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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE ECONOMIA CRNICA DE UM PARTIDO NO ANUNCIADO: programa e governos do PT entre 1979-2000
Lincoln Moraes de Souza
Tese de Doutoramento apresentada ao Instituto de Economia de Universidade Estadual de Campinas (IE- UNICAMP) para obteno do ttulo de Doutor em Cincias Econmicas - rea de concentrao: Poltica Social, sob a orientao da Profa. Dra. Snia Draibe.
Campinas/SP, 2004
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TOMBO BCI ~PRoc.Db- -c~ DG?JPREO IDATA - ~ o~
Na.CPD
FICHA CATALOGRFICA ELABORADA PELO
CENTRO DE DOCUMENTAO DO INSTITUTO DE ECONOMIA
Souza, Lincoln Moraes de.So89c Cronica de um partido no anunciado: programa e governos
do PT entre 1979-20001Lincoln Moraes de Souza - Campinas,SP : [s.n.], 2004.
Orientador: Sonia Draibe.Tese (Doutorado) - Universidade Estadual de Campinas.
Instituto de Economia.
1. Partido dos trabalhadores - Brasil. 2. Administrao mu-nicipal. I. Draibe, Sonia. 11.Universidade Estadual de Campinas.Instituto de Economia. 111.Ttulo.
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Para:
Todos (as) que procuram construir um mundo melhor
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AGRADECIMENTOS
Como habitual, importante lembrar que esse trabalho s foi possvel devido ao apoio e estmulo de um conjunto de pessoas e instituies. Mesmo correndo o risco involuntrio de omitir alguns, destacaramos:
- Profa. Dra. Snia Draibe, pela orientao da Tese, especialmente na crtica a alguns pontos relevantes e a nfase na parte metodolgica; - Banca de Qualificao composta pela orientadora, o Prof. Dr. Jorge Tpia e a Profa. Dra. Wilns Henrique, que representou um ponto de inflexo e norteamento para a pesquisa;
- Amadja Henrique Borges, em funo de um acompanhamento mais ou menos sistemtico e algumas sugestes valiosas;
- Joo Matos Filho, pela insistncia correta em reduzir o universo da pesquisa e explicitar
melhor a anlise e concluses; - Cida e Alberto da secretaria do Instituto de Economia, pela constante gentileza;
- Adileusa Sales de Lima, devido correo de todo o trabalho e crticas construo das frases;
- Paulo de Arajo, pela correo detalhada de alguns captulos e sugestes visando melhorar a
linguagem; - Hermano Ferreira Lima, em funo das crticas e correo de alguns captulos e observaes
gerais de contedo; - Leda, pela organizao final e reviso de alguns captulos; - Roseane da Biblioteca Central da UFRN, pela ajuda inestimvel na normatizao; - A todos (as) entrevistados (as);
- Departamento de Cincias Sociais da UFRN, devido liberao para o curso e apoio de uma maneira geral; - CAPES/PICD, pela bolsa estudo concedida.
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RESUMO Analisa o contedo terico-poltico do programa nacional do Partido dos Trabalhadores (PT) desde 1979 at 2000, quando j estava completamente consolidado. Para tanto, foram identificados os principais grupos fundadores e entre eles foram caracterizados aqueles mais diretamente responsveis pela fundao do partido e pelo desenho de suas respectivas estratgias. Foi apresentada uma periodizao e mostradas as principais mudanas durante o perodo analisado e enfatizados os princpios, valores e diretrizes do partido, entre as quais se incluem a participao popular, a inverso de prioridades e as transformaes no papel, na estrutura e no funcionamento do Estado no nvel local. Tambm foi observado como as diretrizes gerais foram implementadas pelos governos municipais em Fortaleza, So Paulo e Porto Alegre assim como os tipos de dificuldades que foram enfrentadas para implement-las. Por outro lado, foram analisadas as inflexes produzidas, os progressos alcanados e suas respectivas particularidades em cada administrao municipal. Ficou evidenciado que desde o incio o PT agiu como um partido programtico. Na realidade, a performance do PT como um partido governante comea mais tarde, em 1987, quando esta caracterstica foi assumida. Apesar disto, o programa do partido continuou mais voltado para o plano nacional __________________________________________________________________________________ Palavras chave: PT, programa partidrio, governos municipais.
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ABSTRACT This thesis analyzes the theoretical and political content of the national program of the
Workers Party (PT) in Brazil from 1979 to 2000 when it was completely consolidated. In this sense, it was identified the formers groups and among them were characterized the ones were directly responsable for the foundation of the PT and for the design of its guidelines. It was established a periodization, showded main changes during that period and emphasized its principles, values and the general directives of the party in relation to the governments, that is, the popular participation, the inverted priorities and the changes on the role, structure and functioning of the state at the local level. Is was also observed how the general directives were implemented by th municipal governments in Fortaleza, So Paulo and Porto Alegre as well as the kinds of dificulties which were faced to implement them. On the other hand, it was analysed the inflections produced, the progresses made and its respectives particularities in each municipal administration. It was showded that since the beginnings the PT acted as a programatic political party. In reality the performance of PT as a government party begins later, in 1987, when this characteristic was assumed. In spite of that, the party program remained essentialy focalized at the national level. __________________________________________________________________________________ Key words: workers party; party program; municipal governments.
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LISTA DE QUADROS
Quadro I Elementos centrais na formao do programa partidrio nacional ................................................ 140
Quadro II Ncleo programtico .................................................................................................................... 142 1979 1982 Quadro III Transio programtica do PT .................................................................................................... 205 1982 - 1987 Quadro IV As inflexes programticas ........................................................................................................ 251 1987 - 1990 Quadro V A redescoberta da institucionalidade ........................................................................................... 295 1990 - 2000 Quadro VI Eleies municipais em Fortaleza ............................................................................................... 306 1985 Quadro VII Votao dos candidatos a Prefeitura de So Paulo ...................................................................... 349 1988 Quadro VIII Bancadas partidrias na Cmara Municipal de So Paulo ......................................................... 350 1988 Quadro IX Votao das coligaes a Prefeitura de Porto Alegre ................................................................... 420 1988-1992-1996 Quadro X Composio partidria da Cmara Municipal de Porto Alegre ...................................................... 420 1989 a 2000 Quadro XI ndice no nvel das receitas municipais de Porto Alegre a preos constantes ............................... 474 1988-1992 Quadro XII Composio da receita municipal de Porto Alegre ....................................................................... 475 1989-1992 Quadro XIII Despesas por funo de governo em Porto Alegre ...................................................................... 486 1989-1992 Quadro XIV Evoluo das receitas arrecadadas no governo Tarso Genro ...................................................... 498 1993-1996 Quadro XV Comportamento real das receitas arrecadadas em Porto Alegre .................................................. 499 1988-1996 Quadro XVI Despesas por funo de governo em Porto Alegre ..................................................................... 500 1993-1996 Quadro XVII Comportamento real das receitas arrecadadas em Porto Alegre ............................................... 512 1998-1999 Quadro XVIII Distribuio de recursos por unidade administrativa em Porto Alegre .................................... 514 1996-2000
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SIGLAS
ABI Associao Brasileira de Imprensa ALN Aliana Libertadora Nacional AP Ao Popular AP Administrao Popular APMs Associao de Pais e Mestres ARs Administraes Regionais ASSEMPLAS Assessorias de Planejamento AUOPs reas de Urbanizao e Ocupao Prioritrias BANESPA Banco do Estado de So Paulo BANRISUL Banco do Estado do Rio Grande do Sul BID Banco interamericano de Desenvolvimento BIRD Banco Mundial BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social BNH Banco Nacional de Habitao BRDE Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul CARs Centros Admnistrativos Regionais CAS Coordenao de Ao Comunitria CC Congresso Constituinte CDHC Coordenao de Direitos Humanos CE Coordenao Executiva CEBRAP Centro Brasileiro de Anlise e Planejamento CEBs Comunidades Eclesiais de Base CEDEC Centro de Estudos de Cultura Contempornea CEITEC Centro de Excelncia bero-americano em Tecnologia Eletrnica Avanada CFE Caixa Econmica Federal CG Coordenao Geral CGT Central Geral dos Trabalhadores CIC Centro Industrial do Cear CMDUA Conselho Municipal do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Ambiental CME Conselho Municipal de Educao CMET Centros Municipais de Educao dos Trabalhadores CMIS Comisso Interinstitucional de Sade CMS Conselho Municipal de Sade CMTC Companhia Municipal de Transportes Coletivos CNBB Conferncia Nacional dos Bispos do Brasil COHAB Companhia Metropolitana de Habitao CONAM Confederao Nacional de Associaes de Moradores COP Conselho do Oramento Participativo CPI Comisso Parlamentar de Inqurito CPMF Contribuio Provisria sobre Movimentao Financeira CRAS Comisses Regionais de Assistncia Social CRC Conselho Regional de Cidados CRC Coordenao de Relaes com a Comunidade CREA Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura CROPs Coordenadores Regionais do Oramento Participativo CS Convergncia Socialista CTC Companhia de Transportes Coletivos CUT Central nica dos Trabalhadores DEMHAB Departamento Municipal de Habitao de Porto Alegre DEOPS Departamento Estadual de Ordem Pblica e Social DEP Departamento de Esgotos Pluviais DIEESE Departamento Intersindical de Estatsticas e Estudos Socioeconmicos DLP Departamento de Limpeza Urbana DM Diretrio Municipal DMAE Departamento Municipal de guas e Esgotos DMLU Departamento Municipal de Limpeza Urbana DN Diretrio Nacional DN Diretrio Nacional DNOS Departamento Nacional de Obras
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DR Diretrio Regional DRU Desvinculao das Receitas da Unio DS Democracia Socialista EBTU Empresa Brasileira de Transportes Urbanos EISE Estudo de Impacto Scioeconmico EMURB Empresa Municipal de Limpeza Urbana EPATUR Empresa Portoalegrense de Turismo EPO Escritrio de Projetos de Obras FASC Fundao de Assistncia Social e Cidadania FASCOM Frum de Assessorias Comunitrias FBFF Federao de Bairros e Favelas de Fortaleza FEBEM Fundao Estadual do Bem-Estar do Menor FEDERASUL Federao das Associaes Comerciais do Rio Grande do Sul FEF Fundo de Estabilizao Fiscal FESC Fundao de Educao Social e Comunitria FGTS Fundo de Garantia por Tempo de Servio FIEC Federao das Indstrias do Estado do Cear FIERGS Federao das Indstrias do Rio Grande do Sul FMI Fundo Monetrio Internacional FO Frao Operria FPM Fundo de Participao do Municpio FRACAB Federao Riograndense de Associaes Comunitrias e de Amigos de Bairro FRIFORT Frigorfico de Fortaleza FSSF Fundao do Servio Social de Fortaleza FUNAI Fundao Nacional do ndio FUNAPS Fundo de Atendimento Populao Moradora em Habitao Subnormal FUNDATEC Fundao Universidade Empresas de Tecnologia e Cincias GA Grupo de Acompanhamento GAPLAN Gabinete de Planejamento GTs Grupos de Trabalho GTZ Sociedade Alem de Cooperao Tcnica HABI Superintendncia de Habitao Popular HPS Hospital de Pronto Socorro IAB Instituto dos Arquitetos do Brasil ICC Instituio Comunitria de Crdito ICM Imposto sobre Circulao de Mercadorias ICMS Imposto sobre Circulao de Mercadorias e Servios IETEC Incubadora Empresarial Tecnolgica IJF Instituto Jos Frota INAMPS Instituto Nacional de Assistncia Mdica e Previdncia Social INPS Instituto Nacional de Previdncia Social IPTU Imposto Predial e Territorial Urbano ISS Imposto sobre Servios ISSQN Imposto sobre Servios de Qualquer Natureza ITBI Imposto sobre Transmisso de Bens Imveis IVVC Imposto sobre Vendas e Varejo de Combustvel LBA Legio Brasileira de Assistncia LOM Lei Orgnica Municipal MDB Movimento Democrtico Brasileiro MEP Movimento pela Emancipao do Proletariado MOM Movimento de Moradia MOS Movimento de Sade MOVA Movimento de Alfabetizao de Jovens e Adultos MR 8 Movimento Revolucionrio 8 de Outubro MVC Movimento do Custo de Vida NAE Ncleos de Ao Educativa NASF Ncleos de Apoio Sciofamiliar NRPs Ncleos Regionais de Planejamento
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OAB Ordem dos Advogados do Brasil ONGs Organizaes No-governamentais OP Oramento Participativo OSI Organizao Socialista Internacionalista PAEL Programa de Apoio Economia Local PAG Plano de Ao de Governo PASEP Programa de Formao do Patrimnio do Servidor Pblico PC do B Partido Comunista do Brasil PCB Partido Comunista Brasileiro PCBR Partido Comunista Brasileiro Revolucionrio PCR Partido Comunista Revolucionrio PDAU Plano Diretor de Arborizao Urbana de Porto Alegre PDC Partido Democrata Cristo PDDU Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano PDS Partido Democrtico Social PDT Partido Democrtico Trabalhista PED Plano de Desenvolvimento Econmico PFL Partido da Frente Liberal PH Partido Humanista PIEP Programa Integrado de Educao e Participao Popular PIR Parque Industrial da Restinga PIS Programa de Integrao Social PL Partido Liberal PMDB Partido do Movimento Democrtico Brasileiro PMN Partido da Mobilizao Nacional PO Pastoral Operria PP Partido Popular PPB Partido Progressista Brasileiro PPDs Pessoas Portadoras de Deficincia PPR Partido Progressista Renovador PPS Partido Popular Socialista PRC Partido Comunista Revolucionrio PRF Programa de Regularizao Fundiria PRN Partido da Renovao Nacional PRO Partido Revolucionrio Operrio PROCEMPA Empresa Municipal de Processamento de Dados PRONA Partido de Reedificao da Ordem Nacional PSB Partido Socialista Brasileiro PSDB Partido da Social Democracia Brasileira PSTU Partido Socialista dos Trabalhadores Unificados PT Partido dos Trabalhadores PTB Partido Trabalhista Brasileiro PUCRS Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul PV Partido Verde PVE Programa de Vias Estruturais RAP Reinsero na Atividade Produtiva SAR Secretaria de Administraes Regionais SEBES Secretaria de Bem-Estar Social SEBRAE Servio de Apoio s Micro e Pequenas Empresas SECAR Secretaria Extraordinria de Captao de Recursos e Cooperao Internacional SECOM Secretaria Comunitria do PT em Porto Alegre SEHAB Secretaria de Habitao e Desenvolvimento Urbano SENAC Servio Nacional do Comrcio SIMPA Sindicato dos Municiprios SINDIMICRO Sindicato das Microempresas SMA Secretaria Municipal de Administrao SMAM Secretaria Municipal de Meio Ambiente SMC Secretaria Municipal de Cultura SME Secretaria Municipal de Educao SME Secretaria Municipal de Esportes, Recreao e Lazer SMED Secretaria Municipal de Educao SMIC Secretaria Municipal de Indstria e Comrcio
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SMOV Secretaria Municipal de Viao e Obras SMSSS Secretaria de Sade e Servio Social SMT Secretaria Municipal de Transportes SNI Servio Nacional de Informao SPM Secretaria de Planejamento Municipal STF Supremo Tribunal Federal SUDENE Superintendncia de Desenvolvimento do Nordeste SUDS Sistema Unificado de Sade SUMOV Superintendncia de Obras de Infra-estrutura Urbana SUNAC Sugestes para a Melhoria do Ambiente Carris SUOP Secretaria de Urbanismo e Obras Pblicas SUPLAN Superintendncia de Planejamento SUS Sistema nico de Sade TRT Tribunal Regional do Trabalho UAMPA Unio das Associaes dos Moradores de Porto Alegre UBS Unidade Bsicas de Sade UFIR Unidade Fiscal de Referncia UFM Unidade Financeira Municipal UFRGS Universidade Federal do Rio Grande do Sul ULBRA Universidade Luterana do Brasil UMN Unio dos Movimentos de Moradia UNE Unio Nacional dos Estudantes UR Unidades de Reciclagem URM Unidade de Referncia Municipal USP Universidade de So Paulo UTI Unidade de Tratamento Intensivo VAF Valor Adicionado Fiscal VS Vertente Socialista ZEIS Zonas Especiais de Interesse Social
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SUMRIO INTRODUO ............................................................................................................................... 1 PARTE I - O PROGRAMA NACIONAL DO PT: 1979-2000 .................................................... 55 INTRODUO ............................................................................................................................... 56 Captulo 1: Da emergncia do PT s marcas do passado ............................................................ 59 1.1. As afinidades eletivas e a formao do PT.................................................................................. 61 1.2. A formao do partido e as relaes de harmonia e tenso......................................................... 76 1.3. A legalizao, os confrontos e a constituio do ncleo programtico....................................... 91 1.4. As marcas do passado................................................................................................................. 131 Captulo 2: Das marcas do passado transio do PT ................................................................ 143 2.1. Do impacto das eleies de 1982 ao esboo de uma proposta global......................................... 144 2.2. Continuidade e consolidao da transio petista entre 1985 e 1987......................................... 165 Das marcas do passado primeira transio do PT........................................................................... 187 Captulo 3: Auge e contradies do marxismo petista ............................................................... 207 3.1. Formulao e auge do marxismo petista.................................................................................... 207 3.2. O VI Encontro, a funo governativa e a intensidade das contradies.................................... 228 3.3. Inflexes, contradies e possibilidades abertas pelo marxismo petista................................... 247 Captulo 4: A redescoberta da institucionalidade e o modo petista de governar .................... 253 4.1. As bases das inflexes no VII Encontro Nacional de 1990..................................................... 255 4.2. O I Congresso de 1991 e a oficializao das inflexes programticas...................................... 277 4.3. A dcada da institucionalidade petista ..................................................................................... 291 PARTE II - ANLISE DOS GOVERNOS PETISTAS ............................................................. 297 INTRODUO ............................................................................................................................. 298 Captulo 1: Impasses, turbulncias e estigma em Fortaleza ...................................................... 301 1.1. A participao popular.............................................................................................................. 313 1.2. Inverso de prioridades............................................................................................................. 318 1.3. O Estado no plano local............................................................................................................ 329 1.4. Algumas reorientaes e estigma............................................................................................. 343 Captulo 2: As inflexes programticas do governo petista em So Paulo (1989-1992)......... 345 2.1. A participao popular.............................................................................................................. 358 2.2. Inverso de prioridades............................................................................................................. 380 2.3. Mudanas do Estado no plano local.......................................................................................... 396 2.4. As inflexes programticas e a influncia no partido............................................................... 407 Captulo 3: Continuidade e mudanas em Porto Alegre (1989-1992,1993-1996 e 1997-2000). 413 3.1. Participao popular.................................................................................................................. 429 3.1.1. O governo Olvio Dutra, a primeira fase do OP (1989-1990) e outras formas de participao...................................................................................................................................... 432 3.1.2. A segunda fase da participao e do OP (1990-1991)....................................................... 435 3.1.3. A terceira fase da participao e do OP (1991-1992)........................................................ 437 3.1.4. O governo Tarso Genro (1993-1996): aprofundamento das mudanas, a quarta fase do OP e da participao...................................................................................................................................... 447 3.1.5. O governo Raul Pont (1997-2000): consolidao das mudanas e quinta fase do OP e da participao....................................................................................................................................... 460 3.2. A inverso de prioridades........................................................................................................... 467 3.2.1. A diretriz no governo Olvio Dutra (1989-1992)................................................................ 468 3.2.2. A ampliao da diretriz inverso de prioridades no governo Tarso Genro (1993-1996): viso mais geral e a idia de qualidade de vida................................................................................. 489 3.3.3. O governo Raul Pont (1997-2000), a inverso de prioridades e a consolidao da proposta de desenvolvimento econmico ....................................................................................................... 505 3.3. Estado no plano local................................................................................................................... 527 3.3.1. A diretriz no governo Olvio Dutra (1989-1992): dos conselhos populares democratizao.................................................................................................................................... 527
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3.3.2. Governo Tarso Genro (1993-1996): da democratizao do Estado formulao de uma esfera pblica no-estatal.............................................................................................................................. 540 3.3.3. Governo Raul Pont (1997-2000): da esfera pblica no-estatal proposta do Modo Democrtico e Popular de Governar.................................................................................................... 549 3.4. A continuidade na mudana e o modo portoalegrense de governar............................................. 554 PARTE III - CONCLUSO GERAL ............................................................................................. 557 REFERNCIAS ................................................................................................................................ 577
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INTRODUO
Qual o contedo terico-poltico do programa nacional do Partido dos Trabalhadores (PT) e
como esse contedo tem rebatido nos seus governos? Ou, dizendo com outras palavras, qual a poltica
geral do partido e como ela transformou-se e incidiu sobre as orientaes dos seus governos
municipais? At que ponto e de que maneira as metaformoses do partido correlacionaram-se com as
inflexes dos governos petistas? Estas questes sero analisadas no decorrer de nossa Tese e encerram
um conjunto de elementos e podem ser levadas adiante atravs de diferentes maneiras e
procedimentos. Como veremos logo depois, enfocamos o programa nacional do PT entre 1979 e 2000
e procuramos apreender seu rebatimento nos governos municipais petistas de Fortaleza, So Paulo e
Porto Alegre.
Para nosso tipo de estudo, adotamos uma abordagem que privilegia as chamadas funes
partidrias e no a estrutura organizativa dos partidos. E mesmo que a idia de funes evoque, como
ressalta Seiler (2000), o quadro terico geral do funcionalismo, isto no impede que o conceito possa
ser retrabalhado e utilizado de outra forma. Nesse sentido, identificamos a idia de funes de
atividades dos partidos, ou seja, no pretendemos analisar, propriamente, a funcionalidade dos
partidos para o sistema poltico ou algo do gnero, mas estud-los a partir de uma outra perspectiva.
Embora os tipos de funes elencadas e suas respectivas caractersticas variem de autor para
autor, no geral podemos classific-las em trs. A primeira, seria a funo representativa dos partidos,
em que a agregao e representao de interesses junto ao Estado constituiria o ncleo central da
atividade. A segunda remeria funo programtica, expressa pelas propostas ou programa partidrio.
A terceira, ou funo governativa, estaria diretamente ligada aos distintos vnculos do partido com o
Estado e especificamente com o governo.
Outra maneira de enfocar os partidos e que poderia ser adaptada para este trabalho, vincula-se
ao que Pizzorno (1990) chama de trs nveis de anlise. O primeiro, seria vinculado ao que dizem os
partidos (declarao de suas intenes, diferenas dos outros em termos de construes ideolgicas
gerais, linguagem programtica etc.); o segundo, remeteria para o que os partidos tentam fazer e como
eles operam (dever-se-ia levar em conta as presses contra os partidos quando eles esto no governo,
as necessidades de coalizes e compromissos com outras foras sociais e polticas e a importncia da
identificao com o programa submetido ao eleitor); o terceiro apontaria para os resultados efetivos de
suas polticas (onde entrariam, por exemplo, os constrangimentos externos e internos). Poderamos,
ento, associar o primeiro nvel com a funo programtica e o segundo e o terceiro com a funo
governativa, ou seja, respectivamente o que os partidos dizem e o que eles tentam fazer e como
operam e os resultados efetivos quando esto no governo.
A existncia dessas funes ou atividades, por sua vez, tem variado, especialmente com o
regime de governo e o sistema partidrio, assim como a prpria viso sobre a natureza e a importncia
atribuda aos partidos. Quanto a estes, assume grande relevncia um assunto bastante polmico, isto ,
se os partidos ainda teriam ou no um papel decisivo a cumprir atualmente na sociedade e qual. A
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literatura atual sobre o assunto no chegou a um consenso, seja quanto aos partidos no geral seja no
tocante aos partidos brasileiros. A seguir, e iniciando por algumas questes importantes da literatura
internacional, tentaremos mostrar os principais aspectos que, de uma maneira ou de outra, incidem
sobre o nosso tema de estudo, no caso o PT.
Questes gerais sobre os partidos e as funes partidrias
Em importante trabalho, Meneguello (1998)1 sintetiza a concepo predominante da literatura
internacional sobre os partidos polticos e suas transformaes e afirma que a maioria dos estudos
tericos aponta para o seu declnio. Segundo ela, de acordo com esta viso pessimista, estaria havendo
um esvaziamento da funo representativa, principalmente devido grande fora dos meios de
comunicao de massa e uma inadequao dos partidos em relao ao sistema poltico. No caso da
mdia, a prioridade conferida ao personalismo e imagem dos candidatos anularia a mediao
partidria e o pblico passaria a ter uma percepo homognea, sem diferenciar as especificidades e
os interesses organizados.
Essa anlise pessimista sobre o declnio do partido, lembra a autora, decorreria de um enfoque
centrado na funo representativa, uma vez que se tomaria como modelo e padro o partido de
massas.2 Devido a esse procedimento, a ateno seria mais dirigida para as relaes dos partidos com
as bases sociais e levaria decorrente concluso sobre a fragilidade partidria no estabelecimento de
vnculos mais slidos de representao. Uma parte da literatura mais recente, porm, indicaria
mudanas quanto redefinio e priorizao das funes partidrias, acentuando principalmente a
crescente importncia da funo governativa dos partidos. Essa funo apresentaria os seguintes
traos: sobre os processos decisrios e gesto da sociedade, os partidos passariam a ser vistos como
agentes centrais ligando os cidados aos governos democrticos, articulando questes na arena
pblica, definindo as agendas dos governos e influenciando na elaborao de polticas. Os partidos
com grande sustentao eleitoral fariam parte da composio governamental, estabelecendo o
relacionamento executivo-legislativo e desenvolvendo-se ao ocupar o governo.
Em relao ao Estado no geral, a partir do momento em que ele teria passado a ser o elemento
regulador da vida e funcionamento dos partidos (especialmente atravs dos recursos estatais, cargos
pblicos e legislao), estes seriam redefinidos e mudariam a prioridade de suas funes. E como o
Estado funcionaria agora como o locus de sustentao e legitimao dos partidos, as bases de
desenvolvimento da organizao seriam ampliadas e menos concentradas nos vnculos tradicionais
das demandas, ou seja, haveria um deslocamento da atuao partidria da chamada sociedade civil
para o Estado.
1 A sntese da autora, est baseada em grande parte em Katz; Mair (1994) e a principal referncia sobre a funo governativa encontra-se no trabalho da mesma coletnea, no caso Mair (1994). Tambm sobre a literatura internacional, ver Domingues (1998). 2 Como se sabe, a expresso partido de massas, diferente do partido de quadros, tem origem no conhecido trabalho de Duverger (1970).
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Por essa sntese, poder-se-ia dizer, portanto, que a literatura internacional apontaria dois
conjuntos de mudanas dos partidos polticos e que, em alguns pontos importantes, poderiam ser
parcialmente contrapostos, especialmente no tocante ao declnio ou importncia dos partidos e de
algumas de suas funes. Mesmo supondo-se, provisoriamente, que estariam ocorrendo
transformaes destas funes partidrias, seja no esvaziamento da funo representativa seja no
fortalecimento da funo governativa nos termos apontados, algumas questes relevantes e
preliminares tornam-se necessrias, tais como: diante das mudanas dos partidos e do conjunto das
funes, a funo programtica teria tambm declinado ou apenas estaria redimensionada? Os
sistemas de governo, parlamentarista e presidencialista, determinariam as mudanas nos partidos e,
especificamente, nas suas atividades referentes ao programa e atuao no governo? As conexes entre
as funes programticas e governativas, igualmente teriam sido transformadas e em que direo?
Como ficariam situadas as orientaes governamentais dirigidas s polticas pblicas? A anlise seria
vlida para todos os partidos indiferenciadamente?
Se grande parte da literatura internacional ainda adota como modelo o partido de massas e
prioriza a funo representativa para concluir sobre o declnio partidrio, tambm verdade que
grande parte dessa literatura, como regra, tende a generalizar suas concluses baseando-se nos partidos
social-democratas, socialistas ou trabalhistas da Europa Ocidental e nos partidos norteamericanos e
estabelecer, em muitas ocasies, um vnculo direto com os sistemas ou formas de governo
parlamentarista ou presidencialista mais conhecidos.
Podemos tentar, relacionar as questes que introduzimos com algumas das anlises que
consideramos mais significativas do primeiro bloco da literatura que versa sobre o declnio partidrio,
especialmente voltadas para a funo programtica e, quando necessrio, conectando-as com os
sistemas de governo parlamentarista e presidencialista. Em seguida, e ainda focando o programa
partidrio, tambm inserir outros trabalhos que relativizam ou defendem uma viso diferente sobre a
situao dos partidos. Posteriormente, e adotando o mesmo percurso, nos voltaremos para a funo
governativa e alguns vnculos com a funo programtica.
Comearemos priorizando especificamente a funo programtica dos partidos e como ela tem
sido encarada no tocante ao parlamentarismo, depois faremos o mesmo em relao ao
presidencialismo. Observa-se, por exemplo, que as anlises diferenciam-se em alguns aspectos,
variando desde o realce especfico sobre o chamado declnio partidrio da funo de agregao e
representao de interesses e da funo programtica, at a acentuao muito mais dirigida para
transformaes profundas no programa partidrio em particular. Neste caso, sem necessariamente
atribuir s mudanas uma decadncia dos partidos ou algo do mesmo teor.
A origem principal do chamado declnio partidrio tem suas razes, especialmente, num texto
de Kirchheimer (1990) publicado originalmente em 1966 e voltado para a Europa Ocidental e o
sistema parlamentarista. O autor afirma sinteticamente, que aps a II Guerra os velhos partidos
burgueses de representao individual tornaram-se uma exceo. J os partidos de integrao de
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massa, que ele associa em especial com os social-democratas, teriam passado por transformaes e
substitudo a rgida linha de classes ao concentrar sua ateno no sucesso eleitoral: buscando votos
alm de grupos especficos e tentando contemplar a populao em geral; fazendo apelos de carter
desideologizado; sem objetivos polticos claros; vinculando-se introduo de grupos de interesse
visando o apoio eleitoral etc. Tornaram-se, para usar suas palavras, partidos do povo ou catch-all. Para
isto, contribuiram as experincias no governo e as tentativas de ampliar os eleitores. E mesmo
ressaltando que isto seria uma tendncia geral, inclusive influenciando outros partidos, o autor aponta
algumas excees: os partidos comunistas francs e italiano, j que prosseguiam adotando a estratgia
revolucionria e teriam votos assegurados em alguns segmentos de eleitores; os grandes partidos em
pequenas democracias e os partidos de porte menor.
Deve-se ressaltar, que a anlise e as concluses de Kirchheimer (1990) passaram a exercer
uma poderosa influncia na viso sobre os partidos, especialmente no tocante aos estudos sobre o
sistema parlamentarista da Europa Ocidental. Para Przeworski (1989), os partidos social-democratas,
ao se defrontarem com uma srie de dilemas referentes s formas de atingir o socialismo, terminaram
optando pela participao nas instituies polticas e privilegiado, inicialmente, a via eleitoral. Com
isso, tiveram que assumir um compromisso real com as regras do jogo parlamentarista, procurar o
apoio eleitoral em outras classes sociais, reduzir a nfase no proletariado, reinstalar a poltica como
algo fora das classes sociais, buscar a realizao dos interesses imediatos dos eleitores enquanto
indivduos e no mais como membros de classe, solapar a ideologia socialista, renunciar a algumas
bandeiras importantes como a nacionalizao e a socializao dos meios de produo, adiar os
objetivos finais e, posteriormente, abandon-los.
Mas com a anlise de Offe (1984) a partir da Alemanha, que a contribuio de Kirchheimer
(1990) sobre a social-democracia desenvolvida, mais atualizada, detalhada e acrescida de novos
elementos. Para ele, existiriam vrias razes que explicariam o declnio partidrio. A primeira, diria
respeito ao abandono dos princpios de classe e a adoo do objetivo eleitoral e responsabilidades
governamentais dos partidos da II Internacional Comunista. A busca prioritria pelos votos, onde os
cidados seriam vistos abstratamente como um mero votante, teria levado perda de referncias
especficas como classes sociais ou outras. Simultaneamente, a participao das massas no sistema
partidrio (base territorial, competio partidria e representao parlamentar) j estaria esgotada em
grande parte devido a trs tipos de prticas: a emergncia dos novos movimentos sociais (ecolgicos,
pacifistas, jovens, mulheres, de direitos humanos etc.) que cresceram muito na dcada de 1970,
buscavam a autonomia e no a representao, tinham uma viso negativa de poltica e do Estado e
relacionavam-se a contedos polticos que resistiam sua incluso;3 o corporativismo e a
desparlamentarizao da poltica, vigorando a representao funcional de interesses e no mais a
territorial, criando-se os arranjos corporativos com presena mais marcante nas polticas econmicas e
sociais; a represso, excluindo a representao, o impedimento do acesso aos cargos pblicos para a
3 Para maiores detalhes sobre os chamados novos movimentos sociais na Alemanha, ver Evers (1983).
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maioria da populao, o controle dos cidados etc.
Alm dessas prticas, ainda existiria a reorientao estratgica dos partidos, que passaria
tambm a se concentrar na chamada democracia econmica nas empresas, setores industriais, regies,
cidades e outras reas. E, finalmente, questes derivadas diretamente do Walfare State, em que os
partidos terminariam herdando o nus de alguns problemas importantes como o crescimento da dvida
pblica, problemas ambientais etc. O fim dos partidos ideolgicos de classe e confessionais, que eram,
simultaneamente, partidos e movimentos sociais, por sua vez rebateria diretamente sobre o programa
partidrio. A perspectiva eleitoral e de cargos governamentais levaria a que a vontade do povo
deixasse de ser expressa e isto produziria trs efeitos principais: a desradicalizao ideolgica do
partido, que passaria a orientar os programas para o mercado poltico, minimizando os elementos
programticos para no criar antagonismos com os eleitores; a reduo das propostas polticas para
no desagradar os parceiros das coalizes e, como efeito combinado, a dissoluo do objetivo poltico
coerente e gradualista, priorizando o que poderia ser implementado a curto prazo. Alm do mais, a
transformao do partido numa organizao altamente burocrtica e centralizada (recursos materiais e
humanos, posio do partido sobre muitos temas diferentes e identificao de novos temas como se
fossem produtos diferentes no mercado etc.), provocaria o afastamento das bases partidrias e levaria
a um menor debate interno sobre a determinao das polticas. Esse processo, por sua vez, estaria
ligado transformao do partido anterior em partido catch-hall (desideologizao, heterogeneidade
dos filiados etc.) devido apelao para demandas e preocupaes diferentes e provocando a perda de
identidade coletiva ( em funo do apelo eleitoral para antigos e novos grupos sociais). Esses trs
efeitos, provocariam tambm o controle dos assuntos e da agenda e a limitao, no explcita, do
contedo das polticas.
Como se buscaria agora a aceitao por parte de todos, o vnculo com categorias scio-
culturais teria sido excludo, passando-se tambm a silenciar em questes centrais como a
programtica de ao estatal e omitindo-se contra quem ela seria dirigida. O programa dos partidos
(social-democrata, liberal, cristo ou conservador) deixaria de facilitar a identidade coletiva, as regras
de coordenao entre posio social e orientao poltica. Os temas partidrios, seriam afastados dos
interesses mais ligados vida e identidade dos cidados.
Em relao novamente ao Welfare State, tambm seriam notadas algumas mudanas no
programa partidrio, tais como: com a aceitao do acordo de classes, as organizaes operrias
(partidos e sindicatos) reduziriam e transformariam as demandas e projetos em um programa bem
diferente daqueles das II e III Internacional Comunista; os temas do conflito no mbito partidrio e
parlamentar passariam a ser fragmentados, no polarizantes e secundrios; o conflito industrial seria
mudado, afastando o radicalismo poltico, conduzindo ao economicismo e tornando o conflito mais
centrado apenas no plano da distribuio e no no modo de produo capitalista como um todo. O
conflito passaria a ser dirigido agora para o crescimento econmico e segurana social e no mais
versando sobre o controle, produzindo-se, igualmente, um relativo consenso entre as prioridades da
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economia, como o crescimento, e surgindo uma espcie de comunidade de interesses entre as classes.
Podemos agora, a partir da sntese do pensameanto do autor, fazer algumas observaes
iniciais. A primeira delas, e que no deixa dvida, que a funo programtica, devido s
transformaes ideolgicas dos partidos, estratgia eleitoral e respectiva indiferenciao, teria
entrado num processo de esvaziamento. A segunda, que a mudana e o abandono dos princpios
programticos anteriores, passariam a projetar-se na funo governativa, uma vez que se priorizaria no
exerccio de governar, muito mais o crescimento econmico, a segurana social e outros temas
circunscritos ao universo do sistema capitalista. Diramos que, se o raciocnio do autor for levado ao
extremo, as diferenas entre as funes programtica e governativa estariam reduzidas conhecida
dicotomia entre governar dentro do sistema capitalista ou no governar. Em outras palavras, no
capitalismo no haveriam funes programticas diferentes entre os partidos se no visassem o fim do
sistema. E, ao mesmo tempo, seria impossvel governar de uma outra maneira que no aquela para
legitimar e reproduzir este mesmo capitalismo.
Ainda poderamos, tentar depreender alguns dos provveis desdobramentos especficos a
partir das concluses do autor. Nesse sentido, seria possvel deduzir que o exerccio de governar ou a
funo governativa no sistema capitalista, junto ao objetivo eleitoral, levaria a que as polticas
formuladas ou implementadas pelos distintos partidos no governo no produziriam efeitos muito
diferenciados. E como as propostas dos chamados novos movimentos sociais resistiam a ser
incorporadas ao Estado, isto , formuladas em termos de polticas pblicas, isto terminaria, direta ou
indiretamente, fazendo tambm com que outra modalidade de representao de interesses, no caso o
neocorporativismo, passasse a ter um peso marcante nas polticas econmicas e sociais. J os partidos
governantes, por herdarem o nus do Welfare State, terminariam desgastados no exerccio do
mandato. E, devido aos objetivos eleitorais e s coalizes, evitariam polticas pblicas de carter mais
transformador e de longo prazo. Quanto aos temas, alm de excessivamente diversificados,
secundrios, fragmentados, no polarizantes e sem radicalismo poltico, seriam afastados da vida
cotidiana e da identidade do cidado, inclusive circunscrevendo-se aos limites do crescimento
econmico e segurana social, ou seja, reduzidos ao mbito da distribuio e no mais, como antes,
englobando o modo de produo capitalista no seu conjunto.
Alguns dos pontos relevados por Offe (1984), embora analisados com contedo terico
distinto, limitados a alguns temas e abordados de forma diferente, tambm so tratados por Lawson
(1994) e remetem, igualmente, para o enfraquecimento dos partidos. Para o autor, estaria se assistindo
a um declnio dos partidos, pelo menos em relao aos mais importantes e isto decorreria,
fundamentalmente, da no adoo de formas aceitveis de linkage (interao, conexo etc.) entre os
partidos e os cidados. Como desdobramento, emergiriam organizaes alternativas onde os partidos
estariam falhando, seja tratando de temas excludos por esses ou mesmo, em alguns momentos, agindo
de forma diferente no processo eleitoral, isto , essas organizaes atuariam como agncias substitutas
de linkage entre os cidados e o Estado e, simultaneamente, adotando outro tipo de linguagem poltica
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fora dos partidos. Mas essas organizaes alternativas, no caso as ambientalistas, suplementares,
comunitrias e autiautoritrias, seriam marcadas, como regra, pela existncia de poucos membros,
durao limitada, diminutas possibilidades de crescimento e tendentes a desaparecer devido ao
fortalecimento contnuo de outros partidos no sistema. Neste sentido, e no obstante faa apenas uma
simples referncia, o autor abre a possibilidade do fortalecimento de outros partidos, mesmo que no
destaque a emergncia de novas agremiaes que pudessem contemplar as questes colocadas por ele.
Outros autores, mesmo adotando parcialmente algumas das mudanas apontadas por Offe
(1984), no fazem a mesma anlise deste e nem chegam a concluses semelhantes. As transformaes
na sociedade como um todo e, em particular, na ideologia e no programa partidrio, por exemplo, so
tambm apontadas por um dos principais tericos do chamado eurocomunismo, Cerroni (1982).
Segundo ele, atualmente no se pensaria mais o programa como uma inveno doutrinria com textos
de catequese, atualizada em congressos e para ser aplicada. A intensificao dos processos de
modernizao levaria a que o programa deva ser sempre e apenas para mdio e curto prazo e, ao
mesmo tempo, absorvendo atualizaes que o partido no poderia fazer sozinho. Passaria a existir a
necessidade de vnculos com a cincia e a articulao com os programas polticos a longo prazo, isto ,
para o autor, o fundamental agora seria um modelo sem a realizao de uma doutrina poltico-social
que comandasse o processo scio-poltico. As ideologias no precisariam ser vistas como mecanismos
rgidos e canonizantes, mas vlidas apenas no sentido de snteses dcteis e provisrias num mundo
sujeito a verificaes. Assistiramos tambm, ao fim do programa-doutrina e da catequese dos
quadros, requerendo-se mais conhecimentos setoriais e especializados, j que o programa do partido
atualmente seria mais analtico e de mdio e curto prazo e no mais de longo alcance. No se assistiria,
contudo, ao fim das ideologias, mas das ideologias dogmatizadas e o partido deveria ser, atualmente, o
portador de um programa mais rico em termos culturais e universais.
Passando para outro trabalho, no caso o de Epstein (1993), observa-se que o autor tambm
concorda que ocorreram mudanas significativas nos partidos, embora termine separando, no
fundamental, o campo ideolgico do programtico.4 Para ele, dever-se-ia estabelecer a diferena entre
partido ideolgico-doutrinrio e partido programtico, mesmo que, no senso comum, muitas vezes
pudessem ser confundidos. Um partido ideolgico, seria mais diretamente vinculado a sistema de
valores, com propsitos de longo prazo e uma posio intelectualizada e rgida. J o partido
programtico geralmente estaria associado com organizaes de massa, com ativistas e militantes que
no priorizariam os cargos e relacionariam diretamente o programa a uma causa e no a benefcios
materiais. A primazia dos cargos, portanto, geralmente apontaria para partidos com programas pouco
desenvolvidos.
Um partido programtico pressupunha, primariamente, que ele fosse um elaborador de
polticas, que isto seria essencial e que as mesmas fizessem parte de um programa, mesmo que o
partido no ganhasse as eleies. Nesse sentido, o programa funcionaria como uma espcie de
4 Como veremos depois, conceituamos o programa como algo mais amplo e envolvendo tambm a ideologia.
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substncia das polticas e o partido atuaria como uma agncia de elaborao destas que, por sua vez,
deveriam ser consistentes com os objetivos partidrios e, evidentemente, parte de um programa.
Embora nenhum partido fosse puramente programtico, as polticas no poderiam ser muito
genricas, agregadoras de interesses demasiadamente amplos e circunscritas s eleies e, ao
integrarem um programa, distinguiria os partidos. E mesmo que algumas delas fossem adicionadas
posteriormente, os conflitos de valores e a diversidade de interesses (classe trabalhadora industrial,
agrupamento de comerciantes e outros) seriam importantes para a existncia de partidos. Em outras
palavras, poderamos afirmar que Epstein (1993) no reduziria o programa partidrio a programa
eleitoral, a manifesto ou plataforma durante o processo eleitoral, mas o associaria diretamente s
polticas pblicas.
O autor vai mais alm e chega, inclusive, a tratar especificamente da funo governativa dos
partidos polticos. Para ele, essa funo estaria diretamente vinculada ao sistema de governo. No caso
do parlamentarismo, a responsabilidade dos partidos para governar seria bem maior, como na
Inglaterra e, devido ao tipo de eleies, no presidencialismo americano os partidos no teriam
responsabilidade para o exerccio de governar.
Prosseguindo na sua anlise, Epstein (1993), mesmo ressaltando os diferentes tipos de
parlamentarismo, lembra que seria neste sistema, tambm devido ao tipo de eleies, que a autoridade
executiva dependeria da maioria no Legislativo. A troca nas linhas partidrias, por exemplo, levaria
igualmente mudana no Executivo. E isto seria explicado, devido ao maior incentivo para a coeso e
a responsabilidade partidrias para sustentar a autoridade executiva como na Inglaterra. O que se
poderia concluir, se partirmos do autor, que, no limite, a existncia e solidez das funes
programtica e governativa guardariam uma estreita relao com o sistema de governo e seria com o
parlamentarismo que as referidas funes partidrias teriam uma maior importncia. Alm do mais,
como o autor procura excluir a ideologia do programa e acentuar a elaborao de polticas, diramos
que a integrao das duas funes dar-se-ia, de uma maneira ou de outra, atravs destas mesmas
polticas governamentais e elas atuariam,a nosso ver, como uma espcie de mediao.
J para Beyme (1986), o que estaria havendo seria muito mais algumas mudanas na funo
de busca de objetivos (ideologia e programas), ou simplesmente funo programtica, como se
chamaria comumente. Antes, na poca das grandes interpretaes ideolgicas, os partidos conseguiam
membros a partir da atrao da sua ideologia e programa. Mas, com as mudanas posteriores, alguns
observadores passaram a considerar que esta funo no estaria sendo desempenhada de maneira
satisfatria devido desideologizao dos partidos populares. Poder-se-ia dizer que, com a crescente
importncia dos meios de comunicao de massa, a ideologia sofreria uma reduo na sua capacidade
de captao e de sua funo educativa e socializadora a partir do incio dos anos de 1950. O que no
levaria, para ele, ao fim das ideologias, mas muito mais a uma reideologizao dos partidos. Tanto
seria assim, que o autor chega a inserir os partidos em famlias ideolgicas, apontando os partidos
liberais, radicais, conservadores, socialistas, social-democratas, comunistas, camponeses, tnicos,
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regionais e o movimento ecologista.
A competio ideolgica seria dada em outros campos, j que no passado os grandes sistemas
de crena excluiriam as alternativas vinculadas a qualquer tipo de ao e no falariam do mesmo tema.
Predominando anteriormente, a dicotomia entre as vises tradicionais e religiosa e as esperanas numa
futura sociedade socialista. Depois, esta competio passaria a ser ligada a efeitos prticos e os
elementos ideolgicos dos programas partidrios estariam cada vez mais operativos, mais
competitivos e discutidos no mesmo plano. Ao mesmo tempo, teriam sido introduzidos elementos
intercambiveis entre os partidos, levando a que estes no fossem mais caracterizados por uma
negao total, apesar de ainda aparecerem contraposies nos confrontos das campanhas eleitorais.
Alm do mais, seria notada a presena de novos campos da poltica antes considerados
apolticos e que entrariam na agenda dos partidos, acabando-se, desta feita, com a unilateralidade e a
especializao partidrias. Assim, ressalta o autor, os socialistas no esperariam a piora das condies
de vida para acelerar o socialismo, os democrata-cristos no mais se apegariam exclusivamente aos
problemas de polticas familiar e educativa quando lutavam contra os liberais e estes, apesar de
continuarem defendendo o livre mercado e um humanismo no geral, precisariam ento posicionar-se
sobre detalhes da poltica social que era to distante de sua ideologia. Em outras palavras, teria se
perdido em coerncia ideolgica, mas ganho em competio, e os cidados, organizados em
movimentos de protesto ou outras formas, transmitiriam seguidamente novos pontos programticos
aos partidos polticos.Ainda segundo ele, a mudana da funo programtica igualmente se
relacionaria transformao na funo de articulao de interesses, j que hoje existiria uma maior
discusso aberta dos programas no interior dos partidos e, no como antes, em que os partidos
socialistas e cristos isolavam a maioria da administrao das verdades eternas.
Como se observa, o autor aponta algumas mudanas, critica o chamado fim das ideologias,
nega a decadncia dos partidos, ressalta algumas modificaes relevantes na funo programtica,
especificamente no contedo e tratamento dos programas dos partidos. Mesmo centrando sua anlise
no sistema parlamentarista e focalizando os partidos governantes atravs da coalizao no parlamento,
agrega alguns elementos significativos sobre a funo governativa. Para o autor, o importante seria
observar se a poltica realizada pelos diferentes gabinetes e coalizes expressaria diferenas, ou seja,
se existiria a influncia dos partidos sobre os outputs e como este dependeria deles no tocante s
decises no sistema. Desta feita, o centro da anlise teria se deslocado dos inputs da sociedade para o
processo decisrio.
Mas Beyme (1986) introduz tambm alguns elementos sobre a funo governativa, ao falar
sobre a necessidade de se medir a influncia dos partidos no governo. Ele lembra, por exemplo, que os
gastos, no momento eleitoral e em perodos de crise, dentre outros, deveriam ser levados em conta. E
que os partidos, apesar das dificuldades para mostrar as distines, teriam posturas diferentes entre si,
como as preferncias por algumas polticas e cargos, que apresentariam variaes de acordo com a sua
especializao. Alm do mais, ressalta que, devido s coalizes, os socialistas poderiam ser obrigados
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a abandonar seus princpios, apesar de que, em funo das poucas informaes sobre sua existncia e
a dos comunistas na condio de maioria de governo, a anlise sobre o assunto ficaria prejudicada.
Passemos agora para o importante trabalho de Budge e Keman (1990), em que eles,
focalizando sua ateno na funo governativa, estabelecem tambm o vnculo com a funo
programtica. Para os autores, mesmo criticando o espao unidimensional que situa os partidos no
continuum esquerda-direita e como algo invariante, o que levaria a considerar que eles seriam
unidades indivisveis, a ideologia no teria deixado de existir. Os conflitos, desta forma, no seriam
reduzidos ao referido continuum, sendo necessrio, tambm, para entender as propostas e as posturas
dos partidos, confront-los com variadas situaes como as de crise. Em outras partes do trabalho, os
autores situam os partidos em famlias ideolgicas, ou seja, os conservadores, os liberais, os religiosos
e os socialistas, incluindo-se tambm neste caso e em alguns pases os trabalhistas, a democracia
social, a social-democrata e os comunistas. Observa-se que os autores colocam como socialistas uma
gama muito grande de partidos e consideram os partidos liberais, conservadores e democrata cristos
como burgueses.
Alm do mais, Budge e Keman (1990) distinguem os partidos que estariam ligados a uma
ideologia e grandes interesses gerais e outros mais conectados somente a uma ou outra questo
(regional etc.). Ressaltam tambm que existiriam distines importantes entre os programas de
partidos governantes socialistas/progressistas e partidos burgueses, mas, ao mesmo tempo, destacam a
importncia de se trabalhar diferenas especficas, que iriam variar com as circunstncias e as
respostas respectivas dadas pelos partidos. Na verdade, continuariam a existir os diferentes interesses
de classes, porm ter-se-ia que levar em conta, igualmente, outros aspectos como a etnia, interesses
regionais, novas modalidades de conflito ligadas moralidade e a dicotomia socialistas-burgueses
teria validade, especialmente quando se estivesse em situao de confronto entre estes dois grandes
polos partidrios.
Como os autores trabalham principalmente com o partido governante ou funo governativa,
teramos que ver quais relaes poderiam ser estabelecidas com a funo programtica. Em primeiro
lugar, e este ponto central, as motivaes dos partidos para participarem do governo no seriam os
cargos por si s, mas atravs destes que seriam viabilizadas as polticas dos partidos, isto , o central
seriam as polticas. Em segundo, ao serem consideradas as diferenas entre a ideologia e as propostas
dos partidos, bem como as variadas situaes que estes poderiam enfrentar, se teria uma idia
preliminar dos condicionantes das distintas polticas governamentais. Em outras palavras, a influncia
dos partidos na formulao e implementao das polticas governamentais no ficaria circunscrita ao
tipo e momento da formao da coalizo governamental no parlamentarismo, sendo muito mais
importante as preferncias por reas e ministrios especficos correspondentes a estas (os socialistas
procurariam os ministrios ligados ao trabalho etc.). Em terceiro, os efeitos das ideologias no seriam
os mesmos, podendo incidir sobre questes especficas, uma questo central, conjunto de questes ou
posturas diferenciadas na presena de forte perigo para a democracia. Desta feita, portanto, no
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haveria um s caminho e nem um nico tempo como asseguraria a anlise unidimensional sobre os
partidos.
Como deve ter sido notado, a maioria dos autores citados e que tratam do sistema
parlamentarista apontam algumas transformaes nos partidos e enfatizam, em vrias ocasies, a
funo programtica. J na funo governativa, o centro da ateno tem sido muito mais voltado para
os vnculos com o parlamento e formao do governo atravs de coalizes. Uma vez visto as relaes
mais importantes entre o sistema parlamentarista e as funes programtica e governante dos partidos
polticos, poderemos adotar o mesmo procedimento no tocante ao presidencialismo.
A primeira observao preliminar e de carter geral que devemos fazer diz respeito ao fato de
que tambm no presidencialismo e, como regra, generaliza-se a partir de um nico modelo ou padro
consagrado. A segunda, que o padro adotado tem sido, principalmente, os partidos norteamericanos.
A terceira, a existncia de um certo consenso na literatura. Quanto ao perfil desses partidos h pouca
necessidade de recorrermos a muitos trabalhos, uma vez que as diferenas aparecem muito mais em
nuanas ou nfase em aspectos variados e no so to importantes para nossos propsitos.
Inicialmente, devemos lembrar que o presidencialismo dos Estados Unidos apresenta algumas
particularidades. Uma delas, seu carter federativo que estimula e condiciona a existncia de
negociaes polticas entre os planos nacional, estadual e local,. A Corte Suprema, por sua vez, tem
um papel e um peso muito importante e os dois partidos principais apresentam poucas distines entre
si.5 Autores como Epstein (1993), consideram que haveria um declnio partidrio ao se comparar a
oportunidade que os modernos meios de comunicao de massa ofereceriam ao Presidente no sistema
de separao de poderes. Para o autor, o Presidente americano tornar-se-ia mais importante que o
partido, conseguindo grande apoio do pblico no partidrio e dos partidos no Congresso, mesmo
quando sua agremiao no atingisse a maioria. Isto decorreria, por sua vez, do sistema de separao
de poderes e da eleio independente do Executivo: o Presidente teria maior poder de criar polticas do
que a liderana do partido majoritrio; o tipo de eleio conferiria ao chefe do Executivo a liderana
efetiva do partido; sua liderana cresceria por causa do seu poder de nomear e ele se tornaria o lder
devido ao cargo no Executivo. Em algumas questes, como as polticas monetria e fiscal, o
Presidente procuraria aparentar o desempenho de um vnculo no partidrio, como se a sua
identificao fosse com a nao como um todo e no com os partidos.
Ainda seguindo o mesmo raciocnio, o Executivo buscaria o apoio do seu partido no
Legislativo para promover suas polticas, o que poderia tentar tambm atravs dos demais. Os
partidos americanos, quando elaboram polticas, o fariam apenas em perodos eleitorais para ganhar o
pleito ou somente apoiariam polticas ad hoc. Por isto no agiriam como agncias de polticas
pblicas, uma vez que seriam muito mais os grupos de interesse, administradores individuais ou o
prprio Executivo que se vinculariam mais diretamente com a elaborao de polticas. Os partidos
americanos, como regra, no seriam governantes e programticos e o Executivo ocuparia um lugar
5 Sobre estas particularidades norteamericanas, ver dentre outros, Linz (1991).
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central nas polticas.6 Neste sentido, ao se tom-los como padro, no haveria incentivos suficientes
para as funes programtica e governamental. O que levaria a que os partidos, neste sistema, no
tivessem relevncia para a orientao das polticas adotadas por governos eleitos por eles mesmos.
Quanto anlise mais recente sobre as transformaes dos partidos, indicada por Meneguello
(1998) e vista em parte, constitui o segundo bloco da literatura e pode ser centrada em Mair (1994) por
ser o principal autor. Nesse caso, em que a funo governativa passa a ocupar um lugar de destaque,
ela tambm respinga direta ou indiretamente sobre a funo programtica e mesmo dirigindo sua
ateno na funo governativa o vnculo entre partido e polticas governamentais passa a ser
secundrio. Para Mair (1994), no estaria havendo declnio partidrio, pois esse enfoque tomaria o
modelo e o padro de partidos de massa como referncia central, mas o deslocamento do partido do
campo da sociedade civil para o Estado. A transformao bsica do partido remeteria para um outro
eixo de atuao, ou seja, levando ao extremo, ao invs do partido representar os interesses da
sociedade civil ele agiria, de certa forma, como um intermedirio entre o Estado e a sociedade. Como
o autor considera que o partido, agora, retiraria seus recursos (especialmente os recursos financeiros e
cargos) e legitimidade do Estado, passaria a ser regulado por ele e o programa partidrio, por este
raciocnio, estaria tambm descolado em grande parte da sociedade civil. No por acaso que
acentuada tambm a crescente importncia dos consultores e especialistas ligados aos partidos e que,
de relance, atribua-se ao partido poltico um estilo shumpteriano, isto , um intermedirio e agente
relativamente autnomo entre a sociedade civil e o Estado que buscaria, atravs das eleies, os
recursos estatais.
Em um outro trabalho, Katz e Mair (1995)7 tambm sugerem a concluso que apontamos e o
que eles chamam de partido de cartel caracterizaria uma disputa eleitoral onde a prioridade residiria na
sobrevivncia da organizao e seria pautada por questes de capacidade administrativa. Os autores
afirmam ainda que os partidos, ao se ligarem mais diretamente ao Estado, passariam tambm a
defender as polticas estatais perante o pblico.
Embora Mair (1990) anteriormente tenha chegado a falar, de relance, do programa do partido
trabalhista ingls e classificado anteriormente os partidos entre aqueles de esquerda e partidos
burgueses,8 sua anlise, no limite, pode conduzir concluso sobre a inexistncia ou esvaziamento da
funo programtica. Em primeiro lugar, como o partido teria se descolado em grande parte da
sociedade civil, essa funo desapareceria ou estaria em vias disto. Em segundo, como agora o partido
estaria integrado ao Estado, o programa partidrio, devido ao descolamento de suas relaes
tradicionais com as bases partidrias e forte e crescente presena de consultores e especialistas
terminaria, levando novamente ao extremo, sendo elaborado principalmente por estes e o programa,
quando muito, marcaria sua presena apenas nos momentos eleitorais. O partido, portanto, disputaria
eleies para conseguir recursos do Estado e desta maneira, diramos, fortaleceria a funo 6 Cf. Epstein (1993). Mesmo acentuando mais a autonomia do Executivo perante ao Congresso como um todo e no especificamente no tocante aos partidos, ver tambm Dahl (1991). 7 A respeito deste trabalho, consultar tambm a sntese de Domingues (1998).
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governativa. Os partidos governantes estariam adotando um estilo comum e, no geral, convergentes e
pouco diferenciados.E os partidos europeus, tendendo cada vez mais descentralizao e campanhas
eleitorais baseadas muito mais nos candidatos e assemelhando-se aos partidos americanos. 9
O que se pode deduzir, de uma forma ou de outra, que para o autor a funo programtica
estaria em declnio e, simultaneamente, ocorrendo o fortalecimento da funo governativa no sentido
apontado. Somente dessa forma que poderamos entender porque ele no se refere funo
programtica de maneira mais explcita e acentuada. O problema, entretanto, como separar as duas
funes, uma vez que, pelo menos no tocante aos partidos europeus, os cargos partidrios ainda se
vinculam s polticas dos diferentes partidos. Apesar de possveis excees, os partidos tm polticas
para governar e procuram, ao assumir os cargos, adot-las durante o perodo em que governam e
diferenciam-se em algumas ocasies, em pontos centrais e variados como a poltica econmica. Em
outras palavras, diramos que a funo governativa terminaria funcionando como uma espcie de
prolongamento da funo programtica ao incluir tambm a elaborao de polticas. E, ao mesmo
tempo, o continuum esquerda-direita continuaria presente, embora mais matizado e reduzido.
A anlise de Mair (1990; 1994), alm de subestimar a funo programtica, termina
generalizando em demasia. Primeiro, porque seu enfoque est centrado no que ele conceitua como
partidos governantes, o que implica um vnculo bem mais estreito com o Estado e as consequncias
disto para a caracterizao dos partidos no geral. Segundo, como de hbito em grande parte da
literatura, toma como padro os partidos europeus e americanos e projeta para o restante. Mais
recentemente, Mair (2000) atualiza seus trabalhos anteriores, inclusive deixando mais claro alguns
pontos que estavam apenas insinuados ou pouco desenvolvidos. Inicialmente, ele afirma que estaria
havendo uma despolitizao da poltica, j que algumas responsabilidades governamentais estariam
sendo transferidas para as decises do Parlamento Europeu, para organizaes independentes e
tambm para as comisses de especialistas. Alm do mais, os governantes, ao transferirem os recursos
para as autoridades judiciais e adotarem referendos populares, de certa maneira evitariam tomar
decises.
Essa despolitizao da poltica, de uma maneira ou de outra, ainda segundo o autor, estaria
relacionada especialmente s democracias consolidadas h muito tempo, ao fim dos partidos de massa
e ao desencanto geral com os partidos, pelo menos em relao aos mais importantes e tradicionais.
Partindo da Europa e especificamente do parlamentarismo, retoma alguns pontos centrais j citados e
agrega outros, deixando mais claro sua viso. Para elo autor, os partidos, cada vez mais, estariam
ficando indiferenciados do ponto de vista ideolgico e programtico e os prprios eleitores no veriam
distines significativas. Ligado a isto, estaria se assistindo a algumas mudanas importantes e
expressivas, tais como: um declnio significativo do nmero de filiaes partidrias em quase todas as
democracias consolidadas, com exceo de democracias mais recentes como Portugal, Espanha e
Grcia; uma reduo do nvel da militncia; uma diminuio da participao eleitoral. Alm do mais, 8 Ver, Mair (1990).
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as pessoas no geral teriam iniciado um afastamento dos partidos devido busca desenfreada dos
mesmos por cargos pblicos, j que estariam perdendo sua identidade (semelhantes no Parlamento ou
no Estado) e reduzindo-se, desta forma, a seus dirigentes. Cada vez mais, os partidos (pelo menos os
maiores e tradicionais) estariam tornando-se semelhantes e perdendo a identidade ideolgica ou
programtica e isto derivaria, em parte, da eroso dos seus perfis eleitorais, da mesma estrutura
organizativa, propaganda eleitoral, formas de comunicao etc. Igualmente, haveria uma tendncia
perda das caractersticas individuais dos partidos e de sua identidade estratgica dos mesmos, inclusive
porque todos atualmente estariam no governo ou cultivariam esta perspectiva. Mas isto, diz o autor,
no significaria o fim dos partidos, mas o fim da era dos partidos de massa, as mudanas das funes
dos partidos e a respectiva desnecessidade da funo representativa e de expresso e agregao de
interesses, que passaria, agora, a ser desempenhada por outras associaes e movimentos
independentes dos partidos e atravs dos meios de comunicao de massa.
Isolada a funo governante das demais e descartada a importncia da funo representativa
dos partidos, restaria perguntar: e a funo programtica? E neste ponto que o pensamento do autor
transparece mais ainda. Para ele, os partidos estariam tornando-se cada vez menos necessrios nessa
atividade, uma vez que especialistas ou organizaes no polticas poderiam elaborar o programa
poltico. E, como os governos, progressivamente, seriam de todos e no de uma parte, os partidos
teriam, agora, pouca utilidade. Pelo menos os grandes e tradicionais partidos estariam indiferenciando-
se cada vez mais em relao ideologia e programa, decorrendo isso parcialmente da mudana do
perfil do seu eleitorado em funo das trocas de lealdades, ou seja, cada vez seria menos relevante a
idia de que os partidos representariam foras polticas opostas, at porque os eleitores no veriam
mais diferenas ideolgicas e programticas entre os mesmos.
Ao mesmo tempo que ocorreria uma indiferenciao ideolgica e programtica, a funo
governativa estaria tornando-se mais forte, importante, ampliada e atual para os partidos. Como os
mesmos teriam se deslocado da sociedade para o Estado, o fariam tambm no sentido de passarem de
funes de entidades representativas para funes de entidades governamentais. E o autor afirma que
no parlamentarismo isto seria evidente, pois os governos geralmente seriam formados atravs de
coalizes, o que supe um apoio disciplinado no Parlamento. Alm do mais, tambm na funo
governativa os partidos atuariam na organizao do parlamento e do governo, seriam necessrios na
organizao das prticas legislativas, no funcionamento dos comits legislativos e no acordo cotidiano
referente ao programa legislativo, na administrao do Estado quando governassem e no controle da
mesma administrao quando se encontrassem na oposio.
Esse papel processual ou funo governativa, que seria onde os partidos atuariam melhor,
ainda teriam como caractersticas o fato de eles interessarem-se cada vez mais pelos cargos pblicos e,
como decorrncia, perderem sua identidade ao tornarem-se idnticos no Parlamento e no Estado. Os
governos, por sua vez, estariam deixando de ser de uma parte ou de partido para se converterem em
9 Consultar Mair (1994).
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governo de todos, e os partidos, atualmente, inimigos por um tempo, teriam encontrado um terreno
comum de governo. Finalmente, para Mair (2000), pelo menos no mundo econmico
internacionalizado e globalizado, especialmente na Unio Europia, cada vez mais os partidos
estariam obrigados a compartilhar programas e decises e, quando no governo, colaborariam na sua
realizao. As diferenas dos partidos seriam mais retricas e eleitorais, mas no governo mostrar-se-
iam cada vez mais semelhantes. Os diferentes governos, seriam fortemente guiados mais por
regulamento e no orientados por polticas de faco ou de partido.
O que fica claro que, para o autor teriam acabado, no fundamental, as diferenas ideolgicas
e, na esteira, as distines nas funes representativas e programticas. Ao mesmo tempo em que estas
duas funes e atividades deixariam de ser necesssrias, os partidos adquiririam uma grande
importncia na funo governativa que seria, alis, o seu futuro. Mas a referida funo, e este ponto
relevante, no se alimentaria mais das demandas da sociedade e nem de formulaes ideolgicas e
programticas dos diferentes partidos, mas dos cargos ocupados no governo e da sua insero nas
instituies estatais. Como se os partidos, diramos, no tivessem mais um papel a cumprir nas
orientaes das polticas governamentais e estas perdessem o vnculo com a sociedade como um todo.
Neste sentido, poderamos deduzir que no haveria razo para uma anlise das polticas
governamentais dos diferentes partidos, j que, em ltima instncia, elas seriam semelhantes e
pautadas de forma idntica, isto , os partidos governantes governariam da mesma maneira e numa
nica direo. No limite, poderamos concluir que os partidos governariam como nos Estados Unidos,
j que, mesmo baseando-se no parlamentarismo europeu, o autor termina generalizando e tomando
como padro os partidos norteamericanos (candidaturas individuais, substituio das mensagens
partidrias pela mdia etc.), mesmo que no os cite explicitamente.
Sintetizando, no que se refere literatura internacional afirmaramos que, a grosso modo, trs
aspectos fundamentais poderiam ser destacados. Em primeiro lugar, existem os trabalhos que de uma
forma ou de outra consideram que as transformaes dos partidos remeteriam ao fim das clivagens
ideolgicas e, por extenso, indiferenciao e ao declnio dos partidos. O que levaria, desta feita,
desimportncia do programa, do papel dos partidos no governo e inexistncia de orientaes
partidrias para as polticas governamentais fundamentadas por eles.
O segundo ponto a ser ressaltado que, mesmo admitindo-se algumas das mudanas
importantes por que teriam passado os partidos, nem por isto haveria um declnio deles e nem da
ideologia . Assim, vrios trabalhos enfatizam muito mais uma espcie de reorientao das funes
programtica e governativa, abrindo uma grande possibilidade, a nosso ver, de analisar, a partir da
reviso de questes antigas ou da introduo de novos elementos, os programas e as orientaes
partidrias para os governos. Com isto, diramos, os partidos, ou pelo menos alguns deles, passariam a
readquirir tambm um papel significativo como elaboradores de propostas e orientadores de polticas.
No tocante ao terceiro aspecto, termina-se reduzindo os partidos funo governativa nos
termos referidos e diluindo-os na esfera do Estado. Com isto, a funo programtica, de certa forma,
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fica circunscrita a profissionais especialistas e distante dos vnculos com o conjunto da sociedade e das
elaboraes partidrias como um todo. E a funo governativa, ao se guiar mais ou menos pela mesma
lgica, termina excluindo, no fundamental, a influncia dos partidos nas diretrizes das polticas
pblicas.
Mas essa literatura, como regra e j assinalado, tem algo em comum, no caso a adoo de
modelos ou padres partidrios referenciados no sistema parlamentarista da Europa Ocidental e no
presidencialismo norteamericano. Isto no significa, em absoluto, que deveramos neg-la e deixar de
aproveitar as relevantes contribuies dos trabalhos citados e de outros, mas levar na devida conta as
particularidades de partidos em outros contextos e estabelecer, dentro do possvel, os necessrios
cotejamentos como tenta-se fazer em relao ao PT no Brasil, tanto em relao funo programtica
quanto governamental, especialmente no que tange s orientaes gerais para as polticas de seus
governos municipais.
Para se ter uma idia, caso reduzssemos a anlise das referidas funes ao regime
parlamentarista, ficaramos impossibilitados de entender o carter programtico e governativo do PT,
uma vez que esse partido atua num sistema presidencialista. Por outro lado, ao se tomar os partidos
americanos como padro do sistema presidencialista, no existiriam propriamente programas
partidrios e a funo programtica praticamente no teria importncia, ou, quando muito, apenas
atravs de plataformas no perodo eleitoral. E a mesma idia tornar-se-ia idntica em relao funo
governativa, o que poderia, se a lgica fosse conduzida ao extremo e aplicada ao Brasil, levar
concluso que seria intil ou pouco relevante qualquer tentativa de analisar o mesmo PT. Em outras
palavras, suas transformaes ao longo do tempo no afetariam e nem redirecionariam de maneira
importante e significativa as propostas partidrias, seu programa nacional careceria de particularidades
e relevncia que merecesse uma anlise e seus governos no se baseariam nas orientaes
programticas para levar a efeito suas polticas.
As questes sobre os partidos no Brasil
Apesar de fugir aos nossos propsitos estabelecer uma comparao entre os partidos
brasileiros e, menos ainda, do PT com outros de diferentes pases, importante mencionar de
passagem algumas distines gerais a este respeito. Pensando-se em termos de presidencialismo, no
caso o sistema de governo brasileiro, vale a pena registrar que existe, pelo menos como exceo, um
certo reconhecimento por parte de alguns autores quanto a algumas distines entre os partidos latino-
americanos e os dos Estados Unidos. Chega-se a dizer que neste pas haveria uma estrita separao de
poderes e que, na maioria dos pases latino-americanos, o trao mais importante seria uma
preponderncia presidencial ou presidencialismo preponderante, onde o central, neste ltimo caso, se
expressaria atravs da capacidade real do Presidente de liderar as transformaes aps as transies
polticas. A definio do sistema de partidos, por sua vez, estaria tambm condicionada a isto
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(possibilidade de se governar sem o apoio explcito do Legislativo, inclusive neutralizando-o quando o
Presidente no tivesse uma maioria).10
Valeria a pena mencionar tambm, no tocante ideologia, que na Amrica Latina nem todos
os partidos seriam indiferenciados nesse ponto e nem apresentariam a mesma concepo de sociedade,
como os partidos Republicano e Democrata dos Estados Unidos.11 E, acrescentaramos, alguns
partidos poderiam sofrer transformaes com sentidos e direes variadas.12 Em relao ao Brasil, em
particular, Abranches (1988) ressalta que seria o nico pas que combinaria o presidencialismo,
representao proporcional, multipartidarismo e a organizao do Executivo em grandes coalizaes.
A essa especificidade, diferente dos Estados Unidos que combinariam o presidencialismo,
bipartidarismo e representao majoritrio-distrital, o autor a denomina de presidencialismo de
coalizao.
Passando-se, ento, para delinear um quadro geral sobre a literatura referente aos partidos no
Brasil, de princpio devemos fazer uma observao relevante e que demarca uma diferena
significativa, ou seja, no pas o destaque crtico e habitual da literatura, como regra, volta-se muito
mais para uma caracterizao negativa dos partidos em termos gerais do que propriamente para uma
anlise a respeito do declnio partidrio. Enquanto a literatura internacional enfoca as transformaes
dos partidos e o sentido disto, no Brasil, grande parte dos estudos comumente ainda enfatiza a
continuidade do perfil partidrio das organizaes de perodos anteriores aos partidos criados a partir
de 1979.
Recorrendo-se novamente a Meneguello (1998), ela afirma que no Brasil toma-se igualmente
como padro ou modelo o partido de massas. Conclui-se que os partidos brasileiros seriam instituies
frgeis e produtos das condies polticas globais, com pouca autonomia dos atores e carentes de
organizao e funcionamento para serem considerados organizaes representativas e autnomas. Para
a autora, existiriam quatro aspectos principais sobre os estudos no pas. O primeiro deles destacaria as
descontinuidades temporais dos partidos e sistemas partidrios, j que teriam existido seis sistemas
partidrios no Brasil republicano e que eles seriam desprovidos de continuidade histrica e memria
poltica ao se relacionar os partidos com uma ideologia definida.
O segundo, apontaria a complexidade das formaes partidrias derivadas de dois conjuntos
de fatores: a heterogeneidade poltica e cultural regional, que criaria obstculos para se formar
partidos nacionais e estimularia a predominncia de grupos intrapartidrios regionais, implicando, por
sua vez, na fragmentao do sistema representativo; a fragilidade institucional, que produziria a pouca
estruturao interna, excluindo-se a coeso e disciplina partidrias e levando a confrontos entre grupos
partidrios regionais e a estrutura nacional.
10 Ver Alcntara (1994). O autor inclui tambm no grupo de preponderncia presidencial alguns pases do leste europeu, e avana no sentido de estabelecer vrias diferenas especficas dentro da prpria Amrica Latina. 11 Cf. Valenzuela (1991). Para o autor, marcaram a vida nacional na Amrica Latina as lutas ideolgicas sobre grandes temas como a Igreja, o Estado e o capital versus a classe trabalhadora. 12 Para uma outra viso dos partidos na Amrica Latina, ver Baquero (2000). Apesar do autor agregar outros elementos aos partidos analisados e apontar o PT como uma exceo, termina, no fundamental, adotando uma viso negativa sobre os mesmos e baseando-se no bloco da literatura internacional que atribui uma crise e o declnio ao sistema partidrio.
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J em relao ao terceiro aspecto, seria apontada a fragilidade do perfil organizativo e se
atribuiria um pequeno enraizamento social aos partidos, alm de se concluir que, com exceo do
antigo Partido Comunista (PC) e do PT, praticamente inexistiriam agremiaes ideolgicas e de
classe, uma vez que os partidos seriam muito mais mquinas polticas visando interesses particulares e
obteno de recursos materiais sem uma definio ideolgica ou programtica.
Por fim, o ltimo e quarto aspecto, onde se destacaria a predominncia do Estado na
organizao de interesses e na representao. Isto se daria atravs da existncia prvia do Estado e sua
estrutura centralizada e burocrtica perante os partidos, impondo a estes uma fragilidade e produzindo
tambm, como efeito, a debilidade quanto s suas funes de representao e governo.
Essa sntese feita por Meneguello (1998) da literatura brasileira sobre os partidos polticos,
tem o mrito, por um lado, de abarcar um grande perodo, ser atualizada e destacar uma variedade de
elementos importantes que englobam a estrutura organizativa, a ideologia e programa dos partidos e a
funo governativa. Por outro lado, necessrio, pelo menos no tocante s funes programtica e
governativa e que nos interessam mais de perto, diferenciar claramente as anlises sobre o perodo que
vai at a reforma partidria de 1979 e aquelas dirigidas para as conjunturas a partir desta data, que so
as mais importantes para nossos propsitos e onde centraremos a ateno. Isto nos permitir, por
exemplo, situar os trabalhos mais atuais e observar se eles continuam com a mesma viso e concluses
dos estudos anteriores ou se introduzem novas abordagens e outros elementos sobre os partidos mais
recentes, como seria o caso do PT.
Somente desta forma que evitaremos generalizaes demasiadamente amplas e equivocadas
sobre a literatura referida, teremos oportunidade de tratar corretamente as questes e apontar para que
tipo de anlise estamos nos referindo. Nossas observaes, portanto, remetem como regra e com claras
indicaes aos trabalhos que versam sobre o perodo aps a reformulao partidria de 1979. Para
tanto, neste momento procuraremos apenas sintetizar as diferentes vises sobre os partidos brasileiros
tomados em conjunto.13
De uma maneira geral, podemos afirmar que uma parte significativa da literatura brasileira
sobre os partidos polticos no pas aps 1979 no tem dado grande ateno funo programtica e
aos programas partidrios e, menos ainda, funo governativa, como se os partidos criados a partir
desta data fossem uma espcie de cpia atualizada das organizaes anteriores ou durante a vigncia
da ditadura militar. Assim, no por acaso que um trabalho recentemente publicado de Lima Jr.
(1999) e voltado para a anlise da produo da literatura acadmica brasileira sobre os partidos, aponte
o avano de alguns estudos, especialmente aqueles que relacionam os partidos com as eleies, o
legislativo e a cultura poltica. Mas, simultaneamente, ressalta que ainda faltaria definir a posio dos
partidos no espectro ideolgico e que a avaliao dos partidos no Brasil ainda seria marcada pela viso
negativa, como se eles no tivessem razes e contedo programtico. Para o autor, faltaria base
emprica para tal viso e ele registra, por fim, que a temtica da id