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SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros ROSENDAHL, Z. O sagrado e sua dimensão política: territórios e territorialidades religiosas. In: Uma procissão na geografia (online). Rio de Janeiro: EDUERJ, 2018, pp. 335-385. ISBN 978-85-7511- 501-5. Available from: doi: 10.7476/9788575115015.0015. Also available in ePUB from: http://books.scielo.org/id/wy7ft/epub/rosendahl-9788575115015.epub. All the contents of this work, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution 4.0 International license. Todo o conteúdo deste trabalho, exceto quando houver ressalva, é publicado sob a licença Creative Commons Atribição 4.0. Todo el contenido de esta obra, excepto donde se indique lo contrario, está bajo licencia de la licencia Creative Commons Reconocimento 4.0. Tempo III - 2010 a 2017 - Política e religião (In)Tolerância Religiosa O sagrado e sua dimensão política: territórios e territorialidades religiosas Zeny Rosendahl

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SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros ROSENDAHL, Z. O sagrado e sua dimensão política: territórios e territorialidades religiosas. In: Uma procissão na geografia (online). Rio de Janeiro: EDUERJ, 2018, pp. 335-385. ISBN 978-85-7511-501-5. Available from: doi: 10.7476/9788575115015.0015. Also available in ePUB from: http://books.scielo.org/id/wy7ft/epub/rosendahl-9788575115015.epub.

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Todo o conteúdo deste trabalho, exceto quando houver ressalva, é publicado sob a licença Creative Commons Atribição 4.0.

Todo el contenido de esta obra, excepto donde se indique lo contrario, está bajo licencia de la licencia Creative Commons Reconocimento 4.0.

Tempo III - 2010 a 2017 - Política e religião (In)Tolerância Religiosa

O sagrado e sua dimensão política: territórios e territorialidades religiosas

Zeny Rosendahl

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o saGrado e sUa dimensão política: territórios e

territorialidades reliGiosas1

Os atos de renúncia do poder religioso marcaram o cenário mundial recentemente: Tenzin Gyatso, na época aos 76 anos, o 14º Dalai Lama, em uma decisão histórica, anun-cia oficialmente a intenção de ceder seu pa-pel político no governo do Tibete no exílio, na cidade indiana de Dharamsala, para um líder livremente eleito pelos tibetanos (Cen-tral Tibetan Administration, 2016). Trata-se de uma saída estratégica, ocorrida em 15 de março de 2011, tomada pelo Dalai Lama.

Joseph Aloisius Ratzinger, na época aos 86 anos, Papa Bento XVI, anunciou em Roma sua renúncia para 28 de fevereiro de 2013 (A Santa Sé, 2016), uma ação fortemente huma-na na figura do papa, que durante séculos esteve além do bem e do mal. A decisão do Papa Bento XVI representa um sopro de modernidade na instituição Igreja Católica Apostólica Romana.

Em ambas as renúncias, o simbolismo é muito pesado e poderoso, envolve dimensões

1 Versão revisada e atualizada de parte publicada originalmente com o título de “Territorialidade e religião” no livro Primeiro a obrigação, depois a devoção: estratégias espaciais da Igreja Católica no Brasil de 1500 a 2005. 2012a.

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espaciais de poder político, econômico e religioso. As renúncias de Dalai Lama (14º) e do Papa Bento XVI foram marcas de um movimento revolucionário da hierarquia religiosa e da dessacralização de um cargo escolhido, que só se abandona para passar ao reino dos céus. Trata-se de um cargo vi-talício de poder religioso em cada uma das religiões anteriormente citadas.

A reflexão acadêmica desses episódios narrados apresenta estratégias de dimensões políticas, econômicas e do lugar em que ocorrem no cenário mundial. O compor-tamento de (in)tolerância religiosa esteve presente no ato de renúncia em ambos os episódios: como base para tal estratégia e como consequência da ação de renunciar. Acrescenta-se, em nossa reflexão, que a ausência de equilíbrio da gestão religiosa ocorreu dentro das instituições religiosas e, portanto, no espaço geográfico qualitativa-mente forte, impregnado de sagrado.

A partir dos anos 1960, a abordagem política nos estudos religioso-geográficos realizados deixa de se ater apenas aos dados espaciais; sua ênfase está além das realida-des territoriais. Há lugares potencialmente fontes de conflitos. Nesses casos, as análises das categorias espaciais ganham relevância, e conceitos espaciais como lugar e território transformam-se em categorias fundamentais de ação estratégica na dinâmica política e econômica da sociedade. Nosso desejo é reconhecer e interpretar a dinâmica espacial das relações sociais que colocam em jogo efeitos do poder político, econômico e re-

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ligioso na sociedade brasileira. Perspectivas de interpretação da temática estudadas. Na geografia, os estudos clássicos de Paul Ficke-ler (1999) e David Sopher (1967); oferecem diferentes estruturas, processos, funções e formas de conhecer as relações entre política, economia e religião. Tais estudos foram expostos em artigos anteriores neste livro. Em nosso seguir adiante, neste texto, os conceitos de território e territorialidade religiosas serão abordados privilegiando a gênese dos territórios religiosos no Brasil de 1500-2005. Este texto será ilustrado em três períodos: a) 1551 a 1854; b) 1889 a 1930; e c) 1931 a 2005.

teRRitoRialidade Religiosa

Territorialidade e religião continuam a atrair o interesse de geógrafos culturais. Significados individuais e coletivos inter-pretados dentro de territórios e lugares específicos são contestados, ameaçados e revisados num contexto amplo de relações sociais e espirituais. Com o reconhecimento da distinção entre a territorialidade religiosa e a não religiosa, torna-se possível pensar numa ciência que se ocupa das relações entre território e religião. Essa reflexão é de suma importância para a possibilidade de entendimento do território a partir do modo pelo qual a religião dele se apropria, moldando-o de acordo com suas práticas religiosas. Práticas vivas e atuais, por in-

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termédio das quais se afirmam e vivem as identidades e os pertencimentos religiosos (Le Bossé, 2013).

Os estudos de territorialidade na geogra-fia vêm reafirmando as ideias elaboradas por Sack (1986). Territorialidade é definida como uma estratégia de controle sempre vincula-da ao contexto social na qual está inserida. A reflexão de Sack (1986), adequada às pre-tensões de nossa análise, é a dissociação de uma escala meramente espacial à territoriali-dade que nela se desenvolve. A territorialidade deve ser reconhecida, portanto, como uma ação individual, de grupo social ou institui-ção, na tentativa de influenciar ou controlar pessoas, fenômenos e relações, assegurando o controle sobre uma determinada área. Torna-se importante interpretar o fenômeno religioso nesse contexto, analisar a poderosa estratégia geográfica de controle de pessoas e coisas em territórios onde a religião se estru-tura enquanto instituição. A Igreja Católica Apostólica Romana representa, neste estudo, um modelo notável de instituição religiosa que possui exemplos complexos de efeitos territoriais. Diferentes períodos e contextos foram selecionados para ilustrar os desenvol-vimentos históricos mais importantes nos usos da territorialidade. Eles nos permitirão ver que alguns efeitos territoriais são universais, ocorrendo em diversos contextos históricos e em múltiplas organizações sociais. Outros efeitos são específicos de períodos do tempo e de organizações históricas particulares, notadamente no final do século XX. A Igreja Católica Apostólica Romana, durante a sua

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história, formou um sistema territorial hierár-quico e burocrático eficaz, que influenciou e ainda influencia as metas e a política de atuação dessa instituição religiosa. Por territo-rialidade religiosa, a geógrafa, numa reflexão cultural, entende como o conjunto de práticas desenvolvido por ação individual, grupo social ou uma instituição religiosa no sentido de controlar um determinado território religioso, onde o efeito do poder do sagrado reflete uma identidade de fé e um sentimento de propriedade mútuo (Rosendahl, 2001).

A Igreja Católica Apostólica Romana empreendeu, ao longo de sua história, im-portantes mudanças em sua relação espaço e territorialidade. A análise das possíveis vantagens e desvantagens ocorridas, nota-damente as que surgem em determinados períodos históricos, permite compreender a relação entre fé, espaço e tempo. Até o fim da Idade Média, a Igreja era mais adiantada que a maioria das instituições da época. Mas, desde o surgimento do mundo moderno, segmentos importantes da sua organização têm sido considerados conservadores, até mesmo arcaicos. A história da territorialida-de da instituição católica é bastante comple-xa. Reconhecer suas ações estratégicas não é tarefa fácil, pois o domínio de gestão do poder organizado hierarquicamente, bem como a estrutura administrativa peculiar e contínua, acrescida da permanência dos aspectos simbólicos em diferentes contextos e em diversas sociedades até os dias atuais, conferem à Igreja Católica Apostólica Roma-

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na uma atuação forte na criação e gestão de seus territórios (Rosendahl, 2001).

Nesse sentido, Sack (1986) e Raffestin (1980) discutem dois pontos qualitativa-mente fortes de territorialidade católica no mundo. Primeiro: focalizar mudanças na organização e no território estudado não significa considerar essas características como isoladas e quantificadas. Sack (1986) ressalta que os registros da Igreja Católica Apostólica Romana são vastos e não apresentam estudos que valorizem os critérios de organização espacial, nem dos efeitos territoriais ocorri-dos. O segundo ponto enfatiza a estrutura organizacional hierárquica, destacando os territórios episcopais. Não há dúvida de que se trata de uma qualidade importante de gestão da Igreja, mas deve-se lembrar de que a Igreja possui outras características em sua organização espacial. Por exemplo, destacam--se o clero e sua atuação: frequentemente o bispo e o pároco tendem a cuidar de seus paroquianos como um pai cuida dos filhos; considerando uma família cristã, as religiosas de variadas congregações são casadas com Cristo, são as irmãs na comunidade religio-sa. A vida na comunidade religiosa é uma vivência familiar, no sentido de habitar o mesmo lar.

Na realidade, essa ação estratégica da Igreja Católica Apostólica Romana, ao ser implantada, imprimiu marcas territoriais fortemente destinadas a orientar a fé católica no tempo-espaço, mas a visibilidade dessa organização espacial é perceptível, hoje, na elaboração de mapas relacionados às

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mudanças expressivas ocorridas na evolução social no Brasil (Élineau, 1999). Este texto prioriza alguns dos caminhos dessa reflexão no estudo da religião. Tal reflexão, neste momento, tem como finalidade colocar em evidência a ação da Igreja Católica no espaço brasileiro.

O conceito de território religioso, conceito-chave na geografia, foi considerado em nossa análise a partir das contribuições de Sack (1986), Souza (1995), Bonnemaison (2002), Rosendahl (1996, 2005) e Haesbaert (1999, 2009). O território constitui-se em um dado segmento do espaço, via de regra delimitado, que resulta da apropriação e controle por parte de um determinado agente social, um grupo humano, uma em-presa ou uma instituição como o Estado ou outra organização social. O território, além do caráter político, possui um nítido caráter cultural, especialmente quando os agentes sociais são grupos étnicos e religiosos, con-forme assinala Bonnemaison (2002). É por intermédio da paisagem cultural e de seus geossímbolos que a cultura de um grupo se inscreve no espaço. Nos tempos atuais, o território apresenta-se impregnado de signi-ficados, símbolos e imagens. A religião tem também os seus símbolos, que constituem marcas que identificam e delimitam um território religioso.

O território apresenta um arranjo es-pacial determinado, constituído por fixos e fluxos, possuindo funções e formas. Tudo isso constitui os meios por intermédio dos quais o território realiza efetivamente os papéis a

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ele atribuídos pelo agente social que o criou e o controla. Nas reflexões de Sack (1986), as autoridades da Igreja Católica afirmam que sua organização e sua hierarquia são partes sagradas e essenciais da Igreja e de sua missão. Os interesses estão refletidos na noção geral de que a Igreja Católica possui duas nature-zas. A primeira inclui o sistema abstrato da fé e dos valores encontrados nas escrituras sagradas. Essa natureza é chamada de Igreja Invisível. A segunda refere-se às instituições sociais da Igreja. Compreende seus membros, seus funcionários, suas regras e regulamen-tos, suas estruturas físicas e propriedades. A esta chamamos Igreja Visível, que inclui os templos, os cemitérios, os pequenos oratórios à beira da estrada, bem como os itinerários percorridos pelos peregrinos, que são, entre outros, os meios pelos quais o território é reconhecido e vivenciado.

A Igreja Católica Apostólica Romana vem mantendo uma unidade político-espa-cial. Estamos nos referindo aos territórios demarcados, onde o acesso é controlado e dentro dos quais a autoridade é exercida por um profissional religioso. O território religioso constitui-se de estruturas específicas, inclusive um modo de distribuição espacial e de gestão de espaço. Reconhecem-se três níveis político-administrativos hierárquicos de gestão do sagrado. O primeiro nível situa--se na sede oficial, no Vaticano. O segundo e o terceiro níveis são, respectivamente, a diocese e a paróquia. Em cada um desses territórios, a gestão administrativa da Igreja Católica corresponde ao poder na hierarquia

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territorial. Os sacerdotes têm jurisdição sobre a paróquia, os bispos sobre as dioceses, os arcebispos sobre as arquidioceses, e o papa sobre todas as unidades territoriais. É claro que a relação não é perfeita, nem todos os sacerdotes têm suas próprias paróquias. Neste texto, as paróquias e as dioceses serão objeto de nossa reflexão.

Pode-se dizer que, em uma perspectiva ampla, as relações de poder que se estabele-cem no território remontam às mais antigas civilizações, nas quais a dimensão espacial já era reconhecida como instrumento de extre-ma importância para a conquista, exercício e manutenção do poder. O conceito de ter-ritório proposto por Souza (1995) pode ser expresso na relação que desenvolve com as noções de espaço e tempo. Pode refletir que acontecimentos importantes induzem a uma transformação; mesmo que seja visto como recuo ou avanço, o território é modificado, aparecendo como o que melhor corresponde à afirmação do poder (Rosendahl, 2001). É justamente a não rigidez no tempo e no espaço a característica que garante a com-preensão das territorialidades. A organização interna dos territórios da Igreja é dinâmica, móvel no espaço. Assinala uma organização religiosa, porém ela é também uma institui-ção política e econômica. Esses dois papéis afetam as funções religiosas dentro dos territórios católicos e, em alguns casos, são geradores de conflitos.

A paróquia representa também, para seus paroquianos, um lugar simbólico onde cada habitante se insere em grandes questio-

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namentos e, na maioria dos casos, desenvolve uma forte identidade religiosa no lugar. As-sim, a paróquia é sempre como um território principal da vida das comunidades locais. Ela oferece um notável exemplo de “organização da vida social e íntima dos habitantes, pon-tuando o tempo cotidiano da comunidade” (Lecoquierre e Steck, 1999, p. 63).

Lecoquierre e Steck postulam que “a úl-tima e verdadeira unidade territorial de base da Igreja Católica é a diocese” (1999, p. 53). A diocese é evocada como território religioso verdadeiramente presente e atuante no pro-cesso de regulação e religiosidade católica. A referência primordial é a comunidade de crentes, que constitui o espaço de aproxima-ção entre o regional e o universal, isto é, entre as ações de controle pastoral regional e as ações na escala do mundo (Rosendahl, 2005). Lembremos que o território religioso assegura a vivência da fé e a vivência dos fiéis, afirmando, assim, sua identidade religiosa. São múltiplas as estratégias interligando religião e território. A dimensão política do sagrado, neste texto, objetiva investigar as funções e as formas espaciais adotadas por uma instituição religiosa. As estratégias de ação de poder continuam a ser múltiplas no espaço brasileiro.

No próximo item, serão exploradas as mudanças mais relevantes que ocorreram nas relações religião, território e territoria-lidade. Procura-se descrever e interpretar a política territorial resultante de estratégias utilizadas pela Igreja Católica no Brasil em seu processo de difusão da fé, considerando

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por que umas áreas e não outras surgem em contextos político-econômicos relevantes da história e da geografia no país.

diFusão espacial e constituição de teRRitó-Rios Religiosos de 1551 a 1854

Na ocupação do território brasileiro, a territorialidade da Igreja Católica caracteriza-va-se, ao final de três séculos de colonização e evangelização, por territórios amplos, mal ou nulamente delimitados, dotados de espo-rádicos e escassos meios de ação – em breve, superficialmente apropriados e controlados (Rosendahl e Corrêa, 2003). No Brasil, a fé católica foi introduzida oficialmente pelos portugueses, pela intervenção não só da Coroa, mas também das ordens religiosas. A ocupação do território brasileiro por parte dos portugueses foi desde o início, segundo Azzi (2005), considerada pelos jesuítas como elemento fundamental para o cumprimento de sua missão evangelizadora.

A vinda dos missionários, por exemplo, ocorreu por ordem da Coroa Portuguesa (Hoornaert, 1983), que, por meio de bulas papais, passou a ter a tarefa de impor a fé. A missão evangelizadora estava fortemen-te impregnada na ação de conversão de um único caminho da verdade e do bem. Os estudos de Hoornaert (1983), Azzi (2005) e outros autores registraram a finalidade úni-ca dos luso-católicos em território brasileiro: a expansão da fé católica ao povo autóctone

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e o sucesso do povoamento e do comércio. Beozzo (1983, p. 19) reflete o pensamento da Coroa quanto à propagação da fé e à conversão do gentio: “O principal fim que se manda povoar o Brasil é a redução do gentio à fé católica […] e convém atraí-los à paz, para o fim da propagação da fé e o aumento da povoação e comércio”. Os reis de Portugal possuíam a convicção bastante clara de que cabia a eles a missão de evangelizar as novas terras descobertas. A representação religiosa e política se aglutinava na conquista, posse e ocupação do território. Esse poder não emanava da qualidade do ser humano, sendo exercido por privilégio da escolha divina. “No reino lusitano, toda a concepção teológica da Cristandade surgiu solidamente ancorada na ideia da fundação divina da monarquia” (Azzi, 2005, p. 15). O poder real é, assim, considerado como um dom, uma graça divina, e o monarca impregnado da graça de Deus deve, enfim, ocupar a chefia política e religiosa sobre o seu povo no terri-tório e nas novas terras descobertas. Durante os séculos XVI e XVII, os portugueses esti-veram fortemente marcados na unidade da fé católica e no poder do império. Caberia ao povo português conservar e expandir a fé, pois era o povo eleito, isto é, Deus havia declarado sua opção pelos portugueses. Não apenas a dinastia lusitana fora escolhida, mas também o povo português. Sendo um povo separado por Deus, os portugueses tinham a missão político-religiosa de expansão da fé e do reino de Cristo. No pensamento de Azzi (2005) e de outros historiadores, o resultado

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desse caráter sacral se expandiu nas primei-ras décadas do século XVI. Com o início dos grandes descobrimentos, firmando sua posição de bons navegadores, os portugueses adquirem vocação messiânica. O reino de Portugal é, pois, identificado como o reino de Deus em marcha – Hoornaert (1983) e Azzi (2005) afirmam essa ideia.

A estratégia de gestão dos conquistadores sobre o território brasileiro foi programada em documentos oficiais portugueses que regis-tram de maneira clara suas intenções: propa-gação da fé católica e conversão dos gentios. Nesse sentido, coloca-se ênfase na conversão. A terminologia bíblica da conversão é variada. Em hebraico – shub –, converter-se significa retornar, voltar sobre seus passos, regressar a uma relação fiel com Deus. Em grego, o significado de conversão contido no Novo Testamento utiliza o termo metanoia, isto é, mudança interior, mudança de mentalidade, de visão e de critérios. Na perspectiva geral, o significado da conversão na Bíblia pode ser entendido como ação de mudança interior e exterior, de mentalidade e de conduta, de atitudes e atos. A conversão produz uma mudança radical de mentalidade e de atitudes que se manifestam em ações comportamentais novas, diferentes das anteriores. Foi sob essa perspectiva estratégica do colonizador que a sociedade colonial brasileira nasceu. Em con-sequência, a ação missionária não propunha opção religiosa diversa, e sim impunha um novo caminho de comportamento religioso.

Os nativos, os primeiros convertidos no território brasileiro, não tiveram outra opção

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de sobrevivência. A conversão acarretou a perda de sua identidade cultural, a renúncia aos seus cultos e tradições religiosas.

A expansão política em nome da fé legitimava a conquista e a guerra contra os inimigos da fé cristã, estratégia aplicada, desta-cadamente, pelos colonizadores da Península Ibérica e intensificada nos séculos XVI e XVII. Expandir o domínio português significava ao mesmo tempo dilatar a influência da fé católica (Hoornaert, 1983; Azzi, 2005). No Brasil, o ideal missionário se concretiza na conquista territorial, com a submissão dos habitantes ao poder da Coroa Portuguesa e a conquista espiritual impondo a devoção ao Cristo. Os mistérios da fé cristã foram intro-duzidos oficialmente pelos portugueses, não só por intervenção do Estado, mas também por ordens religiosas e pela ação dos colonos. O complexo processo de ocupação do espa-ço brasileiro, feito em etapas e valorizando diferentes áreas em momentos distintos, per-mitiu que o catolicismo brasileiro assumisse características próprias, bastante distintas do catolicismo europeu.

Dioceses e paróquias são configurações espaciais presentes na origem da divisão territorial religiosa no Brasil, num processo de construção de territórios e territorialida-des da Igreja Católica Apostólica Romana. A divisão espacial em dioceses, paróquias e freguesias permitiu aos colonizadores con-trole político e religioso do território bra-sileiro. A elas cabia a função de organizar, permitir e controlar as práticas devocionais dos devotos, desempenhando, assim, o pa-

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pel de gestão do território religioso desde 1551 – data da criação da primeira diocese no Brasil, em Salvador, Bahia. As paróquias, territórios religiosos de gestão do sacerdote pároco, representaram e representam, no Brasil, territórios religiosos fragmentados, mas aglutinados em dioceses e controlados pela Unidade Territorial Central de gestão das práticas e atividades religiosas mundiais. Estamos falando do Vaticano.

As práticas religiosas, incentivadas desde o início da colonização, tanto favoreceram o controle religioso sobre os fiéis como celebra-ram as normas e condutas de gestão dentro do território brasileiro. Assim, reconhecem-se, nesta pesquisa, as práticas devocionais como ações estratégicas político-religiosas, elemen-tos importantes no processo de gestão das terras conquistadas. Na sociedade colonial, destaca-se o alto nível de sacralidade das práticas devocionais: a) o culto de adoração à Eucaristia; b) as promessas; e c) as romarias. Essas práticas centralizam a forma simbólico--religiosa na visão do Corpo de Deus e na de-voção aos santos, tanto os canonizados quanto os locais, figuras mais ou menos lendárias. E em torno delas gira o catolicismo popular no país, característica singular no Brasil. A representação simbólica do Corpo de Deus na Eucaristia foi relacionada à devoção de ver Deus, e Azzi (2005, p. 270) comenta que os fiéis imbuídos dessa devoção “passavam a se deslocar de uma igreja para outra a fim de presenciar o ritual de elevação da hóstia, ou seja, para ver Deus na missa”. É bem fácil imaginar a perturbação causada pelo entrar

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e sair de devotos que percorriam diferentes igrejas para ver Deus, sem necessariamente assistirem por completo ao ritual da celebra-ção da missa. A devoção ao Corpo de Deus foi prática religiosa incentivada pelo poder eclesiástico e, na maioria das vezes, consistia na visitação e adoração ao Santíssimo Sacra-mento dentro da Igreja Matriz, de maneira individual e coletiva. Essa prática possui vínculo direto com as Irmandades ligadas à Igreja Matriz das inúmeras freguesias do país, acentuando o poder religioso das confrarias – associações religiosas de leigos que se reúnem com a finalidade de construir igrejas, realizar os cultos e promover a devoção aos santos.

Existiram dois tipos principais de confra-rias: as Irmandades e as Ordens Terceiras. Nos estudos realizados por Beozzo (1977, p. 748), a vida religiosa nos santuários era vinculada e intimamente regulada pelas Irmandades. Elas refletiam o catolicismo colonial brasileiro, de caráter leigo, no qual construíam e administravam igrejas, contra-tando seus capelães, organizavam festas para os padroeiros, recolhiam esmolas para os templos e animavam o culto não sacramen-tal. A vida religiosa, assim, caracterizava-se por práticas religiosas da reza do terço, ladainhas, devoção aos santos, com novena e festa na celebração do seu padroeiro. Às vezes essas práticas ocorriam sem a presença do profissional religioso especializado. Era o catolicismo popular, com aceitação do bispo e do pároco, porém com poucos vínculos com a sede em Roma. As Irmandades, tanto no pe-ríodo colonial como no imperial, mantiveram

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sempre um caráter marcadamente religioso e devocional. Entretanto, algumas possuíam um aspecto eminentemente social, como é exemplificado pela Irmandade da Misericór-dia. Presente no país desde o século XVI, ela mantém até os dias de hoje uma forte atuação social e religiosa. Declinou apenas na fase republicana, ao ser marginalizada pela Igre-ja oficial, sobretudo na segunda metade do século XIX, no movimento de romanização no Brasil (Rosendahl, 1994a, 1996).

As promessas, as romarias e a devoção aos santos, também consideradas ações es-tratégicas de conversão, são representações fundamentais do catolicismo popular e da vida cotidiana religiosa. O culto popular assumia importância muito maior que os do ciclo litúrgico oficial. É interessante observar ainda hoje, nos centros religiosos, a persis-tência dessa relação do fiel com o sagrado, num relacionamento direto e pessoal. As romarias e as promessas têm como fatores fundamentais o espaço e o tempo em que ocorrem: o tempo sagrado e o espaço sagrado (Rosendahl, 1999a, 1999b, 2006, 2008).

As festividades religiosas marcam, até hoje, o tempo sagrado nesses centros. Cada santuário possui seu calendário religioso, com as festas dos padroeiros locais. Se o tempo é assinalado pelas festas, a percepção do espaço tem no santuário o seu parâmetro sagrado: é para lá que se dirigem os devotos. Os centros religiosos no Brasil abrigam gran-des massas de fiéis, denominados romeiros, pois nos primeiros séculos da era cristã o lugar de peregrinação mais procurado era

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Roma, onde se venera o túmulo de São Pedro. Os papas da época encorajavam a viagem a Roma por meio de indulgências, cuja importância era proporcional à distância percorrida. A preocupação teológica de que, após esta vida terrena, as almas dos mortos receberiam um prêmio ou um castigo eterno era comumente aceita na sociedade colonial.

As romarias no Brasil datam do século XVI, de origem portuguesa. E não poderia ser de outra forma, uma vez que o catolicismo foi trazido pelos portugueses ao Brasil e esta-belecido desde o início como religião oficial, a serviço do projeto colonial português (Azzi, 1979a). Mas romarias portuguesas já existiam no cenário religioso desde a segunda metade do século VI, tendo se constituído, “desde o começo e ao longo de toda a sua história, como uma estrutura de encontro – conflito e compatibilização – entre uma religião popular e a instituição oficial de regulação autoritária – ortodoxia e ortopráxis – da religião católica” (Sanchis, 1979, n.p.). De fato, a análise dos rituais religiosos vai desde o exame daqueles concebidos dentro da estrutura litúrgica de uma igreja estabelecida e oficial, como a missa, e passa por festas religiosas populares, onde ocorrem o encontro e o confronto com a estrutura hierárquica da instituição religiosa.

O itinerário das romarias possui práticas de promessas dos devotos e de atividades eclesiásticas, que podem ser consideradas como um conjunto de rituais diferenciados. O estudo dessas práticas não deve estar de-sassociado do controle que a Igreja Oficial exerce sobre elas. A estratégia eclesiástica

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de permissão e controle da devoção e de seus fiéis no espaço representa uma das formas de gestão do território. As festas religiosas populares constituem momentos extraordinários na vida das comunidades que as realizam. O tempo sagrado adquire também o caráter de fato social total de que nos fala Mauss (1979), no qual a obrigação de dar, receber e retribuir se estabelece não somente entre os indivíduos, mas também na relação entre os homens e os santos, entre os homens e a divindade. “A prece participa ao mesmo tempo da natureza do rito e da natureza da crença” (Mauss, 1979, p. 11). Durante os festejos religiosos, notadamente na festa, para comungar com a noção durkheimiana, o santo é o símbolo – o emblema, o totem – da comunidade, e ao festejá-lo comemoram-se o devoto e sua comunidade. Temos aí uma visão particular-mente favorável de manifestação da fé que envolve o devoto num momento religioso bastante comum no espaço sagrado.

As práticas religiosas populares, envol-vendo festas, incentivadas pelo clero, foram introduzidas no Brasil a partir dos últimos anos do século XVI e início do XVIII. A implantação da hegemonia católica e o controle eclesiástico estão presentes no Norte e Nordeste do país. Essa ação é apontada por historiadores da Igreja no Brasil como uma das estratégias fundamentais para a conver-são dos habitantes e conquista do território. A identidade católica dessa população será moldada com incorporações de certos as-pectos das crenças e práticas das populações

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dominadas e/ou convertidas, com variações em diferentes regiões.

Alves (1978) considera que a religiosi-dade pode ser pensada como protesto, que toma forma simbólico-religiosa porque o povo que o produziu não tem força política para transformá-lo em ato político. Ribeiro de Oliveira (1985), por sua vez, classifica o fenômeno da religiosidade popular como um sistema simbólico resultante do trabalho anônimo e coletivo de agentes sociais não especialistas em religião. Nele, o povo, como participante, produz e reproduz um campo religioso, no qual os símbolos e lutas secula-res se recobrem com os nomes do sagrado.

Na história da Igreja Católica no Brasil, durante os séculos XVII e XVIII, surgiram centros religiosos fortemente marcados por atos de protesto contra a sociedade existente e suas injustiças sociais. Os santuários nascem da inspiração e da fé da gente humilde, de ermitões, de irmãos, de leigos e de beatos.

A geografia da fé inicia-se no local do nascimento do devoto. Já no batismo, ele recebe o nome do santo ou da santa de devo-ção dos pais. Os centros de romaria estão nos caminhos de penetração do interior ou nas localidades litorâneas. “A imagem do santo, do santuário e do seu padroeiro são trazidas para casa ao final do trajeto da romaria e aí entronizadas” (Beozzo, 1977, p. 749). Os romeiros eram atraídos aos santuários pela fama de acontecimentos sobrenaturais e pe-los milagres que ali se manifestaram. Alguns santuários foram construídos em áreas habi-tadas por indígenas, distantes das moradias

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dos colonizadores; “as romarias passaram a construir o primeiro grande movimento de integração entre os dois grupos” (Azzi, 1979b, p. 13). Destaca-se, no século XVI, a atuação dos missionários jesuítas e franciscanos na implantação da fé e na conquista do litoral brasileiro. Nesse primeiro século da ação missionária, quatro centros de devoção são destacados por Azzi (1979a, 2005) como locais de romaria e de entrosamento entre a cultura lusitana e a dos nativos: Nossa Senhora da Ajuda, 1551, em Porto Seguro; São Tomé, 1552, próximo à cidade de Salvador, gestão jesuítica; Nossa Senhora da Penha, próximo a Vila Velha, 1558, gestão franciscana; e Nossa Senhora da Conceição de Itanhaém, em São Vicente, 1561, gestão franciscana.

Durante os séculos XVII e XVIII, as roma-rias, em especial no interior do país, nasciam espontaneamente da piedade popular, e não mais, como no século XVI, pela atuação dos missionários em seu processo de conversão. As devoções surgiam do povo, e as práticas desenvolviam-se com ampla liberdade de expressão. Os mitos, os símbolos, os gestos e as falas sagradas são criações do lugar. As imagens eram encontradas por pescadores, índios, aventureiros, e o aspecto milagroso da sua aparição evidenciava a vontade divina que escolhera aquele lugar para ser destinado ao culto (Rosendahl, 1994a, 1996).

O povo constrói, assim, o espaço sagrado, realizando com ilimitada liberdade seus cultos religiosos. Os centros religiosos paulistas se enquadram nessas características. Entre os que aparecem no interior, destacamos: em 1647,

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Bom Jesus de Iguape; em 1669, Bom Jesus de Tremembé; em 1709, Bom Jesus dos Perdões; e em 1724, Bom Jesus de Pirapora. Tendo em comum a devoção a Jesus flagelado no pretório de Pilatos, popularmente designado como Bom Jesus da Cana Verde, esses quatro santuários perduram até os dias de hoje como centros de convergência de romeiros. A devo-ção ao Bom Jesus da Cana Verde teve forte difusão por meio dos santuários construídos durante o ciclo bandeirante (França, 1972).

Azzi assinala que o tema da Paixão e Morte de Cristo é fundamental na fé cató-lica. “Na peregrinação católica tradicional dava-se ênfase ao fato de que a Paixão de Jesus deveria servir de estímulo para que as pessoas aprendessem desse exemplo a suportar os sofrimentos e dificuldades da vida” (2005, p. 201). Objeto de antiga devo-ção popular portuguesa, a Paixão de Cristo foi estrategicamente implantada no Brasil. Objetivando prestigiar e incentivar essa de-voção, na sociedade colonial, os rituais eram apresentados na Semana Santa. Durante três dias de solenidades, o sofrimento de Nosso Senhor Jesus Cristo era apresentado de forma teatral: a coroação de espinhos e a flagelação de Cristo; o caminho doloroso do Calvário; a morte na cruz; e, por último, o seu sepul-tamento. Ainda hoje são famosos eventos como: o Senhor do Bonfim, na Bahia; o Bom Jesus de Matozinhos, em Minas Gerais; e a Paixão de Cristo de Nova Jerusalém, em Pernambuco. A encenação teatral da vida de Cristo, para melhor êxito da conversão no período colonial, pode ser considerada não

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apenas como uma demonstração artística do drama, mas também como a vivência dos devotos na simbólica representação, até hoje repetida a cada ano na liturgia religiosa.

Primeiro a obrigação, depois a devoção

Alguns estudiosos veem a procissão como o ato de culto externo em que o sentimento religioso e a devoção popular manifestam-se com mais exuberância; ela se destaca como o momento mais importante de uma romaria ao santuário visitado. É importante ressaltar que as romarias e as solenes procissões são práticas devocionais católicas impostas, ao longo do período colonial, como estratégia de conversão pelo clero, cujos membros eram considerados agentes oficiais da religião e auxiliares da Co-roa na preservação da fé entre o povo.

Após a narrativa do comportamento do nativo, do português e dos religiosos nesses três séculos no país, destacaremos os dois focos iniciais de difusão espacial. Rosendahl e Corrêa (2003) identificam a Diocese Pri-maz Principal, em Salvador, na Bahia, e a Diocese Primaz Secundária, em São Luís, no Maranhão.

A Diocese de Salvador foi criada em 1551, a partir da Santa Sé; a Diocese de São Luís foi instituída em 1677 com o desmembramento da Diocese de Lisboa. Portanto, foram insta-ladas de forma independente uma da outra. Salvador é identificada como a Diocese Primaz Principal devido ao papel que desempenhou nos primeiros séculos da colonização portu-guesa. Os fatores que podem explicar essa

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dupla primazia de dioceses estão vinculados ao contexto político-administrativo colonial: o Estado do Brasil, com capital em Salvador até 1763, e o Estado do Grão-Pará e Mara-nhão, com capital em São Luís até 1751, tornando evidente, assim, a ausência de uma unidade política, conforme apontam diversos estudiosos, entre eles Nunes Dias (1970).

A construção da territorialidade da Igreja Católica foi lenta e descontínua no espaço brasileiro. A vinda dos jesuítas, em 1549, che-fiados por um jovem de 31 anos – Manuel da Nóbrega –, deu início à conversão dos gentios à fé católica, ação marcada pelo trabalho e pela oração. Em 1553, chega ao Brasil José de Anchieta, que aos 19 anos já havia elaborado uma gramática que serviu para o ensino do tupi nos colégios da Companhia de Jesus (Suess, 1989). O domínio dessa língua passa a caracterizar a ação dos jesuítas:

Todo este gentio desta costa, que também se derrama mais de 200 léguas pelo sertão, e os mesmos carijós que pelo sertão chegam até as serras do Peru, têm uma mesma língua que é grandíssimo bom para a sua conversão.

Essas afirmações, feitas em 1584 por Anchieta em “Breves informações do Brasil”, constam no estudo de Suess (1989, p. 109). A formação da sociedade colonial brasileira confunde-se com a ação missionária dos padres jesuítas. A estratégia de ocupação estava baseada no ensino da língua portu-

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guesa e na implantação de novos hábitos e atitudes comportamentais, com a finalidade última de conversão e catequese dos índios – notadamente a catequese infantil, frente à resistência generalizada dos adultos em desligar-se de suas tradições religiosas.

Os franciscanos também desenvolveram territorialidades semelhantes. Em 1581, che-garam os monges beneditinos e fundaram o primeiro mosteiro em Salvador, na Bahia (1581-1582), e outro no Rio de Janeiro (1586-1589). Aportaram em Olinda em 1592, em João Pessoa em 1596, e em São Paulo em 1598 (Fridman, 1994). A Ordem de Nossa Senhora das Mercês chegou ao Brasil em 1640, e a Ordem das Carmelitas veio em 1665. Assim, a vinda de outras ordens ocorreu somente após 1580.

A Companhia de Jesus foi, portanto, até 1580, o único instituto religioso com atuação na formação espacial do país, mas, durante o período colonial, a presença religiosa contou, além dos jesuítas, com franciscanos, beneditinos, mercedários e capuchinhos. Os serviços administrativos e a gestão religiosa nas dioceses, bem como a educação moral e religiosa nos colégios, eram responsabili-dades dessas congregações religiosas. Além disso, os religiosos assumiram a função de auxiliar na manutenção da ordem e da disciplina social, de acordo com a autori-dade da Coroa e os interesses econômicos portugueses (Hoornaert, 1983; Azzi, 2005).

No período colonial, a primeira caracte-rística a se destacar no clero brasileiro foi a sua função vinculada ao Estado. Os padres

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eram funcionários públicos, e as ações de observâncias às normas canônicas eram, na maioria das vezes, razão de tensão e confli-to com a obediência às leis civis. Podem-se citar como segunda característica o número desfavorável de dioceses e a relativa falta de padres, como também suas longas vacâncias: alguns bispos nomeados para dioceses brasilei-ras nem chegavam a embarcar para o Brasil (Hoornaert, 1983). Além disso, não existiam seminários para a formação de religiosos no Brasil – eles foram fundados somente na se-gunda metade do século XVIII. A literatura permite reflexões que apontam o sacerdote brasileiro como tendo precária formação teológica na gestão dos ritos da fé católica; sua preparação vinha dos estudos realizados nos colégios jesuíticos ou nos próprios lares, e da vivência em suas comunidades.

Nessa conjuntura da América Portuguesa, a estratégia da Igreja Católica visava a garantir a apropriação de um amplo território. Amplo, mas vazio, no qual se estabelece um catolicis-mo popular que passa a fazer parte da cultura brasileira. A figura 1 apresenta a origem e difusão dessas novas unidades territoriais, num total de nove loci da Igreja Católica.

A distribuição espacial das cinco primeiras dioceses criadas no Brasil deixa bem evidente a forte lentidão na criação dos territórios re-ligiosos. Somente após 125 anos da fundação da Diocese Primaz de Salvador foram criadas a do Rio de Janeiro e a de Olinda-Recife – ambas em 1676 – e desmembradas da Diocese de Salvador. A de Belém foi criada em 1719, desmembrada da Diocese de São Luís. A estra-

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tégia locacional dessas dioceses, que surgiram em baías ou estuários, reforça a centralidade de que já desfrutavam essas cidades como ponto de controle do litoral, centros de troca e lugares de penetração e conquista do interior.

O quadro 1 indica a distribuição pelas regiões brasileiras das nove unidades exis-tentes em 1800.

QuadRo 1 – bRasil: dioceses e pRelazias existentes em 1800

1551 1676-77 1719-45 1848-54

Amazônia - - 1 - 1

Nordeste 1 2 - 1 4

Centro-Sul - 1 4 2 7

Total 1 3 5 3 12

Fonte: CERIS - Anuário Católico do Brasil, 2000.

Como se observa na figura 1 e no quadro 1, em trezentos anos de colonização, o poder religioso oficial possuía apenas nove unidades territoriais em todo o vasto território brasilei-ro: as dioceses de Olinda-Recife, de Salvador e de São Luís, localizadas na região Nordeste, do Rio de Janeiro, de São Paulo e de Maria-na, e as prelazias de Goiás e de Cuiabá, na região Centro-Sul e de Belém, na região da Amazônia Brasileira. As dioceses de Mariana (1745) e de São Paulo (1745) e as prelazias de Goiás e Cuiabá (1745) se originaram do desmembramento da Diocese do Rio de Janei-ro, no século XVIII, e refletem a conjuntura político-econômica do Brasil. A Diocese de Mariana, em Minas Gerais, e as prelazias de

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Goiás e Cuiabá estavam localizadas em área de mineração no interior do país. Reforçava--se a centralidade desses núcleos urbanos no interior, devido à presença de recursos minerais que datam do período colonial (Rosendahl, 2005). A Diocese de São Paulo, também no interior, só foi criada em 1745, dois séculos após a fundação do Colégio São Paulo. Os jesuítas, instalados em São Paulo desde 1554, foram desde o início missionários de fato, imbuídos do entendimento de que os limites da instituição eclesiástica coincidiam com as fronteiras do próprio reino lusitano (Hoornaert, 1983; Azzi, 2005).

FiguRa 1 – bRasil: dioceses e pRelazias em 1800 (oRigem e diFusão)

Fonte: Rosendahl, 2012.

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O poder religioso oficial atuava até 1800 num amplo território, escasso e ocupado de modo irregular. A existência de nove unidades territoriais brasileiras (como foi visto, sete dioceses e duas prelazias criadas ao longo de trezentos anos de colonização) demonstra a preocupação central de garantir a apropriação de uma área vastíssima, numa ação que resultou em grandes territórios mal ou nulamente delimitados. Sem dúvida, devido à grande distância entre eles, a gestão religiosa foi superficialmente eficaz na escala abrangente do país; sua atuação era local, nas dioceses e paróquias.

O período de 1551 a 1854 representou, na complexa relação entre Igreja e política, um tempo de tensões, notáveis na atuação dos jesuítas. No período colonial, a Igreja classifica-se como católica romana. A política engloba as relações da Igreja tanto com a so-ciedade quanto com o Estado e seus agentes e instituições. As relações mútuas entre a Coroa e a Igreja estavam reguladas pelas instituições do Padroado Régio. Havia uma série de privi-légios outorgados paulatinamente pelos papas ao rei de Portugal. A partir do século XVI, os reis podiam apresentar seus candidatos aos cargos eclesiásticos: bispos, cônegos, párocos, professores dos seminários. Roma reserva-se apenas a nomeação dos bispos candidatos apresentados pelo rei. Os bispos confirmavam os párocos (Beozzo, 1983). A territorialidade religiosa estava vinculada à subordinação polí-tica, à dependência econômica e ao controle ideológico exercidos pelo Estado (Hauck, 1985). Os historiadores acentuam que os reis

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administravam os dízimos e a territorialidade religiosa de controle da doutrina eclesiástica. A Igreja Católica era a religião oficial do Es-tado em regime de monopólio, com exclusão de qualquer outra religião.

a pRimeiRa República – de 1889 a 1930

A Primeira República (1889 a 1930) é marcada por inúmeros acontecimentos econômico-sociais e, por consequência, na estratégia da Igreja Católica para manuten-ção e difusão de seus territórios religiosos. Era necessário atender à demanda de novos agentes espaciais – as classes médias urbanas, o operariado, o imigrante e outros agentes –, o que levou a Igreja Católica a repensar suas ações territoriais, pois tratava-se de um outro contexto histórico. A partir das últimas décadas do século XIX, o Brasil, indepen-dente desde 1822, passa por significativas mudanças. A escravidão havia sido abolida em 1888, novas áreas eram mais efetivamente incorporadas ao espaço econômico brasileiro graças a produtos como o café, o cacau e a borracha, a industrialização e a urbanização já estavam em marcha, e a população ascen-dera de cerca de 14,5 milhões de habitantes em 1890 para cerca de 36 milhões em 1930 (Prado Jr., 1976).

A Igreja Católica, nesse contexto, privi-legiava a criação de novas dioceses e prela-zias. Novos territórios religiosos tornavam-se necessários para que o poder simbólico da

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Igreja fosse territorialmente materializado: as 68 dioceses e prelazias criadas entre 1890 e 1930 (tabela 3) refletem esse contexto e a expansão desse poder (Rosendahl e Corrêa, 2003).

A análise do quadro 2 possibilita uma primeira avaliação do processo de difusão de dioceses no período de 1890 até 1930 no Brasil. Como se vê, três séculos de perma-nência de religiosos católicos no país (1551 a 1854) haviam resultado na criação de 12 dioceses, ao passo que, num período de aproximadamente quarenta anos, se registra o aparecimento de 68 novos territórios reli-giosos. A criação dessas dioceses, distribuídas segundo cada uma das cinco grandes regiões do país, demonstra que a difusão ocorreu em ritmos variáveis e com descontinuidades espaciais e temporais. A característica desse processo imprime no espaço brasileiro uma nova estratégia territorial adotada pela Santa Sé: a de apropriação de novos espaços na difusão da fé.

QuadRo 2 – cRiação de dioceses e pRelazias no bRasil de 1551 até 1930, poR Regiões

RegiõesPeríodos

Total1551-1854 1890-1930

Amazônia - - 1

Nordeste 1 2 4

Centro-Sul - 1 7

Total 1 3 12

Fonte: CERIS – Anuário Católico do Brasil, 2000.

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A intensificação da ação da Igreja Católica resultou, por um lado, em uma densificação de sua rede de dioceses e prelazias, associada a uma estratégia de difusão que se aproxima, dada a escala dimensional do Brasil, da difu-são por contiguidade – diferente, portanto, da difusão por saltos, como ocorrera de modo preponderante até o final do século XIX (Rosendahl e Corrêa, 2003).

O exemplo da Arquidiocese de Salva-dor é, a esse respeito, bastante ilustrativo. Como apresentado no tópico anterior, em 1676, a partir dela foram criadas as dioceses de Olinda-Recife, em Pernambuco, e a do Rio de Janeiro, todas localizadas a longa distância de Salvador. A figura 2 ilustra a origem e a difusão das dioceses e prelazias a partir da Arquidiocese de Salvador. O que seria a sua hinterlândia imediata, o estado da Bahia, e mais, o Recôncavo Baiano, área rica e densamente povoada, não foi objeto de nenhuma implementação até o final do século XIX, enquanto o interior do estado da Bahia apenas no começo do século XX teria novos territórios religiosos da gestão católica: as dioceses de Ilhéus, Caetité e Barra, criadas em 1913. A Diocese de Aracaju foi criada em 1910, também desmembrada da Arquidiocese de Salvador. Em contrapartida, o bispo de Salvador controlava, desde o século XVII, as dioceses de Luanda e São Tomé, na África, como aponta Vasconcelos (2002).

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teRRitóRios Regionais de 1930 a 2005 – Região noRdeste

Por considerar o exemplo da Diocese Primaz de Salvador, criada em 1551, bastante ilustrativo na temática de mapas de visibilida-de da organização espacial (Élineau, 1999), destacaremos o processo de constituição na escala regional. Sabemos que a expansão da fé originaria matrizes regionais diferenciadas. Neste texto, a visibilidade da organização espacial da Região Nordeste do Brasil será privilegiada.

Nesta abordagem da ação da Igreja Católica na Região Nordeste, percebem-se estratégias territoriais singulares, vinculadas à herança do sistema colonial vigente no Brasil durante mais de três dos cinco séculos de sua história. A rede diocesana pós-1930 torna evidente que os tempos de difusão da fé católica apresentam uma dinâmica que resultou em desigualdade espaço-temporal. Como será visto, os tempos de difusão não foram iguais para as unidades da Federação que formam a Região Nordeste brasileira. O que se observa é a existência de três modelos diferentes, com práticas territoriais distintas adotadas pela instituição religiosa de acordo com seus respectivos centros de propagação, a saber: Salvador, Olinda-Recife e São Luís (Barbosa, 2005).

A rede diocesana origina-se na Diocese Primaz Principal de São Salvador da Bahia, que tem importância fundamental nesta análise, pois, além de ser a mais antiga uni-

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dade territorial da Igreja Católica no Brasil, também é responsável pela criação de outras dioceses a lon-gas distâncias, como a Diocese de Olinda-Recife e a Diocese de São Sebastião do Rio de Janeiro, ambas de 1676. A Diocese de Salvador originou as demais dioceses do Brasil, confirmando a estratégia adotada pela instituição católica de garantir a criação de novos focos irradiadores e, simultaneamente, controladores da fé, assegurando, assim, um amplo território para a Coroa Portuguesa.

A rede regional

A rede diocesana, a partir de Salvador, Bahia, e de São Luís, Maranhão, qualifica-se inicialmente como uma difusão por saltos, e não por contiguidade. A implantação de dioceses em sua hinterlândia imedia-ta, no Recôncavo Baiano, só vem a ser reavaliada na metade do século XX. O processo de constituição da rede nordestina na escala do cotidiano ocorre pela abrangência da gestão da fé nas paróquias. A formação socioespacial de algumas dioceses, com dezenas de paróquias, imprime uma diversidade espaço-temporal nos estados de Sergipe e Bahia, como se vê no mapa 1.

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mapa 1: oRigem e diFusão das dioceses na Região noRdeste, a paRtiR de salvadoR (am-

pliado em 3 paRtes)

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3

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2

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Fonte: Anuário Católico do Brasil, 2000.

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Diocese de Salvador: modelo A

As relações entre territorialidade e reli-gião baseiam-se em um processo de difusão por saltos a partir do foco central, Salvador, notadamente até os anos 1930. Já a difusão após a segunda metade do século XX pode ser qualificada como efetivada por estratégias de contiguidades e de utilização da hierarquia urbana. No período de 1909 a 1950, a institui-ção religiosa católica havia implantado ape-nas seis dioceses; do ano de 1950 até 2000, passa a ter um total de 23 dioceses, incluindo Salvador. Esse acréscimo de 16 dioceses a partir de 1950 está relacionado a transfor-mações de ordem política e econômica que o país vivenciou e ao aumento populacional de algumas cidades que se destacavam em função de atividades econômicas, favorecen-do uma ação religiosa mais eficiente por parte da Igreja Católica. O marco tempo-ral de 1950 foi estabelecido por se tratar de um período de grandes transformações ocorridas após a Segunda Guerra Mundial. O cenário, cristalizado em apenas seis dio-ceses num amplo espaço a ser ocupado, permite afirmar que o território baiano só foi realmente apreendido pela Igreja Cató-lica no período posterior a 1950. Fatores político-econômicos e sociais, vinculados ao contexto histórico nacional e internacional, alteram a estratégia católica.

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Diocese de Olinda-Recife: modelo B

A Diocese de Olinda-Recife figura como o segundo modelo distinto da irradiação da fé católica no Nordeste brasileiro. Surgiu inicialmente como Prelazia de Pernambuco, no ano de 1614; denominou-se Diocese de Olinda aproximadamente dois séculos de-pois, em 1910; e, finalmente, tornou-se Arqui-diocese de Olinda e Recife no ano de 1918. O mapa 2 reflete a rede diocesana com seu início a partir de Recife somente em 1854, com a criação da Diocese de Fortaleza, confirmando a análise de que somente na segunda metade do século XIX, e não no século XVI, a Igreja atuou efetivamente no processo de ocupação do território. A difu-são da fé após 1930 ocorreu no contexto social descrito no item anterior, fortemente marcado pela autoridade herdada do Senhor do Engenho no lugar. Vários fatores contribuí-ram para que o povo nordestino exercesse à sua maneira a fé católica, numa espetacular adaptação das práticas religiosas, qualificadas por Darcy Ribeiro (1979) como catolicismo tropicalizado.

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mapa 2: oRigem e diFusão das dioceses na Região noRdeste, a paRtiR de ReciFe (ampliado

em 3 paRtes)

2

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3

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2

3

Fonte: Anuário Católico do Brasil, 2000.

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No Nordeste, a estratégia da Igreja Cató-lica em relação ao catolicismo tropicalizado reflete um comportamento de coexistência pacífica e de instabilidade e competição frente aos conceitos religiosos vivenciados (Rosendahl, 1996). Assim, a partir de suas territorialidades efetivas – as capitais nor-destinas, localizadas no litoral –, ampliou seu raio de ação em direção ao interior, ao selecionar os espaços nordestinos num mo-delo de difusão definido como hierárquico. Além de Fortaleza, Crato e Sobral são as duas dioceses mais antigas desse modelo. Relacionando o sagrado aos processos de urbanização, podemos ressaltar a difusão inicial ocorrida na Diocese de Fortaleza. O desdobramento das Dioceses de Crato e Sobral representa um exemplo de seletivida-de funcional (Corrêa, 1997), pois percebe-se que, nessa ocasião, essas cidades eram luga-res centrais de nível regional, reforçando, assim, suas centralidades no setor social e econômico. No que se refere à dimensão religiosa, a comunidade camponesa religiosa do Crato vivenciou os conflitos do beato José Lourenço, que perduraram de 1926 a 1937 e que os historiadores comparam, em menores proporções, à tragédia de Canudos. Sua as-cendência ao Padre Cícero e sua identificação político-religiosa representavam a continuação da missão evangelizadora, do papel de con-selheiro, do papel de patriarca dos que por lá passaram. Os conflitos ocorridos entre os adeptos do Padre Cícero com os salesianos e os contrários a Padre Cícero se refletem, ainda hoje, nas paisagens do lugar sagrado.

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Na abordagem da geografia da religião, a seletividade funcional também se reflete na gestão do sagrado.

Diocese de São Luís: modelo C

A Diocese Primaz Secundária do Brasil, São Luís, ocupação da área hoje denominada Maranhão, foi criada em 1677, e não ocorreu por desmembramento de Salvador. Iniciou-se como Administração Eclesiástica da Prelazia de Pernambuco no ano de 1914 e somente anos mais tarde foi criada por meio da bula papal Super Universas Orbis Ecclesias, como sufragânea de Lisboa, Portugal. A expressão “sufragânea” representa para a Igreja Católi-ca um território religioso cuja gestão depen-de de um bispado metropolitano. Estamos diante de uma situação de origem diferente, com territorialidades independentes do resto do país, porém não tão afastadas da ideia de catequese vigente na época.

A denominação de Diocese Secundária do Brasil decorre de sua criação indepen-dente de Salvador. A história já marca São Luís como uma das quatro cidades mais importantes do Brasil no início do século XIX. As outras três eram Salvador, Recife e Rio de Janeiro. A funcionalidade de cidade--porto facilitou a ocupação litorânea, mas, devido a dificuldades diversas no processo de conquista, essa área foi de certa forma preterida em relação ao povoamento, dife-rentemente do que ocorreu com as cidades de Salvador e Recife-Olinda, como relatamos anteriormente. A lista das dioceses e seu ano

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de criação demonstram que, com exceção de São Luís e Bacabal, todas as dioceses mara-nhenses foram criadas nas décadas de 1970 e 1980, ou seja, recentemente. No estado do Maranhão, encontramos uma tendência que não foi verificada com tanta intensidade em outras regiões do Nordeste: a implantação de prelazias em vez de dioceses. Nesse estado, cinco das 12 atuais dioceses foram prelazias, confiadas pela Igreja às ordens missionárias. Os franciscanos e jesuítas foram os primei-ros a integrar as tropas portuguesas para a conquista do território.

O mapa 3, que ilustra a origem e difusão das dioceses na Região Nordeste a partir de São Luís, permite visualizar que, pela sua lo-calização, a criação de prelazias no lugar de dioceses pode ser entendida como uma ação de difusão preliminar da fé, ou seja, uma forma de conhecer as reais possibilidades de demanda da fé católica em determinadas cidades, principalmente no Maranhão, que ostentava baixa ocupação do seu território (Barbosa, 2005). Na classificação da CNBB, a presença do Maranhão e do Piauí no contexto de análise do Nordeste brasileiro era apresentada, respectivamente, como “Nordeste 4” e “Nordeste 5”.

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mapa 3: mapa 3: oRigem e diFusão das dio-ceses na Região noRdeste, a paRtiR de são

luis (ampliado em 3 paRtes)

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Fonte: Anuário Católico do Brasil, 2000.

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Observa-se, no mapa 3, que todas as dioceses do estado do Piauí foram criadas após 1930, com exceção apenas da de Te-resina, desmembrada de São Luís em 1902. A dinâmica de povoamento e as atividades econômicas representam com harmonia as relações estratégicas da Igreja e o con-texto socioeconômico do estado do Piauí. O Nordeste brasileiro traduz bem a hetero-geneidade étnico-religiosa impressa no espa-ço: os colonizadores, os negros, os nativos e a união desses grupos estão registrados de forma clara, com repercussões em nossa cultura até os dias de hoje. No que se refere à gestão da Igreja Católica, ainda hoje a sede da Diocese Primaz do Brasil localiza-se como hierárquica e burocrática, com um domínio político-religioso coerente ao longo do tempo, com o objetivo fundamental de permanecer como tal na região.

A rede diocesana foi marcada por pro-cessos desiguais no decorrer da história e da geografia do Nordeste, assim como a rede urbana acompanhou a organização espacial. Ambas foram estruturadas no decorrer da evolução da economia e da sociedade re-gional (Corrêa, 1997).

paRa não concluiR...

A localização geográfica dos territórios católicos no Brasil – 1551 a 2005 – foi rea-lizada em pesquisas recentes, presentes no livro Primeiro a obrigação, depois a devoção:

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estratégias espaciais da Igreja Católica no Brasil, publicado pela EdUERJ (2012). Acrescenta--se que a organização regional do espaço brasileiro foi interpretada ressaltando-se, em cada uma delas, singularidades conectadas no espaço-tempo conjuntural em que foram criadas, fragmentadas e desmembradas.

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