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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEAR
CURSO DE MEDICINA - CAMPUS SOBRAL
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM SADE DA FAMLIA
POLLYANNA MARTINS
ANLISE DO PROCESSO DE TRABALHO DAS EQUIPES DE SADE BUCAL
NA MICRORREGIO DE SOBRAL E SUA RELAO COM OS ATRIBUTOS DA
ATENO PRIMRIA SADE
SOBRAL
2012
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POLLYANNA MARTINS
ANLISE DO PROCESSO DE TRABALHO DAS EQUIPES DE SADE BUCAL
NA MICRORREGIO DE SOBRAL E SUA RELAO COM OS ATRIBUTOS DA
ATENO PRIMRIA SADE
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Sade da Famlia da Universidade Federal do Cear, Campus Sobral, como requisito parcial para obteno do ttulo de Mestre em Sade da Famlia. rea de Concentrao: Gesto em Sade.
Orientadora: Profa. Dra. Andra Slvia Walter de Aguiar
SOBRAL
2012
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Dados Internacionais de Catalogao na Publicao Universidade Federal do Cear
Biblioteca da Faculdade de Medicina de Sobral
M345a Martins, Pollyanna.
Anlise do processo de trabalho das equipes de sade bucal na microrregio de Sobral e sua relao com os atributos da ateno primria sade / Pollyanna Martins. 2012.
182 f. : il. color., enc. ; 30 cm. Dissertao (mestrado) Universidade Federal do Cear, Faculdade de Medicina Campus
Sobral, Programa de Ps-Graduao em Sade da Famlia, Sobral, 2012. rea de Concentrao: Gesto em sade. Orientao: Prof. Dr. Andra Slvia Walter de Aguiar. 1. Sade da famlia. 2. Ateno primria sade. I. Ttulo.
CDD 616.31
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POLLYANNA MARTINS
ANLISE DO PROCESSO DE TRABALHO DAS EQUIPES DE SADE BUCAL
NA MICRORREGIO DE SOBRAL E SUA RELAO COM OS ATRIBUTOS DA
ATENO PRIMRIA SADE
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Sade da Famlia da Universidade Federal do Cear, Campus Sobral, como requisito parcial para obteno do ttulo de Mestre em Sade da Famlia. Linha de Pesquisa: Gesto em Sade.
Aprovada em: _______/_________/_________
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________________
Prof. Dra. Andra Slvia Walter de Aguiar (Orientadora) Universidade Federal do Cear (UFC)
________________________________________________
Prof. Dra. Maria Socorro de Arajo Dias Universidade Vale do Acara (UVA)
_________________________________________________
Prof. Dra. Maria Adelane Monteiro da Silva
Universidade Vale do Acara (UVA)
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Dedico esta produo a todos os guerreiros que, assim com eu, militam no campo da sade coletiva em busca de evidncias e caminhos que consolidem a Estratgia Sade da Famlia.
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AGRADECIMENTOS
Considero a parte mais difcil da dissertao, pois aqui o nico lugar que temos para
manifestar nossa gratido a tantas pessoas e instituies que colaboraram na execuo deste
trabalho cientfico. Em uma das primeiras orientaes que tive coma Profa. Andra, ela disse:
no se faz pesquisa sozinho, e durante a construo desta dissertao lembrei desta frase
todos os dias.
Agradeo a Deus por ter me dado fora para superar todos os obstculos que surgiram
nesta caminhada. Aos meus pais, que mesmo distantes da vida acadmica, compreenderam a
importncia da concluso deste trabalho e se deslocaram 550 km nos momentos mais difceis,
para cuidar do Yan. Ao meu filho, Yan Victor, que, na inocncia dos seus cinco aninhos,
parava de reclamar minha ausncia quando algum lhe dizia que a mame estava estudando
no mestrado.
Aos articuladores dos municpios da 11 CRES, que ajudaram na coleta dos
questionrios: Ana Raquel, Diego, Osvaldo, Emanuel, Francisca Artelncia, Heber, John,
Benedita Tatiane, Marcos Vinicius, Aurivan, Shirley, Maria da Conceio, Gessilene, Fco.
Ronaldo, Olimpio, Jos Osmar, Georgiana, Breno, Elzimar, Luciane, Anita Amorim e
Ronald.
Secretaria de Sade de Massap-CE, por a liberao para cursar o mestrado. Dra.
Lucila Magalhes, coordenadora da 11 CRES que autorizou a realizao desta pesquisa.
CAPES, pelo apoio financeiro, atravs da concesso da bolsa de auxilio pesquisa.
Aos professores e colegas do mestrado pelo aprendizado. Aos Professores Edson
Holanda Teixeira e Socorro Dias, que participaram da qualificao deste projeto. s
Professoras Socorro Dias e Adelane Monteiro, que aceitaram participar da banca de defesa.
E, por ltimo, mas no menos importante, quero agradecer a minha Orientadora, a
Profa. Andrea Silvia Walter de Aguiar, por todo o aprendizado, dedicao, empenho,
compromisso que dedicou na construo desta dissertao. O processo de orientao foi muito
cuidadoso e bastante prazeroso, regado com muita responsabilidade e afetividade. Pessoas
como voc alimentam a paixo que tenho pelo ensino e sade coletiva.
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RESUMO
Esta dissertao analisa o processo de trabalho das Equipes de Sade Bucal (ESB), na
Ateno Primria Sade (APS) da 11 Regio de Sade (RS) de Sobral, Cear, e sua relao
com os atributos da APS. Utilizou-se questes adaptadas do Instrumento de Avaliao da
APS (PCATool), verso profissionais, e questes abertas. Anlises de correlao utilizando
testes estatsticos verificaram associao entre as variveis. O mtodo de anlise de contedo
temtica foi aplicado nas perguntas abertas. O questionrio foi respondido por 91 Cirurgies-
Dentistas (CD) e a taxa de no resposta e recusas foi de 12,8%. Os atributos coordenao do
cuidado e orientao familiar apresentaram alto escore geral (> 6,6) em todos os portes
populacionais. A orientao comunitria e competncia cultural apresentaram escore prximo
ao ideal. Os atributos da longitudinalidade e acesso apresentaram baixos escores gerais (<
6,6). O acesso obteve o menor escore mdio em relao a todos os atributos da APS. Todos os
tipos de porte populacional apresentaram baixo escore geral para APS. Observou-se
associao positiva entre o porte populacional dos municpios, a presena de cadastro dos
pacientes, a realizao de visitas domiciliares e a flexibilidade dos horrios de atendimento
das ESB. A empregabilidade, atravs de vnculos formais, apresentou-se positivamente
associada ao tempo de permanncia na mesma equipe, e negativamente associada ao porte
populacional. A especializao em Sade da Famlia esteve positivamente associada ao tempo
de trabalho dos CD na APS. A programao da demanda foi mais presente nas ESB de
municpios acima de 20.000 habitantes. Os grupos mais priorizados entre as ESB, que
apresentam algum tipo de programao de demanda, foram os de gestantes, crianas, adultos
e idosos. A maioria das ESB (86%) realiza procedimentos clnicos bsicos, entretanto, a
realizao de outras atividades, como visitas domiciliares e instalao de prteses totais esto
em fase inicial de implantao. A garantia de atendimento demanda espontnea e tambm a
realizao de aes programticas ainda se constituem como desafios para as ESB. A
mudana das prticas no processo de trabalho das ESB est em processo incipiente,
entretanto, verificou-se uma maior sistematizao destas aes em municpios de grande
porte.
Palavras-Chave: Ateno Primaria Sade. Programa Sade da Famlia. Servios de Sade Bucal.
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ABSTRACT
The objective of this study was to analyze the process of work of the Oral Health Teams
(OHT), at the Primary Health Care (PHC) in 11th Region Health of Sobral city, Cear state,
Brazil, and OHT in relation to the attributes of the PHC. For data collection, questions
adapted from the Assessment Instrument PHC (PCATool), professional version and
subjective questions. Statistical tests analyzed the association between the variables. The
method of thematic content analysis was applied to the subjective questions. The
questionnaire was answered by 91 dentists and the non-response rate and refusals was
12.8%.The coordination of care and family counseling had a high overall score (> 6.6) in all
population sizes. A community orientation and cultural competence scores were close to
ideal. The acess and the longitudinality attribute reached low overall score (
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LISTA DE FIGURAS E GRFICOS
Figura 1 - Distribuio das Equipes de Sade Bucal (ESB) inseridas na Estratgia em Sade da Famlia (ESF), nos municpios da 11 Regio de Sade, de acordo com o porte populacional, Sobral CE, 2011. .......................................................................................... 97
Figura 2 Distribuio dos cirurgies-dentistas inseridos na Estratgia em Sade da Famlia (ESF), nos municpios da 11 RS, de acordo com o nvel de ps-graduao, Sobral CE, 2011 ................................................................................................................. 102
Figura 3- Distribuio de especialistas em Sade Coletiva e da Famlia por porte populacional .......................................................................................................................... 104
Grfico 1- Evoluo e metas do nmero de Equipes de Sade da Famlia implantadas no Brasil, de 1994 a 2010. ........................................................................................................... 47
Grfico 2 - Evoluo e metas de implantao do nmero de Equipes de Sade Bucal implantadas no Brasil, de 2001 a 2010. ................................................................................. 47
Grfico 3- Distribuio das ESB nas Modalidades I e II, no estado do Cear, no perodo de 2001 a 2010. ....................................................................................................................... 63
Grfico 4 - Presena de programao da demanda nas ESB da 11 RS, por porte populacional. ......................................................................................................................... 128
Quadro 1- Tipos de Abordagens de Ateno Primria Sade......................................35
Quadro 2 - Relaes entre processos de trabalho e atribuies das equipes da AB, ESF e Abordagens de APS. ............................................................................................................... 49
Quadro 3- Atribuies comuns da equipes de Sade da Famlia ....................................... 70
Quadro 4 - Atribuies especficas da ESB, Cirurgio-dentista, Auxiliar de Consultrio Dentrio e do Tcnico de Higiene Dental. ............................................................................ 71
Quadro 5 - Descrio dos atributos da APS segundo critrios de anlise e operacionalizao utilizados nesta pesquisa. ........................................................................ 83
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LISTA DE TABELAS
Tabela 1- Distribuio das ESB segundo tipo de modalidade e cobertura nos municpios da 11 RS, em 2011 ....................................................................................................................... 80
Tabela 2 - Distribuio das ESB, por porte populacional, dos municpios componentes da 11 RS.2011 ............................................................................................................................. 82
Tabela 3 - Distribuio dos cirurgies-dentistas (CD) das Equipes de Sade Bucal (ESB) inseridas na Estratgia em Sade da Famlia (ESF), nos municpios da 11 RS, de acordo com sexo, faixa etria, status marital e presena de filhos, Sobral CE, 2011 .................. 98
Tabela 4 - Distribuio dos cirurgies-dentistas (CD) das Equipes de Sade Bucal (ESB) inseridas na Estratgia em Sade da Famlia (ESF), de acordo com o grau de formao, localizao, tipo de vnculo empregatcio e exerccio da funo nos municpios da 11RS ................................................................................................................................................ 100
Tabela 5 - Distribuio de especialistas por rea de especialidade, de acordo com o porte populacional, nos municpios da 11 RS ............................................................................. 104
Tabela 6 - Distribuio dos CD por tempo total de trabalho na ESF e na ESB que atualmente est vinculado ..................................................................................................... 105
Tabela 7 - Distribuio das caractersticas do atributo acesso/ primeiro contato das Equipes de Sade Bucal (ESB) inseridas na Estratgia em Sade da Famlia (ESF), nos municpios da 11 Regio de Sade, de acordo com o porte populacional, Sobral CE, 2011 ........................................................................................................................................ 110
Tabela 8 - Distribuio do escore mdio do atributo acesso/primeiro contato das Equipes de Sade Bucal (ESB) inseridas na Estratgia em Sade da Famlia (ESF), nos municpios da 11 Regio de Sade, de acordo com o porte populacional, 2011 ........... 111
Tabela 9 - Distribuio das caractersticas do atributo longitudinalidade do cuidado das Equipes de Sade Bucal (ESB) inseridas na Estratgia em Sade da Famlia (ESF), nos municpios da 11 Regio de Sade, de acordo com o porte populacional, Sobral ce, 2011 ........................................................................................................................................ 114
Tabela 10 - Frequncia da presena de cadastro dos pacientes (pronturios) nas ESB, por porte populacional, da 11 Regio de Sade de Sobral - CE. 2011 .................................. 116
Tabela 12 - Distribuio das caractersticas do atributo coordenao do cuidado das Equipes de Sade Bucal (ESB) inseridas na Estratgia em Sade da Famlia (ESF), nos municpios da 11 Regio de Sade, de acordo com o porte populacional, Sobral CE, 2011 ........................................................................................................................................ 121
Tabela 13 - Grau de orientao das ESB para a coordenao do cuidado, por porte populacional, da 11 Regio de Sade de Sobral - CE. 2011 ............................................ 123
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Tabela 14 - Escore essencial dos atributos Acesso, longitudinalidade e coordenao do cuidado. .................................................................................................................................. 125
Tabela 15- Grupos e faixas etrias priorizados no atendimento atravs de demanda programada, por porte populacional .................................................................................... 130
Tabela 16 - Atendimento atravs de demanda espontnea, de acordo com o porte populacional, dos municpios da 11RS. ............................................................................. 132
Tabela 17 - Atividades de preveno e promoo da sade realizadas por ESB, de acordo com o porte populacional, dos municpios da 11 RS ........................................................ 135
Tabela 18 - Procedimentos clnicos realizados por ESB, de acordo com o porte populacional, dos municpios da 11 RS ............................................................................. 136
Tabela 19 - Outras atividades ou procedimentos de reabilitao realizados por ESB, de acordo com o porte populacional, dos municpios da 11 RS ............................................ 137
Tabela 20 - Avanos e desafios do atributo integralidade, relatados por ESB, de acordo com o porte populacional, dos municpios da 11 RS ........................................................ 139
Tabela 21 - Distribuio das caractersticas do atributo orientao familiar das Equipes de Sade Bucal (ESB) inseridas na Estratgia em Sade da Famlia (ESF), nos municpios da 11 RS, de acordo com o porte populacional, Sobral CE, 2011 ............ 146
Tabela 22 - Grau de orientao das ESB para a Orientao familiar e comunitria e competncia cultural, por porte populacional, da 11 RS. 2011 ........................................ 155
Tabela 23 - Escore Geral da APS e dos atributos essenciais e derivativos ..................... 157
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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AIS Aes Integradas de Sade
APS Ateno Primria Sade
CD Cirurgio-dentista
CEBES Centro Brasileiro de Estudos em Sade
CEO Centros de Especialidades Odontolgicas
CEO-M Centro de Especialidade Odontolgica Municipal
CEO-R Centro de Especialidade Odontolgica Regional
CESAU Conselho de Sade
CFO Conselho Federal de Odontologia
CNES Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Sade
CNS Conferncia Nacional de Sade
CNSB Conferncia Nacional de Sade Bucal
CONASP Conselho Consultivo de Administrao da Sade Previdenciria
CRES Coordenadoria Regional de Sade
CTPS Carteira de Trabalho e Previdncia Social
ENATESPO Encontro Nacional de Administradores e Tcnicos do Servio Pblico
Odontolgico
ESB Equipe de Sade Bucal
ESF Estratgia Sade da Famlia
EUA Estados Unidos da Amrica
Hab. Habitantes
IAP Instituto de Aposentadoria e Penses
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica
IPECE Instituto de Pesquisa e Estratgia Econmica do Cear
MG Minas Gerais
RS Regio de Sade de Sobral, Cear
MRS Movimento da Reforma Sanitria
MS Ministrio da Sade
NOB Norma Operacional Bsica
OMS Organizao Mundial de Sade
OPAS Organizao Pan-Americana de Sade
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PACS Programa de Agentes Comunitrios de Sade
PCATool Instrumento de Avaliao da Ateno Primria
PDR Plano Diretor de Regionalizao
PIA Programa de Inverso da Ateno
PIASS Programa de Interiorizao das Aes de Sade e Saneamento
PNAB Poltica Nacional de Ateno Bsica
PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios
PNE Pacientes Portadores de Necessidades Especiais
PNSB Poltica Nacional de Sade Bucal
PSC Programa Sade em Casa
PSF Programa Sade da Famlia
RJ Rio de Janeiro
RS Rio Grande do Sul
SESP Servio Especial de Sade Pblica
SILOS Sistemas Locais de Sade
SP So Paulo
SUS Sistema nico de Sade
UBS Unidade Bsica de Sade
UNICEF Fundo das Naes Unidas para a Infncia
USP Universidade de So Paulo
VD Visita domiciliar
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SUMRIO
1. INTRODUO .............................................................................................................. 15
2. OBJETIVOS ................................................................................................................... 22
3. ATENO PRIMRIA SADE .............................................................................. 23
3.1 Contexto histrico ............................................................................................................ 23
3.2 Enfoques de Ateno Primria Sade ........................................................................ 34
3.3 Atributos essenciais e qualificadores da Ateno Primria Sade .......................... 37
4 ATENO PRIMRIA SADE E ESTRATGIA SADE DA FAMLIA ....... 42
5 ATENO PRIMRIA SADE E POLTICAS DE SADE BUCAL ............... 51
5.1 Poltica Nacional de Sade Bucal ................................................................................... 64
5.2 Organizao do processo de trabalho nas Equipes de Sade Bucal ........................... 68
6 METODOLOGIA ........................................................................................................... 76
7 RESULTADOS E DISCUSSO ................................................................................... 96
7.1 Perfil das Equipes de Sade Bucal e cirurgies-dentistas ........................................... 97
7.2 Acesso / primeiro contato .............................................................................................. 107
7.3 Longitudinalidade do cuidado ...................................................................................... 112
7.4 Coordenao do cuidado ............................................................................................... 118
7.5 Integralidade .................................................................................................................. 126
7.6 Orientao Familiar ...................................................................................................... 144
7.7 Orientao comunitria e competncia cultural ........................................................ 147
8 CONSIDERAES FINAIS ....................................................................................... 158
REFERNCIAS ................................................................................................................... 161
APNDICES ......................................................................................................................... 173
ANEXOS ............................................................................................................................... 179
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15 1. INTRODUO
Os primeiros conceitos de Ateno Primria Sade (APS) surgiram na Inglaterra,
atravs da divulgao do Relatrio Dawson no incio do sculo XX. O relatrio inaugurou os
primeiros questionamentos sobre os modelos de ateno centrados na doena e tambm
apresentou os primeiros conceitos de regionalizao, que influenciaram a configurao dos
sistemas de sade de muitos pases (MINISTRY OF HEALTH, 1920).
A partir desse momento histrico, aconteceram vrios marcos terico-conceituais e
experincias em nvel mundial que fortaleceram os cuidados primrios em sade e ampliaram
o acesso da populao aos servios de sade.
No Brasil, at a dcada de 30, as aes de sade desenvolvidas pelo estado eram
voltadas para as comunidades rurais e combate s doenas pestilenciais, em um modelo de
ateno que ficou conhecido como Sanitarismo Campanhista (LIMA, FONSECA e
HOCHMAN, 2005). Com o incio do processo de urbanizao do pas, iniciou-se a formao
da assistncia mdica privada para os assalariados. A prtica privada em sade bucal tambm
se consolidou, e era financiada por intermdio do seguro social para os trabalhadores e em
carter complementar. Neste contexto, o campo da sade bucal iniciou sua institucionalizao
com a fundao das Clnicas Dentrias Escolares, por Baltazar Vieira de Melo, em So Paulo
(COSTA; CHAGAS; SILVESTRE, 2006; NARVAI, 2006).
Na dcada de 50, a criao do Servio Especial de Sade Pblica (SESP), atravs de
um convnio entre o Brasil e Estados Unidos, permitiu a expanso da ateno bsica e dos
servios de sade bucal. Os primeiros sistemas de fluoretao da gua de abastecimento
pblico foram inaugurados no Esprito Santo e Minas Gerais. No mbito da sade bucal, a
proposta sespiana de organizao da ateno aos escolares, de origem americana, que ficou
conhecida como Sistema Incremental, inaugurou a programao local na Odontologia e foi o
modelo hegemnico de ateno por mais de quatro dcadas (ZANETTI; LIMA, 1996).
Entretanto, a adeso s proposies da APS entrou em pauta na agenda brasileira na
dcada de 70, com a criao do Programa de Interiorizao das Aes de Sade e
Saneamento (PIASS), que foi inspirado na experincia de Montes Claros (MG) e possibilitou
expanso da rede de ateno bsica (GIOVANELLA; MENDONA, 2008; ESCOREL;
NASCIMENTO; EDLER, 2005).
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Nas dcadas de 60 e 70, em plena crise mundial, o Relatrio Lalonde, publicado no
Canad, fez uma crtica viso tradicional do campo da sade, que apontou suas limitaes
diante da transio epidemiolgica e demogrfica vivida nos pases industrializados. A
experncia dos mdicos de ps descalos, na China, novamente colocou em pauta a
importncia dos cuidados primrios sade (CUETO, 2004). Neste contexto, a Organizao
Mundial de Sade (OMS) realizou a conferncia de Alma-Ata, considerada o maior marco
para APS.
A declarao de Alma-Ata definiu a APS como uma estratgia para organizar os
sistemas de ateno em sade e promover a sade para a sociedade. Considerou a APS o
primeiro nvel de ateno, que inclui elementos de participao da comunidade,
intersetorialidade, acessibilidade e cobertura universal com base nas necessidades da
populao, educao em sade, e uma tecnologia apropriada e efetiva em relao aos
recursos disponveis (DECLARAO DE ALMA-ATA, 1978).
Nesta mesma poca, no Brasil, predominava o modelo hospitalocntrico que
promoveu a expanso da rede hospitalar atravs de construes financiadas pela previdncia
social. Com a crise no sistema previdencirio brasileiro, a rearticulao dos movimentos
sociais e as pssimas condies de vida da populao surgiu a proposta de reformulao do
sistema de sade atravs de uma reforma sanitria.
O Movimento da Reforma Sanitria (MRS) teve como campo de prticas a proposta
da Medicina Comunitria, e como massa crtica o Centro Brasileiro de Estudos em Sade
(CEBES), que se consolidou como setor intelectual em franca oposio poltico-ideolgica ao
regime militar brasileiro e, consequentemente, ao modelo de sade predominante
(DAMASO, 1989).
A partir de dcada de 80, o agravamento da crise da previdncia e as presses sociais
e polticas do setor sade determinaram a criao de mecanismos para reordenamento do
sistema de sade. Entre eles o Prev-Sade, o Plano do Conselho Consultivo da Administrao
da Sade Previdenciria (CONASP) e o Programa de Aes Integradas de Sade (AIS). A
sade bucal, pela primeira vez, indicada como uma das prioridades das polticas nacionais,
com incluso de incentivos financeiros para subsidiar os programas (COSTA; CHAGAS;
SILVESTRE, 2006). Este foi um importante passo para integrao da APS e sade bucal que
historicamente desenvolvia suas prticas distncia, nas escolas, entre quatro paredes, restrita
prtica do cirurgio-dentista com seu equipamento odontolgico.
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No final da dcada de 80, com a criao do Programa de Agentes Comunitrios de
Sade (PACS), no Cear, a 8 Conferncia Nacional de Sade (CNS) e a regulamentao do
Sistema nico de Sade (SUS) renovou-se, no Brasil, o movimento de APS.
Enquanto que, no contexto internacional, estava em curso uma contrarreforma que
valorizava a oferta de um pacote bsico de servios para populaes pobres no mbito da
APS, com o intuito de diminuir as despesas com sade dos pases. Esta contrarrevoluo foi
liderada pelo Banco Mundial, Fundao Rockefeller e o Fundo das Naes Unidas para a
Infncia (UNICEF) (WORLD BANCK, 1993). Nesta direo, os pases passaram a olhar a
APS como um programa de cuidados de sade que prestava cuidados pobres a pessoas
pobres. Vrias experincias foram desenvolvidas na America Latina e Caribe, reguladas pelas
diretrizes do Banco Mundial (OMS, 2008).
A expanso do PACS, em 1991, para todo o Brasil e a criao do Programa Sade da
Famlia (PSF), em 1994, para alguns autores foi uma resposta s demandas das agncias
internacionais. Deve-se reconhecer que, se por um lado, a conjuntura era favorvel para
discusso de novas formas de organizao de servio, em que o PSF sua base estruturante,
por outro, a dcada de 90 foi o marco das polticas neoliberais na Amrica Latina e Caribe.
Esse cenrio fez com que alguns autores considerados importantes no movimento sanitrio
brasileiro julgassem ser o PSF um programa pontual, pacote bsico de assistncia sade,
cujas bases se sustentavam em um projeto-piloto centrado no mdico, direcionado clientela
especfica e focalizado em regies pobres. (SOUSA; HAMANN, 2009).
Entretanto, a implantao do PACS e PSF em nvel nacional, nesta poca, se em um
primeiro momento se aproximaram das caractersticas da APS seletiva1, posteriormente, ao
invs de assumirem a lgica de um pacote bsico de servios de sade tornaram-se
programas estratgicos para a mudana da prpria lgica do modelo de ateno sade
vigente no pas, o mdico assistencial privatista (GIOVANELLA; MENDONA, 2008;
COHN, 2005).
Vale salientar que vrias experincias capilarizadas por todo o pas, como a proposta
de Mdico de Famlia de Niteri no Rio de Janeiro (RJ), Modelo em Defesa da Vida de
Campinas em So Paulo (SP), a Ao Programtica em Sade da Universidade de So Paulo
1 APS Seletiva definida pela Organizao Pan-Americana da Sade (OPAS) como um nmero limitado de servios de alto impacto para enfrentar alguns dos desafios de sade mais prevalecentes nos pases em desenvolvimento.
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18 (USP), os Sistemas Locais de Sade (SILOS) operacionalizado no Cear e Bahia e o Grupo
Hospitalar Conceio em Porto Alegre, Rio Grande do Sul (RS) inspiraram a formulao da
proposta Sade da Famlia (BRASIL, 2010a; ANDRADE; BARRETO; BEZERRA, 2006;
SOUSA, 2001).
Paralelamente, a sade bucal comeou a desenvolver experincias na tentativa de
ampliar o acesso da populao aos servios de sade e integrar a Odontologia na APS. Estas
novas formas de vivenciar a organizao do processo de trabalho da sade bucal se
concretizaram em experincias municipais e docentes assistenciais, e estavam fundamentadas
em marcos institucionais e nas evidncias da falta de acesso aos servios de sade bucal. Os
movimentos mais importantes foram:
A Beb-Clnica em Londrina, Paran, e o Programa de Inverso da Ateno (PIA) de
Belo Horizonte, Minas Gerais, na dcada de 80.
O Programa Sade em Casa (PSC), as atividades docentes assistenciais com foco em
visitas domiciliares, aes de promoo e preveno da sade do Distrito Federal e a
formao do Distrito Sanitrio em Curitiba, Paran, na dcada de 90.
Os relatos de experincias de organizao da sade bucal no contexto da sade
familiar nos encontros de sade bucal coletiva, como a ENATESPO (Encontro
Nacional de Administradores e Tcnicos do Servio Pblico Odontolgico) de Cuiab
(1997) e de Fortaleza (1998).
As conferncias de Alma-Ata, 7 e 8 CNS, 1 e 2 Conferncia Nacional de Sade
Bucal (CNSB).
A incluso de procedimentos coletivos para sade bucal na tabela SUS e alocao de
recursos financeiros para financiamento das atividades de sade bucal.
A ampliao da rede de ateno bsica, atravs do AIS e PIASS.
Os levantamentos epidemiolgicos das condies de sade bucal dos brasileiros.
Divulgao da Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios (PNAD), 1998, que
demonstrou que, at ento, 29,6 milhes de brasileiros nunca tinham ido ao
cirurgio-dentista.
Todas estas experincias e modelos de ateno sade bucal, inovadores na sua
poca, os marcos institucionais e as evidncias da falta de acesso aos servios de sade bucal,
inspiraram e tencionaram a incluso da Equipe de Sade Bucal (ESB) na Estratgia Sade da
Famlia (ESF).
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Em 2003 a cobertura populacional das ESB alcanou 20,5% da populao brasileira, o
que correspondia a cerca de 35,8 milhes de pessoas. Esta cobertura aumentou para 37% em
2011 (CNSB, 2011). Entretanto, a oferta de ateno sade bucal expandiu-se nas unidades
de sade do SUS sem a hegemonizao de um novo paradigma sustentvel de programao
que refletisse coerncia entre os princpios do SUS e as aes assistenciais concretas
(ZANETTI, 2001).
Nesta direo, a publicao da Poltica Nacional de Sade Bucal (PNSB), em 2004; a
Poltica Nacional de Ateno Bsica (PNAB), em 2006, revisada em 2011; e o Caderno de
Ateno Bsica, em 2008, definiram as diretrizes e orientaes quanto organizao do
processo de trabalho das ESB na ESF (BRASIL, 2008, 2006a, 2004a).
Contudo, apesar da expanso da cobertura das ESB, o acesso universal aos servios de
sade bucal, o planejamento e a programao a partir das necessidades da populao, a
ateno integral, a continuidade do cuidado e a coordenao da ateno se constituem como
grandes desafios para as equipes.
Algumas iniciativas apontam para modelos mais equnimes e universais, com
orientao familiar. Entretanto, a precarizao nos vnculos de trabalho identificada como
um obstculo para o desenvolvimento do sistema pblico de sade. Essa questo compromete
a relao dos trabalhadores com o sistema, prejudica a qualidade e a continuidade dos
servios prestados, gera rotatividade dos profissionais nas ESB, o que compromete a
longitudinalidade. A falta de qualificao, a dificuldade em estabelecer critrios de risco ou
realizar levantamentos epidemiolgicos para organizao da demanda a partir das
necessidades da populao, a relao impessoal com as famlias adscritas, a focalizao de
prticas preventivo-promocionais em escolares e a ausncia de parmetros para avaliao tm
dificultado o avano do modelo assistencial em sade bucal rumo aos princpios do SUS e da
ESF. A reduo das disparidades socioeconmicas e medidas de sade pblica dirigidas aos
grupos mais vulnerveis permanecem como um desafio para todos os que formulam e
operacionalizam as polticas pblicas de sade bucal no Brasil (ALMEIDA; FERREIRA,
2008; SOUSA; RONCALLI, 2007; NARVAI et al., 2006; NASCIMENTO et al., 2006;
LOURENO, 2005; PADILHA et. al., 2005; RODRIGUES; ASSIS, 2005; RONCALLI,
2000).
Em contrapartida, os investimentos financeiros so crescentes no setor, e saltaram de
R$ 56,5 milhes em 2003 para R$ 600 milhes em 2008 com a ampliao da oferta de
-
20 servios na rede de APS e nos Centros de Especialidades Odontolgicas (CEO). (ANTUNES;
NARVAI, 2010).
O Ministrio da Sade, por meio do Departamento de Cincia e Tecnologia e da
Coordenao Nacional de Sade Bucal/Departamento de Ateno Bsica/Secretaria de
Assistncia Sade, em conjunto com o Ministrio de Cincia e Tecnologia aumentou
tambm os investimentos em pesquisa e destinou desde 2002/2003 at 2008 R$ 4.080.403,48
milhes para pesquisa em sade bucal coletiva. Foram aprovados, no total, 99 Projetos de
Pesquisa na subagenda da sade bucal. Essa iniciativa tem o objetivo de expandir a produo
do conhecimento bsico aplicado em sade bucal, contribuindo para o desenvolvimento de
aes pblicas voltadas para a melhoria das condies de sade e para a superao das
desigualdades. Tambm atende a uma antiga reivindicao dos pesquisadores odontolgicos
que, a partir de agora, vm tendo o apoio efetivo do Ministrio da Sade para construir os
conhecimentos que o Brasil precisa nesta rea (CNSB, 2011).
Neste cenrio, a produo terica sobre organizao do processo de trabalho das ESB
e os modelos assistenciais de sade bucal no mbito da APS no SUS foi incrementada e
experincias locais de implantao das ESB esto sendo divulgadas, descritas e avaliadas.
A presente pesquisa contextualiza-se no cenrio descrito, apoiado no referencial
terico e postulados de Starfield (2002), que a partir da reviso de vrios estudos
avaliativos e evidncias da efetividade da APS, definiu uma estrutura para medio e
determinou seus conceitos. Para autora, a APS se diferencia dos outros nveis de ateno
por quatro atributos essenciais - acesso/ateno ao primeiro contato, longitudinalidade,
integralidade e coordenao do cuidado - e trs atributos derivativos - centralizao na
famlia, competncia cultural e orientao comunitria.
Esses atributos podem ser avaliados ou descritos separadamente, apesar de se
apresentarem intimamente inter-relacionados na prtica assistencial, individual ou coletiva,
dos servios de APS. Assim, um servio de sade dirigido populao geral pode ser
considerado provedor de ateno primria quando apresenta os quatro atributos essenciais,
aumentando seu poder de interao com os indivduos e com a comunidade ao apresentar
tambm os atributos derivados.
A identificao rigorosa da presena e extenso dos atributos citados fundamental
para definir um servio como realmente orientado para a APS. Alm disso, a identificao
-
21 dos avanos e desafios em relao orientao do processo de trabalho das ESB para os
atributos da APS permite verificar se ocorreu mudana no modelo assistencial das equipes
paralelamente ao aumento da cobertura dos servios.
Nesta perspectiva, as questes que orientam este projeto a ser desenvolvido na 11
Regio de Sade de Sobral, Cear, so:
Qual a relao existente entre o processo de trabalho das ESB e os atributos essenciais
e derivativos da APS?
Quais fatores dificultam ou favorecem o atendimento dos atributos essenciais da APS
no processo de trabalho das ESB?
Existe alguma relao entre o porte populacional dos municpios e a organizao do
processo de trabalho das ESB?
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22 2. OBJETIVOS
Objetivo Geral
Analisar o processo de trabalho das Equipes de Sade Bucal (ESB), na Estratgia de
Sade da Famlia (ESF), na 11 Regio de Sade de Sobral, no estado do Cear, em 2011.
Objetivos especficos
Caracterizar e descrever as ESB inseridas na ESF.
Descrever o processo de trabalho das ESB em relao aos atributos essenciais da
APS: acesso/primeiro contato, longitudinalidade do cuidado, coordenao da ateno
e integralidade.
Analisar as aes das ESB no mbito da APS em relao aos atributos derivativos:
orientao familiar, orientao comunitria e competncia cultural.
Relacionar o porte populacional dos municpios pesquisados e a organizao dos
processos de trabalho das ESB.
-
23 3. ATENO PRIMRIA SADE
3.1 Contexto histrico
Muitas anlises sociais, demogrficas e polticas percorreram a histria da sade
pblica que, em suas origens, esteve estreitamente vinculada ao contexto histrico e suas
circunstncias e s polticas de sade que se desenvolveram, tanto nos pases europeus como
nas Amricas (NUNES, 2006).
Os conceitos de cuidados primrios em sade originaram-se em 1920, na Inglaterra,
quando Lord Dawson, presidente do Conselho Consultivo de Servios Mdicos e Famlia,
apresentou ao parlamento um documento detalhado sobre os servios de sade. O Relatrio
Dawson recomendou que a distribuio dos servios mdicos deveria considerar as
necessidades da populao, a preveno no poderia ser separada da medicina curativa e os
servios de sade deveriam ser coordenados (MINISTRY OF HEALTH, 1920).
Lord Dawson acreditava que o sistema de sade deveria ser composto por centros de
sade primrios, centros de sade secundrios, servios domiciliares e hospitais escola. As
bases do conceito de regionalizao se originaram a partir desse relatrio (Anexo A). Para
Starfield (2002), um sistema de sade que utiliza a regionalizao como forma de organizar e
coordenar a ateno deve ser planejado para responder aos vrios nveis de necessidades em
sade da populao. O conceito de regionalizao, proposto por Dawson, influenciou a
reorganizao dos servios de muitos pases.
No contexto internacional, iniciava-se o debate sobre cuidados primrios em sade,
enquanto no contexto brasileiro, at a dcada de 30, as oligarquias rurais predominavam e as
polticas de sade encontravam-se voltadas para doenas pestilncias como a varola, febre
amarela e peste bubnica (LIMA; FONSECA; HOCHMAN, 2005).
As aes de sade e saneamento eram centralizadas e verticalizadas, voltadas para
comunidades rurais. Nesse perodo, conhecido como Primeira Repblica, eclodiu um
movimento sanitrio influenciado pelos modelos de polcia mdica na Alemanha, reforma
urbana de Paris e o Instituto Pasteur, na Frana, sob a liderana de mdicos formados nestes
pases, denominado Sanitarismo Campanhista (LIMA; FONSECA; HOCHMAN, 2005).
-
24
As duas principais instituies de pesquisa biomdica e sade pblica do pas,
Oswaldo Cruz no Rio de Janeiro e Butant no estado de So Paulo, originaram-se nesse
perodo e passaram a influenciar as aes em sade pblica. criado tambm, em 1926, o
Departamento Nacional de Sade Pblica. O movimento sanitarista transformou a sade em
uma questo social e poltica (LIMA; FONSECA; HOCHMAN, 2005).
Na primeira metade do sculo XX, nos pases europeus, expandiu-se a oferta de
servios de sade a partir do modelo de seguro social concebido na Alemanha por Otto Von
Bismarck e da criao, no Reino Unido, do Servio Nacional de Sade, que teve como
influncia o relatrio escrito por Sir Willian Beveredge. A proposta beveridiana inaugurou
um novo marco na sade com a garantia de acesso universal. Nesta perspectiva, atualmente,
os sistemas de sade dos pases que tem como base de financiamento o seguro social
originam-se da proposta bismarkiana e aqueles que tm como princpio o acesso universal
fundamentaram-se na proposta beveridiana. (CONIL, 2006).
Essas duas modalidades de financiamento e organizao de servios da sade
influenciaram a configurao dos sistemas de sade nas Amricas e Europa.
No Brasil, no mesmo perodo, um movimento armado liderado pelos estados de
Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraba culminou no golpe que deps o presidente
Washington Lus, impediu a posse do presidente eleito Jlio Prestes e ps um fim a
Repblica Velha (Era caf com leite). Iniciou-se a predominncia da estrutura urbano-
industrial (DONNANGELO, 1975).
Este perodo, conhecido como era Vargas (1930-1945), implementou polticas de
sade que refletiam as alteraes nos campos poltico (diferenas regionais nas atividades
econmicas), ideolgico (projeto poltico ideolgico da construo do estado nacional) e
institucional (criao do Ministrio de Educao e Sade Pblica). Estabeleceu-se a
assistncia mdica previdenciria com a criao dos Institutos de Aposentadoria e Penses
(IAP), a prestao de servios para populaes pobres, desempregadas por instituies
filantrpicas e as aes de sade pblica voltadas para controle de vetores e doenas
especficas como cncer, tuberculose, lepra e doenas mentais (ANDRADE; BARRETO;
BEZERRA, 2006; LIMA; FONSECA; HOCHMAN, 2005).
As aes de sade pblica, basicamente resumidas em campanhas verticalizadas,
foram descentralizadas para os estados e seguiram sob orientao do governo federal. Essas
-
25 diretrizes adequavam ao contexto brasileiro propostas debatidas em fruns internacionais
patrocinados pela Organizao Pan Americana de Sade (OPAS) e medidas preconizadas e
aplicadas nos Estados Unidos da America (EUA) (LIMA, FONSECA e HOCHMAN, 2005).
Na dcada de 50, o modelo de ateno sade, a partir de aes e campanhas
verticalizadas, como as abordagens verticalizadas da OMS para erradicao da malria,
foram foco de crticas. Novas propostas para sade e desenvolvimento foram elaboradas
pelos pases membros da OMS. Os marcos terico-conceituais que influenciaram esse
movimento foram: os livros de John Bryant, Health and the Developing World, que
questionou os sistemas de sade baseados em hospitais e falta de nfase na preveno; de
Carl Taylor (Universidade de Jonh Hopinks), que sugeriu um modelo de ateno sade para
pases pobres; e o relatrio Health By the People, da OMS (CUETO, 2004).
Apesar dos questionamentos sobre as campanhas e aes da OMS, o Brasil adere, em
1958, campanha de erradicao da malria proposta por esse rgo, que se estende at
1970. Na interseo entre as reformas na estrutura de sade nacional e o dilogo dessas
transformaes com as diretrizes internacionais de sade, foi tambm criado, dentro do
Ministrio da Educao e Sade (MES), o SESP. Resultado de um convnio entre o MES e o
Instituto de Assuntos Interamericanos (IAIA), o objetivo inicial da nova instituio era
controlar a malria no Vale do Rio Doce e na Amaznia, regies produtoras de
matrias-primas como borracha e ferro, as quais, no contexto de guerra, muito interessavam
aos Estados Unidos (LIMA; FONSECA; HOCHMAN, 2005; PONTE, 2010).
A OPAS, na segunda metade dos anos 50, discutiu o projeto preventivista e criticou o
modelo biomdico. Entretanto, essa crtica vinculava-se muito mais ao projeto pedaggico
dos cursos da rea da sade do que s prticas executadas. No Brasil, so criados os primeiros
Departamentos de Medicina Preventiva e Social como resultado direto deste debate (NUNES,
2006). Esse novo campo de especialidade passou a ser o lcus no qual iniciou-se a
organizao do MRS no Brasil (ESCOREL; NASCIMENTO; EDLER, 2005).
Com a queda de Vargas, o Brasil iniciou um perodo de 19 anos de democracia (1945
a 1965). Ocorreu, neste perodo, um intenso debate sobre os custos econmicos das doenas
como obstculo ao desenvolvimento do pas. Esse dilema entre sade e desenvolvimento
ficou conhecido como Sanitarismo Desenvolvimentista. Permaneceu a dicotomia entre sade
pblica e assistncia mdica, com nfase da primeira em aes sobre doenas especficas,
-
26 combate das doenas tropicais como a malria e centralizao nas comunidades rurais.
(LIMA; FONSECA; HOCHMAN, 2005).
No mesmo perodo iniciou-se amplo debate sobre uniformizao e unificao dos
IAP, devido o recrutamento dos assalariados em diferentes estratos sociais, a origem rural da
mo de obra, as diferenas de nveis salariais e de riscos profissionais interferiram na
dinmica de funcionamento interno dos institutos. As necessidades de consumo crescentes e
os baixos nveis salariais, advindos da insuficincia do desenvolvimento econmico, geraram
tenses e maior participao dos trabalhadores no processo poltico (greves, reivindicaes),
e deslocam o estado para a poltica das massas, mais conhecida como populismo, que se
estende at 1964 (DONNANGELO, 1975).
Nas dcadas de 60 e 70, ltimas dcadas da Guerra Fria, com a perda da hegemonia
americana, e o predomnio dos governos social democratas em pases europeus, surgem os
conceitos de cuidados primrios em sade. Neste contexto, um mdico dinamarqus, Halfdan
Mahler, que participou das campanhas de combate tuberculose da Cruz Vermelha e OMS
em pases menos desenvolvidos, assume a direo da OMS, que comeou a desenvolver
projetos de servios bsicos de sade, precursores da APS (CUETO, 2004).
No Brasil, o golpe militar de 1964 ps um fim ao perodo democrtico brasileiro e, ao
mesmo tempo, suprimiu os debates polticos. O comeo da ditadura militar foi marcado por
uma brutal represso poltica aos inimigos do regime, entretanto, simultaneamente h
crescimento do pas e controle da inflao, o milagre brasileiro. Contudo, os benefcios do
crescimento eram distribudos de forma desigual, a alta concentrao de renda, pssimas
condies de vida e a crescente migrao do campo para as cidades foram fatores que
condicionaram a estrutura imposta pelo regime militar (ESCOREL; NASCIMENTO;
EDLER, 2005).
As necessidades de consumo crescentes e os baixos nveis salariais advindos da
insuficincia do desenvolvimento econmico, que geraram tenses e maior participao dos
trabalhadores no processo poltico (greves, reivindicaes), desloca o estado para a poltica
das massas. No decorrer desse perodo agravaram-se os problemas internos dos institutos
decorrentes da demanda de servios, sobretudo, da assistncia mdica. A reformulao
legislativa se desdobra na criao do Instituto Nacional da Previdncia Social (INPS), em
1966 (DONNANGELO, 1975).
-
27
O INPS passou a gerir as aposentadorias, as penses e a assistncia mdica de todos
os trabalhadores. A rede hospitalar privada foi ampliada atravs do financiamento a fundo
perdido com dinheiro da previdncia. Nesse perodo, se consolida a hegemonia do modelo
biomdico ou mdico assistencial privatista no Brasil (ANDRADE; BARRETO; BEZERRA,
2006).
Enquanto no Brasil se consolidava a hegemonia do modelo biomdico, o amplo
debate realizado em vrias partes do mundo, que ressaltou a determinao social da sade,
procurou extrapolar a orientao do cuidado centrado na doena. Uma das primeiras
observaes relativas ao cuidado sade que rompeu com a abordagem tradicional foi o
relatrio das misses da OMS, na China, em 1973 e 1974 (GIOVANELLA; MENDONA,
2008; FERREIRA; BUSS, 2001).
O documento mencionava um conjunto de atividades desenvolvidas por lderes
comunitrios em localidades rurais, os mdicos de ps descalos. As aes combinavam
cuidados preventivos e curativos, alopatia e medicina tradicional chinesa, e foi um dos
modelos que inspirou a configurao da proposta da APS (GIOVANELLA; MENDONA,
2008; FERREIRA; BUSS, 2001).
As misses, que tambm avaliaram experincias exitosas em cuidados primrios de
sade em Bangladesh, Cuba, ndia, Nger, Nigria, Tanzania, Venezuela e Iugoslvia,
identificaram os fatores-chave na organizao dos cuidados primrios em sade e pautaram a
Assemblia Mundial de Sade, de 1975, da OMS (CUETO, 2004).
Outro elemento que colaborou nesse debate foi o Relatrio Lalonde, apresentado em
1974 pelo ento Ministro da Sade e Assistncia Social Marc Lalonde. O documento teve
como objetivo revelar uma nova perspectiva de sade para os canadenses e estimular a
discusso sobre os programas de sade do Canad (LALONDE, 1974).
O relatrio faz uma crtica viso tradicional do campo da sade, identificava suas
limitaes diante da transio epidemiolgica - aumento da morbi-mortalidade das doenas
crnico degenerativas e das mortes por causas externas - e demogrficas - envelhecimento da
populao - no pas que se relacionava com estilo de vida dos canadenses e os riscos
ambientais.
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O documento concluiu que, mesmo com uma cobertura de leitos hospitalares de quase
100%, crescentes gastos em servios mdicos e odontolgicos, e recursos humanos
disponveis, porm mal distribudos, os servios no estavam acessveis para todos os
segmentos da populao, o que comprometia sua efetividade (LALONDE, 1974).
As discusses no campo da sade e o contexto internacional do final da dcada de 70
propiciaram um cenrio favorvel para que a OMS, em 1976, na Assembleia Mundial,
propusesse a meta Sade Para Todos no ano 2000 (CUETO, 2004).
Na Amrica Latina, as ideias de Juan Csar Garcia penetraram nos meios acadmicos
brasileiros. Experincias de medicina comunitria foram desenvolvidas nos Departamentos
de Medicina Preventiva, ao mesmo tempo em que iniciava-se um confronto terico, como o
movimento preventivista, de matriz americana (ESCOREL; NASCIMENTO; EDLER, 2005).
Do ponto de vista terico-acadmico destacaram-se as teses O dilema preventivista,
de Srgio Arouca; e Medicina e Sociedade, de Ceclia Donnangelo (1975); e a criao do
primeiro curso de ps-graduao em Medicina Social (NUNES, 2006; ESCOREL;
NASCIMENTO; EDLER, 2005).
No final da dcada de 70, a delegao chinesa da OMS props a realizao de uma
conferncia internacional sobre cuidados primrios em sade. A Unio Sovitica se ops
ideia devido s constantes tenses entre os pases comunistas, entretanto, ao perceber que o
movimento de cuidados primrios em sade crescia, o delegado da OMS que representava a
Unio Sovitica tensionou para que a reunio fosse realizada no seu pas. Entre os dias 6 a 12
de setembro de 1978, foi realizada a Conferncia sobre Cuidados Primrios em Sade em
Alma-Ata, capital do Cazaquisto, repblica da Unio Sovitica (CUETO, 2004).
A declarao de Alma-Ata definiu cuidados primrios em sade, como:
[...] cuidados essenciais de sade baseados em mtodos e tecnologias prticas, cientificamente bem fundamentadas e socialmente aceitveis, colocadas ao alcance universal de indivduos e famlias da comunidade, mediante sua plena participao e a um custo que a comunidade e o pas possam manter em cada fase de seu desenvolvimento, no esprito de autoconfiana e automedicao. Fazem parte integrante tanto do sistema de sade do pas, do qual constituem a funo central e o foco principal, quanto do desenvolvimento social e econmico global da comunidade. Representam o primeiro nvel de contato dos indivduos, da famlia e da comunidade com o sistema nacional de sade, pelo qual os cuidados de sade so levados o mais proximamente possvel aos lugares onde pessoas vivem e trabalham. (Alma-Ata,1978, p.15 ).
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A Conferncia de Alma-Ata, considerada o maior marco para APS, definiu como
componentes fundamentais da APS, educao em sade, saneamento ambiental, programas
de sade materno-infantis, inclusive imunizaes e planejamento familiar, preveno de
doenas endmicas locais, fornecimento de medicamentos essenciais, promoo de boa
nutrio, medicina tradicional, tratamento adequado de doenas e leses comuns
(STARFIELD, 2002).
A concepo de ateno primria, expressa na Declarao de Alma-Ata, pressupe
que esta seja a parte central do sistema de sade, e a parte mais geral do desenvolvimento
social e econmico das comunidades. Destacou os crescentes custos com assistncia mdica
em decorrncia do incremento de novas tecnologias que so incorporadas ao cuidado em
sade sem avaliao do seu custo-benefcio (GIOVANELLA; MENDONA, 2008).
Esse discurso apoiaria, ao longo das dcadas seguintes, de distintas maneiras e com
distintos graus de intensidade, processos de reforma em pases com modelos de prestao de
servios to diversos quanto Cuba, Moambique, Canad, Inglaterra, Espanha, para citar
alguns exemplos (CONIL, 2008).
A adeso as proposies da APS entrou em pauta na agenda brasileira na dcada de
70, com a criao do PIASS. O PIASS fundamentou-se na experincia exitosa de Montes
Claros, Minas Gerais, e uniu a medicina social ao sanitarismo desenvolvimentista, o que
possibilitou o avano do movimento sanitrio. (GIOVANELLA; MENDONA, 2008;
ESCOREL; NASCIMENTO; EDLER, 2005).
O Projeto Montes Claros (MOC) foi uma experincia que incorporou na sua prtica os conceitos de regionalizao, hierarquizao, administrao democrtica e eficiente, integralidade da assistncia sade, atendimento por auxiliares de sade e participao popular[...] (ESCOREL; NASCIMENTO; EDLER, 2005, p. 69)
No final da dcada de 70, a crise no sistema previdencirio brasileiro se agravou.
Neste contexto, surgiu a proposta de reformulao do sistema de sade atravs de uma
reforma sanitria.
A implantao da reforma sanitria no Brasil foi resultado de escolhas e decises no
discurso e na prtica poltica. A Medicina Comunitria, na dcada de 70, surgiu como
proposta de prtica alternativa organizao dominante. A teoria dos sistemas no nvel de
planejamento e a Medicina Comunitria ao nvel operacional consolidaram-se como setores
intelectuais em franca oposio poltico-ideolgica ao regime militar (DAMASO, 1989).
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O movimento encontra seu Brao Civil na instituio do CEBES, em 1976, que tinha
como foco ampliar o debate contra-hegemnico para a sociedade civil e movimentos sociais.
O Brao Estatal se configura como uma reposta solidria do setor de sade tentativa de
redemocratizao do pas (DAMASO, 1989). Outra organizao que teve papel protagonista
na luta do movimento sanitrio foi a Associao Brasileira de Ps-Graduao em Sade
Coletiva (ABRASCO), criada em 1979. A Igreja tambm teve papel destacado no processo
de redemocratizao do Brasil e na reforma sanitria (ESCOREL; NASCIMENTO; EDLER,
2005).
[...] Reforma Sanitria , na viso de Berlinguer, a sade, certamente do mesmo modo como a redistribuio da terra o fundamento revolucionrio de uma reforma agrria. A Reforma Sanitria privilegiou at aqui o seu momento de reforma, mas tudo indica que o seu destino prximo depende de que ela seja, finalmente, sanitria, sob pena de ser novamente tragada pela burocracia estatal da sade. (DAMASO, 1989, p. 89)
A partir de 1980, com o agravamento da crise da previdncia e as presses sociais e
polticas do setor sade surgiram mecanismos para reordenamento do sistema de sade. Entre
eles destacam-se o Programa Nacional de Servios de Sade (Prev-Sade), o CONASP e as
AIS (GIOVANELA; MENDONA, 2008).
Giovanella e Mendona (2008), ao citar Mendona (1992), destacam que o Plano
Conasp rompeu a tendncia centralizadora na formulao de polticas a partir do nvel federal
e abriu espao para experincias localizadas, em especial as AIS, uma proposta de
organizao de servios bsicos municipais com base em convnio entre as trs esferas.
Contudo, apesar do entusiasmo inicial, era difcil de implementar os cuidados
primrios em sade aps Alma-Ata. As dcadas de 1980 e 90 se revelaram dramticas para os
servios pblicos de sade. A segunda crise do petrleo, as dvidas externas dos pases menos
desenvolvidos ocasionaram restrio dos gastos pblicos e dos sistemas de proteo social,
predominando as regras do livre mercado. Neste momento de recesso da economia mundial,
as metas estabelecidas em Alma-Ata Sade para Todos no Ano 2000 e a estratgia de
cuidados primrios em sade foram criticadas por agncias internacionais. Cerca de um ano
aps a Conferncia, uma interpretao diferente de cuidados primrios apareceu: ateno
primria seletiva (CUETO, 2004; BROWN; CUETO; FEE, 2006; OPAS, 2007).
-
31
A Fundao Rockefeller, associada ao Banco Mundial, UNICEF e Agncia de
Desenvolvimento dos Estados Unidos, patrocinou, em 1979, uma pequena conconferncia
intitulada Health and Population in Development no seu Centro de Conferncias de
Bellagio, na Itlia. A conferncia foi inspirada no artigo publicado por Julia Walsh e
Kenneth S. Warren Selective Primary Health Care, an Interim Strategy for Disease Control
in Developing Countries. Nos anos seguintes essas intervenes foram reduzidas a quatro
estratgias de interveno conhecidas como GOBI, que incluam monitoramento do
crescimento, tcnicas de reidratao oral, amamentao, planejamento familiar, em alguns
pases foram includos tambm suplementos alimentares, alfabetizao para mulheres
(BROWN; CUETO; FEE, 2006).
Esta abordagem foi permeada de crticas. Newell (1988) afirmou, em publicao
cientfica, que os defensores de intervenes seletivas de sade, e os governos que
implementavam a abordagem seletiva, ignoravam as ideias revolucionrias propostas para os
cuidados primrios na conferncia de Alma-Ata e, neste sentido, principiavam uma contra
revoluo.
No Brasil, entre 1984 e 1987, os Programas de Ateno Integral Sade da Mulher
(PAISM) e da Criana (PAISC) foram lanados paralelamente s AIS como parte da
estratgia para consolidar a rede de servios bsicos de sade. Eles serviram de base para a
ateno voltada para grupos de risco como idosos, adolescentes, portadores de doenas
crnicas etc (GIOVANELLA; MENDONA, 2008). Esses programas, em suas diretrizes,
tinham grandes semelhanas com as estratgias de interveno de ateno primria seletiva
propostas pelas agncias internacionais.
Em 1985, o regime militar chegou ao fim, com as eleies indiretas, intensa comoo
social vivida no pas. Em um contexto de redemocratizao do pas com o final do regime
militar, no final da dcada de 80, o MRS se fortaleceu e reuniu intelectuais, profissionais de
sade e sociedade civil organizada em um grande marco na reorganizao do sistema de
sade no Brasil: a 8 Conferncia Nacional de Sade (CNS), que foi presidida pelo professor
Antnio Srgio da Silva Arouca. A conferncia contou com a participao de mais de 4000
pessoas, entre as quais 1000 delegados de todo o pas.
A partir da 8 CNS, a sade passou a ser considerada, antes de tudo, como resultado
das formas de organizao social da produo, as quais podem gerar grandes desigualdades
nos nveis de vida, e deve ser entendida no contexto histrico de cada sociedade e no seu
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32 estgio de desenvolvimento. Aps a realizao da Conferncia, formou-se uma Comisso
Nacional para a Reforma Sanitria (CNRS) para apresentao da emenda constituinte na
Assembleia. A emenda popular apresentada pela plenria da sade foi defendida por Srgio
Arouca, ento presidente da Fiocruz. Embora o texto constitucional no fosse idntico ao que
os sanitaristas haviam levado Assembleia, o essencial foi mantido, ou seja, era dever do
Estado a criao de um sistema universal de sade, gratuito e de qualidade para todos os
brasileiros, bem como a ordenao da formao dos trabalhadores para esse sistema
(FALLEIROS et al., 2010). Neste contexto, nasce o SUS.
A construo das polticas pblicas de sade no Brasil, atravs da participao social,
foi reconhecida pela OMS (2008), que destacou no Relatrio Mundial de Sade:
No Brasil, nas sete primeiras Conferncias Nacionais de Sade, as plataformas para o dilogo poltico nacional no setor da sade entre 1941 e 1977, tiveram, distintamente, uma abordagem de cima-para-baixo e para funcionrios pblicos, com uma progresso clssica de planos nacionais para programas, com a expanso da rede de servios de sade primrios. O marco decisivo veio com a 8 conferncia, em 1980: o nmero de participantes aumentou de algumas centenas para 4.000 participantes, dos eleitorados mais diversos. Nesta e em todas as conferncias subseqentes prosseguiram agendas que, mais do que nunca, eram orientadas por valores de democracia na sade, de acesso, de qualidade, de humanizao dos cuidados e de controle social. A 12 conferncia nacional, em 2003, anunciou uma terceira fase de consolidao: 3.000 delegados, 80% deles eleitos; a sade como um direito para todos; e como um dever do Estado. (OMS, 2008, p.92).
O SUS possui seu marco legal amparado na Constituio Federal de 1988, na qual a
Sade um dos setores que estruturam a seguridade social, ao lado da Previdncia e
Assistncia Social, em especial na seo II, artigos 196 a 200. Ampara-se, ainda, nas Leis
Orgnicas de Sade a 8080/90 e 8142/90, que dispem sobre a organizao e regulao das
aes e servios de sade em todo o territrio nacional, estabelecem o formato da
participao popular no SUS e dispem sobre as transferncias intergovernamentais de
recursos financeiros na rea da sade, respectivamente (FALLEIROS et al., 2010).
O movimento de construo do SUS renovou a concepo de APS no Brasil atravs
da regulamentao de um sistema de sade fundamentado na universalidade, equidade e
integralidade e nas diretrizes organizacionais de descentralizao e participao social.
(GIOVANELLA et al., 2009). O Sistema de Sade proposto pela CNRS afastou-se da
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33 concepo de APS seletiva disseminada pelas agncias internacionais e aproximou-se da
concepo de APS proposta por Alma-Ata.
No contexto internacional, no incio da dcada de 90, o Banco Mundial divulgou
relatrio intitulado Investing in Health, que orientou os pases em desenvolvimento quanto
aos investimentos em sade e desenvolvimento de programas financiados por esta instituio.
O documento fez um resumo dos crescentes gastos em sade nos pases em desenvolvimento
e destacou experincias bem sucedidas. Apontou, ainda, que as polticas de sade deveriam
ser orientadas para populaes pobres e estabeleceu um pacote de servios bsicos para ser
desenvolvido pelos pases em desenvolvimento, que inclua: ateno s gestantes,
planejamento familiar, controle de tuberculose, doenas sexualmente transmissveis, ateno
a doenas comuns da infncia. (WORLD BANCK, 1993).
Com o estmulo do Banco Mundial, teve vigncia uma orientao da oferta de cestas
bsicas constitudas por um pacote de servios essenciais. Os resultados so questionados
especialmente por crticas de que essa proposta leva a iniquidades. Posteriormente, no bojo
do movimento de reforma do setor sade, as polticas de sade e da APS orientaram-se por
critrios alheios sade como descentralizao, reforma da administrao pblica e controle
de gastos do Estado (MENDES, 2009).
Gil (2006) destaca que APS, por ter sido implementada num contexto no qual a
expanso da cobertura, veio acompanhada das propostas de conteno do financiamento, teve
seus pressupostos estruturantes de um novo modelo (universal, equnime, inclusivo, integral)
obscurecidos pelo iderio neoliberal racionalizador (focalizao, baixo custo, pacote bsico,
excludente).
Como resultado, as autoridades de sade nacional e global passaram, muitas vezes, a
olhar para a APS no como um conjunto de reformas, como era proposto, mas como mais um
programa de prestao de cuidados de sade, entre muitos outros, que prestava cuidados a
pessoas pobres (OMS, 2008)
Vrias experincias se desenvolveram na Amrica Latina, pautadas nas orientaes
das agncias internacionais. Entretanto, o PACS e o PSF implantados em nvel nacional nesta
poca, se em um primeiro momento se aproximaram das caractersticas da APS seletiva,
posteriormente, ao invs de assumirem a lgica de um pacote bsico de servios de sade
tornam-se programas estratgicos para a mudana da prpria lgica do modelo de ateno
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34 sade vigente no pas, o mdico assistencial privatista (GIOVANELLA; MENDONA,
2008; COHN, 2005).
3.2 Enfoques de Ateno Primria Sade
Em 2003, os Estados Membros da OPAS, em virtude de experincias dos pases
desenvolvidos e em desenvolvimento demonstrarem igualmente que a APS pode ser
interpretada e adaptada para diferentes contextos polticos, sociais, culturais e econmicos,
decidiram realizar uma reviso da APS (ANDRADE; BARRETO; BEZERRA, 2006).
A reunio realizada em Montevidu, Uruguai, em 2005, discutiu novos rumos para
APS e contou com presena de especialistas externos e internos a OPAS, entre eles, Barbara
Starfield, Sarah Escorel, James Macinko, Carmem Teixeira, para citar alguns nomes. Em
2007, foi publicado o documento Renewing Primary Health Care in the Americas. Ao
revisitar o relatrio de Alma-Ata, o propsito deste documento foi gerar ideias e
recomendaes para permitir tal renovao, bem como ajudar a fortalecer e revigorar a APS
em um conceito que pode nortear o desenvolvimento dos sistemas de sade pelos prximos
25 anos e mais.
As percepes de APS so diferentes para pases industrializados e em
desenvolvimento, e esto na interdependncia do processo de desenvolvimento da sade e
polticas sociais, da distoro dos princpios da APS pelas agncias internacionais, da
divergncia entre pontos de vista em relao s metas ambiciosas divulgadas em Alma-Ata.
Neste contexto, no foi implantada igualmente nos pases. Enquanto na Europa tida como o
primeiro nvel de ateno, nos pases em desenvolvimento foi primariamente seletiva, salvo
algumas experincias que adotaram a abordagem mais abrangente de APS (OPAS, 2007). O
Quadro 1 demonstra os diferentes enfoques da APS.
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35 Quadro 1- Tipos de Abordagens de Ateno Primria Sade
Abordagem Definio ou conceito de Ateno Primria em Sade nfase
APS
Seletiva
Enfocam um nmero limitado de servios de alto impacto para enfrentar
alguns dos desafios de sade mais prevalecentes nos pases em
desenvolvimento. Os servios principais tornaram-se conhecidos como
GOBI (monitoramento de crescimento, tcnicas de re hidratao oral,
amamentao e imunizao) e algumas vezes incluram complementao
alimentar, alfabetizao de mulheres e planejamento familiar (GOBI-
FFF).
Conjunto especfico de
atividades de servios
de sade voltados
populao pobre
Ateno
primria
Refere-se ao ponto de entrada no sistema de sade e ao local de cuidados
contnuos de sade para a maioria das pessoas, na maior parte do tempo.
Trata-se da concepo mais comum dos cuidados primrios de sade em
pases da Europa e em outros pases industrializados. Em sua definio
mais estreita, a abordagem diretamente relacionada disponibilidade de
mdicos atuantes com especializao em clnica geral ou medicina
familiar.
Nvel de ateno em um
sistema de servios de
sade
APS
abrangente
de Alma-
Ata
A declarao de Alma-Ata define a APS como o primeiro nvel de
ateno integrada e abrangente que inclui elementos de participao da
comunidade, coordenao intersetorial e apoio em vrios trabalhadores de
sade e mdicos tradicionais. A definio inclui diversos princpios, a
saber: a necessidade de enfrentar determinantes de sade mais amplos;
acessibilidade e cobertura universais com base na necessidade;
envolvimento comunitrio e individual e auto-confiana; ao
intersetorial para a sade; e tecnologia apropriada e efetividade de custos
em relao aos recursos disponveis.
Uma estratgia para
organizar os sistemas de
ateno em sade e para
a sociedade promover a
sade
Abordagem
de Sade e
de Direitos
Humanos
Enfatiza a compreenso da sade como direito humano e a necessidade de
abordar os determinantes sociais e polticos mais amplos da sade. Difere
em sua nfase sobre as implicaes sociais e polticas da declarao de
Alma-Ata mais do que sobre os prprios princpios. Defende que o
enfoque social e poltico da APS deixou para trs aspectos especficos de
doenas e que as polticas de desenvolvimento devem ser mais
inclusivas, dinmicas, transparentes e apoiadas por compromissos
financeiros e de legislao, se pretendem alcanar melhoras de equidade
em sade.
Uma filosofia que
permeia os setores
social e de sade
Fonte: Adaptado de Vuori, 1985 In: OPAS, 2007.
-
36
O mecanismo proposto de renovao da APS orientou que os sistemas de sade
adotem a APS em sua abordagem abrangente da organizao e da operao de sistemas de
sade, a qual faz do direito ao mais alto nvel possvel de sade sua principal meta, enquanto
maximiza a equidade e a solidariedade. Neste sentido, a OPAS recomendou abordagens
abrangentes de APS e justificou:
H diversos motivos para adotar uma abordagem renovada da APS, incluindo: o surgimento de novos desafios epidemiolgicos que exigem a evoluo da APS para abord-los; a necessidade de corrigir os pontos fracos e as inconsistncias presentes em algumas das abordagens amplamente divergentes da APS; o desenvolvimento de novas ferramentas e o conhecimento de melhores prticas que a APS pode capitalizar de forma a serem mais eficazes; um crescente reconhecimento de que a APS uma ferramenta para fortalecer a capacidade da sociedade de reduzir as iniqidades na rea da sade; e um crescente consenso de que a APS representa uma abordagem poderosa para combater as causas de sade precria e de iniqidade. (OPAS, 2007, p.2).
O movimento de fortalecimento e renovao da APS, iniciado pela OPAS nas
Amricas, recebeu apoio da OMS, que atualmente tem, na diretoria geral, a Dra. Margareth
Chan, da Repblica Chinesa, mdica, formada na Universidade de Western Ontrio, Canad.
Em 2008, no 60 aniversrio da OMS e aps trinta anos de Alma-Ata, a OMS publicou o
relatrio mundial The world health report 2008: primary health care now more than ever,
que reafirmou e trouxe evidncias das vantagens e resultados em sade de sistemas de sade
baseados em um enfoque de APS abrangente. Este relatrio citou, inclusive, iniciativas
brasileiras, como Abordagem Integrada das Doenas Prevalentes da Infncia (AIDPI) e as
Equipes da ESF como polticas que fortalecem a APS e o papel dos Institutos de Nacionais de
Sade Pblica, como a Fiocruz no desenvolvimento de polticas e capacitao dos
profissionais.
A experincia dos ltimos 27 anos demonstra que os sistemas de sade que aderem
aos princpios da APS conseguem melhores resultados e aumentam a eficincia do sistema de
sade, tanto para os indivduos quanto para a sade pblica, bem como para os provedores
pblicos e privados (OPAS, 2007).
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37 3.3 Atributos essenciais e qualificadores da Ateno Primria Sade
Entre os marcos terico-conceituais da APS destaca-se a publicao do livro Primary
Care: Balancing Health Needs, Services, and Technology, da Professora Brbara Starfield,
em 1998. O livro traz evidncias sobre o papel da APS nos sistemas de sade, evidncias
cientficas dos seus impactos na sade da populao, e compara o custo benefcio entre pases
com diferentes formas e em diferentes graus de implantao dessa estratgia, alm de propor
uma estrutura para mensurao da APS e definir seus atributos.
Historicamente, a APS tem sido caracterizada pelo tipo de profissional que nela atua,
em que espera-se que haja predominncia de especialistas em APS nas unidades de sade.
Entretanto, a maior limitao para esse tipo de caracterizao que o perfil de profissionais
que atuam em servio de APS pode variar de pas para pas. A primeira descrio sobre APS
que considerou a natureza dos problemas de sade, pelo local da prestao do atendimento,
pelo padro de encaminhamento, pela durao da responsabilidade, pelas fontes de
informao, pelo uso de tecnologia, pela orientao do interesse e pela necessidade de
treinamento foi feita em 1961 por White, Willians e Greenberg. O estudo revelou que em
uma populao de risco de 1000 pessoas adultas, com 16 anos ou mais, 750 experimentaram
algum episdio de doena, 250 procuraram mdicos generalistas, destes 9 foram
hospitalizados, 5 encaminhados para outro especialista, e 1 referenciado para hospital de alta
complexidade.
Entretanto, esta abordagem, embora geralmente til para ilustrar a singularidade da
APS, no oferece uma base apropriada para o estabelecimento de medidas e metas de
desempenho nos servios de APS (STARFIELD, 2002).
Em 1978 o Institute of Medicine American (Instituto de Medicina) sugeriu uma
abordagem para avaliar a APS em que listou seus atributos como: acessibilidade,
integralidade, coordenao, continuidade e responsabilidade. Este foi um marco importante
na tentativa de delinear um mtodo normativo para medir a APS. Contudo, a maioria dos
indicadores e definies sugeridas no eram especficos da APS. Os indicadores selecionados
exigiam um alto nvel de desempenho e eram difceis de serem atingidos, e centravam-se na
capacidade instalada de servios e no na sua realizao concreta (STARFIELD, 2002)
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38
Um relatrio de 1996 da mesma instituio, definiu a APS como a oferta de servios
integrados e acessveis por meio de clnicos que sejam responsveis por atender a uma grande
maioria de necessidades pessoais de ateno, desenvolvendo uma parceria constante com os
pacientes e trabalhando no contexto da famlia e da comunidade. Essa definio no inclui o
primeiro contato e enfoca a ateno individual (DONALDSON et al., 1996 apud
STARFIELD 2002).
A Associao Mdica Canadense, em 1996, considerou a APS como porta de entrada
do sistema de sade e inclui intervenes comunitrias na definio das funes da APS. No
mesmo ano divulgada a Charter for General Practice/Family Medicine in Europe (Carta
para Clnica Geral/Medicina de Famlia na Europa), que descreve 12 caractersticas para a
APS:
1. Geral: no restrita a faixas etrias ou tipos de problemas ou condies.
2. Acessvel: em relao ao tempo, lugar, financiamento e cultura.
3. Integrada: realiza aes de promoo, preveno, cura e reabilitao da sade.
4. Continuada: longitudinalidade ao longo de grandes perodos de vida.
5. Equipe: mdico parte de um grupo multidisciplinar.
6. Holstica: perspectivas fsicas, psicolgicas e sociais dos indivduos, das famlias e das
comunidades.
7. Personalizada: ateno centrada na pessoa e no na enfermidade.
8. Orientada para a famlia: problemas compreendidos no contexto da famlia e das
redes sociais.
9. Orientada para comunidade: considera o contexto de vida da comunidade; tem
conhecimento de necessidades de sade da comunidade; colaborao com outros
setores para desencadear mudanas positivas na sade.
10. Coordenada: coordenao de toda a orientao e apoio que a pessoa recebe.
11. Confidencial.
12. Defensora: defensora do paciente em questes de sade sempre e em relao a todos os
outros provedores de ateno sade.
Donabedian (1978) sistematizou um conjunto de variveis importantes que podem
avaliar a qualidade de um sistema ou servio de sade e classificou de acordo com suas
caractersticas em estrutura, processo e resultado. A avaliao do processo inclui a qualidade
dos servios prestados pelos profissionais de sade individualmente ou em grupo e
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39 referem-se qualificao profissional, organizao e coordenao do processo de trabalho
das equipes. A avaliao da estrutura abrange as condies do ambiente e equipamentos em
que os servios so prestados e os resultados so avaliados, a partir da verificao de
mudanas no estado de sade de uma populao que possam ser atribudas ao processo de
cuidado (Anexo B).
As vises de APS, centradas no indivduo e na populao, ofereceram a base
normativa para avaliao da APS dentro de um sistema de sade e colaboraram na construo
da estrutura de avaliao da APS proposta por Starfield (2002).
Starfield (2002) props uma estrutura para avaliao da APS que considerou os
conceitos dos atributos essenciais e derivativos em medidas de estrutura (capacidade) e
processo (desempenho).
Os atributos essenciais e exclusivos da APS compreendem: acesso/ateno ao
primeiro contato, longitudinalidade, integralidade e coordenao do cuidado.
O Acesso/ateno ao primeiro contato definido como acessibilidade e utilizao do
servio de sade como fonte de cuidado a cada novo problema ou novo episdio de um
mesmo problema de sade, com exceo das verdadeiras emergncias e urgncias mdicas. A
acessibilidade a possibilidade de uma pessoa chegar a um servio de sade, o componente
estrutural necessrio para a primeira ateno. Para oferec-la, o local dever ser facilmente
acessvel e disponvel. A acessibilidade pode ser medida em relao ao tempo (horrio de
disponibilidade dos servios, facilidade da marcao de consulta e tempo de espera pela
mesma), barreiras geogrficas (adequao de transporte, distncia a ser percorrida at a
unidade), e psicossocial (barreiras lingusticas ou culturais) (STARFIELD, 2002; BRASIL,
2010).
A Longitudinalidade conceituada como existncia de uma fonte continuada de
ateno, assim como sua utilizao ao longo do tempo, alcanada mediante alguma forma
de registro do paciente, manuteno de cadastro de pacientes na unidade. a fonte habitual
onde um paciente procura ateno sade, dependente da relao profissional paciente,
promovida por meio de vinculao formal da populao com a unidade de APS. A essncia
da longitudinalidade uma relao ao longo do tempo, seus benefcios no podem ser
alcanados em perodos inferiores a um ano. (STARFIELD, 2002; BRASIL, 2010).
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A Integralidade compreende o leque de servios disponveis e prestados pelo servio
de ateno primria. Aes que o servio de sade deve oferecer para que os usurios
recebam ateno integral, tanto do ponto de vista do carter biopsicossocial do processo
sade-doena, como aes de promoo, preveno, cura e reabilitao adequadas ao
contexto da APS, mesmo que algumas aes no possam ser oferecidas dentro das unidades
de APS. Incluem os encaminhamentos para especialidades, hospitais, entre outros.
Adequao e qualificao dos profissionais, das unidades, dos equipamentos e servios de
apoio. A APS deve obter um alto nvel de desempenho no reconhecimento das necessidades
existentes na populao para alcanar a integralidade. O desafio reconhecer as situaes nas
quais uma interveno necessria e justificada. Inclui a disponibilidade de realizao de
visitas domicilares pelos profissionais quando necessrio (STARFIELD, 2002; BRASIL,
2010).
A Coordenao da ateno pressupe alguma forma de continuidade, seja por parte
do atendimento pelo mesmo profissional, seja por meio de pronturios mdicos, ou ambos,
alm do reconhecimento de problemas abordados em outros servios e a integrao deste
cuidado no cuidado global do paciente. O provedor de ateno primria deve ser capaz de
integrar todo cuidado que o paciente recebe, atravs da coordenao entre os servios. A
coordenao ser facilitada por meio de vnculos formais entre os nveis de ateno e linhas
de comunicao. A essncia da coordenao a disponibilidade de informaes a respeito de
servios e problemas anteriores, e as relaes com o presente atendimento. A integrao das
informaes sobre o paciente deve acontecer dentro da prpria equipe e com outros
especialistas (BRASIL, 2010b; STARFIELD, 2002).
Um alto nvel de alcance dos atributos essenciais da APS resulta em trs aspectos
adicionais denominados aspectos derivativos (STARFIELD, 2002). Esses aspectos
derivativos da APS qualificam as aes e servios deste nvel de ateno. Por isso, nesta
pesquisa, o termo atributos qualificadores foi utilizado como sinnimo de atributos
derivativos.
Os aspectos qualificadores da APS so: centralizao na famlia, competncia cultural
e orientao comunitria.
A Centralizao na famlia ou Orientao familiar abrange a avaliao das
necessidades individuais para a ateno integral e considera o contexto familiar e seu
potencial de cuidado e, tambm, de ameaa sade, incluindo o uso de ferramentas de
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41 abordagem familiar. Um segundo aspecto da centralizao na famlia requer um
reconhecimento dos problemas de sade dos membros da famlia (BRASIL, 2010b;
STARFIELD, 2002).
A Competncia cultural requer o reconhecimento das necessidades das
subpopulaes que podem no estar em evidncia, como caractersticas ticas, raciais e
outras. Este aspecto consiste na adaptao do provedor (equipe e profissionais de sade) s
caractersticas culturais especiais da populao para facilitar a relao e a comunicao com a
mesma (BRASIL, 2010b; STARFIELD, 2002).
A Orientao comunitria o reconhecimento por parte do servio de sade das
necessidades em sade da comunidade atravs de dados epidemiolgicos, distribuio das
caractersticas de sade e doena da comunidade, e o contato direto com a comunidade; sua
relao com ela, assim como o planejamento e a avaliao conjunta dos servios. O quanto o
profissional envolve o paciente em questes relativas a sua prtica (sugestes, para melhoria,
pesquisa de satisfao) o reconhecimento das necessidades dos pacientes e seu contexto
social, expressa o quanto os profissionais se envolvem nos problemas da comunidade e o seu
conhecimento em relao aos equipamentos sociais (BRASIL, 2010b; STARFIELD, 2002).
Na maioria dos pases nem a centralizao na famlia, nem a orientao para a
comunidade so um enfoque dos sistemas de APS. A orientao para a comunidade um
ideal, mais do que uma realidade (STARFIELD, 2002).
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42
4 ATENO PRIMRIA SADE E ESTRATGIA SADE DA FAMLIA
A criao SESP e a implantao dos programas de extenso de cobertura na rede de
ateno bsica do Brasil como o PIASS, AIS, PAISM e PAISC foram algumas das propostas
que influenciaram o surgimento PACS e do PSF (CORBO; MOROSONI; PONTES, 2007)
Criado em 17 de julho de 1942, durante a Segunda Guerra Mundial, como
consequncia do convnio firmado entre os governos do Brasil e dos Estados Unidos, o SESP
tinha como atribuies centrais o saneamento da regio da Amaznia e do Vale do Rio Doce,
a preveno e as investigaes sobre a malria, a assistncia mdico-sanitria dos
trabalhadores inseridos em atividades ligadas ao desenvolvimento econmico. A partir da
dcada de 50, o SESP expandiu seu campo de atuao e intensificou suas atividades,
passando a desenvolver aes de assistncia mdica, educao sanitria, saneamento e
controle de doenas transmissveis em vrias regies do pas. Foi transformado em Fundao
SESP e vinculado ao Ministrio da Sade. Em 1990, a Fundao SESP e a Superintendncia
de Campanhas de Sade Pblica (SUCAM) foram integradas e formaram a Fundao
Nacional de Sade (Funasa) (CORBO; MOROSONI; PONTES, 2007).
Algumas das principais diretrizes do PACS e PSF, como a oferta organizada de
servios na unidade, no domiclio e na comunidade, a abordagem familiar, a adscrio de
clientela, o trabalho com equipes multiprofissionais, o enfoque intersetorial, o tratamento
supervisionado para o controle de algumas doenas j faziam parte do modelo de assistncia
desenvolvido pelo SESP (CORBO; MOROSONI; PONTES, 2007). Entretanto, a atuao do
SESP limitava-se a reas estratgicas e configurava-se como aes centralizadas, com pouca
ou nenhuma articulao com as demais instituies de sade. (MATTA; FAUSTO, 2007).
O PACS teve suas origens no interior do Cear, entre 1978 e 1987, quando Carlile
Lavor e Miria Campos Lavo, voltaram a sua terra natal, Jucs (CE), e, influenciados pela
experincia vivenciada em Sobradinho e Planaltina, Distrito Federal, onde foi realizada uma
articulao entre o servio social e sade atravs da capacitao de auxiliares de sade
comunitrias para orientar as famlias cuidados primrios de sade para gestantes e crianas,
adaptaram o trabalho das auxiliares de sade para as condies do serto. Em 1987, o
programa foi expandido para o estado e foram contratadas, durante um ano, seis mil mulheres
para trabalharem como agentes de sade, novo nome para as auxiliares de sade. O sucesso
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43
na reduo da mortalidade infantil, que sempre se agravava em anos de seca como
aquele de 1987, tornou permanente o programa emergencial (BRASIL, 2010a).
As avaliaes coordenadas pelas professoras Cecilia Minayo e Csar Victora e as
observaes do prprio Ministrio da Sade levaram este a adotar o programa para os demais
estados nordestinos em 1991 e, posteriormente, para todo o pas (BRASIL, 2010a).
Pode-se afirmar, ento, que o PACS um antecessor do PSF, pois uma das variveis
importantes que o primeiro introduziu e que se relaciona diretamente com o segundo que,
pela primeira vez, h um enfoque na famlia e no no indivduo dentro das prticas de sade
(VIANA; DAL POZ, 2005).
Entretanto, vale salientar que vrias experincias capilarizadas por todo o pas, como a
proposta de Mdico de Famlia de Niteri (RJ); Modelo em Defesa da Vida de Campinas
(SP); a Ao Programtica em Sade (USP); os Sistemas Locais de Sade (SILOS)
operacionalizada no Cear e Bahia; e o Grupo Hospitalar Conceio em Porto Alegre (RS)
inspiraram a formulao da proposta Sade da Famlia (BRASIL 2010a; ANDRADE;
BARRETO; BEZERRA, 2006; SOUSA, 2001).
Todos esses marcos na APS formaram as linhas guia do modelo de APS brasileiro, a
Estratgia Sade da Famlia (ESF), que tem caractersticas prprias, embora inspirado em
vrias experincias exitosas nacionais e internacionais.
O PSF foi concebido a partir de uma reunio ocorrida nos dias 27 e 28 de dezembro
de 1993, em Braslia, sobre o tema Sade da Famlia, convocada pelo gabinete do ento