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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS
REGIONAL GOIÂNIA
FACULDADE DE LETRAS
ESPECIALIZAÇÃO EM ESTUDOS LITERÁRIOS E ENSINO DE LITERATURA
AMANDA NUNES DO AMARAL
DE CODENAME VILLANELLE A KILLING EVE:
TRAÇANDO RELAÇÕES INTERSEMIÓTICAS ENTRE LITERATURA E TV
Goiânia/GO
2020
AMANDA NUNES DO AMARAL
DE CODENAME VILLANELLE A KILLING EVE:
TRAÇANDO RELAÇÕES INTERSEMIÓTICAS ENTRE LITERATURA E TV
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao
Curso de Especialização em Estudos Literários e
Ensino de Literatura, da Faculdade de Letras, da
Universidade Federal de Goiás, como requisito
parcial para a obtenção do título de Especialista em
Estudos Literários e Ensino de Literatura.
Orientadora: Profa. Dra Neuda Alves do Lago.
Goiânia/GO
2020
AMANDA NUNES DO AMARAL
DE CODENAME VILLANELLE A KILLING EVE:
TRAÇANDO RELAÇÕES INTERSEMIÓTICAS ENTRE LITERATURA E TV
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Especialização em Estudos
Literários e Ensino de Literatura, da Faculdade de Letras, da Universidade Federal de Goiás,
como requisito parcial para a obtenção do título de Especialista em Estudos Literários e
Ensino de Literatura, avaliado pela Banca Examinadora constituída pelos seguintes
professores:
____________________________________________________________
Profa. Dra Neuda Alves do Lago – UFG
Presidente da banca
____________________________________________________________
Profa. Dra. Vanessa Gomes Franca – UFG
Membro
____________________________________________________________
Prof. Dr. Flávio Pereira Camargo – UFG
Membro
Data de aprovação:____/_____/_____
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.......................................................................................................................05
1. LITERATURA E TV: TRAÇANDO RELAÇÕES INTERSEMIÓTICAS .................07
1.1 A thriller novel de Luke Jennings.......................................................................................11
1.2 A adaptação de Phoebe Waller-Bridge...............................................................................13
2. A TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA...............................................................................14
3. DE CODENAME VILLANELLE A KILLING EVE......................................................17
CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................24
REFERÊNCIAS ...................................................................................................................25
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DE CODENAME VILLANELLE A KILLING EVE:
TRAÇANDO RELAÇÕES INTERSEMIÓTICAS ENTRE LITERATURA E TV
Resumo
Este ensaio teve por objetivo investigar a transposição dos signos literários para os signos
audiovisuais à luz da semiótica peirceana, refletindo de que modo a adaptação Killing Eve de
Phoebe Waller-Bridge traduz determinados códigos presentes no thriller Codename Villanelle
de Luke Jennings, procedimento que aqui foi entendido enquanto tradução intersemiótica. A
análise teve como foco a construção identitária das protagonistas, investigando, portanto, de
que modo e quais estratégias audiovisuais transcriam certos aspectos sensíveis da obra
literária, a saber, as características psicológicas e subjetivas envolvidas na concepção das
personagens.
Palavras-chave: Adaptação. Tradução intersemiótica. Signos literários. Signos audiovisuais.
INTRODUÇÃO
Codename Villanelle (2018), base para a série televisiva Killing Eve, é uma
compilação de quatro romances eletrônicos publicados em sequência, são eles: Codename
Villanelle (2014), Villanelle: Hollowpoint (2014), Villanelle: Shanghai (2015) e Odessa
(2016). Seu criador, Luke Jennings, é escritor e jornalista britânico, autor de Blood Knots e
finalista dos prêmios Samuel Johnson e William Hill. Como jornalista, já escreveu para The
Observer, Vanity Fair, The New Yorker e Time. Codename Villanelle é um thriller sobre
perseguição, espionagem, crime e psicopatia. O romance se desenrola a partir da tensão entre
dois polos contraditórios, situados em diferentes eixos narrativos, o universo da criminosa e o
universo da detetive: Oksana Vorontsova, uma assassina psicopata de codinome Villanelle, e
Eve Polastri, uma agente do serviço secreto de inteligência britânica contratada para encontrá-
la. Fazendo o uso do discurso indireto livre, o narrador-onisciente imerge no interior das
personagens, acessando plenamente seus pensamentos, emoções e conflitos internos.
Na dimensão ficcional do enredo, o ponto de tensão se situa na expectativa de
convergência entre os universos antagônicos das personagens centrais. De um lado, a vida
ordinária e previsível de Eve, paradoxalmente marcada pelo fascínio por assassinas
profissionais; do outro, a crueldade e insensibilidade de Villanelle, consciente de seu passado
e das fragilidades que atravessaram sua trajetória. No romance de Luke Jennings, a resolução
do mistério é pano de fundo para a construção subjetiva das personagens, de modo que foi
essa mesma a principal referência utilizada para a recriação da narrativa no plano audiovisual.
De acordo com Maria do Rosário Leitão Lupi Bello (2005, p. 107), ambas as formas
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artísticas - literária e audiovisual - intentam “suscitar a criação de um outro mundo possível”.
A literatura o faz por meio da palavra escrita. Através da sugestão, cria imagens na mente do
leitor; o audiovisual utiliza a imagem em movimento, é, portanto, mais perceptual. Em razão
da possibilidade de mostrar as características físicas do mundo empírico, a TV possui maior
facilidade em representar as ações objetivas da experiência humana, e uma maior dificuldade
em transmitir assuntos subjetivos. Os elementos imateriais não podem ser localizados de
modo cronológico, espacial ou tangível e, consequentemente, não podem ser facilmente
representados através de cores e formas concretas. É, pois, um desafio transmitir a
complexidade do mundo interior do personagem para o plano audiovisual. Em vista disso,
objetivou-se investigar, a partir dos estudos semióticos do teórico Charles Sanders Peirce, os
signos verbais e audiovisuais implicados no processo de recriação dos aspectos identitários
das personagens principais do romance Codename Villanelle em sua adaptação para a TV:
Killing Eve. Considerou-se a adaptação enquanto procedimento de tradução intersemiótica.
Com o objetivo de alcançar o diálogo que se estabelece entre a obra literária e a série
televisiva – bem como o processo de adaptação – foram aplicados os conceitos da semiótica
peirceana, de modo que fosse possível compreender literatura e TV enquanto diferentes
sistemas da linguagem, que produzem formas distintas de significar, isto é, sistemas
semióticos que operam signos específicos para produzir representações singulares.
Como foi colocado adiante, segundo Peirce (2010), signo é tudo aquilo que assume o
lugar de alguma coisa, que significa algo para alguém. É por meio dos signos que construímos
a realidade. Um signo está sempre se desenvolvendo em outro signo, em uma situação de
representação e significação. A partir disso, instaura-se o processo de tradução, em que um
sistema de signos (TV) interpreta outro sistema de signos (literatura) e recodifica seu
conteúdo, valendo-se da estrutura e elementos próprios de sua linguagem. Desse modo,
transcria um produto novo e independente, ainda que conectado àquele que o originou.
A obra literária utiliza signos verbais, enquanto a série televisiva representa a partir de
signos visuais, verbais, gestuais e sonoros. Ambas intentam contar uma história, mas o fazem
utilizando métodos distintos, dentro dos limites e possibilidades que cada sistema semiótico
possui, suscitando assim, diferentes formas de experimentar a narrativa. A partir desse
entendimento, a reflexão avançou para a abordagem de certas características estéticas e
estruturais da obra literária e da série televisiva em questão, úteis na compreensão da análise
que a sucedeu.
Para o efeito do estudo, foram analisadas passagens do livro e cenas da primeira
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temporada da série, observando os signos utilizados, bem como, as estratégias audiovisuais
empregadas para interpretar os elementos literários presentes no thriller. Como foi dito, o
foco da análise levou em conta, essencialmente, a concepção da identidade das personagens.
1. LITERATURA E TV: TRAÇANDO RELAÇÕES INTERSEMIÓTICAS
A fim de compreender o processo de recriação do romance Codename Villanelle pela
série televisiva Killing Eve, é útil refletir os diálogos que se estabelecem entre as formas
estéticas literária e audiovisual e em que âmbito se dão suas aproximações e diferenciações,
bem como os códigos da linguagem que cada uma opera, a saber, que signos utilizam e como
esses signos são estruturados. Para tanto, interessa-nos buscar nos estudos semióticos1 de
Charles Sanders Peirce a relação entre tais sistemas de linguagem e seus processos de
significação, por conseguinte, o modo de atuação de seus signos.
De acordo com Peirce (2010, p. 46, grifo do autor): “[u]m signo, ou representamen, é
tudo aquilo que, sob certo aspecto ou modo representa algo para alguém. Dirige-se a alguém,
isto é, cria na mente dessa pessoa um signo equivalente, ou talvez, um signo mais
desenvolvido”. A imagem mental produzida a partir de um primeiro2 é chamado de
interpretante do signo e o representado denomina-se seu objeto. Trata-se, portanto, de uma
relação triádica, que caracteriza a ação contínua e ininterrupta do signo, bem como sua
incompletude, uma vez que o significado de um signo é outro signo, isto é, o significado de
uma representação será sempre outra representação. Dessa forma, todo signo gera um
interpretante, este, por sua vez, torna-se um novo representamen, e assim progressivamente,
em uma cadeia infinita de produção de sentidos, no qual um signo se transforma em outro
signo continuamente. Este processo é definido por Peirce (2010) como semiose, isto é, a ação
do signo, seu funcionamento.
Logo, entende-se por signo tudo aquilo que está no lugar de alguma coisa, dito de
1 “A Semiótica é a ciência que tem por objeto de investigação todas as linguagens possíveis, ou seja, que tem por
objetivo o exame dos modos de constituição de todo e qualquer fenômeno como fenômeno de produção de
significação e de sentido”. (SANTAELLA, 2004, p. 5)
2 Para a construção de sua semiótica, Peirce classificou todos os fenômenos em três categorias universais:
primeiridade, secundidade e terceiridade. A primeiridade é momento imediato do sentimento sem reflexão, isto
é, a primeira impressão que se tem das coisas; a secundidade é a prática, a tomada de decisão, a reação ao
sentimento e a terceiridade une o sentimento e a ação, é a interpretação do fenômeno, quando um objeto passa a
representar alguma coisa.
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outro modo, tudo aquilo que significa algo para alguém. De acordo com Santaella (2004, p.
52): “[p]ara conhecer e se conhecer o homem se faz signo e só interpreta esses signos
traduzindo-os em outros signos”. E ainda, segundo Plaza (2001), a linguagem influencia a
nossa percepção sobre o real, constituindo-se como uma ponte entre nós e o mundo: “ao
povoar o mundo de signos, dá-se um sentido ao mundo, o homem educa o mundo e é educado
por ele, o homem pensa com os signos e é pensado pelos signos” (PLAZA, 2001, p. 19). Se é
por meio das representações que criamos a realidade – utilizando os sistemas de linguagem
para construir sentidos – são os signos que mediam as relações humanas. “As representações
são os meios pelos quais alocamos significados ao mundo das coisas e dos seres” (LIMA,
1981, p. 218) e é por meio dos signos que se engendram as representações. A obra literária e a
série televisiva que aqui se pretende estudar são, pois, sistemas de signos, que têm por
objetivo construir representações.
De acordo com Diniz (1999, p. 31), é possível significar através de práticas como
escrever romances ou fazer filmes. Dessa forma, a literatura e a série televisiva constituem-se
como atividades semióticas, pois ambas são meios de produzir significações. Em um processo
bilateral, palavra e imagem seguem cada vez mais conectadas: “essa aproximação parece nos
dizer que o objeto estético Literatura, não importa por quais meios se materialize, segue
encontrando formas livres e criativas de se realizar na consciência humana” (ALVES, 2013,
p. 136). O repertório literário se mostra uma fonte abundante e cada vez mais significativa
para as recriações audiovisuais. A relação entre a literatura e o seriado de TV verifica-se, pois,
no modo como seus sistemas se inter-relacionam, ambas as formas estéticas intentam
representar a realidade. Convergindo em suas funções narrativas, ensejam, portanto, descrever
o encadeamento de experiências humanas situadas no tempo e no espaço, e o fazem através
dos signos que dispõem.
Tanto o romance de Luke Jennings quanto a série de Phoebe Waller-Bridge objetivam
contar a história de uma assassina, mas contam de modos distintos, e o fazem, essencialmente,
porque operam diferentes códigos da linguagem, portanto, as formas de transmissão dos
acontecimentos só podem se dar dentro das possibilidades que cada sistema dispõe. A obra
literária opera signos verbais, enquanto a série representa a partir de signos visuais, verbais e
sonoros. Segundo Bello (2005), a diferença fundamental entre as formas literária e
audiovisual está no fato de que no cinema (ou neste caso, na TV), a base da representação é a
imagem em movimento, e na literatura, a palavra escrita. Nas palavras da autora: “O leitor
sabe que a condição estabelecida é a da sugestão de um mundo possível através de signos
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arbitrários escritos, enquanto que ao espectador é mostrado um mundo possível através de
signos icônicos audiovisuais” (BELLO, 2005, p. 78, grifo do autor).
Devido ao seu caráter prosaico, o romance apresenta construções consecutivas e finais,
que marcam o efeito de continuidade e encadeamento de ações na diegese, atribuindo um
ritmo prospectivo para a narrativa, na qual, os sentidos se articulam para emergir novas
perspectivas. A compreensão da passagem do tempo no romance se dá, portanto, através da
imagem mental criada pelas estratégias da escrita, a saber, o emprego de conectivos, o arranjo
de palavras e a organização de orações subordinadas na construção de efeitos de sequenciação
dos fatos. Na série, a construção do tempo conta com técnicas audiovisuais, uma vez que esta
dispõe do signo híbrido (palavra, imagem e som). “A mobilidade da câmera e a técnica de
montagem criam condições de representação do tempo como uma dimensão do espaço, e de
representação desse espaço sob vários pontos de vista” (ALVES, 2013, p. 139).
Ao traçar as diferenciações entre cinema e literatura, Bello (2005) aponta que no
produto fílmico, (ou neste caso, na série televisiva), os aspectos diacrônico e sincrônico
funcionam de modo contíguo, ou seja, tempo e espaço existem simultaneamente. Na
literatura, contudo, não ocorre o mesmo, já que não é possível exprimir a ação e descrever o
contexto espacial ao mesmo tempo. A autora destaca ainda a importância de não limitar a
distinção entre as formas literária e audiovisual à oposição entre palavra e imagem, uma vez
que a primeira forma também utiliza a produção de imagens e a segunda, não dispensa a
palavra. Trata-se de dois sistemas de signos diferentes, com qualidades próprias, intrínsecas a
cada um.
A obra literária dispõe de códigos verbais e a série, de códigos sonoros, visuais,
gestuais e verbais. Meios distintos para criar efeitos correspondentes, ambas cumprem a
função de sugerir uma realidade possível. A literatura o faz por meio de suas escolhas
lexicais, sintáticas, semânticas e gramaticais. “A literatura suscita um mundo através do uso
de signos verbais [...] que exigem do leitor uma capacidade interpretativa ao nível da
performance não só linguística como literária, as quais implicam o domínio de processos
semânticos e simbólicos específicos” (BELLO, 2005, p. 111, grifo do autor). A TV o faz por
meio de suas estratégias audiovisuais, que incluem, entre outras, o posicionamento de câmera,
o enquadramento, a montagem, a iluminação, etc. Na percepção de Bello (2005),
O aspecto mais decisivo na distinção entre a literatura e o cinema tem que
ver com o fato de se tratar de dois sistemas semióticos diferentes, sendo que
o primeiro é de natureza verbal e é captado conceptualmente, enquanto o
segundo tem uma natureza heterogênea e é captado sensorialmente, como
fenômeno perceptual. (BELLO, 2005 p. 95)
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Ambos os signos - verbal e híbrido - irão produzir, na mente do leitor e do espectador,
um interpretante, isto é, um novo signo resultante da assimilação do primeiro. Esta
interpretação, além de ter em vista o repertório social, psicológico e cultural de cada
intérprete, está relacionada ao meio pelo qual o conteúdo é transmitido. Assim, natureza de
cada suporte influencia no processo de significação, uma vez que: “[t]odo sistema semiótico é
caracterizado por qualidades e restrições próprias, e nenhum conteúdo existe
independentemente do meio que o incorpora”. (DINIZ, 1999, p. 33). A literatura, utilizando
códigos verbais para se expressar, possibilita uma recepção de cunho imaginativo, idealizado,
relacionada ao pensamento. A TV, com sua multiplicidade de códigos, já é capaz de estimular
outros sentidos, promovendo uma experiência mais sensitiva, em que aspectos como cores,
formas e paisagens, manifestam-se com maior clareza e concretude.
Apesar de ambas as narrativas conceberem de modo similar suas personagens centrais,
a série Killing Eve, criada por Phoebe Waller-Bridge, em muito se distancia do romance que a
inspirou, Codename Villanelle de Luke Jennings. Contudo, não foi pretensão desta análise
realizar um estudo comparativo a fim de identificar os pontos de convergência e divergência
entre as duas obras. Intentou-se, em contrapartida, investigar de que modo os signos literários
presentes no romance, transpostos para a linguagem audiovisual, recriam uma narrativa
equivalente, nova e totalmente independente.
Quando se fala em adaptação, a noção de fidelidade ao original, embora já bastante
estigmatizada, ainda é utilizada como critério para analisar a qualidade da obra resultante.
Essa, no entanto, é uma noção que vem sendo desconstruída nos estudos de tradução. A
adaptação consiste na releitura de uma obra, portanto, uma nova forma de representá-la, seu
interpretante. Trata-se, de certa forma, de um processo de semiose, no qual um signo é
transformado em outro. De acordo com Peirce (2010), o signo só representa seu objeto em
parte, daí advém seu caráter de incompletude, pois está em constante evolução. Como foi dito
anteriormente, o signo produz na mente de alguém um interpretante, este é um novo signo,
mais desenvolvido, que por sua vez, poderá criar uma nova representação, portanto, um novo
signo e assim por diante. Destaca-se, ainda, que o objeto representado pelo primeiro signo é,
ele próprio, uma representação, e este signo, seu interpretante.
O signo está sempre se desenvolvendo em um interpretante na busca por se completar,
uma vez que o representamen é incapaz de alcançar todas as qualidades e características que
seu objeto possui e só pode representá-lo em algum aspecto, por isso, não há como o signo ser
idêntico ao seu objeto. É o que afirma Santaella (1995, p. 44): “[o] signo está ligado ao objeto
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não em virtude de todos os aspectos do objeto, porque se assim fosse, o signo seria o próprio
objeto. Pois bem, ele é signo justamente porque não pode ser o objeto”.
De acordo com Laruccia (2003, p. 47): “todas as linguagens são caracterizadas por
essa incompletude e impotência, em que o processo de representação é que precisa ser
entendido para se ter consciência de linguagem”. Entendendo, pois, a incompletude do signo e
a adaptação, também enquanto um processo de semiose - no qual um sistema de signos é
transposto em outro - infere-se que a tradução fiel de uma obra é impossível, uma vez que
nenhum signo corresponde totalmente a outro signo, isto é, nenhum signo possui um
equivalente exato. Dessa forma, analisar a qualidade de uma adaptação utilizando como
parâmetro a fidelidade - ou ainda, exigir que elementos literários, tais quais enredo e
personagens, sejam transportados para a tela de modo idêntico à obra de partida - é
desconsiderar a complexidade envolvida no processo de transposição intersemiótica, bem
como as qualidades únicas que cada meio possui para criar obras muito mais poderosas.
A fidelidade literal é uma forma de empobrecer uma linguagem tão multifacetada
quanto a audiovisual. Tentar reproduzir fielmente de um meio para outro não é só improvável,
é indesejado. “A grande arte cinematográfica realizada é, fundamentalmente, distinta da arte
literária, e com ela só compete, em qualidade, quando dela se afasta” (BRITO, 2006, p. 161).
O processo de adaptação audiovisual trata-se, portanto, de um fenômeno dialógico e
intersemiótico.
1.1 A thriller novel de Luke Jennings
Em Codename Villanelle, a trama se desenvolve a partir da tensão entre dois polos
contraditórios: assassina e detetive. Contando ainda com a presença de aspectos tais quais, a
sequência de crimes e o esforço investigativo, a obra de Luke Jennings é considerada um
thriller, que dialoga com elementos clássicos da literatura policial, esta, por sua vez, tem
como precursor o contista e teórico norte-americano Edgar Alan Poe (1809-1849).
Segundo Todorov (1970), a estrutura narrativa do romance policial ou romance de
enigma divide-se em dois eixos: o crime e a apuração. O primeiro está localizado
temporalmente no passado, traz a história de um crime – que pode ser um assassinato, um
roubo ou até mesmo um sequestro - e é a razão de ser da literatura policial, pois motiva o
segundo eixo: a investigação. Nesta segunda narrativa, agora situada no presente, o (a)
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detetive irá, a partir de um esforço intuitivo e intelectual, reconstruir os eventos passados,
seguindo rastros e reunindo indícios para, então, solucionar o enigma e descobrir quem é o (a)
culpado (a). A primeira narrativa só vem à tona depois que o evento já se realizou, de modo
que detetive e leitor descobrirão juntos o mistério.
Divergindo do modelo proposto por Todorov, a obra em questão - apesar de apresentar
os elementos básicos que constituem um romance policial, a saber: o crime, a assassina e a
detetive - não encerra o mistério principal: “Quem é a criminosa?”. No romance de Luke
Jennings, já se sabe de antemão quem ela é, ademais, sabe-se com detalhes como ela faz,
quais são suas estratégias, suas motivações e, até mesmo, seus conflitos internos.
Codename Villanelle possui dois planos narrativos essenciais: o universo da assassina
psicopata de codinome Villanelle e o universo da ex-agente do MI6 contratada pelos serviços
de segurança britânico para encontrá-la, Eve Polastri. A narrativa centrada no universo de
Villanelle traz retornos recorrentes ao seu passado, suspendendo a ação presente para depois
retomá-la. Instaura-se, desse modo, um terceiro eixo na diegese, que concorre na construção e
entendimento da personagem. O enredo gira em torno das duas personagens centrais, que
estão sempre na iminência, mas nunca se encontram, portanto, suas narrativas estão situadas
em eixos temporais e espaciais que vão se aproximando cada vez mais no decorrer da história.
O enredo se desenrola com uma mescla de mistério, aventura, suspense e, sobretudo,
perseguição. Através do discurso indireto livre, o narrador-onisciente imerge no íntimo das
personagens, acessando suas emoções e vozes interiores. Dessa forma, a busca de Eve é
acompanhada por um leitor que já conhece Villanelle a fundo e sabe exatamente quais são
seus passos. O efeito de suspense, nesse caso, se concentra não na resolução do mistério pelo
leitor, mas na expectativa pela convergência entre os dois universos: o da assassina e o da
detetive. Logo, à medida que os dois planos narrativos vão se conectando, instaura-se um
clima de anseio e apreensão que, de modo paradoxal, enseja tanto o sucesso de Eve, quanto de
Villanelle.
De acordo com Hardy (1995), o suspense só é mantido em uma narrativa quando
tardar a vir respostas para a pergunta: “O que acontece a seguir?”. Assim, a técnica narrativa
que consiste em “suspender” a ação em Codename Villanelle, adia, pois, um desenlace que
consiste no confronto direto entre as duas personagens, e que, contudo, não se realiza e com
isso, instiga certa excitação e curiosidade no leitor (GOTLIB, 2006). O romance de Luke
Jennings tarda tanto a oferecer um desfecho para a história de Eve e Villanelle que não o faz,
deixando essa tarefa para as obras subsequentes da trilogia. “O suspense é um efeito
13
associado particularmente à história de aventura e ao misto de história de detetive e história
de aventura conhecido como thriller” (HARDY, 2010, p. 24).
1.2 A adaptação de Phoebe Waller-Bridge
Responsável por roteirizar e produzir a adaptação televisiva do romance de Luke
Jennings, a escritora e atriz britânica Phoebe Waller-Bridge é a showrunner da primeira
temporada do thriller de espionagem e drama: Killing Eve. O estilo criativo de Waller-Bridge
tem como principal característica a habilidade de transitar organicamente entre o cômico e o
trágico. Aspecto que pode ser muito bem observado em seu aclamado Fleabag3.
Desde suas primeiras cenas, Killing Eve combina comédia com tensão, explorando o
drama, o sarcasmo, a insanidade e o magnetismo hipnótico presentes no universo da
psicopatia feminina, tão bem construída na série. O humor ácido e a essência irônica e
infantilizada da assassina contrastam com suas cenas de brutalidade e violência. Em Killing
Eve, a investigação criminal é pano de fundo para os conflitos morais, éticos e psicológicos
que se aprofundam em torno das personagens centrais. À medida que o enredo se desenrola, a
narrativa focaliza o jogo obsessivo entre a assassina psicopata e a agente da inteligência
britânica – dinâmica que na série, é elevada ao nível sexual - de modo que o mistério a ser
desvendado é posto de lado em detrimento da relação doentia entre as protagonistas. Desse
modo, não há uma preocupação em amarrar as pontas soltas ou solucionar o enigma, uma vez
que a trama passa a acompanhar a evolução das personagens e se fecha em torno de suas
questões individuais, evidenciando e potencializando cada vez mais suas contradições e,
paradoxalmente, a fixação entre elas.
Utilizando como base o thriller de Luke Jennings, o roteiro de Waller-Bridge traz
personagens igualmente profundas e complexas. Através de uma comicidade mordaz e uma
atmosfera inusitada, é criada uma trama instigante e singular. Se o desenrolar da narrativa se
inscreve a partir dos extremos: humor e tragédia, no cerne está presente o elemento principal
da série, a obsessão. A dinâmica entre as personagens é construída de modo a transparecer seu
caráter excessivo, beirando o patológico.
A trilha sonora indie/alternativa potencializa o clima enervante e chic da narrativa.
3 Fleabag é uma série televisiva britânica criada e protagonizada por Phoebe Waller-Bridge, adaptação de uma
peça teatral desenvolvida para o Edinburgh Fringe Festival.
14
Para traduzir a dimensão dual e contraditória das duas mulheres: de um lado, a fotografia
colorida, com tons intensos e contrastantes de rosa e azul, e os figurinos sofisticados e
extravagantes revelam o universo excitante, perigoso, fashionista e vívido de Villanalle. Do
outro, a fotografia opaca, acinzentada e com tons azulados revela o universo monótono,
apático e insípido de Eve Polastri.
2. A TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA
O linguista russo Roman Jakobson (2007) afirma que o significado de um signo
linguístico é a sua tradução por outro signo, oferece, então, três possibilidades de se
interpretar um signo verbal, isto é, três formas de traduzir um texto em outro: a tradução
intralingual, que diz respeito a traduzir em outros signos, porém dentro da mesma língua; a
tradução interlingual, conhecida comumente apenas como tradução, trata-se de interpretar os
signos verbais através de uma língua diferente. E por fim, a tradução intersemiótica, que nas
palavras do autor: “consiste na interpretação dos signos verbais por meio de sistemas de
signos não-verbais” (JAKOBSON, 2007, p. 64).
O linguista supera a noção tradicional da tradução enquanto mera transferência,
passagem de uma língua ou de um sistema para o outro. “Jakobson é, dessa forma, o
precursor a se atentar para o ato da tradução como recodificação, ou seja, não transportamos
de uma língua para outra, e sim recodificamos a mensagem que deverá ser transmitida”
(AMORIM, 2013, p. 17). E no caso da tradução intersemiótica, o transporte de um sistema de
signos para outro. Entretanto, Julio Plaza (2001), sucessor de Jakobson e um dos
desenvolvedores de sua corrente crítica, acredita que os processos de tradução intersemiótica
são mais complexos:
Quando se fala em “adaptação” (aqui vista sob a possibilidade de inserção
prismática de uma tradução intersemiótica) de um romance para o cinema,
não se procede somente de uma mera substituição da linguagem verbal para
uma linguagem absolutamente não verbal, mas de uma
interpretação/inferência dos signos verbais por meio de sistemas de signos
não verbais. Nesse viés reivindicamos uma ampliação das possibilidades e
procedimentos, fazendo referência à tradução intersemiótica mencionada por
Roman Jakobson, isto é, a tradução que consiste na “transmutação” de um
sistema de signos para outro, por exemplo, da arte verbal para a música, a
dança, o cinema ou a pintura. (PLAZA, 2001, p. 71, grifos do autor)
15
Segundo Plaza (2001, p. 67), a tradução intersemiótica vai além de simplesmente transportar
signos linguísticos para signos não linguísticos, trata-se de um processo que envolve
“transmutações intersígnicas”, no qual a estrutura de chegada, com suas qualidades e
particularidades, funciona como interpretante dos signos que absorve.
Isto posto, neste estudo, considerou-se a adaptação enquanto procedimento de
tradução intersemiótica. A adaptação televisiva de uma obra literária consiste, pois, em
recriar, em um novo sistema semiótico, efeitos de sentido equivalentes. Trata-se da
transposição de um sistema de signos para outro, na qual significados análogos são
produzidos a partir de signos diferentes. A tradução intersemiótica admite a multiplicidade e
especificidade de linguagens semióticas, a saber, o cinema, televisão, fotografia, pintura,
literatura, etc, bem como as possibilidades dialógicas que se estabelecem entre elas.
Segundo Hutcheon (2006), a adaptação pode ser compreendida a partir de um
processo de transcodificação, no qual um texto fonte é apropriado para que seja reinterpretado
e recriado. O processo de tradução se estabelece para que os signos presentes em determinada
obra possam ser representados a partir de um novo sistema de sentidos, transmutando-se e,
assim, criando uma nova obra, reinterpretada por novos códigos.
Entendendo ainda a tradução enquanto uma interpretação, retoma-se aqui um ponto
importante discutido anteriormente: a impossibilidade da tradução fiel. Toda tradução é uma
leitura. A tradicional premissa: “o livro é melhor que o filme” advém do fato de que a leitura
de uma obra literária, diferentemente da de um produto audiovisual, cria na mente do leitor
imagens livres dos limites já definidos pelas imagens visuais presentes nas telas. Há, portanto,
no ato de ler uma liberdade imaginativa muito maior. O conflito está no movimento que se faz
ao sair do plano da idealização para encontrar algo pronto, já posto.
E muito improvável, a leitura do espectador será compatível com a leitura do cineasta,
uma vez que cada leitor tem a sua própria interpretação e o que se vê nas telas é a
interpretação de outra pessoa que não a sua. Portanto, se o critério utilizado para julgar a
qualidade de uma adaptação audiovisual fosse a exata conformidade entre a interpretação do
cineasta e a do espectador, o livro seria sempre melhor que o filme, uma vez que, com uma
recepção mais cognitiva e criativa, a obra literária acolhe possibilidades infinitas de leituras.
Como afirma McFarlane (1996, p. 9), “o crítico que se foca em falhas de fidelidade, não está
realmente dizendo nada mais que ‘Essa leitura do original não confere com a minha’”. Dessa
forma, ao considerar a adaptação enquanto um processo de tradução intersemiótica, é preciso
16
entender que o resultado implica um produto completamente novo e, sobretudo, independente,
ainda que esteja, inegavelmente, relacionado com a obra de partida.
É o que defende Diniz (1999, p. 32): “[c]omo resultado do processo transformacional,
surge uma estrutura totalmente nova. E o texto tem de ser visto como uma obra autônoma que
não pode ser adequadamente compreendida e julgada, se tomada apenas como uma
transformação da outra”. Não obstante, a obra adaptada mantém uma conexão com a obra de
origem, pois, uma vez que a representa, opera como seu interpretante. Nesse sentido, a obra
literária e a série televisiva funcionam como signos icônicos uma da outra. O signo icônico,
de acordo com Peirce, é aquele que opera pela semelhança e similaridade com seu objeto,
criando na mente o sentimento de analogia.
Para Diniz (1999), a tradução intersemiótica consistiria na busca por equivalências
entre os sistemas semióticos implicados no processo tradutório. “Isso quer dizer que um
elemento x que ocupa um determinado lugar num determinado sistema de signos [...] seria
substituído, na tradução, por um outro elemento x que exerça a mesma função, porém no
outro sistema de signos” (DINIZ, 1999, p. 32). Todavia, como afirma Fisher-Lichte (1987, p.
211), a equivalência não se trata de assegurar uma conexão ou igualdade de sentido entre os
textos, mas diz respeito ao resultado de um processo hermenêutico no qual a leitura de um se
relaciona à leitura do outro, aludindo aos sentidos que ambos acionam. Dessa forma, a
equivalência não é a busca pela igualdade, mas refere-se ao processo.
Traduzir é, pois, transformar. E o processo de transposição e transformação de
qualquer conteúdo pressupõe, inevitavelmente, o sistema semiótico em que ele se realiza.
Portanto, compreender os recursos, as estruturas e as qualidades próprias que viabilizam a
transformação de um texto em outro é fundamental para compreender o próprio texto. Além
das particularidades do meio semiótico e da leitura que o tradutor faz do texto de origem,
Diniz (1999) aponta ainda a importância de levar em conta a “experiência do espectador”,
uma vez que ele é parte fundamental do processo de significação, pois constrói o sentido da
obra em conjunto com o transmissor, no momento de recepção.
Tendo isso em vista, objetivou-se aqui analisar os signos verbais e audiovisuais
implicados no processo de tradução intersemiótica, examinando de que modo a
transcodificação criativa dos elementos literários presentes no romance Codename Villanelle
de Luke Jennings recriam uma narrativa nova e poderosa: a série televisiva Killing Eve de
Phoebe Waller-Bridge. Para tanto, foram confrontadas passagens da obra com cenas da
primeira temporada da série, observando os códigos semióticos que operam, a saber, as
17
estratégias audiovisuais utilizadas para traduzir determinados códigos verbais presentes no
romance. Foi foco desta análise examinar as cenas como signos tradutores pertinentes na
concepção identitária das personagens.
3. DE CODENAME VILLANELLE A KILLING EVE
Lançado em 2018, o romance Codename Villanelle conta a história de Oksana
Vorontsova, uma assassina internacional de codinome Villanelle que é contratada por uma
organização criminosa chamada twelve. Seu estilo de vida sofisticado, extravagante e
luxurioso contrapõe o estilo de vida trivial e comedido de Eve Polastri, uma ex-agente do
MI5, designada pelo serviço secreto de inteligência para encontrar Villanelle. O enredo traz o
jogo de perseguição entre as duas personagens e aprofunda-se em seus universos pessoais,
resgatando suas subjetividades, seus passados e os conflitos de seus mundos interiores.
Situadas em diferentes planos narrativos, as personagens avançam gradativamente em
direção ao embate, movimento por meio do qual se cria a tensão. Dispondo de um narrador
onisciente e contando ainda com a presença do discurso indireto livre, o romance possibilita
que o enredo seja acessado plenamente, apresentando os antecedentes das ações e adentrando
os sentimentos e conflitos das personagens. Dessa forma, a narrativa se dá no sentido de
fornecer tanto os detalhes das execuções dos crimes, quanto, logo na sequência, a linha de
raciocínio utilizada para desvendá-los. Apesar de o thriller apresentar um enredo com ações
objetivas - que facilmente poderiam ser transpostas para as telas - para recriá-lo no plano
audiovisual, a principal referência utilizada foi a identidade das personagens, também razão
pela qual esse será o foco desta análise.
Na obra literária, há informações sobre o passado de Villanelle que não estão presentes
na série e, ainda, o romance descreve com riqueza de detalhes as motivações e sentimentos da
personagem. Esses elementos possibilitam ao leitor a compreensão e até mesmo a empatia
com as atitudes da assassina. Na literatura, utilizam-se os signos arbitrários da escrita para
retratar aspectos subjetivos de modo livre e sem barreiras técnicas, daí sua maior facilidade
em reproduzir as características psíquicas das personagens. Como afirma Bello (2005, p. 104,
grifo do autor), “[p]ela sua natureza mais ‘mental’, a literatura é mais apta à construção do
universo interior do indivíduo, tendo mais dificuldade em reproduzir as propriedades do
mundo sensível”. O meio audiovisual, por sua vez, apresenta maior facilidade em representar
18
os aspectos concretos do mundo, a saber, espaço, sons, cores e formas.
Tendo em vista, portanto, a dificuldade que existe na transposição de aspectos
imateriais do literário para o audiovisual, a intenção aqui é justamente investigar de que
maneira Phoebe Waller-Bridge traduziu para a tela, os signos literários referentes à
construção das personagens, trazendo, de forma criativa e inovadora, as particularidades de
suas personalidades e recriando de modo análogo, personagens profundas e complexas.
Na obra literária em questão, Luke Jennings reconstitui toda a trajetória de vida de
Oksana, percorrendo detalhes de sua infância, família, seu treinamento e até mesmo o motivo
que a leva a escolher seu codinome. Em suma, a narrativa elucida as razões pelas quais a
personagem se torna uma assassina e aprofunda-se em sua mente para abordar o universo da
psicopatia. O autor descreve Villanelle como uma mulher insensível e com grande habilidade
para a simulação.
Villanelle assiste atentamente, percebe como o olhar da garota se suaviza,
como a vibração de seus cílios diminui, como seu sorriso se transforma em
uma tímida separação dos lábios. Repassando a sequência em sua mente
como uma frase em uma língua estrangeira, Villanelle guarda para uso
futuro. Ao longo de seus vinte e seis anos de vida, ela adquiriu um vasto
repertório de tais expressões. Afeto, simpatia, aflição, culpa, susto, tristeza...
Villanelle, na realidade, nunca experimentou essas emoções, mas é capaz de
simular todas elas4 (JENNINGS, 2018, p. 44).
A primeira cena da série é ambientada em Vienna. Abre com o plano geral da fachada
de um café. Em letras garrafais, surge centralizado na tela o nome: “Vienna”. A câmera
mostra uma mulher sentada de costas em uma mesa. Em um movimento panorâmico vertical,
Villanelle é focalizada de perfil, está tomando sorvete, o enquadramento alterna entre os
planos médio e americano, de modo que é possível visualizar melhor o ambiente. A meia
iluminação, o silêncio e o esvaziamento transmitem um clima enfadonho. Villanelle está
posicionada de frente para uma menina, que também está tomando sorvete. A câmera
intercala imagens das duas em primeiro plano, elas se olham, a garota tem uma expressão de
hesitação e insegurança, Villanelle sorri, no entanto é um sorriso excêntrico, que deixa
transparecer uma tênue, e ainda sólida, hostilidade. A garota não sorri de volta e desvia o
olhar. Villanelle fecha a expressão. Imediatamente depois, a garota está sorrindo para um
funcionário atrás do balcão, que sorri de volta para ela com mais naturalidade.
4Nossa tradução para: “Villanelle watches closely, notes how the girl's gaze softens, how the flutter of her
eyelashes slows, how her smile turns to a shy parting of the lips. Turning the sequence over in her mind like a
phrase in a foreign language, Villanelle files it away for future use. Over the course of her twenty-six-year
lifespan she has acquired a vast repertoire of such expressions. Tenderness, sympathy, distress, guilt, shock,
sadness...Villanelle has never actually experienced any such emotions, but she can simulate them all”.
19
Villanelle volta seu olhar para ele, a câmera o enquadra em primeiríssimo plano, essa
técnica sugere que Villanelle o observa atentamente. Então, reproduzindo o semblante do
homem, Villanelle sorri enérgica e afetuosa e dessa vez, é correspondida. Na sequência, ela
estende o braço e é mostrado, em plano detalhe, o seu relógio. Ela levanta, deixa o dinheiro
no balcão e caminha decidida em direção à saída. Passando pela garotinha, Villanelle dá uma
tapa em sua taça, entornando o sorvete na roupa dela. A menina arqueja assustada e Villanelle
deixa o local com um sorriso de satisfação no rosto.
A cena prende a atenção do espectador, provocando uma quebra de expectativa no
final e consegue, com grande maestria - em poucos minutos e sem nenhum diálogo -
representar a personalidade ácida e os traços de piscopatia da personagem, revelando sua
incapacidade de ser empática e reagir com espontaneidade às emoções humanas e em
contrapartida, sua habilidade em dissimulá-las, assim como é descrito na obra literária.
No thriller de Luke Jennings, Eve é retratada como uma mulher comum, de aparência
medíocre e que não apresenta vaidade alguma: “Ela se parece com alguém que acredita haver
coisas mais importantes do que ser considerada bonita5” (JENNINGS, 2018, p. 50). É o
extremo oposto de Villanelle, que possui um senso de moda aguçado e uma beleza quase que
inacessível. Na série, o contraste entre as duas personagens é bem demarcado também através
do figurino: o vestuário de Eve varia entre tons de cinza e bege; Villanelle, em contrapartida,
utiliza roupas de alta costura, de cores fortes e extravagantes.
Vale destacar que na série, a obsessão é uma via de mão dupla e Villanelle também
acaba perigosamente fixada pela mulher que a investiga, dessa forma, é interessante observar
como o vestuário da personagem muda quando ela se encontra em situação de proximidade e
vulnerabilidade com Eve, indo dos tons vibrantes e alegres à simplicidade dos tons pastéis. A
mudança no figurino aponta para a fissura nas defesas da assassina, causada pela influência da
detetive.
No romance, Eve, apesar da vida trivial que leva, possui um lado mais perturbador:
seu interesse pela mente de assassinas profissionais, uma curiosidade que beira o
deslumbramento.
Ela é fascinada pela noção de uma mulher para quem o assassinato não é
algo excepcional. Alguém que poderia levantar de manhã, fazer café,
escolher o que vestir, e em seguida sair e matar um total estranho a sangue
frio. Você tinha que ser algum tipo de aberração psicopata para fazer isso?
5 Nossa tradução para: “She looks like someone for whom there are more important things than being thought
pretty”.
20
Você tinha que nascer assim? Ou qualquer mulher programada corretamente
poderia ser transformada em uma assassina profissional?6 (JENNINGS,
2018, p. 53-54).
Em outra passagem da obra, o narrador revela que Eve tem consciência desse seu lado: “O
lado dela que é completamente absorvido pela mulher que está caçando, e o mundo sombrio e
refratado no qual ela existe7” (JENNINGS, 2018, p. 136). Em mais uma cena do primeiro
episódio da série, Eve está em sua casa, em um escritório bagunçado e mal iluminado.
Sabemos de antemão, de acordo com cenas anteriores, que ela está investigando o assassinato
de um político russo envolvido com tráfico sexual. Ele foi surpreendido na saída de um
restaurante e morto com um pequeno corte em sua artéria femoral, sangrando por um minuto
antes de entrar em colapso. Eve acredita que o crime foi cometido por uma mulher.
Na cena, a câmera acompanha fotos espalhadas pela mesa, alguns livros - dentre os
quais se destaca o título: “Quando as mulheres matam8” - e a tela do notebook, onde se vê
uma imagem anatômica da artéria femoral (localizada ao longo da coxa). Em seguida, é
focalizada a perna de Eve, ela perfura a coxa com uma faca e observa intrigada o sangue
escorrer pelo pequeno corte. É quando seu marido adentra a sala entregando-lhe uma taça de
vinho, ela abaixa a perna e limpa o sangue rapidamente. Niko a chama para jantar e ela o
questiona como ele a mataria, se pudesse. Na sequência, ele devolve a pergunta, Eve responde
prontamente: “Eu te paralisaria com saxitoxina e te sufocaria durante o seu sono, cortaria
você nos menores pedaços que eu conseguisse, te ferveria e te colocaria em um liquidificador,
te levaria para o trabalho em um cantil e jogaria na privada de um restaurante e daria
descarga” (KILLING EVE, 2018, ep. 1). A boa dicção e a rapidez na fala de Eve transmitem
sua segurança, Niko constata: “realmente pensou nisso” (KILLING EVE, 2018, ep. 1).
Já no início da cena, os signos visuais enquadrados pela câmera no cenário, tais quais
as fotos e o título do livro, sugerem a fixação e o fascínio que Eve tem pelo universo de
assassinas profissionais. A solução criada pelo roteiro revela ainda, tanto no desenrolar das
ações quanto no diálogo entre as personagens, o empenho da agente em compreender o
6Nossa tradução para: “She is fascinated by the notion of a woman for whom killing is unexceptional. Someone
who could get up in the morning, make coffee, choose what to wear, and then go out and cold-bloodedly put a
total stranger to death. Did you have to be some kind of anomalous, psychopathic freak to do that? Did you have
to be born that way? Or could any woman, correctly programmed, be turned into a Professional executioner?”
7Nossa tradução para: “The side of her that is utterly absorbed by the woman she is hunting, and the dark,
refracted world in which she exists.”
8 Nossa tradução para: “When Women Kill”
21
funcionamento desse universo, de modo que está tão absorvida por ele que é capaz até mesmo
de pensar como uma assassina. Ao longo da série, nota-se como Eve e Villanelle evoluem
uma em direção a outra, influenciando-se mutuamente.
No livro, o narrador descreve como Villanelle se sente superior e essencial quando
mata alguém, sensação que compara ao prazer obtido no ato sexual: “Villanelle sente a tão
esperada oscilação de energia. O sentimento de invencibilidade que o sexo promete, mas
somente um assassinato bem-sucedido verdadeiramente proporciona9” (JENNINGS, 2018, p.
93). Em Killing Eve, essa satisfação retratada no romance é traduzida visualmente na própria
fisionomia da personagem, impressão que é construída conjuntamente com a técnica de
filmagem e potencializada pela trilha sonora, que intensifica o clímax do acontecimento.
É possível perceber isso em cena do episódio um da primeira temporada quando, após
assassinar um alvo, o rosto de Villanelle é enquadrado em primeiro plano, revelando a forte
emoção em sua expressão: as sobrancelhas arqueadas, os olhos úmidos, a sugestão de sorriso
nos lábios entreabertos e a sutil alteração na respiração. Nesse sentido, Bello (2005) aponta a
importância do rosto humano para o cinema, reflexão útil também quando se fala em TV:
“Grande parte do poder do cinema tem que ver com a poderosa sugestão de significado que o
rosto humano transmite por si só” (BELLO, 2005, p. 100). A autora argumenta que a força
expressiva do rosto, por meio de sua concretude, é capaz de exteriorizar a subjetividade, os
sentimentos.
Em diversas passagens da obra literária, Villanelle é descrita como alguém que se
percebe diferente das outras pessoas. Ela entende que sua incapacidade de sentir culpa e sua
impenetrabilidade a fazem ser superior, e a legitimação dessa superioridade realiza-se
justamente em seu trabalho como assassina profissional, uma vez que este significa o
reconhecimento de suas habilidades. É por esse motivo que ela não demonstra interesse em
saber quem são os mandantes dos crimes que comete e quais são suas motivações. No
seguinte trecho, isso fica evidente:
Que autoridade decretou as sentenças de morte que ela executou, ela não
sabia [...] e, na verdade, ela realmente não se importava. O que importava
para Villanelle era que ela havia sido escolhida. [...] Eles reconheceram seu
talento, a procuraram e a levaram do lugar mais baixo do mundo para o mais
alto, onde ela pertencia. Uma predadora, um instrumento da evolução,
alguém dessa elite para quem nenhuma lei moral se aplicava. Dentro dela,
9 Nossa tradução para: “Villanelle feels the longed-for power-surge. The feeling of invincibility that the sex
promises, but only a successful killing truly confers”.
22
esse entendimento floresceu como uma grande rosa sombria, preenchendo
todas as cavidades de seu ser10. (JENNINGS, 2018, p. 32)
Em cena do segundo episódio da primeira temporada de Killing Eve, Villanelle persegue um
alvo, ela o atinge com um tiro e ele vai ao chão, então ela se aproxima e o observa.
Desesperado ele questiona: “Por que está fazendo isso comigo?” (KILLING EVE, 2018, ep.
2) a assassina dá de ombros, esboça uma expressão de desinteresse e responde com
tranquilidade: “não tenho absolutamente nenhuma ideia” (KILLING EVE, 2018, ep. 2) e
então dispara a arma duas vezes em sua direção.
No momento em que executa o assassinato, Villanelle é enquadrada em um plano
contra-plongée, isto é, a câmera enfoca a personagem na cena de baixo para cima. Na
linguagem cinematográfica, o objetivo desse tipo de enquadramento é o de enaltecer o objeto
ou personagem que está em foco na cena, colocando-o acima do espectador. Por meio dessa
técnica, cria-se em torno da personagem uma sensação de grandiosidade. A técnica em
questão funciona aqui como um signo audiovisual, que traduz para a tela a característica
subjetiva de Villanelle descrita no trecho acima: o sentimento de superioridade.
Nesse sentido, o enquadramento, a trilha sonora melancólica e até mesmo o olhar
presunçoso da personagem ao encarar o corpo no chão funcionam como interpretantes dos
signos literários presentes no livro, a saber, a metáfora que Luke Jennings (2018, p. 32) utiliza
para descrever a sensação de plenitude de Villanelle em relação à tomada de consciência de
seu valor: “Dentro dela, esse entendimento floresceu como uma grande rosa sombria,
preenchendo todas as cavidades de seu ser”.
Villanelle é retratada, em inúmeros trechos do romance, como uma pessoa capaz de
agir sem medo e hesitação, uma vez que sentimentos humanos não podem afetá-la, como
quando é questionada sobre o que sentiu ao assassinar três homens no passado e responde:
“Na época, eu posso ter sentido satisfação por ter feito um bom trabalho. Agora... [...] nada” 11
(JENNINGS, 2018, p. 14) e no seguinte trecho: “Psicologicamente, ela se sentia inviolável,
mas sempre soube que era diferente das pessoas ao seu redor. Ela não sentia nenhuma das
10 Nossa tradução para: “What authority imposed the sentences of death that she executed, she didn’t know (...)
and in truth, she didn’t really care. What matter to Villanelle was that she had been chosen. (...) They had
recognised her talent, sought her out, and taken her from the lowest place in the world to the highest, where she
belonged. A predator, an instrument of evolution, one of that elite to whom no moral law applied. Inside her, this
knowledge bloomed like a great dark rose, filling every cavity of her being.”
11Nossa tradução para: “At the time, I might felt satisfaction at a job well done. Now... [...] nothing.”
23
coisas que eles sentiam. Onde os outros experimentariam dor ou pânico, ela conhecia apenas
um frio desapego12” (JENNINGS, 2018, p. 24).
Ainda no segundo episódio da primeira temporada, há uma cena em que Villanelle
está sendo testada psicologicamente a mando da organização para a qual trabalha. Ela usa um
espalhafatoso vestido de tule cor de rosa, que contrasta com o sofá azul no qual está sentada.
O figurino reflete a postura debochada que ela tem frente à tensão do momento, ecoando sua
essência narcisista e teatral, de modo que a fotografia colorida da cena contrapõe a seriedade
dos eventos que nela se desenrolam.
Na cena em questão, um homem mostra imagens de violência e pergunta o que ela vê.
A primeira foto que a câmera mostra é a de um homem sendo enforcado, Villanelle observa e
responde: “ótimas pernas” (KILLING EVE, 2018, ep. 2). Na sequência, ele mostra a foto de
um cachorro pendurado, aparentemente em situação de maus tratos. Nesse momento, a
respiração de Villanelle fica ofegante e seu olhar compenetrado: “me desculpa” sussurra, e
então, depois de instaurado o clima de tensão, de forma perturbadora, ela desmancha a
expressão e começa a rir, zombando da reação do homem. Essa cena, além de ilustrar muito
bem a insensibilidade da personagem, descrita com frequência na obra, traduz mais uma vez a
sua habilidade para a dissimulação e evidencia engenhosamente a conciliação do cômico com
o trágico, característica marcante do estilo criativo da showrunner da primeira temporada da
série, Phoebe Waller-Bridge.
É importante reforçar que as atrizes que protagonizam a série: Sandra Oh (Eve
Polastri) e Jodie Comer (Villanelle) são, por si só, signos que representam as personagens
literárias. Dessa forma, seus tons de voz, traços físicos e linguagens corporais funcionam
também como códigos interpretantes das características subjetivas das personagens descritas
na obra literária.
O grande destaque de Codename Villanelle e sua adaptação Killing Eve está na
construção das personagens e, por isso, foi o foco deste estudo. Em ambas as obras,
encontramos figuras femininas complexas, com múltiplos níveis de força e inteligência, e que,
de certa maneira, fogem aos estereótipos de gênero, ocupando posições de poder que
geralmente são representadas pelo sexo oposto. Serial-killers e espiões são papéis usualmente
masculinos, e na maioria das vezes, interpretados por homens. A dinâmica obsessiva entre
12Nossa tradução para: “Psychologically, she felt invulnerable, but then she had always known that she was
different from those around her. She felt none of the things they felt. Where others would experience pain or
horror, she knew only a frozen dispassion”.
24
detetive e investigado, tão comum na ficção policial, é construída agora em torno de
mulheres, em um thriller psicológico inovador. Ademais, as obras tratam a liberdade sexual e
a prática sexual entre mulheres de forma desmitificada, sem utilizar a orientação como
justificativa para qualquer tipo de conduta, seja ela positiva ou negativa, ou ainda, sem a
necessidade de explanar e discutir o tema como se ele demandasse tratamento diferente.
Nessa análise, o esforço se deu no sentido de identificar algumas das estratégias
audiovisuais que transcriam certos aspectos sensíveis da obra literária, observando, sobretudo,
de que forma a série traduz as propriedades mentais presentes no thriller para construir, de
modo equivalente, personagens fortes e profundas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao observar o que têm a dizer os cineastas sobre a adaptação fílmica de textos
literários, Milanez (2013) nos chama atenção para a importância da narratividade no processo
de tradução. Segundo os profissionais, as obras mais fáceis de traduzir são aquelas que
possuem tramas definidas, a saber: começo, meio e fim. Aspectos tais quais, ações se
desenrolando no tempo, favorecem a possibilidade narrativa no meio audiovisual, visto que a
temporalidade e a sequencialidade dos eventos viabilizam a percepção visual de um
acontecimento com todas as suas propriedades materiais, isto é, espaço, sons, cores, formas.
Em contrapartida, o meio audiovisual apresenta maior dificuldade quando se trata de
representar questões subjetivas. Tendo isso em mente, intentou-se, com esta análise,
evidenciar de que forma a série televisiva Killing Eve de Phoebe Waller-Bridge recriou as
personagens principais do thriller de Luke Jennings, Codename Villanelle, examinando os
códigos específicos de cada sistema semiótico implicados no processo de adaptação, que aqui
foi entendido enquanto um procedimento de tradução intersemiótica.
Com o subsídio da semiótica peirceana, foi possível compreender que literatura e TV
funcionam como sistemas semióticos distintos e que, portanto, operam diferentes códigos da
linguagem. Nesse sentido, concebe-se a tradução intersemiótica enquanto mediadora de
significados. Ela possibilita que os signos presentes em um determinado sistema semiótico
possam ser reinterpretados pelos códigos de um novo sistema semiótico, recriando, desse
modo, uma obra inédita e completamente autônoma. Por serem distintos meios de representar,
esses sistemas pressupõem diferentes formas de recepção. Enquanto Codename Villanelle
25
conta com os signos da linguagem verbal e possui uma recepção de natureza mais
imaginativa, Killing Eve opera os códigos da linguagem audiovisual, promovendo uma
experiência mais sensível.
Para traduzir para as telas as características psicológicas de Eve e Villanelle, sem
retratar as histórias objetivas de seus passados (presentes no romance) e sem cair na
literalidade de uma narração que evocasse as vozes interiores das personagens, Killing Eve
utilizou os códigos do próprio meio semiótico em que se realiza - isto é, os códigos visuais,
gestuais e expressivos do meio audiovisual - no qual a câmera, os recursos de filmagem,
iluminação, foco, cortes, edição, roteiro e até mesmo a própria atuação das intérpretes foram
responsáveis pela construção da identidade das personagens. O intercâmbio entre as formas
literária e audiovisual é extremamente enriquecedor, pois expande as possibilidades narrativas
de representar as experiências humanas e com isso, cria novas formas de experimentar o
mundo.
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