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Universidade de Brasília Instituto de Artes Departamento de Design Hiram de Barros Miller Balas Contadas: narrativa gráfica independente sobre amizade e perda Brasília 2017

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  • Universidade de Brasília

    Instituto de Artes

    Departamento de Design

    Hiram de Barros Miller

    Balas Contadas: narrativa gráfica independente

    sobre amizade e perda

    Brasília

    2017

  • Hiram de Barros Miller

    Balas Contadas: narrativa gráfica independente

    sobre amizade e perda

    Relatório apresentado ao Departamento

    de Design da Universidade de Brasília

    como trabalho realizado ao longo da

    Diplomação em Programação Visual.

    Orientadora: Georgia Castro

    Co-Orientador: Victor Guerra

    Brasília

    2017

  • Agradecimentos

    Agradeço a todos que fizeram parte deste projeto, como fonte de inspiração

    e como apoiadores que ajudaram a tornar este sonho realidade.

    À professora Georgia Castro por aceitar prontamente este e qualquer desafio

    e ao professor Victor Guerra pela visão estruturada que guiou as etapas mais

    difíceis.

    Ao professor Tiago Barros, obrigado pelas aulas motivadoras, dentro e fora

    de sala.

    Agradeço infinitamente à minha pequena e querida família, minha mãezinha

    Maria em especial, por nunca deixar faltar amor em casa.

    Muito obrigado aos meus amigos que, de longe ou de perto, me ajudam a

    crescer todos os dias.

    À minha amada companheira Thayana, por fazer nossa vida ser leve e

    divertida.

  • Sumário

    Índice de Ilustrações

    Resumo

    1. Introdução

    1.1 Contextualização do Projeto............................................... 8

    1.2 Justificativas do projeto....................................................... 8

    1.3 Objetivo Geral....................................................................... 9

    1.4 Objetivos Específicos............................................................ 9

    2. Metodologia.................................................................................. 10

    2.1 Modelo Lean......................................................................... 11

    2.2 MVP........................................................................................ 12

    2.3 Duplo-Diamante................................................................... 12

    2.4 Etapas.................................................................................... 13

    3. Referencial Teórico

    3.1 Histórias em quadrinhos,

    arte sequencial e narrativas................................................ 15

    3.2 Produção de quadrinhos independentes......................... 16

    4. Mensagem ........................................ 17

    5. Inspirações e Referências ........................................ 18

    6. A produção da narrativa gráfica ........................................ 26

    6.1 Roteiro................................................................................. 26

    6.1.1 O Título: Balas Contadas.............................. 33

    6.2 Perfil de Personagem........................................................ 34

    6.3 Layout......................................,............................................. 37

    6.4 MVP — Avaliações durante a produção........................... 40

    6.5 Desenhos a grafite, arte-finalização e cores.................... 42

    6.5.1 Páginas inteiras............................................. 42

    6.5.2 Desenho e arte-final tradicional.................. 44

    6.5.3 Pintura digital................................................ 46

    7. Letreiramento.............................................................................. 49

    7.1 Onomatopeias................................................ ........................ 53

  • 8. Divulgação e Publicação.............................................................. 56

    8.1 Impressão sob demanda.................................................. 56

    8.2 Impressão Offset................................................................ 57

    8.3 Campanha no Catarse..................................................... 62

    9. Considerações Finais

    Índice de Ilustrações

    Fig. 1: Diagrama do Duplo-Diamante 13

    Fig. 2: Etapas do desenvolvimento do projeto. 14

    Fig. 3: Pôsteres de filmes de faroeste 19

    Fig. 4: Cartaz do filme: Era uma vez no Oeste (1968) 20

    Fig.. 5: Cartaz do filme: O Bom, O Mal e o Feio (1968) 20

    Fig. 6: Cenas dos filmes O bom, o mal e o feio, e Era uma vez no Oeste 21

    Fig. 7: Painéis do quadrinho Balas Contadas 21

    Fig. 8: Cena do filme Era uma vez no Oeste 22

    Fig. 9: Painel do quadrinho Balas Contadas 22

    Fig. 10: Capas do quadrinho TEX 23

    Fig. 11: Capas de SCALPED e Preacher 23

    Fig. 12: Just a pilgrim, desenhos de Carlos Ezquerra e cores de Paul Mounts 24

    Fig. 13: Modelo de roteiro para referência 27

    Fig. 14: Páginas 1 e 15 do roteiro do quadrinho Balas Contadas 28

    Fig. 15: Exemplo de virada de páginas 19 e 20 do quadrinho Balas Contadas 31

    Fig. 16: Momento de retenção (p.26 e p.27) no quadrinho Balas Contadas 32

    Fig. 17: Grids lineares e não lineares 36

    Fig. 18: Exemplos de Grid em 9 painéis 37

    Fig. 19: Exemplos de Grid com painéis variados 38

    Fig. 20: Exemplo de Layout e Grafite da página 1 do quadrinho Balas Contadas 39

    Fig. 21: Páginas 6 e 7 da introdução apresentada para avaliação do público 40

    Fig. 22: Páginas do Balas Contadas em tamanho A3 em grafite 42

    Fig. 23: Páginas do Balas Contadas em tamanho A3 em grafite 42

    Fig. 24: Capa do Balas Contadas em grafite e arte-final em nanquim 43

    Fig. 25: O processo de arte-finalização se repete nas 70 páginas 44

    Fig. 26: Cores Base dos personagens do quadrinho Balas Contadas 46

    Fig. 27: Páginas 1 e 65 do quadrinho Balas Contadas, mostrando o uso das

    cores em cenas de aventura e tristeza, respectivamente 47

    Fig. 28: Sequência de cores nas margens do quadrinho Balas Contadas 48

    Fig. 29: Tipografia Might Makes Right BB 49

    Fig. 30: Aplicação de tipografia no quadrinho Balas Contadas 50

    Fig. 31: Aplicação de tipografia no quadrinho Balas Contadas 51

    Fig. 32: Personagem Tex Willer 52

    Fig. 33: A primeira página de história do quadrinho Balas Contadas 53

    Fig. 34: Primeiros painéis da segunda página 54

    Fig. 35: Instagram do autor, utilizado na divulgação 58

    Fig. 36: Página do Facebook utilizado na divulgação 59

    Fig. 37: Site oficial do quadrinho Balas Contadas 59

    Fig. 38: Projeto no Catarse financiado com sucesso. 60

  • Resumo

    Este trabalho registra o desenvolvimento de uma narrativa gráfica

    autoral independente chamada Balas Contadas. O autor, com sua narrativa

    sobre o valor da amizade e o peso da morte, tem como objetivo ingressar no

    mercado de publicações de arte sequencial profissional. Ainda, discorre

    sobre as etapas envolvidas na produção editorial, desde sua idealização

    poética até a publicação em formato físico. Os conceitos dos mestres da

    nona arte como Will Eisner e Alan Moore, aliados às decisões de projeto

    fundamentadas em princípios de design, e como estes tornam possíveis a

    produção de um produto de quadrinho independente.

    Palavras-chave: quadrinhos, narrativa visual, independente, autoral.

  • 8

    1. Introdução

    1.1 Contextualização do Projeto

    De acordo com Bressane (2017), o mercado de quadrinhos no Brasil vem

    crescendo em qualidade e quantidade mesmo com a queda geral do

    consumo editorial. As dificuldades e custos editoriais são crescentes e a saída

    tem sido a publicação independente.

    Os autores independentes têm investido em peso na produção gráfica e

    qualidade dos produtos, que tem acabamento profissional do nível das

    grandes editoras. Reafirmado pelo número de premiações para estes títulos,

    como os troféus HQ Mix. Por consequência, o número de feiras, exposições,

    lançamentos e becos dos artistas tem aumentado consideravelmente e

    assim, os títulos independentes estão ganhando o mercado.

    Leitores são fiéis a autores. Leitores de quadrinhos são fiéis a

    autores, ilustradores, universos e, em alguns casos, ao formato pelo

    qual tais histórias são transmitidas. Embora não tenha o poder de

    criar um best-seller, considerando que é um nicho de mercado, são

    um público-alvo fiel. E convidá-los a participar da construção desse

    universo é uma forma de fidelizá-los ainda mais. (ALMEIDA, 2017)

    Para alcançar o sucesso como artistas empreendedores, os quadrinistas

    devem explorar as possibilidades, tanto gráficas quanto narrativas em seus

    projetos e suas marcas pessoais. Como profissional autoral independente é

    possível aplicar os atributos de narrativa textual, narrativa gráfica, projeto

    editorial, acabamento gráfico, estratégia de mercado, propriedade

    intelectual e gestão de marca, de forma que o produto final seja um reflexo

    direto dos objetivos e realidade do autor. Então, os conceitos e ferramentas

    do design contribuem para que a construção de cada uma destas etapas

    esteja alinhada com os objetivos do profissional independente.

    1.2 Justificativas do projeto

    Meu ingresso na Universidade de Brasília foi em 2005 no curso de Desenho

    Industrial. Em 2009, por diversos motivos, incluindo o trabalho e uma falta

    de perspectiva geral, abandonei o curso com cerca de 60% concluído.

    Em 2015 refiz o vestibular e passei novamente no curso. Dediquei este

    retorno à academia para entender e estudar sobre narrativas visuais, sobre

    narrativas no design e sobre as possibilidades que eu poderia encontrar no

    design para iniciar uma carreira como quadrinista e projetista visual.

  • 9

    Este projeto teve duas motivações principais. Primeiro, minha aspiração

    latente de produzir histórias em quadrinhos, trabalhar com ilustração e

    contar histórias. Ao mesmo tempo, sempre houve uma vontade de produzir

    um presente para os amigos próximos e família, algo no campo das artes e

    design, uma homenagem para os entes queridos.

    Há dois anos atrás, nosso grupo de amigos, que já era pequeno, ficou um

    pouco menor. Perdemos um grande e jovem amigo. A partir daí acabaram

    as desculpas que me “impediam” de produzir, decidi retomar os estudos e

    finalmente produzir esta homenagem, aos amigos que ficaram.

    Meu objetivo é estudar as aplicações do design nas narrativas gráficas

    sequenciais e aplicar os conhecimentos na prática, em um produto de nível

    profissional comercializável e independente.

    É um trabalho sobre poética, de exploração das possibilidades de narrativa

    e identidade do autor e sua obra, e também é o primeiro passo na

    construção de um portfólio como quadrinista independente, manifestado

    em um produto final de qualidade profissional, passando por todas as etapas

    da produção: da mensagem até a entrada no mercado editorial.

    1.3 Objetivo Geral

    Produzir uma narrativa gráfica de ficção que evoca os temas de

    amizade e morte. Também sendo, além de um presente do autor aos seus

    entes queridos, um produto de nível profissional publicado de maneira

    independente.

    1.4 Objetivos Específicos

    1. Aprender sobre o processo completo de construção de narrativas e arte

    sequencial.

    2. Examinar o mercado quadrinhos independentes.

    3. Traçar estratégia de produção considerando tempo, técnica, alcance do

    projeto e recursos disponíveis.

    4. Aplicar os conceitos estudados especificamente sobre arte sequencial e

    uni-los ao design em um produto final comercializável.

  • 10

    2. Metodologia

    O design, enquanto atividade projetual, deve seguir uma estrutura de

    ação para que as soluções estejam alinhadas com os objetivos do projeto.

    O caminho para alcançar estes objetivos é o que se denomina método.

    Baxter (2005) entende que a metodologia de design deve ser adaptável

    às diferentes realidades e objetivos de cada projeto:

    O desenvolvimento completo de um produto de design, por si só

    não garante o seu sucesso. Deve-se escolher bem o destino,

    percorrer uma boa estrada, mudar o curso quando necessário,

    driblar obstáculos, evitar acidentes, além de manter uma boa

    velocidade média para não ser ultrapassado pelos concorrentes.

    BAXTER (2005)

    No desenvolvimento de uma narrativa gráfica independente, embora

    exista uma clareza nos objetivos, as diversas variáveis exigem uma

    metodologia que seja flexível e adaptável a evolução do projeto. Para o

    projeto Balas Contadas, foi preciso utilizar uma metodologia que

    comporte as seguintes variáveis:

    a. O autor é cliente, desenvolvedor e público-alvo.

    O projeto é autoral, independente e criado tanto para um público

    próximo do autor quanto para consumidores de produtos autorais e

    independentes. Significando que, além do produto final emitir uma

    mensagem particular do autor, a estratégia de produção e viabilização do

    projeto deve levar em consideração os objetivos pessoais, artísticos e

    poéticos, assim como os objetivos profissionais e mercadológicos. O autor

    de quadrinhos independentes deve tratar o projeto como parte poética e

    parte empresa. A metodologia utilizada deve permitir que estes aspectos

    sejam construídos simultaneamente.

    b. Não existe experiência prévia em produção de quadrinhos.

    Utilizando a analogia de autor como empresa, o projeto de narrativa

    gráfica é um produto novo. Todas as etapas de produção de um quadrinho

    independente deverão ser estudadas: projeto gráfico, divulgação, publicação

    e distribuição. Devido à experiência de composição artística do autor ser

    limitada a ilustrações individuais, chamadas pinups, e projetos de menor

    escopo, a metodologia deve permitir o estudo do mercado de arte sequencial

    ao mesmo tempo em que se desenvolve o produto.

  • 11

    c. As habilidades de produção técnica são de nível intermediário.

    Similarmente, a bagagem técnica do autor no desenvolvimento de

    narrativas gráficas é de nível não profissional. Serão necessários estudos do

    conjunto de técnicas que compõem a criação de um produto de arte

    sequencial como: roteiro, layout, desenhos, arte-finalização, cores, projeto

    gráfico, letreiramento e edição. A metodologia deve permitir que o

    aprimoramento das técnicas faça parte do desenvolvimento das soluções.

    a. A publicação é um meio para alcançar objetivos a longo prazo.

    Embora parte dos objetivos seja satisfeita com a produção da narrativa

    gráfica para o público próximo ao autor, amigos e familiares, a outra parte

    faz parte de uma estratégia de alcance profissional. A metodologia deve

    auxiliar um planejamento estratégico que considere os próximos passos

    após a criação do produto.

    b. O período para a conclusão do projeto é de dez meses.

    Apesar da produção de narrativas gráficas possuir tempos de

    execução bastante variados, a elaboração de um produto de nível

    profissional exige uma quantidade considerável de tempo, especialmente

    quando produzido por um único autor. A metodologia utilizada deve

    considerar que o tempo para entrega do produto final é um desafio a ser

    vencido, respeitando as outras variáveis.

    Assim, levando em conta que o projeto deve adequar aprendizado e

    produção em curto prazo, além de algum nível de empreendedorismo, o

    método Lean foi escolhido para estruturar as decisões do projeto enquanto

    negócio e o método Duplo-Diamante foi utilizado nas decisões técnicas. É

    claro que, em um desenvolvimento acelerado e de constante aprendizado,

    as metodologias são aplicadas de maneira mais fluida do que apresentado

    nas estruturas originais.

    2.1 Modelo Lean

    Lean é um modelo estratégico ágil que, de maneira geral, estreita as

    relações entre os objetivos da empresa e seus processos produtivos a fim de

    gerar resultados com maior chance de sucesso possível no mercado. O

    princípio envolve o estudo do mercado, a formulação de hipóteses e a

    aplicação de mudanças pontuais que minimizam o esforço e o desperdício

    de recursos a fim de gerar resultados mais satisfatórios.

    É um modelo empresarial que pode ser aplicado para produtos e

    serviços. No caso de um produto autoral independente, que tem um pouco

    dos dois, é um modelo que oferece um nível estratégico abstrato suficiente

  • 12

    para aceitar situações específicas do mercado e concreto suficiente para

    ajudar a traçar um plano de ação com objetivo de gerar resultados positivos.

    2.2 MVP

    A formulação de hipóteses e aplicação de mudanças oferecem um

    risco considerável para um produto estabelecido ou em vias de produção, no

    caso, de publicação. O conceito de MVP, Minimum Viable Product ou Mínimo

    Produto Viável, é o de realizar estes testes e iterações o quanto antes no ciclo

    de desenvolvimento do produto. Assim, além de reduzir consideravelmente

    os riscos, é possível validar, mesmo que em menor escala, o resultado das

    mudanças e, possivelmente, encontrar problemas conceituais e estruturais

    nos primeiros protótipos utilizáveis.

    Apesar de ser extremamente eficaz em identificar problemas iniciais e

    permitirem liberdade na inovação, os resultados percebidos nos MVPs

    devem ser analisados com cautela. Podem acontecer falsos positivos e

    validações incompletas.

    Neste projeto, as primeiras soluções de roteiro e layout foram

    submetidas para avaliação, descritas a seguir.

    2.3 Duplo-Diamante

    O conceito desenvolvido pelo Design Council em 2005 é uma

    simplificação gráfica que descreve em poucos passos o processo de design.

    Embora descritos em passos simples, são basicamente as etapas chave na

    resolução de problemas, sejam eles criativos ou técnicos.

    O diagrama mostra os passos: Descobrir, Definir, Desenvolver,

    Entregar.

    Fig1: Diagrama do Duplo-Diamante (fonte: designcouncil.org)

  • 13

    O processo elucida o caminho de resolução de problemas

    considerando momentos de expansão de ideias, a fim de aumentar as

    possibilidades de solução e, consequentemente, de inovação. Em seguida,

    fases de convergência de ideias, onde o planejamento estratégico e as

    soluções viáveis que aumentam as chances de sucesso do projeto devem

    entrar em acordo. Esses ciclos de expansão e convergência geram resultados

    que podem ser testados entre si, as chamadas iterações. É na observação e

    experimentação destas iterações que o design encontra os caminhos e

    soluções mais viáveis, eficazes e inovadoras.

    2.4 Etapas

    É importante ressaltar que as etapas descritas no processo

    metodológico ocorreram de maneira bastante orgânica durante o

    desenvolvimento do projeto, ou seja, os resultados encontrados a partir dos

    estudos e da evolução do processo de criação geravam novos caminhos para

    diferentes estudos e processos. Durante o desenvolvimento, mesmo com

    um produto final longe de ser concluído, as crescentes interações e a prática

    das técnicas permitiram não só acelerar cada etapa do processo, a medida

    em que se aprimoravam as técnicas, mas também abriam novas alternativas

    para problemas futuros, na parte de divulgação, publicação e distribuição. As

    seguintes etapas foram planejadas a fim de estruturar o desenvolvimento:

    Fig2: Etapas do desenvolvimento do projeto. (Fonte: Autor)

    o Pesquisa Bibliográfica

    o Estudar bibliografia sobre os assuntos aplicados à narrativa

    gráfica (semiótica na arte sequencial, construção de roteiros

    para quadrinhos, técnicas de desenho, nanquim e pintura)

  • 14

    o Utilizar como referência testemunhos de indivíduos do ramo de

    produção de histórias em quadrinhos, independentes ou não.

    Usar as experiências e intimidade dos profissionais do meio.

    Desenho da Estratégia

    o Estudar diferentes modos de financiamento.

    o Elaborar o plano de trabalho de nível técnico: roteiro, layout,

    desenhos, arte-finalização, cores, projeto gráfico, letreiramento

    e edição.

    o Elaborar o plano de trabalho para a publicação: identidade,

    divulgação, publicação e distribuição.

    Produção da Narrativa Gráfica

    o Criar conteúdo do produto paralelamente à leitura das

    bibliografias.

    o Aplicação dos conceitos de design e arte sequencial no projeto

    gráfico: Conceitos, Identidade, Layout, Cores, Editorial, Imagem

    e Estratégia de Marca.

    o Submissão do conteúdo criado (MVP) para avaliação e feedback

    em duas fases críticas: introdução da narrativa gráfica e

    conclusão do roteiro final.

    Pós-Produção

    o Criação da identidade e estratégia de divulgação.

    o Publicação e registro.

    3. Referencial Teórico

    3.1 Histórias em quadrinhos, arte sequencial e narrativas gráficas

    Neste trabalho serão utilizados alguns termos ao falar sobre

    narrativas gráficas, neste capítulo será estipulada a definição para esse

    termo e o contexto bibliográfico utilizado.

    Primeiramente, a história em quadrinhos será analisada como o

    veículo da mensagem e não como objeto físico. Como explica McCloud

    (2005): “‘Quadrinhos’, é um termo que merece ser definido porque se refere

    ao meio em si, não a um objeto específico como “revista” ou ‘gibi’ [...] A forma

    artística — o meio —conhecida como quadrinhos é um recipiente que pode

    conter diversas ideias e imagens. ”

    Sob essa lente, McCloud entende que o quadrinho como objeto, a

    revista ou gibi, limita a compreensão do que se entende ao estudar as

  • 15

    histórias em quadrinhos. Apesar do quadrinho como objeto ser uma

    tradução válida para o termo história em quadrinhos, ele é apenas parte do

    conjunto de definições desta forma de expressão artística. A proposta é

    perceber que a história em quadrinhos como meio funciona como um

    recipiente que pode comportar um número infinito de ideias e de maneiras

    de expressá-las.

    Scott McCloud faz esta separação para poder estudar o conceito das

    histórias em quadrinhos como linguagem única, com suas particularidades e

    distinções de outros meios de comunicação. Este passo eleva a relevância

    dos quadrinhos na discussão das formas de linguagem e vai, posteriormente,

    ajudar a entender a definição de Will Eisner, um dos principais nomes na

    produção e estudo dos quadrinhos.

    Após uma série de tentativas de lapidar o conceito de história em

    quadrinhos a fim de encontrar uma definição, McCloud descreve:

    “Histórias em quadrinhos. S. pl., usado com um verbo. 1. Imagens

    pictóricas e outras justapostas em sequência deliberada destinadas

    a transmitir informações e/ou a produzir uma resposta no

    espectador” (MCCLOUD, 2005, p.9)

    Essa definição é suficiente para entender o que é estudado pelos

    teóricos das histórias em quadrinhos, mas para este trabalho, a melhor

    definição para quadrinhos é a que for mais expansiva. Para isso, os estudos

    de Will Eisner são fundamentais para entender as infinitas possibilidades e

    explorar as técnicas da produção de quadrinhos e de arte sequencial. Para

    Eisner (2010) a definição é bastante direta: “Arte sequencial: uma série de

    imagens dispostas em sequência”.

    Apesar da simplicidade, esta definição permite a experimentação do

    meio com liberdade total do artista, além de considerar as possibilidades não

    verbais nos quadrinhos. Ela expande o espectro de referências visuais para

    o trabalho, como Antonio Luiz Cagnin (2014, p.31) e McCloud (2005, p.12)

    citam no exemplo dos quadrinhos na Tapeçaria de Bayeux de 1064, bordada

    em 70 metros de tecido. Nestes modelos, são utilizadas imagens em

    sequência que compõem uma narrativa e dispensam o uso de texto para

    compreensão. Esse tipo de referência estende as possibilidades de pesquisa

    e solução para o projeto, que envolve a criação de uma narrativa gráfica que

    explora os elementos textuais e não textuais.

    O último termo a ser definido então é o de narrativa gráfica. No início

    dos quadrinhos, como conhecemos hoje, nos anos entre 1940 e 1960, o

    mercado considerava o leitor de quadrinhos como inferior intelectualmente.

    Nas palavras de Will Eisner (2013, p.149) “o perfil do leitor de histórias em

    quadrinhos era o de uma ‘criança de 10 anos, do interior’. ” O nível de

  • 16

    instrução dos leitores era baixo, logo a produção e os temas tinham pouco

    valor como forma de literatura.

    No final dos anos 1970, os autores já tratavam de temas mais

    interessantes, aventuras fantásticas e séries policiais, a linguagem utilizada

    buscava um leitor mais proficiente. Então, o termo narrativa gráfica foi

    utilizado por Will Eisner, quando conversava com um produtor para seu novo

    quadrinho “Um Contrato com Deus”, na tentativa de elevar o status do meio,

    histórias em quadrinhos, como forma de literatura. Segundo Eisner, que já

    era conhecido pela série Spirit, se ele anunciasse a obra como uma “história

    em quadrinhos” o produtor desligaria o telefone na hora. O termo narrativa

    gráfica, então, é uma história em quadrinhos com objetivo de impulsionar o

    meio como forma de literatura.

    Para este trabalho, as menções aos termos quadrinhos, histórias em

    quadrinhos, arte sequencial e narrativas gráficas se referem ao meio utilizado

    na produção de literatura com imagens justapostas, assim como as

    definições dos autores citados.

    3.2 Produção de quadrinhos independentes

    A partir do século XVI, surgem as primeiras casas de publicação

    dirigidas por pessoas sem quaisquer ligações com o ofício da impressão.

    Acompanhando o mesmo movimento separavam-se em especializações

    distintas as funções de impressor, tipógrafo e livreiro, assim como a do

    produtor autoral que, nesta realidade, deve adequar-se ao mercado

    especializado ou buscar formas artesanais de publicar sua mensagem.

    Conforme MUNIZ (2016) explicita:

    “É dos contingentes letrados urbanos que as sociedades da Europa

    ocidental irão extrair tanto aqueles que viriam a tornar-se os primeiros

    profissionais do livro, como aqueles que formarão seus públicos leitores. É

    nesse locus, também, que floresce a atividade editorial tal como a

    conhecemos hoje, centrada no "editor duplo" — meio intelectual, meio

    empresário —, mas já desvinculado das funções de filólogo, impressor ou

    livreiro"

    A produção de publicações no meio das histórias em quadrinhos

    segue a mesma narrativa e vive níveis de especialização ainda maiores.

    Enquanto as grandes editoras possuem capital e estrutura para empregar

    especialistas em roteiro, desenhos, arte-final, cores, letreiramento, edição,

    além de todos os momentos da pós-produção, o autor independente precisa

    encontrar maneiras de completar estas etapas especializadas.

  • 17

    Essa disparidade entre as modalidades de publicação, independentes

    e não independentes, se reflete nos objetivos das produções. Existe então

    um movimento de oposição entre as mensagens do autor independente e

    um mercado editorial consolidado.

    "...são os centros urbanos nos quais estão sediados vários dos

    agentes (instituições e empresas hegemônicas) contra os quais o

    "independente" busca se contrapor para instaurar os sentidos de

    sua prática." (MUNIZ, 2016)

    Para alcançar os objetivos deste trabalho, a produção autoral

    independente permite o maior volume de aprendizado e preparação

    profissional em um curto período de tempo. O termo é utilizado para

    informar o sentido simbólico do fazer artístico tido como “experimental”,

    “emergente”, “autoral” e “alternativo”.

    "O ‘independente’ figura dentro de uma constelação de

    qualificativos que, em linhas gerais portam sentidos de

    contraposição a modelos consagrados, dominantes ou

    hegemônicos, ou a formas de controle e enquadramento

    institucional da produção de arte e da cultura" (JÚNIOR, 2016)

    4. Mensagem

    O projeto nasceu de duas necessidades: a vontade do autor em tornar-

    se um profissional do ramo das histórias em quadrinhos e o desejo de

    homenagear seus amigos e entes queridos na forma de uma narrativa

    gráfica. Com objetivo de aliar estas necessidades, a mensagem do autor-

    empresa e, consequentemente a do produto criado, devem ser claras ao

    potencial público consumidor.

    Os temas principais a serem explorados na narrativa gráfica são os de

    amizade, lealdade e morte. O autor acredita que esses temas possuem uma

    forte ligação não só com seus amigos próximos e entes queridos, mas

    também pode ser um denominador comum entre o público consumidor do

    conteúdo independente.

    Assim, todos os elementos apresentados na produção da narrativa

    gráfica devem contribuir para a apresentação desses conceitos-chave:

    Trabalho autoral independente

    Valor da amizade

    Peso da morte

  • 18

    Quaisquer decisões que venham a ser tomadas durante o projeto

    devem ter estes conceitos em consideração, seja na produção do roteiro,

    escolha das cores, estratégia de divulgação ou viabilização da publicação.

    A partir deste momento do projeto, as etapas apresentadas não

    possuem uma ordem cronológica definida, à medida que, conforme

    apresentado na escolha dos métodos, o processo passa por momentos de

    estudo, prática, tentativa e aprendizado simultâneos. A ordem de

    apresentação das etapas é uma forma de racionalizar o desenvolvimento

    orgânico do projeto.

    5. Inspirações e Referências

    No desenvolvimento do roteiro, apresentado a seguir, foi feita a

    decisão de utilizar o cenário de faroeste como palco para as interações dos

    personagens da narrativa. O imaginário deste cenário, alimentado

    principalmente pelos trabalhos na cinematografia, retrata uma realidade

    dura e inóspita, onde grandes heróis surgem em condições impossíveis. A

    poética desdás produções evoca constantemente os conceitos de honra,

    valor do companheirismo e o risco do heroísmo. As seguintes obras foram

    as referências visuais e poéticas deste gênero da literatura e cinematografia.

  • 19

    Fig. 3: Pôsteres de filmes de faroeste (fonte: google.com)

    Os filmes de faroeste americanos, chamados western, assim como os

    de produção italiana, chamados spagetthi western são grande parte da

    inspiração desta narrativa. As histórias produzidas têm variações de enredo,

    produção e direção, porém os temas abordados giram em torno do

    heroísmo, valor da amizade e os perigos da época, inclusive a constante

    presença da morte.

    Repletos de referências visuais e de roteiro, desde os cartazes até os

    olhares dos personagens, este gênero do cinema cresceu junto com as

    produções literárias e foram responsáveis por criar um imaginário deste

    período no Oeste americano. Dentre as maiores inspirações estão os

    seguintes filmes:

  • 20

    Fig. 4: Cartaz do filme: Era uma vez no Oeste (1968) (fonte: fanart.tv)

    Fig. 5: Cartaz do filme: O Bom, O Mal e o Feio (1968) (fonte: fanart.tv)

  • 21

    O trabalho do diretor Sergio Leone merece um estudo especial devido

    à sua contribuição para o gênero de faroeste. Para este trabalho, as

    apresentações visuais e de narrativa da sua obra são grandes inspirações.

    Muitas referências diretas às suas obras são feitas no trabalho final.

    Fig. 6: Cenas dos filmes O bom, o mal e o feio, e Era uma vez no Oeste (fonte: google.com)

    Fig. 7: Painéis do quadrinho Balas Contadas (fonte: autor)

  • 22

    Fig. 8: Cena do filme Era uma vez no Oeste (fonte: google.com)

    Fig. 9: Painel do quadrinho Balas Contadas (fonte: autor)

    Nos quadrinhos, “TEX” é a principal referência não só para este projeto,

    mas para o gênero de faroeste é o trabalho do roteirista Gian Luigi Bonelli e

    ilustrado por Aurelio Galleppini. Este quadrinho italiano é publicado desde

    1948 e no Brasil, é publicado até os dias de hoje, desde 1971 pela editora

    Mythos. O Brasil tem um dos públicos mais fiéis do título, um dos únicos que

    nunca teve sua publicação interrompida.

    Outras inspirações de quadrinhos do gênero de faroeste: Jonah Hex,

    Durango, Golden Age Western Comics, East of West.

    Os chamados “faroestes modernos”, SCALPED, Peacher, Just a pilgrim,

    que descrevem uma narrativa contemporânea, porém mantendo laços

    diretos com o clima de deserto, aventura, companheirismo e duelos com

    revolveres, também fizeram parte da lista de referências.

  • 23

    Fig. 10: Capas do quadrinho TEX (fonte: sergiobonelli.it)

    Fig. 11: Capas de SCALPED e Preacher (fonte: Vertigo Comics)

  • 24

    Fig. 12: Just a pilgrim, desenhos de Carlos Ezquerra e cores de Paul Mounts (fonte:

    google.com)

  • 25

    A narrativa gráfica de dois volumes Just a pilgrim ou, “Apenas um

    peregrino”, do roteirista Garth Ennis e arte de Caros Ezquerra, é incluída nas

    referências por ser um faroeste não convencional, situado em uma distopia

    pós apocalíptica. O interessante desta obra é a liberdade criativa para

    apresentação de personagens e ambientes fantásticos, utilizando o contexto

    do faroeste em sua mensagem, de solidão, sofrimento e redenção. Além

    disso, a arte de Ezquerra possui um traço o qual o autor deste trabalho se

    identifica.

    A utilização destas referências visuais, poéticas e de narrativa funciona

    como um norte nas aplicações durante o desenvolvimento do projeto.

    Embora o estilo de desenho e narrativa de cada autor seja bastante

    particular, o objetivo é utilizar destas fontes inspiradores e criar algo novo,

    que faz ode, aprende e quem sabe, evolui com as obras citadas.

    6. A produção da narrativa gráfica

    Neste ponto é que começam as principais diferenças no processo de

    criação, que variam de autor para autor. Não existe regra para este caminho

    a ser percorrido, desde que ao final, o produto apresente uma narrativa

    coerente em todas as páginas, sejam elas impressas ou não.

    O autor deste trabalho decidiu por trabalhar de maneira linear por

    etapas. Isto é, embora o desenvolvimento de cada etapa possa apresentar

    variações de ritmo de produção e sequência de desenvolvimento, é só ao

    completar esta etapa que a próxima será iniciada. A sequência de etapas de

    produção foi dividida da seguinte maneira:

    Roteiro — Layout — Grafites — Arte-Final — Cores — Edição

    É importante ressaltar que cada etapa à frente na linha de produção

    envolve maior dependência dos níveis anteriores. Os acabamentos feitos na

    etapa “Arte-Final”, embora exijam certo nível de criatividade e técnica, são

    extremamente dependentes do produto da etapa “Grafites”, assim como

    esta é das anteriores. Por isso, boa parte do tempo de desenvolvimento do

    projeto foi despendido nas duas primeiras etapas: Roteiro e Layout,

    utilizando um período de três meses e um mês, respectivamente.

    6.1 Roteiro

    A construção do roteiro, na visão do autor, começa com a ideia.

    Embora este projeto em particular tenha sido iniciado com algumas

    propostas de cenas soltas, como a de um senhor de idade em sua varanda,

  • 26

    contemplando o árido campo de areia vermelha ao pôr-do-sol, e

    devaneando: “sabe porque chamamos uns aos outros de parceiros? ”.

    O texto acima é uma ideia jogada, que tem algum potencial mas para

    virar uma história de fato, deve fazer parte de uma estrutura. Cada autor tem

    seu próprio processo de criação e o autor deste trabalho acredita que,

    independentemente do número de cenas escritas em sequência, o roteiro só

    começa a tomar forma de verdade quando a ideia central, a mensagem, a

    motivação do autor, é descoberta. No quadrinho Balas Contadas, a ideia era

    escrever sobre amizade e morte.

    O projeto foi desenvolvido de maneira que o roteiro, sendo o primeiro

    passo, tem a maior carga de importância das etapas de produção. O roteiro

    é um dos processos com menor requisitos técnicos e maior potencial

    criativo. Esta liberdade na produção pode ser vista como uma vantagem, mas

    enquanto projetista, quanto maior possibilidade de caminhos a seguir, maior

    os desafios em configurar as estratégias para aumentar as chances de

    sucesso do produto final. No caso do roteiro, além de sempre estar em

    consonância com a mensagem, a produção deve alcançar os seguintes

    objetivos:

    a. Roteiro Profissional

    Apesar de não existir um modelo oficial de roteiro para histórias em

    quadrinhos, diversas editoras apresentam um modelo para submissão de

    roteiros para avaliação. Um dos objetivos na criação de roteiro para este

    projeto é criar um roteiro que esteja apto a ser submetido à avaliação

    profissional de grandes editoras. Desenvolver um roteiro que esteja dentro

    dos moldes e alcance o entendimento de um profissional do meio é um dos

    primeiros passos para tornar o produto final uma publicação profissional.

    b. Roteiro como produto próprio

    Neste projeto, o autor é responsável por todas as etapas de produção.

    Sendo assim, não é estritamente necessário que as etapas individuais

    estejam absolutamente claras para um outro profissional. Em projetos

    colaborativos, onde o roteiro e arte são produzidos por dois ou mais

    indivíduos, é de extrema importância que haja clareza na exposição das

    ideias, para que o produto final seja o mais próximo possível da visão dos

    colaboradores. É com esse propósito em mente que o roteiro desde projeto

    foi preparado de maneira a ser utilizado como produto próprio. Assim, além

    de garantir uma maior qualidade na etapa sozinha, permite que futuros

    trabalhos sejam compreendidos por outros profissionais em projetos

    colaborativos.

  • 27

    O desenvolvimento do roteiro nestes critérios tornou a produção

    bastante eficiente. Pela quantidade de tempo dispendida na produção de

    cada etapa, é bastante oneroso exigir que o autor lembre de cada nuance de

    cada painel passados meses de produção. Com o roteiro desenvolvido desta

    maneira, todas estas nuances estão descritas e podem ser totalmente

    utilizadas e exploradas nas etapas futuras, de desenho e finalização.

    Fig. 13: Modelo de roteiro para referência (fonte: darkhorsecomics.com)

    Na narrativa gráfica Balas Contadas, além de descrever o

    desenvolvimento da história, a função do roteiro foi a de apresentar o clima

    desejado nas cenas e atitudes dos personagens, mesmo que sutis.

    O roteiro final tem 32 páginas que correspondem às 70 páginas de

    história e foi desenvolvido em dois idiomas, inglês e português. Nesta etapa

    do projeto, o autor estava desenvolvendo a estratégia de publicação que, na

  • 28

    época, considerava a possibilidade da publicação simultânea em dois

    idiomas. A publicação final foi feita na língua portuguesa e é descrita no

    capítulo “Publicação”.

    Fig. 14: Páginas 1 e 15 do roteiro do quadrinho Balas Contadas (fonte: autor)

    O desenvolvimento da narrativa foi elaborado com base em uma

    estrutura similar à Estrutura de Três Atos, um método de escrita de

    narrativas que, embora amplamente discutido e por vezes, negado,

    apresenta um fluxo de eventos simples e compreensíveis para a elaboração

    de um roteiro consistente. O professor de literatura Kenneth Rowe, da

    Universidade de Michigan, foi um estudioso de Shakespeare e drama

    moderno, além das técnicas envolvidas na construção de roteiros. Rowe

    (1939) defende o uso da estrutura em três atos em sua obra Write That Play:

    “Three movements are clearly more basic to the fundamental structure

    of a dramatic action than Horace’s five. There is an attack, a crisis, and

    a resolution. . . There is a natural symmetry and balance with adequate

    flexibility inherent in the three-act form, with the first act introductory

    and springing the attack, the second act developing the action to the

    crisis, and the third act for the resolution.” (Rowe, 1939)

    Rowe defende a simplicidade e simetria da estrutura simples em três

    movimentos, que podem ser descritos da seguinte maneira:

  • 29

    1. Apresentação

    No primeiro movimento é feita a apresentação do mundo, dos

    personagens principais e dos seus objetivos. Os conceitos de Mundo comum

    e o Chamado para Aventura (CAMPBELL, 1949) também podem ser incluídos

    neste primeiro ato. É nesta introdução que o argumento da narrativa deve

    ser apresentada e geralmente é finalizada com o primeiro ponto de virada,

    ou seja, uma situação em que o personagem toma uma decisão na narrativa

    em que não há volta.

    2. Confrontação

    Em seguida, o segundo movimento descreve as ações e consequências

    que conduzem o personagem principal à busca de seus objetivos, assim

    como os obstáculos enfrentados e conflitos da narrativa. Geralmente é o

    trecho de maior volume da narrativa, e comporta o maior desafio enfrentado

    pelo personagem chamado por Campbell de O Confronto com a Baleia e

    finaliza em um clímax, chamado Provação Difícil (CAMPBELL, 1949).

    3. Resolução

    Finalmente, a resolução dos conflitos e o Caminho de Volta

    (CAMPBELL, 1949) para o mundo comum. Neste movimento o personagem

    e a narrativa apresentam as consequências das ações tomadas no confronto

    e o ato termina com a conclusão da história como um todo.

    Embora estruturada, esta apresentação de narrativa não é

    exatamente rígida. É possível alternar a ordem dos atos para criar sequências

    mais adequadas à mensagem do projeto. No caso da narrativa gráfica Balas

    Contadas, produto final deste trabalho, a estrutura foi levemente modificada

    para contemplar uma história, ou várias, dentro de outra, conforme o

    modelo a seguir:

  • 30

    A narrativa é iniciada com a apresentação do mundo e personagens,

    assim como o início do conflito. Porém o confronto é interrompido com uma

    nova narrativa, iniciada pelo personagem principal, que ocorre

    paralelamente. O clímax das, agora duas, histórias acontece

    simultaneamente e as resoluções de conflito ocorrem uma em seguida da

    outra. Ou seja, quando a narrativa que o personagem conta dentro da

    história apresenta seu desfecho, também a história como um todo encontra

    seu fim.

    No roteiro final o personagem principal, Teller, descrito no capítulo

    Perfil de Personagem, é um contador de historias e é confrontado pelo

    antagonista, o Xerife. A fim de ganhar tempo para encontrar a solução para

    o confronto, decide contar uma história. Essa história, que também pode ser

    descrita em três movimentos, tem uma resolução que permite a narrativa

    como um todo, encontrar um desfecho.

    Um roteiro de cinema que possui estrutuira similar à esta é a do filme

    Herói, de 2002, dirigido por Zhang Yimou e escrito por Feng Li, Bin Wang e o

    próprio Zhang Yimou.

    O roteiro do quadrinho Balas Contadas foi escrito em um período de

    3 meses. Após a criação de toda a história em sequência, foi feita a divisão

    de páginas e dos painéis de cada página. Estas duas etapas foram

    desenvolvidas em conjunto com o desenvolvimento de Layout, a fim de

    garantir viradas de página e momentos de surpresa e retenção que

    contribuissem com a mensagem da narrativa.

    A virada de página é um recurso utilizado para fazer uma revelação ao

    leitor que causa surpresa e é um efeito praticamente único das narrativas

    visuais.

    “Por exemplo, uma aparição repentina é um artifício normalmente

    usado para causa surpresa ou impacto. […] Às vezes, um narrador

    de quadrinhos pode tentar usar o virar de uma página para

    provocar uma surpresa” (EISNER, 2010)

    Geralmente, o personagem da narrativa vê ou percebe algo que o

    leitor não é capaz de observar, e a revelação na nova página gera o momento

    surpreendente. Para isso, o último momento antes da revelação deve estar

    imediatamente antes da próxima virada de página e ocorre na maioria dos

    casos, no último painel da página à direita do leitor. A seguir, um exemplo de

    virada de página da narrativa Balas Contadas, desconsiderando os outros

    painéis para enfatizar o conceito apresentado.

  • 31

    Fig. 15: Exemplo de virada de páginas 19 e 20 do quadrinho Balas Contadas (fonte: autor)

    A intenção do autor é a de aumentar o suspense criado pela página

    19, que é a página à direita do leitor, no produto físico) devido a ameaça da

    arma de fogo e sua reação de surpresa, pego desprevinido. A virada de

    página revela que o personagem Dr. Chumbo fora salvo por seu

    companheiro. Este tipo de dinâmica é interessante na arte sequencial pela

    facilidade que o leitor tem de voltar a página e rever ou, reler, o momento

    quantas vezes for necessário para prosseguir a história. Se a revelação da

    surpresa for bem executada, essa virada de volta acontecerá naturalmente.

    Já o momento de retenção funciona de maneira mais sutil. Em uma

    narrtaiva gráfica, onde o controle do ritmo de leitura está totalmente nas

    mãos do leitor, é importante apresentar momentos onde a atenção seja

    retomada para a história. Uma das maneiras que o autor encontrou de fazer

    esse tipo de retenção foram as transições de cena:

  • 32

    Fig. 16: Momento de retenção (p.26 e p.27) no quadrinho Balas Contadas (fonte: autor)

    Todos estes momentos foram definidos na etapa de criação do roteiro.

    Os exemplos apresentados mostram as composições já finalizadas de

    desenho, arte-final e cores, mas sem a aplicação do letreiramento. Isso

    ressalta a importância de uma estrutura de roteiro sólida, devido ao trabalho

    e energia gastos neste ofício que é a arte sequêncial. Contudo, antes das

    composições estarem completas neste nível, a próxima etapa na sequência

    de desenvolvimento é a mais importante para que a estrutura criada no

    roteiro seja representada de maneira a contribuir com a mensagem. Esta

    etapa é chamada de criação do Layout.

    6.1.1 O Título: Balas Contadas

    Embora a atribuição do nome oficial só foi acontecer por volta da

    metade do desenvolvimento, a essência do título foi construída desde a

    primeira ideia. Primeiro, era essencial que o título deixasse claro ao

    público algumas características da narrativa e complementasse a idéia

    central do projeto. O quadrinho é sobre uma história de faroeste, com

    alguma dose de violência, inerente ao tema, e mais do que isso, é uma

    história sobre perda. E não sobre qualquer perda.

    Diferente dos filmes de faroeste, uma situação de tiroteio é

    incrívelmente tensa e, o que o cinema por muitas vezes deixa o público

  • 33

    esquecer, é que a munição é um recurso limitado. Quando o conflito se

    apresenta e a munição é escassa, atenha-se à ela com todas as forças.

    Na vida real, as amizades são, talvez, o recurso mais escasso. E é

    quando se perde uma delas, que tentamos segurar as que restam o mais

    forte possível.

    Com essa analogia, nasce o título Balas Contadas. Onde o personagem

    principal, um contador de histórias, vai falar sobre seus companheiros em

    uma história sobre o valor das amizades duradouras, suas vitórias e suas

    perdas.

    6.2 Perfil de Personagem

    Continuando o desenvolvimento do roteiro, definida a mensagem

    geral da narrativa: uma aventura de Velho Oeste sobre o valor da amizade e

    o peso da morte, é necessário criar ou ajustar os agentes dessa narrativa. O

    personagem não apenas transforma o mundo narrativo em que vive,

    causando ou solucionando conflitos, mas também é parte do conjunto de

    símbolos que representa o objetivo da obra.

    A narrativa gráfica Balas Contadas apresenta diversos personagens

    que constroem e contribuem à narrativa sobre amizade e perda, sobre

    vitórias e derrotas, e sobre morte. Na construção desses personagens,

    considera-se o mesmo peso entre personagens principais, protagonistas ou

    antagonistas. É preciso entender o máximo possível sobre quem são e como

    esses personagens interagem com o mundo construído na narrativa. Um

    desses métodos é o desenvolvimento de um perfil de personagem.

    No perfil de personagem ou character profile, em inglês, é papel

    roteirista descrever o máximo de qualidades dos personagens, grupos e

    arquétipos utilizados na narrativa. A descrição pode variar baseada no

    contexto de cada personagem, onde nenhuma informação é perdida. Em

    geral, é feita uma relação dos atributos físicos, interações sociais, atitudes

    particulares e trejeitos, inclusive os objetos e lugares que o permeiam,

    vestimentas, pertences pessoais e locais que frequenta. Além disso, é

    importante atentar-se aos valores de moralidade, à alguma descrição das

    atitudes comuns do personagem, frases, manias ou desejos e aspirações.

    Enfim, tudo que completar o personagem ao mesmo tempo complementa a

    narrativa. Com essas características em mãos o autor pode conduzir a

    história com muito mais controle e os objetivos determinados na elaboração

    do roteiro podem ser alcançados com melhor clareza.

    A seguir, serão demonstrados alguns exemplos de perfil de

    personagem utilizados como guia na narrativa gráfica Balas Contadas.

  • 34

    Personagem — O Bando Ébrio

    O Bando Ébrio, ou bando de bêbados, são foras da lei procurados por crimes de

    violência, incluindo roubo e homicídio à mão armada, embora a legitimidade das

    acusações seja duvidosa. Nenhum cidadão reporta roubos de valores ou pertences,

    apenas bebidas: licor, whisky, tequila e cerveja. Também nenhuma morte é desligada

    de atos de legítima defesa. É difícil tratá-los como criminosos sem escrúpulos, como

    os Coiotes Selvagens, mas bons moços, eles não são. O número de integrantes do

    bando é incerto e estão espalhados por todo o país. Todos utilizam nomes falsos,

    alcunhas e apelidos. Por um bom tempo, o dito líder do grupo, TELLER, e outros cinco

    comparsas andavam juntos pelo país provocando caos, terror e pânico aos saloons.

    Rumores contam que a herança de um familiar levou o grupo à ruína, tamanho era o

    tesouro. O mandato de busca e captura chega à recompensa de 5 mil por membro.

    Personagem — TELLER

    Características físicas:

    Teller é um homem caucasiano de cabelos longos, repartidos ao meio, bigode e

    cavanhaque. Quando mostrado mais velho, tem mais rugas e cabelos brancos, as

    marcas nos cantos dos olhos mostram sua idade.

    Seu rosto é branco e tem manchas vermelhas do tempo e do sol.

    Usa um lenço vermelho em volta do pescoço, uma capa marrom claro estilo

    sobretudo rente ao corpo, aberta atrás na altura da cintura até as pernas. Um cinto

    com munição em volta para seu revolver peacemaker.

    Características gerais:

    Teller é um contador de histórias, um alcoólatra, um homem bom e um fora da lei.

    É alguém que deseja a paz para si e não mede esforços para mantê-la.

    É calmo e concentrado, um atirador decente e um cavaleiro medíocre.

    Sua arma é uma Single Action Colt.45 Peacemaker

    Sua bebida é o whisky.

    Personagem — COWA

    Características físicas:

    Cowa é um homem alto, esguio, de cabelo crespo, bochechas e lábios polposos.

    Usa óculos redondos de vidro que ajudam a enfatizar sua expressão serena e

    analítica. Veste sempre uma camisa amarela de botões e mangas compridas

    abotoadas e nem sempre, seu chapéu, que mantém preso às costas com um laço

    preso no pescoço por um medalhão.

    Características gerais:

    Cowa é o cowboy definitivo, o protetor, o valente que toma um trago ou um tiro e

    não faz cara feia.

    Ele tem resistência sobre-humana, de origem desconhecida.

    É alguém que se jogaria na frente de uma bala para salvar um amigo, mesmo se

    soubesse que não aguentaria.

    Sua arma é um revolver Colt Dragoon

    Sua bebida é a cerveja, a vodka, o vinho, o elixir… qualquer coisa que tenha álcool,

    mesmo que tenha antes servido de cinzeiro.

  • 35

    Personagem — Dr. CHUMBO

    Características Físicas:

    Doutor Chumbo é o menor do bando, ruivo, com sardas, sobrancelhas grossas e um

    sorriso sarcástico. Veste sempre um sobretudo feito para alguém maior que seu

    tamanho, mas com um propósito. Pela sua expertise, produz suas próprias arma e

    munição, muito mais letais que as produzidas no mercado, e as esconde em sua

    jaqueta para situações de emergência.

    Características Gerais:

    Doutor Chumbo tem esse título pelos seus conhecimentos em química, manipulação

    de metais e produção de elixires. Embora nunca alguém tenha pedido os papéis

    comprovando o título, devido ao perigo da proximidade com um sujeito tão…

    explosivo. Dr. Chumbo é tão inteligente quanto é ranzinza.

    Sua arma é uma escopeta caseira

    E nunca tomou uma gota de álcool.

    Personagem — DEGENERADO

    Características Físicas:

    Degenerado é um mal-encarado com um cabelo moicano e barba volumosa.

    Tem adornos de origem indígena, como uma pena amarrada em seu cabelo e um

    colar de ossos que cobre o peito.

    Características gerais:

    O Degenerado é um homem de poucas ou nenhuma palavra. Não fala do seu

    passado e não se sabe que tipo de atrocidades fez para ganhar o apelido. Ele é o lobo

    solitário, símbolo de brutalidade e selvageria, mas para sempre leal ao bando.

    Sua arma é uma faca de combate militar, a primeira arma que conseguiu e a única

    que já usou.

    Sua bebida é o rum.

    Personagem — SAM

    Características Físicas:

    SAM é um grandalhão que está sempre sorridente. De origens para lá da fronteira,

    veste sempre seu poncho da cor roxo, sua camiseta de vaqueiro na cor lilás e um

    sombreiro que protege seus poucos cabelos do calor do deserto.

    Características Gerais:

    SAM não é grande só em tamanho. É considerado o mais bondoso, respeitador e

    carinhoso do bando. É proficiente em diversas categorias de armas de fogo e combate

    desarmado, frutos de um breve, porém intenso, treinamento militar. Apesar disso, é

    incapaz de machucar alguém que não mereça.

    Além de ser o melhor atirador do bando, é também o mais modesto. SAM é o bom

    amigo que quer apenas se divertir na companhia de seus parceiros.

    Sua arma é um rifle Winchester de gatilho modificado.

    Sua bebida é a tequila.

  • 36

    6.3 Layout

    Após a criação do roteiro completo, isto é, a descrição de todos os

    eventos que acontecem na narrativa, a divisão de todas as cenas em páginas

    de quadrinho e a definição de todas os momentos da página em painéis, é

    preciso definir como será feita a composição visual de cada página. Os

    painéis das histórias, também chamados de quadros são os responsáveis

    pela continuidade narrativa e a sequência de quadros, pela composição da

    página e apresentação da história. A interpretação dos espaços entre os

    momentos, denominados de sarjeta, é o que Scott McCloud chama de

    conclusão. É o momento onde a sequência de quadros e sua composição

    apresenta o significado e conduz o fluxo da narrativa.

    “Os quadros das histórias fragmentam o tempo e o espaço,

    oferecendo um ritmo recortado de momentos dissociados. Mas a

    conclusão nos permite conectar esses momentos e concluir

    mentalmente uma realidade contínua e unificada. Se a iconografia

    visual é o vocabulário das histórias em quadrinhos, a conclusão é a

    sua gramática. ” (MCCLOUD, 2005)

    A estrutura em que é feita a composição dos painéis em uma página

    de quadrinhos é chamada de Grid. Assim como qualquer composição

    editorial, esta estrutura permite a organização e o controle da hierarquia das

    informações. A configuração do Grid deve adequar-se à mensagem

    pretendida na narrativa e pode ser seguida de maneira rígida ou não.

    A imagem a seguir mostra configurações de Grid não linear e linear:

    Fig. 17: Grids lineares e não lineares (fonte: Sauray Mohapatra)

  • 37

    Uma estrutura linear, como a do “Grid em nove painéis” apresenta

    uma configuração rígida e, embora muito utilizada pelos mestres da arte

    sequencial, não foi considerada adequada para o desenvolvimento deste

    trabalho que exige um nível de flexibilidade para as composições, devido à

    quantidade de tempo para execução e maior possibilidade de aprendizado

    em configurações que permitam a experimentação.

    Fig. 18: Exemplos de Grid em 9 painéis. (fonte: Watchmen, 1986)

    Além disso, para a narrativa gráfica Balas Contadas, buscou-se

    apresentar a história de maneira a fazer reverência à cinematografia dos

    filmes de faroeste, de ação e aventura. Assim, uma das configurações

    estudadas foi a da série de quadrinhos Punisher Max, em que a formatação

    dos painéis segue proporções que lembram as de cinematografia, mas ainda

    permitem variações no tamanho dos quadros e a quebra de composição.

  • 38

    Fig. 19: Exemplos de Grid com painéis variados (fonte: Punisher Max)

    O Layout de todas as páginas foi desenhado considerando as

    orientações definidas no roteiro e a composição visual da narrativa nas

    páginas. Com todas as páginas do roteiro traduzidas em esboços, tem-se o

    layout final da narrativa gráfica, onde é possível ter a primeira visualização

    completa do produto final, mesmo em seu estágio mais bruto. Com este

    primeiro MVP, é possível fazer as primeiras leituras e revisões do conteúdo

    completo do produto final e então, fazer os ajustes necessários para as

    próximas etapas.

    O processo de elaboração do Layout das páginas é uma etapa que

    envolve um nível de criatividade consideravelmente maior que um nível

    técnico. Nesta etapa, é extremamente importante que o planejamento da

    composição narrativa visual esteja em conformidade com o roteiro e com a

    mensagem, mais do que a clareza com que essas informações são

    apresentadas. Os passos seguintes ao Layout, de desenho à grafite, arte-

    finalização, cores e letreiramento, embora possuam certo nível de

    criatividade envolvido no processo, fundamentam-se em técnica para a

    apresentação do conteúdo e necessitam de uma estrutura consolidada para

    o sucesso na apresentação das ideias, conquistado nesta etapa de Layout.

  • 39

    Fig. 20: Exemplo de Layout e Grafite da página 1 do quadrinho Balas Contadas (fonte:

    autor)

    6.4 MVP — Avaliações durante a produção

    Antes de seguir com as etapas de produção, houve dois momentos em

    que parte do público teve acesso ao material produzido e pôde retornar

    críticas e percepções iniciais referentes ao que foi produzido. Estas

    avaliações, também chamados de feedback, são importantes para validar,

    mesmo que de maneira limitada, os caminhos percorridos na produção e

    permitem ajustes em uma fase inicial do projeto, onde é possível maior

    número de mudanças e correções.

    Esta etapa adicional de avaliação ocorreu em dois momentos:

    a. Introdução da narrativa gráfica Balas Contadas: 14 páginas

    A partir das primeiras 14 páginas de roteiro, foi elaborado um layout

    provisório contendo a composição visual destas páginas, onde o leitor

    poderia acompanhar o texto descrito no roteiro em um esboço das páginas,

    simulando a experiência da leitura do produto final.

    O protótipo consistia de um arquivo digital em “.pdf” contendo as 14

    primeiras páginas do roteiro em texto, acompanhado um segundo arquivo

    de 14 páginas desenhadas apenas por esboços e traços simplificados. O

    texto das caixas de diálogo, chamado letreiramento, foi escrito na língua

    inglesa, já que neste estágio do projeto uma das possibilidades era a da

  • 40

    publicação em dois idiomas. Este protótipo foi enviado à 6 pessoas, sendo

    duas do público mais próximo ao autor, duas do público geral e duas de

    potenciais públicos.

    O resultado desta primeira avaliação foi bastante satisfatório, as

    críticas repassadas ressaltaram pontos positivos como: bom ritmo de

    narrativa, retenção da leitura, boa apresentação do cenário de faroeste e

    curiosidade para ver o restante da história. Vários pontos negativos também

    foram apontados como: erros gramaticais e sugestões de melhorias para

    certas composições. De maneira geral, a experimentação de submeter a

    introdução a avaliação, mesmo na sua fase mais inicial, foi extremamente

    frutífera e contribuiu para o desenvolvimento do projeto.

    Fig. 21: Páginas 6 e 7 da introdução apresentada para avaliação do público (fonte: autor)

    b. Roteiro completo: 70 páginas de roteiro e sem layout

    Em um segundo momento, foi repassada para avaliação a primeira

    versão do roteiro completa, chamada first draft, agora nos dois idiomas,

    contendo as 70 páginas da história, com todas as descrições das cenas,

    narrações, diálogos e divisão de páginas. Neste caso, apenas o roteiro em

    texto foi apresentado.

    O mesmo público foi selecionado, porém levou-se em consideração a

    afinidade com literatura em geral e literatura de quadrinhos para a escolha

    dos avaliadores. Então, o roteiro completo foi repassado para 3 pessoas do

    público, sendo duas próximas e uma do público geral.

  • 41

    O resultado foi, novamente, bastante positivo e as críticas destacavam

    a sequência interessante de eventos, os diálogos cativantes e divertidos e

    também, a curta duração da narrativa.

    A partir desta etapa, foram feitas modificações pontuais no roteiro e

    iniciado o processo de layout para todas as páginas e, em seguida, o desenho

    a grafite.

    6.5 Desenhos a grafite, arte-finalização e cores

    Com o roteiro e o layout de todas as páginas finalizados, foi iniciada a

    série de etapas mais trabalhosa do projeto, a criação dos desenhos a grafite,

    o acabamento destes com tinta nanquim e a colorização feita por meio

    digital.

    Na produção de quadrinhos, principalmente independente, as

    técnicas utilizadas nestas etapas são de livre escolha do autor. Na verdade, a

    escolha das técnicas e materiais de finalização artística do projeto são em

    muitos casos o toque de identidade que cada autor independente traz como

    proposta única de valor para seu trabalho. É também nesta série de etapas

    que os objetivos pretendidos e a mensagem devem ser expressados através

    do produto visual, ou seja, as decisões de formato de página, traço, estilo,

    cor, composição e detalhamento são escolhas não só meramente artísticas

    e poéticas, mas têm uma relação direta com a proposta do autor e de seu

    negócio de produção autoral.

    A partir desta etapa, quaisquer grandes mudanças no planejamento e

    execução do produto final são consideravelmente difíceis. O

    desenvolvimento ainda deve estabelecer o período da curva de aprendizado

    e considerar eventuais falhas por parte do processo, porém, o tempo

    estipulado para a entrega do produto final e, mais adiante, o compromisso

    com o público responsável pelo financiamento do projeto, implicam um

    senso de urgência que demanda maior precisão na execução.

    Esta série de etapas, juntamente com o roteiro, são também a vitrine

    com que o artista mostra seu potencial profissional. Com isso, a fim de

    trabalhar nos moldes das editoras profissionais, o autor decide então por

    desenvolver o projeto com as seguintes características:

    6.5.1 Páginas inteiras

    Embora o método de criação das composições seja bastante particular

    de cada autor, é considerado padrão na indústria dos quadrinhos que o

    desenhista desenvolva a narrativa da página em uma tela, chamada canvas,

    com as mesmas proporções da página inteira do produto final. O artista deve

  • 42

    ser capaz de pensar não só nos painéis individuais de cada página, mas

    pensar na narrativa da página como um todo.

    Todos os desenhos foram desenhados em páginas inteiras tamanho

    A3, nas proporções dos quadrinhos americanos (170mm x 260mm), com

    margens e sangrias (10mm). A princípio, o formato americano padrão seria

    utilizado, mas durante a edição foi decidido que um formato levemente

    maior faria jus ao trabalho artístico desenvolvido, valorizando a arte e

    trazendo maior clareza na mensagem. Este tipo de mudança evidencia que a

    produção dos desenhos em um grande formato permite maior liberdade na

    decisão do formato final, desde que seja trabalhado sempre com redução.

    Fig. 22: Páginas do Balas Contadas em tamanho A3 em grafite. (fonte: autor)

    Fig. 23: Páginas do Balas Contadas em tamanho A3 em grafite. (fonte: autor)

  • 43

    6.5.2 Desenho e arte-final tradicional

    São conhecidos como técnicas de desenho tradicional nas histórias em

    quadrinhos a utilização de grafite para os desenhos que compõem as

    páginas e tinta nanquim no trabalho de arte finalização, que consiste em

    reforçar as linhas do lápis, possivelmente as substituindo. Este método de

    criação é particular de cada autor, embora a maioria dos grandes estúdios e

    editoras utilizem as técnicas de desenho tradicional como padrão.

    Todas as 70 páginas em formato A3, além da capa, foram desenhadas

    à grafite e finalizadas a nanquim, com pincel e canetas descartáveis. A fim de

    preservar o desenho original a grafite, todas as páginas foram arte-

    finalizadas em novas folhas, fazendo o uso de uma mesa de luz. Assim, além

    da possibilidade de se manter um arquivo de todo o processo, é possível

    submeter as duas etapas, grafite e arte-final, a avaliação de portfólio para

    futuros projetos.

    Fig. 24: Capa do Balas Contadas em grafite e arte-final em nanquim (fonte: autor)

  • 44

    Fig. 25: O processo de arte-finalização se repete nas 70 páginas (fonte: autor)

  • 45

    6.5.3 Pintura digital

    A pintura das páginas em um projeto de quadrinhos, embora não

    obrigatória, é um dos maiores desafios no processo de criação. Para

    quadrinhos independentes, devido ao custo de publicação elevado à medida

    em que são utilizadas mais cores, é muito comum que os miolos, a parte

    interna das publicações, seja produzida e impressa com apenas uma ou duas

    cores da escala CMYK.

    No projeto Balas Contadas, foi decidido fazer o uso da cor no produto

    final de maneira digital, ou seja, com auxílio de programas de computador,

    pois além do exercício em um processo que o autor não domina, o produto

    final em cores, se bem produzido, apresenta consideravelmente mais valor

    ao consumidor final. Ainda, como parte dos objetivos é a entrada no mundo

    da arte sequencial profissional, mostrar o uso das técnicas é fundamental

    para registrar o preparo do autor. Scott McCloud defende o uso de cores

    quando se busca maior nível de realismo e simbolismo na narrativa:

    A diferença entre quadrinhos em preto e branco e em cores é

    profunda, afetando cada nível da experiência de leitura. Em preto e

    branco, as ideias por trás da arte são comunicadas de maneira mais

    direta. O significado transcende a forma. Em cores planas, as

    formas assumem mais significância, O mundo se torna um

    playground de forma e espaço. E, através de cores mais expressivas,

    os quadrinhos podem transmitir sensações que só a cor é capaz de

    proporcionar. (MCCLOUD, 2005)

    E complementa:

    Nós vivemos num mundo em cores, não em preto e branco. Os

    quadrinhos coloridos sempre vão parecer mais “reais”. Como o

    leitor de quadrinhos busca muito mais do que só “realidade”, a cor

    nunca vai substituir inteiramente o preto e branco. Uma coisa é

    certa: quando bem usada, a cor pode — assim como os quadrinhos

    — resultar em mais do que a soma de suas partes. (MCCLOUD,

    2005)

    As cores do produto final têm como objetivo elucidar o contexto da

    narrativa, principalmente o clima de faroeste, com cores em tons terrosos, e

    a sensação de um Sol imperdoável, do calor constante do deserto, em cores

    fortes e vibrantes. Outra característica decisiva nas escolhas da paleta são as

    personalidades distintas dos personagens, principais ou não. A variação na

    paleta de cores possibilita fazer afirmações sobre os personagens sem o uso

    de palavras.

  • 46

    Fig. 26: Cores Base dos personagens do quadrinho Balas Contadas (fonte:autor)

    A escolha de cores quentes e vibrantes no cenário auxiliam na criação

    da atmosfera de faroeste. Como uma história de aventura, o clima e

    desértico representado pelas cores quentes é apresentado como símbolo de

  • 47

    aventura e perigo, enquanto as cores frias simbolizam um sentimento de

    tristeza e lamento.

    Fig. 27: Páginas 1 e 65 do quadrinho Balas Contadas, mostrando o uso das cores em cenas

    de aventura e tristeza, respectivamente (fonte: autor)

    A narrativa gráfica Balas Contadas, produto final deste projeto, tem 70

    páginas de história e outras 10 páginas de conteúdo editorial e uma breve

    descrição do processo de criação. Para uma narrativa gráfica, o número de

    páginas deste produto não é considerado elevado, por isso, ao invés da

    marcação editorial indicando o número de páginas, foi utilizado um esquema

    de cores nas bordas do quadrinho. Estas bordas tem o objetivo de dividir as

    cenas de maneira a não interferir com a narrativa, como por exemplo no

    formato de capítulos com início e fim marcados por texto, além de

    representar, de maneira branda, a emoção pretendida com a cena em que

    estão presentes.

    Este tipo de recurso é utilizado para quebrar a monotonia das

    margens e corroborar com a mensagem da narrativa de cada página e de

    cada cena.

  • 48

    Fig. 28: Sequência de cores nas margens do quadrinho Balas Contadas (fonte: autor)

    Após desenhadas, arte-finalizadas e coloridas digitalmente, as páginas

    do quadrinho Balas Contadas estão prontas para o processo de edição,

    revisão e letreiramento, as últimas etapas antes do envio para impressão.

    7. Letreiramento

    A relação entre texto e imagem na criação de histórias em quadrinhos

    começa na criação do roteiro, etapa primordialmente textual, onde são

    descritos todos os elementos da narrativa, visuais e textuais, sejam eles

    verbalizados em texto pelos personagens, ou não. Neste trabalho, embora o

    autor do roteiro seja o mesmo individuo criador da arte, é importante que

    exista clareza no que é apresentado de maneira visual, sejam imagens ou

    textos. Sempre valorizando a mensagem da narrativa e a forma.

    Não existe nenhuma proporção estabelecida de palavras por figura

    num veículo em que as próprias palavras (o letreiramento) fazem

    parte da forma. A arte sequencial opera sob um método empírico

    que define a imagem ou como “visual” ou como “ilustração”. Defino

    visual como uma série ou sequência de imagens que substitui uma

    passagem que seria descrita apenas por palavras. A ilustração

    reforça (ou ornamenta) uma passagem descritiva. Simplesmente

    repete o texto escrito. (EISNER, 2010)

    Os elementos textuais da narrativa gráfica Balas Contadas são, em sua

    grande maioria, momentos de diálogo entre personagens. A escolha da

    tipografia levou em consideração que os diálogos estariam representados

    em caixas de diálogo de cores claras e sólidas, nas cores branco e amarelo,

    e também o traçado no estilo de desenho do autor, que apresenta linhas

    variáveis em espessura e, por vezes, tortuosas.

    A fonte selecionada para a composição das caixas de texto foi a Might

    Makes Right BB, desenhada por Nate Piekos, disponibilizada sob licença em

    Blambot.com, site especializado em fontes para quadrinhos e criadas por

    profissionais.

  • 49

    Esta fonte foi escolhida por apresentar boa legibilidade em tamanhos

    reduzidos, três famílias (regular, itálico e negrito itálico), caracteres europeus

    incluindo acentuações necessárias para o idioma português e, um dos

    aspectos mais interessantes, possui pequenas variações em caracteres

    quando repetidos ou em posições próximas, diminuindo a sensação de

    rigidez mecânica de tipografias digitais. Conforme os exemplos utilizados:

    Fig. 29: Tipografia Might Makes Right BB (fonte: Blambot.com)

  • 50

    Fig. 30: Aplicação de tipografia no quadrinho Balas Contadas (fonte: autor)

  • 51

    Fig. 31: Aplicação de tipografia no quadrinho Balas Contadas (fonte: autor)

  • 52

    7.1 Onomatopeias

    Neste tipo de mídia visual e textual, geralmente se faz necessário o uso

    de palavras escritas que, visualmente, traduzem o som de barulhos, ruídos,

    estrondos, assemelhando-se com o a resposta auditiva que estes sons

    produzem. Em quadrinhos de faroeste, principalmente os clássicos, como

    TEX, Ringo Kid e Wyatt Earp, as onomatopeias auxiliam a criar a atmosfera do

    tiroteio de cowboys e bandidos, com os painéis poluídos de sons e fumaça

    saindo de suas armas.

    Fig. 32: Personagem Tex Willer (Fonte: José Ortiz)

    Na narrativa gráfica Balas Contadas, seguindo uma tendência de

    quadrinhos para público maduro, com doses consideráveis de violência e

    reflexões sobre a vida, o uso de onomatopeias foi praticamente eliminado.

    O objetivo é que o leitor faça a imersão total na narrativa, criando os sons e

    consequências das ações (as conclusões, de McCloud) em sua própria

    cabeça.

    Para deixar clara a proposta desde o princípio, as páginas

    introdutórias têm esta função, assim como a capa, de ditar o tom da

  • 53

    narrativa. Assim, em um quadrinho onde o tema principal é o valor da

    amizade e o peso da perda, as consequências das armas de fogo sejam

    levadas mais a sério, se o “som do tiro” acontecer na interpretação do leitor

    imerso. Na página de abertura da narrativa, a sequência é esta:

    Fig. 33: A primeira página de história do quadrinho Balas Contadas (fonte: autor)

  • 54

    Nota-se que, no último quadro, existe uma onomatopeia, comumente

    associada ao som de um tiro nos quadrinhos clássicos de faroeste: “BANG”

    Apesar de sutil, esta mensagem no último quadro é bastante

    poderosa. Até aí, a leitura indica que a paz desta casa isolada foi violada,

    assim como a tranquilidade da leitura foi interrompida, logo de início. E então

    vem, após uma virada de página, o painel seguinte:

    Fig. 34: Primeiros painéis da segunda página (fonte: autor)

    A revelação de que os tiros, não são tiros vindos de armas, mas sim,

    de uma criança ao brincar de cowboys e bandidos. Essa sequência de dois

    quadros tem bastante significado na obra. Primeiro, é uma afirmação de que

    sim, está tudo em paz, na narrativa, na casa, na família. Em um cenário tão

    cheio de perigos como o deserto da fronteira, poder sentar à varanda e

    aproveitar a companhia de seu filho enquanto brinca de “BANG, BANG” é um

    luxo para poucos. E mais que isso, o uso destas onomatopeias só ocorre

    neste momento da narrativa inteira. O autor faz uma afirmação de que o

    “BANG BANG” é coisa para crianças e a vida real, dentro da narrativa, é algo a

    ser levado a sério.

  • 55

    Este é um exemplo de como a apresentação da linguagem visual e

    textual pode transmitir a mensagem pretendida, neste caso, de respeito à

    vida e à morte, em vários níveis.

    8. Divulgação e Publicação

    Paralelamente ao processo de desenvolvimento do produto final, foi

    estabelecido que a narrativa em sua forma física, impressa em papel de alta

    qualidade, contribuiria com os dois objetivos principais: presentear os

    amigos próximos de maneira mais significativa e ter em mãos um produto

    de nível profissional para o desenvolvimento de uma carreira na indústria

    dos quadrinhos. Assim, começaram os estudos das possibilidades de

    publicação independente.

    Independentes ou não, existe a possibilidade da publicação por uma

    editora, que por sua vez pode ser considerada independente, por trabalhar

    com autores independentes nas suas publicações, ou editoras não

    independentes, que geralmente possuem maior capacidade de produção e

    visibilidade no mercado editorial. Em ambos os caso, o processo de

    publicação por editora é bastante competitivo e demorado.

    No futuro, o autor deste projeto pretende trabalhar em conjunto com

    editoras, consolidadas ou não, para a produção de novos materiais. Para este

    projeto, que tem uma janela de tempo limitada e objetivos específicos que

    miram no trabalho profissional, uma solução possível é a auto publicação.

    A impressão de um produto no formato de livro, com 80 páginas,

    dimensões de 180mm x 275mm, lombada quadrada, papel de alta qualidade

    e quatro cores, é uma impressão com custo bastante elevado. Como forma

    de negócio, é preciso que a estratégia de publicação esteja de acordo com os

    objetivos e também com a realidade do projeto. Pensando em um produto-

    final comercializável, o método de impressão deve comportar uma

    quantidade razoável de unidades e um preço acessível para o público.

    Basicamente, existiam duas possibilidades para a auto publicação do

    produto final em forma física:

    8.1 Impressão sob demanda

    Conhecida como print on demand, é uma forma de publicação onde os

    exemplares são produzidos à medida em que existe a oferta. A produção,

    que é feita por impressoras a laser, chamadas de impressão rápida, acontece

    por unidade, a partir do pedido do comprador. Esta solução é viabilizada por

    sites como kablam.com e printninja.com. Embora o produto tenha qualidade

    razoável e esteja de fato, publicado, o custo de produção é muito alto, devido

    à escala ser tão reduzida. Esta seria uma solução viável apenas para a

  • 56

    produção de poucas quantidades e satisfariam somente a primeira parte do

    objetivo, a de homenagear os entes queridos.

    8.2 Impressão Offset

    O tipo de impressão mais utilizado nas médias e grandes publicações.

    É caracterizado pelo método de produção das chapas que realizam a

    impressão, pela grande quantidade de unidades que são produzidas por vez

    e, como consequência, pela redução do custo por unidade. Porém, este

    método de impressão só se torna interessante para tiragens de pelo menos

    500 exemplares e o custo por unidade se torna razoável a partir de 1000

    exemplares. Lembrando que estas métricas estão considerando as

    características do produto deste projeto, apenas. Este foi o método de

    publicação escolhido para o projeto, porém, era preciso algum tipo de

    validação do público, para justificar a produção de uma tiragem com 1000

    unidades.

    A publicação por impressão offset aumenta as chances de sucesso do

    projeto, alcançando de maneira eficiente os objetivos desejados — a

    produção profissional e a homenagem de forma física — e possibilita a

    entrada efetiva no mercado profissional de quadrinhos, na forma de venda

    direta do produto, participação de feiras de economia criativa e divulgação

    do trabalho para editoras, mídia e formadores de opinião. Isto é possibilitado

    pela quantidade expressiva de exemplares disponíveis para o negócio.

    As duas barreiras deste caminho de publicação são as seguintes: o

    custo total de produção elevado e a vazão do produto em caso de sucesso

    da publicação. Ou seja, mesmo com a possibilidade de produção de,

    digamos, 1000 exemplares, é preciso de algum indicador de que existe

    público interessado no produto, que vá além do público diretamente ligado

    ao autor, amigos e familiares.

    Existem plataformas que crescem a cada ano como alternativas para

    o financiamento de projetos autorais e que, em parte, resolvem os dois

    problemas apresentados. São as ferramentas online de financiamento

    coletivo. No Brasil, a maior plataforma de financiamento coletivo é o Catarse.

    A revista Exame descreve o funcionamento básico da ferramenta: “Por

    meio da plataforma online, o empreendedor apresenta sua ideia para o

    público informando o valor necessário da arrecadação para a realização do

    projeto e dividem esse valor em fatias diferentes. Através desse sistema as

    pessoas acessam o site, conhecem o projeto e se interessam ou não em

    apoiarem e fazerem doações para a realização dos projetos. ”

    Assim, além de ser um canal de apresentação do projeto ao público,

    mesmo antes da sua finalização, a plataforma funciona como um viabilizador

    de projetos onde o público interessado investe diretamente na produção e

  • 57

    no autor. Este canal direto foi considerado um dos caminhos possíveis para

    a publicação da narrativa gráfica Balas Contadas ao mesmo tempo em que

    pode ser utilizado como indicador do público interessado.

    8.3 Campanha no Catarse

    A apresentação de proposta, chamada de campanha, considera um

    valor monetário para a viabilização do projeto e um prazo estipulado de 30

    a 60 dias. Na modalidade de campanha proposta, conhecida como Tudo ou

    Nada, o autor do projeto só recebe o dinheiro caso alcance o valor total ou

    superior ao estipulado na meta, durante a criação do projeto. Para este

    projeto, esta seria a modalidade mais interessante, devido ao montante que

    corresponde ao preço de custo de produção e distribuição.

    Ainda assim, seria interessante que o número de apoiadores,

    independentemente do valor investido no projeto, indicasse que haveria

    vazão para a quantidade de exemplares a ser produzido. Foi considerado

    que 10% da tiragem total seria um número razoável de exemplares a serem

    distribuídos, que justificariam a publicação com ajuda da ferramenta.

    O planejamento do projeto na plataforma considerou três resultados

    possíveis, ao final do período da campanha:

    a. Poucos apoiadores no projeto e meta não atingida.

    Ao final do prazo estipulado, o público demonstrou pouco

    engajamento e interesse em apoiar o projeto. Por exemplo: Menos de 30

    pessoas investiram na ideia e menos de 10% do valor estipulado na meta foi

    alcançado.

    Neste caso, a publicação neste modelo seria inviabilizada e deveria ser

    repensada.

    b. Número