, Graduação em Filosofia, Brno, República Checa, 2014, p. 21. 55 PEQUITO, José Pedro Ferreira Lourenço.Políticas de imigração, estado de bem-estar e população

imigrante em Portugal. (tese). Universidade Técnica de Lisboa, Mestrado em Economia e Política Social, 2009,

p. 97. 56 PEQUITO, op. cit., p.

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país e posteriormente estabelecer residência de forma ilegal. Baganha57

salienta esse momento

em seu texto, ao afirmar que:

E porque o mecanismo de entrada legal mais expedito e eficaz era o recurso aos vistos de curta duração (turismo, motivos de saúde, acompanhar doentes, estudo,

etc.), vai, com este tipo de visto, radicar-se em território nacional e, sobretudo, na

Área Metropolitana de Lisboa, um número crescente de imigrantes dos PALOP58

sem autorizações de residência. Ou seja, formou-se uma bolsa de clandestinos, que

desde meados dos anos oitenta cresceu ininterruptamente e cuja presença era tanto

do conhecimento público como das autoridades competentes.

É mister destacar que a falta de regulamentação, supervisão e planejamento para a

recepção dessa nova onda de imigrantes, deixados sobreviverem no país de forma ilegal,

reflete até hoje na sociedade portuguesa e nas próximas medidas que foram tomadas. Baganha

sabiamente aponta que essa ―não política‖ se dá nos casos em que os fluxos não são vistos

como ameaça.59

Benesová60

, neste sentido, ainda afirma que: ―Mesmo que esta realidade foi

percebida por público e até por governo, até o início dos anos 90 não foram tomadas

nenhumas medidas legais para responder à problemática da crescente imigração clantestina.‖

A partir do exposto, o próximo item trata da entrada do país em acordo de livre

circulação de pessoas, fato este que trouxe mudanças substanciais para a política migratória

portuguesa. Neste diapasão, o estudo irá expor o avanço legislativo experimentado por

Portugal em relação à imigração até os dias atuais.

2.3 Uma política migratória europeia e a adesão ao espaço Schengen

A entrada de Portugal na comunidade europeia trouxe mudanças substanciais para a

economia do país e consequentemente para imigração. Novas oportunidades foram criadas no

país, construção de infraestruturas, alargamento do mercado de trabalho e um atrativo ainda

maior para os países do PALOP (Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa) e o Brasil.61

57 BAGANHA, op. cit., p. 31. 58 Expressão utilizada para ―países africanos de língua oficial portuguesa‖. 59

BAGANHA, op. cit., p. 32. 60 BESENOVÁ, op. cit., p. 22. 61 PEQUITO, op. cit., p. 98.

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21

Nota-se que a experiência de Portugal com a imigração é muito mais conturbada por

estar inserido na União Europeia62

, que determina a livre circulação de pessoas pertencentes

ao bloco, tendo que lidar com a legislação nacional e supranacional, fato este que pode

proporcionar aos estudiosos do tema no Brasil um aparato normativo e exemplos de políticas

migratórias que geraram resultados ou não em um mundo cada vez mais globalizado e que

fomenta a necessidade de legislações supranacionais.

Nesta fase, cria-se, finalmente, uma política explicitamente destinada à imigração. A

fase da ―política de imigração zero‖ formulada pelo então ministro da Administração Interna,

Dias Loureiro, possuía como objetivo para a regulação dos fluxos, a discriminação positiva

em relação aos nacionais do PALOP e uma política altamente restritiva em relação aos

imigrantes econômicos.63

Em razão da discriminação positiva em relação ao nacionais do PALOP, criou-se uma

regularização extraordinária através do Decreto-Lei nº 212/92, como forma de regularizar a

situação de imigrantes clandestinos em Portugal vindos desses países. Exemplificando a

questão, cita-se o artigo 2º do referido diploma legal:

2 - Os cidadãos originários de países de língua oficial portuguesa podem usar da

mesma faculdade, na observância das condições expressas no número anterior, ou

desde que a sua entrada no País se reporte a data anterior a 1 de Junho de 1986 e se

verifique a sua presença continuada em território nacional a partir dessa mesma data,

não contando para este efeito ausências de curta duração para assistência à família,

férias ou outros motivos excepcionalmente atendíveis.

Em relação à política restritiva aos imigrantes econômicos, cita-se a criação do

Decreto-Lei 59/93, que em seu preâmbulo é expresso que:

A iniciativa apresentada vem dar resposta às novas exigências que a Portugal se

colocam como país de imigração situado num espaço comunitário.

É, além disso, reflexo necessário da aplicação de convenções internacionais das

quais é Portugal Estado signatário.

Como objectivos essenciais pretendem-se: aperfeiçoar a disciplina de concessão de vistos, clarificar o regime de concessão de autorizações de residência e reforçar as

garantias de controlo para obviar situações de permanência ilegal no País, com todo

o cortejo de possíveis ofensas à dignidade do cidadão e de diminuição das suas

garantias.

A expressão proferida pelo ministro de tendenciar a imigração a zero estava

relacionada a criar critérios ao fluxo migratório, em outras palavras, a intenção era que os

62

PEQUITO, op. cit., p. 98. 63 BAGANHA, op. cit., p. 32.

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imigrantes recebidos sejam em sua maior parte os já integrantes das comunidades existentes

no país.64

Ocorre que, de forma contraditória, nada foi feito a respeito da expedição dos vistos de

curta duração, e dessa forma, os imigrantes, principalmente dos países PALOP, continuaram a

entrar em território português por meio desse visto e permaneceram ilegais após o

vencimento. Desta forma, por mais que tenha sido criada a legislação extraordinária com o

fim de regular a vida desses imigrantes, não houve nenhuma providência para impedir que

permanecessem ilegais no país. 65

Com a nova tendência de imigrações ilegais criadas pelas leis de 1992 e 1993, fez-se

necessário uma nova Legislação extraordinária com o fim de regularizar todos aqueles

imigrantes que permaneciam no país ilegalmente. Criou-se então o a Lei n.º 17/96, de 24 de

Maio, que segundo Baganha66

, possuía três pressupostos:

promover a futura cooperação e amizade com os países africanos de expressão

portuguesa e com o Brasil; colocar um ponto final no processo de exclusão dos

imigrantes irregulares relativamente ao modelo social europeu (nomeadamente a

protecção social e laboral); e garantir menores níveis de risco para os portugueses

ameaçados pelo crescimento da marginalização e da exclusão provocadas pela

imigração clandestina.

O artigo primeiro da referida Lei assevera que:

A presente lei estabelece um processo de regularização extraordinária da situação de cidadãos originários de países de língua oficial portuguesa que se encontrem a

residir em território nacional sem a necessária autorização legal.

Cabe ressaltar, porém, que em março de 1995 Portugal aderiu à Convenção de

Schengen, que visa adotar um regime de livre circulação de pessoas aos países signatários67

, e

em consequência disso abriu suas fronteiras para os países do Leste Europeu, como a Rússia,

Ucrânia e Romênia. Dessa forma, os nacionais desses países não mais precisavam de consulta

prévia obrigatória para a concessão de vistos.68

64 BAGANHA, op. cit., p.32. 65 BAGANHA, op. cit., p.32. 66 BAGANHA, op. cit., p.33 67

Euro-lex. Disponível em: http://eur-lex.europa.eu/summary/glossary/schengen_agreement.html?locale=pt.

Acesso em: 14 de novembro de 2017. 68 BAGANHA, op. cit., p. 33.

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Conjugado a este fato, em 1998 houve uma revisão da Lei que regula entradas e

permanências (Decreto-Lei n.º 244/98, de 8 de Agosto), que como inovação trouxe a

possibilidade do Ministro da Administração Interna conceder visto de residência àqueles que

não se enquadram no dispositivo normativo, considerando o interesse nacional e as razões

humanitárias. 69

É mister destacar que tal inovação pode representar uma evolução no quesito direitos

humanos, porém, deve ser devidamente regulada e fiscalizada, conjugando esforços com

medidas de integração, para não acarretar problemas para a segurança nacional. Neste

diapasão, no período, observou-se uma crescente onda de tráfico de mão-de-obra em território

português, principalmente proveniente dos países do Leste.70

Cumpre salientar que no período, a Legislação portuguesa estava mais uma vez em

descompasso com a realidade dos fluxos migratórios. O dispositivo legal possui como

objetivo maior a regulação dos países do PALOP, visto que eram os imigrantes de maior

incidência até o início dos anos 90, mas deixou de perceber a nova onda migratória

proveniente do Leste europeu, acarretando uma deficiência no controle dos fluxos.

Neste sentido, é importante ressaltar as palavras de Baganha sobre o tema:

Em suma, a regulação dos fluxos nesta segunda fase tinha como objectivo não

obstacularizar os interesses geoestratégicos de Portugal, o mesmo é dizer manter a

liberalidade de concessão de vistos de curta duração a migrantes originários dos

PALOP e do Brasil. Tinha ainda como objectivo incluir no enquadramento legal um

mecanismo de regularização excepcional de imigrantes ilegais, com base em intuitos humanitários, que permitiria esvaziar eventuais bolsas de imigrantes ilegais

provenientes de países lusófonos que, entretanto, se viessem a formar.71

A situação se agravou ao perceber que a adesão ao Espaço Schengen possibilitou a

entrada em Portugal de qualquer cidadão que adquiriu visto de curta duração em qualquer país

do acordo. A título de exemplificação, se um cidadão proveniente de um país que não possui

qualquer vínculo com a comunidade portuguesa entrar na Europa pela Romênia, este poderá

também entrar em Portugal sem qualquer fiscalização de visto e posteriormente fixar

residência ilegalmente. Neste sentido, ressalta-se as palavras de Pequito72

:

A partir de 1995, ano de aplicação da convenção de Schengen, a imigração em

Portugal tomou uma dinâmica diferente. Portugal perdeu, na prática, a exclusividade

69 BAGANHA, op. cit., p. 33. 70

BAGANHA, op. cit., p. 33. 71 BAGANHA, op. cit., p.34. 72 PEQUITO, op. cit. p.98.

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do direito de emissão de vistos de acesso ao seu território, passando esse poder para

o conjunto dos países do tratado.

Nota-se, portanto, a necessidade do governo que se compromete a integrar tais acordos

de livre circulação, a promover políticas de integração desses novos imigrantes e garantir-lhes

condições para se regularizar no país e de subsistência, com o fim de equilibrar a segurança

nacional e as políticas de direitos humanos.

Ao citar a segurança nacional, neste caso, é necessário incluir a segurança do próprio

imigrante, visto que permanecer ilegal em um país representa uma situação de extrema

vulnerabilidade e afronta aos direitos fundamentais do estrangeiro. Vale ressaltar que tais

imigrantes, apesar de contribuir com a força do trabalho para o desenvolvimento da economia

do país, estão sujeitos à violação das leis trabalhistas, ao abuso de poder por parte de

autoridades, e podem não requerer a devida regularização por medo de serem deportados.

2.4 A lógica do mercado

Mais uma vez a lógica da regulação dos fluxos em Portugal é alterada através de uma

mudança brusca. Foi aprovado o Decreto-Lei 4/2001, que segundo seu texto normativo, para

imigrar legalmente para Portugal, basta um contrato de trabalho válido. Ao contrário das leis

anteriores que buscavam regularizar determinados indivíduos que tivessem entrado em

território português até determinada data, nesse caso buscava-se regularizar aqueles que

tivessem um contrato de trabalho previamente assinado e registrado no Ministério do

Trabalho. 73

Nas palavras de Baganha74

, há a seguinte exposição do referido momento:

Verifica-se assim uma drástica mudança na política migratória nacional, uma vez

que enquanto nos anos 90 se reconhecia que a ineficácia dos mecanismos de regulação dos fluxos migratórios levava à criação de bolsas de ilegais constituídas

essencialmente por imigrantes provenientes dos PALOP, cujo projecto migratório

era de longo prazo e a quem portanto se tornava necessário permitir a inclusão no

tecido social português para evitar maiores fracturas sociais num futuro próximo, em

2001 o que se fez foi validar a posteriori o funcionamento do mercado,

reconhecendo tacitamente a total inoperância dos mecanismos de regulação

existentes.

73 BAGANHA, op. cit., p. 35. 74 BAGANHA, op. cit., p. 35.

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Importante ressaltar que a falta de mão-de-obra assolava Portugal no período, e a

preocupação do legislador era atrair mais trabalhadores para o território português,

permitindo-lhes a regularização à posteriori. Nota-se, porém, que o legislador considerou que

não era necessário mantê-los por tempo indeterminado em Portugal, e por isso concedia-se

vistos de um ano, prorrogáveis por no máximo cinco anos, conforme determina o Decreto-Lei

4/2001 em seu artigo 36: ―4 - O visto de trabalho é válido para múltiplas entradas em

território português e pode ser concedido para permanência até um ano.‖.

Cabe perceber, ainda, que tal política não visa como prioridade a integração dos

imigrantes com a população local, e nem mesmo garanti-lhes condições de subsistência, visto

que o fim é meramente injetar pessoas no mercado de trabalho temporariamente e desenvolver

a economia, sendo de certo, uma política contrária as diretrizes de direitos humanos e de

promoção da igualdade social.

Averbe-se ainda que tal política não conseguiu reduzir consideravelmente o número de

imigrantes ilegais, e ademais trouxe mais um problema que pode ser observado ainda hoje na

comunidade portuguesa, que é o comércio ilegal dos contratos de trabalho, onde os imigrantes

compram tais contratos, muitas vezes forjados, para conseguir o almejado visto de residência

na Europa.75

Com relação à entrada de Portugal no espaço Schengen e o fortalecimento da

exigência de vínculos laborais, Baganha76

afirma que:

Ao entrar no espaço Schengen, Portugal tinha deixado de ser atractivo

essencialmente para as suas ex-colónias e tinha passado a integrar o sistema migratório europeu, em que uma das principais pressões migratórias vem do Leste

Europeu. A esta nova situação, o poder político respondia com amnistias parciais,

apenas destinadas a trabalhadores que pudessem provar a existência de vínculos

laborais, e com a concessão de autorizações de permanência temporárias.

Salienta-se, portanto, como a conjuntura política e econômica influencia na política

migratória. Como observado, a entrada no espaço Schengen e a necessidade por mão de obra

mudou radicalmente a nacionalidade dos imigrantes que entravam com maior incidência em

Portugal, e ainda assim, nota-se que a legislação não acompanha a mudança dos fluxos,

tornando-se obsoleta em relação à realidade.

75 BAGANHA, op. cit,. p.36. 76 BAGANHA, op. cit., p.35.

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2.5 A fase das medidas de regulação dos fluxos

Inicia-se em Portugal, devido a mudança de governança, e de acordo com as

necessidades da época, uma fase de combate à imigração e permanência ilegal no país. A

lógica deixa de ser apenas a do mercado e começa-se a pensar na integração e qualidade de

vida daqueles imigrantes.77

Vale citar parte do preâmbulo do Decreto-Lei 34/2003 que expõe

as diretrizes da nova política migratória:

Na verdade, na era da globalização seria irrealista pretender implementar uma

política de imigração zero, difícil de defender no plano dos princípios; mas tão ou

mais irrealista seria adoptar uma política laxista, não regulamentada, que,

inevitavelmente, geraria exclusão social dos próprios imigrantes e, no limite, o

aparecimento de ideologias inaceitáveis num Estado de direito, como recentemente ocorreu em alguns países europeus. A solução para esta complexa conjuntura

pressupõe a criação de mecanismos legais de gestão dos fluxos migratórios de forma

realista através de um controlo rigoroso de entrada e permanência de cidadãos

estrangeiros nos países de acolhimento, estabelecendo, ao mesmo tempo, condições

para que aqueles que o façam nos termos da lei possam esperar uma integração real

e humanista nestas sociedades.

Nota-se que o discurso do novo governo, conforme aponta Baganha78

, era o da

primazia da integração dos imigrantes, porém, as principais medidas adotadas eram

puramente restritivas de direito, visto que pela primeira vez foi estipulado um número

máximo de entradas que o país poderia receber, e alteraram os mecanismos de concessão de

vistos de trabalho, para melhor atingir esse objetivo.

Diante do fato, observa-se que o governo continuou adotando como solução, a

legislação extraordinária, para legalizar o maior número de pessoas que se encontravam em

situação irregular, por meio do Decreto-Regulamentar 6/2014, que abriu um período de

registro e posterior regularização de trabalhadores imigrantes.79

Em relação a letra da lei, o

artigo 71 do referido dispositivo legal expressa que:

Para além das situações previstas no artigo 29.º, os cidadãos estrangeiros que, não

dispondo de título habilitante para trabalho dependente, se integraram no mercado

de emprego e se tenham inscrito e efectuado descontos para a segurança social e

para a administração fiscal por um período mínimo de 90 dias, até à data da entrada

em vigor do Decreto-Lei n.º 34/2003, de 25 de Fevereiro, podem beneficiar do

disposto no n.º 3 do artigo 52.º do Decreto-Lei n.º 244/98, de 8 de Agosto, mediante

77

BAGANHA, op. cit., p.36. 78 BAGANHA, op. cit., p.36. 79 BAGANHA, op. cit., p.36

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requerimento dirigido ao director-geral do SEF, acompanhado dos seguintes

documento

Ressalta-se ainda que os imigrantes continuaram a entrar com o visto de turista ou

curta duração, e permaneciam ilegais após a expiração, o que demonstra que a política

migratória continua com suas falhas e que as leis continuam não apresentando os resultados

pretendidos mediante elaboração. 80

3.6 A atual política migratória

O primeiro passo para a política migratória da atualidade foi em 2007, através da Lei

23/2007, e pelo Decreto Regulamentar nº 84/2007, que a regulamentava. Nota-se, como

inovação, o estabelecimento de um único tipo de visto de residência em Portugal, criando-se

ainda um estatuto de residente de longa duração, sendo próprio para aqueles que residem em

Portugal por mais de 5 anos. Sendo assim, todas as outras opções tratam-se de vistos

temporários, conforme salienta Pequito:81

Esta lei define dois contextos para a atribuição de visto: os de curta duração, que

podem ser concedidos por períodos até três meses, onde se incluem ainda os vistos

de trânsito (apenas para acesso a zonas internacionais, em trânsito) ou escala

(máximo de permanência de cinco dias); e os de média e longa duração. Dentro

destes últimos incluem-se os temporários que, sendo passados por um período de

três meses, permitem renovações por iguais períodos, e os vistos de residência, que

são passados por um período de até quatro meses e têm como objectivo a obtenção

de autorização de residência. Os anteriores vistos de estudo e de trabalho são

englobados, nesta lei, nos vistos de residência82

A lei em questão busca ainda garantir aos imigrantes os mesmos direitos observados

pelos nacionais, citando-se a título de exemplo, o direito ao trabalho, à justiça, à educação e a

segurança social. 83

Importante ressaltar ainda que a legislação de 2007 buscou trazer para o país não

apenas mais mão-de-obra, e sim uma mão-de-obra qualificada. De acordo com os dados do

SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteira) não foi emitido nenhum visto de estada temporária

80 BAGANHA, op. cit., p.36. 81

PEQUITO, op. cit., p.107 82 PEQUITO, op. cit., p. 108 83 PEQUITO, op. cit., p. 108

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concedido para atividade de investigação ou altamente qualificada em 2002, enquanto que em

2007 esse número cresce para 3955.84

Analisa-se esse fato na própria lei, que nos primeiros artigos já busca definir o que

seria atividades altamente qualificadas e atividades independentes, como se pode observar:

Artigo 3º

Definições:

Para efeitos da presente lei considera-se: a) «Actividade altamente qualificada» aquela cujo exercício requer competências

técnicas especializadas ou de carácter excepcional e, consequentemente, uma

qualificação adequada para o respectivo exercício, designadamente de ensino

superior;

b) «Actividade profissional independente» qualquer actividade exercida

pessoalmente, no âmbito de um contrato de prestação de serviços, relativa ao

exercício de uma profissão liberal ou sob a forma de sociedade;

Salienta-se que essa facilidade concedida apenas para uma classe econômica ou

intelectual e visando excluir aqueles que buscam maior qualidade de vida, pode transparecer

como uma busca de mudar o estigma dos imigrantes que se interessam por migrar pra

Portugal. Observa-se mais uma vez que é uma política totalmente voltada para o

desenvolvimento do mercado, e não necessariamente de garantia de direitos fundamentais.

Cita-se ainda as palavras dos autores Pedro Góis e José Carlos Marques85

:

A simplificação introduzida pela nova lei diz respeito ao reforço da articulação entre

os ministérios e demais entidades envolvidas e à possibilidade de os trabalhadores

altamente qualificados poderem beneficiar de um regime de isenção de visto de

residência para acesso ao estatuto de residente, caso reúnam os requisitos legais

exigidos para o efeito.14 Do mesmo modo, e para efeitos dos processos de

concessão dos vistos e de concessão de autorização de residência, a lei reforça a

articulação entre os ministérios envolvidos (Ministério da Educação e Ciência

(MEC), Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) e Ministério da Administração Interna (MAI) e os centros de investigação, estabelecimentos de ensino superior e

outras entidades, nomeadamente empresas que acolham atividades altamente

qualificadas.

É cabível a crítica para a legislação supracitada, tanto por favorecer a lógica do

mercado puramente, tanto por não trazer como princípio básico a garantia dos direitos

84 Relatório do SEF. Disponível em:

https://rem.sef.pt/PagesPT/DocsPT/EstudosNacionais/2010_migracao_temporaria.pdf. Acesso em: 14 de

novembro de 2017 85 GOÍS, Pedro, MARQUE, José Carlos. Processos de admissão e de integração de imigrantes altamente

qualificados em Portugal e a sua relação com a migração circular. Alto-Comissariado para as migrações,

Lisboa, Abril, 2014, p.43.

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fundamentais e da dignidade da pessoa humana. Neste diapasão, cita-se as palavras de

Alexandrino86

:

Mesmo à luz do Direito Internacional comum, a Lei da Imigração portuguesa falha rotundamente por não colocar como um (ou o primeiro) dos seus eixos estruturantes

os direitos básicos da pessoa humana, a não-discriminação e o Estado de Direito. O

mesmo lhe seria, por maioria de razão, exigível perante a própria Constituição

portuguesa, cuja essência neste domínio sensível parece justamente poder resumir-se

na referência da ―igual dignidade‖ de todas as pessoas.

Observa-se no ano de 2017 a promulgação de uma nova lei(Lei 59/2017), que por sua

vez, já é a quarta alteração a lei de 2007 (Lei nº23/2007), e vem causando polêmica em

relação a sua efetividade, e pelo fato de se mostrar mais um mecanismo excepcional de

regularização de estrangeiros. Em seu texto, a parte que vem gerando maior repercussão é a

que expõe que agora basta uma promessa de contrato de trabalho para o imigrante ser

legalizado, não sendo mais necessário que o contrato já esteja assinado e registrado. Analisa-

se, portanto as mudanças mais substanciais. A lei anterior (Lei nº23/2007), previa que:

Art. 88

Autorização de residência para exercício de atividade profissional subordinada

1 — Para além dos requisitos gerais estabelecidos no artigo 77.o , só é concedida

autorização de residência para exercício de actividade profissional subordinada a

nacionais de Estados terceiros que tenham contrato de trabalho celebrado nos termos

da lei e estejam inscritos na segurança social. 2 — Excepcionalmente, mediante proposta do director-geral do SEF ou por

iniciativa do Ministro da Administração Interna, pode ser dispensado o requisito

previsto na alínea a) do n.o 1 do artigo 77.o , desde que o cidadão estrangeiro, além

das demais condições gerais previstas nessa disposição, preencha as seguintes

condições:

a) Possua um contrato de trabalho ou tenha uma relação laboral comprovada por

sindicato, por associa- ção com assento no Conselho Consultivo ou pela Inspecção-

Geral do Trabalho;

b) Tenha entrado legalmente em território nacional e aqui permaneça legalmente;

c) Esteja inscrito e tenha a sua situação regularizada perante a segurança social.

Já a Lei nº 59/2017, passa a dizer:

Artigo 88.º

1- [...] 2 - Mediante manifestação de interesse apresentada através do sítio do SEF na

Internet ou diretamente numa das suas delegações regionais, é dispensado o

requisito previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 77.º, desde que o cidadão

estrangeiro, além das demais condições gerais previstas naquela disposição,

preencha as seguintes condições:

a) Possua um contrato de trabalho ou promessa de contrato de trabalho ou tenha uma

relação laboral comprovada por sindicato, por representante de comunidades

86

ALEXANDRINO, José de Melo. A Nova Lei de Entrada, Permanência, Saída e Afastamento de

Estrangeiros. Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Vol. XLIX, n.ºs 1 e 2, 2008, Editora

Coimbra, pp. 69-100, p. 23.

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migrantes com assento no Conselho para as Migrações ou pela Autoridade para as

Condições do Trabalho;

b) Tenha entrado legalmente em território nacional;

c) Esteja inscrito na segurança social, salvo os casos em que o documento

apresentado nos termos da alínea a) seja uma promessa de contrato de trabalho.

Chega-se à conclusão de que o objetivo da lei é desburocratizar o sistema, levando em

consideração que, a lei anterior supunha que o imigrante estabelecia uma relação laboral e se

legalizava antes de entrar no território português, mas na prática, o que ocorria, era a entrada

dos estrangeiros para posterior regularização, caso arrumasse um emprego. Levando em

consideração que o tempo de espera para agendamento do SEF e para emissão do título de

residência é muito longo, os imigrantes ficavam muito tempo irregulares.

Com a nova legislação (Lei nº 59/2017), o processo ficou menos burocratizado,

porque basta uma promessa de contrato de trabalho. A análise do SEF ficou menos criteriosa,

o que contribui para a celeridade do processo. Basta agora que o imigrante cumpra os simples

requisitos estabelecidos.

O que o legislador não se atentou com a nova lei, foi o fato de que facilitou também o

comércio de contrato de trabalho, visto que é mais fácil e menos burocrático vender uma

promessa de contrato, que pode ser facilmente desfeita posteriormente, e que colocará o

imigrante em estado irregular.

Importante ressaltar também as mudanças ocorridas no art. 135, que determina os

limites para expulsão, critério que deve sempre garantir a dignidade da pessoa humana. Neste

sentido, a legislação atual (Lei nº 59/2017), traz a seguinte redação:

Artigo 135.º Limites à expulsão

1 — Não podem ser afastados coercivamente ou expulsos do País os cidadãos

estrangeiros que:

a) Tenham nascido em território português e aqui residam;

b) Tenham efetivamente a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa a

residir em Portugal;

c) Tenham filhos menores, nacionais de Estado terceiro, residentes em território

português, relativamente aos quais assumam efetivamente responsabilidades

parentais e a quem assegurem o sustento e a educação;

d) Se encontrem em Portugal desde idade inferior a 10 anos e aqui residam.

Nota-se que a nova legislação busca proteger as pessoas que são pais de menores,

mesmo que sejam nacionais de estado terceiro, mas que residam em território português.

Além do mais, aqueles que moram em Portugal desde a idade inferior a dez anos também são

amparados pela lei, e não podem ser arbitrariamente expulsos do país.

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Atualmente atravessa o período de vacatio legis, a mais nova lei (Lei nº 102/2017) que

regulamenta a vida dos imigrantes em Portugal. A simples leitura do projeto leva a concluir

que o diploma normativo reforça ainda mais a política de atração de investidores e

profissionais altamente qualificados para Portugal, na tentativa de modificar o tipo de

imigrante que o país mais recebe.

Um exemplo claro do exposto é o artigo terceiro da lei (Lei nº 102/2017), que define

os termos que serão empregados ao longo do texto, como o significado atividade altamente

qualificada, atividade profissional independente, centro de investigação, dentre outras.

Na consulta do portal do SEF87

sobre os vistos admitidos para residência em Portugal,

o resultado obtido só reforça a ideia de que a política migratória do país está cada vez mais

voltada para vantagens econômicas, conforme se observa:

- Visto de residência para exercício de actividade profissional subordinada

Pode ser emitido visto de residência para exercício de actividade profissional

subordinada aos nacionais de Estados terceiros que preencham as condições gerais e

que:

a) Possuam contrato de trabalho ou promessa de contrato de trabalho; ou

b) Possuam habilitações, competências ou qualificações reconhecidas e adequadas

para o exercício de uma das atividades abrangidas pelo número anterior e beneficiem de uma manifestação individualizada de interesse da entidade

empregadora.

- Visto de residência para exercício de actividade profissional independente ou para

imigrantes empreendedores

O visto para obtenção de autorização de residência para exercício de actividade

profissional independente pode ser concedido ao nacional de Estado terceiro que:

a ) Tenha contrato ou proposta escrita de contrato de prestação de serviços no

âmbito de profissões liberais; e

b ) Se encontre habilitado a exercer a actividade independente, sempre que aplicável.

É concedido visto de residência para os imigrantes empreendedores que pretendam

investir em Portugal, desde que: a ) Tenham efectuado operações de investimento; ou

b ) Comprovem possuir meios financeiros disponíveis em Portugal, incluindo os

decorrentes de financiamento obtido junto de instituição financeira em Portugal, e

demonstrem, por qualquer meio, a intenção de proceder a uma operação de

investimento em território português.

- Visto de residência para actividade de investigação ou altamente qualificada

É concedido visto de residência para efeitos de realização de investigação científica

a nacionais de Estados terceiros que tenham sido admitidos como estudantes de

ensino superior ao nível de doutoramento ou como investigadores a colaborar num

centro de investigação reconhecido pelo Ministério da Educação e Ciência,

nomeadamente através de contrato de trabalho ou promessa de contrato de trabalho,

de um contrato ou proposta escrita de prestação de serviços ou de uma bolsa de investigação científica.

É igualmente concedido visto de residência para o exercício de uma actividade

docente num estabelecimento de ensino superior ou uma actividade altamente

87

Portal do SEF. Disponível em:

https://www.sef.pt/portal/v10/PT/aspx/apoiocliente/detalheApoio.aspx?fromIndex=0&id_Linha=4771 Acesso

em: 14 de novembro de 2017.

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32

qualificada a nacionais de Estados terceiros que disponham de adequada promessa

de contrato ou de um contrato de prestação de serviços.

Isso posto, conclui-se que no histórico de imigração em Portugal prevalece os

indivíduos vindos da ex colônias ou de Leste Europeu, sendo a grande maioria mão de obra

não qualificada, o que justifica as políticas de atração de imigrantes altamente qualificados,

que possam fomentar o desenvolvimento do país.

Neste diapasão, ressalta-se que o controle das fronteiras está mais difícil após a

entrada no acordo Schengen, visto que um grande número de imigrantes entra por outros

países da Europa e se estabelecem em Portugal ilegalmente, o que não os garante o pleno

direito de cidadão, ficando à mercê de trabalhos ilegais, e não tendo o devido acesso às

garantias básicas.

Nota-se que o Brasil está inserido em um bloco econômico, o MERCOSUL, e que já

foi assinado o acordo de livre transito de trabalhadores dos países signatários.88

Considerando

que os fluxos na América Latina vem ganhando forças e a tendência mundial de um direito

supranacional, é importante que observemos a experiência portuguesa no sentido de combater

a entrada e permanência de ilegais, visto que tais pessoas ficam em situações contrárias às

ideologias de direitos humanos e não possuem o aparato jurídico necessário para viver com

dignidade no país.

88 MORAES, op. cit., p. 196

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33

3 PROTEÇÃO INTERNACIONAL DOS DIREITOS DOS IMIGRANTES

Indubitável é o fato de que cabe aos legisladores e operadores do direito a promoção

dos direitos humanos nas questões migratórias, a fim de sanar as mazelas geradas por uma

regulação que prioriza os interesses estatais, a lógica do capital e o contexto político e

histórico.89

Neste sentido, as palavras das doutrinadoras90

Costa e Reusch expressam que:

Os direitos humanos contêm princípios verdadeiros e válidos para todos os povos,

em todas as sociedades, em todas as condições da vida econômica, política, étnica e

cultural. São universais, se aplicam em todos os lugares; indivisíveis, no sentido de

que os direitos políticos e civis não podem ser separados de direitos sociais e

culturais; e inalienáveis, não podem ser negados a nenhum ser humano. A estrutura

de direitos humanos pode ajudar a identificar onde o racismo, a xenofobia e a

discriminação contribuem para a migração, e também fornece critérios para

identificar e medir onde o racismo, a discriminação e a xenofobia afetam o tratamento dos migrantes e refugiados.

Traz-se à tona, portanto, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, e ressalta-se o

art. 13, parágrafo 2º, que declara que: ―2.Toda a pessoa tem o direito de abandonar o país em que se

encontra, incluindo o seu, e o direito de regressar ao seu país. ―

Cabe ressaltar, conforme salientam Batista e Parreira, que tal dispositivo normativo

regula o direito de ir e vir, e não o direito de permanecer. Em outras palavras, a Declaração

Universal de Direitos Humanos estabelece o direito de imigrar, mas não regulamenta a

emigração, fazendo com que os estados tratem os estrangeiros que decidem fixar residência

de acordo com sua soberania nacional. 91

O Pacto Internacional de Direitos Civis e políticos, que também é um instrumento

internacional garantidor de direitos, apresentam a mesma contradição92

, ao afirmar que todos

têm o direito de sair do próprio país e entrar, mas nada se estipula em relação a permanecer

em um país estrangeiro. Nota-se, portanto, que não há nada que regulamente um direito

internacional de imigrar, conforme se observa no artigo 12 do diploma supracitado:

Artigo 12.º

89BATISTA, Vanessa Oliverira; PARREIRA, Carolina Genovez. Trabalho, imigragração, e o direito

internacional dos direitos humanos. Publica Direito. Disponível em

http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=47a3893cc405396a:, Acesso em: 30 de novembro de 2017., p. 6. 90COSTA, Marli Marlene Moraes; REUSCH; Patrícia Thomas. Migrações internacionais, Soberania, Direitos

Humanos e Cidadania. Revista Internacional de História Política e Cultura Jurídica Rio de Janeiro: vol. 8, no.2,

maio-agosto, 2016. , p. 284. 91 BATISTA; PARREIRA, op. cit., p. 11. 92 BATISTA; PARREIRA, op. cit., p. 11.

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Toda a pessoa que se encontre legalmente no território de um Estado terá direito de

nele circular e aí residir livremente. Toda a pessoa terá direito de sair livremente de

qualquer país, inclusivamente do próprio. Os direitos anteriormente mencionados

não poderão ser objecto de restrições, salvo quando estas estejam previstas na lei e

sejam necessárias para proteger a segurança nacional, a ordem pública, a saúde ou a

moral públicas, bem como os direitos e liberdades de terceiros, que sejam

compatíveis com os restantes direitos reconhecidos no presente Pacto. Ninguém

pode ser arbitrariamente privado do direito de entrar no seu próprio país.

Observa-se que a Declaração Universal dos Direitos Humanos não é de toda obsoleta

no que concerne a regular a vida dos imigrantes, considerando que estipula no seu artigo 15 o

direito à nacionalidade e o direito de mudar de nacionalidade, cabendo aos estados adotar

normas regulamentadoras, conforme pode-se observar:

Artigo 15º 1.Todo o indivíduo tem direito a ter uma nacionalidade.

2.Ninguém pode ser arbitrariamente privado da sua nacionalidade nem do direito de

mudar de nacionalidade.

Já no âmbito regional há o estipulado na Declaração Americana dos Direitos e

Deveres do Homem de 1948, expressa o mesmo, ressaltando-se o artigo 19: ―Toda pessoa tem

direito à nacionalidade que legalmente lhe corresponda, podendo mudá-la, se assim o desejar, pela de qualquer

outro país que estiver disposta a concedê-la.‖

Por sua vez, o Pacto de São José da Costa Rica, também disciplina sobre a livre

circulação e residência de imigrantes, sob a alegação de que toda pessoa que permaneça

regular em um país tem o direito de nele entrar e sair conforme a própria escolha, não

podendo ser expulso93

, conforme se nota em seu Art. 22:

O estrangeiro que se encontre legalmente no território de um Estado-parte na presente Convenção só poderá dele ser expulso em decorrência de decisão adotada

em conformidade com a lei;

Em nenhum caso o estrangeiro pode ser expulso ou entregue a outro país,seja ou não

de origem, onde seu direito à vida ou à liberdade pessoal esteja em risco de violação

em virtude de sua raça, nacionalidade, religião, condição social ou de suas opiniões

políticas;

É proibida a expulsão coletiva de estrangeiros.

Da mesma forma, no âmbito regional europeu, cita-se o Protocolo nº 4 da Convenção

Europeia para a Proteção dos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais, de 1963, no que

concerne ao seu artigo 2º:

1. Uma pessoa que se encontra em situação regular sobre o território de um Estado

tem o direito de nele circular livremente e de nele escolher livremente sua

93 MILESI, Rosita. Por uma Nova Lei de Migração: A perspectiva dos Direitos Humanos. Instituto Migração e

Direitos Humanos. CEAM/UnB – CSEM e UniEURO, Brasília, 16 de maio de 2017, p. 6.

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residência.

2. Toda pessoa é livre para sair de qualquer país, inclusive o seu.

3. O exercício destes direitos somente será objeto de restrições se estas forem

previstas por lei e constituírem medidas necessárias, em uma sociedade democrática,

à segurança nacional, à segurança pública, à manutenção da ordem pública, à

prevenção de infrações penais, à proteção da saúde ou da moral, ou à proteção dos

direitos e liberdades de outra pessoa.

4. Os direitos reconhecidos no parágrafo 1° podem igualmente, em certas zonas

determinadas, estar sujeitos a restrições que, previstas por lei, serão justificadas pelo

interesse público em uma sociedade democrática.

A doutrinadora Rosita Milesi salienta ainda sobre a existência Convenção

Internacional para Proteção dos Direitos de todos os Trabalhadores Migrantes e seus

Familiares aprovada pela Assembleia Geral da ONU em 1990. Segundo ela, a convenção

representa um novo paradigma no quesito direito internacional do imigrante, além de possuir

um caráter totalmente humanista, ao considerar que todos os imigrantes devem ter seus

direitos trabalhistas preservados, independentes de estarem legalizados no país onde vivem ou

não. Reconhece ainda, que os imigrantes devem ser tratados primeiramente com base no

princípio da dignidade da pessoa humana, para depois serem considerados como nacionais de

determinado país, o que representa uma busca pela cidadania universal.94

A autora ainda

afirma que95

:

A base da Convenção é considerar o trabalhador migrante como sujeito de direitos, pessoa digna perante a ordem internacional. Ressaltam-se alguns pontos:

1 – A Convenção dá uma definição internacional de trabalhador migrante prevista

no art. 2º, o qual prescreve que a expressão ―trabalhador migrante‖ é a pessoa que

vai exercer, exerce ou exerceu uma atividade remunerada num Estado de que não é

nacional.

2 – Conceitua diferentes situações: trabalhadores migrantes fronteiriços, sazonais,

marítimos, itinerantes, vinculados a um projeto empresarial ou independentes.

Reconhece mulheres e homens em pé de igualdade como trabalhadores. Considera

os migrantes a partir de uma ótica diferente da de meros sujeitos econômicos, trata-

os como seres sociais, que têm mais direitos do que os que lhe correspondem como

trabalhadores.

Embora a imigração seja um fato presente na história da humanidade, observa-se que

não há uma norma internacional ampla e totalmente dedicada ao tema. O que se constata são

dispositivos legais que tratam de questões que envolvem o sistema migratório, como

segurança, direitos humanos, unificação familiar, refúgio. Em outras palavras, são normas de

94 MILESI, op. cit., p. 7. 95 MILESI, op. cit., p. 7

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proteção à pessoa humana que podem também abranger imigrantes. 96

Nas palavras de Jubilut

e Apolinário, têm-se que:

O resultado é, muitas vezes, a ausência ou insuficiência de normas para solucionar as possíveis incoerências entre as normas de diversos campos, velando-se pela

primazia dos direitos humanos no contexto das migrações. Além disso, essa

ausência ou insuficiência normativa reflete na lacuna de mecanismos domésticos de

proteção específicos, ou mecanismos domésticos que simplesmente permitam

alcançar uma situação de regularidade dos imigrantes.

A consequência jurídica dessa falta de regulamentação doméstica (nos termos da

autora) é a tentativa dos operadores do direito de enquadrar todas as causas específicas de

direito migratório nas poucas legislações existentes e que não são específicas para o tema. O

resultado é a não evolução desse ramo de estudo e a não criação de um dispositivo legal

próprio, o que ainda caracteriza as legislações já existentes como obsoletas.97

Nota-se, portanto, que todos os documentos internacionais e regionais citados, embora

abordem o tema direito migratório, não são legislações específicas. A falta de uma lei especial

para migração cria lacunas e deixa de dar aparato legal a diversos casos que não estão

abrangidos pelas leis já existentes. A consequência é a violação dos direitos fundamentais de

imigrantes desamparados pelas leis internacionais.98

4.1. Os direitos humanos frente à soberania estatal

Imperiosa é a análise dos motivos que impossibilita um indivíduo de sair de seu país

de origem e estabelecer sua vida em qualquer outro lugar. A autora Rossana Rocha Reis99

apresenta tal questionamento e responde a pergunta com a alegação de que ―A autonomia do

Estado no campo das migrações é uma das principais características do direito internacional

96 JUBILUT, Liliana Lyra; APOLINÁRIO, Silvia Menicucci O.S. A Necessidade da Proteção Internacional no Âmbito da Migração. Revista Direito GV, São Paulo, Jan-Jun 2010. , p. 277. 97 JUBILUT, op. cit., p. 277. 98JUBILUT, op. cit., p. 277. A proteção dos direitos humanos se vê ameaçada também devido às políticas

antiterrorismo e as conseqüentes leis internas cada vez mais violadoras dos direitos fundamentais. De acordo

com Jubilut, o quadro internacional é cada vez mais agravado pela crise econômica, zonas de conflitos,

sentimentos xenofobicos e o combate às redes internacionais criminosas, o que denota cada vez mais a

necessidade de uma legislação específica relacionada à migração. 99 REIS, Rossana Rocha. Soberania, Direitos Humanos e Migrações Internacionais. Revista Brasileira de

Ciências Sociais, Vol. 19 nº. 55, junho,2004, p. 150.

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tradicional‖. Pode-se dizer então que não basta a livre vontade do indivíduo de migrar, visto

que para isso é necessário estar amparado pelas leis migratórias do país de destino.

A autora afirma que, com exceção dos países em que há acordo de livre circulação,

como os membros da União Europeia, são necessários para qualquer pessoa que deseja

imigrar um passaporte válido e em muitos casos um visto de residência. Portanto, afirma-se

que o Estado possui o controle da mobilidade humana.100

Salienta-se, conforme expõe a autora, que os conflitos gerados da ofensa de um Estado

a um indivíduo de outra nacionalidade são resolvidos entre Estados. Não há a possibilidade de

uma pessoa e um Estado serem partes em um litígio, considerando que o indivíduo é um

―não-sujeito‖ na esfera internacional, e que os Estados que estabelecem suas relações.101

Constata-se que a migração internacional é um fator político, por estar diretamente

ligada à política migratória dos países. Conclui-se então que não se trata apenas de um fator

social, já que é caracterizada pela relação dos indivíduos com sistemas políticos diversos e a

tentativa de adaptação. 102

Não obstante, não é apenas a determinação estatal que influencia nos fluxos

migratórios, sendo certo que fatores externos também causam a mudança dos fluxos. Porém, a

política migratória adotada por determinado Estado é fator determinante para delinear as

tendências da imigração, e os problemas e soluções que aparecerão como consequência.103

Destaca-se o posicionamento da autora Manuela Ferreira104

, no sentido de que os

imigrantes só são aceitos pelos Estados quando, ao analisar os prejuízos e benefícios ao

interesse nacional, há mais fatores positivos. Falta o espírito colaborativo e o olhar para o

outro com uma perspectiva humana, e não apenas a observância da lógica do mercado.

Devido à forte prevalência do interesse nacional, as políticas migratórias são

modificadas de acordo com cada época e das necessidades passadas por cada país, bastando

para a mudança os fatores econômicos e sociais que se estabelecem. Nota-se que essa lógica

não acompanha as novas tendências do mundo globalizado, o que muitas vezes coloca o

100 REIS, ibid, p. 150. 101 REIS, op. cit., p. 150. 102 REIS, op. cit., p. 150. 103 REIS, op. cit. p. 150. 104

FERREIRA, Manuela Fernandes Gonçalves. Imigração e Soberania Nacional: Análise da Política

Brasileira de Migração à Luz das Normas Internacionais Sobre Fluxo de Pessoas. (dissertação)

Universidade do Vale do Itajaí, Mestrado em Ciência Jurídica, Itajaí, Santa Catarina, 2017, p. 23.

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imigrante como fator subsidiário e faz com que a garantia de seus direitos se dê de forma

provisória.105

Pode-se citar diversos problemas em relação ao autoritarismo dos Estados no quesito

migração, como a questão dos refugiados e o interesse pela reunificação familiar. Mas é

indubitável a necessidade de estabelecer condições dignas aos imigrantes ilegais, devido às

inúmeras controvérsias de como um Estado deve se portar no tratamento dos

―indocumentados‖ e quais são os limites de sua soberania em nome da preservação dos

direitos dessas pessoas.106

Neste sentido, cita-se as palavras de Reis:

Em termos mais abstratos, trata-se de saber quais são os direitos individuais que

devem ser garantidos mesmo aos indivíduos que estão ―fora da lei‖. Muitos Estados temem que uma política que conceda muitos direitos aos indocumentados possa

servir como um estímulo para que mais pessoas migrem de forma ilegal. As

convenções internacionais têm recomendado que os Estados ajam, sobretudo, no

sentido de coibir o emprego de ilegais e as redes internacionais de tráfico de

pessoas,2 e não os imigrantes ilegais em si. Apesar disso a imigração ilegal vem

sendo cada vez mais criminalizada na legislação doméstica dos países receptores,

com consequências nefastas para todos os imigrantes.107

Nota-se que muitas vezes os Estados adotam medidas restritivas e fecham as portas

para a imigração, devido ao receio de estabelecer um contingente de imigrantes ilegais, mas

ao mesmo tempo, deixam de receber pessoas que iriam contribuir no desenvolvimento social

e econômico do país. Por último e não menos importante, com essa atitude os Estados deixam

de garantir os direitos fundamentais da pessoa ao diferenciar tão severamente os nacionais dos

imigrantes. Neste sentido, cita-se as palavras de Ferreira108

:

No contexto das migrações internacionais, é preciso destacar que as limitações que o

Estado determina ao direito de ir e vir devem estar pautadas, única e exclusivamente,

naquelas previstas legalmente, não podendo agir de outro modo, sob pena de

caracterizar uma restrição arbitrária com ofensa ao direito humano de ir e vir e que

afronta, também, o Estado Democrático de Direito.

Constata-se, portanto, que o limite da atuação estatal em relação ao direito do

indivíduo de imigrar são as normas de direitos humanos. Por mais que haja interesse nacional

na questão dos fluxos migratórios, não se deve permitir que estes se sobreponham a dignidade

da pessoa humana e ao direito de ir e vir.

105 FERREIRA, ibid., p. 23. 106

REIS, op. cit., p. 153 107 REIS, op. cit. p. 153. 108 FERREIRA, op. cit.,, p. 51.

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É nesse sentido que caminha a proteção dos direitos humanos do estrangeiro, por mais

que, segundo o posicionamento de Ferreira109

: ―Muitas regulamentações foram criadas em

torno do direito de ir e vir, e alguns pontos sensíveis ainda barram a concretização efetiva

desses direitos e merecem ser tratados.‖ Em outras palavras, faz-se necessário um aparato

normativo mais eficaz no sentido de garantir a proteção do imigrante, o que não significa

dizer que não há avanços nesse sentido em um mundo cada vez mais cosmopolita. Observa-se

o exposto nas palavras de Reis110

:

Recentemente, uma série de estudos aponta para uma modificação nas relações entre

nacionalidade/cidadania e soberania/imigração. O fortalecimento de um regime

internacional de direitos humanos, segundo essas novas pesquisas, tem obrigado os Estados a redefinirem suas fronteiras, tanto a interna como a externa, em função da

universalidade dos direitos individuais... Isso significa, entre outras coisas, que o

Estado não seria mais capaz de definir, em função de seus próprios interesses, quem

pode ou não entrar e se estabelecer em seu território, e, ainda, que cada vez mais os

direitos são atribuídos em nome da dignidade inerente da pessoa humana, e não da

sua nacionalidade, de modo que a própria distinção entre nacional e não nacional

estaria perdendo sua importância

Averba-se, conforme expressa Reis, que os Estados estão cada vez mais levando em

consideração as diretrizes dos direitos humanos internacionais, em questões referentes à

imigração, a entrada de estrangeiros, fixação de residência e ao tratamento igualitário que se

busca entre nacionais e imigrantes.111

Constata-se também que os novos ideais dos direitos dos estrangeiros concedem a

característica de cidadão, mesmo não sendo proveniente do Estado receptor. Pode-se dizer, de

acordo com a autora, que os direitos exclusivos da cidadania estão perdendo forças em nome

dos direitos universais da pessoa.112

Ocorre que, por mais que haja a difusão de ideias igualitárias e humanistas, a

implementação dessas diretrizes ainda dependem da atuação estatal. Como já exposto

anteriormente, faz falta uma regulamentação específica para os imigrantes, visto que o que se

observa atualmente são normas espaçadas em leis e acordos que tratam os direitos humanos

de uma forma geral. Dessa forma, faz-se necessário também um organismo internacional

eficaz e capaz de coagir os estados a cumprirem a legislação.

109 FERREIRA, op. cit., p. 47. 110

REIS, op. cit. p. 157. 111 REIS, op. cit. p. 157. 112 REIS, op. cit. p. 158.

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Observa-se o exposto através da análise das políticas migratórias dos países em

questão. O Brasil passou por um período em sua história em que o imigrante era visto como

um inimigo, devido aos ideais nacionalistas da ditadura militar. Somente com o fim desse

sistema e com o advento da Constituição de 1988 que os princípios de direitos humanos

foram adotados em relação aos imigrantes. Ocorre que, ao considerar a possibilidade que um

próximo governo conservador possa restringir novamente de forma impactante o direito

migratório ressalta-se a necessidade de organismos internacionais capazes de restringir a ação

do Estado.

Em relação à Portugal, por mais que o país esteja inserido em um bloco de livre

circulação de pessoas, de desfazimento de fronteiras entre os membros, muitas vezes o Estado

é criterioso por não ter o controle de quem entra e quem permanece, visto que não são

fiscalizadas as entradas dentro do espaço Schengen. Visto isso, o direito migratório não

acompanha a difusão da globalização, primeiro porque não é de interesse nacional recepcionar

imigrantes que não possuem condições de contribuir de forma significativa para o

desenvolvimento do país, e segundo porque faltam ações eficazes no sentido de impedir que

as pessoas se estabeleçam de forma ilegal, gerando desigualdade social e violação aos

princípios básicos dos direitos humanos.

Ambos os países precisam avançar na garantia dos direitos dos imigrantes, e observa-

se entre eles uma diferença geopolítica, visto que Portugal está inserido no espaço Schengen.

Porém, nota-se que a difusão do direito transnacional é uma realidade, e o Estado brasileiro

precisa estar preparado intelectualmente para essas novas demandas sociais. Ressalta-se a

importância, portanto, da análise das medidas adotadas pelos países que já estão inseridos

nesse contexto, para que os mesmos erros não sejam repetidos.

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CONCLUSÃO

Diante do exposto, conclui-se que os países em análise possuem uma forte ligação no

assunto migração. Conforme expresso, Portugal foi colonizador do Brasil e responsável pela

vinda de um número significativo de pessoas na época do império. O advento do ―Novo

Mundo‖ despertou na comunidade europeia o desejo de buscar novas oportunidades além de

suas fronteiras.

O laço criado a partir de então perdura até os dias atuais. Mesmo após a independência

do Brasil, portugueses continuaram imigrando para o país em busca de novas oportunidades e

devido à similaridade cultural criada pela influência da língua e dos costumes adotados ainda

na época do império.

Da mesma forma, um grande número de brasileiros escolhem imigrar para Portugal

em busca de melhor qualidade de vida, considerando que se trata de um país inserido na

comunidade europeia, que oferece o livre acesso às grandes potências mundiais, baixo custo

de vida e serviços básicos eficazes, como educação de qualidade, saúde e segurança. Além

disso, o reagrupamento familiar é um dos motivos que impulsionam os brasileiros a buscarem

suas raízes.

Importante ressaltar conforma afirma Santos113

, que os fluxos em questão são

marcados pela constante ida de brasileiros para Portugal, muitas vezes formados com nível

médio de instrução e que mesmo assim, ocupavam vagas de trabalho pouco ou nada

qualificadas. Tal fato comprova o argumento de que a maioria dos estrangeiros presentes em

Portugal não possuem cargos elevados no mercado de trabalho, o que justifica a tendência do

país em atrair cada vez mais mão de obra qualificada. Para isso, conforme já exposto, o país

concede uma série de facilidades para aqueles que almejam um visto de investidor e que

possuem capacidade econômica para investirem no país.

Dito isso, ressalta-se também que ainda há a prevalência dos interesses econômicos

nas políticas migratórias, principalmente em Portugal, que conforme observado, apesar da

legislação atual garantir uma série de direitos aos imigrantes e apresentar uma evolução

legislativa, possui como foco principal o fomento da vinda de imigrantes qualificados, ao

invés de apoiar aqueles que buscam qualificar-se no exterior.

113 SANTOS, op. cit., p. 350.

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Nota-se que a necessidade de mão de obra qualificada é uma demanda tanto brasileira

quanto portuguesa, e uma forma de garantir os direitos básicos do imigrante e ajudar no

desenvolvimento nacional é o fomento a educação, concedendo-a também aos estrangeiros

que consequentemente irão compor o mercado de trabalho.

No decorrer da pesquisa, observaram-se os avanços legislativos no sentido de garantir

os direitos dos imigrantes, embora também seja notório que as leis se adéquam ao governo da

época e suas convicções, sendo este outro fator que justifica a necessidade de instrumentos

internacionais capazes de coagir os Estados a aplicarem o direito internacional do estrangeiro.

Em relação à comparação dos países em análise, não se pode mensurar qual está mais

avançado na garantia dos direitos migratórios, considerando que o contexto geopolítico é

diferente e também que há desenvolvimento da legislação em ambos os casos, o que falta é

instrumentos eficazes de execução das políticas.

O que se pode constatar é que Portugal possui mais experiência na adoção de políticas

migratórias, considerando os superiores números de alterações normativas já experimentadas.

Tal fato denota que as necessidades da imigração em Portugal foram sendo modificadas no

decorrer do tempo, e da mesma forma, tais demandas também vão ocorrer no Brasil. Visto

isso, é de suma importância para o governo brasileiro que adote medidas inibitórias da

permanência de ilegais em seu território, e acima de tudo, garantidora dos direitos sociais do

imigrante, para que não apresente um número tão grande de imigrantes desamparados como

ocorre atualmente em Portugal.

O trabalho ainda permite concluir que políticas altamente restritivas e a negação de

permanência de estrangeiros não muda o fato que as pessoas continuarão imigrando e

permanecendo de forma ilegal no país. Mesmo considerando o interesse nacional, não é

interessante manter em um país uma população marginalizada vivendo em um verdadeiro

estado de exceção, contribuindo ainda mais para a desigualdade social e a criminalização

dessas minorias.

Nas palavras de Lima, é muito mais proveitoso para os Estados manterem uma política

migratória aberta e devidamente regularizada e fiscalizada, visto que é mais vantajoso,

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humano e barato para os Estados recepcionar os estrangeiros, do que sofrer o desgaste de

expulsá-los 114

:

Neste diapasão, conclui-se que atualmente os países possuem condições de

desenvolver as políticas migratórias e estabelecer legislações humanitárias, o que falta é a

difusão das ideias capazes de convencer que o mais eficaz é a recepção de estrangeiros, sem

discriminação, e de forma regulada.

O trabalho atinge o seu objetivo ao constatar que a pesquisa na área imigratória não

acompanha o desenvolvimento do cosmopolitismo. Nos cursos de direito raramente se fala

sobre o tema, embora cada vez mais há pessoas com vontade de imigrar. É importante

salientar também que os Estados ainda estão em processo de adequação às novas demandas

sociais em relação à imigração, motivo pelo qual o estudo e análise dos casos concretos são

considerados de suma importância.

Por fim, conclui-se que o trabalho não esgota o tema, muito menos apresenta soluções

para todos os desafios da imigração experimentados pelo Brasil e por Portugal, mas aponta

como estratégia a necessidade de fomentar a pesquisa nessa área, ainda pouco explorada, além

de alertar sobre a necessidade de uma real garantia dos direitos dos imigrantes, considerando

que os juristas devem acompanhar as tendências atuais da globalização e da manutenção dos

direitos humanos.

114 LIMA, op. cit., p. 80.

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TST- Informativo da Coordenadoria de Gestão Documental e Memória Ano III - N° 5 - Maio

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