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  • TItulo original:The Fall of Public Man

    Indica9ao editorial:RenoLO JaniHe Ribeiro

    Capa:Moema Cavalcanti

    sobre Escadaria Bauhaus (1932), de Oskar Schlemmer

    (ndice remissivo:Adelina BourasMaria Vargas

    Revisao:Anlbal Mari

    Regina ColomiriClara Baldrati

    Paulo Cezar de Melo

    Dadas Intcrnacionais de Catalogac;ao na Publicac;ao (Clr)(Camara Brasilcira do Livro, sr, Brasil)

    Sennell, Richard, 1943~5481 d 0 declinio do homem publico: as tiranias cia intimidade I

    Richard Sennett ; tradU

  • t d mudar seus desejos, a um so tempo. Induzem aindasua von a e ou A . ao sugerirem uma soluc;ao terapeuttca para ttrar as pes-mals ao erro .'d to-envolvimento - como se 0 amblente que fez rUlr suasoas esse au .d . I e transformou seus desejos pudesse repentmamentevonta e sOCia

    receber de bra

  • Aliza"3.o do complexo e pel as ramp as diz que uma imensa barreiraloc" . . Cd" t . "sep41ra 0 "interior" do BrunswI~k en~re 0 e,x enor :,.. .

    A supressao do espac;o publico VIVOc?ntem uma Idela .amda mals-"'ersa' a de fazer 0 espac;o contingente as custas do movlmento. Nopel' . . ktro da Defense, tal como ocorre na Lever House e no BrunswI~ceO ,_, A

    ceptre, 0 espac;o publico destina-se a passagem, nao. ~ .permanen~I~.Na Defense, as areas em redor da massa dos altos edtflclos de escnto- A que compoem 0 complexo contem algumas lojas, mas a sua verda-no" , I ddeifa finalidade e a de servirem como passagem, do automove ou 0onibus, para os edif~cios de e~critorios .. H~~?s sinais de que sen arregados do proJeto da Defense atnbUlss~ aqu~ e espa 0 ,u~l-~r valor intrinseco ou achassem que as pessoas vmdas dos vanosediJicios pudessem querem permanecer nele. 0 solo, segundo as ~ala-vras de urn dos encarregados do planejamento, e "0 nexo de a~01~ .aoflu"o de trafego para 0 conjunto vertical". Traduzido, isto slgmftcaque 0 es acyo ublico se tornou uma deriva~ao do movim~nto.-- A ideia do espac;o publico como denvac;ao do movlmento corres-

    ~? poode exatamente as relac;oes entre espac;o e movimen~o produzidospelo automovel particular. Nao se usa 0 ~arro para ver a clda~e; ? auto-m6vel nao e urn veiculo para se fazer tunsmo - ou melhor, nao e usadocomO tal a nao ser por motoristas adolescentes que saem para dar umavolta de ~arro sem permissao do dono. Em vez disso, 0 carro da liber-dade de movimentos; pode-se viajar sem ser interrompido por paradasobrigatorias, como as do metro, sem mudar a sua forma de movimento,de onibus metro, via elevada ou ape, ao ir do lugar A para 0 lugar B.As ruas da cidade adquirem enta~ uma func;ao peculiar: permitir a -movimentac;ao; se elas constrangem demais a movimentac;ao, por meiode semitforos, contramaos, etc., os motoristas se zangam ou ficam ner-vosos.

    Atualmente, experimentamos uma facilidade de movimentac;aodesconhecida de qualquer civilizac;ao urbana anterior a nossa, e no en-tanto a movimentac;ao se tornou a atividade diaria mais carregada d.eansiedade. A ansiedade provem do fato de que consideramos a movl:.-m ntac;ao sem restric;oes do individuo como urn dir.eito absoluto. ?autom6vel particular e 0 instrumento logico para 0 exercicio desse dl-reito, e 0 efeito que isso provoca no espac;o publico, especialmente noeS~ac;o da rua urbana, e que 0 espac;o se torna sem sentido, ate mesmoendoidecedor, a nao ser que possa ser subordinado ao movimento livre.A tecnologia da movimentac;ao modern a substitui 0 fato de estar na ruapOr urn desejo de eliminar as coen;oes da geografia.

    Assim, a concepc;ao de design para uma Defense ou para I.1rna

    ver Bouse se aglutina com a tecnologia dos transportes. Em ambas,

    uma vez que se tornou func;ao da movimentac;ao, 0 espac;o PUbliCO)perde todo sentido proprio independente para experimentac;ao.

    Ate agora, empregamos 0 termo "isolamento" em doi sentidos:~ em primeiro lugar, significa que os habitantes ou os trabalhadores deuma estrutura urbana de alta densidade sao inibidos ao sentirem qual-quer relacionamento com 0 meio no qual esta colocada essa estrutura.

    "') Em segundo lugar, significa que, assim como alguem pode se isolar em0'- ~l . -1 l'burn automove parttcu ar para ter I erdade de movimento, tambem

    deixa de acreditar que 0 que 0 circunda tenha qualquer significadoalt~m de ser urn meio para chegar a finalidade da propria locomoc;ao.Existe ainda urn terceiro sentido, urn sentido urn tanto mais brutal deisolam~ social em locais publicos, urn isolamento produzido direta-mente pel a nossa "isibilidade para os outros.

    A ideia de uma parede permeavel e aplicada por muitos arqui-tetos, tanto dentro de seus predios quanto do lado de fora. As barrei-ras visuais sao destruidas pela supressao das paredes divisorias de escri-torios, de modo que andares inteiro~ se tornem urn vasto espac;o aber-to ou, ainda, que haja urn conjunto de escritorios privativos locali-zados no perimetro, com uma ampla area interna aberta. Essa des-truil;ao de paredes, adiantam os planejadores de escritorios, melhora 0desempenho dos escritorios, pois, quando as pessoas se encontram du-rante todo 0 dia expostas visualmente umas as outras, e menos provavelque haja lugar para conversinhas e mexericos e mais provavel que te-nham uma atitude reseIT"ada. Quando todos estao se vigiando mutua-~ente, di~inui a sociabilidade, e 0 silencio e a unica forma de prote-c;ao. 0 proJeto do escritorio em andar aberto leva ao extremo 0 para-doxo da visibilidade e do isolamento, urn paradoxo que pode tambemser .en~nciado inversamente. As pessoas sao tanto mais sociaveis quan tomal~ ttverem entre elas barreiras tangiveis, assim como necessitam delocals especificos, em publico, cujo proposito unico seja reuni-Ias. Emoutros term d". A os, Inamos: os seres humanos precisam manter uma certadlstancia da b -,.. 0 servac;ao mttma por parte do outro para poderem sen-br-se soc' . Ad lavels. umentem 0 contato intimo e diminuirao a sociabili-ade. Estaealo'gl' d t' d f"A . b ' .ca e urn IpO e e IClencla urocrattca.

    d I 0 espac;o publico morto e uma das razoes, e a mais concretae as pelas q .t .'. ualS as pessoas procurarao urn terreno intimo que emerrttono alhei Ih' 0 .pubr 0 es e nega o. Isolamento em meio a visibilidademe tlca e a exagerada enfase nas transac;oes psicologicas se com ple-

    n am. Na med'd 1 'Prote .. Ala em que a guem, por exemplo, sente que deve seisol ger da ~Igllancia dos outros no ambito publico, por meio de urn

    amento sll .quem enclOsO, com pens a isso expondo-se para aqueles comquer fazer contato. A relac;ao complementar existe entao, pois

  • -es de uma (mica e geral transforma
  • publico perfeito. Urn antigo emprego em ingles Frenunciava 0 sentidocomum da palavra na sociedade burguesa do seculo XVIII. Em umadas Letters (Cartas), Howell (1645) escreveu: "Entrei no mundo aostrope
  • centro cosmopolita, nao apenas seespalharam pela alta cultura da epocacomo tambem a esferas mais mundanas. Essas tensoes transpareciamnos manuais sobre a criac;ao dos filhos, nos folhetos sobre obrigac;oesmorais e crenc;as de senso comum sobre os direitos do homem. Juntos,o publico e 0 privado criavam aquilo que hoje chamariamos urn "uni-verso" de relac;oessociais.

    A luta pela ordem publica na cidade, no seculo XVIII, e a tensaoentre as exigencias da vida publica e da vida privada constituiam oselementos de uma cultura coerente, embora fossem, como 0 sao, emqualquer periodo, excec;oes, desvios, modalidades alternativas. Masrealmente existiu urn equilibrio entre a geografia publica e privada noIluminismo, e contra isso toma grande relevo a mudanc;a fundamentalnas ideias de publico e privado, que se seguiram as grandes revoluc;oesno final do seculo, e a ascensao de urn capitalismo industrial nacional

    _ em tempos mais modernos.n'es forc;~ estavam em ac;aonessa mudanc;a: em primeiro lugar,

    urn duplo relacionamento que no seculo XIX 0 capitalismo industrialveio a ter com a vida publica nas grandes cidades; em segundo lugar,uma reformulac;ao do secularismo, que comec;ouno seculo XIX e queafetou a maneira como as pessoas interpretavam 0 estranho e 0 desco-nhecido; e, em terceiro lugar, uma forc;a, que se tornou uma fraqueza,embutida na propria estrutura da vida publica no Antigo Regime. Essaforc;a significava que a vida publica nao teve morte instantanea sob 0peso da sublevac;ao social e politica do final do seculo XVIII. A geo-

    -grafia publica se estendeu pelo seculo XIX adentro, aparentementeintacta, mas efetivamente transformando-se em seu interior. Essa he-ranc;a afetou as novas forc;asdo capitalismo e do secularismo, na mes-ma medida em que tais forc;asatuavam sobre ela. Pode-se pensar natransformac;ao da vida publica como tendo sido semelhante ao co-lapso que atinge atletas que foram excepcionalmente fortes, de modoque sobrevivem alem da juventude com poderes aparentemente in-tactos, e subitamente manifestam a decadencia que estivera dilapi-dando os seus corpos continuadamente, por dentro. Devido a essa for-ma peculiar de sobrevivencia, os sinais do "publicismo" (publicness)do Antigo Regime nao estao assim tao distantes da vida moderna,como a principio se poderia imaginar.

    A dupla relac;ao do capitalismo industrial com a cultura publicaurbana repousava, em primeiro lugar, nas pressoes de privatizac;ao queo capitalismo suscitou na sociedade burguesa do seculo XIX. Residia,em segundo lugar, na "mistificac;ao" da vida material em publico, e~-pecialmente em materia de roupas, causada pela produc;ao e distrt-buic;aoem massa.

    Os traumas do capitalismo do seculo XIX levaram aqueles quedetinham tais meios a se protegerem de todas as maneiras possivebcontra os choques de uma ordem economica que nem vitoriosos nemvitimas entendiam. Gradualmente, a vontade de controlar e de moldara ordem publica foi se esgastando, e as pessoas passaram a enfatizarmais 0 aspecto de se protegerem contra ela. A familia constituiu-senum desses escudos. Durante 0 seculo XIX, a familia vai se revelandocada vezmenos 0 centro de uma regiao particular, nao publica, e cada 1vez mais como urn refugio idealizado, urn mundo exclusivo, com urn ,valor mor~l ma~selevado do qu.e0 dominio publico. A familia burguesa 'tornou-se ldeahzada como a VIda onde a ordem e a autoridade eramincontestadas, onde a seguranc;a da existencia material podia ser con-comitante ao verdadeiro amor marital e as transac;oes entre membros -4da familia nao suportariam inspec;oesexternas. Na medida em que a Ifamilia se tornou refugio contra os terrores da sociedade, tambem setornou gradativamente urn parametro moral para se medir 0 dominiopuolico das cidades mais imRortantes. Usando as relaC;oesfamiliares Icomo padrao, as pessoas percebiam 0 dominio publico nao como u~conjunto limitado de relac;oessociais, como no Iluminismo, mas consi-deravam.~ntes a vida publica como moralmente inferior. A privacidade.ea establhdad~ ~a:eclam estar unidas na familia; e em face dessa ordemIdeal que a legitImidade da ordem publica sera posta em questao.. 0 capitalismo industrial estava tambem, e diretamente, em ati-Yldade~a vida material do proprio dominio publico. for exemplo, a "produc;ao em m~ssa de roup as e 0 uso de padroes de prodU0io em f-massa para alfaIates ou costureiras significavam que diversos seg-I"mentos do publico cosmopolita comec;avamde urn modo geral a adotaruma A.aparencia semelhante e que as marcas publicas estavam per- .,.}dendo suas f d'" Cd ormas IstIntIvas. ontudo, virtualmente, ninguem acre- l\Itava que com . . d d . .

    I. ISso a Socle a e estIvesse flCando homogeneizada' amil Ulna . 'f' . . . 't SIgllIIcava que as diferenc;as SOCIalS- diferen

  • lmodas mercadorias". Ele foi apenas um dentre os muitos que se im-

    ;..---. aram com a confluencia da produc;ao em massa, a homo-preSSIOn . .geneizac;ao da aparencia e, mais a~nd~, com, 0 ~ato ,de se revestlr COisasmateriais com atributos ou assoclac;oes propnas a persona I a e m-

    tima.-A interac;ao do capitalismo e da geografia publica ia em duas di-

    ~ rec;oes~fastava-se do publico, em

  • gui-Ios posso estar criando uma falsa barreira. A celebra9800 da objeti-

    vidade e de urn obstinado compromisso com os fatos, t800proeminenteurn seculo antes, tudo em nome da Ciencia, era na realidade uma inad-vertida prepara9800 para a atual era da subjetividade radical.

    Se 0 imp acto do capitalismo industrial iria desgastar 0 senti do davida publica como uma esfera moral mente legitima, 0 imp acto do novosecularismo iria desgastar essa esfera por urn caminho oposto, apre-sent an do a humanidade a maxima segundo a qual nada que despertesensa98oo, perplexidade ou simples aten9800 pode ser excluido a priorido campo da vida privada de uma pessoa ou ser despojado de qualquerqualidade psico16gica importante a ser descoberta. No entanto, 0 capi-talismo e 0 secularismo juntos proporcionam apenas uma vis800incom-pleta dos agentes de mudan9a em a9800no dominio publico, melhor di-zendo, urn quadro distorcido. Pois a soma dessas duas for9as teria con-tribuido para urn desastre completo, social e cognitivo. Todos os cha-voes catastr6ficos - aliena98oO, dissocia98oOetc. - teriam que ser pos-tos em circula98oO. De fato, se a hist6ria de como uma dimens800 publicafoi despeda9ada parasse nesse ponto, ficariamos na expectativa de quetivessem ocorrido revolt as maci9as no seio da burguesia, tempestadespolitic as e especies de furias iguais, em termos de paix800 - ainda quediferentes em substancia -, aquelas que os socialistas tinham espe-ran9a de que surgiriam entre 0 proletariado urbano do seculo XIX.

    A propria expansao de uma cultura urbana estabelecida ate 0mundo dessas novas for9as economicas e ideo16gicas as contrabalanc;oue manteve durante algum tempo uma aparencia de ordem, em meio aem090es muito dolorosas e contradit6rias. Os historiadores promovema cegueira a respeito dessa heran9a. Quando falam de uma evolu9a;;--qUe10l "divisora de aguas" ou do advento do capitalismo como uma

    r "~luC;fu)", sugerem frequentemente a imaginaC;8oo de seus lei to resque anteriormente existira uma sociedade, que durante a revolu9ao asociedade arou e que em seguida come90u uma nova sociedade. Essa--e uma vis800 da hist6ria humana baseada no ciclo vital da mariposa.

    \

    Infelizmente, e~enhum outro lugar a teoria da crisalida aplicada a _hist6ria humana resultou em urn efeito mais negativo do que no estudoda cidade. Expressoes como "a revolu9ao industrial urbana" e a "me-tropole capitalista" (empregadas igualmente por escritores de opinioespolitic as opostas) sugerem que antes do seculo XIX a cidade era uIllcoisa e que, depois que 0 capitalismo ou 0 modernismo fez a sua obra,era inteiramente outra. 0 erro e maior do que 0 de nao ver como uIllacondi98oOde vida vai se infiltrando na outra; e 0 fracasso em entender arealidade da sobrevivencia cultural e os problemas que esse legado,como qualquer heran9a, cria em uma nova geraC;ao.

    A burguesi~ continua~a a crer que "em publico" as pessoas expe-riIllentam sensa90es e rela90es hu:u.anas que n800poderiam ser experi-Ille~ as e~ quaIquer o~tro ce~ano ou contexto social. 0 legado dei-iilcio pel a cldad~ d~ Ant~go Re~lme estava unido aos impulsos priva-tizadores ~o ca~ltah~mo mdustnal de urn outro modo. Era em publico

    qUe ocorna a vlOla9ao moral e onde ela era tolerada' em pu'bl' -. .. . ' ICO,podia-se romper as leis da respeltablhdade. Se 0 terreno privado era urnrefUgio contra os terrores da sociedade como um to do urn ref" .. . _, , uglO cna-do pela. Ideahza9~0 da fam.dia, podia-se escapar da carga desse idealpor melO de urn tlp~ esp~cI~1 de experiencia: passava-se por entre es-tranhos, ou, 0 que e malS lmportante, por entre pessoas decididas apermanecerem estranhas umas as outras.. 0 publico como urn dominio imoral sigpificava coisas urn tanto

    dderentes para homens e mulheres. Para as tfulheres ra ond__ ...,.e--o-'. ' 100 e se cor-na 0 nsco de perder a virtu de, enxovalhar-s, er envolvida em "urnestonteante e desordenado torvelinho" (Thackeray). O,publieo-e a ideiade desgra9a estavam intimamente ligados. Para urn omem b A'bl' . h urgues, 0pu ICOtm a uma conota98oO moral diversa. Saindo e " '91-' ..!" d d 'bl' " -- 2u ICO,OUper en o-se no pu ICO , como era a express800 usada urn seculo an-tes, u~ homem er~ ~~paz de se retirar dessas mesmas caracteristicasrepreSSlvas e autontanas da respeitabilidade que se supunh t_ _ a es aremencarna as na.sua pe.ssoa, enquanto marido e pai, no lar. Assim, parao~ h~mens, a lmorahdade da vida publica estava aliada a uma ten-~en~la oculta, pa~a ~ue se percebesse a imoralidade como uma regi800:rhberdade, ao mves de uma regi800 de simples desgrac;a, como era

    p lahasmU.lheres. Nos restaurantes do seculo XIX, por exemplo umamu er sozmha res 't' I' d ', pel ave, Jantan 0 com urn grupo de homens aindaque seu marido esti t 1 'pa

    vesse en re e es, causaria uma sensaC;ao publica aosso que 0 fato d b A' 'tra"a . f' e urn urgues Jantar fora com uma mulher de ex-'\' 0 III enor era tacita' ..pico d porem conSClenClOsamente evitado como t6-

    e conversa entre t d Ih ' 'razao as I' _ 0 os os que e eram prOXlmos. Pel a mesma, Iga90es ext ' 'dvezes co d' raconJugms os homens da era vitoriana eram as

    n uZldas m' bi'namos al~ pu lcamente do que retrospectivamente imagi-, porque ocornam .da famili . num espa90 social que permanecia distante

    a, estavam "do lad d f" , ,AI" 0 e ora , numa espeCle de limbo moral. em dlsso em m d d ' 1 .nda em c ' . ea os 0 secu 0 passado, a experiencia adqui-

    _ ompanhla de est hnecessidad ran os come9a a parecer uma questao defor9as pesseou,rgente ~a formac;8ooda personalidade de uma pessoa. Ass alS podenam - d.esse a estra h nao se esenvolver se a pessoa n800 se expu-Ingenuo parn oSb- ~oder-se-ia ser demasiado inexperiente demasiado1lla a so reviver N . d 'nUais para' . _os manuals e eduCa9800 dos filhos e nos

    os Jovens dos anos 1870 ou 1880~' encontram--s-e ;eitera-

  • damente os temas contradit6rios da evitac;:ao dos perigos mun~~s nacompanhia de estranhos, e a ordem de se aprender tao completamenteos perigos do mundo, que a pessoa se tornaria ~uficient:mente fortepara reconhecer essas tentac;:oes ocultas. No Antigo Regime, a expe-riencia publica estava ligada a formac;:ao da ordem social; no seculopassado, a experiencia publica acabou sendo ligada a formac;:ao dapersonalidade. A experiencia mundana como uma obrigac;:ao para 0autodesenvolvimento apareceu nos grandes monumentos da cultura doseculo passado, bem como nos seus codigos de crenc;:a mais cotidianos.o tema fala em Les Illusions Perdues (As Ilusoes Perdidas), de Balzac,nos Souvernirs (Recordac;:oes), de Tocqueville, nas obras dos darwi-nistas sociais. Esse tema imoderado, doloroso, difuso, era a conjunc;:aode uma crenc;:a subsistente no valor da experiencia publica com 0 novocredo secular de que todas as experiencias podem ter urn valor igual,porque todas tern uma importancia igual e potencial para a formac;:ao

    doeu.Temos, por fim, que nos perguntar de quais indicac;:oes dispomos

    nos dias atuais, na experiencia comum, sobre as transformac;:oes ocar-ridas no seculo passado. De que maneiras forc;:as aparentemente abs-tratas, como a privatizac;:ao, 0 fetichismo dos bens de consumo ou 0secularismo, incidem em nossas vidas? Dentro do ambito das crenc;:ascorrentes sobre a personalidade, podemos discernir quatro dessas co-nexoes com 0 passado.

    Em linguagem corrente, fala-se atualmente em fazer algo "inconscien-temente" ou em cometer urn lapse "inconsciente" que revel a a outremos verdadeiros sentimentos. Nao importa que esse uso nao tenha sen;tido em qualquer acepc;:ao estritamente psicanalitica. 0 que ele revel a euma crenc;:a na exposic;:ao involuntaria da emoc;:ao, e essa crenc;:a tomo~forma no seculo passado, na medida em que 0 ato de atribuir pesos avida publica e a vida privada tornou-se desequilibrado. Por vol~a ~ofinal do seculo, a noc;:ao da exposic;:ao involuntaria de estados pSlcol~-gicos apareceu muito claramente na priitica f10rescente da frenolog

    la

    _ a leitura da personalidade a partir da forma da cabec;:a - e daSmensurac;:oes de Bertillon em criminologia, pelas quais psicologoS ten~tavam identificar futuros criminosos atraves de caracteristicas cr

    a

    nianas e de outros trac;:os fisicos. Em ambas, pensava-se que aquilo queuma pessoa e psicologicamente aparecia tanto fisica quanto involun-

    I

    . mente' a personalidade e um estado nao sujeito a ajustamentostana' _.. .'ados e seguros. Em noc;:oesmals refmadas, como as de Darwm, tam-

    bg~1 se pensava que estados emocionais transitorios fossem expostosem d d . oluntariamente; na ver a e, mUlto das primeiras investigac;:oes psi-

    mv . ,. d . dnaliticas baseou-se em urn pnnClplO enva 0 de Darwin: a saber,c~e 0 processo primario poderia ser estudado em adultos, porque esca-~ava a vontade e ao controle do a~ulto. ~um nivel mais amplo, no augeda era vitoriana, as pessoas.acredltavam que suas roup as e seu discursorevelavam as suas personahdades. Receavam igualmente que estivessealem de seu poder modelar tais signos, que seriam manifestados aosoutros por lapsos de linguagem involuntuios, gestos do corpo ou atemesmo no modo como se adornavam.

    o resultado era que a linha divisoria entre sentimento parti-cular e demonstrac;:ao publica desse sentimento poderia ser apagada, eisso estava alem do poder regulador da vontade, A fronteira entre pu-blico e privado ja nao era obra de. uma resoluta mao humana. Assimsendo, mesmo quando a realidade separada do dominio publico per-manecia sendo crivel, seu controle nao mais parecia ser urn ate social.o que hoje e popular e erroneamente denominado comportamento "in-consciente" era prenunciado por essas ideias de desvendamento invo-luntario da personalidade em publico.

    o segundo trac;:o da crise do seculo XIX esta no discurso politicocomum em nossos elias. Tendemos a descrever como lider "confiavel", cansmatico", ou "alguem em quem se pode acreditar", aquele quefor capaz de atrair grupos cujos interesses sao alheios as suas crenc;:aspes.soais, ao seu eleitorado ou a sua ideologia. Na politica moderna,se~la suicidio para urn !ider insistir em dizer: esquec;:am a minha vidapnvada; tudo 0 que precisam saber a meu respeito e se sou born legis-lador ou born executivo e qual a ac;:ao que pretendo desenvolver nocargo A ' 'd' ." . 0 mves ISSO,hcamos alvoroc;:ados quando urn presidente fran-

    tceshconservador janta com uma familia da classe trabalhadora emboraen 'd ~, ~oucos dias antes, aumentado os impostos sobre os salarios in-ustnals' ou t- . " .' en ao, acredltamos que urn presidente americano e maisautentico" f'porqu au con lavel do que seu predecessor caido em desgrac;:a

    "cred.~,ol' novo homem prepara 0 seu proprio cafe da manha. Essa I I Idade" politic a ' , - d' ." ,lIt1ag'l ' . e a superposlc;:ao 0 Imagmano pnvado sobre 0

    nano pubr 'como res I ICOe, tambem neste caso, surgiu no seculo passado,d . u tado de conf - t "d I' 'OISambo usoes compor amentals e I eo oglcas entre os

    ItoS.

    o imaginar' . I' . .,80s objet 10 PSICOOgICO,como Ja se observou, era superposto

    os para vend 'bl' 0 .a em pu ICO. mesmo tipo de processo comec;:ou

  • t ento dos politicos perante multidoes nas ruas: em pri-no compor am. 1 manifestado de modo marcante nas revolw;oes de 1848.melro ugar, . _

    Atentava-se, ao se observar alguem em publico, par.a as mten

  • d "b'lidade e do isolamento que ronda tanto ao paradoxa a VISI I'IA ' 'bl'" d a originou-se nesse direito ao Sl enclo pu ICOque'da pubhca mo ern . , "b'l'd d

    VI , I do 0 isolamento em mew a VlSI I 1 a eforma no secu 0 passa . A" .tomou qiiencia 16gica da insistencla no dlrelto deos outros era uma conse ., ,par~ I d ao se aventurar nesse dominio ca6ttco, porem amdase ftcar ca a 0

    atraen;ei do legado da crise da vida publica no seculo XIX e falar deandes af~:c;as como 0 capitalismo e 0 secularismo, de urn lad~, e des-

    gr atro condic;oes psicol6gicas, do outro: desvendam.ento m:olun-~~;i;~a personalidade, superposic;ao do imaginario pubhco ~ p:l:ado,d:fesa atraves do retraimento e silencio. As obsessoes co~ almdlvlduda-

    I s enigmas do secu 0 passa 0I'd de sao tentativas para se so ucwnar 01 a _ A' f 'd de e uma tentativa de se resolver 0 problemapela .negac;ao. d m Iml a - ble~a publico exista. Como acontece compubhco negan 0 que 0 pro .. ttoda nega

  • e sem estardalha
  • ricana e na sociedade europeia, se ela seguisse 0 mesmo caminho, Ainterpreta9ao erronea dos valores de Riesman era uma conseqiiencia16gica da cultura na qual vivia seu publico; pois aquela gera9ao eradominada pelo desejo de usar a vida psicol6gica como uma fuga de, euma censura a, urn mundo social vazio, A censura e as revolt as sub-seqiientes daqueles elementos da gera9ao de 1960, que incentivaram 0"vamos conversar juntos antes de agir", nao eram desafios contra acultura dominante, mas na verdade uma inadvertida intensifica9ao dodesequilibrio entre urn dominio publico vazio e urn dominio intimo so-brecarregado com tarefas que nao poderia realizar.

    A importlincia da obra de Riesman nao reside apenas em comoela foi mal interpretada; nem esta no fato de que 0 pr6prio Riesmaninterpretou mal urn modelo de movimento hist6rico, des de que, na ver-dade, tern havido urn movimento de algo semelhante a sua sociedadedirecionada para 0 outro, para uma sociedade voltada para 0 interior,A realiza9aO de Riesman foi criar uma linguagem psicossocial para esseproblema geral e multiforme. Alem disso, Riesman foi 0 primeiro amostrar por que aqueles que estao preocupados com a sobrecarga davida intima que afeta 0 poder expressivo das pessoas obcecadas consigomesmas encaixam-se em uma tradi9ao especifica do pensamento so-cial. E a tradi9ao estabelecida no seculo XIX pelo escritor Alexis deTocqueville,

    Tocqueville inicia sua critic a moderna em urn ponto especifico nasua obra, no segundo volume de Democracia na America, publicadocinco anos ap6s 0 primeiro, Neste, via os perigos da democracia que seequacionava com a igualdade, perigos que residiam na supressao dosdesviantes e dissidentes pela maioria que governa. No segundo vo-lume, a enfase esta nas condi90es da vida cotidiana num estado deigualdade, e nao na politica; aqui, 0 perigo da supressao dos desviantese substituido por urn perigo mais complexo e matizado. 0 perigo estaagora em meio a massa de cidadaos, e nao entre os seus inimigos, Poisem uma igualdade aproximativa de condi90es, acreditava Tocqueville,as intimidades da vida ganhariam uma importancia crescente. Sendo 0publico composto de outros-iguais-a-si-mesmo, poder-se-ia confiar oSneg6cios publicos as maos de burocratas e funcionarios de Estado, quepoderiam cuidar dos interesses comuns (isto e, iguais). As questoesatraentes da vida teriam entao cada vez mais urn carater psicol6gico,na medida em que os cidadaos, confiando no Estado, abandonass~msuas preocupa90es com 0 que estivesse ocorrendo fora do ambito da 10-timidade, Qual seria 0 resultado disso?

    Tocqueville 0 via como uma dupla constri9ao. 0 grau de riscOemocional que os horn ens estariam dispostos a correr tornar-se-ia cada

    menor, Os homens seriam continuadamente ambiciosos, sem, po-vez d' -' 'f '1 ', agasalhar gran es palXoes, e mUlto menos mam esta- as, POlS arem, , b'l'd d d 'd" E, ao poria em nsco a esta I I a e a VI a lOtIma. m segundo lugar,palX d '" d'f' 'ratifica90es 0 eu tornar-se-Iam malS e mais I Icels, uma vez que,as g T 'II I l' ,mentava ocquevi e, qua quer re aClonamento emoclOnal so-argu , 'f" f b'd dente pode ser sigm IcatIvo se or perce I 0 como parte e uma rede: re1a90es sociais, e nao do "solitario fim inexpressivo" do individua-

    lismo.Poucos escritores de hoje que seguem a tradi9aO tocquevilliana

    ceitam sua base genetica: a cren9a de que esses males psiquicos sao:esultado da sociedade da igualdade de condi90es. Nem na obra deTrilling, nem na de Riesman ha a cren9a de que a igualdade "cause" avisao intima. Mas, se nao for a igualdade, 0 que sera entao? Essa e adificuldade enfrentada por essa escola nos tempos modernos, nao obs-tante a complexidade de seu discernimento moral e sua preocupa9aohumanitaria com 0 estrangulamento emocional criado pel a intimidade.

    A segunda abordagem modern a dos problemas da vida intimatern, de fato, se preocupado com essas causas, e tratado menos dascomplexidades morais e psicol6gicas resultantes delas, Essa abordagemesta corporificada no trabalho realizado pelos membros do Instituto dePesquisas Sociais (a "Escola de Frankfurt"), ap6s a Segunda GuerraMundial. No periodo que antecedeu a guerra, os membros do Instituto,principalmente Theodor Adorno, tentaram realizar analises em grandeescala sobre 0 conceito de autenticidade do sentimento, tanto no nivelda experiencia cotidiana quanta em termos de n090es mais filos6ficas,tais como as de Hegel. Ap6s a guerra, membros mais jovens, comoJurgen Habermas e Helmut Plessner, retomaram esse trabalho em ter-mos de uma mudan9a de significa9ao do "publico" e do "privado",Habermas estudou sondagens de opiniao publica para deduzir 0 que sepensava a respeito da dimensao publica da vida social; Plessner ligou amudan9a na valoriza9ao entre publico e privado a mudan9a no caraterdas cidades. Essa gera9ao mais jovem afastou-se em parte da profundi-~ade psicol6gica de Adorno e Max Horkheimer por uma enfase maiseconomic a" - se entendermos por economia 0 sentido mais amplo da

    P~OdU9aodos meios de subsistencia. Ao faze-lo, apoiavam-se em no-~oes desenvolvidas por Marx sobre a "privatiza9ao" na ideologia bur-guesa isto e s b t dA ' , ' , I'P , ,ore a en enCla compensatona no capIta Ismo modernoi:r.a que pessoas que trabalham em situa90es impessoais de mercado

    q:lst~m no ambito familiar e na educa9ao dos filhos os sentimentose nao pod' , ,enam mvestIr em seu trabalho.~_ _Resultou dai urn grande refinamento da terminologia da "priva-'~a~ao", mas esses escritores, especialmente Plessner, pagaram por ela

  • It Uma vez que se encaixavam mais na ortodoxia mar-urn a 0 precyo. . .. t s males decorrentes, que eles retrataram, tornaram-se mvana-

    XIS a, 0 . l' dvelmente unidimensionais; 0 homem se tornou um.a cnat~ra a le~a a,f dora nas maos de urn sistema horrendo, urn sIstema mternahzadoso re , . .,

    em seus proprios sentimentos - em lugar de uma cnatura cu}as pro-rias propensoes para a autodestruicyao e a falta de expressao eram

    p . d .reforcyadaspor urn sistema destrutivo. Surge a hnguagem a pura. VI-timizacyao.Visto que uma vitima pura e alguem que receb~ passlva-mente os golpes do destino, perderam-se todas as complexldades daverdadeira vitimizacyao,especialmente a participacyao ativa na propriadegradacyao,percebida pelos escritores tocquevillianos. .

    Cada uma dessas escolas tern uma forcyaque falta as demals. Aprimeira tern urn poder descritivo e urn discernimento dos fename~osda visao intima; a segunda, uma linguagem refinada, apesar de restntaao topico marxista da privatizacyao, de como se produziram tais fena-menos. Entretanto, a primeira escola se harmonizava com 0 fato de que,por tnls da questao do ensimesmamento, ha uma questao mais funda-mental. Percebem que 0 potencial expressivo dos seres humanos podeser estimulado por urn conjunto de condicyoessociais e tambem que taiscondicyoespodem reforcyaros proprios impetos destrutivos da pessoa. Ageracyaomais jovem da Escola de Frankfurt foi ficando gradativamentesurda a esse problema oculto, enquanto os males da sociedade mo-derna foram sendo expressos em todos os catastroficos lugares-comunsda alienacyao,da despersonalizacyaoetc.

    Para superar esses problemas - para ser tanto historico quantasensivel as complexidades da decorrencia historica -, e necessario aurn so tempo urn metodo e uma teoria. Freqiientemente, os cientistassociais induziam a out;;s e a eles mesmos em erro, ao escreverem comose urn metodo fosse urn meio neutro para se atingir uma finalidade, demodo que urn cientista pudesse "aplicar" uma teoria a urn problema.Ao estudarmos a erosao dos papeis publicos, estamos adotando urnmetodo de investigacyaoque e, ao mesmo tempo, uma teoria sobre 0nosso assunto - a saber, que 0 assunto contem mais coisas do que ~sque se veem, que ele contem 0 problema oculto das condicyoesnas quaISos seres humanos sac capazes de se expressarem mutuamente de formaeficaz.

    Urn papel e geralmente definido como urn comportamento apropriadoa algumas situacyoes,mas nao a outras. 0 choro, como tal, e um Com-

    ortamento que nao pode ser descrito como urn "papel"; ja 0 choro em~m funeral e comportamento que pode ser descrito desse modo: e es-perado, apropriado e especifico para tal situacyao.Grande parte do es-tudo dos papeis tern consistido em urn catalogo de qual 0 tipo de com-portamento apropriado a urn determinado tipo de situacyoes,e as teo-rias atualmente aceitas sobre os papeis referem-se ao modo como asociedade cria definicyoesde adequacyao. No entanto, esses catalogoscostumam fazer vista grossa para 0 fato de que os papeis nao sao apenaspantomimas ou espetaculos silenciosos nos quais as pessoas exibemmecanicamente os sinais emocionais certos no lugar e no momentacertoS. Os papeis envolvem tambem codigos de crencya- -quanto e emque termos as pessoas levam a serio 0 seu_pr6prio comportamento, 0compor amen 0 Gos-outros e as situacyoesnas quais esfao-envolvidas.Para alem de qualquercata ogacyaode como as pessoas se comportam,existe a questao de saber qual 0 valor que atribuem ao comportamento"especifico para a situacyao". Os codigos de crencya,juntamente com 0comportamento, formam urn papel, e e exatamente isso que torna taodificil estuoar liistoricamente os papeis. Algumas vezes, novos padroesde comportamento continuarao a ser interpretados a partir de velhosc6digos de crencya,e, outras vezes, a mesma especie de comportamentocontinuara no tempo, mesmo quando se chegou ja a novas definicyoesdaquilo que ela significa.

    Ha tipos especiais de crencyasenvolvidos no problema dos papeis.Pode-se verificar isso ao distinguirmos uma tal crencyade dois termosafins: "ideologia" e "valor". A crencyapode ser separada da ideologiade urn modo simpl6rio. A afirmacyao: "os trabalhadores sao coagidospelo sistema" e uma sentencyaideo16gica. Como tal, e uma f6rmula decognicyao,l6gica ou il6gica, para um conjunto dado de condicyoesso-ciais. A ideologia torna-se crencyano momento em que se torn a cons-cientemente envolvida no comportamento de quem a esposa. E fre-quente confundir-se ideologia com crencya,porque a cognicyaoe confun-dida com crencya."Eu 0 amo", enquanto uma amostra de linguagem, euma expressao cognitiva coerente; se e crivel ou nao, depende de fa-tores outros do que 0 fato de ser uma sentenl'a completa, ter sido pro-f 'd .,.en a em urn momento apropriado por uma pessoa a outra etc.t Muito da opiniao que se tem a respeito da vida social nunca nosdocaou influencia com muito vigor nosso comportamento. A ideologiaCessetipo passivo aparece em sondagens modern as de opiniao publica.onta-se au' d . d I' A 'u b m pesqUlsa or 0 que se pensa a respelto a neg 1genclar ana d ' f . .a ' a 10 enondade dos negros; 0 pesquisador pensa entao chegaruma verd d' .ni~ a e quanto a esses senhmentos expressos, porque essas Opl-oes podem ser racionalmente relacionadas ao status social, a ins-

  • truc;ao etc. do inform ante e, em se~uida, as pessoas. comportam-se demodo discord ante com aquilo que dlsseram ao pesqmsador. Urn exem-plo claro disso aconteceu nos Estados Unidos, no inicio dos anos ,1970:os burocratas sindicalistas condenavam ao mesmo tempo e rmdosa-mente aqueles que protestavam contra a Guerra do Vietna, qualifi-cando-a de impatri6tica, e pressionavam com vigor e concretamente 0governo para que este pusesse fim a guerra. 0 estudo da crenc;a enca-rada como oposta a opiniao publica e portanto uma investigac;ao dessessentimentos e disposic;oes que estao presos as ac;oes e as influenciamdiretamente. Os c6digos de crenc;a nos papeis podem ser formalmentedefinidos como a ativac;ao da ideologia, e essa ativac;ao se opera at ravesda influencia de condic;oes sociais, e nao atraves dos preceitos da coe-rencia lingiiistica.

    As expressoes "valores sociais" e "sistema de valores" sac barba-rismos que as ciencias sociais impuseram a linguagem corrente. Con-fesso que nunca entendi 0 que e urn "valor". N300e coisa. Se e umaparte da linguagem pela qual as pessoas racionalizam seu mundo so-cial, deveria ent300 ser tratado como uma parte da ideologia. Se urn"valor" for uma "ideia estimada", entao 0 termo e uma confus3oOcom-pleta. "Liberdade" e "justic;a" sac ideias estimadas que significam di-ferentes coisas para diferentes pessoas, em diferentes epocas; chama-las valores sociais per se n300esclarece as razoes pelas quais sac valo-rizadas.

    Assim, uma crenc;a sera considerada como uma ativaC;3ooda cog-niC;3oo16gica da vida social (ideologia); essa ativaC;3ooocorre fora dasregras lingiiisticas de coerencia; 0 termo "valor" e deixado de lade porser obscuro. As crenc;as pertinentes aos papeis nao estao, portanto, cen-tralizadas na natureza de Deus nem na constituic;3oo fisiol6gica do ho-mem; prendem-se a atos especificos de comportamento; dizem respeitoaquilo que uma pessoa cre experimentar quando reza em uma igreja,considerado em oposiC;3ooao fato de se rezar espontaneamente duranteurn passeio pelo campo. Sua noc;ao daquilo que a cirurgia ira realizarao livrar 0 seu corpo de urn fluido maligne e suas opinioes gerais notocante a cirurgia sac tipos diferentes de crenc;a. E sensato objetar quenao pode haver distinc;ao 16gica entre uma crenc;a geral em Deus e acrenc;a nele quando se e capaz de orar a ele numa igreja; e bem verdadeque pode n300haver diferenc;a, como pode bem haver alguma. E focali-zando situac;oes especificas que se pode investigar quaisquer nuanc;asde aC;3ooque derivem de sua relac;ao com a aC;3oo,e elas podem enganar 0estudioso de "visoes de mundo", de mentalidades, de culturas etc.

    o estudo dos papeis tern uma longa (embora n300 reconhecidapelos soci610gos) hist6ria no pensamento ocidental. Uma das mais an-

    f as concepC;oes ocidentais da sociedade e ve-Ia como se fosse urn tea-

    tlg E a tradic;ao do theatrum mundi. A vida humana como urn espe-roo

    taculo de fantoches encenado pelos deuses, esta era a vis300de Plat300nas Leis; a sociedade como urn teatro era 0 lema do Satyricon de Pe-tronio. Nos tempos crist3oos, era freqiiente pensar-se que 0 teatro doffiundo tinha uma plateia composta por urn unico espectador, Deus.que assistia angustiado dos ceus ao pavonear-se ao mascarar-se de seusfilhos aqui na terra. Por volta do seculo XVIII, quando se falava domundo como urn teatro, comec;ou-se a imaginar urn novo publico parasua postura: espectadores uns dos outros, e a angustia divina dandolugar a urn audit6rio que deseja usufruir, embora urn tanto cinica-mente, a representac;ao e as falsas aparencias da vida diaria. E, emepocas mais recentes, essa identificaC;3ooentre teatro e sociedade pros-segue, na Comedie Humaine (Comedia Humana), de Balzac, em Bau-delaire, Thomas Mann e, curiosamente, em Freud.

    A imagem da sociedade como urn teatro nao possui urn signifi-cado unico ao passar por tantas m300se por tanto tempo, mas vem ser-vindo a tres prop6sitos morais constantes: 0 primeiro foi 0 de introduzira Husao e a desilusao como questoes fundamentais da vida social, e 0segundo foi 0 de separar a natureza humana da aC;3oosocial. 0 homemenquanto ator suscita crenc;a; fora das condic;oes e do momento do de-sempenho, essa crenc;a poderia, de outro modo, nao ser acessivel: cren-c;a e ilus300 est3oo, portanto, unidas nesta imagem da sociedade. Demodo semelhante, a natureza de urn ator nao pode ser inferida a partirde qualquer papel particular que ele tenha desempenhado, pois emuma pec;a diferente ou em uma cena diferente ele pode aparecer comurn carater totalmente diverse; como ent300 inferir a natureza humana apartir de aC;oesno teatro da sociedade?

    Em terceiro lugar, e mais importante, as imagens do theatrum,!!undi sac retratos da arte que as pessoas praticam na vida cotidiana.E a arte de representar, e as pessoas que a praticam estao desempe-nhando " ,." P ,, . papels. ara urn escntor como Balzac, esses papeis sac asvanas mascaras necessarias que se usam em diferentes situac;oes. 0homem como uma criatura de mascaras harmoniza-se perfeitamente acrenc;a de Balzac, bem como a de outros escritores que perceberam asrelac;oes hum ' 'd ' .h an as como uma espeCle e comedle, onde nem a naturezaum.ana nem qualquer definic;ao unica da moralidade poderia jamais

    ser flrme t d' ,men e eduzlda a partIr do comportamento.f Ironicamente, na medida em que os soci610gos modernos foramIcando cada . . d 'def . vez malS mteressa os nas mascaras (deselegantemente

    IDJdas como" t 'f' .)sa compor amentos espeCI ICOSpara uma SltuaC;3oO", de-pareceram as - . I" T I . ,preocupac;oes moralS c asslcas. a vez IStO seJa uma

  • simples falha do conhecimento. Com demasiada freqiiencia, os ana-listas de papeis escrevem como se na era "pre-cientifica" ideias afinsfossem desconhecidas. Talvez os cientistas da sociedade estejam dis-postos a crer que 0 comportamento humano e os principios humanossaD de algum modo distintos e que a ciencia se dirija apenas ao pri-meiro. Mas, creio eu, ha algo mais operando nessa diminuir;ao de dis-cernimento, nesse estreitamento do campo que os sociologos modernosefetuaram na tradir;ao do theatrum mundi. Ele se relaciona precisa-mente com a propria mudanr;a da import an cia atribuida a vida publicae a vida privada, e e graficamente re e-Jaa a obra do principal ana-lista contemporaneo de papeis, Ervi g Goffma, .

    Goffman estudou uma ampla ama de sHuar;oes humanas, desdea de fazendeiros das Ilhas Shetland a doentes mentais, aos problemasde pessoas fisicamente deformadas; investigou sistemas de trafego nascidades, anuncios, cassinos e salas de cirurgia. E urn observador extre-mamente sensivel e atilado e ressalta pequenos fragmentos e intercam-bios que, na realidade, ocupam um lugar de relevo na estruturar;ao dasinterar;oes de pessoas. As dificuldades surgem em seu trabalho quandoele procura formular essas observar;oes dentro de urn sistema teorico.

    Cada uma das "cenas" de seu texto e uma situar;ao fixa. Como acena tomou forma, como aqueles que nela desempenham papeis modi-ficam a cena com seus atos, como cada cena pode aparecer ou desa-parecer em razao de forr;as historic as mais amplas em funcionamentona sociedade? Goffman e indiferente a essas questoes. A sociedade decenas, estatica e sem historia, de seus livros deriva de sua crenr;a se-gundo a qual nas relar;oes human as as pessoas sempre procuram esta-belecer uma situar;ao de equilibrio: dao e tiram mutuamente, ate cria-rem estabilidade suficiente para saberem 0 que esperar, equilibrandomutuamente suas ar;oes; as ar;oes equilibradas sao os "papeis" de umadeterminada situar;ao. 0 elemento de verdade da abordagem se perde,porque Goffman nao tem ouvidos para, isto e, na verdade nao se inte-ressa pelas forr;as da desordem, da ruptura e da transformar;ao quepodem intervir em tais arranjos. Temos aqui urn quadro da sociedade noqual ha cenas mas nao ha enredo. Uma vez que nao ha enredo nessasociologia, nao ha tampouco historia, nela nao existem personagens,no senti do que esse termo tern no teatro, pois essas ar;oes nao provocarnmudanr;as nas vidas de sua gente; ha somente infindaveis adaptar;oes.No mundo de Goffman, as pessoas se comportam, mas nao tern expe-riencia.

    A atenr;ao dad a ao comportamento estatico em papeis, as expen-sas da atenr;ao para com a experiencia adquirida em tais situar;oes,deriva de uma suposir;ao moral fundamental nesse tipo de investigar;ao

    aparentemente amoral. Esses papeis nao admitem muito engajamento.Excetuando-se 0 caso dos desviantes enquanto insanos e deformadosha pouco investimento de sentimentos entre os varios atores. De fato, s~um determinado papel implica qualquer dor, Goffman retrata aquelesque nele estao como pessoas que nao desafiam as suas circunstanciassociais e, ao contrario, "0 individuo se vira, se torce e se contorce, aternesmo quando se deixa levar pela definir;ao controladora da situar;ao ...o individuo ... e um prestidigitador e urn sintetizador, urn conciliador eum apaziguador ... "

    Visto.~ue. as "d~finir;oes controladoras" estao fixadas, 0 que tor-na a expenencla malS complexa e a prestidigitar;ao. Em outras pa-lavras, os autores da escola de Goffman apresentam menos uma teoriageral da sociedade do que urn primeiro sintoma do mal-estar modernoque constitui 0 tema deste livro - a incapacidade de imaginar relar;oessociais que suscitem muita paixao, uma imaginar;ao da vida publica naqual as pessoas se comportam e controlam seu comportamento so-mente por meio de retraimento, "conciliar;ao" e "apaziguamento".

    Como foi que os termos do desempenho de papeis mudaram a ponto dese tornarem cad a vez menos temas de expressao e cada vez mais assun-t?S ~~ neutraliz~r;a~ e apaziguamento de outrem? Levantar a questaoslgmfICa, em pnmelro lugar, reviver a preocupar;ao moral contida naescola c1assica do theatrum mundi, especialmente a sua crenr;a de quea repres t - , .en ar;ao e expresslva, de que quando se investe sentimento emseus p ,. d .

    apelS a qUire-se algo do poder de urn ator. Mas, nesse caso aodesempenh ,. ,

    N arem p~pels, em que as pessoas engajam suas paixoes?o teatro, ha uma correlar;ao entre a crenr;a na persona do ator e

    a crenr;a em con - Avenr;oes. per;a, a representar;ao e 0 desempenho exi-gem crenr;a nas -Yen -, . convenr;oes para serem expressivos. A propria con-e r;ao e 0 malS expressivo instrumento da vida publica. Mas, numapoca na qual as I - , .

    C _ re ar;oes intimas determinam aquilo que sera crivelonvenr;oes tT' .pes ' ar 1 lCIOSe regras surgem apenas para impedir que uma

    soa se revele a 0 t . - b' I ' , -qUe0 d .,. u ra, sao 0 stacu os a expressao Intima. A medidapesso eseqUlhbno entre vida publica e vida intima foi aumentando as

    as tornaram-se . A 'psicol' . menos expresslvas. Com a enfase na autenticidade

    oglca tornara d .sao inc' m-se esprovldas de arte na vida cotidiana, poishabilid adPazes ?e recorrer a forr;a criativa fundamental de um ator, a

    a e de Jogar c . .do eu. Che a ?m" e ~n~estIr sentimentos em, imagens externas

    g mos aSSlm a hlpotese de que a teatralidade tem uma re-

  • la~ao hostil com a intimidade; e que a teatralidade tem uma rela~aoigualmente especial, mas amigllVel e cordial, com uma vida publica

    vigorosa.Como as experiencias que uma plateia de estranhos tem no tea-tro, ou no teatro de revistas, podem se comparar as experiencias quetem nas ruas? Em ambos os dominios, a expressao ocorre em um meiode pessoas relativamente estranhas. Numa sociedade com uma vidapublica forte, deveria haver afinidades entre os dominios do palco e darua; deveria haver algo comparavel na experiencia expressiva que asmulti does vem tendo em ambos os dominios. A medida que a vidapublica enfraquece, tais afinidades devem diminuir. 0 cenario 16gicopara estudarmos a rela~ao palco-rua e a grande cidade. E nesse meioque a vida entre estranhos esta em evidencia e que as transa~oes entreestranhos adquirem uma importancia especial. Em suma, 0 assunto damudan~a de valoriza~ao atribuida a vida publica e a vida intima deveser esclarecido por um estudo hist6rico comparativo das mudan~as depapeis no palco e na rua, em um cenario no qual a vida publica mo-derna, baseada em uma sociedade secular, burguesa, impessoal, se

    afirmou em primeiro lugar: a cosm6polis,Comparar 0 surgimento da cren~a dentro das artes cenicas ao

    surgimento da cren~a nas ruas deve necessariamente causar inquie-ta~ao, pois isso significa associar a arte a sociedade, e desde 0 seculoXIX essa associa~ao tem sido desconfortavel. Quando, em fins do se-culo XIX, os historiadores usavam as artes como instrumentos para 0estudo da vida social, era normalmente a vida social de uma pequenaelite _ patronos, principais personalidades da epoca, e assim pordiante _ que se referiam. Pode-se pensar em escritores como MatthewArnold ou Jakob Burckhardt, que consideravam a arte como uma cha-ve para se entender 0 conjunto de uma sociedade, mas esses homensforam na sua epoca exce

  • existe uma geografia publica, a expressiio social sera concebida comouma apresentat;iio, para os outros, de sentimentos que significam em sie para si, ao inves de se-lo como uma representat;iio, para os outros, desentimentos presentes e reais para cada eu. As quatro estruturas aquitipificadas sac portanto de audit6rio, de continuidade de regras decren
  • , d f 'I' prevalecia urn senso mais negLige e inteiramentepnvado a ami la,animado de vestimenta corporal. , _

    Q d urge uma ponte entre rua e palco em resposta a questaouan 0 s , ' -, 'II' , I te'I'a nasce uma geografia pubhca. POlS entao e posslvere atlva a P a , 'd

    acreditar na realidade tanto de pesso,a~ d~sc,onhecldas quanta e perso-nagens imaginarias, como num dommlo umco. .'

    Vma vez Balzac falou das diferen

  • Para se tra9ar urn grafico do desaparecimento desse mundo, sa,o

    t d d S duas decadas do seculo XIX, as de 1840 e de 1890, Na de-es u a a 'f f .d d 1840 e no inicio dos anos 50, tornaram-se mam estos os e eltosca a e " b ' ,

    d Pitalismo industrial sobre as apari90es visuals ever alsem pu-o ca , ' d'bl' N s anos 1890 houve revoltas percephvels tanto no IscursoICO. 0 . " 'd dquanto no vestuario, contra os termos da vida pubhca da d~ca a e1840. Para as decadas de 1840 e 1890, os assuntos estudados sao, comopara 1750, imagens do corpo, pa,dr~es de discurs?, _0 homem, e~quant?ator, teorias da expressao em pubhco e as condH;oes ma.tenal~ d~ CI-dade. Nossa aten

  • ficar a sua experiencia da dor, da ambigiiidade e das pressoes dasnecessidades, que formam em parte qualquer relacionamento publico.The Hidden Injuries of Class (Ferimentos Ocultos de Classes) e urn es-tudo de como a classe social esta atualmente sendo interpretada comouma questao de personalidade, e a despolitiza
  • CAPiTULO 3A PLATE/A:

    UM CONJUNTO DE ESTRANHOS

    Para compreendermos 0 declinio da vida publica, e necessano queentendamos as epocas durante as quais ela foi vigorosa e os termos nosquais foi mantida. Os quatro capitulos seguintes descrevem a forma-9ao, a presen9a, as dificuldades e as conseqiH:ncias da vida publica emParis e Londres em meados do seculo XVIII. Convem dizer algumacoisa a respeito de duas expressoes empregadas nesta descri9ao: a pri-meira, "antigo regime"; a segunda, "burguesia".

    A expressao "antigo regime" e usada muitas vezes como sino-nimo de feudalismo; poderia assim se referir a urn periodo de tempoque abrange desde antes dos anos 800 ate depois de 1800, Prefiro, po-rem, seguir 0 uso estabelecido por Tocqueville: "antigo regime" se re-fere ao seculo XVIII, especificamente ao periodo no qual a burocraciacomercial e administrativa se desenvolve nas na90es, paralelamente apersistencia de privilegios feudais. Desse modo, a Inglaterra teve urn"antigo regime", tal como a Fran9a, muito embora nem a burocracianem os privilegios feu dais fossem os mesmos nos dois paises. Por vezes,qu~ndo pensamos na "velha ordem", somos propensos a imaginar uma~OCle?adedecadente, cega a podridao existente em seu interior; 0 ver-adelro "antl'g '" d . h d I' d'fc 0 regime na a tm a essa sono enta m I eren9a para

    seomsuas pr6prias contradi90es. Dois principios que jamais poderiamrreconcT dtensa . I ~a os foram, durante muito tempo, postos lado a lado numa

    o tnquletante.

    gido. ~~anto ~o termo "burguesia", confesso-me urn tanto constran-tuoso paul m ~umero muito grande de hist6rias de conspira90es do vir-. ro etanado 'd If'Sla na R exaun 0 pe as or9as do mal hderadas pel a burgue-dias de ho~a de Augusto, na Benares medieval ou na Nova Guine dos

    0Je, Essa analise medinica das classes e Uio obtusa que, muito

  • . a no leitor urn desejo de nunca mais ouvir falar emloglcamente, provoc . ., I '

    " "b rguesl'a" Infelizmente, a burguesla eXlsha, a c asse e urn"classe e u . . .de algum modo que falar delas como COlsas realS, semfato e tern os,' .

    , , demonologia Provavelmente, nenhum estudo da cldaderecorrermos a' ..d

    ' I XVIII poderia evitar uma analise da burguesla urbana, POlSo secu 0 . f .I tavam seus governantes, administradores, seu apOlo mancelro ene a es ,. "b' " ,b a parte de sua populaC;ao. Alem dlSSO, 0 termo urguesla e

    uma 0 , . " . d' . - dmais abrangente do que "classe medla ; este m. lca a poslc;ao e um~pessoa no meio de uma escala social, mas nao dlZ c~n:.0 ela chegou atela. "Burguesia" indica que alguem ocupava essa poslc;ao po.r~ue traba-Ihava na administrac;ao ou no comercio nao feudal; ~s ~dmlmst:adoresde uma propriedade podem oeupar u~a posiC;ao medla na s~Cledade,mas nao sac parte de uma burguesia. E claro que a burguesla urbanado seculo XVIII nao tinha as mesmas func;oes econ~micas" a mesmapercepC;ao de si mesma ou a mesma moral da bu~gue~la do seculo XIX,mas esse tipo de distinc;ao implica mudanc;as no mteno: d~ uma. classe.A desvantagem de jogar fora a palavra certa porque e tao f~cllment~mal empregada e que da a impressao de que essa classe nao POSSUl

    historia. ,Abordemos, finalmente, a ordem dos capitulos. 0 Capltulo 3

    trata da questao da plateia; 04, dos codigos de crenc;a; 0 Capitulo_ 5, dadistinc;ao entre publico e privado e 0 Capitulo 6, da expressao. E pre-ciso nao se esquecer que estes assuntos nao apresentam quatro. expe-riencias diferentes, mas sim quatro dimensoes de urn mesmo hpo deexperiencia: a experiencia publica. Acima de tudo, deve-se ter semp~eem mente que a vida publica nao comec;ou no seculo XVIII; .nesse se-culo, tomou forma uma nova versao da vida pu~lica, c~ntrabzad~ ~mtorno de uma burguesia em ascensao e de uma anstocraCla em declmlO.'.. Uma cidade e urn meio no qual estranhos podem se encontrar;entretanto 0 "estranho"* talvez seja uma figura de dois generos bem

    , . d paradiferentes. Os italianos podem encarar os chmeses que se mu am .

    d f, a m-a sua vizinhanc;a como estranhos, mas sabem como e mlr ess .trusao: pel a cor da pele, pelos olhos, pela linguagem, pelos habl.tO

    S. h' A mo dlfe-

    alimentares, 0 Italiano sabe reconhecer e sltuar urn c mes co .h ' . A' d forastelro erente dele proprio. Neste caso, 0 estran 0 e smommo e d

    A - ficien te esurge em uma paisagem onde as pessoas tern percepc;ao su en-suas proprias identidades para podere~ criar regras sobre ~ue::e"es_quadra e quem nao se enquadra. EXlste urn outro senhdo

    tranho", ao qual estas regras nao se aplicam: 0 estranho enquanto urndesconhecido, em lugar de forasteiro. Urn estranho po de ser percebidonestes termos por alguem que tenha regras proprias para a sua identi-dade, como, por exemplo, urn italiano que conhece alguem a quem naosaiba "enquadrar"; contudo, enquanto urn desconhecido, 0 estranhopode domina~ as percepc;oes daqueles que estao inseguros quanto apropria id~nhdade, ou estao perdendo imagens tradicionais de si mes-moS, ou amda que pertencem a urn novo grupo social que ainda naopossui unrt6 10preciso.

    cidad enquanto urn conjunto de estranhos do primeiro tipo emais bem.c1 ssificada como cidade etnica, como a moderna Nova Yorkfora de Manhattan ou a Cidade do Cabo, onde rac;a e lingua fornecemdistinc;oes imediatas. Uma cidade do segundo tipo, na qual os es-tranhos sac quantidades desconhecidas, surge quando uma nova e ain-da amorfa c1asse social esta se formando nela, e a cidade, por sua vez,estil se reorganizando em torno desse grupo social. Foi 0 que aconteceucom Paris e Londres no seculo XVIII. A nova classe era a da burguesiamercantil.

    "Asce sac da burguesia" e tambem uma expressao desgastada;tanto que um historiador foi impelido a comentar que a unica cons-tante historica e que as classes medias estao sempre ascendendo portoda a parte. A extrema familiaridade da imagem encobre urn fa toimportante a respeito da mudanc;a ocorrida nas classes: uma classe emascensao ou em desenvolvimento habitualmente nao tem uma ideiaclara de si mesma. Umas vezes, uma percepC;ao de seus direitos Iheadvem antes mesmo da percepC;ao de sua propria identidade; outrasvezes, os fatos do poder economico antecedem os modos, os gostos e am?ral adequados. 0 surgimento de uma nova classe pode deste modorlaru b' -. m ~m lente de estran os no qual muitas pessoas ficam cad a vezalS 19uals umas as outras, mas sem terem consciencia desse fato. Ha~.a sensaC;ao de que as velhas diferenciac;oes, as velhas linhas divi-onas entre urn gr t' , - Aupo e ou ro, Ja nao tern valor, mas ha pouco senso deOvasregras par d' f - danfl a lS mc;oes e momento. A expansao das classes mer-

    1 e burguesa n 't . d 'apar . as capl als 0 seculo XVIII foi acompanhada peloeClmento de't .. ., . .melh t mm as pessoas mclasslflcavels - matenalmente se-an es mas'mento d' . 19norantes de suas semelhanc;as - e pelo afrouxa-

    as POslc;oes s .. t d" .agem OClalS ra lClonalS. Estava faItando uma nova !in- para "nos" e" I " '-d-------aC1ma" e " . " e es , para quem e 0 grupo e quem nao e, parao abalxo na escala social.

    problema da pi t" .Parado a a ela em urn melO de estranhos tern sido com-a 0 problema d It"QUelesque _ a p a ela no teatro: como suscitar crenc;a entre

    nao nos conhecem? A questao e muito mais premente em

  • um meio de estranhos enquanto desconhecidos do qu~ em um meio de

    h quanto forasteiros. Para que um forastelro desperte con-estran os en , ,f. t que penetrar uma barreira, fazendo-se verosslml1 nos ter-lanc;a, em

    h b'tual's e usuais aos que estao do lado de dentro. Mas estranhosmos a 1 A" em um ambiente mais amodo tem dlante de SI um problema malScomplexo: 0 de suscitar crenc;a pelo modo como se comportam, ~m

    a situa ...ao onde ninguem esta realmente seguro quanto aos padroesum 'l' d ' dadequados de comportamento para urn determma o.t1po e pessoa.Neste caso, uma das soluc;oes consiste em as pessoas cnarem, tomarememprestado ou imitarem comportamentos que todos concordem emtratar como "adequados" e "verossimeis" em seus contatos. ? compor-tamento est a a l,lma certa distancia das circunstancias pessoals de todose, portanto, nao forc;a as pessoas a tentarem defi~ir u:na~ para ,as ou-tras quem sao. Quando isso ocorre, uma geografla pubhca esta para

    nascer.Examinemos, entao, as forc;as no interior das capitais dos mea-

    dos do seculo XVIII, que criaram urn ambiente de estranhos enquantodesconhecidos. Investigaremos 0 tamanho e a migrac;ao da populac;ao,sua densidade na cidade e sua caracterizac;ao economica na decada de1750 e nas decadas precedentes.

    Em 1750, Londres era a maior cidade do mundo ocidental, seguida deParis; todas as outras cidades europeias ficavam muito aquem em ta-manho. Seria comodo afirmar simplesmente que nos cern anos entre1650 e 1750 Paris e Londres estavam crescendo ~m termos de populac;ao.A afirmac;ao e verdadeira, mas tern de ser cercada por todos os tipos de

    condicionais. I 'IEis como Londres cresceu. Em 1595, abrigava cerca de 150 ml

    almas' em 1632 315 mil; em 1700, cerca de 700 mil; na metade dosecul; XVIII, 750 mil. 0 crescimento de Londres naera industrial dosultimos dois seculos faz com que essas mudanc;as parec;am muito pouc,osignificativas' no seculo XIX, Londres passou de 860~ m-, ~ ....-----.-:-, - ~ -,.~ 0' t valhoes de habitantes. Mas no seculo XVI nao se sabia 0 que es a.____- . ., nte-para acontecer. As pessoas s6 podiam entender aqUllo que Ja aco

    , d . A d' d dos docera e a cidade principalmente apos 0 gran e mcen 10 e mea ., , d' na-seculo XVII, parecia a seus olhos estar se tornando extraor lOamente populosa. 2 , di-

    Determinar a populac;ao de Paris durante esse periodo e malS eficil, pois a politica interferiu nos resultados dos censos, dos anos d

    1650 a 1750. As melhores estimativas apontam os seguintes numeros:ocenso docardeal Richelieu, de 1637, cerca de 410 mil; 0 censo de 1684,cerca de 425 mil; 0 de 1750, cerca de 500 mil. Parecem pequenas asmudanc;as no decorrer do seculo, especialmente se comparadas as deLondres. Elas devem, no entanto, ser colocadas dentro do contexto dopais. Como ressalta Pierre Goubert, a populac;ao na Franc;a como umtodo se achava no minimo estagnada, provavelmente em declinio du-rante grande parte do inicio e de meados do seculo XVIII. A populac;aode Paris crescia em urn ritmo lento, enquanto a populac;ao da Franc;acomo urn todo ia de fato diminuindo.3

    o "crescimento" parecia, entao, diferente em Londres em com-parac;ao ao de Paris, mas 0 que significa, em si, crescimento urbano?Se 0 numero de nascimentos for superior ao de 6bitos numa cidade,com 0 decorrer do tempo, as mudanc;as poderao vir de dentro delamesma; se 0 numero de nascimentos for inferior ao de 6bitos, somentepode haver aumento de tamanho da cidade se os estranhos estiverementrando em numero superior ao que a pr6pria cidade esta perdendo,na proporc;ao entre nascimentos e 6bitos. Em estudos de nascimentos e6bitos no seculo XVIII, hii urn acirrado debate entre Talbot Griffith eH. J. Habakkuk no tocante a saber ate que ponto os avanc;os da medi-cina e da saude publica fizeram diminuir as taxas de mortalidade eaumen tar 0 indice de natalidade. Porem, qualquer que seja a so-luc;ao que se de a esta questao erudita, 0 certo e que 0 aumento de ta-manho de Londres e de Paris no seculo anterior a 1750 dependeu, emgrande parte, da migrac;ao externa, proveniente de cidades pequenas edo campo. 0 dem6grafo Buffon resume 0 fato da seguinte forma:q~a~to ~ 1730, ,nos diz ele, "~ndres precisa suplementar (a partir dasp OVlOclas)0 numero de nasclmentos, em uma vez e meia, a fim de semanter ao pass p., f' . ., 0 que ans e auto-su lClente em aproxlmadamente urnpara setenta e cinco". * 4

    ~m Paris e em Londres, a migrac;ao extern a constitui a fonte desuas dlfere t f d .E A ' n es ormas e Impulso populacional. Grac;as ao trabalho de~a ~ Wngley, temos uma ideia clara dos numeros e pad roes de mi-

    gr c;ao para Londres, de 1650 a 1750. Wrigley estima que para en-ossar suas fil ' L d . .. 'ano d elras, on res preClSOUde 8 mil mlgrantes internos por, urante esse ' dO'qUe " pen a O. s que chegavam eram Jovens - ele estimaa media de .d d d'

    1 a e era e vmte an os - e geralmente solteiros. Isto e:

    n ,(0) Nao se trata de u' _, ' , . 'asctrnentos B ff ma lormula reverslVel; nao ha setenta e CInCOvezes malS obltos do que

    lodo . u on eSlil lalando da 'I . .s Os latore I qUI 0 que e necessano para manter a populacao. considerandoses re evantes.

  • dO contnlrio das gran des migrac;oes camponesas para as cidades ameri-canas urn seculo e meio mais tarde, era raro que familias inteiras Semudassem para Londres. Usando-se material coligido por C. T. Smithem 1951, e possivel estabelecer um mapeamento com os lugares deorigem dessas pessoas; a maioria dos movimentos migrat6rios provemde pontos localizados a 80 quilometros ou mais de Londres, e 80 quilo-metros exigiam, na epoca, no minimo dois dias de viagem. 5

    As migrac;oes para Paris eram semelhantes. E sabido que ap6s amorte de Luis XIV a nobreza comec;ou a fazer uso mais constante deParis, se bem que nunc a esteve, nem mesmo na epoca do Rei Sol, intei-ramente desligada da cidade, enHio refugio da vida afetada da corte deVersalhes. Seu retorno dificilmente traria a populac;ao necessaria pararepovoar uma Paris continuamente esvaziada pel a morte de seus re-cem-nascidos e de sua populac;ao infanti!. A partir de algumas pes-quisas feitas por Louis Henry, parece valido dizer que Paris, como Lon-dres, mantinha seu nivel populacional as custas dos migrantes que vi-viam a pelo menos dois dias de distancia da cidade, que eram jovens esolteiros e que, como na Inglaterra, nao eram empurrados para a ci-dade por causa de fome endemica ou de guerra, como iria ocorrer maistarde, mas que, ao contrario, tinham deixado 0 campo por sua livreiniciativa, para melhorarem sua situac;ao. 0 retrato de Londres e, dessemodo, 0 de uma grande cidade, enorme para sua epoca, e que cresciano minimo 50%, por meio da migrac;ao intern a de pessoas jovens e semvinculos. 0 retrato de Paris tambem e 0 de uma cidade comparativa-mente menor, mas ainda assim enorme, que cresce lentamente en-quanto a populac;ao fora dela se mantem estagnada, e que obtem quasetoda sua reposic;ao e crescimento populacional da migrac;ao internadesse mesmo tipo de pessoas. 6

    Assim, na formac;ao populacional de ambas as cidades, urn tipoespecial de estranho desempenhou um papel critico. Ele (ou ela) erasmfri'ho, desligado de relac;oes anteriores, e tinha vindo de uma dis-tancia significativa. De fato, ao descreverem as populac;oes de suas d-dades, londrinos e parisienses, numa decada como a de 1720, recorrema imagens chamando esses forasteiros de "mistura heterogenea, amor-fa, questionavel, informe. Defoe descreve Londres como "demasiadogrande", pelo afluxo de tanta gente vinda das provincias, criando uma

    situac;ao que exige regulamentos e repartic;oes do governo. Nao en-contra palavras para descrever esses recem-chegados, tratando-os ape-nas como uma "massa heterogenea". Com excec;ao da "horda irIan-des a" , nao parece haver ordem social entre eles. E, uma vez que naotem forma, ele espera que sejam levados embora da cidade, do mesmomodo como chegaram: "Entao, digo eu, havera urn momenta para se

    esperar que a grande massa de pessoas vindas a Londres se separe no-vamente e se disperse tao naturalmente quanto agora la se amontoam",7

    . A Vida de Mariana e 0 Campones Novo-Rico, de Marivaux, gi-ram de modo semelhante em torno da ideia de uma Paris construidasobre um manancial de estranhos. Nos dois romances, Marivaux des-creve Paris como uma cidade onde pessoas de origens desconhecidaspodem "passar" justamente porque a cidade inteira cresceu pela mi-grac;a.ode uma "multidao desconhecida". A "verdadeira natureza da-que1es com os quais discorrem" ia-se tornando cada vez mais dificil deavaliar para os parisienses mais velhos.

    Contrastem essas imagens com a do estranho tom ado como fo-rasteiro oferecida pelos nova-iorquinos ou pelos bostonianos em 1900.Nas cidade americanas, os estranhos eram interpretados por meio deestere6tipos etnicos, rejeitados como inadequados ou perigosos de seconhecer, por causa das conotac;oes negativas envolvidas nesse trato.Em Defoe ou Marivaux, nao havia tais estere6tipos; a cidade de es-tranhos que estes conheceram nao era divisivel em tipos etnicos, eco-nomicos ou raciais (excetuando-se os irlandeses de Londres). 0 fa to deque a maioria desses imigrantes estava sozinha ao inves de estar emagrupamentos familiares fazia deles quantidades ainda mais desconhe-cidas.

    Londres era frequentemente descrita como "um grande Quis-to". * 0 significado des sa palavra no inicio do seculo XVIII nao e bo-nito, poi~ um tumor, que mais tarde assume 0 sentido figurado degrande cldade, descreve-a como uma ferida aberta de onde flui todotipo de ~iquidos purulentos; mas a imagem capta acuradamente parte~o se~hmento que esta por detras de locuc;oes mais elegantes, comomulhdao desconhecida", usado para descrever 0 novo populacho.

    Como tais pessoas irao fazer sentido umas para as outras? Estao soltas.r 'em sequer a marca de um passado enquanto adultos nem a es-tranheza pa ' I d . . .t SSlve e ser categonzada dos lmlgrantes vindos de outraerra. Em que t d . I . - ,ermos evem JU gar suas comUlllca"oes reclprocas aqueconh . Y,se lidar eClmento, a que paralelos da experiencia passada se apela, ao

    com uma massa informe?Quando a expr -". I"Para d essao creSClmento popu aClOnal" e empregada

    neutr edscre~eressas duas cidades, nao se trata apenas de uma questaoa e cIfras El 'f' , -Porc;a .' a espeCI lca um determmado fa to socia!. A pro-o que a cldade - -:1cresceu, sua populac;ao se tornou problematica. !

    (0) Noori . " .gInal, Wen: c.dade" ou "quisto". (N. T.)

  • CAPiTULO 7o IMPACTO DO CAPITALISMOINDUSTRIAL NA VIDA PUBLICA

    "A revoluc;ao urbana" e a "cidade industrial" san duas vias, f

  • - Naf:ao Outras cidades grandes- IWo LondresFranf:a Doze cidades Paris -Ana - 1801 100 1001801 100 100 100

    110 120 130 1821 134 100 14118211841 178 158 216

    120 154 1711841226 153 324133 268 306 18611861

    1881 292 136 4431881 140 354 414

    166 4891891 3261896 143 405 463*

    (*) Esta propon;:ao nao se equilibra com a propor9ao computada a partirdos dad os brutos da Popula9ao de Paris acima, uma vez que certas anexa90es deterrit6rio a Paris, feitas de 1852 a 1865, nao saD uniformemente tratadas nas esta-

    tisticas.

    A diferen

  • t gere que 0 verdadeiro quadro do crescimento urbano doTherns rom su . .seculo XIX deveria ser urn crescimento pronuncla.do e umforme do, de residentes urbanos permanentes, em melO a - ou soterra_numero . .

    d urn Crescimento muito maior, mUlto mms desordenado, deos por - ..pes soas fluindo para as cidades grandes, que logo, mam abandonar,tendo seus lugares imediatamente tornados - e os numeros elevados -

    l;0ruma nova onda de mig antes tambem insHlVeis.~-rJ I'/\,r1)A LOCALIZA9AO DA CIDADE

    de 1850, 0 barao Haussmann comec;ou a construir urn novo muro legal,administrativo e residencial para a cidade, urn muro diferente dos pre-cedentes apenas no fato de que nao era mais uma estrutura fisica.

    Na primeira meta de do seculo XIX, a crescente populac;ao deParis precisava encontrar espac;o dentro da Muralha des Fermiers Ge-neraux. As casas disponiveis logo se encheram de gente. As casas come-c;aram entao a ser subdivididas em multiplas residencias; quando estanova repartic;ao de espac;o se tornou insuficiente, andares superioresforam sendo acrescentados aos antigos predios. Se tivermos em mente 0esvaziamento das prac;as publicas no seculo anterior, poderemos entaoimaginar que essas vastas places* abertas continuam vazias no iniciodo seculo XIX, e agora rodeadas por distritos onde a populac;ao seacotovelava. Os americanos podem fazer uma ideia desses extremosimaginando 0 Central Park borde ado por uma area urbana de densi-dade populacional maior do que a do Lower East Side, com suas comu-nidades de imigrantes, em 1930.8

    Ha muita controversia sobre 0 grau de mescla e de nao-segrega-c;ao das classes sociais nessas ruas apinhadas. A imagem classica dacasa parisiense no inicio do seculo XIX e 0 de uma rica familia noprimeiro andar, uma familia respeitavel no segundo, e assim por dian-te, ate chegarmos aos criados, no s6tao. Essa imagem e evidentementeenganosa, mas despreza-Ia tambem 0 e. Pois, na reconstruc;ao da ci-dade por Haussmann nos anos 1850 e 1860, a mistura de classes dentrodos distritos foi reduzida pela esquematizac;ao. Qualquer que Fosse aheterogeneidade espontaneamente acontecida na divisao das casas pri-vadas, transformando-as em apartamentos, na primeira metade do se-culo, ela seria agora combatida por urn esforc;o em fazer da vizinhanc;auma unidade economica homogenea. Os investidores em novas cons-trw.oes ou em reformas acharam mais racional essa homogeneizac;ao,na medida em que sabiam exatamente em que tipo de area estavamaplicando seu capital. Vma ecologia de quartiers** como uma ecologiade classes: esta era a nova muralha que Haussmann erigira entre os ci-dadaos urbanos, assim como em torno da pr6pria cidade.

    o problema fundamental da densidade em Paris permaneceucomo antes; tamanhos fixos destin ados a numeros que rapidamenteCongestionavam 0 espac;o. Atras dos grands boulevards, longe das no-vas places, 0 entrechoque comercial e residencial continuava a existir.Mas a reorientac;ao dos quartiers, no sentido de Ihes conferir urn as-

    Infelizmente nao se conhece 0 bastante sobre as diferenc;as entre mi-grantes estaveis e migrantes instaveis na cidade, para que se pudessesaber se tinham eles experiencias diferentes de residencia, a condic;aobasica da densidade. Minha pesquisa pessoal, feita em Chicago, sugereque as pessoas de c1asse media que residiam por longo tempo naquelacidade eram tao passiveis de se mudarem de 11 quanto os trabalhadoresque residiam 11 por pouco tempo; urn estudo de Paris no seculo XIXmostra 0 mesmo resultado; urn outro mostra resultado diverso.?

    Como no seculo XVIII, a Paris e a Londres do seculo XIX trata-ram seus problemas gerais de aumento de densidade de modos bemdiferentes; de novo, como no Antigo Regime, esses padroes diferentesproduziram urn resultado social similar. .

    Para se imaginar a experiencia do crescimento populaclOnal emParis na primeira metade do seculo XIX, poder-se-ia pens~r nun:acaixa cheia de pedac;os de vidro; quanto mais pedac;os de vtdro sacintroduzidos na caixa, mais pedac;os se quebram sob a pressao, mesmoque os lados da caixa aglientem. Por volta de 1850, nada mais pode seracrescentado: a caixa nao se quebrou ainda, mas esta totalmente re-feita com linhas mais compridas, embora igualmente rigidas. 0 pro-cesso de pressao recomec;a. Paris nao era uma cidade esparr~m~dacomo Londres; era uma cidade cuja forma urbana tinha seus !tmltessempre forc;ados pelo crescimento da populac;ao.

    A caixa que continha Paris no decurso de sua hist6ria era. 0 seUmuro. 0 muro serve a diferentes prop6sitos numa cidade, em dtferen-

    . . , 'dadetes momentos. No seculo XVIII, a muralha delxara de servtr a ct ,como uma defesa contra invasoes; de fato, por volta de 1770, 0 propo-sito da muralha era 0 de conter 0 populacho dentro dela. Atraves d~s

    . b d t s da ct-sessenta portoes da muralha devenam passar ens e pro u 0. . h d t' Esta eradade, que estavam todos sUJettos a uma taxa, c ama a oc ro/. ._

    a "Muralha des Fermiers Generaux" (a muralha dos coletores de I1dn

    d' apostos). Era 0 limite legal da cidade, ate 1840. No final da eca(0) Pra~as 11francesa. (N. T.)

    (00) Em frances. no original: blocos menores que os nossos "bairros". (N. T.)

  • . h mogeneo de classe mudara os pr6prios termos da rela~aopecto malS 0 .. 'entre bairrismo e cosmopohhsmo.

    David Pinckney observou que "os parisienses de ha um seculo. . trabalhavam e encontravam seus prazeres confinados a unsVIVlam,' . .

    poucos quarteir6es". A reorganiza~ao fisic~ da_Cldade felta por Haus~-mann era apenas uma expressao e concrehza~ao de um processo malSamplo, um processo que 0 urbanista Louis Wirth, de Chicago, chamoude "segmenta~ao" da cidade, que seu colega Robert Park ,chamou aforma~ao de "moleculas" sociais na cidade, no decurso do seculo XIX.Esses segmentos complementavam a crescente divisao do trabalho naeconomia industrial. A popula~ao de Paris, ao se tornar cada vez maisdensa, tornou-se, ao mesmo tempo, homogeneizada em pequenas gle-bas e diferenciada de gleba para gleba.9

    Sob 0 Antigo Regime, havia em Paris, e claro, distritos pobres edistritos ricos - mas 0 significado de "distrito rico" era que muitosricos viviam alL 0 termo nao significava que os pre~os dos alimentos,das bebidas ou da moradia fossem sensivelmente mais altos do quenum distrito com menor numero de pessoas ricas. 0 urbanista de hojeesta ta~ acostumado a pensar que a economia de uma area "combina"com 0 nivel de afluencia de seus habitantes, que e dificil retratar 0 sis-tema de vizinhan~a anterior ao seculo XIX tal como realmente era, comsua mistura de diversas classes em predios vizinhos, quando nao namesma casa, e com a mistura de diferentes especies de quiosques, lojas,e ate pequenas feiras para servir a essas clientelas variadas. .

    o processo molecular que ocorreu na distribui~.~o POpUI~clOnalde Paris no ultimo seculo glorificou urn processo que Ja observavamosem seus inicios na cidade sob 0 Antigo Regime, no caso das pra~aspublicas. A medida que a cidade continuava a se encher de gente, aspessoas foram perdendo cada vez mais 0 contato funcional. u~as comas outras nas ruas. Ravia mais estranhos, e eles estavam malS lsolad.os.o problema da pra~a fora ampliado para 0 problema dos quartlerse da vizinhan~a.

    o isolamento mUtuo das classes sociais na cidade tambem acon-teceu em Londres durante 0 seculo passado, mais por causa da exten-sao da cidade, do que pel a compressao interna das classes, como ocor:ria em Paris. Como urn novo territ6rio estava sendo acrescentado acidade, os construtores utilizaram gran des extens6es de terrenos para a

    , 'd d d grupOSedifica~ao de casas que correspondessem as neceSSI a es e. P" timentoeconomicamente homogeneos. Asslm como em ans, 0 mves .

    . .' . d d ra hab1-pareCla seguro, e mms segura amda quando a propne a e e d,. I N caso atad a uniformemente por membros de uma umca c asse. 0

    habita~ao burguesa, a uniformidade na constru~ao de um novo distritosignificava que 0 valor das propriedades vizinhas nao deveria baixar;nO caso da constru~ao de habita~6es para os trabalhadores, um grauhomogeneo de constru~ao dentro dos padr6es de escolha disponiveispara uma popula~ao da classe trabalhadora, em termos de comprado-res, significava que os custos iriam cair, pel a compra, no atacado, demateriais e acabamentos simples.

    A medida que Londres aumentava sua mancha num territ6riocad a vez maior, surgia 0 mesmo bairrismo, por meio da mera separa-~ao fisica e da distancia, assim como em Paris ele surgira por meio dasdiferen~as, entre areas relativamente pr6ximas, quanta ao pre~o dosapartamentos, da comida e da diversao. Os dem6grafos possuem al-guma evidencia de que 0 "centro" de Londres (acima do St. James'sPark e, estranhamente, Mayfair) permaneceu como uma redondezarelativamente integrada, economic a e socialmente falando; mas 0 cen-tro perdeu 0 seu sentido; Londres estava se tornando esse cordao devilarejos residenciais conectados que e hoje. 0 simples tamanho deLondres ja significava que a minoria dos trabalhadores londrinos quedeveriam percorrer uma certa distancia para chegarem as fabricasperdia muito de seu tempo livre no transito; isto refor~ava, por sua vez,a importancia dada ao bairro, como um lugar de repouso face aomundo do trabalho.

    Ja observamos que as cidades principais da era industrial naoeram industriais. A pr6pria industria significava coisas diferentes na

    ~a e na nglaterra; e, mais uma vez, essa diferen~a acabou che-gando a urn resultado similar em ambas as capitais. Clapham, 0 grandehistoriador da economia da Franr;a e da Alemanha do seculo XIX, du-vida que a Fran~a como urn todo, em 1848, tivesse mais de uma cadeiade industrias, na escala inglesa. Produziam-se mais mercadorias e ser-vi~os nesse ana do que em 1815, mas em oficinas maiores. Na segundametade do secylo XIX, quando as verdadeiras fabricas se deser:vol-viam, fizeram-no a certa distancia de Paris. A razao era simples: aterra no interior de Paris, ou mesmo nas suas proximidades, era muitocara para ser usada com esse prop6sito. A terra nao era mercadoriaescassa na Grande Londres, mas por raz6es que nao estao claras, ape-sar do fato de que as fabricas se desenvolveram dentro do anel da"Grande Londres", nao se formou uma economia fabril da mesmaintensidade-da de Manchester ou da de Birmingham.1O

    A ~cola de Chicago de estudos urbanos acreditava que umamUdan~a'de urn bairro para outro, de urn cenario para outro, consti-tuia a essencia cia experiencia "urbana". Urn urbanita, para eles, eraalguem que deveria conhecer nao apenas um quartier, um s6 bairro,

  • mas muitos, ao mesmo tempo. Essa experiencia, no entanto, nao e umacaracteristica comum a todos os urbanistas do ultimo seculo: tinha umcarcHer de classe. Enquanto a estrutura de quartier e de vizinhan
  • " t d "boas maneiras", a despeito de quaisquer barrei-educado ,ou en 0 ".ras de linguagem, costumes naCJOnalS, ou Idad.e.

    P lado entre 1770 e 1870, em Pans, 0 aumento percentualMum , .d t b lhadores burgueses nao fora grande, talvez urn ter90 a mals.e ra a '1' l'M dadeira mudanC'a de contexto estava naqUi 0 que comercla 1-as aver.,. . f' "

    zavam e administravam~ urn sistema de mercadon~s eltas a maquma eproduzidas em massa. E importante sabermos ate q~e ponto aqueles

    ivenciaram esse novo sistema 0 entenderam. Nao 0 entenderamque v . 'd d .muito bern, em parte porque traziam consigo mUitas atttu .es a anttgacidade para relacionar-se com a nova cidade. ~a~ ~ manelra pela qualt diam a nao compreender a ordem industnal e Importante, porqueen d' . dela uma visao fundamental da vida industrial que con IClonou to asrev , b'I'd d bas atitudes para com 0 ambito publico: a respelta I I a e urguesaestava fundada na sorte.

    Os homens de negocios e os burocratas do seculo passado tinhampouca n09ao de estarem participando de urn sistema ordenado. Alemdisso uma vez que estavam dirigindo 0 sistema, tendemos a supor queenteddessem ao menos 0 proprio trabalho que faziam, e nada ~ode:iaestar mais longe da verdade. Os novos principios para se fazer dlllhelroe para se dirigir grandes organiza90es eram urn misterio ate mesmopara aqueles queeram muito bem-sucedidos: Os trabalhadores d~sempresas de produ9ao em larga escala, de Pans e de ~o?dres, nas de-cadas de 1860 e de 1870, costumavam retratar suas atlVldades em ter-mos de apostas na sorte e dejogos de azar, e 0 cenario apropriado era 0do mercado de capitais. .

    Para entendermos os novos estimulos econamicos que desaftavamas pessoas que afluiam a cidade, precisamos saber 0 sentido da e~pec;-la9ao naquele tempo. Era possivel, de fato, ganhar ~u perder ~~ltO 1-nheiro rapidamente. As familias com capital tendlam a aphca-Io emuma ou, no maximo, em muito poucas empresas. Assim, bastava ummau investimento e familias decentes e respeitaveis encontravam-se

    , .. . t I em passavaface a ruina; urn born mvesttmento, e repentmamen e a gu _a habitar num mundo totalmente novo. Quais eram as regras: entao;

    .. 't au investtmento.Para se fazer urn born mvesttmento, ou se eVI ar urn m _, f rrna90esOs investidores de ha urn seculo dispunham de bem menos III 0 _

    d '- Por exerndo que seus colegas de hoje sobre como tomar uma eCIsa~. daplo poucas empresas publicavam balan90s anuais. A maJOr par,te a

    ' d d 't 's a City,"informa9ao" provinha do boato. 0 merca 0 e capl al , . de' " , '- t' h 'ncipios realSbourse e suas subsldlanas em Pans, nao m am pn lvi-

    . fi d presas envocontrole nem mesmo garanttas pro orma e que as em , 'rno' rnllli 'das efetivamente existiam. 0 mercado de produtos era, no ueS'

    . " ... lmente uma qPJOr. Os gran des mvesttmentos naClonalS eram 19ua

    tao de sorte, e nao seguiam qualquer ordem racional efetiva, no sentidocomum. Construiam-se estradas de ferro na Fran9a em meio aos mata-gais, porque se "suspeitava" que algum dia se descobriria ferro aIi'gran des escandalos, como 0 caso do Panama, tinham eco em fiasco~igualmente fraudulentos, ainda que menos espetaculares. A existenciade tanta fraude dependia de uma cIasse de investidores que quase naodispunha, em suas proprias mentes, de padroes de desenvolvimento deindustrias, e, portanto, do que constituiria uma decisao racional deinvestimento.

    Nao se chegara ainda ao final da decada de 1860, quando aspessoas come9aram a relacionar a sucessao dos bons e dos maus tem-pos e a pensar, portanto, em algo chamado cicIo de negocios. Mas 0que causava esse cicIo? Hoje em dia podemos fazer uma boa descri9aodele, por meio dos escritos contemporaneos de Marx, mas poucos cor-retores de urn seculo atras ja os estavam lendo. Os homens de negociosestavam mais afeitos a explicar os cicIos de negocios em termos misti-cos. John Mills, urn banqueiro de Manchester, acreditava que 0 cicIode negocios dependia da "ciencia da mente"; em 1876, William Purdyapresentou a teoria segundo a qual os cicIos de negocios ocorriam por-que os jovens investidores tornavam-se maduros e nao tinham, por-tanto, 0 vigor fisico necessario para manter 0 capital circulando comintensidade. Na Fran9a, 0 entendimento do cicIo nao era melhor. Eaquilo que tornava tao critic a a faIta de auto-analise na epoca era 0 fatode que as mudan9as econamicas no seculo passado eram tao maisabruptas e repentinas do que hoje, que num espa90 de poucos meses aFr~n9a industrial pade mergulhar da expansao para a depressao, eapos urn certo periodo de estagna9ao, no qual nada parecia trabalharpara melhorar a situa9ao, repentina e inexplicavelmente se inicia umaevidente ascensaoP

    As instabilidades inexplicaveis que comandavam os setores deinvestimentos comandavam por sua vez tambem as burocracias. Ope-ra90es como 0 Credito Rural (Credit Fancier), de escala monumental,fariam sua apari9ao, ficariam envolvidas no que pareciam ser projetosa longo prazo e repentinamente ruiam; seu trabalho seria entao feitoPor uma nova organiza9ao, com pessoal novo. Alguns historiadores daFran9a sao tentados a contrastar sua historia burocrMica favoravel-mente em rela9ao a da Inglaterra, argumentando que 0 maior controleest~tal da economia francesa dava aos burocratas uma seguran9amalor. 0 argumento poderia resistir em termos de vida provinciana;em termos de Paris ou de Londres, nao, pois, paradoxalmente, en-quanto todos os orgaos centrais do Estado frances estavam localizadosem Pa . ,. 'd'

    ns, a propna economla a cldade estava sujeita a urn nivel muito

  • , t 1 tatal do que as provincias ou a zona rural.ais baIXO de con ro e es dm _ d Paris por Haussmann, que causou enormes per asA reconstrw;ao e , 'd d '

    " financeiras, teria sido impossIVel numa CI a e prOV1l1-comerClalS e , , 'b'd 1 _, mao morta da burocracia tena Illi loa acumu a

  • Em 1852, Aristide BO)l'Clcaurt-abriu uma pequena loja de venda avarejo em Paris, chamada Bon Marche. A loja se baseava em tres ideiasineditas. A margem de luc' de cada item seria pequena, mas 0 volumede mercadorias vendidas seria grande. Os pre
  • Prodw;ao em massa, administrada por uma burocracia amp la,ligada a massa de compradores, tudo isto levava 0 vendedor a aban-donar os antigos padroes de comercio varejista para au men tar 0 lucro.Nao explicava, no entanto, por que 0 comprador estava disposto a mu-dar tambem. a lucro do vendedor nao explica, principalmente, porque, em Paris, 0 comprador estava disposto a se tornar uma figurapassiva quando se tratava de gas tar seu dinheiro.

    Vamos excluir, primeiramente, essa explicac;ao simples e 6bvia domotivo por que urn comprador esta disposto a abandonar a partici-pac;ao ativa no comercio de varejo. Em geral, os prec;os nao se tornarammais baratos na loja de departamentos, em comparac;ao com as lojasdos velhos tempos. as niveis de prec;os de alguns artigos baixaram, masessa poupanc;a era mais do que simplesmente anulada, po is ate as pes-soas que tin ham poucos recursos passaram a comprar artigos que nun-ca haviam sonhado possuir. Expandia-se 0 nivel de consumo entre asclasses medias e as classes trabalhadoras mais altas. Urn exemplo: como advento da loja de departamentos, a ideia de possuir varios conjuntosde roupas, todos quase similares e feitos a maquina, para 0 uso nasruas, passou a se firmar. Outro exemplo: nessas lojas as pessoas come-c;aram a comprar cac;arolas e panelas que servissem a determinadas fi-nalidades, pois a estufadeira ou a frigideira de uso geral pareciam ter setornado inadequadas.

    Havia urn relacionamento entre 0 novo papel passivo do com--~ - -~prador e aquilo que parecia ser urn novo estimulo ao consumo. D' Ave-nel descreve -sucintamente a qualidade dos artigos ~idos nas novaslojas de departamentos:

    Ao inves de vender mercadorias com grande margem de lucro e de pri-meira classe, ou ent1io, mercadorias de menor qualidade com margem delucro reduzida, eles (a loja de departamentos) vendem mercadorias dequalidade boa ou razoavel, com uma margem de lucro que anterior-mente s6 era utilizada para mercadorias de menor nivel.

    Objetos de nivel medio de qualidade, com margem de lucro outroraapropriada apenas a objetos de qualidade baixa, e consumidores gas-tan do mais para possuir mais - eis em que consistia a "padronizac;ao"das mercadorias. as varejistas da epoca, Boucicault e Palmer, mais espe-cialmente, sabiam que estavam diante de urn problema: estimular aspessoas a comprarem mercadorias tao indefinidas. Tentaram resolve: 0problema criando uma especie de espetaculo do lado de fora da lop,urn espetaculo que deveria dotar as mercadorias, por associac;ao, de urninteresse que a mercadoria poderia intrinsecamente nao ter.19 _

    a primeiro recurso que os varejistas usaram foi a justapOS1C;ao

    inesperada. Urn visitante do andar de utensilios da Bloom' d IN Y - lllg a e emova ork tena uma percepc;ao melhor do que haviam te t d. , n a 0 essaslo]as do sec~lo XIX. Ao inves de cern potes do mesmo tamanho e domesmo fabncante, haveria urn unico exemplar, colocado ao lado de urnoutro, de forma diferente. Zola escreveu que "a forc;a das lojas de de-partamentos e aumentada dez vezes pela acumula

  • credibilidade que tornara lucrativo 0 comercio varejista de massa, 0novo codigo de credibilidade comercial era urn sintoma de uma mu-dan~a bem maior que ocorria na percep~ao do ambito publico, 0 inves_timento de sentimentos pessoais e a observa~ao passiva estavam sendounidos; estar fora, em publico, era ao mesmo tempo uma experienciapessoal e passiva.

    :4 - Karl Marx tinha uma expr ssao adequada a essa psicologia do'\\ fconsumo: chamava-a "fetichismo das mercadorias". Em 0 Capital ele

    , escrevera que todo 0 'eto manufaturado, colocado sob 0 capitalismomoderno, torna-se urn 'hieroglifo social"; atraves dessa expressao el