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https://amazoniareal.com.br/grilagem-na-rodovia-br-319-1-resumo-da-serie/

Grilagem na rodovia BR-319: 1 – Resumo da série

Por Philip Martin FearnsidePublicado em: 26/07/2021 às 18:09

Lucas Ferrante, Maryane B.T. Andrade & Philip M. Fearnside

A grilagem de terras na rodovia BR-319 e falta geral de governança naquela “terra sem lei” foram documentadas em um trabalho publicado em 27 de maio na prestigiada revista Land Use Policy, assim possibilitando a sua divulgação na Amazônia Real. Esta série traz uma tradução em português do texto original:

O Brasil enfrenta seu maior período de retrocesso ambiental, onde “ruralistas” ganham acesso a terras do governo na Amazônia. Novas estradas estão sendo pavimentadas, como a rodovia BR-319 que conecta Porto Velho, no notório “arco do desmatamento”, a Manaus, na relativamente intacta Amazônia central. Esta rodovia atua como ponta de lança penetrando um dos blocos de floresta mais preservados da Amazônia. Aqui relatamos como o governo brasileiro tem favorecido a grilagem de terras na Amazônia e

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como a BR-319 tem dado acesso às terras públicas e incentivado a invasão dessas áreas juntamente com a grilagem e o desmatamento. Não se trata apenas de um processo vinculado à rodovia, mas envolve também a atuação de órgãos governamentais como o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). A extração ilegal de madeira é galopante e áreas de terras do governo estão sendo marcadas por grileiros para venda ilegal aos migrantes que chegam. Apesar da legislação ambiental exigir um Estudo de Impacto Ambiental (EIA) para o “Lote C”, que é um dos trechos onde o desmatamento está avançando, um juiz autorizou a pavimentação deste trecho sem um EIA. A abertura da BR-319 e suas estradas secundárias associadas representa um caminho sem retorno a um ponto crítico de autodegradação e perda da biodiversidade vital da Amazônia e funções de estabilização do clima.

Amazônia ameaçada pelo presidente do Brasil

Manaus, AM 23/04/2021 – Manifestantes em frente ao Centro de Convenções Vasco Vasquez

protestam contra o presidente Jair Bolsonaro (Foto: Paulo Neves/Amazônia Real) A atual administração presidencial do Brasil enfraqueceu e desmantelou as agências ambientais e indígenas para favorecer os “ruralistas” [1]. As pressões aumentaram na Amazônia, onde ameaças de longa data, como fazendas de gado [2], plantações de soja [3], minas [4, 5] e barragens hidrelétricas [6] são aumentadas por planos para novas estradas e para expansão de monocultura para a produção de biocombustíveis em grande escala [7, 8]. O Presidente Jair Bolsonaro assumiu o cargo em 1º de janeiro de 2019 e, entre janeiro de 2019 e janeiro de 2020, o desmatamento na Amazônia brasileira aumentou 74% em relação ao mesmo período do ano anterior [9]. As taxas anuais de desmatamento durante o governo Bolsonaro superam as taxas anuais de desmatamento observadas no bioma nos últimos 12 anos [10], refletindo a reversão nas políticas públicas de proteção da Amazônia.

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O Presidente Bolsonaro afirmou que estrangeiros, principalmente chineses, planejam ocupar a Amazônia, e esse argumento tem sido central para justificar seus próprios planos de ocupação da região, construindo estradas e estimulando o agronegócio [11]. O discurso do presidente tem estimulado o desmatamento ilegal, queimadas, invasões de unidades de conservação e terras indígenas, bem como ataques a agentes de fiscalização ambiental [1, 5, 12, 13]. A Covid-19 e a militarização do controle ambiental agora fornecem cortinas de fumaça para esses eventos [14]. Um boom no mercado de tratores de estera indica um cenário de mais desmatamento pela frente devido à expansão do agronegócio [15]. O desmatamento cumulativo na Amazônia brasileira já atingiu um nível que está aproximadamente no limite que a floresta pode tolerar sem cruzar um “ponto de inflexão” que leva ao colapso ambiental [16, 17].[18]

A imagem que abre este artigo, mostra área de grilagem de terras no entorno da BR 319 (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)

Notas [1] Ferrante L & Fearnside PM (2019) O novo presidente do Brasil e “ruralistas” ameaçam o meio ambiente, povos tradicionais da Amazônia e o clima global. | Amazônia Real, 30 de julho de 2019.

[2] Fearnside PM (2005) Desmatamento na Amazônia brasileira: História, índices e conseqüências. Megadiversidade 1(4): 113-123.

[3] Fearnside PM (2006) O cultivo da soja como ameaça para o meio ambiente na Amazônia brasileira. p. 281-324 In: L.C. Forline, R.S.S. Murrieta & I.C.G. Vieira (eds.) Amazônia além dos 500 Anos. Museu Paraense Emílio Goeldi, Belém, Pará. 566 p.

[4] Sonter LJ, Herrera D, Barrett DJ, Galford GL, Moran CJ & Soares-Filho BS (2017) Mining drives extensive deforestation in the Brazilian Amazon. Nature Communications 8: art. 1013.

[5] Ferrante L & Fearnside PM (2020) O Brasil ameaça terras indígenas. Amazônia Real, 06 de maio de 2020.

[6] Lees AC, Peres CA, Fearnside PM, Schneider M &Zuanon JA (2016) Hydropower and the future of Amazonian biodiversity. Biodiversity and Conservation 25(3): 451-466.

[7] Ferrante L & Fearnside PM (2018) Cana-de-Açúcar da Amazônia: Uma Ameaça à Floresta. Amazônia Real, 26 de março de 2018.

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[8] Ferrante L & Fearnside PM (2020) Os planos de biocombustíveis do Brasil impulsionam o desmatamento. Amazônia Real, 13 de janeiro de 2020.

[9] Fonseca A, Cardoso D, Ribeiro J, Ferreira R, Kirchhoff F, Monteiro A, Santos B, Ferreira B, Souza Jr C & Veríssimo A (2020) Boletim do desmatamento da Amazônia Legal (janeiro 2020) SAD. Instituto do Homem e Meio Ambiente na Amazônia (IMAZON), Belém, Pará.

[10] INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) (2021) Projeto PRODES – Monitoramento da Floresta Amazônica por Satélite. INPE, São José dos Campos, SP.

[11] Dias T (2019) Movido a Paranoia: Documentos e áudios inéditos mostram planos de Bolsonaro para povoar a Amazônia contra chineses, ONGs e igreja católica. The Intercept Brasil, 20 de setembro de 2019.

[12] Hanbury S (2019) Murders of indigenous leaders in Brazilian Amazon hits highest level in two decades. Mongabay, 14 de dezembro de 2019.

[13] HRW (Human Rights Watch) (2019) Rainforest Mafias: How Violence and Impunity Fuel Deforestation in Brazil’s Amazon. HRW, New York, EUA. 163 p.

[14] Ferrante L & Fearnside PM (2020) Forças militares e Covid-19 como cortinas de fumaça para a destruição da Amazônia e violação dos direitos indígenas. Amazônia Real, 16 de dezembro de 2020.

[15] ClimaInfo (2020) Mercado aquecido para tratores de esteira indica mais desmatamento à frente. ClimaInfo, 01 de junho de 2020. https://bityl.co/4o83

[16] Lovejoy TE & Nobre C (2018) Amazon tipping point. Science Advances 4: art. eaat2340.

[17] Walker RT (2021) Collision course: Development pushes Amazonia toward its tipping point. Environment: Science and Policy for Sustainable Development 63(1): 15-25.

[18] Este texto é traduzido de: Ferrante, L.; Andrade, M.B.T.; Fearnside, P.M. (2021) Land grabbing on Brazil’s Highway BR-319 as a spearhead for Amazonian deforestation. Land Use Policy 108: art. 105559. https://doi.org/10.1016/j.landusepol.2021.105559. A pesquisa dos autores é financiada exclusivamente por fontes acadêmicas. LF e MBTA agradecem ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). PMF agradece CNPq (429795 / 2016-5, 311103 / 2015-4), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM) (708565) e Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) (PRJ13.03).

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Os autores: Maryane Bento Trindade de Andrade é mestranda em Ciências de Florestas Tropicais no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). Ela faz pesquisa sobre a dinâmica e estoque de carbono de florestas na zona de influência da BR-319.

Lucas Ferrante é doutorando em Biologia (Ecologia) no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). Tem pesquisado agentes do desmatamento, buscando políticas públicas para mitigar conflitos de terra gerados pelo desmatamento, invasão de áreas protegidas e comunidades tradicionais, principalmente sobre Terras indígenas e Unidades de Conservação na Amazônia.

Philip Martin Fearnside é doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 600 publicações científicas e mais de 500 textos de divulgação de sua autoria que estão disponíveis aqui.

Artigos de Opinião ou colunas Sobre a matéria

Philip Martin Fearnside

É doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 600 publicações científicas e mais de 500 textos de divulgação de sua autoria que podem ser acessados aqui. https://philip.inpa.gov.br

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https://amazoniareal.com.br/grilagem-na-rodovia-br-319-2-grilagem-de-terras/

Grilagem na rodovia BR-319: 2 – Grilagem de terras

Por Amazônia RealPublicado em: 02/08/2021 às 16:45

Por Lucas Ferrante, Maryane B.T. Andrade e Philip M. Fearnside

Uma série de medidas que facilitam a grilagem de terras foi promovida pelo Presidente Bolsonaro com o apoio da bancada ruralista no Congresso Nacional. “Grilagem” no Brasil se refere à apropriação ilegal de grandes áreas de terras do governo (quase sempre sob floresta amazônica), após o que essas áreas são frequentemente “regularizadas” (muitas vezes por meios corruptos) e, com ou sem “regularização”, as áreas geralmente são subdivididas e vendidas posteriormente [1]. Observe que o termo “land grabbing” (a tradução em inglês de grilagem) difere do uso do termo na África e na Ásia, onde se refere à compra de terras agrícolas locais por interesses estrangeiros para culturas de exportação [2]. No Brasil, grileiros muitas vezes contratam pistoleiros para expulsar violentamente quaisquer pequenos agricultores ou outros reclamantes [3].

Em 10 de dezembro de 2019 o Presidente Bolsonaro emitiu uma medida provisória (MP-910) que permitia a legalização de reivindicações de terras de até 15 módulos

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fiscais (i.e., posses de 1.500 ha na Amazônia) por meio de uma mera “autodeclaração” de propriedade e, com exceção de casos especiais onde houver indícios de infração, sem qualquer forma de fiscalização in loco [4]. Isso tem o efeito de legalizar a grilagem na Amazônia [5]. A MP-910 vigorou por 120 dias, após o qual essa medida provisória foi transformada em projeto de lei (PL-2633/2020) [6]. Quando aprovada, esta será a terceira “lei da grilagem”, as duas primeiras, em 2004 e 2017, tendo sucessivamente aliviado as restrições à regularização de reivindicações ilegais de terras [7]. Rodrigo Maia, o presidente da Câmara dos Deputados que permitiu a expiração da MP-910, não permitiu que o projeto fosse levado ao plenário para votação.

Isso mudou repentinamente em 01 de fevereiro de 2021, quando as presidências de ambas as casas do Congresso Nacional foram conquistadas pela coalizão “Centrão” de partidos políticos que apoiam Bolsonaro em questões relacionadas à agenda “ruralista”, tornando a rápida aprovação provável [8]. Da mesma forma, está em andamento um projeto de lei no Senado (PL-510) que também legalizaria ações com base na autodeclaração e sem fiscalização [9]. A área máxima que pode ser legalizada por requerente tem aumentado sucessivamente: de 100 ha para 1500 ha em 2009 e para 2.500 ha em 2017 [10].

Também não foi levado ao plenário enquanto o Rodrigo Maia ocupou a presidência da Câmara dos Deputados o projeto de lei (PL-191/2020) apresentado ao Congresso Nacional pelo Presidente Bolsonaro em 05 de fevereiro de 2020 que abriria terras indígenas para mineração, barragens e agronegócio [11]. Se aprovada (como é provável), abriria terras indígenas para implantação dessas atividades por pessoas não indígenas, com consequências desastrosas tanto para os indígenas quanto para a floresta amazônica [12]. As terras indígenas do Brasil protegem mais floresta amazônica do que as unidades de conservação federais [13].

Uma medida provisória (MP901) também foi apresentada pelo Presidente Jair Bolsonaro que reduziria o percentual de áreas de propriedades rurais que o Código Florestal Brasileiro exige que sejam mantidas como “reserva legal” de 80% para 50% nos estados amazônicos de Roraima e Amapá [14]. Isso provavelmente pressagiaria uma mudança semelhante para outros estados amazônicos. Embora essa medida provisória também tenha expirado, é preocupante que possa ser elaborado um projeto de lei para implementar as mesmas disposições, como no caso da MP910.

Além de medidas que facilitam a grilagem de terras e incentivarem o desmatamento em terras públicas [15], o governo federal tem tomado medidas para abrir terras indígenas ao agronegócio. Entre elas está a Instrução Normativa nº 9/2020, assinada pelo titular da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) em 24 de abril de 2020, que regulamenta a emissão do documento “Declaração de Reconhecimento de Limites”, permitindo a ocupação e até mesmo a venda de áreas em terras indígenas [16, 17]. As terras indígenas estão sobre grande pressão do agronegócio, madeireiros e mineração (tanto por grandes empresas quanto por garimpeiros individuais), e os assassinatos de líderes indígenas aumentaram substancialmente por esse motivo [18, 19]. A Instrução Normativa nº 9/2020 regularizaria a invasão em terras indígenas e em terras legalmente protegidas por outros povos tradicionais.

Em reunião ministerial no dia 22 de abril de 2020, o Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, opinou que o governo deve aproveitar a “oportunidade” apresentada

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pela atenção da mídia ser concentrada na pandemia de Covid-19 para aprovar mudanças “infra-legais” na regulamentação do meio ambiente e na regularização de reivindicações de terras ilegais, pedindo ao governo “passar a boiada”, a “boiada” referindo-se às mudanças para enfraquecer a regulamentação ambiental [20].[21]

A imagem que abre este artigo mostra área grilada, desmatada e queimada que já recebe gado em Porto Velho, Rondônia em julho de 2021 (Foto: Christian Braga/Greenpeace)

Notas [1] Brito B, Barreto P, Brandão Jr A, Baima S & Gomes PH (2019) Stimulus for land grabbing and deforestation in the Brazilian Amazon. Environmental Research Letters 14: art. 064018.

[2] Oliveira GLT, McKay BM & Liu J (2021) Beyond land grabs: New insights on land struggles and global agrarian change. Globalizations 18: 321-338,

[3] Fearnside PM (2008) The roles and movements of actors in the deforestation of Brazilian Amazonia. Ecology and Society 13: art. 23.

[4] PR (Presidência da República) (2019) Medida Provisória Nº 910, de 10 de dezembro de 2019. PR, Brasília, DF. https://bityl.co/6NLA

[5] Branford S & Borges T (2019) Bolsonaro’s Brazil: 2019 brings death by 1,000 cuts to Amazon — part one. Mongabay, 30 de dezembro de 2019.

[6] Congresso Nacional (2020a) PL-2633/2020. Câmara dos Deputados, Brasília, DF.

[7] Fearnside, P.M. 2020. O perigo da “lei da grilagem”. Amazônia Real, 22 de maio de 2020.

[8] Ferrante L & Fearnside PM (2021) Reviravolta no Congresso Nacional ameaça Amazônia. Amazônia Real, 09 de março de 2021.

[9] Senado Federal (2021) Projeto de Lei n° 510, de 2021. Senado Federal. Brasília, DF.

[10] Fearnside, P.M. (2021) Desmatamento ilegal zero, mais uma distorção do Bolsonaro. Amazônia Real, 26 de abril de 2021.

[11] Congresso Nacional (2020b) PL 191/2020. Câmara dos Deputados, Brasília, DF.

[12] Ferrante L & Fearnside PM (2020a) O Brasil ameaça terras indígenas. Amazônia Real, 06 de maio de 2020.

[13] Nogueira EM, Yanai AM, Vasconcelos SS, Graça PMLA, Fearnside PM (2018) Brazil’s Amazonian protected areas as a bulwark against regional climate change. Regional Environmental Change 18(2): 573-579.

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[14] Congresso Nacional (2019) Medida Provisória n° 901, de 2019. Congresso Nacional, Brasília, DF.

[15] Ferrante L & Fearnside PM (2019) O novo presidente do Brasil e “ruralistas” ameaçam o meio ambiente, povos tradicionais da Amazônia e o clima global. | Amazônia Real, 30 de julho de 2019.

[16] Batista JP (2020) Funai edita medida que permite ocupação e até venda de áreas em Terras Indígenas. Instituto Socioambiental.

[17] FUNAI (Fundação Nacional do Índio). (2020) Instrução Normativa Nº 9, de 16 de abril de 2020. Diário Oficial da União, Edição 76, Seção 1, p. 32.

[18] Hanbury S (2019) Murders of indigenous leaders in Brazilian Amazon hits highest level in two decades. Mongabay, 14 de dezembro de 2019.

[19] HRW (Human Rights Watch) (2019) Rainforest Mafias: How Violence and Impunity Fuel Deforestation in Brazil’s Amazon. HRW, New York, EUA. 163 p.

[20] Youtube (2020). Reunião Ministerial em 22 de Abril, falas Ricardo Salles.

[21] Este texto é traduzido de: Ferrante, L.; Andrade, M.B.T.; Fearnside, P.M. 2021. Land grabbing on Brazil’s Highway BR-319 as a spearhead for Amazonian deforestation. Land Use Policy 108: art. 105559. A pesquisa dos autores é financiada exclusivamente por fontes acadêmicas. LF e MBTA agradecem ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). PMF agradece CNPq (429795 / 2016-5, 311103 / 2015-4), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM) (708565) e Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) (PRJ13.03). Os autores: Maryane Bento Trindade de Andrade é mestranda em Ciências de Florestas Tropicais no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). Ela faz pesquisa sobre a dinâmica e estoque de carbono de florestas na zona de influência da BR-319.

Lucas Ferrante é doutorando em Biologia (Ecologia) no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). Tem pesquisado agentes do desmatamento, buscando políticas públicas para mitigar conflitos de terra gerados pelo desmatamento, invasão de áreas protegidas e comunidades tradicionais, principalmente sobre Terras indígenas e Unidades de Conservação na Amazônia.

Philip Martin Fearnside é doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 600 publicações científicas e mais de 500 textos de divulgação de sua autoria que estão disponíveis aqui.

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https://amazoniareal.com.br/grilagem-na-rodovia-br-319-3-ponta-de-lanca-do-desmatamento-na-amazonia/

Grilagem na rodovia BR-319: 3 – Ponta de lança do desmatamento na Amazônia

Por Amazônia RealPublicado em: 10/08/2021 às 15:26

Por Lucas Ferrante, Maryane B.T. Andrade e Philip M. Fearnside

Uma das formas de dar acesso a terras para expansão do agronegócio na Amazônia é a reconstrução da rodovia BR-319 ligando Porto Velho, no estado de Rondônia, a Manaus, no estado do Amazonas, assim conectando o “arco do desmatamento” a vastas áreas de floresta intacta [1-5]. A rodovia foi construída no início dos anos 1970 e abandonada em 1988. Uma proposta de reconstrução do “trecho do meio” da rodovia ainda não foi aprovada – um primeiro Estudo de Impacto Ambiental (EIA) foi apresentado em 2009 e rejeitado como totalmente inadequado, e um segundo EIA foi apresentado em 2020 e está progredindo rapidamente em direção à aprovação sobre forte pressão política.

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Em 2014, foi encontrado um meio de contornar a exigência de ter um EIA, permitindo um programa de “manutenção” para a estrada; o programa tornou a estrada transitável, embora não pavimentada, e causou um impacto ambiental substancial [6]. O programa de “manutenção” foi anunciado em 2014 e teve início na prática em 2015 [7]. Na prática, este programa não se restringe à “manutenção”, tendo também substituído as pontes originais por novas que são compatíveis com a reconstrução planejada e requalificado a estrada de várias formas que facilitam a migração dos desmatadores. O serviço de ônibus entre Manaus e Porto Velho foi restabelecido em 2017, com exceção dos meses mais chuvosos.

Estima-se que a BR-319 e as estradas vicinais planejadas irão gerar um aumento da área desmatada em mais de 1200% até 2100 na região entre a rodovia e a fronteira do Brasil com o Peru [8]. A planejada rodovia AM-366 se conectaria à BR-319, abrindo esta região “Trans-Purus” para a entrada de grileiros e outros atores [9]. AM-366 atravessaria uma vasta área de terras públicas não designadas (“terras devolutas”), que é a categoria mais vulnerável à grilagem de terras [10]. A aprovação, em 15 de dezembro de 2020, pelo Senado brasileiro de um projeto de lei que permite a empresas e indivíduos estrangeiros comprar terras rurais [11] pode aumentar ainda mais a pressão sobre essa área crítica.

A reconstrução da rodovia foi uma promessa de campanha do então candidato presidencial Bolsonaro [1]. A BR-319 foi abandonada por falta de viabilidade econômica, e ainda carece de estudo de viabilidade econômica (EVTEA). O projeto de reconstrução também carece da consulta aos povos indígenas que é exigida pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e pela Lei nº 10.088/2019 (antiga nº 5.051/2004), com pelo menos 63 terras indígenas oficialmente reconhecidas sendo impactadas [12].

Dois trechos da rodovia serão reconstruídos: o “trecho do meio” (km 250 a km 655) e o “Lote C” (km 198 a km 250). Em 05 de agosto de 2020, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) submeteu o EIA do “trecho do meio” da rodovia BR-319 ao IBAMA e, após análise do relatório, o IBAMA solicitou informações complementares em fevereiro de 2021, e o DNIT anunciou que teria essas informações até o final de março, e, embora atrasado, o processo, sem dúvida, será concluído em breve.[13]

A imagem que ilustra este artigo é de autoria de Marcio Isensee e Sá/InfoAmazônia/Amazônia Real e mostra pátio de madeireira no distrito de Realidade em Humaitá, Amazonas na BR- 319

Notas

[1] Ferrante L & Fearnside PM (2019) O novo presidente do Brasil e “ruralistas” ameaçam o meio ambiente, povos tradicionais da Amazônia e o clima global. | Amazônia Real, 30 de julho de 2019.

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[2] Ferrante L & Fearnside PM (2020) BR-319: O caminho para o desmatamento da Amazônia. Amazônia Real, 07 de agosto de 2020.

[3] Mataveli, G.A.V., Chaves, M.E.D., Brunsell, N.A., Aragão, L.E.O.C. (2021). The emergence of a new deforestation hotspot in Amazonia. Perspect. Ecol. Conserv. 19: 33–36.

[4] Andrade M, Ferrante L & Fearnside PM (2021) A rodovia BR-319, do Brasil, demonstra uma falta crucial de governança ambiental na Amazônia Amazônia Real, 02 de março de 2021.

[5] Ferrante, L., M.B.T. de Andrade, L. Leite, C.A. Silva Junior, M. Lima, M.G. Coelho Junior, E.C. da Silva Neto, D. Campolina, K. Carolino, L.M. Diele-Viegas, E.J.A.L. Pereira & P.M. Fearnside. (2021) BR-319: O caminho para o colapso da Amazônia e a violação dos direitos indígenas. Amazônia Real, 23 de fevereiro de 2021.

[6] Fearnside PM (2018) BR-319 e a destruição da floresta amazônica. Amazônia Real 19 de outubro de 2018.

[7] Meirelles FA, Carrero GC, Neto JGF, Cenamo MC & Guarido PCP (2018) Análise Ambiental e Socioeconômica dos Municípios sob Influência da Rodovia BR-319. Instituto do Desenvolvimento Sustentável da Amazônia (IDESAM), Manaus, Amazonas. 113 p.

[8] dos Santos Júnior, M.A.; A.M. Yanai, F.O. Sousa Junior, I. S. de Freitas, H.P. Pinheiro, A.C.R. de Oliveira, F.L. da Silva, P.M.L.A. Graça & P.M. Fearnside. (2018) BR-319 como propulsora de desmatamento: Simulando o impacto da rodovia Manaus-Porto Velho. Instituto do Desenvolvimento Sustentável da Amazônia (IDESAM), Manaus, Amazonas. 54 p.

[9] Fearnside PM, Ferrante L, Yanai AM & Isaac Júnior MA (2020) Trans-Purus, a última floresta intacta. Amazônia Real

[10] Azevedo-Ramos C, Moutinho P, Arruda VLS, Stabile MCC, Alencar A, Castro I & Ribeiro JP (2020) Lawless land in no man’s land: The undesignated public forests in the Brazilian Amazon. Land Use Policy 99: art. 104863.

[11] Senado Federal (2020) Projeto de Lei n° 2963, de 2019.Senado Federal, Brasília, DF.

[12] Ferrante, L. M.P. Gomes & P.M. Fearnside. (2020) BR-319 ameaça povos indígenas. Amazônia Real.

[13] Este texto é traduzido de: Ferrante, L.; Andrade, M.B.T.; Fearnside, P.M. (2021). Land grabbing on Brazil’s Highway BR-319 as a spearhead for Amazonian deforestation. Land Use Policy 108: art. 105559. A pesquisa dos autores é financiada exclusivamente por fontes acadêmicas. LF e MBTA agradecem ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). PMF agradece CNPq (429795 / 2016-5, 311103 / 2015-4), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas

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(FAPEAM) (708565) e Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) (PRJ13.03).

Leia os outros artigos da série:

Grilagem na rodovia BR-319: 1 – Resumo da série

Grilagem na rodovia BR-319: 2 – Grilagem de terras

Os autores:

Maryane Bento Trindade de Andrade é mestranda em Ciências de Florestas Tropicais no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). Ela faz pesquisa sobre a dinâmica e estoque de carbono de florestas na zona de influência da BR-319.

Lucas Ferrante é doutorando em Biologia (Ecologia) no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). Tem pesquisado agentes do desmatamento, buscando políticas públicas para mitigar conflitos de terra gerados pelo desmatamento, invasão de áreas protegidas e comunidades tradicionais, principalmente sobre Terras indígenas e Unidades de Conservação na Amazônia.

Philip Martin Fearnside é doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 600 publicações científicas e mais de 500 textos de divulgação de sua autoria que estão disponíveis aqui.

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Grilagem na rodovia BR-319: 4 – O escândalo do “Lote C”

Por Amazônia RealPublicado em: 16/08/2021 às 20:55

Por Lucas Ferrante, Maryane B.T. Andrade e Philip M. Fearnside

Ao contrário do “trecho do meio”, o “Lote C” nunca teve um EIA (Estudo de Impacto Ambiental) preparado, apesar de uma decisão judicial unânime em 15 de dezembro de 2014 de que um EIA é constitucionalmente exigido para esta seção [1]. Em 28 de janeiro de 2019, uma decisão judicial rejeitou um pedido do DNIT para retirar o embargo à reconstrução do “Lote C” sem um EIA [2]. Mesmo assim, em 24 de junho de 2020 o DNIT (Departamento Nacional de Infraestrura e Transportes) abriu licitação para reconstrução do “Lote C”[3]; e em 20 de agosto um juiz indeferiu pedido de suspensão de licitação feito pelo Ministério Público Federal [4]. O Ministério Público Federal é uma procuradoria pública criada pela Constituição do Brasil de 1988 para defender os direitos do povo, incluindo o direito a um “meio ambiente ecologicamente equilibrado”.

O fato de o DNIT simplesmente ignorar a exigência de um EIA foi caracterizado pelo Ministério Público Federal como sendo de “má fé” [5]. Em 30 de junho de 2020, o Ministério Público Federal ingressou com uma ação solicitando ao tribunal a suspensão

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da licitação do “Lote C” [6], mas o processo estagnou nas mãos de um dos juízes, foi firmado um contrato com uma construtora em dezembro de 2020, e finalmente em 01 de março de 2021 foi proferida a decisão mantendo a proibição original de reconstrução do “Lote C” sem EIA e suspendendo o contrato de construção [7, 8]. Coincidentemente, a decisão foi proferida apenas 10 dias após uma publicação dos presentes autores [9] expondo essa situação. Os políticos em Manaus criticaram veementemente o juiz responsável [10] e, em 07 de abril de 2021, o chefe do Superior Tribunal de Justiça do Brasil reverteu a decisão e permitiu que a reconstrução do “Lote C” prosseguisse [11].

A decisão de 07 de abril de 2021 liberando a reconstrução do “Lote C” foi proferida pelo juiz Humberto Martins, que mantém uma relação estreita com a família Bolsonaro, e em 23 de abril de 2021 um dos filhos do presidente revelou em entrevista que Martins era um dos dois principais candidatos à nomeação de Bolsonaro para ocupar uma vaga no Supremo Tribunal Federal que estaria disponível em 05 de julho de 2021 [12]. Entre as suas decisões favoráveis à família Bolsonaro, Humberto Martins solicitou, por iniciativa própria, o inquérito sobre a “conduta disciplinar” do juiz encarregado de processar o caso “Queiroz”, um dos maiores escândalos de corrupção em torno do governo Bolsonaro e a família do presidente [13]. Como promessa de campanha proeminente, reconstruir a rodovia BR-319 é uma prioridade pessoal para o presidente Bolsonaro [14].

As motivações para amparo judicial para contornar a legislação ambiental são desconhecidas. Coincidentemente, o desembargador Martins justificou sua decisão usando os mesmos falaciosos pontos de conversa que têm sido empregados por políticos em Manaus, como a de que a rodovia é urgentemente necessária para permitir o transporte de oxigênio para Manaus na pandemia Covid-19 [11]. A conveniência política de culpar a falta da BR-319 pela crise de oxigênio de janeiro de 2021 em Manaus é clara, pois esse argumento libera as autoridades locais de responsabilidade por não terem providenciado em tempo hábil o embarque de oxigênio pela rota normal de carga (barcaças chegando de Belém via o rio Amazonas), apesar de terem sido avisadas com mais de dois meses que o suprimento de oxigênio seria insuficiente [15].

A decisão judicial que concedeu a liberação para reconstrução e pavimentação do “Lote C” sem EIA fundamentou-se no argumento de que a falta de via representa grave dano à ordem pública, segurança, economia e saúde [11]. Os dados do presente estudo mostram que essas justificativas são falaciosas, uma vez que o programa de “manutenção” e a promessa de pavimentação aumentaram os crimes ambientais e a insegurança dos povos tradicionais nas áreas afetadas pela rodovia BR-319. A invasão da TI Apurinã do Igarapé São Jorge e um “ramal” (estrada vicinal endógena) ilegal que cruza a TI Apurinã do Igarapé Tauamirim são exemplos [16], assim como um ramal ilegal a partir da BR-319 que está entrando em uma reserva extrativista utilizada pela o povo indígena Mura [17].

A justificativa econômica também é falaciosa, uma vez que estudos econômicos e logísticos mostram que o transporte de cargas até São Paulo pela rodovia BR-319 seria mais caro do que os outros modais [18, 19]. O argumento da segurança pública é contrariado pelo desmatamento ilegal que tem aumentado ao longo da rodovia à medida que a estrada se torna mais transitável, como mostramos neste artigo. A melhoria da rodovia também foi acompanhada pelo aumento da extração ilegal de madeira [20].

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Esse também é um fator que impacta a indústria, de acordo com a Federação das Indústrias do Estado do Amazonas (FIEAM) [21].

A justificativa para a reconstrução da rodovia para garantir a saúde pública não tem sustentação, uma vez que o gasto com a rodovia seria muito maior do que o custo da melhoria dos sistemas de saúde dos municípios ao longo da rodovia. A pavimentação da rodovia não garante condições para melhoria do sistema de saúde. É bem conhecido o estado precário dos sistemas públicos de saúde em municípios interligados por rodovias na Amazônia [22].

O presente estudo tem como objetivo mostrar que a atual falta de fiscalização da legislação ambiental e indígena, junto com a anulação de decisões judiciais que requerem estudos ambientais para os dois trechos da rodovia BR-319 previstos para reconstrução, fazem desta rodovia a ponta de lança do desmatamento em uma das regiões mais preservadas da Amazônia. A grilagem, que já está em andamento, é fundamental para esse processo de desmatamento.[23]

A imagem que lustra este artigo é de autoria de Fernando O.G. Figueiredo/PPBIO/CENBAM.

Notas

[1] TRF-1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região) (2015) Tribunal Regional da 1ª Região TRF-1-Apelação Civil (AC) AC: 0005716-70.2005.4.01.3200. TRF-1, Manaus, Amazonas.

[2] TRF-1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região) (2019) Numeração Única 005716.70.2005.4.01.3200. TRF-1, Manaus, Amazonas.

[3] DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes) (2020) Aviso de Licitação, RDC Eletrônico nº 216/2020. Diário Oficial da União

[4] Campinas F (2020) Juíza nega suspensão de edital para asfaltamento de trecho da BR-319. Amazonas Atual, 20 de agosto de 2020.

[5] Ferrante L & Fearnside PM (2020) BR-319: O caminho para o desmatamento da Amazônia. Amazônia Real, 07 de agosto de 2020.

[6] JF-1 (Justiça Federal da 1ª Região) (2020) Processo Judicial Eletrônico Número: 1016749-49.2019.4.01.3200.

[7] Campinas F (2021) Justiça suspende licitação do governo Bolsonaro para pavimentação da BR-319. Amazonas Atual, 02 de março de 2021.

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[8] TRF-1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região) (2021) Tribunal Regional da 1ª Região. Processo: 1029927-28.2020.4.01.0000 processo referência: 0005716-70.2005.4.01.3200.TRF-1, Manaus, Amazonas.

[9] Ferrante, L., M.B.T. de Andrade, L. Leite, C.A. Silva Junior, M. Lima, M.G. Coelho Junior, E.C. da Silva Neto, D. Campolina, K. Carolino, L.M. Diele-Viegas, E.J.A.L. Pereira & P.M. Fearnside. (2021) BR-319: O caminho para o colapso da Amazônia e a violação dos direitos indígenas. Amazônia Real, 23 de fevereiro de 2021.

[10] Elander, B. (2021) Juiz chamado de preconceituoso por senador do AM quanto à BR-319 responde: “é exigência”. Rio Mar, 08 de março de 2021.

[11] STJ (2021) Suspensão de liminar e de sentença Nº 2897 – AM (2021/0078070-0). Superior Tribunal da Justiça.

[12] Carvalho I & Giovanaz D (2021) Bolsonaro pode indicar ao STF ministro que pediu investigação de juiz do caso Queiroz. Brasil de Fato, 23 de abril de 2021.

[13] Onofre R (2020). Mudança no comando do STJ pode ajudar interesses de Flávio Bolsonaro. Folha de Pernambuco, 28 de agosto de 2020.

[14] Ferrante L & Fearnside PM (2019) O novo presidente do Brasil e “ruralistas” ameaçam o meio ambiente, povos tradicionais da Amazônia e o clima global. | Amazônia Real, 30 de julho de 2019.

[15]. Fearnside, P.M., M.B.T. de Andrade & L. Ferrante. (2021). BR-319: Prefeito de Manaus aproveita crise de oxigênio para promover agenda anti-ambiental. Amazônia Real, 18 de janeiro de 2021.

[16] Fearnside PM, Ferrante L, Yanai AM & Isaac Júnior MA (2020) Trans-Purus, a última floresta intacta. Amazônia Real

[17] Fearnside, P.M., L. Ferrante & M.B.T. de Andrade. (2020) Ramal ilegal a partir da rodovia BR-319 invade Reserva Extrativista e ameaça Terra Indígena. Amazônia Real, 09 de março de 2020.

[18] Teixeira, K.M. (2007) Investigação de Opções de Transporte de Carga Geral em Conteineres nas Conexões com a Região Amazônica. Tese de doutorado em engenharia de transportes. 235 pp. Universidade de São Paulo, Escola de Engenharia de São Carlos, São Carlos, São Paulo.

[19] Fleck, L (2009) Eficiência Econômica, Riscos e Custos Ambientais da Reconstrução da BR 319. Série Técnica, no. 17. Conservation Strategy Fund (CSF), Lagoa Santa, Minas Gerais. 53 p.

[20] Andrade M, Ferrante L & Fearnside PM (2021) A rodovia BR-319, do Brasil, demonstra uma falta crucial de governança ambiental na Amazônia. Amazônia Real, 02 de março de 2021.

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[21] MPF (Ministério Público Federal) 2020. Gravação da XXII reunião do fórum permanente de discussão sobre o processo de reabertura da rodovia BR-319. Ministério Público Federal, 10 de março de 2020.

[22] Sawyer D (2001) Evolução demográfica, qualidade de vida e desmatamento na Amazônia. In: Fleischresser, V. (Ed.), Causas e Dinâmicas do Desmatamento na Amazônia. Ministério do Meio Ambiente (MMA), Brasilia, DF, pp. 73–90. 436 pp.

[23] Este texto é traduzido de: Ferrante, L.; Andrade, M.B.T.; Fearnside, P.M. (2021). Land grabbing on Brazil’s Highway BR-319 as a spearhead for Amazonian deforestation. Land Use Policy 108: art. 105559. A pesquisa dos autores é financiada exclusivamente por fontes acadêmicas. LF e MBTA agradecem ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). PMF agradece CNPq (429795 / 2016-5, 311103 / 2015-4), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM) (708565) e Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) (PRJ13.03).

Leia os outros artigos da série:

Grilagem na rodovia BR-319: 1 – Resumo da série

Grilagem na rodovia BR-319: 2 – Grilagem de terras

Grilagem na rodovia BR-319: 3 – Ponta de lança do desmatamento na Amazônia

Os autores:

Maryane Bento Trindade de Andrade é mestranda em Ciências de Florestas Tropicais no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). Ela faz pesquisa sobre a dinâmica e estoque de carbono de florestas na zona de influência da BR-319.

Lucas Ferrante é doutorando em Biologia (Ecologia) no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). Tem pesquisado agentes do desmatamento, buscando políticas públicas para mitigar conflitos de terra gerados pelo desmatamento, invasão de áreas protegidas e comunidades tradicionais, principalmente sobre Terras indígenas e Unidades de Conservação na Amazônia.

Philip Martin Fearnside é doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 600 publicações científicas e mais de 500 textos de divulgação de sua autoria que estão disponíveis aqui.

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https://amazoniareal.com.br/grilagem-na-rodovia-br-319-5-metodos-de-calculo/

Grilagem na rodovia BR-319: 5 – Métodos de cálculo

Por Amazônia Real Publicado em: 26/08/2021 às 11:03

Por Lucas Ferrante, Maryane B.T. Andrade e Philip M. Fearnside

Para avaliar o desmatamento ao longo da rodovia BR-319, usamos dados do Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal (PRODES) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais [1] para buffers (tampões) de 40 km e 150 km de cada lado da estrada para o “trecho do meio“ e “Lote C” (Figura 1A). Para testar se a rodovia BR-319 influencia o desmatamento, comparamos as taxas anuais de desmatamento na Amazônia brasileira como um todo com as taxas nos dois buffers.

A comparação com a Amazônia brasileira como um todo permite que o efeito da rodovia seja diferenciado das variações regionais na taxa de desmatamento decorrentes de fatores econômicos e outros. Padronizamos a taxa anual de desmatamento para cada uma das três categorias (Amazônia brasileira, buffer de 40 km e buffer de 150 km) em

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relação à área de cada categoria, criando um índice de desmatamento proporcional à área. As tendências nas taxas de desmatamento para cada área foram quantificadas por regressão linear e as inclinações das linhas de regressão foram comparadas usando o teste t. Isso permite determinar se a mudança na taxa de desmatamento com o tempo nas três categorias diferiu durante o período desde o início do programa de “manutenção” da BR-319 em 2015.

O desmatamento neste período teria influência tanto do próprio programa de “manutenção” quanto da promessa de reconstruir e pavimentar a rodovia. O desmatamento ao longo da BR-319 neste período refletiria a grilagem e migração que foram estimuladas pela melhoria do acesso e pelas promessas políticas de reconstrução da rodovia.

Figura 1. (A) Desmatamento acumulado ao longo da rodovia BR-319 de 1988 a 2020 (dados do PRODES). O desmatamento em vermelho representa o desmatamento acumulado de 1988 a 2014 (antes do início do programa de “manutenção” da rodovia). O desmatamento em roxo representa o desmatamento acumulado de 2015 a 2020 (durante o programa de “manutenção”). (B) Pontos com grilagem, extração ilegal de madeira, prospecção ilegal de minerais e vendas ilegais de terras observados na rodovia BR-319. O mapa pequeno da América do Sul mostra a região do “Bioma Amazônia” brasileiro em verde, a rodovia BR319 como uma linha preta e a área que corresponde ao mapa maior como um retângulo vermelho.

Documentamos 14 locais de desmatamento ilegal no “trecho do meio” da rodovia BR-319 que observamos in loco em 2019 (Figura 1B), e comparamos essas observações com dados públicos do banco de dados da Malha Fundiária do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e com o Sistema de Gestão Fundiária (SIGEF) do órgão e com o Cadastro Ambiental Rural (CAR). O banco de dados fundiários do INCRA consiste em informações do processo de titulação e regularização (georreferenciamento, cadastramento no SIGEF, avaliação do INCRA e o “memorial descritivo”, que inclui dados dos solicitantes e supervisores).

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Nossa compreensão do processo de ocupação de terras e de possíveis conflitos de terra também vem de conversas informais com atores ativos no desmatamento e grilagem, além de membros das comunidades de populações tradicionais e indígenas dentro ou próximas das áreas afetadas.[2]

A imagem que ilustra este artigo é de autoria de Michael Dantas/WWF Brasil e mostra floresta ao longo da BR 319 sendo queimada, no trajeto entre Porto Velho e Humaitá, no entorno da Estação Ecológica Cuniã, no norte de Rondônia em setembro de 2019.

Notas

[1] Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) (2021) Projeto PRODES – Monitoramento da Floresta Amazônica por Satélite. INPE, São José dos Campos, SP. https://bityl.co/5JeS

[2] Este texto é traduzido de: Ferrante, L.; Andrade, M.B.T.; Fearnside, P.M. (2021) Land grabbing on Brazil’s Highway BR-319 as a spearhead for Amazonian deforestation. Land Use Policy 108: art. 105559. https://doi.org/10.1016/j.landusepol.2021.105559. A pesquisa dos autores é financiada exclusivamente por fontes acadêmicas. LF e MBTA agradecem ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). PMF agradece CNPq (429795 / 2016-5, 311103 / 2015-4), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM) (708565) e Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) (PRJ13.03).

Os autores:

Maryane Bento Trindade de Andrade é mestranda em Ciências de Florestas Tropicais no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). Ela faz pesquisa sobre a dinâmica e estoque de carbono de florestas na zona de influência da BR-319.

Lucas Ferrante é doutorando em Biologia (Ecologia) no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). Tem pesquisado agentes do desmatamento, buscando políticas públicas para mitigar conflitos de terra gerados pelo desmatamento, invasão de áreas protegidas e comunidades tradicionais, principalmente sobre Terras indígenas e Unidades de Conservação na Amazônia.

Philip Martin Fearnside é doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 600 publicações científicas e mais de 500 textos de divulgação de sua autoria que estão disponíveis aqui.

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https://amazoniareal.com.br/grilagem-na-rodovia-br-319-6-impacto-da-estrada-no-desmatamento/

Grilagem na rodovia BR-319: 6 – Impacto da estrada no desmatamento

Por Amazônia RealPublicado em: 01/09/2021 às 11:59

Lucas Ferrante, Maryane B.T. Andrade e Philip M. Fearnside

Para toda a rodovia BR-319, um total de 89.328 ha foi desmatado entre 1988 e 2020 dentro do buffer de 40 km, e 300.116 ha foram desmatados quando considerado o buffer de 150 km. Após o início do programa de “manutenção” das rodovias em 2015, os dados do PRODES (INPE) mostram aumentos altamente significativos no desmatamento para os buffers, tanto de 40 km (p = 0,00006; R2 = 0,98) como de 150 km (p = 0,0017; R2 = 0,93) (Figura 2A-D), indicando que o aumento do desmatamento está vinculado ao programa de “manutenção” e à promessa política de reconstrução e pavimentação da rodovia. Para a faixa de 150 km, o desmatamento vinha caindo ao

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longo do período 2010-2013 que antecedeu imediatamente o programa de “manutenção” (Figura 2C).

O aumento do desmatamento pode ser atribuído ao programa de “manutenção” e à promessa de pavimentação da rodovia porque, quando se compara a tendência do desmatamento dentro de uma determinada distância da estrada (seja 40 km ou 150 km) com a tendência na Amazônia brasileira como um todo, as áreas de influência da rodovia apresentam maiores taxas de crescimento do desmatamento, conforme mostrado pelas inclinações das regressões lineares, e o desmatamento na área da BR-319 aumentou de forma constante ao longo de todo o período 2015-2020, enquanto para a Amazônia brasileira como um todo, a taxa de desmatamento permaneceu em um nível muito mais baixo até que saltou em 2019 e 2020 sob a influência do governo Bolsonaro (Figura 2).

Figura 2. (A) Desmatamento anual até 40 km da rodovia BR-319. (B) Desmatamento anual em um buffer de 40 km para cada ano do período de “manutenção” da rodovia. (C) Desmatamento anual até 150 km da rodovia. (D) Desmatamento anual no buffer de 150 km para cada ano do período de “manutenção” da rodovia. (E) Desmatamento anual em toda a Amazônia brasileira.

(F) Desmatamento acumulado em unidades de conservação (UCs) e terras indígenas (TIs). A comparação das inclinações das regressões lineares mostrou que o buffer de 40 km teve uma taxa de desmatamento 2,5 vezes maior que a taxa da Amazônia como um todo (p = 0,02). A taxa de desmatamento no buffer de 40 km também foi significativamente maior do que no buffer de 150 m (p = 0,00005) (Tabela 1). Isso mostra que o programa de “manutenção” e a promessa de pavimentação do “Lote C” e do “trecho do meio” influenciaram o desmatamento dentro de 40 km da rodovia, sendo esse aumento do desmatamento muito maior do que o aumento observado para o interflúvio entre os rios Purus e Madeira (o buffer de 150 km) e para a Amazônia brasileira como um todo.

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O desmatamento tem sido estimulado pelo programa de “manutenção” além da distância de 40 km que as normas internas do IBAMA consideram ser impactada diretamente para o propósito de EIAs para estradas amazônicas ([1]: Anexo II; [2]), e este programa de “manutenção” nem mesmo foi considerado suficientemente significativo para ter um EIA. No município de Tapauá, um ramal ilegal que começa além da faixa de 40 km está progredindo para se conectar à BR-319, cortando uma Terra Indígena Apurinã e um parque nacional (Figura 3A-C; [3]). O desmatamento também está ocorrendo em unidades de conservação e terras indígenas (Figuras 1A e 2F). Em terras indígenas esse desmatamento tem sido causado por invasores, como no caso do ramal de Tapauá [3].

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Figura 3. Placa demarcando a TI Apurinã do Igarapé São João e floresta cortada por grileiros no município de Tapauá. (B) Abertura de um ramal ilegal para ligar Tapauá à rodovia BR-319; aqui o ramal segue a margem da TI Apurinã do Igarapé São João, passando depois através TI Apurinã do Igarapé Tauamirim e pelo Parque Nacional Nascentes do Lago Jari. (C) Desmatamento por grileiros dentro da TI Apurinã do Igarapé São João. (D) Desmatamento ilegal no Ponto 8 da rodovia BR-319. (E) Desmatamento ilegal no Ponto 9 da rodovia BR-319. (F) Desmatamento realizado para ocupação e comercialização de terras no Ponto 11 da rodovia BR-319. Fotos A-C do Cacique Waldomiro do Povo Apurinã; D-F de Maryane Andrade.

Nenhum desmatamento significativo, incluindo aquele em terras indígenas, foi causado pelos próprios indígenas, ao contrário da afirmação do presidente Bolsonaro de que os indígenas são os culpados pelo recente aumento no desmatamento e fogo na Amazônia (ver [4]). Além disso, ao comparar o desmatamento em áreas protegidas, terras indígenas, unidades de conservação (nas categorias de “proteção integral” e “uso sustentável”) e áreas militares ao longo da BR-319, há menos desmatamento em terras indígenas do que nos outros tipos de área protegida (Figura 2F), demonstrando que os indígenas têm protegido melhor seus territórios do que o governo federal.[5]

A imagem que abre este artigo é de autoria de David Tesinsky/Greenpeace e mostra queimada no entorno da BR-319, no Amazonas.

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Notas [1] MMA (Ministério do Meio Ambiente) (2011) Portaria Interministerial Nº 419, de 26 de outubro de 2011. 28 de outubro de 2011 (nº 208, Seção 1, p. 81). Diário Oficial da União.

[2] MMA (Ministério do Meio Ambiente) (2015) Portaria Interministerial Nº 60, de 24 de março de 2015. 25 de março de 2015 (nº 57, Seção 1, p. 71). Diário Oficial da União.

[3] Fearnside PM, Ferrante L, Yanai AM & Isaac Júnior MA (2020) Trans-Purus, a última floresta intacta. Amazônia Real.

[4] Ferrante L, Leite L, Silva Junior CA, Lima M, Coelho Junior MG, Fearnside PM (2020) Brazil’s biomes threatened: President Bolsonaro lied to the world. Nature Ecology & Evolution Community, 22 October 2020.

[5] Este texto é traduzido de: Ferrante, L.; Andrade, M.B.T.; Fearnside, P.M. (2021) Land grabbing on Brazil’s Highway BR-319 as a spearhead for Amazonian deforestation. Land Use Policy 108: art. 105559. A pesquisa dos autores é financiada exclusivamente por fontes acadêmicas. LF e MBTA agradecem ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). PMF agradece CNPq (429795 / 2016-5, 311103 / 2015-4), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM) (708565) e Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) (PRJ13.03).

Leia os outros artigos da série:

Grilagem na rodovia BR-319: 1 – Resumo da série

Grilagem na rodovia BR-319: 2 – Grilagem de terras

Grilagem na rodovia BR-319: 3 – Ponta de lança do desmatamento na Amazônia

Grilagem na rodovia BR-319: 4 – O escândalo do “Lote C”

Grilagem na rodovia BR-319: 5 – Métodos de cálculo

Os autores: Maryane Bento Trindade de Andrade é mestranda em Ciências de Florestas Tropicais no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). Ela faz pesquisa sobre a dinâmica e estoque de carbono de florestas na zona de influência da BR-319.

Lucas Ferrante é doutorando em Biologia (Ecologia) no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). Tem pesquisado agentes do desmatamento, buscando políticas públicas para mitigar conflitos de terra gerados pelo desmatamento, invasão de áreas protegidas e comunidades tradicionais, principalmente sobre Terras indígenas e Unidades de Conservação na Amazônia.

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Philip Martin Fearnside é doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 600 publicações científicas e mais de 500 textos de divulgação de sua autoria que estão disponíveis aqui.

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Grilagem na rodovia BR-319: 7 – Observações de campo versus dados do Incra

Por Amazônia RealPublicado em: 08/09/2021 às 16:43

Lucas Ferrante, Maryane B.T. Andrade e Philip M. Fearnside Comparando as observações de campo com os dados do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), encontramos um padrão de desmatamento ilegal e apropriação e titulação ilegal. Vimos também grilagem de terras, parcelamento de áreas desmatadas, intimidação e construções ilegais (Tabela 2, Figura 4). Todos os 14 pontos analisados apresentaram algum tipo de irregularidade, e foram identificados atores com forte influência na grilagem na região. Também observamos uma discrepância entre o

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banco de dados da Malha Fundiária do Incra e o Sistema de Gestão Fundiária (SIGEF), mostrando que os bancos de dados públicos do Incra estão em conflito com o banco de dados interno. Isso obscurece o processo de titulação de terras na Amazônia e ilustra uma falta geral de transparência. De acordo com o SIGEF do Incra, todos os terrenos (“glebas”) em que estão localizados os Pontos 1 a 13 foram submetidos para certificação e foram certificados pelo Incra após 2015.

Este foi o ano da nova promessa de reconstrução e pavimentação da rodovia BR -319 [1]. De acordo com a Malha Fundiária do Incra, os Pontos 4 a 11 foram titulados em 1984 com entrega de título em 1988. No entanto, essas áreas só foram ocupadas após 2015, conforme indicado por imagens de satélite e pelas observações de pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) que estudaram essas parcelas do PPBio de 2015 em diante. Um dos títulos foi expedido em 2000 em nome de outra pessoa que não o titular original e, de acordo com o SIGEF do Incra, o lote está nas mãos de uma terceira pessoa.

Figura 4 Terreno no Cadastro Ambiental Rural (CAR) na área de estudo. Os números na figura

são descritos na Tabela 2.

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Tabela 2. Status dos pontos observados na rodovia BR-319.

Número de referência no mapa (Fig. 4)

Distância do ponto à rodovia (m)

Tipo de infração observada Tipo de ocupação

1 10 Loteamento ilegala Irregular

2 45 Construção ilegal Irregular

3 48 Construção ilegal Irregular

4 519 Exploração ilegal de madeira Irregular

5 620 Exploração ilegal de madeira Irregular

6 755 Exploração ilegal de madeira Irregular

7 1.010 Exploração ilegal de madeira Irregular

8 1.150 Exploração ilegal de madeira Irregular

9 1.215 Exploração ilegal de madeira Irregular

10 1.892 Exploração ilegal de madeira Irregular

11 3.950 Loteamento ilegala Irregular

12 1.010 Exploração ilegal de madeira e prospecção de ouro

Irregular

13 2.115 Exploração ilegal de madeira e prospecção de ouro

Irregular

14 3.990 Exploração ilegal de madeira e prospecção de ouro

Irregular

a Estes lotes estavam sendo vendidos apesar de serem terras do governo. Mesmo após a obtenção do título do INCRA, a venda não é legalmente permitida até que o terro seja ocupado

por mais de 10 anos [2].

Por meio de conversas informais, identificamos um processo de invasão ilegal no Ponto 1, onde a terra foi revendida aos atuais ocupantes por um agente de grileiro responsável pelo desmatamento da área. Essa área não possui registro de titulação de terras ou mesmo pedido de titulação no SIGEF, e também não há CAR. O mesmo grileiro responsável pela invasão do Ponto 1 construiu outras duas casas na beira da estrada (Figura 4: Pontos 2 e 3); O Ponto 2 não tem título de propriedade ou registro de registro e está à venda. No Ponto 3, em conversa com o agente do grileiro, ele admitiu as invasões e que ele mora na casa neste momento, mas que pertence ao seu “patrão” (ou seja, o próprio grileiro), que mora na cidade de Humaitá, sendo esta a pessoa a quem foram concedidos os títulos mais recentes de lotes e onde se localizam os Pontos 3 a 11. O “memorial descritivo” da Malha Fundiária do Incra indica que a titularidade do lote

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em que está localizado o Ponto 3 foi concedida pelo órgõ em 2018, com a entrega do título em 2019. A titularidade do lote e o registro de entrega do título pelo Incra podem ser encontrados na Malha Fundiária do Incra.

O agente do grileiro acompanhou nossa equipe nos Pontos 4 a 11 e, segundo ele, está ciente das ilegalidades que foram cometidas e disse que já foi preso e que uma nova prisão seria apenas questão de tempo. No entanto, de acordo com o memorial descritivo do SIGEF, a área onde os Pontos 4 a 11 estão localizados não é certificada e não possui a vistoria necessária para ser elegível para titulação; os pedidos de titulação têm o mesmo nome que aparece para a propriedade onde o Ponto 3 está localizado – o suposto “patrão” do agente do grileiro. Esse processo é preocupante porque mostra o avanço da grilagem e consequente venda e desmatamento nas margens da rodovia BR-319, que tem potencial para expandir o desmatamento em grande escala afetando os serviços ecossistêmicos da floresta e o clima global [3, 4].

Nos Pontos 4 a 10 observamos extração ilegal de madeira, com trilhas para arrastar as toras e pátios de armazenamento de toras na floresta (Figura 3C-E). O que se observa na área não segue nenhum dos critérios exigidos para o manejo florestal legal [5]. Além disso, estavam sendo cortadas castanheiras (Bertholletia excelsa), o que é proibido [6]. A exploração madeireira é realizada sob o comando do agente do grileiro citado nos Pontos 1 a 11. Essas áreas são locais de parcelas permanentes para monitoramento de fauna e flora pelo programa PPBio, do Inpa. O agente do grileiro chegou a demonstrar curiosidade pela presença de pesquisadores na área e tentou intimidar um dos pesquisadores, sempre carregando uma arma nas mãos ao caminhar na trilha. No Ponto 11 observamos um processo de invasão com supressão de vegetação e parcelamento do terreno para venda.

Observamos que, para este trecho da BR-319, o agente do grileiro tem invadido áreas tanto na beira da rodovia quanto em locais mais distantes da rodovia, retirando vegetação, construindo casas e revendendo terrenos, e que este agente possui um “patrão” que vem atuando na obtenção de títulos de propriedade, mas não mora em nenhuma das áreas, conforme a exigência para titulação determinada na Instrução Normativa nº 100, de 30 de dezembro de 2019 [7]. É preocupante que duas bases de dados diferentes do Incra (o Cadastro de Imóveis no SIGEF do Incra e a Malha Fundiária apresentem discrepâncias no nome do proprietário, demonstrando falhas no sistema que podem auxiliar no processo de grilagem.

Nos Pontos 12, 13 e 14, observamos extração ilegal de madeira e prospecção mineral. De acordo com o memorial descritivo do SIGEF, as áreas onde estão os Pontos 12 e 13 não são certificadas e estão com os títulos pendentes. O Ponto 14 está localizado em terras da União segundo o Cadastro de Imóveis do SIGEF do Incra e do memorial descritivo do SIGEF, embora a área possua CAR, o que caracteriza tentativa de declaração de ocupação para requerimento de titulação.[8]

A imagem que abre este artigo é de autoria de Michael Dantas/WWF-Brasil e mostra registro de queimada feito no entorno da Estação Ecológica Cuniã, no norte de Rondônia, à beira da rodovia BR-319, no trajeto entre Porto Velho e Humaitá.

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Notas [1] Meirelles FA, Carrero GC, Neto JGF, Cenamo MC & Guarido PCP (2018) Análise Ambiental e Socioeconômica dos Municípios sob Influência da Rodovia BR-319. Instituto do Desenvolvimento Sustentável da Amazônia (IDESAM), Manaus, Amazonas. 113 p.

[2] PR (Presidência da República) (2017) Lei Nº 13.465, de 11 de julho de 2017. PR, Brasília, DF. https://bityl.co/4spK

[3] Fearnside, P.M. (2020_ BR-319 – O começo do fim para a floresta amazônica brasileira. Amazônia Real, 06 de outubro de 2020.

[4] Fearnside PM, Ferrante L, Yanai AM & Isaac Júnior MA (2020) Trans-Purus, a última floresta intacta. Amazônia Real

[5] MMA (Ministério do Meio Ambiente) (2006) Instrução Normativa n° 4, de 11 de dezembro de 2006. MMA, Brasília, DF.

[6] PR (Presidência da República) (2006) Decreto nº 5.975, de 30 de novembro de 2006. PR, Brasília, DF. https://bityl.co/4o8W

[7] INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) (2019) Instrução Normativa N°100, de 30 de Dezembro de 2019, Diário Oficial da União, 31 de dezembro de 2019, Edição 252, Seção 1, p. 58.

[8] Este texto é traduzido de: Ferrante, L.; Andrade, M.B.T.; Fearnside, P.M. (2021) Land grabbing on Brazil’s Highway BR-319 as a spearhead for Amazonian deforestation. Land Use Policy 108: art. 105559. . A pesquisa dos autores é financiada exclusivamente por fontes acadêmicas. LF e MBTA agradecem ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). PMF agradece CNPq (429795 / 2016-5, 311103 / 2015-4), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM) (708565) e Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) (PRJ13.03).

Os autores:

Maryane Bento Trindade de Andrade é mestranda em Ciências de Florestas Tropicais no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). Ela faz pesquisa sobre a dinâmica e estoque de carbono de florestas na zona de influência da BR-319.

Lucas Ferrante é doutorando em Biologia (Ecologia) no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). Tem pesquisado agentes do desmatamento, buscando políticas públicas para mitigar conflitos de terra gerados pelo desmatamento, invasão de áreas protegidas e comunidades tradicionais, principalmente sobre Terras indígenas e Unidades de Conservação na Amazônia.

Philip Martin Fearnside é doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É

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membro da Academia Brasileira de Ciências. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 600 publicações científicas e mais de 500 textos de divulgação de sua autoria que estão disponíveis aqui.

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https://amazoniareal.com.br/grilagem-na-rodovia-br-319-8-titulacao-apesar-de-normas-para-violadas/

Grilagem na rodovia BR-319: 8 – Titulação apesar de normas para violadas

Por Amazônia RealPublicado em: 16/09/2021 às 13:10

Por Lucas Ferrante, Maryane B.T. Andrade e Philip M. Fearnside

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De acordo com a Instrução Normativa nº 100 de 30 de dezembro de 2019 sobre a regularização fundiária no Brasil, o solicitante deve comprovar que ocupa a área e que houve uso produtivo “direto, manso e pacífico” da área pelo solicitante ou por seus antecessores desde antes de 05 de maio de 2014 [1]. O limite de 05 de maio de 2014 foi estabelecido em 15 de março de 2018 [2], antes do qual o limite era 22 de julho de 2008 [3]. O termo “direto” significa que o próprio reclamante deve morar no terreno em questão, que não é o caso para a maior parte dos grandes grileiros, como observamos aqui. O requisito de data também não é atendido para as áreas que observamos in loco, onde o primeiro desmatamento ocorreu após 2014. De acordo com o banco de dados da Malha Fundiária do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), muitas áreas são maiores do que o limite de 2.500 ha estabelecido em 2019 para regularização fundiária [1].

A instrução normativa nº 100 do Incra especifica que uma vistoria prévia no local é obrigatória antes da regularização se a reivindicação de terra em questão mostrar sinais de “fracionamento” fraudulento (subdivisão em reivindicações de terra menores para caber dentro dos limites legais da extensão da área) ou se não houver indícios de ocupação humana antes de 05 de maio de 2014 [1]. Todas essas condições impedindo a regularização fundiária foram observadas na área do presente estudo.

Para os Pontos 1 a 11, identificamos ações do mesmo agente do grileiro, sendo nove desses pontos georreferenciados. Esses sites estavam espalhados ao longo de uma distância de 150 km. Este agente do grileiro contou a um de nós que vende terrenos em nome de seu “patrão” em Humaitá (sede do município) e se ofereceu para nos vender um terreno por R$ 3.000 (US$ 729,92) por hectare se localizado às margens da BR-319 e por apenas R$ 20 (US$ 4,86) por hectare se localizado distante da rodovia, desde que o comprador corte a floresta e ocupe o local.

Um valor tão baixo por hectare expõe suas prováveis intenções reais: estabelecer ocupações iniciais e clareiras na área afastada da estrada para que o restante da terra seja vendido para compradores que chegam posteriormente a um preço muito superior, e também

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para que aumente como fatos consumados a ocupação das áreas tanto perto como longe da estrada, a fim de obter apoio político para legalizar áreas muito maiores. O agente do grileiro afirmou que seu objetivo é desmatar e povoar toda a área ao longo da rodovia BR-319, supostamente referindo-se ao “trecho médio” que é escassamente ocupado que se estende por 406 km.

De acordo com o decreto presidencial de 2009 e a Instrução Normativa nº 100 sobre regularização fundiária no Brasil, é exigida consulta pública prévia à regularização fundiária em “áreas de interesse social”, como é o caso da BR-319. A condição de interesse social foi determinada pelo Ministério Público Federal. Observamos uma área para a qual o Incra emitiu títulos datados de 02 de agosto de 2018 que não teve consulta pública, o que indica que os títulos são ilegais. Além da ausência da consulta pública, toda regularização fundiária em uma “área de interesse social” após 15 de março de 2018 deve ser aprovada em reunião de um grupo de órgãos que inclui o Ministério da Economia, a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), o Serviço Florestal Brasileiro (SFB) e os órgãos ambientais estaduais [2], mas nenhuma reunião foi realizada até o momento e nenhuma regularização foi aprovada pelo grupo.

Os processos de ocupação e grilagem estão intrinsecamente ligados ao início do programa de “manutenção” da rodovia em 2015, uma vez que os locais dos desmatamentos que visitamos e georreferenciamos estavam em lotes que haviam sido homologados no SIGEF do Incra após 2015. Títulos em concessão pelo Incra violam a regulamentação do próprio órgão, pois a concessão desses títulos viola os parâmetros legais que o órgão estabeleceu em 2009 e manteve nas versões posteriores editadas em 2018 e 2019 [1-3], tornando esses títulos ilegais.[4]

A imagem que ilustra este artigo mostra área de queimada e pasto no entorno da BR-319, em Rondônia, próxima à capital Porto Velho. (Foto: Rogério Assis/Greenpeace/2016)

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Notas [1] INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) (2019) Instrução Normativa N°100, de 30 de Dezembro de 2019, Diário Oficial da União, 31 de dezembro de 2019, Edição 252, Seção 1, p. 58.

[2] PR (Presidência da República) (2018) Decreto nº 9.309, de 15 de Março de 2018. PR, Brasília, DF.

[3] PR (Presidência da República) (2009) Decreto nº 11.952, de 25 de junho de 2009. PR, Brasília, DF.

[4] Este texto é traduzido de: Ferrante, L.; Andrade, M.B.T.; Fearnside, P.M. (2021) Land grabbing on Brazil’s Highway BR-319 as a spearhead for Amazonian deforestation. Land Use Policy 108: art. 105559. A pesquisa dos autores é financiada exclusivamente por fontes acadêmicas. LF e MBTA agradecem ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). PMF agradece CNPq (429795 / 2016-5, 311103 / 2015-4), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM) (708565) e Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) (PRJ13.03).

Leia os outros artigos da série:

Grilagem na rodovia BR-319: 1 – Resumo da série

Grilagem na rodovia BR-319: 2 – Grilagem de terras

Grilagem na rodovia BR-319: 3 – Ponta de lança do desmatamento na Amazônia

Grilagem na rodovia BR-319: 4 – O escândalo do “Lote C”

Grilagem na rodovia BR-319: 5 – Métodos de cálculo

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Grilagem na rodovia BR-319: 6 – Impacto da estrada no desmatamento

Grilagem na rodovia BR-319: 7 – Observações de campo versus dados do Incra

Os autores:

Maryane Bento Trindade de Andrade é mestranda em Ciências de Florestas Tropicais no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). Ela faz pesquisa sobre a dinâmica e estoque de carbono de florestas na zona de influência da BR-319.

Lucas Ferrante é doutorando em Biologia (Ecologia) no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). Tem pesquisado agentes do desmatamento, buscando políticas públicas para mitigar conflitos de terra gerados pelo desmatamento, invasão de áreas protegidas e comunidades tradicionais, principalmente sobre Terras indígenas e Unidades de Conservação na Amazônia.

Philip Martin Fearnside é doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 600 publicações científicas e mais de 500 textos de divulgação de sua autoria que estão disponíveis aqui.

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https://amazoniareal.com.br/grilagem-na-rodovia-br-319-9-as-falacias-do-discurso-politico/

Grilagem na rodovia BR-319: 9 – As falácias do discurso político

Por Amazônia RealPublicado em: 21/09/2021 às 19:46

Lucas Ferrante, Maryane B.T. Andrade e Philip M. Fearnside Um dos argumentos políticos para a pavimentação da BR-319 é que a rodovia melhoraria o acesso às fiscalizações e, assim, coibiria as infrações ambientais, mas mostramos que o efeito contrário é mais provável: maior tráfego é responsável por invasão de terras e desmatamento. Isso já é evidente na BR-319, onde um programa de “manutenção” de rodovias estimulou o desmatamento, mas não resultou em governança para controle de crimes ambientais [1].

Os resultados descritos aqui mostram que a titulação de reivindicações de terras ilegais na BR-319 se intensificou após o anúncio dos planos de pavimentação. Isso sugere que a pavimentação não trará governança, mas aumentará o desmatamento e a concentração de terras na região. Embora a titulação de reivindicações ilegais de terras seja

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frequentemente retratada como um meio de desacelerar o desmatamento, removendo a motivação para desmatar para justificar títulos, um estudo recente usando dados de satélite para documentar o desmatamento em 10.647 propriedades rurais entre 2011 e 2016 mostra claramente que o efeito oposto resultou do programa de titulação de terras “Terra Legal”, com pequenos e médios proprietários de terras aumentando seu desmatamento e grandes proprietários de terra não sendo afetados [2]. Reformas para aprovar a regularização fundiária pelo governo federal recompensam aqueles que cometeram crimes ambientais e estimulam a grilagem de terras, criando a expectativa de perdões futuros [3, 4].

Em 02 de dezembro de 2020, o Ministério da Agricultura (MAPA) e o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) publicaram uma portaria conjunta que terceirizará aos municípios brasileiros o processo de regularização fundiária das terras do governo federal [5]. A portaria é um incentivo à grilagem de terras na região, já que os governos municipais da Amazônia brasileira costumam ser cúmplices de crimes ambientais. Por exemplo, o governo de um dos municípios ao longo da BR-319 (Tapauá) tem usado suas escavadeiras para abrir um ramal ilegal conectando-se à rodovia, cortando uma terra indígena e um parque nacional [6]. Em 2018, no município de Humaitá (que abrange a porção sul da rodovia BR-319), o prefeito e vereadores foram presos por envolvimento em um atentado que ateou fogo aos escritórios do Ibama (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis) e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMbio) [7].

Além dos processos ilegais observados no presente estudo, a legislação brasileira tem sido violada por ações governamentais como a licitação oficial e posterior assinatura de contrato com uma construtora para pavimentação do “Lote C” sem a conclusão dos estudos ambientais, colocando a biodiversidade e os serviços ecossistêmicos da região em risco [8, 9]. Essas ações precisam ser revogadas e não repetidas. Tendo em vista que a decisão de primeira instância exigindo estudos ambientais para o “Lote C” já foi anulada pelo titular do Superior Tribunal de Justiça, resta recurso ao Supremo Tribunal Federal. Isso seria justificado pelo colapso ambiental sem precedentes que a reconstrução da BR-319 poderia causar, especialmente na ausência de estudos ambientais e consulta aos povos indígenas [9].

Os dados do presente estudo mostram que o “Lote C” e o “trecho do meio” estão sendo visados por gangues especializadas em grilagem de terras e que as reivindicações ilegais de terras muitas vezes são reconhecidas pelo Incra, órgão responsável por fiscalizar e prevenir ocupações ilegais O contrato de licitação e construção do “Lote C” sem estudos ambientais prévios e consulta aos povos indígenas deve ser questionado, e o envolvimento de deputados federais e juízes merece investigação por parte das autoridades competentes.

Também é necessário suspender imediatamente a portaria publicada em 02 de dezembro de 2020 [5] que terceiriza aos municípios a regularização de reivindicações de terras do governo federal, pois pode-se esperar que aumente muito a regularização de terras que estão sendo ocupadas ilegalmente na Amazônia, como as áreas reivindicadas por meio da grilagem documentada no presente estudo. O envolvimento do poder público no processo de regularização de áreas ocupadas de forma irregular acrescenta à necessidade de suspender a manutenção e pavimentação da rodovia BR-319 até a conclusão e aprovação dos estudos de impacto ambiental (EIA) e de viabilidade

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econômica (EVTEA) para o “trecho do meio” e para o “lote C” e, a realização da consulta conforme a Convenção OIT-169 de todos os povos indígenas impactados.[10]

A imagem que abre este artigo mostra trabalhadores da Seminfra na recuperação asfáltica de trecho da BR-319 próximo à Manaus (Foto: Alexandre Fonseca/Seminfra/2017).

Notas [1] Santos I (2020) Grilagem faz floresta virar fumaça no maior estado brasileiro. Deutsche Welle, 09 de outubro de 2020.

[2] Probst B, BenYishay A, Kontoleon, A & dos Reis TP (2020) Impacts of a large-scale titling initiative on deforestation in the Brazilian Amazon. https://doi.org/10.1038/s41893-020-0537-2

[3] Fearnside, P.M. (2020) O perigo da “lei da grilagem”. Amazônia Real, 22 de maio de 2020.

[4] Maisonnave F & Almeida L (2020) Esperança de regularização faz com que grileiros transformem castanhais em pasto no AM. Folha de S. Paulo, 26 de julho de 2020.

[5] MAPA & INCRA (Ministério da Agricultura & Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária). (2020) Portaria Conjunta Nº 1, de 02 de dezembro de 2020.

[6] Fearnside PM, Ferrante L, Yanai AM & Isaac Júnior MA (2020) Trans-Purus, a última floresta intacta. Amazônia Real

[7] Farias E (2018) Prefeito de Humaitá e vereadores são presos por envolvimento em ataque a prédios do Ibama e ICMBio. Amazônia Real, 27 de março de 2018.

[8] Ferrante L & Fearnside PM (2020) BR-319: O caminho para o desmatamento da Amazônia. Amazônia Real, 07 de agosto de 2020.

[9] Ferrante, L., M.B.T. de Andrade, L. Leite, C.A. Silva Junior, M. Lima, M.G. Coelho Junior, E.C. da Silva Neto, D. Campolina, K. Carolino, L.M. Diele-Viegas, E.J.A.L. Pereira & P.M. Fearnside. (2021) BR-319: O caminho para o colapso da Amazônia e a violação dos direitos indígenas. Amazônia Real, 23 de fevereiro de 2021.

[10] Este texto é traduzido de: Ferrante, L.; Andrade, M.B.T.; Fearnside, P.M. (2021) Land grabbing on Brazil’s Highway BR-319 as a spearhead for Amazonian deforestation. Land Use Policy 108: art. 105559. A pesquisa dos autores é financiada exclusivamente por fontes acadêmicas. LF e MBTA agradecem ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). PMF agradece CNPq (429795 / 2016-5, 311103 / 2015-4), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM) (708565) e Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) (PRJ13.03).

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Leia os outros artigos da série:

Grilagem na rodovia BR-319: 1 – Resumo da série

Grilagem na rodovia BR-319: 2 – Grilagem de terras

Grilagem na rodovia BR-319: 3 – Ponta de lança do desmatamento na Amazônia

Grilagem na rodovia BR-319: 4 – O escândalo do “Lote C”

Grilagem na rodovia BR-319: 5 – Métodos de cálculo

Grilagem na rodovia BR-319: 6 – Impacto da estrada no desmatamento

Grilagem na rodovia BR-319: 7 – Observações de campo versus dados do Incra

Grilagem na rodovia BR-319: 8 – Titulação apesar de normas para violadas

Os autores:

Maryane Bento Trindade de Andrade é mestranda em Ciências de Florestas Tropicais no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). Ela faz pesquisa sobre a dinâmica e estoque de carbono de florestas na zona de influência da BR-319.

Lucas Ferrante é doutorando em Biologia (Ecologia) no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). Tem pesquisado agentes do desmatamento, buscando políticas públicas para mitigar conflitos de terra gerados pelo desmatamento, invasão de áreas protegidas e comunidades tradicionais, principalmente sobre Terras indígenas e Unidades de Conservação na Amazônia.

Philip Martin Fearnside é doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 600 publicações científicas e mais de 500 textos de divulgação de sua autoria que estão disponíveis aqui.