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619Educação e Pesquisa, São Paulo, v.32, n.3, p. 619-634, set./dez. 2006

A busca do sentido da formação humana: tarefa daFilosofia da Educação

Antônio Joaquim SeverinoUniversidade de São Paulo

Resumo

O trabalho desenvolve uma reflexão sobre a educação entendidacomo processo de formação humana, buscando ver quais ossentidos que essa formação recebeu ao longo de nossa tradiçãofilosófica e na contemporaneidade, uma vez que ocorrerammudanças nas concepções que os homens fizeram do ideal desua humanização. Sob tal perspectiva, recoloca em discussão asrelações entre as diversas dimensões da educabilidade humana,destacando as dimensões ética e política que, até o atual momento,prevaleceram como fundamentos da compreensão da próprianatureza da educação e concluindo que hoje a formação humana,visada pela educação, compreende-se como formação cultural.Essa idéia dá à educação uma finalidade intrínseca de cunhomais antropológico do que ético ou político. Essa reflexão sobrea natureza da educação implica igualmente explicitar o lugar e opapel da Filosofia da Educação, como esforço hermenêutico dedesvelamento da prática educacional, tal como ela precisa sedesenrolar nas mudadas condições histórico-culturais daatualidade. A discussão permite, assim, não apenas interpelarmomentos significativos da expressão histórica da Filosofia daEducação na cultura ocidental, mas também debater conteúdosteóricos fundamentais do debate filosófico sobre o sentido daeducação, debate que se impõe com renovada força para oseducadores no enfrentamento dos desafios que estão sendocolocados pelas novas condições da pós-modernidade,responsável por um profundo questionamento das referênciasfilosóficas da tradição cultural do ocidente.

Palavras-chave

Filosofia da Educação – Ética – Política – Formação cultural.

Correspondência:Antônio Joaquim SeverinoRua Raul Pompéia, 905 apto 13305025-010 – São Paulo – SPe-mail: [email protected]

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Educação e Pesquisa, São Paulo, v.32, n.3, p. 619-634, set./dez. 2006620

The search for the meaning of human formation: atask for the philosophy of education

Antônio Joaquim SeverinoUniversidade de São Paulo

Abstract

The work conducts a reflection on education understood as aprocess of human formation, trying to perceive the meaningsattributed to this formation throughout our philosophical traditionand in contemporaneity, since there have been changes in theconceptions men have made of the ideal of their humanization.Under such perspective, the article brings back to the discussionthe relations between the various dimensions of human educability,highlighting the ethical and political dimensions which, until thepresent moment, have prevailed as the foundations of theunderstanding of the very nature of education, and reaching theconclusion that human formation today, as targeted by education,is understood as cultural formation. This idea gives education anintrinsic purpose of a character that is more anthropological thanethical or political. Such reflection on the nature of educationequally entails making explicit the place and role of the Philosophyof Education as a hermeneutic effort of disclosure of theeducational practice as it needs to unfold under today’s changedhistorical-cultural conditions. The discussion thus allows not justto inquire into significant moments of the historical expressionof the philosophy of education in Western culture, but also todebate fundamental theoretical contents of the philosophicalargument over the meaning of education, an argument that standswith renewed strength before the educators meeting thechallenges posed by the new conditions of postmodernity,responsible for a profound examination of the philosophicalreferences of Western cultural tradition.

Keywords

Philosophy of education – Ethics – Politics – Cultural formation.

Contact:Antônio Joaquim SeverinoRua Raul Pompéia, 905 apto 13305025-010 – São Paulo – SPe-mail: [email protected]

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Na cultura ocidental, a educação foi sem-pre vista como processo de formação humana.Essa formação significa a própria humanização dohomem, que sempre foi concebido como um enteque não nasce pronto, que tem necessidade decuidar de si mesmo como que buscando umestágio de maior humanidade, uma condição demaior perfeição em seu modo de ser humano.Portanto, a formação é processo do devir huma-no como devir humanizador, mediante o qual oindivíduo natural devém um ser cultural, umapessoa – é bom lembrar que o sentido dessa ca-tegoria envolve um complexo conjunto de di-mensões que o verbo formar tenta expressar:constituir, compor, ordenar, fundar, criar, instruir-se, colocar-se ao lado de, desenvolver-se, dar-seum ser. É relevante observar que seu sentido maisrico é aquele do verbo reflexivo, como que indi-cando que é uma ação cujo agente só pode sero próprio sujeito. Nessa linha, afasta-se de algunsde seus cognatos, por incompletude, como infor-mar, reformar e repudia outros por total incom-patibilidade, como conformar, deformar. Conver-ge apenas com transformar... A idéia de formaçãoé pois aquela do alcance de um modo de ser,mediante um devir, modo de ser que se caracte-rizaria por uma qualidade existencial marcada porum máximo possível de emancipação, pela con-dição de sujeito autônomo. Uma situação de ple-na humanidade. A educação não é apenas umprocesso institucional e instrucional, seu ladovisível, mas fundamentalmente um investimen-to formativo do humano, seja na particularida-de da relação pedagógica pessoal, seja no âmbi-to da relação social coletiva. Por isso, a interaçãodocente é considerada mediação universal einsubstituível dessa formação, tendo-se em vistaa condição da educabilidade do homem.

Trata-se, sem dúvida, de um objetivoque soa utópico e de difícil consecução à vis-ta da dura realidade histórica de nossa existên-cia. No entanto, foi sempre um horizonte cons-tantemente almejado e buscado. E ainda ocontinua sendo mesmo diante das condiçõesatuais da civilização, por mais que estejammarcadas pelo poder de degradação no mun-

do técnico e produtivo do trabalho: de opres-são na esfera da vida social; e de alienação nouniverso cultural. Essas condições manifestam-se, em que pesem as alegações em contrário devariados discursos, como profundamente adver-sas à formação, o que tem levado a um cres-cente descrédito quanto ao papel e à relevân-cia da Educação, como processo intencional esistemático. No entanto, essa situação degrada-da do momento histórico-social que atravessa-mos só faz aguçar o desafio da formação hu-mana, necessária pelas carências ônticas e pelacontingência ontológica dos homens, mas pos-sível pela educabilidade humana. Quando sefala, pois, em educação para além de qualquerprocesso de qualificação técnica, o que está empauta é uma autêntica Bildung, uma paidéia,formação de uma personalidade integral.

O objetivo deste ensaio é desenvolveruma reflexão sobre como a educação, na qua-lidade de processo de formação humana, foiconcebida, buscando ver quais os sentidos queessa formação recebeu ao longo de nossa tra-dição filosófica, uma vez que ocorreram mu-danças nas concepções que os homens fizeramdo ideal de sua humanização. Sob tal perspec-tiva, recoloco em discussão as relações entre asdiversas dimensões da educabilidade humana,destacando as dimensões ética e política que,até o atual momento, prevaleceram como fun-damentos da compreensão da própria naturezada educação. Ao refletir assim sobre a nature-za da educação, busco igualmente explicitar olugar e o papel da Filosofia da Educação comoesforço hermenêutico de desvelamento da prá-tica educacional, tal como ela precisa se desen-rolar nas mudadas condições histórico-culturaisda atualidade. Essa discussão permite assimnão apenas interpelar momentos significativosda expressão histórica da filosofia na culturaocidental, mas também retomar conteúdos te-óricos fundamentais do debate filosófico atualsobre o sentido da educação.

O propósito é o de trazer à tona aquestão da natureza da educação em relação àformação ética e à formação política, campos

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da prática humana que sempre foram associa-dos à educação pela reflexão filosófica. E ahipótese que me proponho defender é a de quea educação vem sendo pensada hoje comoformação cultural, perspectiva que realiza umasíntese superadora das perspectivas anterioresque a conceberam como formação ética, numprimeiro momento, e como formação políticanum segundo momento. A elaboração dessenovo modo de se conceituar a educação, naminha leitura, ocorreu tanto como processohistórico-cultural e como processo de constru-ção lógico-conceitual.

Com efeito, constata-se – no âmbito dahistória da filosofia, no contexto do desenvolvi-mento da cultura ocidental que, num primeiromomento histórico-teórico, identificável com osperíodos da Antiguidade grega e da Medievalidadelatina – que a ética prevaleceu como matrizparadigmática da formação humana, ou seja, oideal humano era o aprimoramento ético-pessoale esta era a finalidade essencial da educação. Jánum segundo momento, historicamente situadona Era Moderna, esse ideal se delineava comouma adequada inserção da pessoa na sociedade.A política era a grande matriz. E agora, no mo-mento histórico recente da contemporaneidade, areflexão filosófica passa por uma inflexão nessemodo de se conceber a própria idéia da forma-ção humana e, conseqüentemente, também setransforma o modo de se ver a educação. Mes-mo sem a nitidez das perspectivas anteriores, oque parece estar se delineando é uma dimensãodo formar que afirma, nega e supera as perspec-tivas éticas e políticas da educação, tais quaisdelineadas ao longo da nossa tradição filosóficaocidental. Sem perder as imprescindíveis referên-cias éticas e políticas, mais que se afirmar comoprocesso de formação de um sujeito ético ou deum sujeito cidadão, o que está em pauta é aprópria construção do sujeito humano no tempohistórico e no espaço social, como sujeito inte-gralmente ético e político, pessoa-habitante deum universo coletivo. Para o olhar da contempo-rânea Filosofia da Educação, o homem, ser emdevir, ser inacabado e lacunar, não tem um ideal

a ser buscado ou a ser realizado, mas encontra-se condenado a construir para si uma configura-ção própria não prevista nem previsível, como setivesse que dar a si mesmo uma destinação. Eassim tanto a ética como a política perdem suas,até então, exacerbadas autonomia e preponde-rância como referências básicas isoladas para aprática educacional. Agora, nessa prática, o ho-mem não se desenha mais como um ser pessoal,desempenhando um modelo de ação, nem comopuro ser social, membro devidamente adequadoà sociedade, tal parece ser o significado que vemtomando hoje, no quadro da filosofia contempo-rânea, o próprio conceito de formação, perspec-tiva articulada particularmente pela Teoria Críticada Escola de Frankfurt, marco referencial daemergência do modo atual de filosofar. Sem dú-vida, ao longo dos três milênios da expressãocultural da filosofia no Ocidente, ética e políticasempre apareceram como referentes da educação.Já a Antiguidade expressava explicitamente essarelação tanto quanto a Modernidade nunca des-cartara a referência à ética. Também hoje conti-nua recorrente a presença dessas perspectivas nosdiscursos educacionais. No entanto, nesses trêsmomentos, sua força significadora assumeconotações específicas diferenciadoras em funçãodo papel que assumem nessa relação.

Em que pese a forte inspiração da ma-triz frankfurtiana dessa reflexão, meu ângulo deabordagem centra a atenção no significado daeducação, tal qual eu o vejo no processo deconstituição teórica no âmbito da atual tendên-cia da Filosofia da Educação. É para destacaresse momento de instauração que vi a necessi-dade de me reportar a momentos articuladoresda trajetória histórica de grandes expressões fi-losófico-antropológicas da Filosofia da Educaçãono contexto da cultura ocidental. Essa retoma-da apresenta-se-me não apenas como uma cir-cunstância contextuante, mas como uma exigên-cia propriamente filosófica, por entender quetambém o pensamento se constitui historica-mente, não sendo possível compreender suasmanifestações atuais sem acompanhar sua gêne-se e formação. No entanto, o objetivo do pre-

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sente trabalho é refletir sobre o sentido em si daeducação, frente a suas modificadas relaçõescom a ética e a política, tais como essas dimen-sões foram vistas até hoje.

Nunca é demais lembrar que a Filoso-fia da Educação não é uma revisita à história daFilosofia. O seu objeto de preocupação e estu-do são as condições reais da educação, taiscomo se desenham a cada momento histórico,e o recurso às referências históricas só se jus-tifica quando se precisa estabelecer algumasbalizas contextuais ou quando se trata de evi-denciar a historicidade das manifestações lógi-co-conceituais do pensamento humano. Trata-se, pois, de uma reflexão analítica e críticasobre a problemática da educação, com o pro-pósito de tentar decifrar o seu sentido possível.Entretanto, por outro lado, é também oportu-no lembrar que, embora precise considerar osconhecimentos produzidos pelas Ciências daEducação e pelas Ciências Humanas, a perspec-tiva filosófica é diferente dessas ciências, dadasua intenção de buscar fundamentos, entendi-dos estes como nexos conceituais explicativos.Isso justifica a démarche filosófica como exer-cício mais autônomo da subjetividade em rela-ção a procedimentos metodológicos e técnicose a abordagens empíricas dos fenômenos, ob-jetos das ciências. A questão fundamental quecabe à Filosofia da Educação responder é aque-la do sentido e da finalidade da educação. Emassim sendo, sua perspectiva é diferente daque-la da Sociologia da Educação, da Psicologia daEducação, da História da Educação, da Econo-mia da Educação etc., encarregadas de estudaros fatos educativos sob os diversos aspectos desuas manifestações concretas.

A educação sob o signo daética

O testemunho da história da filosofiaautoriza a afirmar que a educação foi primeira-mente pensada como formação ética. De fato,o discurso filosófico da Antiguidade e daMedievalidade sempre concebeu a educação

como proposta de transformação aprimoradorado sujeito humano. De imediato, essa propos-ta se radica na pressuposta universalidade danatureza humana e a educação é vista comoformação ética.

Ainda que etimologicamente ética emoral retirem seu sentido de costume (ethos, emgrego, e mos, em latim) e este, por sua vez, dohabitat, da moradia habitual, estrutura modaldos seres vivos de habitar o mundo, o conceitoquer designar, no categorial filosófico, umaqualidade do sujeito humano como ser sensívelaos valores, com um agir cuja configuração sedeixe marcar por esses valores a que sua cons-ciência subjetiva está sempre se referindo. Sen-sibilidade axiológica que, do ponto de vista desua experiência pelo sujeito, é análoga à sensibi-lidade epistêmica da razão. Característica especí-fica dos seres humanos, ela precisa ser cultivadae sustentada, pois, tanto quanto o conhecimen-to, essa experiência não é fruto da ação exclusi-va das forças vitais e instintivas do ser vivo. Daío papel primordial que é atribuído à educação:empreendimento ético-formativo, processo deautoconstituição do sujeito como pessoa ética. Éa paidéia proposta no quadro da cultura clássicagrega e latina.

No entanto, desse processo de constitui-ção do sujeito ético, não estão ausentes, na Fi-losofia antiga e medieval, as alusões às dimen-sões social, política, comunitária da existênciahistórica dos seres humanos. Basta citar comoexemplos as clássicas obras A república, de Platão,e a Política, de Aristóteles. No entanto, todas asreferências ao político, que são feitas nessas e emoutras obras, direcionam-se à ação dos indivídu-os. A política fica como que condicionada à éti-ca, ou seja, à qualidade e à intensidade do apri-moramento da postura e das ações morais daspessoas individuais. A boa qualidade da pólis estána dependência direta da qualidade da vida indi-vidual dos seus habitantes. Platão, ao construirseu modelo da cidade ideal, desenvolve umaproposta filosófica de uma pedagogia ético-po-lítica, na qual o conhecimento e a prática davirtude vão garantir a viabilidade e a legitimida-

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de do Estado. Para Platão, a educação, se prati-cada pela razão procedendo dialeticamente, tor-na-se o fundamento e a sustentação da justiça.Entretanto, a justiça nada mais é do que a dimen-são social da virtude, o princípio da ética socialque sustenta a vida digna da comunidade. A so-ciedade justa se sustenta nos princípios da ética.

Primeiro a estabelecer uma Filosofia daEducação na cultura ocidental, de acordo comparecer de Moreau (1978), Platão via a educa-ção como a necessária formação do espírito. Aoensino, cabia o conhecimento em geral, mas aeducação visava uma boa conduta de vida, avirtude. A grande questão era como formar oshomens de bem e levá-los ao conhecimento dobem assim como à sua prática. Em pauta, pois,como lembra no Banquete, “... a transcendênciasoberana do espírito” (Platão, 1979, 205-212).

Também a idéia aristotélica de políticaestá intrinsecamente vinculada a um fundamen-to ético. É bem verdade que, muito mais quePlatão, Aristóteles valoriza a realidade empírica doEstado e a condição social do indivíduo. Suacélebre fórmula de que “o homem é, por nature-za, um animal político” (Política, I, 1. 1253a 3; III,6, 1278b 19; Ética a Nicômaco, I. 7, 1097b 11)sintetiza bem seu pensamento a respeito. Quisdizer com isso que o indivíduo não basta a simesmo. No entanto, Aristóteles também é incisi-vo em afirmar que a finalidade da pólis não éapenas biológica, mas sobretudo moral (Política,III 9, 1280 b 13-17). A cidade é antes o ambienteem que pode ser realizada, graças à independên-cia que ela assegura, o ideal de uma vida perfei-ta, o lugar onde o homem pode atingir a felici-dade pelo exercício da virtude, no respeito dajustiça (Política, III, 9, 1289 b 30). Afinal, o fimdo Estado não é propriamente nem a defesacomum nem a organização das trocas, mas oreino da justiça (Política, I, 2, 1253 a 37-38). Noentanto, apesar desse avanço, Aristóteles continuaentendendo que a formação ética do indivíduo éo único caminho para a virtude, para cujo desen-volvimento as estruturas político-administrativasdevem fornecer as condições objetivas e a edu-cação, as subjetivas.

A relação íntima da educação com aformação ética, de acordo com o essencialismotípico da filosofia grega, consolida-se com ateoria do ato e da potência, pois a educaçãonão será nada mais do que um processo deatualização das potencialidades do ser humano,uma vez que a infância é a idade adulta empotência. As posições aristotélicas são aindamais reforçadas nessa direção com sua apropri-ação pela Teologia cristã, graças ao profundotrabalho filosófico de São Tomás de Aquino,que incorpora o aristotelismo de modo análo-go ao que Agostinho fizera com o platonismo.Na própria Ética a Nicômaco, Aristóteles (1973)enfatiza as referências à vida política, à inser-ção na sociedade. Diz ele: “... o objetivo da vidapolítica é o melhor dos fins, e essa ciência dedi-ca o melhor de seus esforços a fazer com que oscidadãos sejam bons e capazes de nobres ações”(p. 259, passagens 1.1099 b-30). Entretanto, todasua investigação visa explicitar o bem para se vivercom felicidade e justiça. O homem precisa davirtude para inserir-se na sociedade.

Assim, a idéia-força que predomina naFilosofia da Educação na Antiguidade é que adimensão política é inteiramente derivada daqualidade ética dos sujeitos pessoais. É por issomesmo que, desde Sócrates, a ética é a forçamotriz de todo investimento pedagógico. Tra-ta-se de levar o aprendiz a incorporar uma tí-pica atitude espiritual, dar-lhe consistência epermanência de modo que possa tornar-se fon-te reguladora de seu agir, que passará a quali-ficar-se como agir moralmente bem. E se todosos indivíduos se tornarem pessoas éticas, acidade, a pólis, será igualmente uma comunida-de justa. O político decorre do ético, nele en-contrando seu fundamento. A ética assumelugar tão relevante na filosofia socrática quetodo o empenho essencial do conhecimentodeve ser aquele que visa descobrir o bem. Anatureza do homem passa a ser objeto do co-nhecimento filosófico na exata medida em queaspira ao bem, ao comportamento virtuoso.Virtude e bem são os efetivos critérios e guiapara toda ação pessoal e, conseqüentemente,

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também para a vida na cidade. Não é por ou-tra razão que o modelo de sociedade propos-to por Santo Agostinho, em A cidade de Deus,como lugar da verdadeira felicidade, é aqueleque é constituído por homens virtuosos. Virtu-oso é o homem que escolhe o caminho do bempara viver, como esclarece o próprio SantoAgostinho em seu outro texto, Do livre arbítrio.

É essa maneira de entender a naturezado homem como ser ético que explica a força doconceito de alma na filosofia de lastro socrático,bem como da importância que nela assumirá acategoria de substância essencial. A alma, comoa substância humana, é o sujeito da ética e o seucuidado é o que há de mais divino no homem,cuidado a ser exercido mediante o conhecimen-to dos valores da bondade e da verdade.

Com base nessas noções de alma e debem, a ética socrática, objeto por excelência daeducação, busca atingir a interioridade humana,centro em que se encontra a lei do autodomí-nio, da ordenação dos valores, da virtude e dafelicidade. Domínio do homem sobre si mesmo,o que o eleva à liberdade moral como autono-mia frente à sua co-natureza animal. Com aimpregnação profunda da cultura helênica peloCristianismo, a natureza da educação como es-sencialmente formação ética ganhou ainda maisforça, como podemos ver na obra dos Padres daIgreja e, destacadamente, em Santo Agostinho eSão Tomás de Aquino.

Nessa tradição da Filosofia, a educaçãoé vista como garantindo a humanização dohomem na medida em que ela possa contribuirdiretamente para a construção do próprio su-jeito. A imagem é dada pela metáfora da iden-tidade e da autonomia do sujeito espiritual,individual, pessoal que, princípio de atividade,atua pela força energética de sua vontade livre.A transformação do mundo, a construção dasociedade, o aprimoramento da existência ob-jetiva, decorrem agora diretamente da transfor-mação, do aprimoramento íntimo do sujeito. Apólis, como cidade justa e democrática, seráresultante das ações, eticamente respaldadas,postas pelos indivíduos transformados. O direito

positivo só pode se legitimar se fundado emdiretrizes éticas, âmbito em que deve prevale-cer a dignidade subjetiva da pessoa humana.

Nessa tradição de valorização da auto-nomia subjetiva, a educação é sempre entendi-da como um investimento feito pelos sujeitos,dos recursos da exterioridade, com vistas aodesenvolvimento de sua interioridade subjetiva.A educação identifica-se então com o própriométodo do conhecimento, com o exercício davivência da consciência, uma vez que educar-se é apreender-se cada vez mais como sujeito,buscando agir com vistas a realizar-se cada vezmais como tal. O ético predomina sobre opolítico, atuando o educacional como media-ção. É por isso que essa orientação enfatizamais os fundamentos antropológicos e éticosdos processos do que suas mediações práticasou suas implicações políticas.

A educação como formaçãopolítica

Sem dúvida, pode-se afirmar com segu-rança que o Iluminismo, como amplo movimentocultural e filosófico que aconteceu na Europa naera moderna, ao instaurar sua proposta pedagógica,retoma as idéias da natureza humana, da autono-mia racional e moral do indivíduo e daperfectibilidade humana. No entanto, por outrolado, essas categorias têm seu sentido profunda-mente modificado. Marcado pela longa, lenta esofrida constituição da moderna sociedade bur-guesa e mercantil, que vai se distanciando cadavez mais do mundo feudal e cristão, o pensamentoiluminista se instaura sob o crescente impacto daformação dos estados como entidades políticas au-tônomas. A consciência ética se confronta agoracom a realidade da vida política que não é maismera circunstância na existência dos indivíduosmas, ao contrário, é uma forte e densa realidadeautônoma, ditando e impondo regras e leis. Ago-ra, a legitimação da existência não se sustentaapenas na conformação à lei interior do espírito,mas também necessariamente num acordo com alei exterior estabelecida, autonomamente, pela

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sociedade. É preciso doravante considerar tambémos dispositivos do contrato social. E essa sociedadedeterminante não se apresenta como entidadeaprioristicamente definida, mas como processohistórico real a ser empiricamente abordado e es-quadrinhado. Recusando o modo metafísico depensar, a filosofia moderna opõe-se também àética essencialista da vida puramente interior.

Jean-Jacques Rousseau e Immanuel Kantpodem ser tomados com os mais significativosrepresentantes dos construtores do projetoiluminista da modernidade no que se refere a essaperspectiva de uma outra pedagogia de acordocom a qual a formação humana, visada pela edu-cação, passa necessariamente pela consideraçãoda condição natural do homem como ser social.A filosofia moderna refere-se aos indivíduos, maspressupondo-os como partes integrantes de umcorpo social que os atravessa de fora a fora.Consciência, liberdade moral, perfeição humana,vontade livre são dimensões relacionadas à vidados indivíduos, mas elas só ganham consistênciaplena com a inserção dos indivíduos na estrutu-ra social. É por isso que as propostas pedagógi-cas de Rousseau (1968) não podem ser plena-mente compreendidas separadas de sua teoria po-lítica (Rousseau, 1999). Do mesmo modo, a pro-posta educativa de Kant não faz sentido separa-da de sua visão do destino da civilização huma-na como um todo. Desse modo, na modernidade,o critério fundamental da educação, o aspectoque recebe maior ênfase na formação humana, éaquele da formação política, a formação do cida-dão, entendida esta à luz de seus pressupostosantropológicos e epistemológicos do racionalismonaturalista. Como bem o resume Lyotard,

[...] a educação tem uma finalidade explícitana modernidade do fim do século XVIII. É a doprojecto geral das Luzes: libertar a humanidadedo despotismo, do despotismo político, mastambém da ignorância e da miséria [...]. A edu-cação tem pois uma intenção fundamental: [...]fazer com que a nação, a comunidade de facto,se torne numa República de direito. (apudKechikian, 1993, p. 49)

Para Kant (1996), “a educação prática emoral é aquela que diz respeito à construção dohomem, para que viver como ser livre [...] o qualpode bastar-se a si mesmo, constituir-se mem-bro da sociedade” (p. 20). Ainda que se trate deaprimorar o homem em sua individualidade, talobjetivo diz respeito ao seu viver em sociedade,sua ineludível moradia. Na Modernidade, sãotodas as modalidades da vida que assumem maisexplicitamente essa dimensão política.

Essa condição do homem viver emsociedade modifica profundamente o seu pro-cesso de auto-aperfeiçoamento, pois seu apri-moramento ou sua degradação não mais de-pendem apenas da lei interior de sua vontade,mas também das determinações exteriores davida social. Assim, o ‘instinto divino da consci-ência’, de que fala Rousseau, que é fonte daexcelência moral do indivíduo, confronta-secom as exigências da vida em sociedade, esfe-ra da liberdade civil. É por isso que o homemque “nasce livre, por toda parte encontra-se aferros” (Rousseau, 1999, p. 53). Parafraseando-se os metafísicos clássicos, pode-se afirmarque, na modernidade, o social é o elementoque constitui a substância da essência humana,não é mais um mero acidente.

De acordo com os princípios filosóficosde Rousseau (1958), o homem só pode ser bomnuma sociedade racional. A finalidade da educa-ção é a reconstrução do homem, por isso mesmo,ela pode ser até ‘desnaturação’. Ela deve “dar àsalmas a forma racional e dirigir de tal forma assuas opiniões e gostos que sejam patriotas porinclinação, paixão e necessidade” (cap. 4, p. 605).A cidade deve ser sobreposta a tudo mais. A li-berdade consiste na obediência total à lei da ci-dade ideal (Chateau, 1956).

Essa participação do elemento social nanatureza intrínseca do modo de ser humanotorna-se marca característica da antropologiafundante da compreensão da educação no sé-culo XIX, constituindo a base central do co-nhecimento que, nessa fase, já se constituicomo conhecimento científico, graças à emer-gência das ciências humanas. É que, ao lado da

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expressão filosófica, dando-se como filosofiasocial ou filosofia política, as ciências humanasse instauram fundamental e preponderante-mente como ciências sociais. E sob as inspira-ções de todos os paradigmas epistemológicosdaquele momento, o pensamento teórico semanifesta enfatizando a primazia do social.

É o que podemos conferir na obra deÉmile Durkheim. Na esteira da perspectivapositivista, inaugurada por Auguste Comte,Durkheim dedica todo o seu engenho em mos-trar a consistência e a centralidade do socialcomo elemento explicativo do modo de existirhumano. O social não reduz jamais ao individu-al nem a Sociologia a uma Psicologia de gran-des número de indivíduos. Sua obra teóricasistematiza a solidariedade social, o trabalhosocial, a consciência coletiva, a anomia social,enfim, a vida autonomizada da sociedade, umaentidade que, embora formada pelos indivídu-os, tem uma realidade própria, distinta. É inde-pendente das condições particulares dos indi-víduos; estes passam, ela permanece. É sob aprática do trabalho que os indivíduos se vincu-lam intrinsecamente à sociedade, fortificadospor uma solidariedade orgânica que os mantémunidos, como se estivessem atraídos por umaforça centrípeta. Por isso mesmo, a realizaçãodos indivíduos em particular depende da boarealização da sociedade. Só que essa realizaçãoestá sempre ameaçada pela anomia que podeimpedir que a sociedade preencha sua funçãode regulação e controle.

De igual modo, o pensamento de outrogrande profeta da modernidade, Max Weber(1864-1920), segue a mesma linha de consagra-ção da prevalência das leis impessoais da soci-edade. Weber (1974) enfoca a política comotema central de sua obra, fazendo uma análiseprofunda e completa da modernidade. Buscaexplicitar as leis das ações humanas. Emboramuito cauteloso para evitar uma entificação dasociedade mediante o uso de categorias coleti-vas, preocupado em livrar as ciências históricasdos pressupostos metafísicos do idealismo ale-mão, Weber vê na ação racional, mediada pelos

tipos ideais, critério da prática que independe davontade individual dos agentes. Um sistemapolítico e econômico que – com uma lógicaprópria: a da racionalidade – dita leis para ocomportamento humano.

É certamente na obra de Karl Marx(1818-1883) que o caráter determinante daessência humana pelo social é mais assumidoteoricamente e justificado, questionando, devez, qualquer referência metafísica de caráteressencialista. Herdeiro da tradição dialéticahegeliana, Marx e Engels (1997) vê o homemse constituindo historicamente mediante seuagir prático coletivo. Em que pese seu idealis-mo metafísico exacerbado e romântico, Hegel jáhavia integrado em sua síntese filosófica aparticipação do processo histórico real da so-ciedade humana e de sua manifestação políti-ca sob a forma do Estado, como figuras subs-tanciais da realização do Espírito Absoluto.Escoimando o hegelianismo dessas dimensõesmetafísicas, que entende ser puras ilusões ide-ológicas, Marx incorpora a dialeticidade doprocesso histórico real que se realiza na histó-ria da sociedade humana. Muito sensível, poroutro lado, à dura realidade histórica e social desua época, quando o modo de produção capi-talista já se encontra em pleno vigor, Marxadentra-se, sob a perspectiva da ciência histó-rica, no estudo da economia política, solo daefetiva realização dos seres humanos. Analisan-do as condições reais em que se dá a produ-ção concreta da existência humana sob os di-tames da economia capitalista, Marx explicita atragédia da existência histórica do homemcomo despossuído de sua essência pela aliena-ção do trabalho imposta pelas ‘leis’ da produ-ção material. E para chegar à realização de simesmo como homem inteiramente emancipadoe totalmente humano, a partir de sua condiçãode ser natural, de ser sensível num mundo sen-sível, os homens que se alienam em sua histó-ria coletiva só podem engendrar-se como ho-mens por meio de seu trabalho humano. O tra-balho, dinâmica responsável pela efetiva condi-ção do modo de ser humano, só é realizável no

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contexto histórico-social. Se, de um lado, ele éo lugar da alienação, da perda da essência, eleé também o único espaço para a realização dohumano. Os homens são seres ativos, práticos,produtores de objetos sensíveis, não em suacondição de gênero universal, mas em suaexistência histórica e social, em sua realidade,constituída pelo conjunto de suas relaçõessociais. O trabalho, como força engendradorado indivíduo humano e meio de produção ereprodução da existência, pressupõe a presen-ça efetiva dessa rede de relações sociais comum mínimo de eqüidade e liberdade, o que exi-ge a permanente luta política revolucionáriacontra todas as formas históricas de opressão,numa sociedade burguesa e capitalista,hierarquizada e cristalizada em classes sociais,com interesses objetivos conflitantes. Para Marx,o homem se define em sua humanidade pelarelação com a natureza e com a sociedade. Elenão é um indivíduo solitário nem um elemen-to avulso da humanidade em geral, mas um serhistórico e social, cujo perfil concreto é defini-do pelas leis provisórias de um determinadomodo de produção. Marx pensa a reificação ea alienação como conseqüências de modoshistóricos de produção e não como determina-ções essenciais do homem em geral, pois acei-tar isso seria recair na reificação e na alienação.A concreta realidade humana não é resultantenem da realização da Idéia ou do Espírito Ab-soluto (Hegel) nem da consciência racional doshomens, de suas vontades puras e reflexõesabstratas (Metafísica clássica e Idealismo mo-derno), mas do real movimento histórico dasforças produtivas, desencadeado e sustentadopelos homens a partir das contradições perma-nentes que devora suas entranhas.

Essas grandes sínteses filosóficas, aquiapenas tangenciadas, produzidas por Marx,Weber e Durkheim, em que pesem as diferen-ças de seus pontos de partida e de apoio, têmum ar de família e a grande referência comumé a marca fundante do social na constituição daefetiva realidade do ser humano, contrapondo-se os três pensadores, de forma radicalmente

igual, a toda pretensão metafísica. Com essaincisiva afirmação da centralidade nuclear daprática social, manifestando-se historicamente,a presença das contribuições desses pensamen-tos, feitas todas as necessárias ressalvas, tor-nou-se elemento de todas as ciências humanase de toda filosofia crítica da atualidade.

Não é, pois, sem razão que essa pers-pectiva marcou profundamente o modo de secompreender a educação na virada do séculoXIX e no início do século XX. Ainda que atemática educacional não tenha recebido umtratamento explícito nessas obras, é evidenteque, por decorrência intrínseca, a educação sótem sentido sob as mesmas referências, comomodalidade do próprio processo social. É o queexplica e justifica porque as ciências sociais vãopassando a ocupar, no período, o lugar dasciências psicológicas na explicação do fenôme-no educacional. E não se pode legitimar a in-tervenção pedagógica a não ser sob uma jus-tificativa política, de ordenação do social.

Tanto quanto os antigos e os medievais,os pensadores modernos vão aproximar verdade ebem, aproximando o conhecimento racional daprática educacional. Só que agora a razão é toma-da na sua condição de potência natural, atuandopor conta própria sem qualquer intervenção deordem sobrenatural. O homem volta a ser a medi-da de todas as coisas e não mais Deus. Esseantropocentrismo radical, colocando o homemracional no centro e na direção de um mundodesencantado, laiciza o olhar e o agir das pesso-as. Isso dá uma outra dimensão para a vida sociale para as instituições políticas, modificando pro-fundamente o sentido da educação. Nesse mo-mento, para se formar bem o indivíduo, é pre-ciso considerar a sociedade estruturada comocondição substantiva do existir humano. O ho-mem não pode ser eticamente bom, contandoapenas com uma eventual coerência com osvalores de sua subjetividade e muito menos coma obediência a preceitos divinos sobrenaturais.Antes, precisa integrar-se adequadamente à so-ciedade, à pólis. E antes de mais nada cabe àeducação propiciar, de modo sistemático, as

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condições para essa integração. Inserção não maisà ‘cidade de Deus’, mas à ‘cidade dos homens’. Porisso mesmo, a educação passa a assumir, ao lon-go da Modernidade, o caráter de uma ação e deuma prestação pública, definindo-se como medi-ação própria para a constituição da cidadania. Eseu grande instrumento é o conhecimento racio-nal. Não mais o conhecimento metafísico das es-sências das coisas, mas o conhecimento científicodos fenômenos naturais, única e exclusiva manifes-tação do real. E agora a Filosofia, de serva da Te-ologia que era na Idade Média, passa a ser ‘servada ciência’, exercendo-se fundamentalmente comoreflexão metacientífica. É compreensível que sóna Modernidade a filosofia se desse conta daextrema relevância do social para a própriaconstituição do sujeito pessoal, considerando asociedade como condição fundamental para avida moral das pessoas. Em que pesem já osavanços organizacionais da sociedade pré-moder-na, ela não foi muito além de uma ‘comunidadenatural’, ainda não política. Essa condição só setornou possível no período moderno, expressan-do-se fundamentalmente na constituição dos Es-tados, como entidades específicas e autônomas degerenciamento da vida social.

Educação e formação culturalna contemporaneidade

Esse panorama está em processo de mu-dança, agora, na contemporaneidade. Uma novaforma de se compreender a educação: nem maissob a prevalência de uma teleologia ética nem maissob a perspectivação política. Tanto a ética comoa política estão sendo questionadas como referên-cias básicas da educação. Como se trata de umpensamento ainda em construção, fica difícil, porfalta de distanciamento, apreendê-lo em toda suaextensão, profundidade e magnitude. Essa novaorientação vem sendo designada de filosofia pós-moderna ou pós-estruturalista, substrato filosóficode uma possível nova era histórico-cultural: a pós-modernidade. Levada a seus extremos, tal tendên-cia cai no irracionalismo, inviabilizando qualqueralcance construtivo da racionalidade humana. Seu

irracionalismo potencial emerge com a acusaçãoque faz aos comprometimentos da razão com opoder opressivo sobre o homem, da hostilidade darazão à vida. A razão acaba sendo vista apenascomo agente de repressão e não instância de li-bertação, como o pretendia o Iluminismo. Osgermens dessa crítica radical surgiram na própriaModernidade, com Nietzsche, Freud e Marx, masse consolidam no pensamento atual, comFoucault, Deleuze, Guattari, Lyotard, Beaudrillarde Maffesoli, entre outros pensadores.

Como acertadamente observa Rouanet,há nessa atitude crítica radical um forte núcleode verdade:

Depois de Marx e Freud, não podemos maisaceitar a idéia de uma razão soberana, livre decondicionamentos materiais e psíquicos. Depoisde Weber, não há como ignorar a diferença entreuma razão substantiva, capaz de pensar fins evalores, e uma razão instrumental, cuja compe-tência se esgota no ajustamento de meios e fins.Depois de Adorno, não é possível escamotear olado repressivo da razão, a serviço de uma astú-cia imemorial, de um projeto imemorial de domi-nação da natureza e sobre os homens. Depois deFoucault, não é lícito fechar os olhos ao entrela-çamento do saber e do poder. Precisamos de umracionalismo novo, fundado numa nova razão.(Rouanet, 1987, p. 12)

Não integra o objetivo deste ensaioaprofundar as posições dessa tendência em ges-tação na filosofia contemporânea, até porqueeu a vejo como diretamente tributária da críti-ca desenvolvida pelos teóricos da Escola deFrankfurt. Com efeito, é possível identificar nasformulações da Teoria Crítica, da Escola deFrankfurt, as referências históricas e teóricasdessa inflexão que marca a entrada da culturae da filosofia ocidentais na era contemporânea.Cabe atribuir-lhe, com toda legitimidade, essepapel, pois foi dela a iniciativa histórica deapresentar, de forma sistemática, o balançoinaugural de toda a produção filosófico-cientí-fica da modernidade, deslanchando um acerto

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de contas que ainda não terminou e que ain-da continua sendo retomado e prolongado naatualidade. Não é por acaso que a filosofiafrankfurtiana nasce e se constitui como diálo-go, competente e crítico, com as heranças dopositivismo, do neokantismo, do hegelianismoe do marxismo.

Como bem o assinala Goergen (2001),é preciso atentar que as posições frankfurtianas,embora “em muitos momentos assumindo tra-ços de uma crítica radical à racionalidade, pre-tende, na verdade, salvar a razão das armadilhasde sua instrumentação e de seu uso contra opróprio ser humano. Distingue-se, portanto, dasteses pós-modernistas, críticas da própria razãomoderna e não apenas de seu mau uso. Para ospós-modernos, a razão iluminista, com seustraços de teleologia progressista, firmada emseu manejo adequado, perdeu, ela própria, sualegitimidade” (p. 23). Habermas (1990) defen-de que a razão comunicativa assegura o exer-cício de uma racionalidade processual, aberta àcontingência e à pluralidade sem abandonar aspretensões de validade universal: “a unidade darazão na multiplicidade de suas vozes” (p. 151).

Minha idéia é de que as posições teóricaselaboradas pelos pensadores frankfurtianos, parti-cularmente por Adorno e Horkheimer, inauguramuma concepção diferenciada da educação, que nãose expressaria mais nem como formação ética dosujeito pessoal nem como formação política dosujeito coletivo, mas como formação cultural, con-ceituada como realização antropológica tout court,sem qualquer adjeti-vação de qualquer natureza. Eno rastro dessa idéia originante, a grande maioriadas manifestações da filosofia contemporânea vaiavançando no sentido de se conceber essa forma-ção como a própria substância da educação.

Adorno (1985) defende a idéia de que asobrevivência da Filosofia exige a renúncia à buscade qualquer significado predeterminado das coisas,pretensão que até a Modernidade ficara a cargo deuma razão que se revelava totalitária, globalizantee mistificadora para com o ser humano concreto,toda vez que se propunha delinear esse sentido. Éo que já fala em sua aula inaugural sobre “a atu-

alidade da filosofia”, de 1931, e que volta a serenfatizada em Dialética do esclarecimento, de1947, em Dialética negativa, de 1966, e em Teo-ria estética, de 1970. A razão transforma-se numarazão instrumental, ferramenta por excelência daciência e da tecnologia. Ética e política perdemtoda sua densidade e sustentação em decorrênciadessa hipertrofia do racional puro, que exorcizouo corpo e desencantou o mundo. Isso impediu quese pudesse falar da perfeição moral do sujeitopessoal e de qualquer futuro político formulável.Resta ao filósofo um trabalho teórico crítico, cal-cado numa negação radical da realidade presente,ainda justificando a luta contra todas as formas dedominação, desde que renuncie à tentação da uni-versalidade e da totalidade, tanto no campo éticocomo político. Tal a única maneira de garantir umaautonomia do sujeito num contexto onde hajaigualmente a liberdade de todos.

O pensamento crítico contemporâneotende a questionar radicalmente tudo aquiloque era a própria sustentação do edifício filo-sófico da modernidade, a pedra fundamentalda racionalidade emancipadora e altaneira(Kant, 1996), arrastando consigo os ideaisiluministas da ética e da política. Por isso mes-mo, não podia deixar de recuperar as perspec-tivas dionisíacas da filosofia a marteladas deNietzsche, bem como não poderia deixar devoltar-se para a estética, via privilegiada deresgate da corporeidade e o lugar possível dosentido encarnado. Pode-se então afirmar quea contemporaneidade cultural e filosófica, inau-gurada por essa crítica, instala-se tendo comomote a paráfrase bermansiana da fala de Marxno Manifesto do Partido Comunista, de 1851:“tudo o que é sólido desmancha no ar...”1. Nada

1. Marshall Bermann (1996) simplificou o texto de Marx (1977) que eramais complexo no original. Na melhor tradução a que tive acesso, Marxescreveu: “Tudo o que era sólido e estável evaporou-se no ar, tudo o que erasagrado é profanado, e por fim os homens são obrigados a encarar comserenidade suas verdadeiras condições de vida e suas relações com osdemais homens” (Manifesto do Partido Comunista, 1977, p. 87). Encararcom serenidade suas verdadeiras condições de vida e suas relações comos demais homens, depois de derrubados todos os ídolos e mitos, eis umaintenção de descrever a situação de há 150 anos atrás... mas não podehaver descrição melhor da situação enfrentada hoje pela humanidade, apesarde todas as mudanças ocorridas desde então...

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mais se sustenta do edifício filosófico-científi-co da modernidade, a não ser seu lado sombrioe irracional, que é aquele da mais perversa edestrutiva dominação. Uma significativa verten-te da filosofia contemporânea vai se constitu-indo, então, como denúncia e recusa de todasas modalidades de metanarrativas, de todos osdogmas e discursos da racionalidade, estejamelas nas ciências, na filosofia ou em qualqueroutro lugar da cultura. Junto com essa denúnciada instrumentalidade da razão e de suas gravesconseqüências para a vida humana, a reflexãocrítica dos frankfurtianos, Adorno à frente, res-gata a experiência estética, como vivência sub-jetiva da corporeidade mediante o exercício deseus sentidos, enfatizando sua importânciacomo experiência primordial do homem, atéentão danificada pelo uso puramente instru-mental da razão ao lidar com as coisas huma-nas. A experiência estética constitui o últimomodo de resistência dos indivíduos à desenfre-ada opressão causada universalmente pelaracionalidade técnica da sociedade capitalistacontemporânea.

Os ecos da inspiração frankfurtiana, alémde tornar audíveis as invectivas nietzscheanas empleno final do século XX, ressoa por todo oambiente cultural e filosófico da atualidade, sus-citando novos ‘jogos de linguagem’, que se apre-sentam tão somente como nichos de experiênciade conhecimento, sem qualquer ambição de ex-por verdades inquestionáveis.

O núcleo de verdade do novo concei-to de educação se expressa, pois, como a pró-pria formação do sujeito. No entanto, algunsprévios cuidados esclarecedores precisam sertomados em decorrência da ambigüidade eambivalência dos signos lingüísticos, poiscomo já ensinava o mestre de Santo Agostinho,“nada pode ser ensinado sem signos, mas ossignos não ensinam nada” (Sobre o mestre). Otermo formação é onipresente nas diversasconceituações de educação, mas o mais dasvezes para contrapor-se à informação. Outrasvezes, arrasta consigo a conotação do pôr emforma, moldar, sentido que é exatamente o

contrário daquele em que está sendo tomadoaqui. O sentido aqui é exatamente aquele daconstituição do sujeito que não tem moldeonde se encaixar, para se enquadrar, medidaspara se medir. Um sujeito totalmente contin-gente, com muito precárias referências históri-cas para se guiar em sua existência. Precisa ser,ou melhor, vir-a-ser sem que caminhos precisosestejam previamente traçados.

Igualmente o conteúdo cultural, nocontexto ora em questão, não denota apenassua significação de ilustração, de erudição li-terária, de performance artística etc., masenvolve todas essas dimensões desde que elasestejam articuladas na experiência vivenciadada auto-reflexão crítica, na autonomia do su-jeito humano como praticante do exercíciopúblico da racionalidade, uma vez superados oslimites da liberdade impostos pela semicultura(Pucci, 1995), ou seja, é culturalmente forma-do, portanto educado, o homem que dispõe doesclarecimento, com o qual se identifica, pois,a própria educação. No categorial frankfurtiano,a semicultura é o embotamento da cultura, aalienação, a padronização, o conformismo, si-tuações em que se encontram os homens porrenúncia, subserviência ou dominação. Dito deoutro modo, é própria barbárie que, na visão deAdorno, é “o preconceito delirante, a repressão,o genocídio e a tortura” (Tabus apud Ramos-Oliveira, 1995, p. 92-93).

O conceito adorniano de formação cultu-ral, embora forjado a partir da sua vivência nocontexto da cultura alemã (Pucci; Ramos-Olivei-ra; Zuin, 2000), ganha um alcance mais amplo,tornando-se uma fecunda categoria de análise davida social contemporânea. A Bildung, como ladosubjetivo da Kultur, só se legitima como exercíciode juízo existencial crítico e autocrítico, de cará-ter emancipatório, indo além da semiformação,Halbebildung, definição de uma produção simbó-lica em que prevalecem a adaptação e o confor-mismo, típicos da cultura massificada.

A proposta e, até certo ponto, a apostafrankfurtiana de uma educação emancipadoravinculam-se à afirmação da intrínseca necessida-

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de de uma crítica permanente. Após Auschwitz,impõe-se uma reelaboração do passado, uma se-vera crítica do presente, se se almeja um futuromais humanizado. E ao mesmo tempo em queAdorno alerta para os riscos de um processo edu-cacional pautado apenas nas luzes da consciên-cia (pura formação ético-epistêmica), sem con-siderar sua orientação social, chama a atençãopara os igualmente graves perigos do compro-metimento do ético frente à determinação social(pura formação política). O desafio que se apre-senta é o de “pensar a sociedade e a educaçãoem seu devir. Só assim seria possível encontraralternativas históricas capazes de assegurar aemancipação de todos, tornando-os sujeitos dahistórica, aptos a vencer a barbárie e a realizaro conteúdo emancipatório do movimento deilustração da razão” (Maar, 1995, p. 12). A pro-posta da educação como formação cultural des-taca que a educação não concerne apenas aformação da consciência de si, como aperfeiço-amento moral, mas nem por isso reduz-se amero enquadramento social, pura determinaçãopolítica. “A educação tem sentido unicamentecomo educação dirigida a uma auto-reflexãocrítica” (p. 121).

Adorno (1995) explicita sua concepçãode educação:

Evidentemente não a assim chamada modelagemde pessoas, porque não temos o direito de mode-lar pessoas a partir de seu exterior; mas tambémnão a mera transmissão de conhecimentos, cujacaracterística de coisa morta já foi mais do quedestacada, mas a produção de uma consciênciaverdadeira. Isto seria inclusive de maior impor-tância política; sua idéia, se é permitido dizerassim, é uma exigência política. Isto é: uma de-mocracia com o dever de não apenas funcionar,mas operar conforme seu conceito; demandapessoas emancipadas. Uma democracia efetiva sópode ser imaginada enquanto uma sociedade dequem é emancipado. (p. 141-142)

Para Adorno (1995), o conhecimentotem papel fundamental no processo educativo.

No entanto, impõe-se entender bem o sentidoda razão e da subjetividade. Em geral, o con-ceito de racionalidade ou de consciência

[...] é apreendido de um modo excessivamente estrei-to, como capacidade formal de pensar. Mas estaconstitui uma limitação da inteligência, um casoespecial de inteligência, de que certamente há neces-sidade. Mas aquilo que caracteriza propriamente aconsciência é o pensar em relação à realidade – arelação entre as formas e estruturas do pensamentodo sujeito e aquilo que este não é. Este sentido maisprofundo de consciência ou faculdade de pensar nãoé apenas o lógico-formal, mas ele corresponde lite-ralmente à capacidade de fazer experiências. Eu diriaque pensar é o mesmo que fazer experiências intelec-tuais. Nesta medida e nos termos que procuramosexpor, a educação para a experiência é idêntica àeducação para a imaginação. (p. 151)

O compromisso da educação é com adesbarbarização, é transformar-se num processoemancipatório, no qual ocorra uma luta sistemáti-ca pela autonomia, pela emancipação. E sua úni-ca ferramenta é o esclarecimento que se constituicomo passagem do inconsciente para o consciente,do não ciente para o ciente, do pseudociente parao ciente. O esclarecimento ilumina e elimina.

Na perspectiva da Teoria Crítica, o papelda educação é o de assegurar a sobrevivência daformação cultural numa sociedade que a privou desuas bases. É que a industrialização cultural com-prometeu essa formação. Cabe aos processoseducativos investir na transformação da razão ins-trumental em razão emancipatória. Por sua vez, aeducação pode viabilizar-se, garantindo-se suafecundidade formativa, se se constituir como exer-cício da auto-reflexão crítica. Trata-se, para a edu-cação, de produzir uma consciência verdadeira.

Trata-se de uma formação imanente dosujeito da história real da desalienação na his-tória presente, alienada. É que na sociedade in-dustrializada do capitalismo, a educação críti-ca do indivíduo, base de sua formaçãoemancipatória, encontra-se travada, realizando-se apenas como adaptação, ou seja, como

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semiformação (Adorno,1995), travamento daexperiência emancipadora.

A qualificação essencial da educaçãoemancipadora encontra-se na dissecação visceraldo nexo entre dominação e racionalidade. Aeducação crítica só pode realizar-se como re-construção crítica da racionalidade social, reve-lando a deformação que produz em face de suareificação e conduzindo-a a uma clara exposi-ção de suas contradições e, por essa via, apre-endendo nela as possibilidades alternativas.Momento de transformação da subjetividadedestituída de experiência formativa (Maar, 1995).

A organização social em que vivemos continuasendo heterônoma, isto é, nenhuma pessoa podeexistir na sociedade atual realmente conformesuas próprias determinações; enquanto isto ocor-re, a sociedade forma as pessoas mediante inú-meros canais e instâncias mediadores, de ummodo tal que tudo absorvem e aceitam nos ter-mos dessa configuração heterônoma que se des-viou de si mesma em sua consciência. (p. 181)

Conclusão

Tendo em conta a insustentabilidadedas referências ético-políticas das tradiçõesmetafísica e iluminista, o novo conceito de edu-cação, que vem sendo forjado no contexto dacontemporaneidade – questionadas a universa-lidade, a transcendentalidade e a apoditicidadedos valores –, vai partir da condição de contin-gência imanente do próprio sujeito. A propos-ta possível de sua educação é aquela de suaprópria formação como sujeito cultural.

Por isso mesmo, no que concerne aoconceito da educação, tal qual vem sendo cons-tituído, a referência passa a ser, não mais a an-tiga ética, ou a recente política, mas uma novaestética. Não há mais valores éticos referenciais

nem muito menos consígnias políticas válidas,conta apenas o novo sentir bem dos sujeitoshumanos. Sem dúvida, o cenário da cultura atualé complexo. Sobrevivem e convivem os diversosparadigmas filosóficos a inspirarem as buscas daFilosofia da Educação. Particularmente, faz-seainda muito forte a marca de uma concepçãotecnofuncionalista da educação, colocando-se emnome da ciência e de seu poder tecnocrático,numa ponta do espectro, enquanto que na outraponta agiganta-se a perspectiva estetizante. Cu-riosamente, esses extremos se tocam e acabamtendo uma paradoxal convivência com um ní-vel de tolerância recíproca muito mais harmo-nioso do que com a esfera dos paradigmaséticos ou políticos.

No entanto, na verdade, a exacerbaçãoestetizante é mesmo resultante do impulso daradicalidade da crítica à razão instrumental. Suaverdade está na afirmação de que uma nova re-ferência para a educação precisa ser levantada eque nela não se faça ausente a dimensão esté-tica do existir. Entretanto, essa dimensão estéti-ca é apenas uma parte do todo, sem dúvidaaquela cuja visibilidade é de mais fácil percep-ção e que, por não ter sido devidamente consi-derada pela tradição filosófico-educacional, ago-ra faz sua reivindicação de forma mais ruidosae, às vezes, até mesmo acintosa.

A idéia de formação cultural dá à educa-ção uma finalidade intrínseca de cunho mais an-tropológico do que ético ou político, num senti-do estrito. Até para transformar os indivíduos empessoas éticas e políticas, a educação precisa efe-tivar-se como formação cultural. No entanto, em simesma, a educação não tem como garantir, dire-tamente, que as pessoas se tornem éticas – ela éuma experiência eminentemente pessoal –, nemcomo metanoia assegurar o aprimoramento dosocial – a revolução política é uma experiênciaexclusiva do sujeito coletivo em sua especificidade.

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Recebido em 25.05.06Aprovado em 11.09.06

Antônio Joaquim Severino é doutor em Filosofia; livre-docente em Filosofia da Educação. Professor titular de Filosofia daEducação na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo.