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Algoritmos e Estratgias de Gesto do Problema de Contacto com Atrito em Grandes DeformaesAplicao Estampagem de Chapas Metlicas

Marta Cristina Cardoso de Oliveira

Coimbra, 2005

A modern-day technical version of Confucius most famous saying, (...) might be, One good theory is worth a thousand computer runs.Luenberger D.G. em Linear and nonlinear programming, 1984

minha me, Amlia

AgradecimentosO trabalho que aqui se apresenta s foi possvel graas colaborao e apoio de algumas pessoas, s quais no posso deixar de prestar o meu reconhecimento. Ao Professor Doutor Lus Filipe Menezes, por partilhar comigo as elevadas competncias cientficas que possui, pela rigorosa orientao, pela disponibilidade constante, pelo encorajamento, pela confiana depositada e em particular por dividir comigo o seu entusiasmo por fazer sempre melhor. Ao Professor Doutor Filipe Teixeira-Dias, pela disponibilidade constante, pelos ensinamentos preciosos e em particular pelo brio e rigor que impe no seu trabalho e que procurou transmitir-me ao longo de toda a sua orientao. Ao Professor Doutor Valdemar Fernandes, pelo seu apoio e amizade, pela pronta disponibilidade para todas as minhas solicitaes e sobretudo pelo constante encorajamento. Ao Professor Doutor Altino Loureiro e Professora Doutora Dulce Rodrigues, pelo encorajamento e optimismo e em particular pela amizade que me dispensaram. Ao Professor Doutor Jos Lus Alves, pelo apoio, pelo enorme encorajamento e amizade e em particular pelas inmeras discusses cientficas que em muito contriburam para que este trabalho se concretizasse. Aos restantes membros do Grupo de Tecnologia, por terem contribudo para o ambiente de amizade, boa disposio e confiana que reina no grupo tornando mais fcil a realizao de um bom trabalho. A todos com quem tive oportunidade de trabalhar no mbito do projecto 3DS, pelas inmeras discusses cientficas e pelos ensinamentos preciosos.

A todos os meus amigos, vocs sabem que eu sei que vocs sabem quem so, por resistirem estoicamente aos meus momentos de m disposio, pela pacincia, pelo apoio e encorajamento e sobretudo por todos os momentos de alegre convvio. Aos meus pais, irmos Sandra e Lus, e ao Paulo, pelo seu apoio incondicional, pelo seu incentivo e por relevarem todos os meus esquecimentos. Aos colegas e funcionrios do Departamento de Engenharia Mecnica da Universidade de Coimbra, pelo apoio e disponibilidade. Em particular, aqueles que comigo partilharam diariamente bons momentos de descontraco e companheirismo. Fundao para a Cincia e Tecnologia, pelo apoio atravs do projecto POCTI/EME/35945/99. A todos um enorme Bem-haja

ndiceCaptulo 11.1 1.2 1.3 1.4

Introduo

9

Enquadramento ......................................................................................................... 9 Objectivos ............................................................................................................... 19 O Programa DD3IMP ............................................................................................. 20 Guia de Leitura ....................................................................................................... 22

Captulo 2

Modelo Mecnico

25

2.1 Enquadramento ....................................................................................................... 25 2.2 Mecnica dos Meios Contnuos.............................................................................. 27 2.2.1 Relaes Cinemticas....................................................................................... 28 2.2.2 Lei de Comportamento Elastoplstica.............................................................. 31 2.2.2.1 Leis de Encruamento................................................................................. 35 2.2.2.2 Critrios de Plasticidade ........................................................................... 38 2.2.3 Equaes de Equilbrio e Condies de Fronteira ........................................... 40 2.2.4 Formulao Variacional do Problema Clssico ............................................... 41 2.3 Mecnica do Contacto ............................................................................................ 42 2.3.1 Cinemtica do Contacto ................................................................................... 42 2.3.2 Lei de Contacto Unilateral ............................................................................... 44 2.3.3 Lei de Atrito puro ............................................................................................. 45 2.3.4 Lei de Contacto com Atrito .............................................................................. 46 2.3.5 Formulao do Problema Misto ....................................................................... 48

Captulo 3

Algoritmos de Integrao Temporal e Espacial

51

3.1 Enquadramento ....................................................................................................... 51 3.2 Integrao Temporal ............................................................................................... 56 3.2.1 Previso: Clculo Tangente Explcito.............................................................. 57 3.2.1.1 Determinao do Tamanho do Incremento Estratgia rmin ................... 59 3.2.2 Correco: Clculo Implcito........................................................................... 61 3.2.2.1 Integrao da Lei de Comportamento....................................................... 63 3.2.2.2 Linearizao do Princpio das Potncias Virtuais..................................... 68 3.2.2.3 Mdulo Elastoplstico Consistente........................................................... 69 3.3 Integrao Espacial ................................................................................................. 70 3.3.1 Elementos Finitos ............................................................................................. 70 3.3.2 Mtodos de Integrao ..................................................................................... 71 3.3.2.1 Integrao Completa e Integrao Reduzida Uniforme............................ 72 3.3.2.2 Integrao Reduzida Selectiva.................................................................. 72 3.3.3 Equaes Elementares ...................................................................................... 73 3.3.3.1 Equaes Elementares: Previso .............................................................. 73 3.3.3.2 Equaes Elementares: Correco ........................................................... 74

vi

ndice

Captulo 4

Definio Geomtrica das Ferramentas

77

4.1 Enquadramento .......................................................................................................77 4.2 Superfcies de Bzier...............................................................................................81 4.3 Algoritmo de Deteco de Contacto .......................................................................83 4.3.1 Algoritmos de Deteco de Contacto Global ...................................................84 4.3.1.1 Algoritmo do Ponto Mdio .......................................................................84 4.3.1.2 Algoritmo dos Vrtices e Ponto Mdio.....................................................84 4.3.2 Algoritmos de deteco de contacto Local.......................................................86 4.3.2.1 Algoritmo de Impacto ...............................................................................87 4.3.2.2 Algoritmo de Projeco.............................................................................89 4.3.3 Interaco entre os Algoritmos de Deteco de Contacto Global e Local .......91 4.4 Algoritmo de Gesto do Contacto...........................................................................97 4.5 Descrio das Ferramentas......................................................................................98 4.5.1 Aproximao de um Arco de Crculo por uma Curva de Bzier......................99 4.5.2 Continuidade de Superfcies Adjacentes ........................................................101 4.5.3 Exemplo Numrico .........................................................................................102 4.5.3.1 Definio Manual da Geometria .............................................................103 4.5.3.2 Definio da Geometria com Recurso ao CAD ......................................105

Captulo 5

Regularizao do Problema de Contacto com Atrito

111

5.1 Enquadramento .....................................................................................................111 5.2 Regularizao da Condio de Contacto Unilateral .............................................115 5.3 Regularizao da Condio de Atrito ...................................................................120 5.4 Mtodo do Lagrangeano Aumentado....................................................................122 5.4.1 Operador de Contacto com Atrito...................................................................127 5.4.2 Gesto Implcita das Condies de Fronteira .................................................128 5.4.2.1 Matrizes Tangentes Associadas ao Estatuto Gap....................................129 5.4.2.2 Matrizes Tangentes Associadas ao Estatuto Stick...................................129 5.4.2.3 Matrizes Tangentes Associadas ao Estatuto Slip ....................................130 5.4.3 O Sistema de Equaes Lineares Global Misto..............................................131 5.4.4 O Sistema de Equaes Lineares Global Reduzido........................................132 5.4.4.1 Ferramentas a Fora Imposta ..................................................................133 5.4.4.2 Resoluo do Sistema de Equaes Lineares..........................................138 5.4.5 Convergncia Global do Algoritmo de Newton-Raphson..............................139

Captulo 6

Parmetro de Penalidade

143

6.1 Enquadramento .....................................................................................................143 6.2 Parmetro de Penalidade Varivel para cada N de Contacto..............................147 6.2.1 Algoritmo Baseado na Fora Normal de Contacto.........................................148 6.2.2 Algoritmo Baseado na Fora e Distncia Normais de Contacto ....................150 6.3 Parmetro de Penalidade Distinto para as Condies de Contacto Unilateral de Contacto e com Atrito...................................................................................................153 6.4 Testes Elementares: Ensaio de Compresso .........................................................155 6.5 Conformao de uma Taa Quadrada ...................................................................163

Captulo 7

Atrito

175

7.1 Enquadramento .....................................................................................................175

ndice

vii

7.2 Implementao no Programa DD3IMP ................................................................ 184 7.2.1 Algoritmo do Estatuto de Contacto ................................................................ 185 7.2.2 Algoritmo da Distncia Normal e do Estatuto de Contacto ........................... 186 7.3 Exemplo Numrico ............................................................................................... 187 7.3.1 Concluses...................................................................................................... 204

Captulo 8

Modelao e Simulao de Casos Reais

205

8.1 Enquadramento ..................................................................................................... 205 8.2 Simulao do Retorno Elstico: DD3OSS ........................................................... 205 8.3 Modelao das Ferramentas a Fora Imposta....................................................... 214 8.4 Lei de Encruamento .............................................................................................. 222 8.5 Fora de Aperto do Cerra-chapas ......................................................................... 228 8.5.1 Perfil U ........................................................................................................... 229 8.5.2 Perfil Curvo .................................................................................................... 232 8.6 Deslocamento do Puno...................................................................................... 237 8.7 Distribuio Assimtrica da Fora Imposta pelo Cerra-chapas............................ 239 8.7.1 Desvio da Posio Horizontal do Cerra-chapas ............................................. 240 8.7.1.1 Fora de Aperto do Cerra-chapas de 90 kN............................................ 240 8.7.1.2 Fora de Aperto do Cerra-chapas de 300 kN.......................................... 244 8.7.2 Distribuio Assimtrica do Coeficiente de Atrito ........................................ 249 8.7.2.1 Fora de Aperto do Cerra-chapas de 90 kN............................................ 249 8.7.2.2 Fora de Aperto do Cerra-chapas de 300 kN.......................................... 251 8.7.2.3 Concluses .............................................................................................. 253

Captulo 9

Consideraes Finais

255

9.1 Concluses ............................................................................................................ 255 9.2 Perspectivas de Trabalho Futuro .......................................................................... 259

Anexo A

Notao, Nomenclatura e Siglas

261

A.1 Notaes Algbricas ............................................................................................. 261 A.2 Operadores e Funes........................................................................................... 261 A.3 Sub-ndices e Super-ndices.................................................................................. 262 A.4 Mecnica dos Meios Contnuos............................................................................ 263 A.5 Modelos de Comportamento e Propriedades dos Materiais ................................. 264 A.6 Mecnica do Contacto .......................................................................................... 265 A.7 Descrio das Ferramentas ................................................................................... 266 A.8 Discretizao por Elementos Finitos .................................................................... 266 A.9 Mtodos Numricos.............................................................................................. 267 A.10 Siglas e Abreviaturas ......................................................................................... 268

Anexo BB.1 B.2 B.3 B.4

Parmetro de Penalidade nico

269

Operador de Contacto com Atrito......................................................................... 269 Matrizes Jacobianas .............................................................................................. 270 Sistema de Equaes Lineares Global Misto........................................................ 272 Sistema de Equaes Lineares Global Reduzido ................................................. 273

Anexo C

Parmetro de Penalidade Varivel para cada N de Contacto

275

viii

ndice

C.1 Algoritmo Baseado na Fora Normal de Contacto ...............................................275 C.2 Algoritmo Baseado na Fora e Distncia Normais de Contacto...........................277

Anexo DD.1 D.2 D.3 D.4

Parmetro de Penalidade Distinto para as Condies de Contacto Unilateral e de Contacto com Atrito 279

Operador de Contacto com Atrito .........................................................................279 Matrizes Jacobianas ..............................................................................................280 Sistema de Equaes Lineares Global Misto........................................................281 Sistema de Equaes Lineares Global Reduzido..................................................283

Anexo E

Propriedades Mecnicas dos Materiais

285 287

Referncias Bibliogrficas

Captulo 1

IntroduoEquation Section (Next) Faz-se o enquadramento global do problema da simulao numrica do processo de estampagem, dando nfase a aspectos tais como os desafios tecnolgicos e o interesse industrial. Expem-se os objectivos estabelecidos para o trabalho desenvolvido no mbito desta tese com base nos desafios descritos. Apresenta-se a estrutura e contedo da dissertao de modo a melhor conduzir o leitor no decurso do texto e a facilitar a sua consulta.

1.1 EnquadramentoNos processos tecnolgicos de conformao plstica, a geometria inicial do material modificada, atravs da aplicao de esforos externos que induzem deformao plstica no material. Deste modo obtm-se a geometria final pretendida. A estampagem de chapas metlicas enquadra-se neste grupo de processos tecnolgicos. Consiste em dar forma a uma chapa metlica fina, de superfcie inicialmente plana, que transformada numa geometria de superfcie no-planificvel. No processo de estampagem recorre-se, geralmente, a trs tipos de ferramentas distintas: o puno, a matriz e o cerra-chapas (ver Figura 1.1). A chapa, previamente cortada com dimenses pr-estabelecidas, designada por esboo. Este fixo entre o cerra-chapas e a matriz. Nesta primeira fase do processo, designada por aperto, o cerra-chapas exerce uma fora pr-definida sobre a chapa, de modo a prevenir a ocorrncia de defeitos e a controlar o escoamento do material. Posteriormente, inicia-se a fase de avano do puno, em que este se desloca para a cavidade definida pela matriz. Promove-se, assim, o movimento do material para esta cavidade. Na ltima fase removem-se as ferramentas, de modo a libertar a chapa da sua influncia. A fase de remoo das ferramentas muito importante, pois o processo de deformao tende a acumular uma grande quantidade de energia de deformao elstica no corpo deformvel. A energia eliminada quando o corpo libertado da influncia das ferramentas, e actua como a fora motriz do fenmeno de retorno elstico. Este fenmeno pode ser definido como a diferena dimensional e de geometria entre a pea estampada e a geometria que lhe imposta pelas ferramentas antes da sua remoo. Deste modo, a geometria final do componente estampado depende no s da geometria das ferramentas de estampagem, mas tambm da energia de deformao elstica acumulada ao longo do processo de conformao. Um processo de estampagem como o descrito na Figura 1.1 envolve apenas uma etapa. Em funo da complexidade da geometria do componente pode ser necessrio recorrer a mais do que uma etapa para obter a geometria pretendida. A determinao do nmero de etapas necessrias uma das variveis mais importantes do projecto de um componente estampado. Este compreende diferentes fases. Numa primeira fase, definida a geometria do componente pretendido, deve avaliar-se a viabilidade da sua produo e

10

Captulo 1 Introduo

analisar possveis alteraes. A fase seguinte envolve a definio de eventuais restries ao projecto, como sejam: (i) propriedades do material e espessura inicial; (ii) qualidade e preciso desejadas; (iii) volume e cadncia da srie a produzir e (iv) caractersticas das mquinas ferramenta disponveis para a produo. Segue-se a fase de projecto e concepo das ferramentas de estampagem. Nesta, determina-se a geometria do esboo e o nmero de etapas necessrias para a produo do componente. Para cada etapa necessrio definir: (i) a geometria das ferramentas de estampagem; (ii) o recurso ou no ao cerra-chapas e o valor da fora aplicada; (iii) os parmetros tribolgicos e a necessidade de utilizao de freios e (iv) a capacidade da prensa.Puno Cerra-chapas Chapa raiopuno Matriz raiomatriz Matriz Cerra-chapas

Figura 1.1 Representao esquemtica do processo de estampagem.

O conjunto de parmetros tecnolgicos envolvidos e a complexidade inerente a esta tecnologia fez com que, durante muito tempo, fosse considerada como uma arte. Tal fica a dever-se, tambm, ao facto desta tecnologia depender dos conhecimentos associados experincia do projectista. O projecto de um componente estampado era, por isso, baseado num conjunto de regras empricas resultantes da experincia acumulada. Deste modo, era necessrio construir ferramentas-prottipo. Uma vez afinado o processo em laboratrio construam-se as ferramentas de estampagem e iniciavam-se os testes finais. Nesta fase, a introduo de alteraes s ferramentas e ao processo tornavam-se muito dispendiosas. Este procedimento de projecto, emprico, baseava-se em ciclos de tentativa-erro para obteno do conjunto de parmetros de processo que permitisse a realizao do componente dentro das especificaes de projecto. Apesar destas dificuldades, a estampagem uma tecnologia essencial na indstria moderna. A ttulo de exemplo os dados mundiais referentes ao ano 2000 indicam que foram processados por conformao por deformao plstica aproximadamente 310 milhes de toneladas de chapa de ao e 12 milhes de toneladas de chapa de alumnio. Estes valores correspondem a cerca de 35% do total da produo mundial de ao e alumnio [IISI 2004, CRU 2001]. Esta tecnologia utilizada para produzir um enorme conjunto de produtos, com uma vasta gama de aplicaes, na indstria automvel, electrnica, aeronutica, alimentar, construo, de fabricao de aparelhos domsticos ou de mquinas de uso geral, etc. A sua enorme capacidade de produo de componentes leves, com ndices de produtividade superiores aos de outras tecnologias, constitui a principal vantagem do processo de estampagem relativamente a outros processos tecnolgicos. As primeiras unidades de estampagem de produo em massa eram pouco flexveis, permitindo introduzir apenas pequenas variaes num mesmo produto. Nos anos 60 e 70

1.1 Enquadramento

11

desenvolveram-se as primeiras unidades de estampagem automticas. Aumentou-se a capacidade de produo e minimizou-se a mo-de-obra necessria. No entanto, estas unidades ainda se caracterizavam pela reduzida flexibilidade. Com a introduo, na dcada de 80, das tecnologias de informao e dos meios computacionais, as unidades de produo tornaram-se mais flexveis possibilitando a produo de diferentes geometrias apenas com pequenas alteraes nas ferramentas e condies do processo. Entretanto, o aumento das exigncias por parte dos consumidores, tanto em termos de qualidade como de diversidade, tem conduzido a indstria a produzir mais produtos, melhorando a qualidade e diminuindo os ciclos de vida, obrigando diminuio do tempo de projecto de cada novo produto. O desenvolvimento dos meios computacionais tornou possvel a simulao numrica do processo tecnolgico de estampagem de chapas metlicas. O recurso simulao numrica permite obter um grande nmero de solues de forma rpida, reduzindo o nmero de ensaios experimentais associados aos ciclos de tentativa-erro necessrios para a optimizao do processo. Alm disso, a introduo da simulao numrica como ferramenta de apoio ao projecto contribuiu para reduzir a componente emprica da concepo das ferramentas de estampagem. Com efeito, muitos dos avanos ocorridos na tecnologia de estampagem devem-se forma como a simulao numrica facilitou a anlise da influncia de algumas das variveis tecnolgicas fundamentais do processo, como por exemplo: (i) as propriedades mecnicas do material; (ii) as condies de lubrificao; (iii) os mecanismos de deformao, o escoamento do material e as foras envolvidas; (iv) a geometria das ferramentas e (v) a definio das tolerncias de fabrico e de aplicao. Em face destas enormes potencialidades, a simulao numrica do processo de estampagem imps-se como uma ferramenta indispensvel para a fase de concepo e projecto de componentes estampados, contribuindo de forma decisiva para a reduo de custos e de tempo de durao do projecto. Porm, devido ao enorme conjunto de parmetros tecnolgicos envolvidos, a optimizao do processo de estampagem depende ainda da experincia e de ciclos tentativa-erro, embora o recurso simulao numrica permita a realizao de um menor nmero de testes experimentais. Actualmente, depois de definida a geometria do componente, o projecto das ferramentas de estampagem e a definio das condies do processo so desenvolvidos com o auxlio da simulao numrica. A noo de projecto assistido por simulao numrica envolve o recurso a esta ferramenta em diferentes etapas do projecto. Definida a geometria do embutido pode recorrer-se simulao numrica para avaliar a viabilidade de produo do componente e propor eventuais alteraes sua geometria. Na fase de concepo de ferramentas e definio dos parmetros do processo pode recorrer-se simulao numrica para optimizar a geometria inicial do esboo, o nmero de etapas e a geometria das ferramentas para cada etapa. Aps a optimizao do processo de conformao, constroem-se as ferramentas e procede-se a testes iniciais. Se estes testes revelarem defeitos no embutido, recorre-se novamente simulao numrica, de modo a procurar uma soluo para minimizar os defeitos previstos. Depois do incio da fase de produo do componente, o recurso simulao numrica do processo pode ainda ser necessrio para avaliar a influncia, no sucesso da operao, de alteraes pontuais, como sejam pequenas correces ferramenta, etc. Actualmente, ainda inevitvel o recurso fase de testes experimentais das ferramentas para os ajustes finais (soldadura, polimento, etc.). Esta fase essencialmente executada com base na experincia dos tcnicos, sendo uma etapa muito dispendiosa [Im

12

Captulo 1 Introduo

1999]. Por exemplo, os ajustes finais das ferramentas para a produo de um painel de grandes dimenses da indstria automvel necessitam de um a dois meses. Os custos associados a esta fase de correco podem atingir 20% dos custos totais de produo das ferramentas [Hongzhi e Zhongqin 2000]. O desafio que se coloca simulao numrica do processo de estampagem que esta permita eliminar todas as fases de testes e correces das ferramentas reais [Makinouchi e Kawka 1994]. O processo de optimizao em ambiente virtual fortemente dependente da exactido dos resultados fornecidos pelo mtodo dos elementos finitos. Para isso necessrio garantir uma correcta caracterizao do comportamento do material bem como das condies do processo. Por outro lado, a correcta interpretao dos resultados exige ao utilizador do programa de simulao um bom conhecimento do processo tecnolgico que est a simular e um bom conhecimento dos mtodos e algoritmos numricos utilizados pelo programa [Ahmetoglu et al. 1994, Haar 1996]. O processo de estampagem de chapas metlicas pode ser caracterizado como um processo quasi-esttico ou dinmico, que envolve o contacto entre um corpo deformvel e um conjunto de ferramentas. O problema de contacto com atrito matematicamente caracterizado por condies de impenetrabilidade e de atrito. Os modelos matemticos que descrevem este problema envolvem sistemas de inequaes no-lineares, cuja resoluo no simples e requer conceitos matemticos complexos. S existem solues analticas para modelos muito simples, pelo que a sua aplicao a problemas reais muito limitada. O mtodo dos elementos finitos surgiu como a primeira ferramenta numrica disponvel para a resoluo de problemas de contacto com atrito que envolvem geometrias complexas [Francavilla e Zienkiewicz 1975, Hughes et al. 1976]. Para alm das no-linearidades resultantes do contacto e do fenmeno de atrito, a modelao matemtica de processos que envolvem grandes deformaes, como a estampagem, engloba outros dois grupos de no-linearidades. O primeiro grupo corresponde s no-linearidades geomtricas, resultantes da cinemtica do problema. O segundo resulta das no-linearidades materiais resultantes das leis constitutivas. Estas so geralmente associadas ao comportamento elastoplstico dos materiais. Deste modo, a resoluo deste tipo de problemas exige: (i) correcta modelao dos fenmenos; (ii) desenvolvimento de tcnicas numricas capazes de lidar com geometrias complexas; (iii) modelos para descrever o atrito nas superfcies, a deformao plstica de corpos em contacto, as grandes deformaes e o escorregamento entre corpos [Gontier 1994]. Esta enorme complexidade justifica o facto de, at meados dos anos 80, no existirem programas de clculo capazes de simular o processo de estampagem. O facto de actualmente muitos dos problemas associados simulao numrica deste processo estarem resolvidos, ou serem pelo menos melhor compreendidos, deve-se a um enorme esforo e investimento nesta rea de investigao. Tal esforo foi possvel devido enorme importncia deste processo de conformao plstica na economia dos pases industrializados. A enorme complexidade do problema tem levado a que o desenvolvimento da simulao numrica do processo de estampagem seja realizado em parceria pela indstria, universidades e centros de investigao. Outro factor que contribui para o estudo cooperativo a interdisciplinaridade associada ao problema, que engloba reas como a matemtica, fsica, materiais, mecnica dos slidos, mecnica dos fluidos, mecnica computacional, mtodos numricos, entre outras. Uma forma de constatar o enorme investimento na rea da simulao numrica do processo de estampagem analisar a evoluo da produo cientfica. O livro publicado

1.1 Enquadramento

13

sobre o processo de estampagem em 1978 [Koistinen e Wang 1978], com um total de 15 contribuies, apresentava apenas dois artigos sobre a anlise deste processo, com recurso ao mtodo dos elementos finitos. Nas conferncias NUMIFORM (International Conference on Numerical Methods in Industrial Forming Processes) de 1983 e 1986 surgem apenas trs e seis artigos nesta rea, respectivamente. Esta tendncia inverte-se definitivamente nas conferncias seguintes, com 25 artigos na conferncia NUMIFORM89 e 29 artigos na conferncia NUMIFORM92. Na primeira conferncia NUMISHEET (FE-simulation and 3-D Sheet Metal Forming Process in Automotive Industry), realizada em Zurique em 1991, foram apresentados 39 trabalhos dedicados simulao numrica do processo de estampagem. O trabalho cooperativo desenvolvido por diferentes instituies conduziu rpida passagem da simulao do processo de estampagem, dos laboratrios de investigao para a prtica industrial, ainda na primeira metade da dcada de 90 [Zhou e Wagoner 1995]. A segunda metade da dcada de 90 pauta-se por uma utilizao massiva dos programas de simulao numrica do processo de estampagem na indstria. O recurso simulao numrica do processo de estampagem centra-se em responder a questes associadas com a viabilidade do componente e a identificao de zonas crticas, ocorrncia de rotura ou defeitos. Para cada ciclo tentativa-erro procede-se simulao do processo para um determinado conjunto de parmetros tecnolgicos pr-definidos, de modo a analisar os resultados e determinar possveis alteraes. Deste modo, a aplicao do mtodo dos elementos finitos permite apenas retirar concluses acerca dos conjuntos de parmetros testados. O estudo da influncia dos diferentes parmetros tecnolgicos com o auxlio destes programas exige a realizao de um enorme conjunto de anlises, de modo a optimizar a sua combinao. Por esta razo, o factor tempo de computao crtico na avaliao de um programa de simulao numrica. Refira-se, a ttulo de exemplo, que o tempo total de uma simulao (incluindo a discretizao por elementos finitos, definio do processo, clculo e visualizao dos resultados), no caso de um painel frontal de um automvel, reduziu-se de 50 dias em 1990 para 15 dias em 1994. Actualmente, um caso como este pode ser analisado em menos de uma semana [El Khaldi e Lambriks 2002]. Esta reduo drstica deve-se em parte evoluo da tecnologia informtica e, principalmente, ao enorme investimento na optimizao dos algoritmos dos programas de simulao. A indstria automvel das que mais tem contribudo para o desenvolvimento da simulao numrica do processo de estampagem. Esta indstria actualmente confrontada com importantes desafios, para os quais a simulao numrica do processo de estampagem de chapas metlicas d um contributo decisivo. O design dos veculos automveis evoluiu, dando origem a concepes mais arrojadas, com superfcies de geometria complexa caracterizadas por bruscas variaes de curvatura. Devido s exigncias dos consumidores o ciclo de vida dos produtos cada vez mais reduzido. Estes dois aspectos comportam dificuldades acrescidas para o projecto de novos produtos. Por um lado, existe uma presso evidente na indstria automvel para a produo de veculos cada vez mais seguros e mais eficientes do ponto de vista energtico e ambiental. Por outro lado, a enorme quantidade de materiais disponveis implica uma correcta optimizao da sua aplicao, que passa obrigatoriamente por uma correcta modelao do seu comportamento mecnico e tribolgico [Sinou e Macquaire 2003]. A indstria automvel acordou com a Comisso da Unio Europeia uma reduo para um valor mdio de emisso de dixido de carbono inferior a 140 gramas por quilmetro

14

Captulo 1 Introduo

(correspondente a 6 litros de gasolina aos 100 quilmetros), at 2008. O cumprimento destes requisitos passa, obrigatoriamente, por construir automveis mais leves, mas que satisfaam as exigncias dos consumidores em termos de conforto, segurana, eficincia e custo. Para tal, necessrio recorrer a novos materiais como, por exemplo, as ligas de alumnio e os aos de elevada tenso limite de elasticidade. Deste modo possvel reduzir/controlar o peso, aumentando os nveis de segurana passiva. No entanto, a introduo de novos materiais reduz a base de experincia, criando novas dificuldades na concepo e desenvolvimento das ferramentas de estampagem. A conformao plstica dos novos materiais mais complexa, exigindo um nvel de preciso superior na definio dos parmetros tecnolgicos do processo. Tambm tm sido adoptadas inovaes ao nvel do processo tecnolgico que introduzem novos requisitos simulao do processo de estampagem. Por exemplo, a substituio da soldadura por pontos pela soldadura laser implica um maior controlo do fenmeno de retorno elstico uma vez que esta tecnologia de ligao exige tolerncias mais apertadas [El Khaldi e Lambriks 2002]. A optimizao baseada em tcnicas de tentativa-erro pouco precisa e dispendiosa pois exige a competncia de engenheiros qualificados, durante longos perodos de tempo. Neste sentido, tem havido um crescente interesse no desenvolvimento de procedimentos automticos de optimizao do processo de estampagem. As tentativas de desenvolver uma ferramenta numrica que permita determinar automaticamente os parmetros tecnolgicos ptimos, tem seguido essencialmente duas estratgias: (i) a anlise de sensibilidades e (ii) os algoritmos de optimizao. Devido ao reduzido tempo de clculo os mtodos inversos 1 tm sido preferidos nesta rea, em detrimento dos mtodos incrementais. A essncia dos mtodos inversos a simplificao dos fenmenos fsicos, associados ao processo de estampagem. Neste tipo de anlise, admite-se apenas como conhecida a geometria final do componente pretendido, de modo a obter a geometria inicial num tempo de clculo muito reduzido. Os mtodos inversos podem ser combinados com diferentes algoritmos de optimizao, de acordo com a funo objectivo pretendida como, por exemplo: (i) a optimizao da sequncia de estampagem, de modo a garantir uma pea final com uma espessura o mais uniforme possvel; (ii) a optimizao do esboo, de modo a minimizar o retorno elstico; (iii) a optimizao do posicionamento e geometria dos freios, etc. [Batoz et al. 2000]. Os parmetros tecnolgicos ptimos do processo so determinados com a minimizao da funo objectivo, que sujeita a um determinado nmero de restries. Um passo essencial para assegurar uma fase de teste das ferramentas completamente virtual garantir que a simulao numrica preveja efectivamente os defeitos de estampagem, em particular os defeitos geomtricos. A melhoria da capacidade dos programas de simulao, na previso de defeitos geomtricos, conduzir a redues no tempo de desenvolvimento, que beneficiaro todas as indstrias que recorrem s tecnologias de conformao plstica. Permitir tambm, introduzir mais facilmente na produo industrial novos materiais ou chapas mais finas, contribuindo para a reduo de desperdcios de matrias-primas e de consumo energtico [Col 2001]. Actualmente, a simulao numrica do processo de estampagem permite prever a ocorrncia de defeitos como a ruptura ou a formao de rugas, mas outros defeitos geomtricos como o abaulamento, o empeno, as orelhas de estampagem e em particular os resultantes do fenmeno de retorno elstico, so ainda difceis de prever1

Do Ingls: Inverse Approach (One step methods).

1.1 Enquadramento

15

numericamente, pelo menos dentro de tempos de computao considerados razoveis em termos industriais [Kawka et al. 2001]. De facto, um dos aspectos que mais tem contribudo para dificultar a concepo virtual do componente estampado o fenmeno de retorno elstico. Em teoria, o processo de estampagem uma operao simples, em que uma chapa deformada plasticamente para obter uma geometria no planificvel. Na prtica, inevitveis flutuaes nas dimenses do esboo, nas propriedades do material, nas condies de lubrificao e mesmo nas condies ambientais, tornam difcil a reprodutibilidade e previso, deste tipo de processos. Para alm disso, o fenmeno de retorno elstico contribui fortemente para dificultar a optimizao das ferramentas de estampagem. Como a quantidade de energia de deformao elstica acumulada depende de inmeros parmetros, o retorno elstico um fenmeno difcil de quantificar. A concepo final da geometria das ferramentas passa, obrigatoriamente, pela construo de prottipos que so iterativamente corrigidos. Na indstria automvel, como resultado da incorrecta previso do retorno elstico, a concepo de uma ferramenta pode envolver entre 5 a 10 iteraes para obter uma geometria satisfatria [Narasimhan e Lovell 1999]. O retorno elstico tem sido alvo de intenso estudo nas ltimas trs dcadas, tendo sido inicialmente estudado analiticamente para geometrias simples. O recurso simulao numrica do processo de estampagem introduziu um maior conhecimento sobre o enorme conjunto de parmetros que o influenciam, mas ainda no permite simplificar e esclarecer devidamente a sua anlise. A constante preocupao na avaliao de defeitos geomtricos, em particular do retorno elstico, bem patente na anlise dos casos de estudo propostos ao longo das vrias conferncias NUMISHEET (International Conference and Workshop on Numerical Simulation of 3-D Sheet Forming Processes). Estes casos de estudo tm por objectivo avaliar o estado de arte, atravs da comparao entre resultados numricos e experimentais, obtidos por diferentes instituies de todo o mundo. Nos casos de estudo propostos na conferncia de 1993 pretendia-se avaliar a capacidade dos programas de simulao numrica de prever: (i) o retorno elstico bidimensional (Benchmark 2D Bending Problem); (ii) a ocorrncia de defeitos geomtricos do tipo rugas (Benchmark Square Cup) e (iii) a formabilidade para uma geometria complexa (Benchmark Front Fender). Na conferncia de 2002 foram igualmente propostos trs casos de estudo que pretendiam aferir a capacidade dos mtodos numricos na avaliao: (i) da influncia da descrio do comportamento anisotrpico e a formao de rugas no embutido (Benchmark Test A: Deep Drawing of a Cylindrical Cup); (ii) da evoluo das zonas de contacto e do retorno elstico (Benchmark Test B: Unconstrained Cylindrical Bending) e (iii) dos resultados associados a multi-processos (estampagem, corte, conformao da flange e retorno elstico) (Benchmark Test C: Forming of Front Fender). A anlise dos resultados dos casos de estudo propostos nas conferncias NUMISHEET, reflecte os desafios actuais que se colocam simulao numrica do processo de estampagem. As primeiras conferncias caracterizaram-se por uma disperso dos resultados numricos, em consequncia da imaturidade das diferentes formulaes e estratgias adoptadas. Com a contnua evoluo dos programas de simulao esta disperso reduziu-se enormemente. Para ilustrar este facto apresentam-se na Figura 1.2 e na Figura 1.3 os resultados de deslizamento de uma aba de dois casos de estudo propostos nas conferncias NUMISHEET em 1999 e 2002, respectivamente.

16

Captulo 1 Introduo

Deslizamento da aba [mm]

30 25 20 15 10 5 0

Banda de Resultados Experimentais

ABAQUS/Explicit (Ohio State Univ.) AUTOFORM (DECAD) DIEKA (Twente Univ.) FORMSYS-SHEET (Korea LG) LS-DYNA (DaimhlerChrysler Corp.) SHEET-3 (Ohio State Univ.)

ABAQUS/Explicit (Beijing Univ.) CASHE (Korean Adv. Inst. Science Tech.) ESFORM II (Seoul National Univ.) ITAS3D (Osaka Inst. Tech.) LS-DYNA (Volvo Car Corp.)

Figura 1.2 Deslizamento da aba na direco que faz um ngulo de 90 com a direco de laminagem, para um ao macio: resultados obtidos para o Benchmark B1: Limiting Drawing Height of a Cilyndrical Cup [NUMISHEET99].Banda de Resultados Experimentais

Deslizamento da aba [mm]

16 14 12 10 8 6 4 2

0 ABAQUS/Explicit (Metz Univ.) ABAQUS (Ohio State Univ.) DD3IMP (Coimbra Univ.) DIEKA (Twente Univ.) ITAS3D (Inst. Phys. Chem. Research) LS-DYNA (Rouge Steel Comp.) OPTRIS (Indian Inst. Tech.) PAM-STAMP (General Motors Corp.)

ABAQUS/Explicit (Hibbitt, Karlsson&Sorensen) AUTORFORM (CORUS RD&Tech.) DIEKA (CORUS RD&Tech.) HYPERFORM (Altair Engineering) LS-DYNA (Kettering Univ.) LS-DYNA (General Motors Corp.) PAM-STAMP (Beijing Univ.) SHEET-3 (Ohio State Univ.)

Figura 1.3 Deslizamento da aba na direco que faz para um ngulo de 90 com a direco de laminagem, para um ao macio: resultados obtidos para o Benchmark Test A: Deep Drawing of a Cylindrical Cup [NUMISHEET02].

Um pormenor a realar nestas duas figuras refere-se ao aumento do nmero de participantes nos casos de estudo (da conferncia de 1999 para a de 2002), acompanhado por uma reduo do nmero efectivo de programas de simulao. Tal tendncia uma consequncia da globalizao, mas tambm resulta da crescente necessidade de programas que permitam a simulao de operaes complexas, envolvendo vrias fases de conformao, corte, conformao da flange, retorno elstico, etc. A ttulo de exemplo,

1.1 Enquadramento

17

aps a realizao da conferncia de 2002 assistiu-se fuso dos programas comerciais OPTRIS e PAM-STAMP, o que conduziu ao aparecimento do programa PAM-STAMP 2G. O empenho dos participantes na apresentao de resultados rigorosos conduz ao recurso a parmetros numricos que distanciam os casos de estudo da prtica industrial, na utilizao dos programas de simulao [Makinouchi 1996]. No entanto, as pequenas variaes obtidas para o mesmo programa de simulao numrica do processo de estampagem, permitem constatar a influncia do parmetro utilizador. Nas figuras anteriores constata-se que a reduo da disperso dos resultados numricos tornou evidente a disperso dos resultados experimentais, obtidos pelas diversas instituies participantes. Apesar dos programas utilizados recorrerem a formulaes e estratgias numricas distintas difcil avaliar a robustez de cada proposta, uma vez que a banda de resultados experimentais abrange todos os resultados numricos. Este facto impossibilita a comparao de estratgias e dificulta a determinao das vantagens reais das melhorias introduzidas na modelao do processo. Das sucessivas conferncias NUMISHEET realizadas, tornou-se evidente a necessidade de reunir um conjunto de resultados experimentais cuidados e precisos para conseguir avaliar a eficincia dos programas de simulao numrica de estampagem. Este foi um dos propsitos estabelecidos para o projecto de investigao 3DS (acrnimo de Digital Die Design System), projecto integrado no programa mundial IMS (Industrial Manufacturing System). A relevncia e impacto econmico dos objectivos definidos para o projecto 3DS justificam o nmero e tipo de parceiros envolvidos, realando os desafios com que se confronta a simulao numrica do processo de estampagem de chapas metlicas. Este projecto reuniu um total de vinte parceiros: (i) sete universidades e institutos de investigao; (ii) parceiros da indstria automvel (DaimlerChrysler, Volvo, Renault e Nissan); (iii) produtores de ao e alumnio (Sollac-Arcelor, Cockerill Sambre e Pechiney); (iv) empresas dedicadas ao projecto e fabrico de ferramentas de estampagem (por exemplo, Tsubamex, Press Kogyo e Comau-UTS) e (v) empresas dedicadas ao desenvolvimento de programas de simulao (ESI Group, Autoform Engineering GmbH e Famotik). Um dos parceiros institucionais do projecto 3DS foi a Universidade de Coimbra, integrada na rea de desenvolvimento de programas de simulao do processo de estampagem, com o programa DD3IMP (contraco de Deep Drawing 3D IMPlicit code). As trs reas de aco definidas para o projecto 3DS foram as seguintes: (i) avaliao e melhoria da capacidade dos programas de simulao numrica em prever defeitos geomtricos; (ii) identificao e seleco dos modelos constitutivos para a descrio do comportamento mecnico e tribolgico dos materiais e (iii) desenvolvimento de uma metodologia robusta para avaliao dos defeitos geomtricos. Para cumprir os objectivos da primeira rea de aco definiram-se oito geometrias representativas do tipo de defeitos tpicos do processo de estampagem: cinco perfis, um painel e duas peas axissimtricas (ver Figura 1.4). Cada geometria foi testada com cinco materiais diferentes, de utilizao corrente na indstria automvel: duas ligas de alumnio (uma da srie 5000 e outra da srie 6000) e trs aos (um ao macio, um ao de alta resistncia e um ao dual-phase1). Os ensaios experimentais foram realizados por vrios laboratrios diferentes, com condies de processo muito bem definidas de modo a1

Adopta-se a expresso em ingls uma vez que a sua traduo no consensual.

18

Captulo 1 Introduo

garantir a obteno reprodutibilidade.

de

resultados

experimentais

de

referncia

de

elevada

Perfil#1Retorno elstico bi-dimensional

Perfil#2Retorno elstico tri-dimensional

Perfil#3Abaulamento

Perfil#4Empenamento

Perfil#5Todos os tipos de defeitos

Painel#6Defleco da Superfcie

Cilndrico#7Orelhas de Estampagem e rugas

Cilndrico#8Relao limite de embutidura

Figura 1.4 Geometrias definidas no mbito do projecto 3DS para avaliao dos diferentes tipos de defeitos geomtricos associados ao processo tecnolgico de estampagem de chapas metlicas.

A segunda rea envolveu a caracterizao do comportamento mecnico e tribolgico dos materiais utilizados. Seleccionaram-se os modelos constitutivos mais relevantes e realizaram-se os ensaios mecnicos para identificao dos parmetros constitutivos [LPMTM 2001]. Em relao caracterizao tribolgica, realizou-se um vasto conjunto de ensaios experimentais para a determinao dos coeficientes de atrito a utilizar nas simulaes [Wouters et al. 2002]. A terceira rea procurou responder dificuldade em quantificar as diferenas entre a geometria pretendida e a obtida experimentalmente ou por simulao. Devido dificuldade em definir de modo claro e simples os defeitos de estampagem, no existe uma forma sistemtica para a sua quantificao e representao. Numa tentativa de colmatar este problema foi desenvolvido, no mbito do projecto 3DS, um programa de avaliao e quantificao de defeitos de estampagem, denominado NXT Post Processor II. A base deste programa a comparao da superfcie obtida, no final do processo de estampagem, com a superfcie ideal de CAD pretendida (superfcie nominal) [Kase et al. 1999]. Os defeitos de forma so avaliados comparando a superfcies nominal e efectiva. A superfcie efectiva resulta da medio da pea obtida experimentalmente ou por simulao numrica. Na Figura 1.5 apresenta-se um exemplo de aplicao deste programa na anlise do retorno elstico previsto para o Perfil #2 definido na Figura 1.4.

1.1 Enquadramento

19

Distncia [mm]11.1608 8.9379 6.7078 4.4777 2.2476

Superfcie CAD

0.0175

Figura 1.5 Exemplo de utilizao do programa NXT Post Processor II para avaliao do retorno elstico para o Perfil#2. A figura traduz a sobreposio da superfcie nominal (CAD) com a superfcie efectiva, obtida, neste caso, por simulao numrica.

1.2 ObjectivosA aplicao do mtodo dos elementos finitos simulao numrica do processo de estampagem de chapas metlicas evoluiu de modo significativo no decorrer dos ltimos anos. No entanto, como se procurou realar na seco anterior, existem velhos e novos desafios a superar. A maioria dos componentes cientficos necessrios para elaborar um programa de simulao de processos de conformao plstica necessitam de melhoramentos, de modo a aumentar a preciso e robustez do programa, reduzir o tempo de computao e as exigncias em termos de memria necessria. Neste contexto, a anlise do contacto com atrito um elemento fulcral. O problema do contacto com atrito , ainda, um dos de mais difcil resoluo, em particular em modelos tridimensionais, em que o escorregamento relativo entre as duas superfcies pode ocorrer em vrias direces. Este tipo de problemas caracterizado por descontinuidades geomtricas e materiais na interface dos corpos em contacto, conduzindo a modelos no-lineares e muitas vezes descontnuos. A soluo destes problemas envolve a utilizao de mtodos numricos eficazes para a resoluo de inequaes variacionais e problemas de minimizao sujeitos a restries. Na maioria dos processos de conformao plstica o contacto entre as ferramentas e o corpo deformvel pode representar uma limitao ao processo, mas tambm a possibilidade de optimizar a sequncia de conformao. Esta a razo do enorme esforo que tem sido dispendido nesta rea de investigao, na tentativa de determinar de modo correcto as interaces devidas ao contacto com atrito. A razo para que se continue a investigar a resoluo de problemas de contacto com o auxlio do mtodo dos elementos finitos reside no facto de, actualmente, no existir um mtodo suficientemente verstil para que aplicado aos diferentes tipos de problemas em anlise, seja sempre eficaz, ptimo e de fcil utilizao. Para obter esse mtodo de resoluo, necessrio garantir que: (i) as restries associadas ao contacto sejam sempre satisfeitas, independentemente da geometria das superfcies e das condies da anlise; (ii) ele seja independente de parmetros pr-definidos pelo utilizador e (iii) obedea a certas condies matemticas fundamentais como sejam a convergncia e estabilidade da soluo. Com este trabalho pretende-se contribuir para o melhoramento dos modelos e algoritmos utilizados no tratamento e gesto do contacto com atrito. Neste contexto ao longo do trabalho foram exploradas quatro reas distintas: (i) a descrio das ferramentas;

20

Captulo 1 Introduo

(ii) o algoritmo de deteco de contacto; (iii) o mtodo de regularizao do problema de contacto com atrito e (iv) o modelo de atrito. A definio dos objectivos deste trabalho compreende, igualmente, aspectos globais que contribuem para o aumento da robustez e eficincia numrica dos programas de simulao, essencial para ultrapassar as fortes no-linearidades do modelo mecnico e do problema de contacto com atrito. Incluem ainda, aspectos relacionados com a optimizao da modelao mecnica do processo, de modo a garantir o rigor dos resultados obtidos. O trabalho est enquadrado no desenvolvimento do programa de simulao numrica DD3IMP, dedicado simulao numrica do processo de estampagem de chapas metlicas. Este programa o resultado da actividade de investigao do Grupo de Tecnologia do Departamento de Engenharia Mecnica da Universidade de Coimbra na rea da modelao e simulao numrica de processos de conformao por deformao plstica. Este grupo iniciou a sua actividade cientfica nesta rea em 1988, com o objectivo de desenvolver um programa que permitisse simular os diferentes fenmenos associados ao processo de estampagem. O programa DD3IMP nasce em 1993, alicerado numa srie de importantes contribuies cientficas, das quais se destacam Cao [1990], Ladreyt [1992], Heege [1992] e Menezes [1995].

1.3 O Programa DD3IMPO programa DD3IMP adopta uma formulao lagrangeana reactualizada, que a mais apropriada para lidar com as condies de fronteira evolutivas impostas pelo contacto com atrito. O modelo mecnico do programa baseia-se na teoria das grandes transformaes. A grande fiabilidade deste modelo tem permitido a introduo de aspectos como a anisotropia [Teodosiu e Genevois 1988, Doege e Seydel 1988], o encruamento cinemtico [Menezes et al. 2002] ou mesmo modelos de encruamento baseados na microestrutura dos materiais [Chaparro et al. 2004]. O programa DD3IMP apoia-se numa formulao quasi-esttica. Assim, as equaes de equilbrio no contemplam quaisquer termos de inrcia. O equilbrio da estrutura em qualquer instante de clculo garantido atravs da utilizao de um algoritmo de integrao temporal implcito. Para definir as condies de fronteira, associadas ao processo de conformao plstica, necessrio determinar a superfcie de contacto com as ferramentas. Para avaliar a superfcie de contacto em cada instante, recorre-se s condies de Signorini, que definem as restries impostas pelo contacto unilateral. Estas restries ao movimento traduzem-se, matematicamente, por desigualdades que actuam como constrangimentos para o problema de optimizao global. As desigualdades so difceis de tratar e contribuem para a forte no-linearidade do modelo, pelo que necessrio recorrer a mtodos numricos robustos para a sua resoluo. Na formulao implementada no programa DD3IMP recorre-se ao mtodo do lagrangeano aumentado que permite reformular o problema de optimizao, eliminando os constrangimentos [Alart e Curnier 1991]. O problema assim reformulado resolvido com um algoritmo de integrao temporal implcito, do tipo Newton-Raphson. O algoritmo implementado no programa DD3IMP, recorre a um nico ciclo iterativo para resolver as no-linearidades resultantes do comportamento elastoplstico do material e do contacto com atrito. A definio da geometria das ferramentas um aspecto muito importante na modelao do processo de estampagem. No programa DD3IMP tira-se partido do facto de as propriedades mecnicas do corpo deformvel e das ferramentas serem muito

1.3 O Programa DD3IMP

21

distintas. Deste modo, admissvel considerar que o contacto ocorre entre um corpo deformvel e um corpo rgido e, consequentemente, descrever as ferramentas com o auxlio de superfcies paramtricas. A geometria das ferramentas determinada directamente a partir de um sistema de CAD, o que permite minimizar as etapas necessrias sua definio. A biblioteca de elementos finitos do programa DD3IMP contm elementos finitos slidos, combinados com diferentes algoritmos de integrao espacial [Menezes 1995, Alves e Menezes 2001]. Estes elementos finitos permitem o tratamento do contacto simultneo nas duas faces sem ser necessrio recorrer a quaisquer artifcios. Os elementos finitos slidos permitem tambm calcular, sem recurso a nenhuma estratgia especfica, os gradientes de tenso em espessura bem como a evoluo de espessura da chapa ao longo do processo, sendo possvel prever e visualizar instabilidades, como o aparecimento de estrico localizada [Menezes et al. 1991, Teodosiu et al. 1995]. Desde a sua gnese que a estrutura do programa DD3IMP apresenta uma concepo modular, que torna possvel a optimizao independente dos diferentes algoritmos utilizados e confere ao programa uma grande versatilidade. Esta estrutura permite a fcil introduo de novas leis de comportamento ou de contacto com atrito, de outros elementos finitos ou mesmo de outras estruturas algortmicas, como mtodos de resoluo de sistemas, algoritmos de gesto de contacto com atrito, etc. [Menezes 1995]. Esta versatilidade do programa constitui um dos seus grandes trunfos, pois permite a sua utilizao como um laboratrio de ensaio para diferentes estratgias. De facto, o programa tem sido continuamente aditado com novas estratgias numricas [Menezes e Teodosiu 2000], novas leis de comportamento [Alves 2003], novas leis e estratgias de gesto de contacto com atrito [Oliveira et al. 2003]. O contnuo desenvolvimento do programa DD3IMP conduziu igualmente ao aparecimento de novos programas com o objectivo de o apoiar em diferentes reas, dando assim origem famlia de programas DD3. Para alm do programa DD3IMP, esta famlia integra actualmente os programas DD3MAT (Deep Drawing 3D MATerials parameters identification), DD3OSS (Deep Drawing 3D One Step Springback), DD3LT (Deep Drawing 3D Learning and Teaching) e DD3TRIM (Deep Drawing 3D TRIMming). O programa DD3MAT foi desenvolvido com o objectivo de determinar os parmetros dos diferentes modelos constitutivos implementados no programa DD3IMP, a partir de resultados de ensaios mecnicos experimentais [Alves 2003, Alves et al. 2004]. O programa DD3OSS foi desenvolvido para simular as fases de retorno elstico num s incremento. Devido s suas enormes vantagens em termos de tempo de clculo, funciona, actualmente, de forma completamente integrada no programa DD3IMP [Alves 2003, Oliveira et al. 2003a]. Um dos desafios que surge para o desenvolvimento da mecnica computacional o seu ensino de forma atractiva nova gerao de engenheiros [Bathe 2004]. Neste contexto desenvolveu-se o programa DD3LT, que procura responder a este desafio e, ao mesmo tempo, alertar os estudantes de engenharia para os problemas associados utilizao menos avisada dos programas de simulao [Menezes et al. 2004]. O programa DD3LT uma verso simplificada do programa DD3IMP, que procura colmatar as necessidades didcticas do ensino e da aprendizagem dos mtodos de produo virtual, associados s tecnologias de estampagem de chapas metlicas. O programa DD3TRIM foi desenvolvido para cortar malhas de elementos finitos, operao fundamental para poder simular multi-processos de conformao. Este

22

Captulo 1 Introduo

programa baseia-se num modelo numrico que envolve procedimentos de remoo de elementos, remalhagem, mapeamento das variveis de estado das zonas afectadas pelo corte, e reequilbrio do corpo deformvel aps a operao de corte [Baptista et al. 2004].

1.4 Guia de LeituraNesta dissertao enquadram-se os desenvolvimentos introduzidos no programa de simulao de processos de conformao de chapa DD3IMP, em particular os referentes gesto do problema de contacto com atrito. Para facilitar a leitura, apresenta-se aqui um resumo da estrutura deste texto. Captulo 1 Enquadra-se o problema da simulao numrica do processo de estampagem, dando nfase a aspectos tais como, os desafios tecnolgicos e o interesse industrial. Definem-se e justificam-se os objectivos estabelecidos para o trabalho desenvolvido no mbito desta tese. Captulo 2 Detalham-se as noes tericas associadas modelao mecnica dos processos de conformao por deformao plstica de materiais metlicos. Apresenta-se a descrio cinemtica do problema em grandes transformaes e formula-se a lei de comportamento elastoplstica. Enunciam-se as leis de encruamento e os critrios de plasticidade fenomenolgicos disponveis no programa DD3IMP. Descrevem-se as equaes de equilbrio do corpo deformvel, associadas formulao quasi-esttica e as condies de fronteira clssicas. Formula-se o problema clssico de equilbrio do corpo deformvel. Enunciam-se as bases tericas da formulao contnua do problema de contacto com atrito e descrevem-se as variveis cinemticas e estticas que definem a interaco entre os corpos. Apresenta-se a formulao variacional do problema de contacto com atrito. Captulo 3 Introduzem-se as tcnicas de discretizao temporal e espacial adoptadas no programa DD3IMP. Em termos de integrao temporal, apresenta-se o esquema de integrao implcita, associado formulao quasi-esttica. Descreve-se o algoritmo iterativo de Newton-Raphson, implementado no programa, evidenciando as duas fases que o compem: (i) a Previso e (ii) a Correco. Descreve-se o algoritmo de integrao da lei de comportamento elastoplstica do material. Na seco dedicada discretizao espacial apresenta-se a biblioteca de elementos finitos e de mtodos de integrao utilizados no programa DD3IMP. Descreve-se a formulao do sistema de equaes lineares resultante da discretizao espacial do princpio das potncias virtuais. Captulo 4 Apresentam-se os algoritmos de deteco de contacto que tm por base a descrio das ferramentas por superfcies paramtricas do tipo Bzier. Descrevem-se os algoritmos de pr-seleco das superfcies candidatas ao contacto. Discutem-se os resultados obtidos pelas diferentes estratgias na simulao numrica da conformao de um perfil curvo, bem como a sua influncia no comportamento do algoritmo de deteco de contacto. Avalia-se o erro cometido pela utilizao de superfcies de Bzier na descrio das superfcies das ferramentas. Captulo 5 Discutem-se alguns dos mtodos mais utilizados para impor a condio de impenetrabilidade e a condio de contacto com atrito no mbito do mtodo dos elementos finitos, nomeadamente multiplicadores de Lagrange, penalidade,

1.4 Guia de Leitura

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lagrangeano perturbado e mtodo de barreira. Apresenta-se o mtodo do lagrangeano aumentado, utilizado na regularizao do problema de contacto com atrito. Descreve-se a formulao variacional do problema de contacto com atrito que traduz um problema de optimizao, sujeito a constrangimentos. Desenvolvem-se as matrizes tangentes associadas a cada estatuto de contacto. Apresenta-se o sistema de equaes lineares global resultante da aplicao do mtodo de Newton-Raphson e da linearizao e discretizao do princpio variacional. Descreve-se o tratamento e reduo associados construo de um sistema de equaes lineares global reduzido, cujas incgnitas so apenas os deslocamentos, bem como o mtodo utilizado na sua resoluo. No final, tecem-se alguns comentrios acerca da convergncia do mtodo iterativo utilizado. Captulo 6 Optimiza-se o parmetro de penalidade de modo a reduzir as instabilidades numricas associadas ao mtodo do lagrangeano aumentado e a minimizar a sensibilidade que a velocidade de convergncia do algoritmo implcito apresenta em relao a este parmetro. Para isso utilizam-se duas estratgias distintas. A primeira admite um nico parmetro de penalidade para controlar a condio de impenetrabilidade e de contacto com atrito. O seu valor no entanto varivel ao longo do processo iterativo, para cada n potencial de contacto. No mbito desta estratgia, discutem-se dois algoritmos para a seleco automtica do parmetro de penalidade varivel. Um baseia-se apenas na fora normal de contacto. O outro considera a fora e a distncia normais de contacto. A segunda estratgia admite parmetros de penalidade diferentes para controlar as restries associadas ao contacto unilateral e ao atrito. Esta hiptese obriga reformulao do operador de contacto com atrito e, consequentemente, do sistema de equaes lineares global reduzido. A eficincia dos algoritmos propostos testada no programa DD3IMP. Apresentam-se resultados referentes a um teste elementar, que considera um ensaio de compresso e um teste mais complexo, que corresponde conformao de uma taa quadrada. Captulo 7 Descreve-se uma lei emprica de evoluo do coeficiente de atrito bem como a sua implementao no programa DD3IMP. A lei de atrito evolutiva seleccionada considera como varivel interna a presso de contacto. Para o seu clculo necessrio avaliar a rea de contacto associada a cada n da malha de elementos finitos. Propem-se duas funes distintas para a determinao da rea de contacto. Avalia-se a influncia da lei de atrito evolutiva nos resultados numricos da conformao de um perfil U. Neste estudo analisam-se parmetros relacionados com as solicitaes mecnicas na fase de conformao, os perfis obtidos aps retorno elstico e a sensibilidade ao refinamento de malha e tempo de clculo. Captulo 8 Apresentam-se estudos numricos que evidenciam a importncia de uma correcta modelao das condies de processo da conformao real. Avalia-se a influncia da estratgia seleccionada para a simulao da fase de retorno elstico, recorrendo ao deslocamento ou remoo das ferramentas e descreve-se o programa DD3OSS. Analisa-se a definio das ferramentas a fora imposta, avaliando a influncia da sua distribuio e evoluo ao longo do processo de conformao, em parmetros como, por exemplo, a evoluo da fora do puno e a geometria final do componente. Realiza-se um estudo referente descrio do comportamento elastoplstico do material no qual se avaliam as diferenas induzidas em parmetros

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Captulo 1 Introduo

como as solicitaes mecnicas na fase de conformao, o retorno elstico e as tenses residuais. Analisa-se a influncia do deslocamento do puno, do valor da fora de aperto do cerra-chapas e da distribuio assimtrica da fora exercida pelo cerra-chapas, no nvel de retorno elstico obtido nas simulaes. Captulo 9 Apresentam-se as principais concluses resultantes dos diferentes estudos apresentados e discutidos ao longo da dissertao. Indicam-se algumas perspectivas de trabalho futuro. Incluem-se neste texto quatro anexos, nos quais se apresentam alguns desenvolvimentos matemticos relevantes. Anexo A Descreve-se a notao, nomenclatura e siglas utilizadas no presente trabalho. As definies so agrupadas em notaes algbricas, operadores e funes, sub-ndices e super-ndices, simbologia relacionada com a mecnica dos meios contnuos, com os modelos de comportamento e propriedades dos materiais, com a mecnica do contacto, com a descrio das ferramentas, com a discretizao em elementos finitos, com os mtodos numricos e, finalmente, faz-se a descrio de siglas e abreviaturas utilizadas. Anexo B Apresentam-se alguns desenvolvimentos matemticos associadas ao mtodo do lagrangeano aumentado. Estes conduzem determinao do operador de contacto com atrito e da matriz jacobiana, associada a cada estatuto de contacto. Descrevem-se os desenvolvimentos necessrios para a determinao do sistema de equaes lineares global misto e reduzido em funo do estatuto de contacto de cada n da malha de elementos finitos. Anexo C Detalha-se a aproximao utilizada na elaborao dos algoritmos de determinao automtica do parmetro de penalidade varivel, em cada n potencial de contacto. Anexo D Procede-se a desenvolvimentos idnticos aos apresentados no Anexo B, admitindo que o parmetro de penalidade que controla a condio de impenetrabilidade distinto do parmetro de penalidade que controla a condio de atrito. Esta distino impede o recurso a algumas simplificaes e introduz alguns termos suplementares no sistema de equaes lineares global reduzido. Anexo E Apresentam-se tabelas resumo de propriedades mecnicas dos materiais utilizados nas simulaes realizadas.

Captulo 2

Modelo MecnicoEquation Section (Next) Introduzem-se as noes tericas associadas modelao mecnica dos processos de conformao por deformao plstica de chapas metlicas. Apresenta-se a descrio cinemtica dos meios contnuos em grandes transformaes, adoptando uma formulao lagrangeana reactualizada e formula-se a lei de comportamento elastoplstica. Apresentam-se as bases tericas necessrias para a formulao contnua do problema de contacto com atrito. Introduzem-se as variveis cinemticas e estticas que permitem a definio das leis de contacto e de atrito. Descreve-se a formulao variacional do problema de contacto com atrito.

2.1 EnquadramentoA simulao numrica de um processo de conformao por deformao plstica envolve a deformao macroscpica de um corpo deformvel, que geralmente considerado um meio contnuo. Para modelar a deformao de um meio contnuo necessrio estabelecer o conjunto de equaes que definem as relaes entre as diferentes variveis que influenciam a configurao do corpo deformvel. Esta configurao deve obedecer aos princpios de conservao de massa, energia e movimento caractersticos de todos os processos termo-mecnicos. O conjunto de equaes estabelece o modelo mecnico do problema. As equaes que o constituem podem ser divididas em dois grupos: (i) as equaes de equilbrio e condies de fronteira e (ii) as equaes que descrevem a lei de comportamento do material. O primeiro grupo garante o equilbrio do meio contnuo, compatvel com as condies de fronteira a que est sujeito. O segundo grupo estabelece a relao entre os estados de tenso e de deformao, associados configurao de equilbrio. Este grupo usualmente designado por modelo constitutivo do material. O modelo constitutivo caracteriza o comportamento do material sujeito a um determinado conjunto de condies de fronteira. No caso dos materiais metlicos a deformao pode ser dividida em duas fases distintas. A primeira fase corresponde a um comportamento linear entre a tenso e a deformao. A deformao designada por elstica uma vez que, eliminado o carregamento que a origina, a geometria inicial do corpo deformvel recuperada. A segunda fase caracterizada por ocorrer tambm deformao plstica (irreversvel) do material. No caso especfico das chapas metlicas, devido ao processo de laminagem a que so sujeitas durante a sua produo, o comportamento mecnico caracterizado pela anisotropia de propriedades. Este comportamento anisotrpico pode ser simplificado para ortotrpico, uma vez que a chapa apresenta trs planos de simetria de propriedades, mutuamente ortogonais em cada ponto material. O comportamento ortotrpico induz fenmenos especficos num processo de conformao por deformao plstica, pelo que a sua correcta modelao requer um

26

Captulo 2 Modelo Mecnico

modelo constitutivo do material que contemple este tipo de comportamento [Yoon et al. 1999, Geng e Wagoner 2002, Li et al. 2003]. Nos primeiros anos de utilizao do mtodo dos elementos finitos para a anlise de processos de conformao por deformao plstica, foi dado particular nfase a aspectos relacionados com a formulao e a eficincia computacional. medida que estes aspectos foram sendo melhor entendidos, e o mtodo utilizado num maior conjunto de aplicaes, comearam a surgir questes relacionadas com a validade e limitaes dos modelos constitutivos utilizados. Os ltimos anos tm sido profcuos no desenvolvimento de modelos constitutivos, mais ou menos complexos, que podem ser divididos em trs grupos distintos. O primeiro grupo constitudo pelos modelos fenomenolgicos. Estes baseiam-se na premissa de que o comportamento plstico do material pode ser descrito apenas com base em observaes macroscpicas. Os modelos fenomenolgicos recorrem a equaes analticas que aproximam curvas de comportamento determinadas a partir de resultados de ensaios experimentais. O segundo grupo contempla os modelos que tm por base os mecanismos de deformao plstica de monocristais. Estes modelos permitem avaliar o comportamento de um policristal escala macroscpica, atravs de relaes especficas de cada modelo. No entanto, os clculos envolvidos na passagem da escala microscpica para a macroscpica tornam a utilizao destes modelos nos programas de simulao numrica com elementos finitos muito dispendiosa, em termos de tempo de clculo. O terceiro grupo envolve a aproximao de uma funo analtica a resultados de ensaios experimentais, semelhana dos modelos fenomenolgicos. A diferena reside no facto de os vrios parmetros da funo de aproximao traduzirem a contribuio dos mecanismos de deformao microestruturais para o comportamento macroscpico do material [Hu et al. 1998]. Este grupo de modelos, normalmente designados por modelos microestruturais, permite combinar as vantagens dos dois anteriores. Ou seja, os parmetros da funo de aproximao podem ser determinados com o auxlio de resultados obtidos de ensaios experimentais e de modelos baseados nos mecanismos de deformao plstica de monocristais. Nessas circunstncias, os modelos microestruturais aplicados simulao de processos de conformao por deformao plstica conduzem ainda a tempos de clculo inaceitveis, apesar de serem substancialmente mais econmicos que os modelos baseados nos mecanismos de deformao de monocristais [Duchene et al. 2002]. Por esta razo, os modelos fenomenolgicos continuam a ser os modelos constitutivos mais utilizados na simulao numrica por elementos finitos de processos de conformao por deformao plstica, apesar das suas limitaes na descrio do comportamento elastoplstico dos materiais. A simulao numrica do processo de estampagem de chapas metlicas envolve, igualmente, a modelao do contacto que se estabelece entre a chapa metlica a conformar e as ferramentas. O fenmeno do contacto essencial para o estudo de sistemas compostos por corpos que interagem entre si. Os corpos entram ou no em contacto entre si em funo do seu movimento, mas nunca podem ocupar a mesma posio no espao. Esta condio de impenetrabilidade traduz-se, em termos de formulao matemtica, por desigualdades sobre as variveis que descrevem a interaco dos dois corpos em cada instante. A condio de impenetrabilidade uma condio unilateral, mais difcil de manipular matematicamente do que as condies bilaterais, que so traduzidas por igualdades. Associado condio de contacto surge o fenmeno fsico do atrito. Na simulao numrica do processo de estampagem de chapas metlicas este normalmente definido com a lei de atrito de Coulomb, qual esto igualmente associadas

2.1 Enquadramento

27

condies unilaterais. A noo de atrito seco, ou de Coulomb, baseado num nico coeficiente de atrito, traduz apenas de forma aproximada a complexidade deste fenmeno, que depende de variveis mais ou menos mensurveis (rugosidade, temperatura, presso, etc.). No entanto, permite descrever um vasto conjunto de situaes reais com o mnimo de informao [Alart 1993]. Os problemas que envolvem contacto com atrito so bastante complexos, quer do ponto de vista terico, quer do ponto de vista numrico. Caracterizam-se por descontinuidades geomtricas e materiais na interface onde se estabelece o contacto, no se observando a propriedade de continuidade, tradicional dos problemas de mecnica dos meios contnuos. Os problemas de contacto com atrito so intrinsecamente no-lineares, envolvendo inequaes variacionais e minimizao sujeita a constrangimentos. Neste contexto, podem ser identificadas duas questes distintas na modelao e simulao deste tipo de problemas. A primeira questo est relacionada com o desenvolvimento de um modelo mecnico e de uma formulao matemtica que caracterize o comportamento dos corpos em contacto, quando sujeitos a grandes deformaes e escorregamento. De modo a evitar a desproporo entre um tratamento sofisticado para o interior dos corpos e uma modelao grosseira para a interface onde se estabelece o contacto, essencial uma teoria consistente que integre o contacto com atrito na formulao clssica da mecnica dos meios contnuos. A segunda questo est relacionada com a resoluo matemtica do modelo estabelecido. O modelo deve ser desenvolvido de um ponto de vista contnuo, ou seja, as equaes que governam o problema para grandes deformaes devem ser estabelecidas sem ter em conta as tcnicas numricas utilizadas na sua resoluo. Por outro lado, a formulao desenvolvida deve ser vlida para duas ou trs dimenses, e independente da discretizao por elementos finitos [Pietrzak e Curnier 1999]. Para problemas elsticos, envolvendo pequenas deformaes, uma formulao rigorosa dos constrangimentos impostos pelo contacto pode ser encontrada, por exemplo, na monografia de [Kikuchi e Oden 1988]. Para problemas envolvendo grandes deformaes as primeiras formulaes contnuas do problema de contacto com atrito surgem com os trabalhos de [Alart e Curnier 1991, Simo e Laursen 1992]. Em suma, a modelao dos processos de conformao por deformao plstica, conduz a problemas bastante complexos, devido s nolinearidades das leis de comportamento, presena de grandes deformaes elastoplsticas e evoluo temporal das condies de contacto com atrito. O modelo mecnico dever ter em conta estes aspectos, de modo a garantir uma representao correcta do problema em estudo.

2.2 Mecnica dos Meios ContnuosA resoluo de um problema que envolve grandes deformaes passa por determinar a distribuio espacial e temporal das variveis que caracterizam o corpo deformvel. Isto , conhecida a configurao do corpo deformvel no instante inicial C0 , o objectivo determinar a configurao posterior C , associada a um instante t . Para descrever o movimento do corpo deformvel necessrio estabelecer as relaes cinemticas entre estas configuraes. Para isso, podem ser consideradas duas descries cinemticas. Na descrio euleriana, ou espacial, as nicas variveis independentes so a configurao corrente C , e o instante de tempo correspondente. Esta descrio particularmente apropriada para problemas estacionrios, uma vez que o observador ocupa uma posio fixa no espao. Em oposio, na descrio lagrangeana, o observador acompanha o

28

Captulo 2 Modelo Mecnico

movimento do material. Nesta descrio consideram-se variveis independentes a configurao inicial C0 e o instante de tempo t . Esta definio corresponde descrio lagrangeana total, que admite que a configurao inicial corresponde sempre ao instante de tempo em que teve incio o processo de deformao. Esta descrio revela-se apropriada para problemas no-estacionrios, mas em que ocorrem pequenas alteraes s condies de fronteira. Para problemas no-estacionrios caracterizados por fortes alteraes das condies de fronteira, recomenda-se o recurso descrio lagrangeana reactualizada. Nesta descrio actualiza-se sistematicamente a configurao inicial, de modo que a configurao final C , associada ao instante t , tida como configurao inicial para um instante de tempo posterior t + t . Por esta razo, na descrio lagrangeana reactualizada C0 designa-se por configurao de referncia. Na modelao do processo de estampagem de chapas metlicas opta-se por uma formulao lagrangeana reactualizada, uma vez que esta a mais apropriada para lidar com a evoluo das condies de contacto com atrito [Cao 1990]. O modelo mecnico baseia-se na teoria das grandes transformaes, de modo a contemplar as grandes deformaes e rotaes que ocorrem durante o processo.

2.2.1 Relaes CinemticasPara estabelecer as relaes cinemticas que descrevem o movimento do corpo deformvel considera-se que este ocupa, no instante de tempo t0 , uma regio do espao 0 . Este domnio espacial associa-se configurao de referncia, designada por C0 . Num instante posterior t , o corpo passa a ocupar um domnio espacial , associado a uma nova configurao C , denominada configurao corrente. Na configurao C0 qualquer ponto material A , pertencente ao corpo deformvel, definido pelo seu vector de posio, x 0 . Na configurao C o mesmo ponto tem um vector de posio x . Este vector depende da posio ocupada pelo ponto material na configurao de referncia e do instante de tempo, ou seja, x = x ( x 0 ,t ) . O deslocamento sofrido pelos pontos materiais que definem o corpo deformvel, da configurao C0 para a configurao C , descrito pelo campo vectorial de deslocamento u , tal que u = u ( x 0 ,t ) = x x 0 . (2.1) O campo de velocidades definido porx ( x 0 , t ) . (2.2) t O gradiente da transformao entre a configurao de referncia e a configurao corrente define-se do seguinte modo: v = x ( x0 , t ) = F= x ( x 0 , t ) u = +I. x 0 x 0

(2.3)

Este gradiente corresponde transformao finita de x 0 a x , isto , define o movimento local do meio contnuo e permite definir a deformao local, na vizinhana do ponto material. Ao campo de velocidades definido na equao (2.2) pode associar-se um gradiente de velocidade L , que definido porL= v x x x 0 = = = FF 1 . x x t x 0 t x

(2.4)

2.2 Mecnica dos Meios Contnuos

29

Como o corpo deformvel apresenta um comportamento elastoplstico, conveniente distinguir a contribuio elstica e plstica do gradiente da transformao, F . Para tal, define-se a uma nova configurao local, designada por configurao relaxada C R . Esta obtida a partir da configurao corrente C , por relaxao total das tenses de natureza elstica [Teodosiu 1989, Cao 1990]. A cada ponto material na configurao C R associa-se um vector de posio, designado por x R . Define-se ento a deformao elstica como a deformao de C em relao a C R , e a deformao plstica como a deformao de C R em relao a C0 , isto :dx = F e dx R

e

dx R = F p d x 0 .

(2.5)

Na expresso anterior F e e F p designam as componentes elstica e plstica do gradiente da transformao, respectivamente. A introduo da configurao relaxada C R , esquematizada na Figura 2.1, permite definir a decomposio multiplicativa do gradiente da transformao F , dada pela expressoF = F eF p .Configurao de referncia 0 C0 , x 0 , dx 0 X3 X2 Fp

(2.6)Configurao corrente C , x, dx Fe

F

R

C R , x R , dx R

X1

Configurao intermdia relaxada local

Figura 2.1 Representao esquemtica da decomposio multiplicativa do gradiente da transformao F nas suas partes elstica, F e , e plstica, F p .

O gradiente de velocidade L , definido na equao (2.4), pode ser igualmente decomposto em partes elstica e plstica:1 1 1 L = Le + Lp = F e F e + F eF p F p F e . (2.7) A componente elstica do gradiente da transformao pode ser decomposta numa rotao seguida de deformao, ou vice-versa. Esta decomposio, designada de polar, pode ser escrita na forma

F e = VR . (2.8) A decomposio polar define dois novos tensores. V um tensor de deformao simtrico definido positivo. R um tensor ortogonal de rotao elstica, ou seja, que verifica as seguintes propriedades R 1 = R T e det R = 1 . Na conformao por deformao plstica a frio de chapas metlicas admissvel considerar que a transformao elstica F e gera pequenas deformaes, quando comparadas com a unidade, embora possam ocorrer grandes rotaes [Cao 1990]. Com base nesta hiptese o tensor de deformao V pode ser decomposto do seguinte modo:

30

Captulo 2 Modelo Mecnico

V = I + e ,

em que

e

1.

(2.9)

e o tensor das deformaes elsticas. Introduzindo a decomposio polar enunciada em (2.8) na definio do gradiente da velocidade, dada pela equao (2.7), obtm-seLe = VV 1 + VRR T V 1 Lp = VRF p F p R T V 1 . e (2.10) Admitindo a hiptese da decomposio do tensor V , apresentada na expresso (2.9), e 2 desprezando em Lp os termos de ordem e , e em Le os termos de ordem e , resulta que1

Le = + RR T e (2.11) Lp = RF p F p R T . e a derivada temporal objectiva de , calculada com a velocidade associada rotao elstica R , ou seja: = e + e RR T RR T e . (2.12) O gradiente da velocidade L pode ser igualmente decomposto numa parte simtrica LS = D , designada velocidade de deformao, e numa parte anti-simtrica LA = W , correspondente velocidade de rotao, isto ,L = LS + LA = D + W ,

1

(2.13)

em que:

D = + R F pF p

(

1 S

)

RT

e

W = RR T + R F p F p

(

1 A

)

RT .

(2.14)

Para cada um dos tensores D e W podem distinguir-se as componentes elstica e plstica. A velocidade de deformao elstica ( De ) e plstica ( Dp ) , so definidas porDe =

e

Dp = R F p F p

A velocidade de rotao elstica ( W e ) e plstica ( W p ) so definidas por:W e = RR T

(

1 S

)R.T

(2.15)

e

W p = R F pF p

(

1 A

)

RT .

(2.16)

Na conformao de chapas metlicas finas admissvel considerar que as solicitaes de corte na direco perpendicular ao plano da chapa so pouco significativas [Teodosiu e Genevois 1988, Menezes 1995]. Esta hiptese permite assumir que a velocidade de rotao plstica desprezvel em relao velocidade de rotao elstica ( W p 0 ) . Assim, de acordo com as definies anteriores, a velocidade de rotao dada porW W e = RR T . (2.17) Consequentemente, a derivada temporal objectiva , reduz-se derivada objectiva de Jaumann de e , designada por J , e definida por J = e + e W W e . (2.18) A definio da velocidade de rotao, apresentada na expresso (2.17), permite avaliar a evoluo da rotao elstica com o tempo, atravs da expresso: R = ( W W p ) R WR .

(2.19)

Para quantificar a deformao recorre-se ao gradiente da transformao para definir o tensor C das deformaes de Cauchy-Green direita

2.2 Mecnica dos Meios Contnuos

31

C = FF T , (2.20) ou ao tensor E das deformaes de Green-Lagrange 1 1 (2.21) E = ( C I ) = FF T I . 2 2 Ambos os tensores permitem descrever a deformao do ponto material A , com base na configurao de referncia C0 .

(

)

2.2.2 Lei de Comportamento ElastoplsticaAs relaes cinemticas apresentadas na seco anterior permitem avaliar o estado de deformao da chapa metlica ao longo do processo de conformao. Porm, para simular o processo de conformao igualmente indispensvel estabelecer uma relao entre os estados de tenso e de deformao, ou seja, definir um modelo constitutivo. O modelo constitutivo elastoplstico adoptado assume o comportamento elstico como isotrpico e o plstico como anisotrpico. No caso especfico dos processos que envolvem grandes transformaes, como o caso da estampagem de chapas metlicas, a lei de comportamento deve ser invariante com a mudana do referencial de observao, ou seja, deve obedecer ao princpio da objectividade ou da indiferena material [Sidoroff 1981]. A extenso do formalismo de pequenas deformaes s grandes deformaes permite garantir a objectividade da lei de comportamento atravs da introduo de um referencial associado ao corpo em deformao, no qual se formula a lei de comportamento em pequenas deformaes. O princpio da objectividade ser satisfeito desde que a lei seja formulada no referencial associado configurao relaxada C R [Sidoroff 1981]. O tensor das tenses redefinido nesta configurao com o auxlio do tensor de rotao elstica R , atravs da operao de rotao seguinte: = R TR . (2.22) um tensor lagrangeano em termos da sua orientao, tendo como valores prprios as tenses principais, uma vez que resulta da rotao de [Menezes 1995]. Do mesmo modo, outros tensores podem ser rodados para a configurao relaxada. A rotao do tensor velocidade de deformao resulta em D = R T DR = De + Dp , (2.23) em que: De = = R T J R

e

1 Dp = F p F p

(

)

S

= F pF p .

1

(2.24)

Para descrever o comportamento elstico necessrio definir a lei que traduz a transformao entre a configurao relaxada C R e a configurao corrente C . Dado o carcter incremental da deformao plstica a lei de comportamento plstica deve ser formulada em velocidade. Para facilitar o acoplamento entre a componente plstica e a componente elstica prefervel recorrer a uma lei de comportamento hipoelstica, igualmente definida em termos de velocidades [Simo 1985]. Esta lei, escrita na configurao relaxada, tem a seguinte forma: = C e : De = C e : e . (2.25)

32

Captulo 2 Modelo Mecnico

Ce o tensor de quarta ordem das constantes elsticas, definido na configurao relaxada C R . Atendendo relao (2.18), a formulao hipoelstica da lei de comportamento de Hooke pode ser escrita na configurao corrente C como: J = Ce : J . J a derivada objectiva de Jaumann do tensor , definida como

(2.26)

J = + W W . (2.27) Atendendo a que se assume que o comportamento elstico isotrpico, o tensor das constantes elsticas resulta invariante com a rotao. Assim, vlida a relao Ce = Ce = I I + 2 I 4 . (2.28)

e so os coeficientes de Lam, I o tensor identidade de segunda ordem e I 4 o tensor identidade de quarta ordem, definido por I ijkl = 1 2 ( ik jl + il jk ) . O mdulo elstico pode ser reescrito como

Ce = Ce = 2G I 4 + I I , (2.29) 1 2 em que G o mdulo de elasticidade transversal e o coeficiente de Poisson. Para descrever o comportamento plstico necessrio definir: (i) uma lei de plasticidade; (ii) um critrio de plasticidade e (iii) uma lei de encruamento. O critrio de plasticidade e a lei de encruamento permitem a definio da superfcie de plasticidade ou limite de elasticidade. A superfcie de plasticidade define a condio de carregamento plstico com o auxlio de uma funo F , que depende da tenso equivalente e do estado de encruamento do material, Y . Assim, pode ser modelada atravs de uma funo F , tal que F ( , Y ) = Y = 0 . (2.30)A superfcie de plasticidade definida no espao das tenses, corresponde a todos os estados de tenso cuja tenso equivalente igual ao valor da tenso limite de elasticidade em traco uniaxial Y . A tenso limite de elasticidade em traco uniaxial (por vezes designada de tenso de escoamento em traco uniaxial) evolui com a histria da deformao. A evoluo da superfcie tal que o ponto representativo do carregamento sempre definido sobre ela. Este facto traduzido pela condio de coerncia, que impe que a derivada temporal de F seja nula, isto ,

F ( , Y ) = 0 .

(2.31)

A definio de tenso limite de elasticidade em traco uniaxial Y depende da lei de encruamento adoptada. Considere-se que a evoluo do encruamento isotrpico pode ser descrita com o auxlio de um parmetro escalar genrico h . Assim, a tenso limite de elasticidade uma funo do tipo Y = Y (h) . (2.32) A definio da tenso equivalente depende do critrio de plasticidade adoptado. No entanto, ser sempre funo do tensor das tenses efectivo X e dos parmetros de anisotropia, aqui designados genericamente por i . O tensor das tenses inversas1, X , um tensor de segunda ordem, simtrico e desviador. A sua definio depende da lei de1

Do Ingls: Back stress tensor.

2.2 Mecnica dos Meios Contnuos

33

encruamento cinemtico seleccionada. Atendendo condio de incompressibilidade plstica, pode considerar-se que o critrio de plasticidade depende apenas da componente desviadora do tensor , designada por . Assim, a tenso equivalente, , pode ser definida como uma funo destes parmetros, isto = ( X, i ) . (2.33) As chapas laminadas apresentam, geralmente, ortotropia plstica inicial. Admite-se que durante o processo de conformao o comportamento ortotrpico se mantm e que os eixos de ortotropia rodam com velocidade W . Atendendo hiptese de anulao da velocidade de rotao plstica (ve