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UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE - UNESC UNIDADE ACADÊMICA DE HUMANIDADES, CIÊNCIAS E EDUCAÇÃO - UNAHCE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS AMBIENTAIS - PPGCA MESTRADO EM CIÊNCIAS AMBIENTAIS ALICE MACCARI VERTICALIZAÇÃO URBANA: UM ESTUDO SOBRE A PERCEPÇÃO AMBIENTAL NA CIDADE DE CRICIÚMA, SC CRICIÚMA 2016

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  • UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE - UNESC

    UNIDADE ACADMICA DE HUMANIDADES, CINCIAS E

    EDUCAO - UNAHCE

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM CINCIAS

    AMBIENTAIS - PPGCA

    MESTRADO EM CINCIAS AMBIENTAIS

    ALICE MACCARI

    VERTICALIZAO URBANA: UM ESTUDO SOBRE A

    PERCEPO AMBIENTAL NA CIDADE DE CRICIMA, SC

    CRICIMA

    2016

  • ALICE MACCARI

    VERTICALIZAO URBANA: UM ESTUDO SOBRE A

    PERCEPO AMBIENTAL NA CIDADE DE CRICIMA, SC

    Dissertao apresentada ao

    Programa de Ps-Graduao em

    Cincias Ambientais da

    Universidade do Extremo Sul

    Catarinense UNESC, como

    requisito parcial para a obteno do

    ttulo de Mestre em Cincias

    Ambientais.

    Orientadora: Prof. Dr. Teresinha

    Maria Gonalves

    CRICIMA

    2016

  • FICHA CATALOGRFICA

  • ALICE MACCARI

    VERTICALIZAO URBANA: UM ESTUDO SOBRE A

    PERCEPO AMBIENTAL NA CIDADE DE CRICIMA, SC

    Esta dissertao foi julgada e aprovada para obteno do Grau de Mestre

    em Cincias Ambientais na rea de Psicologia Ambiental no Programa

    de Ps-Graduao em Cincias Ambientais da Universidade do Extremo

    Sul Catarinense.

    Cricima, 26 de fevereiro de 2016.

    BANCA EXAMINADORA

    Prof. Dra. Teresinha Maria Gonalves (Presidente da Banca e

    Orientadora - UNESC)

    Prof. Dr. Nilzo Ivo Ladwig (Membro UNESC)

    Prof. Dr. Jos Ivo Follmann (Membro Externo UNISINOS)

    Alice Maccari

    Mestranda

  • AGRADECIMENTOS

    Agradeo, primeiramente, a Deus por ter me dado a oportunidade

    da vida e por, atravs dela, me fazer viver momentos de luta e esforo,

    que sempre so recompensados pela satisfao do dever cumprido.

    minha famlia, principalmente ao meu pai (in memoriam) e minha me, que sempre me dedicaram muito amor, compreenso e

    coragem e foram os grandes responsveis pela minha dedicao aos

    estudos, nunca desistindo perante os obstculos.

    Agradeo, em especial, amiga e orientadora Prof. Dr.

    Teresinha Maria Gonalves, pela confiana em mim depositada e por

    toda colaborao e dedicao que, por meio de seu conhecimento, foram

    fundamentais para a concluso do presente estudo. A ela agradeo

    tambm por ser a coordenadora do Laboratrio de Meio Ambiente,

    Desenvolvimento Urbano e Psicologia Ambiental, do qual tive a

    oportunidade de fazer parte por dois anos, usufruindo e participando das

    pesquisas realizadas, as quais me trouxeram muito conhecimento e

    maturidade que no estiveram restritos apenas vida acadmica.

    Estendo meus agradecimentos a todos os moradores do bairro

    Comercirio, em Cricima, os quais se propuseram a participar

    voluntariamente desta pesquisa, contribuindo para enriquecer ainda mais

    o presente estudo.

    A todos os colegas do Mestrado em Cincias Ambientais da

    UNESC e s demais pessoas que contriburam de forma direta ou

    indireta para a concluso deste trabalho, o meu singelo agradecimento.

  • Uma cidade no um

    acampamento de cimento

    armado. Quem lhe d vida, alma,

    carter, movimento, no so as

    mquinas que a fazem, mas

    aqueles que a habitam e a

    possuem.

    Nasser, 1960

  • RESUMO

    Com o crescimento das cidades em um ritmo acelerado, o surgimento

    das construes verticais torna-se cada vez mais comum para atender

    exigncia de moradia para a populao. A verticalizao tem sua

    importncia na medida em que favorece a otimizao do solo e, se

    ocorrer de forma planejada, oferece aos seus usurios conforto,

    comodidade e segurana. No entanto, estudos como o de Nazrio

    (2009) mostram que com relao s relaes sociais, tambm se pode

    considerar que a moradia em edifcios tende a afastar as pessoas de seu

    convvio social, na perspectiva de uma vida coletiva, por isolar o

    morador dentro de seu apartamento. Tendo em vista essa nova forma de

    morar e a sua disseminao cada vez mais frequente nos centros

    urbanos, volta-se, neste estudo, o olhar para os moradores residentes em

    edifcios. A preocupao desta pesquisa verificar a percepo

    ambiental (entendida como a percepo do ambiente sociocultural onde

    vivem) dos moradores residentes em reas verticalizadas, levando-se em

    considerao a apropriao do bairro e da casa, os modos de vida na

    moradia vertical e a percepo do entorno dos edifcios. O lugar

    escolhido para a pesquisa foi o bairro Comercirio, localizado na regio

    central da cidade de Cricima, SC, que sofreu um intenso processo de

    verticalizao nos ltimos anos. Para o desenvolvimento da pesquisa

    foram entrevistados 26 moradores de edifcios localizados no bairro

    Comercirio. O estudo foi realizado por meio de uma pesquisa de

    natureza qualitativa, cujo mtodo empregado foi o estudo de caso e a

    tcnica de pesquisa a entrevista semiestruturada. Pode-se destacar como

    principais resultados, que a moradia vertical atrai moradores ao estar

    relaciona s questes de segurana, conforto e mobilidade para os

    usurios. Com relao aos espaos de troca de experincias, como as

    praas, os parques e a prpria rua; assim como as relaes sociais entre

    os indivduos, percebeu-se que no so habituais para os moradores do

    bairro Comercirio.

    Palavras-chave: Vida coletiva. Verticalizao urbana. Apropriao do

    espao. Percepo ambiental.

  • ABSTRACT

    With the growth of cities in an increasingly fast pace the emergence of

    vertical buildings is becoming increasingly common to meet the housing

    requirement for the population. The vertical has its importance as it

    promotes soil and optimization if it is built in a planned manner, also

    offers its users, comfort, convenience and "security". However, studies

    show how the Nazrio (2009) that with regard to social relations, you

    can also consider that housing in buildings tends to turn people away

    from their social life from the perspective of a collective life by tending

    to isolate the resident inside his apartment. In view of this new way of

    living, and its increasingly frequent dissemination in urban centers back

    up this research, look for residents residents in buildings. The concern of

    this research is to verify the environmental perception (understood as

    the perception of socio-cultural environment in which they live) of

    residents residents in verticalized areas taking into account the

    appropriation of the neighborhood and the house, the way of life in

    vertical housing and the perception of surroundings buildings. The place

    chosen for the research was the Comercirio neighborhood, located in

    the central city of Criciuma, who suffered an intense process of vertical

    integration in recent years. For the development of the research were

    interviewed 26 residents of buildings located in Comercirio

    neighborhood. The study was conducted through a qualitative research,

    the method used was the case study and the research technique was the

    semi-structured interview. Can be highlighted as the main results, the

    vertical housing attracts residents to be related to safety, comfort and

    mobility for users. With regard to exchange experiences spaces such as

    squares, parks and the street itself; as well as social relations between

    individuals, it was noticed that are not usual for residents of the

    neighborhood Comercirio.

    Keywords: Collective life. Vertical urban. Appropriation of space.

    Environmental awareness.

  • LISTA DE FIGURAS

    Figura 1 As vilas operrias que existiam no municpio de Cricima. 23 Figura 2 Mapa identificando a rea de estudo dentro do municpio de

    Cricima, SC. ........................................................................................ 69 Figura 3 Imagens de algumas ruas do bairro Comercirio, em

    Cricima, as quais caracterizam sua verticalizao. ............................. 72 Figura 4 Mapa do bairro Comercirio apresentando o recorte da rea

    verticalizada. ......................................................................................... 77

  • LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

    EIV Estudo de Impacto de Vizinhana

    PA Psicologia Ambiental

    UNESC Universidade do Extremo Sul Catarinense

  • SUMRIO

    1 INTRODUO ................................................................................ 19 1.1 SOBRE A CIDADE DE CRICIMA ............................................. 20 2 OBJETIVOS DA PESQUISA ......................................................... 27 2.1 OBJETIVO GERAL ....................................................................... 27 2.2 OBJETIVOS ESPECFICOS .......................................................... 27 2.3 JUSTIFICATIVA ............................................................................ 27 3 REFERENCIAL TERICO ........................................................... 29 3.1 DAS CIDADES............................................................................... 29 3.2 PLANEJAMENTO URBANO........................................................ 34 3.2.1 Plano Diretor e Relaes de Poder ............................................ 38 3.2.1.1 Plano Diretor e Capital Imobilirio ........................................... 39 3.2.1.2 Planos Diretores de Cricima: Histrico e Influncias ............. 40 3.3 VERTICALIZAO URBANA .................................................... 42 3.4 CIDADES VULNERVEIS X CIDADES SUSTENTVEIS ...... 48 3.5 PSICOLOGIA AMBIENTAL ......................................................... 54 3.5.1 A Psicologia da Percepo e a Percepo Ambiental .............. 58 3.5.2 O espao urbano e as colaboraes da Psicologia Ambiental . 61 3.5.2.1 Espao e Lugar .......................................................................... 61 3.5.2.2 A Identidade de Lugar ............................................................... 63 3.5.2.3 Morar e Habitar ......................................................................... 64 3.5.2.4 No entorno da morada ............................................................... 65 4 METODOLOGIA ............................................................................ 68 4.1 APRESENTAO DO LOCAL DA PESQUISA .......................... 68 4.2 CARACTERIZAO DA PESQUISA .......................................... 73 4.3 PROCEDIMENTOS METODOLGICOS .................................... 76 5 APRESENTAO E ANLISE DOS DADOS ............................ 79 5.1 O PERFIL DOS ENTREVISTADOS ............................................. 79 5.2 COM RELAO APROPRIAO DO BAIRRO E DA

    CASA......... ........................................................................................... 79 5.3 MODOS DE VIDA NA MORADIA VERTICAL .......................... 81 5.4 PERCEPO AMBIENTAL DO ENTORNO DO EDIFCIO ...... 88 6 CONSIDERAES FINAIS .......................................................... 94 REFERNCIAS .................................................................................. 97 APNDICES ...................................................................................... 107 APNDICE A ROTEIRO DA ENTREVISTA ............................ 108 APNDICE B TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E

    ESCLARECIDO ............................................................................... 112 APNDICE C PARECER DO COMIT DE TICA ................ 114

  • 19

    1 INTRODUO

    A opo pelo estudo do meio ambiente urbano se deu devido ao

    interesse despertado na disciplina isolada de Gesto Ambiental, no

    mbito do programa de Ps-Graduao em Cincias Ambientais da

    Universidade do Extremo Sul Catarinense UNESC (Mestrado,

    segundo semestre de 2013), da qual participamos. O estudo trata do

    adensamento da cidade de Cricima, expresso na vertiginosa

    verticalizao que o municpio vem apresentando e nos seus efeitos em

    termos de problemas socioambientais urbanos. Por meio da contribuio

    da Psicologia Ambiental, que procura estudar o homem em seu contexto

    fsico e social, o estudo refere-se percepo ambiental dos moradores

    de reas verticalizadas. No caso em questo, compreende os moradores

    do bairro Comercirio, da cidade de Cricima, situada no extremo sul de

    Santa Catarina, Brasil.

    A cidade de Cricima, para a qual este estudo est voltado,

    segundo Gonalves, Destro e Rocha (2009), apresenta um perodo de

    extensa especulao imobiliria, em que alguns de seus bairros centrais

    esto sendo abruptamente verticalizados sem nenhuma responsabilidade

    ou preocupao com a criao de espaos que venham contribuir para

    uma melhor qualidade de vida da cidade, o que vem refletindo em

    consequncias na vida social de seus moradores.

    So vrios os problemas socioambientais decorrentes do

    adensamento das cidades, dentre eles podemos citar o surgimento das

    ilhas de calor decorrentes dos corredores de edifcios, a falta de

    arborizao, a impermeabilizao do solo, das ruas, das caladas.

    Tambm podemos citar o impacto sobre os servios bsicos de

    infraestrutura, como a rede de esgotamento sanitrio, a rede de gua e a

    de outros servios, como telecomunicaes, servios de sade, de

    educao, de transporte, de mobilidade urbana e, principalmente, a

    carncia de espaos pblicos que favoream as relaes entre as

    pessoas. Esse espao sociofsico enclausura as pessoas em uma rea

    cujo terreno seria a base fsica de uma casa, mas que passou a abrigar 40

    ou mais famlias em um edifcio.

    Vrios motivos levam verticalizao, desde as justificativas

    tcnicas em termos de reduo de custos em relao s redes de gua,

    energia e esgoto sanitrio at a ideologia da segurana. Esta

    pseudossegurana, hoje, se constitui em uma verdadeira indstria de

    equipamentos eletrnicos desde cmeras at cercas eltricas , o que

    nos faz lembrar as prises. Outro motivo, segundo Carvalho (2013), a

    interferncia do capital imobilirio sobre o desenvolvimento urbano. A

  • 20

    produo do espao urbano envolve um conflito entre duas posies: os

    moradores da cidade que lutam por uma melhor qualidade de vida e o

    capital imobilirio, que tem como base os interesses econmicos, busca

    um maior retorno financeiro e a maximizao dos lucros, alm de

    transformar as cidades em verdadeiras mquinas de crescimento.

    O que se percebe no processo de verticalizao urbana da maioria

    das cidades, inclusive da cidade de Cricima, que existe um embate

    entre os propsitos do planejamento urbano e o do capital imobilirio

    que costuma reger o modelo de desenvolvimento da cidade. A

    consequncia, entre outras, a modificao da paisagem e da

    morfologia urbana. Tendo em vista essa realidade urbana, este estudo

    tem a finalidade de investigar a percepo ambiental dos moradores de

    reas verticalizadas, de que forma se d a apropriao do bairro e da

    casa, quais os modos de vida em moradias verticais e como esses

    moradores percebem o entorno dos seus edifcios, ou seja, a viso que

    eles possuem do espao urbano do seu bairro.

    Esses problemas de percepo do espao vm ganhando o

    interesse cada vez maior de gegrafos, socilogos, antroplogos,

    psiclogos ambientais e urbanistas. So muitos os trabalhos realizados e

    aplicados ao planejamento urbano das cidades, contudo, nem sempre

    essa poltica de ordenamento espacial leva em conta os anseios e as

    necessidades do contingente populacional urbano.

    1.1 SOBRE A CIDADE DE CRICIMA

    Cricima uma cidade de porte mdio, localizada na regio

    carbonfera do sul de Santa Catarina. Est assentada sobre o bioma Mata

    Atlntica e possui uma populao estimada para o ano de 2015,

    conforme os dados do IBGE (2015), de aproximadamente 207.000

    habitantes. Alm dos problemas urbanos que acometem toda e qualquer

    cidade, segundo o estudo de Souza e Milioli (2012), o municpio se

    caracteriza pela expressividade de impactos socioambientais

    cumulativos decorrentes da atividade carbonfera realizada de maneira

    predatria durante muitos anos.

    Segundo Nascimento (2004), para compreender o processo de

    formao da cidade de Cricima, deve-se levar em conta dois grandes

    tempos fundamentais: o da minerao e o da agricultura, que so

    responsveis pela formao histrica do seu espao urbano. Esse espao

    no expressamente definido em rea ou em quilmetros quadrados,

    mas em uma obra humana, em um produto histrico, resultante de todas

    as aes humanas no decorrer da histria do lugar.

  • 21

    Quando da ocupao do municpio pelos imigrantes, a regio era

    habitada por nativos das tribos Carij e Xokleng que, segundo

    Nascimento (2004), se mantinham com a caa, com a pesca e com a

    coleta de frutos silvestres, numa vasta rea de Mata Atlntica. medida

    que os primeiros colonizadores foram chegando ao local em busca de

    terras para plantar e de uma melhor qualidade de vida, o confronto pela

    disputa do territrio1 teve incio. Os imigrantes passaram, ento, para a

    construo de seu territrio, ao mesmo tempo que destruam o territrio

    indgena.

    A atividade dos colonizadores no municpio era essencialmente

    agrcola e de pecuria de subsistncia, assim como em toda a regio. O

    solo frtil e o consequente aumento da produo proporcionaram o

    desenvolvimento dessas atividades, tornando a agropecuria a principal

    fonte de economia do municpio por muitos anos.

    A partir da descoberta do carvo no ano de 1913 e de sua

    explorao em Cricima no incio da dcada de 1920, a configurao

    territorial deste municpio teve incio. Segundo Nascimento (2004), a

    praa, as ruas e a igreja passaram a ser representativos dessa

    temporalidade na formao do espao urbano do municpio. Como

    complementam Balthazar e Pimenta (2005), a explorao do carvo

    mineral tornou-se o principal fator econmico do municpio, mas por ser

    realizada de maneira artesanal, necessitava de uma quantidade de mo

    de obra suficiente, o que gerou uma intensa busca pela regio, iniciando

    o processo de crescimento demogrfico da cidade.

    O processo de urbanizao do municpio de Cricima teve incio

    com a abertura das minas e com a criao das vilas operrias, pois onde

    o carvo aflorava, era aberta uma mina e ao redor dela eram construdas

    as casas dos mineiros, constituindo, desse modo, as vilas operrias.

    Nesse processo abrupto, a indstria do carvo ia produzindo o espao

    urbano da cidade (GONALVES; MENDONA, 2007).

    medida que foram abertas novas minas de carvo, as empresas

    passaram a construir pequenas casas de madeira nas proximidades

    dessas minas, de forma a atender os operrios mineiros, o que atraiu e

    fixou mais ainda a mo de obra. As vilas operrias eram ncleos quase

    independentes que contavam com aougues, escolas, igrejas, armazns,

    clubes de dana e campos de futebol (NASCIMENTO, 2004). Nesse

    perodo, a paisagem predominante do municpio eram as minas e as

    1 O territrio no pode ser visto apenas como a base material geogrfica,

    mas como um campo relacional que inclui movimento, conexes e aes

    polticas. (SOUZA, 2006)

  • 22

    vilas operrias e praticamente toda a sua economia girava em torno da

    minerao.

    Como pode ser observado, segundo Cmara (2004), diferente de

    grande parte das cidades brasileiras, que se baseiam em duas reas bem

    definidas, a rural e a urbana, o municpio de Cricima foi se

    conformando a partir de trs reas distintas: a rea central, ncleo

    gerado pelo cruzamento das estradas que ligavam as vilas e os

    assentamentos coloniais, alm de centralizar as atividades

    administrativas e econmicas; as reas rurais, caracterizadas pelas

    pequenas propriedades rurais estabelecidas no entorno da rea central; e

    as vilas operrias, que eram tidas como reas residenciais situadas no

    entorno das reas de minerao de carvo. Ao longo do tempo, essas

    reas foram sendo redefinidas dentro do processo de crescimento do

    municpio, apresentando novas dinmicas e funes, que hoje

    caracterizam as novas funes urbanas da cidade.

  • 23

    Figura 1 As vilas operrias que existiam no municpio de Cricima.

    Fonte: Goularti Filho (2004).

    O modelo extrativista carvoeiro da regio privilegiou o lucro fcil

    e imediato, desconsiderando os custos sociais e ambientais, o que

  • 24

    resultou no comprometimento da qualidade socioambiental do

    municpio atingindo propores alarmantes , problemtica

    evidenciada tanto na degradao dos elementos da natureza (gua, ar,

    solo, relevo, vegetao, fauna) quanto naqueles da sociedade

    (GONALVES; MENDONA, 2007).

    A atividade de extrao e beneficiamento do carvo, segundo

    Lopes, Santo e Galatto (2009), por muito tempo foi realizada de maneira

    predatria, o que fez com que surgissem os problemas ambientais que

    afetaram a Bacia Carbonfera Catarinense, pois, devido carncia de

    planejamento, tecnologia e polticas ambientais durante muitos anos, as

    carbonferas no adotaram tcnicas adequadas para a disposio de

    rejeitos, deixando expostas no ambiente as pilhas de rejeitos e as lagoas

    de guas cidas.

    Com relao aos recursos hdricos, segundo o estudo de Back

    (2009), as guas das bacias que drenam a regio carbonfera sofreram

    com os impactos ambientais e com o seu elevado grau de poluio

    decorrente da explorao do carvo. Em funo disso, os recursos

    hdricos da regio carbonfera encontram-se seriamente comprometidos

    pela minerao, beneficiamento e uso do carvo.

    Durante muitos anos, segundo Menezes e Waterkemper (2009),

    os rejeitos de carvo foram depositados em banhados e margens de rios,

    poluindo as guas e deixando o solo improdutivo. Alm disso, eles

    invadiram as terras utilizadas pelos agricultores que residiam no entorno

    dos empreendimentos. Hoje, os recursos hdricos da regio possuem

    elevada acidez e alta concentrao de metais pesados, somando-se a essa

    realidade a degradao do ar e do solo do municpio.

    Ainda com relao aos impactos causados pela atividade

    carbonfera no municpio, de acordo com Gonalves e Mendona

    (2007), a atividade de minerao foi extremamente insalubre, sendo que

    vrias doenas acometeram a populao, tais como pneumoconiose,

    bronquite, rinite, leses na coluna vertebral e nas articulaes, dentre

    outras, devido, principalmente, s precrias condies de trabalho

    apresentadas, como a presena de fumaa, p, lama, pouca ventilao,

    confinamento no escuro, condies at ento minimizadas pela

    mecanizao do processo produtivo.

    Segundo Montibeller-Filho (2009), a economia da regio

    carbonfera de Santa Catarina, principalmente de Cricima e regio,

    hoje est estruturada sobre diversos setores de atividades, mas,

    historicamente, essa estrutura foi forjada a partir da atividade

    mineradora implantada na regio desde cerca de um sculo. Essa mesma

    regio incorporou empreendimentos tipicamente industriais, como

  • 25

    mdias e grandes cermicas de revestimento e pequenas olarias

    produtoras de telhas e tijolos.

    O autor destaca ainda que as principais atividades do setor

    secundrio presentes na regio de processamento e transformao da

    matria-prima, isto , a indstria esto estreitamente vinculadas a

    importantes processos de desgaste ambiental e degradao do meio

    ambiente. De um lado, o gradativo e contnuo esgotamento dos recursos

    naturais no renovveis, o carvo mineral e a argila prpria ao fabrico

    de telhas e pisos, alm da utilizao da floresta local, hoje rara, como

    fonte de energia. De outro, decorrente do processo de produo, o

    problema da sade do trabalhador na atividade e a gerao de reas

    degradadas; todos os problemas ambientais derivados da lavao do

    carvo e depsito de seus rejeitos, o que compromete os rios e os lenis

    freticos; bem como a fumaa e os resduos da queima de lenha nas

    olarias, que geram poluio atmosfrica e malefcios sade pblica

    (MONTIBELLER-FILHO, 2009).

    A atividade de minerao, entretanto, depois de seu auge, sofreu,

    no final da dcada de 1960, com a forte presso do governo para

    aumentar a produo carbonfera. Por meio de incentivos e subsdios

    financeiros para a mecanizao das minas, comearam a surgir os

    reflexos dessa mudana: a frente de trabalho foi reduzida, aumentando o

    nmero de desempregados das minas de carvo. Para amenizar essa

    forte crise na indstria carbonfera, por efeito, o governo concedeu

    incentivos financeiros como forma de estimular a instalao de novas

    indstrias no municpio, de maneira a diversificar a economia da regio

    (BALTHAZAR; PIMENTA, 2005).

    Em meados da dcada de 1970, o municpio passou por um

    processo de diversificao das atividades econmicas, consolidando-se

    na regio, alm das empresas de minerao, as indstrias cermicas,

    txteis, metalrgicas e de plsticos. O setor imobilirio tambm mostrou

    um significativo crescimento nesse perodo, apresentando como

    consequncia o incio do processo de verticalizao na rea central da

    cidade de Cricima, com a construo de edifcios altos, marcando a

    transformao da paisagem urbana da cidade (BALTHAZAR;

    PIMENTA, 2005).

    A modernidade, por meio da verticalizao dos edifcios, segundo

    Adami (2015), apagou grande parte das marcas deixadas pela atividade

    carbonfera na paisagem criciumense, incluindo tambm os

    comprometidos cursos dgua do rio Cricima e suas margens.

    A cidade passou a se transformar abandonou a horizontalidade

    at ento caracterstica e seguiu o rumo da verticalizao. Na regio

  • 26

    central, houve a construo de trs edifcios o Edifcio Comasa, o

    Hotel Cavaller e o Unio Turismo Hotel que foram marcos

    importantes, pois foram construdos com onze pavimentos cada um. Os

    trs imveis so facilmente percebidos e considerados marcantes na

    paisagem urbana da cidade, alm de caracterizarem o incio dessa

    transformao (BALTHAZAR; PIMENTA, 2005).

  • 27

    2 OBJETIVOS DA PESQUISA

    2.1 OBJETIVO GERAL

    Analisar a percepo ambiental dos moradores de um bairro

    verticalizado na cidade de Cricima, SC.

    2.2 OBJETIVOS ESPECFICOS

    - Identificar a apropriao do bairro e da casa dos moradores

    entrevistados;

    - Verificar os modos de vida em habitao vertical, considerando

    a relao de vizinhana e os momentos de lazer;

    - Analisar a percepo das pessoas em relao ao entorno

    sociofsico e s alteraes fsicas e ambientais observadas;

    - Contribuir para os estudos do ambiente urbano no mbito das

    Cincias Ambientais.

    2.3 JUSTIFICATIVA

    A verticalizao urbana, cada vez mais presente tanto em cidades

    mdias quanto grandes, no leva apenas a uma mudana significativa na

    paisagem da cidade; as consequncias dessa nova forma de morar

    costumam ir alm, sendo capazes de causar transformaes nos

    significados atribudos ao espao urbano, nos valores e, principalmente,

    nas relaes interpessoais.

    Hoje, no mais possvel que os rgos pblicos responsveis

    pelos planejamentos urbanos tragam projetos e solues prontos

    populao. A participao popular um direito assegurado no Estatuto

    da Cidade (Lei n 10.257, de 10 de julho de 2001) e condicionado

    aprovao do Plano Diretor do municpio. um consenso indispensvel

    para que se possa evoluir na busca da progressividade e da

    sustentabilidade, conceito surgido ao longo do processo, desde o seu

    incio em 1992.

    Ainda assim, percebemos que a verticalizao de espaos dentro

    das cidades no um processo realizado de forma democrtica, visto

    que na produo do espao urbano so muitos os agentes responsveis

    por sua configurao, uns com mais poder do que os outros, os quais, na

    maioria das vezes, transformam este espao em produto, em uma

    mercadoria de valor, buscando lucros altos.

  • 28

    O cotidiano do espao urbano, como colabora Kanashiro (2003),

    est dominado pelas ideias de eficincia e funcionalidade em detrimento

    aos demais valores. A cidade, por consequncia, passa a ser entendida

    como um emaranhado de problemas de ordem tcnica e funcional,

    esquecendo-se dos valores pessoais, histricos e culturais, alm da

    dimenso sensorial e psicolgica das comunidades. (KANASHIRO,

    2003, p. 163).

    Estudos de percepo em relao aos modos de vida urbana

    fazem-se necessrios para termos uma compreenso mais prxima da

    realidade da cidade, seja para sua melhoria como um todo, sua proteo

    e ampliao, como forma a garantir para o ambiente citadino um espao

    agradvel para o convvio social e urbano.

    Em estudos de percepo, como este voltado aos moradores das

    reas verticalizadas do bairro Comercirio, possvel observarmos a

    conscincia que os moradores tm do mundo que os cerca, suas

    motivaes e condutas, visto que se deve considerar no ordenamento

    dos espaos de nossas cidades, os aspectos invisveis, ou seja, aqueles

    capturados pelos sentidos, muitas vezes, de maior intensidade

    emocional.

    Neste sentido, a compreenso da percepo da populao sobre o

    bairro aponta a viso da comunidade local; identifica os problemas

    infraestruturais; subsidia polticas pblicas de ordenamento do solo e

    orienta no desenvolvimento de programas especiais; sendo fundamental

    para a melhoria da qualidade do ambiente urbano.

  • 29

    3 REFERENCIAL TERICO

    3.1 DAS CIDADES

    O sculo XIX, com o advento da Revoluo Industrial, foi

    marcado pelo surgimento em massa das mquinas, modificando os

    costumes e a economia e causando transformaes cada vez mais

    profundas no modo de vida da populao. Isso possibilitou que uma

    intensa agitao tomasse conta dos homens e de seus pensamentos, que

    um novo ritmo, criador de novas atitudes, fosse instalado (LE

    CORBUSIER, 2000).

    Segundo Lefebvre (1991), a industrializao comea quando

    nasce o capitalismo concorrencial2 e os centros urbanos comeam a

    prosperar com o artesanato, produo bem distinta da agricultura. A

    transformao da matria-prima em mercadoria cria uma nova classe, a

    dos artesos (alfaiates, sapateiros, ourives, chapeleiros, marceneiros,

    ferreiros, ferramenteiros, farmacuticos, doceiros, cozinheiros), que,

    como no poderia deixar de ser, explorava, de certa forma, os

    camponeses, apesar de apoiar as comunidades e a libertao destes. A

    cidade industrial no acumula apenas o dinheiro e inaugura a explorao

    do trabalho por meio da mais-valia, ela tambm se constitui em centros

    de vida social e poltica, no apenas de riquezas, mas, sobretudo, de

    conhecimentos, tcnicas e obras de arte (LEFEBVRE, 1991).

    A cidade, ainda segundo o autor, atrai grandes aglomeraes no

    s em busca de trabalho, mas de outras necessidades, como

    conhecimento, servios especializados de sade e tecnologia. As pessoas

    pobres escolhem morar precariamente nas periferias das cidades porque

    esperam ter acesso, nesses lugares, a estes servios que hoje ns

    chamamos de direitos sociais.

    Quanto mais servios e trabalhos uma cidade oferece, mais

    aumenta a sua populao e mais difcil fica a sua gesto, visto que exige

    maiores investimentos em sua infraestrutura. A verticalizao das

    cidades consequncia dessa exploso demogrfica. Ela foi uma

    soluo encontrada para que mais gente ocupe o mesmo espao.

    Defende Lefebvre (1991) que o processo de urbanizao foi decorrente

    do processo de industrializao. Segundo o autor, a problemtica urbana

    tem um ponto de partida: o processo de industrializao, que foi o

    motor das transformaes na sociedade.

    2 Competio no mercado que induziu a novas formas de regulamentao e

    incorporao de novas tecnologias no processo de produo. (SILVA, 2007)

  • 30

    Segundo Gonalves (2015), a cidade sob esse ponto de vista

    marxista que nos traz Lefebvre uma obra com o valor de uso e o

    produto que ela produz valor de troca. O espao da cidade passa a ser

    usado como palco para esta grande festa que a produo, o consumo e

    a troca. A realidade da cidade industrial complexa e contraditria; ao

    contrrio das cidades medievais, que no seu apogeu centralizavam as

    riquezas, a burguesia industrial investe improdutivamente uma grande

    parte de suas riquezas nas cidades que dominam. Com o capitalismo

    comercial e bancrio, a riqueza se torna mvel e as trocas se do por

    meio de circuitos e permitem a transferncia de dinheiro. Dessa forma, a

    riqueza no processo de industrializao deixa de ser predominantemente

    imobiliria. Em contrapartida, a cidade conserva um carter orgnico de

    comunidade que vem da aldeia e que se traduz na organizao

    corporativa. Segundo Lefebvre (1991), isso impede que as lutas de

    classe se explicitem.

    Como complementam Barbosa e Nascimento Jnior (2009), a

    cidade est organizada pela lgica do capitalismo, em que: fundamental compreender que o crescimento da

    cidade, o processo de urbanizao e

    industrializao, as modificaes feitas na cultura

    e a ocorrncia de novas tecnologias provocadas

    pela mdia no desenvolvimento do ambiente

    urbano so expresses de uma das maneiras de

    apropriao e de acumulao do capital.

    (BARBOSA; NASCIMENTO JNIOR, 2009, p.

    24).

    A cidade, segundo estes autores, tem um valor que pode ser

    atribudo ao de uso ou ao de troca. O significado da cidade para o capital

    fica evidente: ser objeto de reproduo e de lucro, de apropriao pelos

    atores hegemnicos (grandes investidores, donos de terras, sistema

    financeiro, empresas imobilirias e de construo civil).

    por meio de todo esse processo que a cidade comea a se

    redesenhar, pois as leis que a regulam ficam submetidas busca

    incessante dos superlucros e da extrao da mais-valia coletiva que

    acontece, por sua vez, em detrimento das populaes que sofrem com a falta dos diversos equipamentos urbanos: escolas, postos de sade, ruas

    com pavimentao asfltica, saneamento bsico (gua, esgoto e luz

    eltrica), e ainda convivem com habitao inadequada e praas

    deterioradas.

  • 31

    Portanto, cabe ressaltar que no o crescimento urbano em si o

    causador dos problemas citadinos, mas sim a situao concreta nas

    relaes promovidas entre o capital e o trabalho, engendradas pelas leis

    de mercado que criam as necessidades e acentuam os desequilbrios no

    ambiente urbano (BARBOSA; NASCIMENTO JNIOR, 2009).

    Carlos (2004) vem numa posio no ortodoxa, diferente de

    Lefebvre, e coloca a cidade no mais como mero reflexo da

    industrializao e do modo capitalista de produo. A cidade, no

    raramente, vem sendo pensada dissociando-se o seu quadro fsico e o

    meio ambiente urbano (dimenso naturalizada). Em ambos os casos,

    oculta-se o contedo da prtica socioespacial que lhe d forma e

    contedo. O sentido da cidade acaba sendo reduzido quela de condio

    da reproduo do capital, como faz Lefebvre, ou da dominao do

    estado, esvaziando-se em ambas o sentido da vida humana, o que nos

    revela que a cidade est em crise.

    impossvel pensar a cidade separada da sociedade, pois,

    segundo Carlos (2004), ela considerada uma construo humana.

    construda por meio de um processo histrico-social. Nessa dimenso, a

    cidade aparece como um trabalho materializado acumulado ao longo do

    processo histrico e desenvolvido por uma srie de geraes. O sistema

    capitalista um sistema social e produziu a sociedade industrial. Hoje,

    se falarmos que estamos na ps-modernidade, a cidade vai muito mais

    alm daquela concebida por Lefebvre e no se configura mais como

    espao para reproduo do capital. Ela expresso da significao da

    vida humana, pois o processo de individuao, ou seja, o processo de

    tornar-se sujeito acontece para o habitante da cidade na sua relao com

    o espao urbano.

    Na perspectiva de Carlos (2004), a sociedade produz o espao e

    este espao, apropriado nesta perspectiva, a cidade. O homem habita

    espaos e dele se apropria. Ao fazer uma casa, o homem faz dela o local

    para a realizao de sua vida, o que significa que a apropriao se refere

    a um lugar determinado do espao. A vida cotidiana exprime-se como

    ao e ato, ou seja, uma atividade humana marcada fortemente pela

    vida. A vida urbana a vida de encontros e desencontros, encontros com

    os diferentes e com os semelhantes. No h outro espao social como a

    cidade para propiciar esse aprendizado de tolerncia com o diferente,

    com o novo. O espao fsico reduzido das grandes cidades coloca,

    forosamente, um grande nmero de pessoas vivendo lado a lado. Um

    edifcio o exemplo mais emblemtico dessa realidade.

    Estamos acostumados a achar que a morfologia da cidade se d

    apenas pela sua estrutura arquitetnica e pelo traado urbano. Sennett

  • 32

    (1994) coloca claramente em sua obra, Carne e Pedra, que os corpos

    das pessoas, ao se amontoarem nas ruas, nos terminais de nibus, nas

    sadas das fbricas, nas manifestaes, compem com a paisagem

    arquitetnica a morfologia urbana. Portanto, o que d forma cidade

    no so apenas as obras feitas pelos fazedores da cidade (arquitetos,

    engenheiros, etc.), mas sim a vida humana que habita todos os seus

    espaos. Enquanto pensarmos que o planejamento urbano se reduz a

    formas e no ao contedo (pessoas), estamos fadados a no encararmos

    de frente os problemas urbanos reais.

    Nas palavras de Cullen (1983, p.9), uma cidade algo mais do

    que o somatrio dos seus habitantes. Para o autor, uma unidade capaz

    de gerar um excedente de bem-estar e de facilidades que levam a

    maioria das pessoas a preferirem a vida em comunidade a viverem

    isoladas, independente de outras razes (CULLEN, 1983).

    As vrias definies de cidade, por mais que variem na

    concepo de diferentes autores, para Singer (1979) acabam sempre

    concordando num ponto: trata-se de uma aglomerao humana, de um

    conjunto de pessoas vivendo prximas umas das outras e assim criando

    aproximaes e fortalecendo vnculos umas com as outras. Pode-se

    pensar que o que constitui a cidade no o fato de os homens habitarem

    os mesmos lugares, no se prejudicarem uns aos outros e terem relaes

    comerciais, embora tais condies sejam necessrias para que a cidade

    exista; mas a nica associao que forma uma cidade a que faz

    participarem as famlias e os seus descendentes da felicidade de uma

    vida independente, perfeitamente ao abrigo da misria (SINGER, 1979).

    Como completa Canepa (2007), os homens estabeleceram entre si

    a sociedade civil no apenas para viverem, mas para viverem felizes;

    uma sociedade onde possam buscar suas aspiraes e satisfazerem suas

    necessidades.

    A dcada de 70, como afirma Carlos (2004), apresenta-se como

    um momento de ruptura, de importante transformao. Nesse perodo, o

    espao deixa de ser natural e a dimenso social assume um papel

    preponderante. A noo de cidade evolui, marcando o limite entre a

    cidade e o urbano, sendo entendida de trs maneiras: cidade enquanto

    lcus da produo, enquanto reproduo da fora de trabalho e enquanto

    a articulao dessas duas dimenses do homem e do humano, que ligam

    as vrias extenses da cidade. A autora ainda colabora no sentido de

    atribuir cidade a sua dimenso histrica, produto da diviso do

    trabalho. Significa dizer que a cidade vai assumir, a cada momento,

    dimenses e contedos diferentes, sendo analisada nos dias de hoje sob

  • 33

    a tica do capitalismo, pelo processo de acumulao como condio

    para a reproduo do capital em escala.

    A cidade a expresso do trabalho materializado, uma forma de

    apropriao do espao urbano produzido, condio e meio para que se

    instituam relaes sociais diversas, surgidas como um bem material

    consumido de acordo com as leis de reproduo do capital.

    Com o advento da Era Moderna e o estabelecimento de novas

    formas de relaes sociais, polticas e econmicas, uma nova dinmica

    imposta s cidades. Segundo Mendona (2004), os pontos cruciais das

    relaes capitalistas de produo passaram a se fazer presentes a

    centralizao da produo, o consumo, a circulao e o poder , sendo

    que o ambiente natural intocado antes da interveno humana acaba por

    sofrer transformaes predatrias, dependendo da relao de produo

    que desperta em cada local, e isso faz com que as diferentes cidades

    apresentem seus peculiares ambientes de degradao.

    Se a alterao no ambiente urbano for irredutvel devido

    urbanizao, existe a necessidade de unificar-se um aprofundamento de

    reflexes sobre a vida na cidade, de maneira a planejar ou ordenar a

    forma de ocupao ou de desenvolvimento dos espaos urbanos

    (MENDONA, 2004).

    A cidade pode ser considerada, segundo Martins (2010), uma

    relevante conquista da civilizao, mas tambm uma das mais

    expressivas formas de apropriao e transformao da natureza. Ela

    pode ser percebida em sua maioria como a no natureza por excelncia,

    apresentando graves problemas urbanos atuais, como habitao,

    transporte e mobilidade; poluio da gua, do solo e do ar; ausncia de

    reas verdes e pblicas; enchentes e deslizamentos de encostas; dentre

    outros. Para esta autora, a compreenso das relaes entre a sociedade,

    assim como da relao cidade e natureza, est para alm dos modelos

    abstratos de cidade, ainda que em algum momento estes possam ser

    necessrios. Do ponto de vista do dilogo entre as formulaes tericas

    e prticas, o desafio est na articulao da ecologia poltica produo

    do espao urbano, de forma a relacionar as prticas sociais s formas de

    apropriao e uso dos espaos urbanos e da natureza.

    Uma das preocupaes que recaem sobre o ambiente urbano

    aquela que leva em considerao o seu crescimento, expresso pelo

    processo de urbanizao e industrializao. Esses fatores vm

    provocando o inchamento das cidades e o aumento da populao em

    reas perifricas que, na maioria das vezes, no possuem infraestrutura

    suficiente para receber tal contingente humano. Pode-se destacar como

    exemplo o xodo rural, em que as pessoas saem do campo em busca de

  • 34

    melhores condies de vida e ao chegarem cidade, acabam ocupando

    ambientes degradados, em situao de precariedade e ilegalidade,

    agravando ainda mais a sua condio subumana (BARBOSA;

    NASCIMENTO JNIOR, 2009).

    Da mesma forma que as cidades expressam o seu espao urbano

    produzido, para Santos (1994), elas esto cada vez mais diferentes uma

    das outras. Segundo o autor, no sistema urbano existe uma tendncia

    crescente diferenciao e complexificao, ou seja, cada cidade

    passa a ter uma relao direta com a demanda de sua regio, na medida

    em que cada regio se especializa ligada ao consumo produtivo,

    apresentando uma a uma suas caractersticas peculiares.

    O conceito de cidade deve ser percebido enquanto produo

    coletiva, pois ningum a faz sozinho; a interao entre as diferentes

    foras e interesses dos indivduos e das organizaes privadas e pblicas

    forma uma complexa rede na qual esto em foco no s o indivduo,

    mas todo o sistema poltico e econmico, o Estado, o capital, a indstria

    e o comrcio, os sistemas de transporte e trnsito, os processos

    migratrios e o valor da terra.

    essa rede de diferentes foras que atuam sobre a cidade que

    influencia diretamente a forma de ocupao do territrio e a organizao

    do fluxo de mobilidade (VASCONCELLOS, 2012). Percebe-se, assim,

    que existe muita dificuldade para se chegar a um mnimo comum que

    atenda de forma igualitria a todos os interesses que esto envolvidos

    nesse ambiente.

    3.2 PLANEJAMENTO URBANO

    O crescimento acelerado das cidades, ordenado, muitas vezes,

    pelo poder pblico e pelo capital financeiro, tem provocado alteraes

    significativas no ambiente e na sua forma, vulnerabilizando todo o

    ecossistema e o seu prprio entorno (BARBOSA; NASCIMENTO

    JNIOR, 2009).

    Nessa tentativa de organizar e propor uma forma menos danosa

    aos desequilbrios ocorridos na cidade, necessrio utilizar-se do

    planejamento urbano para, inicialmente, dar um direcionamento na

    qualidade de vida da sociedade (BARBOSA; NASCIMENTO JNIOR,

    2009).

    Quando nos referimos ao termo planejamento, estamos nos

    remetendo, segundo Souza (2006), ao futuro. Significa que estamos

    tentando prever a evoluo de um fenmeno e simular os

    desdobramentos de um processo com o objetivo de melhor precaver-se

  • 35

    contra provveis problemas ou, inversamente, com o fito de melhor tirar

    partido de provveis benefcios.

    Sendo assim, quando inserimos o planejamento dentro do sistema

    urbano, tambm estamos buscando, de certa forma, prevenir eventuais

    problemas que poderiam ser evitados. E foi no sculo XX que a cidade,

    segundo Canepa (2007), passou a ser analisada de forma mais atenta

    pela sociedade como um todo.

    Buscava-se uma forma de o Estado manter o controle sobre a

    cidade, consolidando-se a o planejamento urbano e regional na tentativa

    de tentar minimizar os conflitos sociais criados pelo crescimento

    urbano.

    O conceito tradicional que se associa ao planejamento urbano

    aquele que relaciona essa atividade utilizao de planos e

    regulamentos para guiar o uso do solo, com o objetivo de controlar

    adequadamente o crescimento das cidades.

    Segundo Moreno (2002), esse tipo de planejamento foi praticado

    de fato entre os anos de 1950 e 1970, quando se proliferaram os planos

    diretores, as leis de zoneamento e os cdigos de obras no mundo todo.

    Contudo, no final dos anos de 1970, um novo conceito, chamado

    planejamento estratgico urbano, comeou a esboar-se e hoje bastante

    difundido por organismos multilaterais.

    Nessa nova tica, no entanto, passa-se a encorajar o crescimento

    urbano, pois as cidades so vistas como mquinas de produzir

    riquezas, e ento o planejamento urbano tradicional, que pretendia

    organizar a cidade como um todo, perdeu a vez, tomando posto fatos

    como o esvaziamento das reas centrais, as novas exigncias de

    infraestrutura trazidas pela vida digital, a descaracterizao de praas e

    ruas como pontos de encontro civilizados e a incerteza da segurana

    pblica.

    Quanto ao planejamento, pelo fato de seu horizonte temporal ser

    o futuro, especialmente em mdio e em longo prazo, ele considerado,

    teoricamente, a preparao para uma gesto futura em que se busca

    evitar ou minimizar problemas.

    Colaborando com as colocaes sobre planejamento urbano,

    Vasconcellos (2012) acrescenta que essa ferramenta define a forma

    como o espao deve ser ocupado e usado para os mais diversos fins,

    apresentando como produtos os cdigos e as leis que iro definir os usos

    e ocupaes desejados e permitidos.

    Ainda segundo este autor, as principais determinaes desses

    planos so divididas entre o uso do solo e a ocupao do solo. Quando

    se relaciona ao uso do solo, pretende-se definir o tipo de utilizao

  • 36

    aceitvel para determinada parte do territrio da cidade, como, por

    exemplo, residencial, comercial, industrial, servios, espaos de lazer e

    espaos pblicos. Quando se enfatiza a ocupao do solo, busca-se

    definir qual o tamanho das construes que podero ser erguidas em

    determinada rea. Um exemplo disso o Plano Diretor de uma cidade, o

    qual pode impor que as edificaes no devem ultrapassar duas vezes a

    rea do seu terreno ou tambm relacionar o espao urbano com a

    quantidade de atividades a serem permitidas no local, tendo a ver,

    principalmente, com a capacidade de prover servios pblicos e com o

    volume de trnsito gerado por essas atividades.

    As propostas alternativas de cunho democrtico e igualitrio para

    as cidades brasileiras esbarram em inmeras fontes de limitaes: 1) o

    ambiente construdo resultado da sociedade que o constri e ocupa, ou

    seja, em uma sociedade como a nossa, radicalmente desigual e

    autoritria, espera-se que a cidade possua essas caractersticas; 2) h

    dificuldade em lidar com a mquina pblica administrativa.

    Segundo Maricato (2001), a criao de um caminho de

    planejamento e gesto que contrarie o rumo social e ambiental

    predatrio atualmente seguido pelas cidades brasileiras exige alguns

    pressupostos destacados: criar a conscincia da cidade real e indicadores

    de qualidade de vida; criar um espao de debate democrtico; dar

    visibilidade aos conflitos; promover a reforma administrativa, a

    formao de quadros e agentes para uma ao integrada; promover o

    aperfeioamento e a democratizao da informao; criar um programa

    especial para regies metropolitanas; ter a bacia hidrogrfica como

    referncia para o planejamento; haver gesto e formulao de polticas

    de curtssimo, mdio e longo prazo.

    A Constituio Federal de 1988 apresenta, no seu Captulo II

    Da Poltica Urbana, o seguinte:

    Art. 182 - A poltica de desenvolvimento urbano,

    executada pelo Poder Pblico Municipal,

    conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por

    objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das

    funes sociais da cidade e garantir o bem-estar

    de seus habitantes.

    1 - O plano diretor, aprovado pela Cmara

    Municipal, obrigatrio para cidades com mais de

    vinte mil habitantes, o instrumento bsico da

    poltica de desenvolvimento e de expanso

    urbana.

  • 37

    2 - A propriedade urbana cumpre sua funo

    social quando atende s exigncias fundamentais

    de ordenao da cidade expressas no plano diretor

    (BRASIL, 1988).

    A Constituio Federal exige que todos os municpios com mais

    de 20 mil habitantes tenham seu Plano Diretor definido. Segundo

    Vasconcellos (2012), o Pano Diretor o instrumento legal que vai

    definir como o espao da cidade pode ser ocupado, o tipo de utilizao

    aceita em cada uma de suas partes e a infraestrutura da circulao. Essa

    ferramenta, para ser considerada eficaz, deve receber a contribuio de

    diversos rgos governamentais para a sua definio e implantao.

    O Plano Diretor deve estabelecer condies para vrias polticas

    pblicas que encontraro nesse recurso sugestes ou limitaes

    pertinentes ao que se deseja. Devido ao seu carter legal, ele precisa ser

    analisado e votado pela Cmara Municipal, o que implica na

    participao direta dos vereadores de cada cidade, assim como das

    entidades civis de representao.

    Na prtica, isso leva muito tempo para ser implementado na

    forma como foi elaborado. Isso ocorre por causa dos conflitos entre as

    entidades beneficiadas e as prejudicadas ou pelo custo de algumas

    aes. Alm de que, as aes das polticas urbanas, de transporte e de

    trnsito raramente so coordenadas.

    Existe um desafio para os planejadores e administradores urbanos

    em toda essa reflexo sobre a cidade, mas em particular no Brasil.

    Segundo Moreno (2002), tem-se um alento que o Estatuto da Cidade,

    tambm chamado de Lei de Responsabilidade Social Lei n 10.257, de

    2001.

    Esse instrumento passou a disciplinar as principais diretrizes do

    meio ambiente artificial, fundado no equilbrio ambiental. Desse modo,

    possumos, finalmente, uma legislao federal relacionada diretamente

    com as cidades, o que torna cada vez mais vivel a vinculao da

    execuo da poltica urbana ao conceito de direito sadia qualidade de

    vida, assim como ao direito satisfao dos valores da dignidade da

    pessoa humana e da prpria vida, tendo em vista a funo social da

    cidade agora institucionalizada. Essa ferramenta de planejamento urbano no apenas fixa novos

    instrumentos que podem levar a uma reforma urbana no pas, mas

    tambm cria reais condies para que a populao em geral participe

    democraticamente da definio do futuro de nossas aglomeraes,

    mediante rgos colegiados, debates, audincias e consultas pblicas,

  • 38

    conferncias e iniciativa popular de projetos de lei e de planos,

    programas e projetos de desenvolvimento urbano.

    O Estatuto da Cidade traz ainda um novo instrumento para um

    efetivo planejamento urbano, o Estudo de Impacto de Vizinhana EIV,

    por meio do qual os moradores de cada bairro passam a ter direito de

    participar da aprovao de projetos pblicos ou privados, em sua

    vizinhana, que possam afetar a qualidade de vida, provocando

    adensamento populacional, barulho, problemas de trnsito, dentre

    outros. Podem ser citados como exemplos de empreendimentos, os

    shoppings, os cemitrios, as casas de espetculos, os aterros sanitrios,

    os templos, dentre outros.

    Nunes (2011), sobre a questo da gesto urbana e o debate sobre

    o planejamento antes da verticalizao, discorre que:

    As cidades devem trilhar o caminho do

    planejamento sustentvel, criando polticas

    governamentais, cujos programas, projetos e

    aes, tratem o meio ambiente atravs de uma

    concepo mais ampla de valores histricos,

    culturais, sociais, econmicos, paisagsticos e

    humanos, incorporando tecnologias limpas e

    adequadas. Ver a cidade, essencialmente em

    termos do aproveitamento dos seus espaos,

    apenas sob o ponto de vista econmico-financeiro,

    priorizando a construo civil lucrativa, com o

    velho discurso da modernizao, com certeza

    ocasionar perdas de qualidade de vida (NUNES,

    2011, p. 58).

    Para Souza (2006), o planejamento e a gesto devem ser

    desmistificados, socializados e popularizados, de forma a permitir o

    envolvimento da sociedade civil. Os planejadores profissionais precisam

    colaborar com a socializao de informaes e a facilitao da

    comunicao, pois o objetivo central sempre ajudar a organizar e a

    preparar a sociedade para uma participao ldica e com conhecimento

    de causa, informando e colaborando para ampliar a conscincia de

    direitos, das crianas e adolescentes aos adultos. Isso pressupe que as polticas pblicas e os documentos legais sejam traduzidos para uma

    linguagem acessvel, para o completo entendimento dos cidados.

    3.2.1 Plano Diretor e Relaes de Poder

  • 39

    3.2.1.1 Plano Diretor e Capital Imobilirio

    Os autores Barbosa e Nascimento Jnior (2009) fazem uma

    crtica ao planejamento urbano que acabou se tornando um trabalho

    tcnico e abstrato. Segundo os autores, esses planos elaborados por

    tcnicos e especialistas produzem muitos resultados, mas nos conduzem

    a uma anlise pragmtica e mecanicista da cidade, acelerando, de certa

    forma, as desigualdades sociais e agravando seu aspecto ecolgico,

    principalmente quando define suas formas de ocupao, impondo os

    lugares para as diferentes camadas da sociedade.

    Nas sociedades capitalistas, no novidade que o capital

    imobilirio interfere sobre o desenvolvimento urbano, como

    complementam Logan e Molotch (1987 apud CARVALHO, 2013, p.

    546) ao admitirem que

    Nessas sociedades, a produo do espao urbano

    envolve um conflito entre o seu valor de uso e o

    seu valor de troca, o que ope, de um lado, os

    moradores da cidade, interessados, sobretudo, na

    defesa da sua qualidade de vida, e, de outro, uma

    coalizo de interesses econmicos, comandada

    pelo capital imobilirio, que busca um maior

    retorno financeiro e uma ampliao dos seus

    lucros, com a transformao da cidade em uma

    espcie de mquina de crescimento.

    Carvalho (2013) destaca que o capital imobilirio vem assumindo

    atualmente um novo protagonismo no desenvolvimento das grandes

    cidades brasileiras, destacando a mudana na estrutura econmica e

    social dessas cidades. Essa postura difunde novos padres habitacionais

    com a proliferao de condomnios verticais e horizontais fechados e

    protegidos por dispositivos de separao fsica e simblica, como

    muros, cercas e sofisticados aparatos de segurana, o que amplia a

    autossegregao dos mais ricos e as desigualdades urbanas.

    O autor complementa dizendo que existe o abandono por parte do

    prprio Estado das suas funes tradicionais de planejamento e gesto

    urbana, que acabam sendo transferidas para atores privados, levando a uma afirmao crescente da lgica do capital imobilirio na produo e

    reproduo dessas cidades, ocasionando impactos decisivos sobre a

    estrutura urbana e sobre a vida de sua populao.

    A cidade, ou, mais especificamente, a vivncia na cidade,

    tambm pode contribuir na formao do carter, tanto para o bem

  • 40

    quanto para o mal, pois a cidade-priso, os muros, as cercas

    eletrificadas e os aparelhos de vigilncia, o medo e a segregao, tudo

    isso colabora na gerao de um cidado muito diferente daquele

    socializado em um espao onde as formas espaciais e os territrios

    traduzem liberdade e estimulam a solidariedade. E tanto o planejamento

    quanto a gesto tm desempenhado, quase sempre, um papel na

    produo de cidade-priso (SOUZA, 2002 apud SOUZA, 2006).

    O planejamento urbano deve tambm romper com os modelos de

    planejamento externos, que muitas vezes so aceitos para nortear os

    caminhos do desenvolvimento em nossas cidades.

    Como complementa Santos (1994 apud BARBOSA; NASCIMENTO JNIOR, 2009, p. 31), o planejamento urbano tem

    desconsiderado a maior parte da populao, negligenciando o meio

    fsico e social, pois os planos esto obedientes aos modelos das cidades

    internacionais.

    A construo de uma cidade deve possuir como premissa um

    modelo de planejamento urbano norteado, principalmente, por uma

    postura tica, comprometida a dar condies polticas e econmicas,

    mas priorizando a manuteno dos processos ecolgicos.

    A melhoria do bem-estar dos habitantes de uma cidade parte da

    necessidade de se garantir a atividade socioeconmica e a qualidade

    ambiental urbana, evitando os processos de degradao dos recursos do

    meio urbano (BARBOSA; NASCIMENTO JNIOR, 2009).

    3.2.1.2 Planos Diretores de Cricima: Histrico e Influncias

    Na cidade de Cricima, segundo Preis (2013), foram aplicadas

    diversas prticas de planejamento urbano em diferentes momentos

    histricos pelos quais o municpio passava. Ao longo dos anos, j foram

    elaborados no municpio cinco planos diretores, tendo cada um deles

    caractersticas diferenciadas dadas ao contexto poltico nacional e local,

    alm das influncias dos urbanistas de cada poca e das foras polticas

    e econmicas da cidade. O autor tambm explica que os planos

    diretores, mesmo contendo propostas objetivas e benficas para o

    desenvolvimento da cidade, estas foram, muitas vezes, barradas ou

    ignoradas por interesses privados.

    Percebe-se, utilizando as argumentaes de Preis (2013), que a

    paisagem da cidade de Cricima se transformou para atender demanda

    de crescimento que passou pela influncia de vrios setores (minerao,

    cermica, construo civil, dentre outros). Relacionado a isso, cada

    Plano Diretor de Cricima reflete um momento econmico distinto e as

  • 41

    relaes de poder que se expressaram no espao de formas distintas.

    Segundo Preis (2013, p. 86),

    Para entender as dificuldades de implantar um

    Plano Diretor Participativo em Cricima,

    necessrio primeiro compreender que as

    condies territoriais incidem no processo de

    planejamento, seja pela paisagem atual, que

    fruto das relaes de poder pretritas e atuais, seja

    pela tendncia de alterao futura desta em favor

    dos grupos atualmente dominantes.

    A primeira tentativa de implantao de um Plano Diretor na

    cidade de Cricima foi na dcada de cinquenta, perodo em que a

    atividade carbonfera estava fortalecida na regio. O Plano de 1957

    definiria o permetro urbano, o planejamento de melhorias virias

    marginais ao leito do rio e a proposio de reas verdes que no foram

    concretizadas devido s resistncias por parte dos comerciantes e

    proprietrios de terras que pressionaram os polticos para no implant-

    las. Essas propostas poderiam garantir o fluxo virio futuro e manter o

    canal de drenagem aberto para evitar inundaes (PREIS, 2013).

    No perodo de vigncia do Plano Diretor de 1973, a atividade de

    minerao estava no auge e despontava a indstria cermica, seguida

    pela indstria plstica, qumica e de vesturio. Como consequncia,

    houve uma significativa expanso demogrfica e a necessidade de

    implantao de loteamentos tanto para atender a classe mdia quanto a

    classe operria. Nesse perodo, o objetivo era atender demanda de mo

    de obra sem priorizar as condies habitacionais e a estrutura social

    necessria, tanto que foi nessa poca que houve a ocupao em

    abundncia de reas degradadas, ocasionando problemas que foram

    alm da ocupao irregular, refletindo nas condies de sade e

    potencializando o risco social. Esse Plano, elaborado por uma equipe

    tcnica de Porto Alegre, tambm foi remodelado por tcnicos locais

    para, inclusive, trazer benefcios para grupos econmicos locais.

    Segundo Porto (2008 apud PREIS, 2013), vrias leis posteriores descaracterizaram algumas reas especiais e reas verdes, e no foram

    realizados os previstos alargamentos de ruas. Alm disso, os critrios

    mantidos no eram cumpridos como se constata em projetos realizados

    com a conivncia do poder pblico no perodo de vigncia do plano.

    Devido ao fato de no haver tcnicos para auxiliar no

    cumprimento das questes urbansticas, fica claro o desinteresse do

  • 42

    poder pblico pelas questes que norteiam o desenvolvimento urbano da

    cidade, deixando o poder de deciso sobre o futuro da cidade nas mos

    dos proprietrios de terras e de capital.

    O Plano Diretor de 1984 foi promovido justamente pelo fato de o

    plano anterior no seguir os parmetros para a melhoria da cidade, mas

    sim os interesses dos empreendedores. Esse Plano contou, nesse

    perodo, com uma equipe tcnica auxiliada por profissionais da cidade,

    vinculada ao poder pblico. Esse fato proporcionou a verticalizao de

    reas residenciais at ento familiares. A substituio de residncias por

    prdios em bairros mais valorizados foi favorecida, principalmente pelo

    fato deste Plano j estar de acordo com os interesses imobilirios da

    poca, o que indica que as construtoras vinham ganhando fora com a

    verticalizao e interferiam na definio das regras do Plano Diretor

    (PREIS, 2013).

    O Plano de 1999 entra em cena aps o declnio da atividade de

    minerao, a expanso do comrcio e a acelerao da verticalizao

    central, sendo o foco imobilirio a construo de edifcios na rea

    central e nos bairros do entorno, como o Comercirio. Esse processo foi

    motivado pela centralidade do comrcio, dos servios de sade e

    educacionais, dentre outros. E foi sob a vigncia desse Plano bastante

    permissivo que muitas construtoras da cidade ampliaram seus lucros e

    reinvestiram em novos empreendimentos, possibilitando uma excessiva

    verticalizao, mercado esse j em expanso, influenciado tambm pelos

    imigrantes do sul do estado que estavam trabalhando na Europa e nos

    Estados Unidos, os quais investiram seus ganhos em imveis na cidade.

    Ficou claro, em relao ao Plano de 1999, que houve o

    predomnio de interesses de trs agentes econmicos: os comerciantes

    centrais, as construtoras e as indstrias (PREIS, 2013). Podemos

    observar, por meio do histrico de tentativas de implantao de Planos

    Diretores na cidade de Cricima, que tais documentos foram gerados

    por tcnicos direcionados por agentes polticos e econmicos de cada

    perodo histrico pelo qual a cidade passava, ignorando os anseios da

    populao para continuar privilegiando poucos interessados.

    Pode-se confrontar tal afirmao com a ideia do direito cidade

    de Lefebvre (1968), que associa a cidade a um mercado, onde o lucro

    o fator principal e as relaes sociais e a participao democrtica ficam

    em segundo plano (PREIS, 2013).

    3.3 VERTICALIZAO URBANA

  • 43

    A verticalizao, que considerada um marco revolucionrio na

    paisagem urbana, surge nas cidades como uma nova ideologia, uma

    nova concepo de morar, estando associada, na maioria das vezes, a

    uma boa localizao, infraestrutura e segurana.

    Esse processo de expanso vertical observado na maioria das

    cidades brasileiras, antes observado apenas em grandes metrpoles, hoje

    j pode ser visto em cidades mdias e at pequenas. Acompanhando o

    processo de expanso urbana horizontal das cidades, impulsionada

    principalmente pela ampliao do crdito imobilirio, propiciou a sua

    expanso vertical (MORAIS; SILVA; MEDEIROS, 2007).

    A verticalizao, segundo Ficher (1994 apud RAMIRES, 1998), pode ser apontada como um exemplo de materizalizao das

    transformaes tcnicas que atingem a cidade contempornea de forma

    contundente. Esse processo no deve ser considerado como uma

    consequncia natural da urbanizao, mas como uma das possveis

    opes traadas e definidas pelos diferentes atores sociais e interesses

    econmicos que envolvem a estruturao interna das cidades.

    O processo de urbanizao reflete impactos no meio fsico,

    principalmente no solo que compactado, diminuindo a porosidade e a

    infiltrao de guas pluviais, fazendo aumentar o processo de

    escoamento superficial e a eroso do solo, maximizando, assim, o

    potencial de degradao.

    Com relao implantao de edificaes, podem ser observadas

    implicaes tanto no aspecto ambiental quanto na infraestrutura da

    cidade, como o aumento do trfego, ocasionando a gerao de rudo e a

    emisso de poluentes atmosfricos; o aumento da demanda de gua para

    abastecimento pblico; o aumento na gerao de resduos slidos; e a

    sobrecarga nos servios de coleta, transporte, tratamento e disposio

    final dos efluentes (MORAIS; SILVA; MEDEIROS, 2007).

    Os agentes produtores do espao urbano apropriam-se e

    consomem o espao como se este fosse uma mercadoria, no para a sua

    satisfao pessoal, mas para realizar um desejo de lucro. Essa

    apropriao e consumo ocorrem de forma diferenciada, tendo em vista

    que os processos sociais, polticos, culturais e econmicos que

    comandam a estruturao/reestruturao do espao urbano sempre se

    realizam de modo desigual.

    Como complementa Souza (1994 apud RAMIRES, 1998), a verticalizao do espao urbano representa uma revoluo na forma de

    construir, afetando a dinmica de acumulao/reproduo do capital no

    setor da construo civil e do mercado imobilirio.

  • 44

    Segundo Ramires (1998), possvel identificar alguns pontos de

    consenso entre as ideias apresentadas por diferentes autores com relao

    verticalizao das cidades brasileiras que apresentam a verticalizao

    como um fato relacionado aos tempos modernos: 1) os edifcios altos,

    na maioria das vezes, so apontados como um marco revolucionrio na

    fisionomia das cidades; 2) h uma revoluo na forma de construir,

    dando maior evidncia importncia da tcnica na produo do espao

    urbano, afetando, assim, a dinmica de acumulao/reproduo do

    capital; 3) provoca profundas alteraes na estrutura interna das cidades,

    destacando-se as mudanas na estrutura social, o valor e o uso do solo

    urbano; 4) exige uma nova responsabilidade do Poder Pblico no

    sentido de disciplinar o seu processo de ocupao com relao

    legislao urbana, evidenciando a importncia desta para a gesto desse

    processo, pois percebido que quando relacionamos a verticalizao e a

    legislao urbana, a regra geral que observamos com frequncia a de

    subordinao da lei aos grupos de interesses determinados que

    produzem o espao urbano; 5) a verticalizao tambm no pode ser

    compreendida sem analisarmos as prticas socioespaciais contidas na

    lgica do capital imobilirio, enquanto agente capaz de produzir

    mudanas significativas na estrutura interna das cidades.

    interessante destacar que a verticalizao enquanto um

    elemento do crescimento urbano, segundo Costa (2000), no deve ser

    vista como um problema por si s. Ela tambm importante na medida

    em que atende s necessidades do modelo econmico e da sociedade em

    que vivemos, sendo vista como uma soluo para os problemas

    espaciais, pois favorece a otimizao do uso do solo por meio das

    construes verticais. O edifcio vertical, construdo de forma planejada,

    um elemento importante na grande cidade, pois alm de favorecer o

    desenvolvimento das funes pertinentes a cada centro urbano, fornece

    aos seus usurios comodidade, conforto e segurana.

    Segundo Scussel e Sattler (2010), a verticalizao no boa nem

    m; a questo bem mais complexa e est atrelada a um conjunto de

    fatores, sejam eles os custos da infraestrutura urbana, a tipologia das

    edificaes, a estruturao da malha viria, dentre outros, que

    combinados definem a qualidade do espao urbano.

    As estratgias para a organizao espacial variam no tempo e no

    espao, dependendo, logicamente, dos agentes produtores da cidade,

    como o Estado, os proprietrios fundirios e os promotores imobilirios.

    A produo desse espao fica representada nas diversas paisagens

    geogrficas que dominam o cenrio urbano e que foram produzidas

    atravs de relaes sociais ao longo do processo histrico. Sendo assim,

  • 45

    a verticalizao apontada como a soluo encontrada para resolver os

    problemas do grande aglomerado de pessoas que vivem nas grandes

    cidades (SILVA; ASSIS NETO; OLIVEIRA, 2013).

    O processo de verticalizao pode ser considerado extremamente

    complexo, podendo sugerir diferentes caminhos de abordagens.

    Segundo Casaril e Fresca (2007), uma abordagem bastante utilizada a

    interpretao e anlise econmica do processo de verticalizao, visando

    analisar quem so os agentes construtores e incorporadores que

    produzem a verticalizao. A abordagem do planejamento urbano

    tambm muito utilizada, pois com a ampliao da verticalizao

    brasileira nas cidades, o Poder Pblico se v na condio de criar

    mecanismos regulatrios e de ampliao da infraestrutura urbana, em

    especial para atender a essas reas adensadas.

    A abordagem ambiental, ainda pouco estudada, tambm

    importante, pois d destaque para os impactos ambientais provocados

    pela verticalizao fortemente concentrada territorialmente.

    Segundo Scussel e Sattler (2010), discutir sobre a verticalizao

    urbana incumbe uma discusso sobre os modelos de planejamento, cujos

    principais, segundo os autores, referem-se ao modelo compacto de

    cidade e ao modelo de cidade espraiada. No caso das cidades brasileiras,

    no houve uma discusso sobre o modelo de cidade a ser seguido no

    momento mais importante do crescimento e desenvolvimento urbano

    devido rpida inverso demogrfica entre o campo e a cidade, o que

    produziu um meio urbano desordenado e desestruturado. Diante disso, o

    poder pblico cedeu a funo de planejamento das cidades para os

    setores da sociedade que viam na especulao imobiliria uma fonte de

    lucros.

    De acordo com Rosa (2011 apud OLIVEIRA et al, 2015), o

    governo brasileiro passou a dar importncia s questes voltadas ao

    planejamento urbano a partir da dcada de 80, quando os diversos

    setores da sociedade passaram a pressionar as autoridades, que estavam

    fartas das problemticas urbanas. Com a criao, em 2001, do Estatuto

    das Cidades e, em 2003, do Ministrio das Cidades, houve uma maior

    solidificao dos meios legais na busca de um modelo de urbanizao a

    ser seguido. No entanto, apesar de o caminho para se discutir e planejar

    o desenvolvimento sustentvel das cidades ter sido encontrado, era tarde

    demais, pois a maioria das cidades brasileiras j estavam inchadas e com

    graves problemas urbanos, muitos deles provenientes de um processo de

    urbanizao desenfreada.

  • 46

    A verticalizao acentuada foi adotada como uma

    das formas de ocupao e aproveitamento da terra

    urbana e o que se observa, muitas vezes, um

    empilhamento de edificaes verticalizadas e,

    consequentemente, um empilhamento humano.

    Este tipo de ocupao do solo verticalizado, sem

    um planejamento estrutural e global da cidade,

    pode no ser a soluo mais adequada, levando-se

    em considerao as consequncias que dela

    podem emergir, mantidas as tendncias de

    configurao urbana atuais de produo espacial:

    congestionamentos, poluio do ar, carncia de

    reas verdes e de lazer pblicos tratados prximos

    s residncias, com mudanas na forma de

    insolao e direcionamento dos ventos, alm da

    prpria relao de vizinhana, podendo conduzir a

    interferncias na qualidade do espao residencial

    e, em decorrncia disso, na qualidade de vida da

    populao (SILVEIRA; SILVEIRA, 2014, apud

    OLIVEIRA et al., 2015, p.15).

    Segundo Oliveira et al. (2015), para entender o processo de verticalizao das cidades brasileiras, deve ser analisada a influncia de

    cinco importantes fatores: a rpida e descontrolada urbanizao devido

    ao processo de industrializao, a alta lucratividade do setor de venda de

    imveis e especulao imobiliria, a falta de espao nas localidades bem

    estruturadas dos centros urbanos, a ausncia do governo no processo de

    urbanizao e na responsabilidade de democratizar o meio urbano e o

    fascnio visual e tecnolgico exercido pela concentrao de edifcios no

    centro urbano.

    Devido escassez de espao nos locais mais bem estruturados

    das cidades, houve a necessidade de se multiplicar o espao,

    possibilitando a construo de novas moradias por meio dos edifcios.

    Rosa (2011 apud OLIVEIRA et al, 2015) cita que a construo de

    edifcios no Brasil sobreps de forma violenta a especulao imobiliria

    e a busca imoral pela maximizao dos lucros sobre a funo social que

    o processo de verticalizao deve ter. A autora ainda complementa que a

    m verticalizao pode causar diversos problemas.

    Diversos problemas so criados pelo crescimento

    vertical desenfreado de uma cidade, determinada

    regio ou zona, problemas congnitos como alta

    densidade populacional, criao de microclimas,

  • 47

    dificuldades de abastecimento de gua urbano,

    canalizao do vento, maior gasto de energia

    eltrica, impermeabilizao do solo, dificuldade

    na implantao e funcionamento da rede de

    esgotos, trnsito catico, sombreamentos de

    residncias, escassez de reas verdes [...]. (ROSA,

    2011 apud OLIVEIRA et al, 2015, p. 18).

    O processo de verticalizao, segundo Nucci (1997 apud

    OLIVEIRA et al, 2015), aponta quem so os beneficiados e quem so os

    prejudicados pela verticalizao descontrolada:

    As consequncias da verticalizao no ficam circunscritas rea verticalizada. Elas influenciam

    na qualidade de vida de toda a populao ao redor,

    desde a vizinha at a mais distante. Os nicos que

    ganham com a construo de enormes edifcios

    so os empreendedores, o governo e os que

    compram os apartamentos para especular. At o

    prprio morador pode sair perdendo com o tempo.

    Se o indivduo est interessado em comprar,

    torna-se, portanto, a favor da verticalizao,

    mesmo que o edifcio no qual ele tenta adquirir

    um apartamento venha a diminuir a qualidade de

    vida ao redor, mas depois que adquiriu o bem, se

    revolta com a verticalizao dos lotes vizinhos.

    (NUCCI, 1997, apud OLIVEIRA et al, 2015, p.

    25).

    Tendo em vista os impactos positivos tambm proporcionados

    pelos edifcios altos, estes esto associados ideia de progresso, de

    modernidade, de desenvolvimento e de poder, ao impacto esttico

    positivo na paisagem e funo do edifcio alto como marco referencial,

    tanto de localizao como de smbolo ou cone de uma cidade

    proporcionada pela verticalizao (GREGOLETTO; REIS, 2012).

    A verticalizao, na viso de Ficher (1994 apud UEDA;

    CASTRO, 2013), representa, alm das transformaes j apresentadas

    na paisagem, uma modificao nos significados e valores associados ao espao urbano e nas relaes interpessoais, estabelecendo uma nova

    relao entre o homem e o espao. E essas novas relaes que se

    constroem, tanto interpessoais como aquelas entre o indivduo ou grupos

    e o seu espao, acabam resultando em novas configuraes do espao

    fsico, que vai se transformando para se adaptar a essas novas demandas.

  • 48

    3.4 CIDADES VULNERVEIS X CIDADES SUSTENTVEIS

    Segundo Oliveira e Milioli (2012), o estilo de vida associado ao

    consumismo, ao objetivo econmico e ao esgotamento dos recursos

    naturais trouxe problemas socioambientais que, consequentemente,

    alteraram o estilo de vida, propiciando a expanso urbana, grandes

    aglomeraes e densidades humanas, degradao das terras, acmulo de

    resduos, todo tipo de poluio, doenas e medos e, mais recentemente,

    as mudanas climticas. Ainda como complemento, segundo os autores,

    o processo de industrializao e urbanizao funciona como uma

    engrenagem, a qual gera, alm de problemas ecolgicos, tambm os

    problemas sociais, trazendo desigualdades no acesso a bens e servios

    urbanos e diminuio da qualidade dos servios. Essa situao uma

    indicao de que os problemas so complexos, interligados e

    interdependentes e de que tudo isso, aliado omisso das autoridades

    pblicas, aumenta os espaos construdos sem qualidade, faz crescer o

    setor informal e as reas ocupadas ilegalmente, produzindo a

    marginalizao social.

    A expanso urbana no um fenmeno novo ligado ao

    desenvolvimento da industrializao, mas a acelerao desse movimento

    nos dias de hoje que est colocando em cheque a funo e o papel da

    cidade, pois parece que a humanidade est presa num movimento

    irreversvel, tendendo a transformar o planeta num vasto setor urbano.

    Para Canepa (2007), desde as civilizaes primitivas at as mais

    desenvolvidas, a qualidade de vida tem sido amplamente buscada pelos

    povos; entretanto, o atual modelo de crescimento econmico gerou

    enormes desequilbrios pois se por um lado nunca houve tanta riqueza

    e fartura no mundo, por outro, a misria, a degradao ambiental e a

    poluio aumentam dia a dia. A contribuio para essa realidade de

    posies antagnicas est baseada na quebra de paradigmas entre

    crescimento e desenvolvimento econmico.

    percebido que se busca o aumento quantitativo em termos de

    renda per capita ou Produto Interno Bruto, que por si s no garantia

    de que uma sociedade seja desenvolvida. Para que haja o verdadeiro

    desenvolvimento de uma regio, imprescindvel que atrelado a esse

    crescimento econmico quantitativo seja promovido o crescimento

    qualitativo, mas este s ser possvel quando estes mesmos recursos

    econmicos forem alocados para os diversos setores da sociedade, tais

    como educao, sade, habitao, saneamento, emprego, distribuio

    equitativa de renda, preservao ambiental, entre outros.

  • 49

    Por todo o mundo, nas ltimas dcadas, o domnio pblico nas

    cidades e os espaos pblicos entre os edifcios tm sido negligenciados.

    Para mudar essa realidade, so necessrios novos conceitos de

    planejamento urbano para integrar as responsabilidades sociais.

    Segundo Rogers (1997), as cidades cresceram e se transformaram

    em estruturas to complexas e difceis de administrar, que quase no nos

    lembramos de que elas existiam em primeiro lugar e, acima de tudo,

    para satisfazer as necessidades humanas e sociais das comunidades.

    De fato, geralmente, as cidades no conseguem ser vistas sob essa

    tica. Quando questionadas sobre as cidades, provavelmente as pessoas

    iro falar de edifcios e carros, em vez de falarem de ruas e praas. Se

    perguntadas sobre a vida na cidade, falaro mais do distanciamento, do

    isolamento, do medo da violncia ou do congestionamento e da poluio

    do que de comunidade, participao, animao, beleza e prazer.

    Provavelmente, diro que os conceitos de cidade e qualidade de

    vida so incompatveis.

    No mundo desenvolvido, esse conflito est levando os cidados a

    se enclausurarem em territrios particulares protegidos, segregando

    ricos e pobres e acabando com o verdadeiro significado do conceito de

    cidadania. O autor ainda acrescenta que as cidades s podem refletir os

    valores, os compromissos e as resolues da sociedade que elas

    abrigam; como consequncia, o sucesso de uma cidade vai depender de

    seus habitantes e do poder pblico, alm da prioridade que ambos do

    criao e manuteno de um ambiente urbano e humano.

    A opo da humanidade de habitar coletivamente fez com que a

    cidade se enobrecesse ao possibilitar aos seus habitantes vrias

    vantagens, como o acesso habitao, emprego, abastecimento,

    saneamento, energia, educao, sade, transporte e lazer.

    Logicamente, segundo Danni-Oliveira (2001), esse rol de

    facilidades traria, sem dvidas, consequncias negativas ao habitat

    urbano, resultando, para muitas cidades metropolitanas, em situaes de

    colapso de seu meio, por intermdio de episdios de transbordamento

    dos seus rios, de desmoronamentos das vertentes dos seus morros ou por

    situaes de comprometimento da qualidade do ar que os moradores

    respiram (DANNI-OLIVEIRA, 2001 apud MENDONA, 2004).

    A vulnerabilidade das cidades tambm pode estar associada

    natureza climtica, visto que as sociedades tornam-se cada vez mais

    indefesas diante de eventos naturais extremos, particularmente os de

    origem meteorolgica, hidrolgica e geolgica. De acordo com

    Gonalves (2011), medida que a populao cresce e a ocupao se faz

  • 50

    em reas cada vez mais extensas, a chance e o risco de determinados

    eventos acontecerem tambm aumenta.

    A ordenao do desenvolvimento das funes sociais da cidade

    como forma de garantir o bem-estar de seus habitantes objetivo da

    poltica de desenvolvimento urbano. Segundo Saule Junior (1997), a

    funo social da cidade deve atender aos interesses da populao de ter

    um meio ambiente sadio e promover condies dignas de vida; ou seja,

    enquanto a populao no tiver acesso ao saneamento bsico, cultura,

    ao transporte pblico, ao lazer, moradia, segurana, educao e

    sade, a cidade no estar atendendo sua funo social.

    De maneira breve, a poltica de desenvolvimento urbano deve ser

    destinada a promover o desenvolvimento sustentvel, atendendo s

    necessidades essenciais das presentes e futuras geraes. Para isso, so

    necessrias medidas e polticas formuladas e implementadas com a

    participao popular, voltadas para a proteo do meio ambiente sadio,

    da eliminao da pobreza, da reduo das desigualdades sociais e da

    adoo de novos padres de produo e consumo sustentveis.

    Duas vertentes importantes defendem a necessidade de se buscar

    uma resposta ambiental para as polticas pblicas para o meio urbano.

    Segundo Ribeiro (2006), so elas: a crtica s cidades biocidas ou

    doentes; a defesa da cidade ecolgica; e a tentativa de se evitar que o

    crescimento urbano ultrapasse a capacidade de suporte. Como

    contribuio, Rogers (1997) lembra que em 1900 apenas um dcimo da

    populao mundial vivia em cidades. Hoje, esse nmero compreende

    metade da populao mundial.

    Esse crescimento da populao urbana e os padres de moradia

    ineficientes aceleram cada vez mais o aumento da taxa de poluio,

    sendo uma ironia a cidade, habitat da humanidade, caracterizar-se como

    o maior agente destruidor do ecossistema e a maior ameaa para a

    sobrevivncia da humanidade no planeta. O autor completa dizendo que

    se as cidades esto destruindo o equilbrio ecolgico do planeta, nossos

    padres de comportamento econmico e social so as causas principais

    de seu desenvolvimento, acarretando desequilbrio ambiental.

    A cidade, no aspecto da modificao ambiental, representa a

    maior e mais radical modificao no ambiente natural realizada pela

    humanidade. Dessa maneira, o nvel de sustentabilidade depender de

    quanto os impactos positivos criados pelo sistema (servios ambientais,

    sociais e econmicos) superam os aspectos negativos (degradao

    ambiental, poluio, excluso social, etc.). Sendo assim, a cidade

    sustentvel seria aquela que maximiza os impactos positivos em favor

    de uma busca da qualidade de vida e, por outro lado, minimiza os

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    impactos negativos ou os elementos contrrios ao equilbrio ambiental e

    social.

    Para Ribeiro (2006), o conceito de desenvolvimento sustentvel

    muito mais amplo e abrangente do que a simples conservao ou

    proteo ambiental. Possui uma abrangncia interdisciplinar que inclui a

    preocupao com as dimenses sociais, ticas, econmicas,

    tecnolgicas, culturais e, evidentemente, com a manuteno dos

    ecossistemas, da qualidade ambiental, da qualidade de vida e equidade

    social em um momento presente e dentro de um princpio de equidade

    de longo prazo. Tambm considera a necessidade de justia e equidade

    entre as geraes, ou seja, intergeracional, considerando que os seres

    humanos que ho de vir merecem um ambiente to bom ou, de

    preferncia, melhor que o que usufrumos atualmente.

    Sob o ponto de vista urbano, segundo Souza e Milioli (2012), a

    promoo de alternativas para a sustentabilidade nas cidades fica

    atrelada anlise de aspectos como a concentrao excessiva de reas