schmitt, carl. o guardião da constituição.pdf
TRANSCRIPT
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 1/252
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 2/252
C A R L S C H M I T T
O G U A R D I Ã O D A C O N S T I T U I Ç Ã O
Coordenador
e
Supervisor
L U IZ MO R E IR A
Tradutor
G E R A L D O
D E
C A R V A L H O
Belo Horizonte
-
2 0 0 7
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 3/252
C o p y r i g h t
©
2 0 0 7
b y
E d i to ra
D e l R e y
Ltdo.
C o p y r i g h t © p o r o o q u a r t a e d i ç ã o a l e m ã d e D e r H ü f e r de r V er fassu n g : D u n k le r
&
H u m b l o t ,
1 9 9 6 .
N en h u ma p a r t e d es t e l i v ro p o d erá
s e r
r ep ro d u z id o , se j am q u o i s fo rem
o s
m e i o s e m p r e g a d o s ,
s e m a
p e r m i s s ã o ,
p o r
escr i to ,
d o
Editora.
I m p r e s s o
n o
Brasil
| Prinled
in
Brazil
E s ta o b ra
{o i
p u b l i c a d a o r i g i n a l m e n t e
e m
a l e m ã o
c o m o
t í tu lo
O e r
Hüter
de r Verfossung
p o r
D u n k l e r
&
H u m b lo t G m b H , B er lim .
C o l e ç ã o
D e l R e y
In t e rn ac io n a l
C o o r d e n a d o r
e
Sup erv iso r: Luiz Mor ei ra
E D I T O R A D E L R E Y LTDA.
w w w . d e l r e y o n l i n e . c o m . b r
Editor; A m o l d o O l i v e i ra Cons elho Editor ial
l e i . : ( 3 1 ) 3 2 8 4 - 9 7 7 0
e d í t o r (cpd e I r e y o n N n e . c o m . b r
Editora assistente W a n e s k a D i n i z
Editora OH
R u o
A i m o r é s ,
6 1 2 -
F u n c i o n á r i o s
B e l o H o r i z o n t e - M G - C Ê P 3 0 1 4 0 - 0 7 0
T e l e f o * ( 3 1 ) 3 2 7 3 - 1 6 8 4
e d i t o r o ( â> de l r e y o n l i n e . c o m . b r
Editores SP
R u o
M u m a i t á ,
5 6 9 -
Be l o Vis ta
T e l e f o x : ( 1 1 ) 3 ) 0 1 - 9 7 7 5
S ã o P a u l o - S P - C E P 0 1 3 2 1 - 0 1 0
e d i f o r a s p @ d e f r e y o n l i n e . c o m . b r
A n t ô n i o A u g u s t o C o n ç o d o T r i n d a d e
A n t o n i o A u g u s t o J u n h o A n a s l o s i a
A r i o s v a l d o
d a
C o m p o s P i r e s (In
memoriam)
A r o l d o P li n io G o n ç a l v e s
C a r l o s A l b e r t o P e n n a
R . d e
C a r v a l h o
C e l s o d e M o g o l h ô e s P i n t o
E d e l b e r t o A u Q u s t o G o m e s L i m a
E d é s i o F e m o n d e s
E u g ê n i o P o c e H i d e O l i v e i r a
F e r n o n d o G o n z a g o J o y m e
H e r m e s V i l c h e z G u e r r e r o
J o s é A d é r c i o L e i t e
S a m
p o i o
J o s é E d g o r d P e n n a A m o r i m P e r e i r a
M i s a b e l A b r e u M a c h a d o D e rz i
P l í n i o S a l g a d o
R é n o n K f u ri L o p e s
R o d r i g o d a C u n h a P e r e i r a
S é r g i o l e f li s S a n t i a g o
W i l l e D u o r t e C o s t a
Schmitt. Carl.
S 3 5 5
O
guard ião
d a
Const i tu ição
/
Carl Schmitt; tradução
d e
Geraldo
d e
Carvalho; coordenação
e
s upervisão
Luiz Moreira.
-
Belo Horizonte:
Det Rey,
2007.
2 5 2 p .
(Coleção
D e l R e y
Internacional)
Tituloorigmal; O e r Huter d e r Verfassung.
ISBN 85-7308-886-9
1.
Direito constitucional.
I.
Título.
C D D . 3 4 1 . 2
. C D U : 3 4 2
Bib l io tecár ia responsável : Mar ia
d a
C o n c e i ç ã o A r a ú i o
C R B 6 / 1 2 3 ó
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 4/252
S U M A R I O
A P R E S E N T A Ç Ã O
Gilmar Ferreira Mendes
ix
P R E F Á C I O xvii
I N T R O D U Ç Ã O 1
P r i m e i r a p a r t e
A J U S T I Ç A C O M O G U A R D I Ã
D A
C O N S T I T U I Ç Ã O
1 . O
CHAM ADO DIREITO
D E
EXAME JUDICIAL MATERIAL
GERAL (ACESSÓRIO) N Ã O S E CONSTITUI N A ALEMANHA
E M U M
GUARDIÃO
D A
C O N S T I T U I Ç Ã O
1 9
2 .
LIMITES OBJETIVOS
D E
TODA JUSTIÇA (JURISDIÇÃO
PENAL N O CASO D E DELITOS POLÍTICOS CONTRA O
ESTADO
E A
CONSTITUIÇÃO, ACUSAÇÃO MINISTERIAL)
. . . . 3 3
3 . ESTIPULAÇÃO NORMATIVA D O CONTEÚDO D E U M A
NORMA CONSTITUCIONAL DUVIDOSA
E M S O U
CONTEÚDO
É , N O CASO, NORMA CONSTITUCIONAL E N Ã O JUSTIÇA 5 5
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 5/252
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 6/252
6 . 2 O
p rob lema
d a
neutral idade
d a
polí tica interna
n o
Es ta do partidá rio pluralista
146
6 . 3
Insuficiência
d a
maioria
d a s
neutralizações;
ambigüidade d o s conceitos d e neutral idade e
despolitização 157
6 . 4 U m panorama d o s diversos significados e
funções
d o
conceito
d e
neutral idade
d e
política interna
d o
Estado
161
6 . 5
Procedimento
d o
gov er no constitucional
segundo o artigo 4 8 d a Consti tuição d o Rei ch.
Desenvolvimento d o estado d e ex ce çã o militar-
policial ru mo a o econômico-financeiro 167
T e r c e i r a p a r t e
P R E S I D E N T E
D O
R E I C H C O M O
G U A R D I Ã O
D A
C O N S T I T U I Ç Ã O
7 . A TEORIA D O DIREITO PÚBLICO D O "PODER NEUTRO"
(POUVOIR NEUTRE)
1 9 3
8 . SIGNIFICADO ESPECIAL D O "PODER NEUTRO" N O
ESTADO PARTIDÁRIO PLURALISTA, EXPOSTO PO R MEIO
D O EXEMPLO D O CONCILIADOR PÚBLICO D E
CONTENDAS TRABALHISTAS
2 0 7
9 . O FUNCIONAL ISMO PÚBLICO E A S DIVERSAS
POSSIBILIDADES
D E U M A
" INDEPENDÊNCIA"
D O
ESTADO PARTIDÁRIO PLURALISTA 2 1 9
1 0 . O
EMBASAMENTO DEMOCRÁTICO
D A
POSIÇÃO
D O
PRESIDENTE D O R E I C H 2 2 9
vii
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 7/252
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 8/252
A P R E S E N T A Ç Ã O
Gilmar Ferreira Mendes
Tenho
a
honra
d e
apresentar mais
u m a
importante obra
da
Coleção D e l R e y Internacional, desta feita O Guardião da
Constituição (Der Hiiter der Verfassung), d a
autoria
do em i -
nente pensadoí alemão,
o
Professor Carl Schmitt.
Refer ido trabalho f o i publicado, inicialmente, em 1929, sob
o
título
Das
Reichgerichts
ais
Hüter
de
Verfassung.
Em 1931,
Carl Schmitt publicou versão ampliada daquelas reflexões, d e-
nominada Der Hiiter der Verfassung.
N a
referida obra, Schmitt questionava
o
papel
d o
Judiciá-
rio como guardião d a Constituição. Schmitt negava a o Judiciá-
rio o
título
d e
guardião
d a
constituição. Segundo
sua
concep-
ç ã o , somente o Presidente d o Reich teria legitimidade para
desempenhar semelhante função.
Hans Kelsen, ainda
em 1931 ,
respondeu diretamente
a o
artigo d e Schmitt, a o publicar u m ensaio intitulado Quem deve
ser o guardião da Constituição? (Wer soll der Hüter der
Verfassung sein?). N a ocasião, reafirmou a importância de
Ministro d o Supremo Tribunal Federal, Professor d e Direito Constitucio-
nal do Instituto Brasiliense d e Direito Públicos d a Universidade d e Brasília.
E m português, o texto dessa apresentação ganhou o nome d e A Jurisdi-
çã o
Constitucional.
Publicada pela Editora Martins Fontes,
em
feverei-
i x
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 9/252
u m
Tribunal Constitucional para
u m a
democracia moderna,
e m
franca defesa
de uma de
suas criações,
a
Corte Constitucional
austríaca, instituída
em 1920, já
destacada
n a
célebre conferên-
c ia
sobre
a
jurisdição constitucional Wesen und Entwicklung
der Staatsgerichtsbarkeit (Essência e Desenvolvimento d a
Jurisdição Constitucional), proferida
e m
Viena,
em 1928 , pe -
rante a Associação d o s Professores Alemães d e Direito Públi-
c o (Vereinigung
der
Deutschen Staats-rechtslehrer).
Assim
se
manifestou quanto
à
proposta
d e
Carl Schmitt
d e
emprestar
a o
Presidente
d o Reich a
legitimidade para "guar-
d a r a
constituição,
e m
detrimento
d a
Corte Constitucional:
( . . . ) para tomar possível a noção d e q u e justamente o g o -
verno — e apenas e l e — seria o natural guardião d a Consti-
tuição, é preciso encobrir o caráter d e s u a função. Para
tanto serve a conhecida doutrina: o monarca é — exclusiva-
mente o u n ã o — u m a terceira instância, objetiva, situada
acima d o antagonismo (instaurado conscientemente pela
Constituição) d o s dois pólos d e poder, e detentor d e u m
poder neutro. Apenas s o b esse pressuposto parece justi-
ficar-se a tese d e q u e caberia a e le , e apenas a e le , cuidar
q u e o
exercício
d o
poder
n ã o
ultrapasse
o s
limites estabe-
lecidos
n a
Constituição. Trata-se
d e u m a
ficção
d e
notável
audácia, s e pensarmos q u e n o arsenal d o consti tuciona-
lismo desfila também outra doutrina segundo
a
qual
o m o -
narca seria
d e
fa to
o
único, porque supremo, órgão
d o
exercício
d o
poder estatal, sendo também, particularmen-
te , detentor d o poder legislativo: d o monarca, n ã o d o p a r -
lamentes, proviri a a ordem para a lei , a representação popu-
l a r apenas participaria d a def in ição d o conteúdo da l e i .
Como poderia o monarca, detentor d e grande parcela o u
mesmo d e todo o poder d o Estado, s e r instância neutra e m
relação a o exercício de t a l poder, e a única c o m vocação
para o controle d e s u a constitucionalidade?
2
E prosseguiu em sua crítica:
ro de 2003, a edição combina oito títulos da autoria d e Hans Kelsen,
dispostos e m ordem cronológica.
KELSEN, Hans. Jurisdição Constitucional. S ã o Paulo: Martins Fontes
2003,
p .
241-242.
x
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 10/252
( . . . ) quando n a Consti tuição d e Weimar se prevê, a o lado
d e
outras garantias,
o
presidente
d o
Reich como garante
d a Constituição, manifesta-se a verdade elementar de que
essa garantia
s ó
pode representar
u m a
parte
d a s
institui-
ções d e proteção d a Constituição e que seria u m a sumária
super f ic ia l idade esquecer , e m f u n ç ã o d o pres idente d o
Reich atuando como garante d a Const i tuição, o s estrei-
tíssimos limites desse tipo d e garantia e a s muitas outras
espécies
e
métodos
d e
garantia constitucional
3
Já a crítica d e Schmitt ao positivismo alemão tradicional
estava claramente ligada
a u m a
rejeição muito mais ampla
d o
autor
e m
relação
a
toda
u m a
estrutura estatal
que e le
fatal-
mente caracterizava como burguesa. Para u m pensador que
tinha convicção de que todo o conceito d e direito é fundamen-
talmente político, a pretensa neutralidade d o positivismo d e
Laband e d a Teoria Pura d e Kelsen n ã o passava de um reflexo
disfarçado
d o s
ideais liberais
n a
fi losofi a política
e
jurídica,
v i-
sando garantir a segurança e liberdades burguesas perante o
Estado.
É
principalmente
a
partir
de sua
visão antiliberal
que
Schmitt construirá
seu Der
Hüter
der
Verfassung
(O
Guar-
dião
da
Constituição).
Segundo Schmitt, a criação o u o reconhecimento de um
Tribunal Constitucional,
p o r
outro lado, transfere poderes
d e
legislação para
o
Judiciário, politizando-o
e
desajustando
o
equi-
líbrio d o sistema constitucional d o Estado d e Direito.
A
recusa
d e
Schmitt
e m
aceitar
u m
controle concentrado
d e
constitucionalidade encontra
s u a
origem
n a
própria concep-
ção que o autor alemão fazia d e Constituição. Para Schmitt, a
idéia d e Constituição não se equipara a u m simples conjunto d e
leis constitucionais. AConstituição seria,
n a
verdade,
a
decisão
consciente d e u m a unidade política concreta q u e define a for-
ma e o modo de sua existência.
D e
acordo
c o m o
pensador alemão,
o
princípio político
qu e
guiava
a
Constituição
d e
Weimar
era o
princípio
d a
democra-
cia. A democracia d e Schmitt, contudo, n ã o s e assemelha em
' KELSEN, Hans. Jurisdição Constitucional, op. cit., p . 287-288.
x i
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 11/252
nada
à
democracia kelseniana,
que v ia na
maioria
u m
instru-
mento útil para
a
realização
d a
idéia básica
da
democracia:
a
liberdade. Para Schmitt, só há uma idéia verdadeiramente d e -
mocrática: a igualdade, que é fundamento d e todas as outras
igualdades.
N o q u e concerne à jurisdição constitucional, tanto Schmitt
como Kelsen atingiam conclusões b e m distantes d e seus pontos
d e partida. Enquanto Kelsen, que se reconhecia como herdeiro
d a
tradição labandiana, projetara
e
desenvolvera
u m
sistema
concentrado
d e
controle
d e
constitucionalidade
q u e
contrariava
frontalmente os princípios d o positivismo legal d o século X I X ,
Schmitt, q u e sempre construía suas obras e m contraposição a
u m a imagem d a teoria positivista liberal, acabara p o r chegar justa-
mente
ao
posicionamento defendido
p o r
Laband cinqüenta
anos antes:
a
revisão
d o s
atos legislativos
por um
tribunal inde-
pendente
é u m a
afronta clara
à
soberania estatal.
Miguel Herrera
b e m
ilustrou essa dicotomia:
Ref i r i éndose a l o s t raba jos d e Kelsen d e esse período,
Schmitt impugna
la
tesis normativista
de la
identidad
e n -
t r e
orden jur íd ico
y
Es tado , sena lando
q u e e l
método
kelseniano desarrolla
la
vieja negación liberal
d e i
Estado
p o r
médio
d e i
derecho. Según
e l
jurista alemán, Kelsen
funda su teoria d e i Estado e n u n a crítica d e i concepto d e
' s u s t a n c i a ' , q u e e s p r o p i o d e l a s c iênc ias na tura les ,
c o n s t i t u y e n d o u n a me ta f í s i ca moni s t a q u e e x p u l sa l a
excepción
y lo
arbitrario.
D e
acuerdo
c o n
Schmitt,
por e i
contrario,
la
situación excepcional pertenece
a l
derecho,
siendo definido
e l
Estado
por e l
monopolio
de la
decisión.
En el
caso excepcional
' l a
existencia
d e i
Estado conserva
la superioridad sobre la validez de la norma jurídica', e s allí
donde la decisión se libera d e toda obligación formativa y
la
norma
' s e
reduce
a
nada'.*
Vencedor
d o
embate judicial realizado
n o
caso "Prússia
contra Reich", Carl Schmitt também ganhara, aparentemente,
HERRERA, Miguel. La polémica Schmitt-Kelsen sobre el guardiándela
Constiísicirín, trabalho publicado
na
Revista
d e
Estúdios Políticos,
ri. 86,
1994, p.
195-227.
X I I
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 12/252
a
disputa intelectual sobre quem realmente deveria
ser o
guardião
d a
constituição.
E m
decisão
de 25 de
outubro,
o
Tribunal
d o
Estado nega-
ra-se
a
definir
o s
limites
d a
atuação
d o
Presidente
e de seu
Chanceler. Ambos ficaram livres, assim, para agirem contra
as poucas instituições democráticas d e Weimar q u e ainda d e-
sempenhavam algum papel relevante
n o
cenário político
a le -
mão de 1932 .
A história mostraria, contudo, q u e a vitória d e Schmitt não
e ra definitiva. Três meses após a decisão d o caso "Prússia
contra Reich", Hitler chegava
a o
poder
se m
romper
com ne -
nhum aspecto
d e
legalidade existente
à
época.
Concretizava-se, e m certo sentido, a previsão d e Schmitt:
o sistema político d e Weimar permitiria que seu maior inimigo
assumisse
o
poder
e
destruísse,
d e
dentro
d o
sistema, todo
o
regime constitucional de 1919.
A história parecia d ar alguma razão a Kelsen
N a
famosa conferência proferida perante
a
Associação
d o s
Professores Alemães
d e
Direito Público Kelsen deixou
claro que a jurisdição constitucional haveria de ter um papel
central e m u m sistema democrático moderno:
Contra
a s
muitas censuras
que s e
fazem
a o
sistema demo-
crático
-
muitas delas corretas
e
adequadas
n ã o h á m e -
lhor defesa senão a d a instituição d e garantias q u e asse-
gurem a plena legitimidade d o exercício d a s funções d o
Estado.
N a
medida
e m q u e
amplia
o
processo
d e
democra-
tização, deve-se desenvolver também
o
sistema
d e
contro-
le. É dessa perspectiva que s e deve avaliar aqui a jurisdi-
ç ã o constitucional. S e a jurisdição constitucional assegura
u m processo escorreito d e elaboração legislativa, inclusi-
ve no que s e
refere
a o
conteúdo
da le i ,
então
e l a
desempe-
n h a u m a
importante função
n a
proteção
d a
minoria contra
o s avanços d a maioria, cuja predominância somente há de
se r
aceita
e
tolerada
se
exercida dentro
d o
quadro
d e
lega-
lidade.
A
exigência
d e u m
quorum qualifi cado para
a m u -
dança d a Constituição traduz a idéia d e q u e determinadas
questões fundamentais devem s e r decididas c o m a partici-
pação
d a
minoria.
A
maioria simples
n ã o t e m o
direito
d e
XII I
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 13/252
impor
a sua
vontade
—
pelo menos
e m
algumas questões
—
à minoria . Nesse ponto, apenas mediante a aprovação d e
u m a l e i
inconsti tucional poderia
a
maioria afe tar
o s
inte-
resses d a minoria constitucionalmente protegidos. P o r isso,
a
minoria, qualquer
q u e
se ja
a s u a
natureza
- d e
classe,
d e
nacionalidade o u d e religião — t e m u m interesse eminente
n a cons t i tuc iona l idade d a l e i .
Isso s e aplica , sobretudo, e m caso d e m u d a n ç a d a s rela-
ções entre maioria e minoria , s e u m a eventual maioria p a s -
sa a se r minoria, m a s ainda suficientemente forte para o b s -
t a r u m a decisão qualificada relativa à reforma constitucional.
S e s e
considera
q u e a
essência
d a
democracia res ide
n ã o
n o império absoluto d a minoria, m a s exatamente n o perma-
nente compromisso en t re maior ia
e
m i n o r i a
d o s
grupos
populares representados n o Parlamento, então representa
a
jurisdição consti tucional
u m
instrumento adequado para
a concre t ização dessa idé ia . A s imples poss ib i l idade d e
impugnação peran te a Corte Consti tucional parece confi-
gurar ins trumento adequado para preservar
o s
interesses
d a minoria contra lesões, evitando a conf iguração d e u m a
ditadura
d a
maioria,
q u e ,
tanto quanto
a
ditadura
d a
mino-
r i a , s e revela perigosa para a p a z social.
5
Tal
como anota Pedro
d e
Veja Garcia,
a
tese
d e
Kelsen
se
impôs à maioria d o s estados democráticos a partir d a Segunda
Guerra Mundial:
Bien e s verdad q u e , a partir de la Segunda Guerra Mundial,
Ias tesis d e Kelsen se imponen en la praxis constitucional d e
la
mayoría
d e l o s
estados democráticos
c o n
resultados posi-
tivos y encomiables. A h í está el ejemplo de la Corte Constitu-
cional italiana,
d e i
Tribunal Constitucional alemán
o de i
todavia
reciente Tribunal Constitucional espanol. S i n embargo, n o e s
menos cierto q u e I a s cuestiones sobre Ia legit imidad, f u n -
cionalidad y coherencia de l a Justicia Constitucional distan
muc ho d e haber sido definitivamente dilucidadas."
5
KELS EN, Hans. Wesen
und
Entwicklung
der
Staatsgerichtsbarkeit,
VVDStRL 5, 1928, p. 80-81; C f . tamb ém tradução italiana d e GERA CI,
Carmelo. L a Garanzia giurisdizionale delia Constituzione", in: La
giustizia costituzionale, Milão, 1980, p. 144 (201-203).
Veja GA RC ÍA , Pablo. "Prólogo à obra d e Schmitt". In : SCHMITT, Carl.
IM
defensa
de la
Consiitución.
2. ed . Madrid: Tecnos, 1 9 9 8 , p , 22-23.
x i v
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 14/252
A controvérsia sobre a jurisdição constitucional, ápice de
u m a
disputa entre dois
d o s
mais notáveis juristas europeus
do
início
d o
século
X X ,
mostra-se relevante ainda hoje.
O
debate
sobre o papel a ser desempenhado pelas Cortes Constitucio-
nais, atores importantes e, às vezes, decisivos d a vida insti-
tucional d e inúmeros países n a atual idade, obriga o s estudiosos
a
contemplarem
a s
considerações
d e
Schmitt
(e ,
inequivoca-
mente,
as
reflexões
d e
Kelsen)
a
propósito
d o
tema.
Como se sabe, tais controvérsias manifestam-se sob fo r -
m as diversas, referindo-se ao s limites d a jurisdição constitucional,
à
jurisdição constitucional
e
democracia,
à
jurisdição constitu-
cional
e
política,
à
jurisdição constitucional
e
divisão
d e
pode-
re s , para ficarmos e m alguns exemplos que têm ocupado a
moderna teoria constitucional.
A
atualidade dessa discussão vê-se,
v.g., na
multicitada
obra
d e
Habermas, Faticidade
e
Validade (Faktizitat
und
Geltung), q u e dedica u m capítulo a o estudo sobre a legitimida-
de da
jurisprudência constitucional, tendo
p o r
leitmotiv
as re-
flexões
d e
Schmitt
e m o
Defensor
da
Constituição.
Parecem evidentes, assim,
a
importância
e
atualidade
da
obra que a Editora De l Rey coloca a o alcance d o s estudiosos
d e Direito Público n o Brasil.
X V
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 15/252
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 16/252
P R E F A C I O
O
artigo
O
guardião
d a
Constituição" publicado
em m ar -
ço de 1929
(Archiv
des
òffentlichen Rechts, Neue Folge,
X V Í ,
p .
161-237) encontra-se processado
e
continuado
n o
presente
tratado. Ademais, foram inseridas
no
contexto sistemático
d o
tema algumas formulações d e artigos e palestras d o s anos d e
1929 e 1930.
O tratamento científico de tal objeto não se faz possível
s e m u m a apresentação d a concreta situação constitucional. M a s
nisso reside u m a tarefa muito difícil e cheia d e perigos, não
devido às falsas interpretações político-partidárias pelas quais
se
espera,
m a s
isso
f a z
parte
d o
risco geral
da
liberdade
d e
espírito, muito mais devido
à
extraordinária complicação
das
condições constitucionais atuais
d a
Alemanha,
as
quais
se en-
contram
e m
meio
a u m a
grande transformação. Quem hoje
quiser falar
e m
poucas páginas
e d a r u m a
idéia geral
d e
Statu
Imperii Germanici,
n ã o pode perder d e vista u m a mistura c o n -
traditória
d e
sistemas, fragmentos
d e
sistemas
e
tendências.
N a
maioria
d o s
Estados
d o
planeta, talvez
a
Constituição tenha
se
tomado hoje
u m
novo problema
e, a té
mesmo,
na
França.
J.
Barthélemy pôde recentemente (durante
u m a
palestra perante
a
Union
des
Intérêts Economiques) partir
d o
princípio
de que
a
exigência
p o r u m a
reforma
d o
Estado seria
o
tema mais atual
d o tempo presente. Assim, c o m u m a mera "reforma do Reich"
como mudança d o sistema federativo presente, a questão n a
XVII
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 17/252
Alemanha ainda n ã o estaria resolvida. O q u e mais dificulta o
reconhecimento
d e
nossa situação constitucional concreta
é a
concomitante ligação
e
interseção
d e
organização federalista
c o m
outros princípios
d e
volição estatal. Tentei caracterizá-la
como "Estado partidário pluralista" e "policracia" e também
tratar o problema, d a í resultante, d a "neutralidade da política
interna
d o
Estado",
d e
modo algum
p o r
prazer
c o m u m a
tese
"brilhante" ou "estimulante", e, s im, sob a força coercitiva d e
u m a necessidade criada c o m o próprio tema.
Res
dura
et
regni novitas
me
talia cogunt Moliri
Berlim, março de 1931
Carl Schmitt
x v i i i
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 18/252
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 19/252
O ^ G m R D I Ã O ^ Ç O N S T I T U I ^ O
idéias, passando p o r constituições d a Pensilvânia até as cons-
tituições
d a
revolução francesa. Aqui aparece
n a
Constitui-
ç ã o d o a n o
VIII (1799)
u m
Senado como guardião
(
c o n -
servateur) d a Constituição. Essa instituição também precedeu,
diretamente, u m movimento contrário, à época d e Napoleão I.
Destarte, é duplamente interessante o fato de que o
Sénat
Conservciteur tenha des emp enh ado apenas após
a
derrota
militar
d e
Napoleão
o
papel
de um
defensor
d a
Constituição
e ,
pelo decreto de 3 de abril de 1814, abjudicado o trono a Napoleão
e sua família p o r violação d a Constituição e dos direitos p o -
pulares.
3
O s embates constitucionais alemães d o século X I X n ã o
podem se r comparados c o m grandes revoluções. Porém, as
constituições
d a
monarquia constitucional alemã também
n ã o
desconsideram
d e
modo algum
a
salvaguarda
da
Constituição.
Especialmente características para tanto são as determinações
d a Constituição d a Baviera (1818) e d a Saxônia (1831). Sob o
título D a garantia da Constituição", elas tratam: 1. do jura-
mento
do re i , dos
servidores públicos
e dos
cidadãos sobre
a
Constituição;
4
2. do
direito
d o s
estamentos
e m
apresentar quei-
xas p o r violação à Constituição; 3. do direito d o s estamentos
em instaurar u m processo p o r violação à Constituição; 4. das
"guardar o q u e quer q u e s e tenha decidido n a Cons t i tu ição e
prevenir
a
restauração
d a
monarquia"
[ n o
original
e m
inglês. N.T.].
2
Sobre o s deta lhes d a t r a je tó r ia q u e co n d u z d e H a r r in g to n a
constituições norte-americanas e de lá a Sieyès, c f . SMITH, F .
Russel. Id . p . 20 8 . Como outra prova, gostaria d e chamai a atenção,
n o
tocante
à s
exposições
d e
Russel Smith, para
a s
propostas
d e
Thibaudeau c i tadas p o r BL O N D E L , A n d r é .
Le
contrôle juri-
dictionnel
de la
constitutionnalité
des
lois.
Paris 1928 , p . 177 .
Thibaudeau lembra a s experiências q u e teriam sido feitas pelos
censo res
d a
Pensilvânia.
3
D e c r e t o
d o
Senado
de 3 de
abril
d e 1 8 1 4 ;
j u n t an d o - s e
a e l e
( " C o n s i d e r a n d o q u e N ap o leão Bo n ap a r t e v io lo u o pacto
consti tucional" [no original e m francês. N.T.]) a deliberação d o
corpo legislativo d o mesmo d i a , e m Duguit-Monnier p. 177 .
4
Sobre
o
juramento constitucional, vide mais detalhes
n o
excelente
(ratado d e FRIESENHAHN, Ernst . Derpolilische Eid, Bonn 1 9 2 8
p . 35/36, 112/113.
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 20/252
I N TR O D U Ç Ã O
1
condições
d e u m a
emenda constitucional. Além disso,
a
Cons-
tituição d a Saxônia de 1831 trata ainda, s o b esse título, do po-
d e r d o
tribunal
d o
Estado
e m
decidir dúvidas sobre
a
interpre-
tação d a Constituição, desde q u e n ã o haja acordo entre governo
e
estamentos.
5
Todavia, após
as
experiências vividas
na
época
d e
conflito
na
Prússia
e
após
os
grandes sucessos
d a
política
d e Bismarck, fo i tacitamente desconsiderada, como era de se
supor,
a
questão
d e u m a
garantia
da
Constituição
e na
geração
seguinte, quando
da
indiferença geral
p o r u m a
teoria constitu-
cional, não se tinha mais u m a verdadeira consciência dela.
Georg Jellinek alude
a o
problema
n o
capítulo final
de sua Teo-
ria geral do Estado ( I
a
edição
em 1900) sob o
título
As ga -
rantias d o Direito público". O q u e e l e enumera como tais
garantias (juramento político, responsabilidade parlamentar
e
acusação ministerial) corresponde
às
condições políticas
e ao
esquema d o século X I X alemão. Otto Mayer d iz , em seu
Sachsischen Staatsrecht (1909),
a
respeito
d a s
determinações
sobre
a
proteção
d a
Constituição violada
o u m a l
compreendi-
d a : "Todas elas estão determinadas a , porventura, n ã o serem
empregadas
e, de
fato,
n ã o
tiveram
a té
agora oportunidade
para tanto".
Provavelmente naquele tempo,
e m
meio
a o
sentimento
d e
segurança política e bem-estar da proteção, já se teria qualifi-
cado
d e
"política"
a
mera pergunta pelo guardião
d a
Constitui-
5
C f . p a r a a B a v i e r a : S T O E R K . Handbuch der deutschen
Verfassungen, 2. Aufl . 1 9 1 3 , p . 1 0 5 , além disso SEYDEL, M. v .
Bayerisches Staatsrecht,
1.
Auf l .
1 8 9 6 , I , p . 3 8 6 , 5 1 7 , e t c .
(característica
é a
repart ição
d a s
garantias
e m
particular sobre
vários pontos
d o
sistema, enquanto
a
"garantia
d a
Constituição"
como
t a l n ão t em
mais
u m
lugar sistemático
e n e m
mesmo aparece
como vocábulo
n o
excelente
e
minucioso
4
volume
(d e
registros));
para
a
Saxônia: STOERK.
p . 3 4 3 ; J . H .
B E S C H O R N E R . Die
Ministerverantwortlichkeit und der Staatsgerichtshof im
Kònigreich Sachsen, B e r l i n 1 8 7 7 ; O P I T Z . Staatsrecht des
Kõnigreichs Sachsen (1884) , I I , p . 2 4 6 ; MAYER, Ot to . Das
Staatsrecht des Kõnigreichs Sachsen (1909)
p .
214/215. Outros
exemplos
e m R .
MOHL.
Die
Verantwortlichkeit
der
Minister
in
Einherrschaften mit Volksvertretung, Tiibingen
1 8 3 7 . p .
14/15.
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 21/252
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 22/252
I N T R O D U Ç Ã O
5
A s
propostas
de lei e
projetos,
a té
agora, partiam quase
todos
d o
princípio
de que um
tribunal
d o
Estado deveria decidir,
e m u m processo judicial, tanto litígios constitucionais quanto
dúvidas e divergências d e opinião acerca d a constitucional idade
d e leis d o Reich. Entretanto, as várias propostas resultam e m
u m a
justaposição
e
confusã o assistemáticas
d as
supremas
ins-
tâncias decisórias, tribunal
d o
Estado
o u
constitucional, tribunal
d o Reich (segundo o artigo 13, § 2
o
, d a Constituição d o Reich),
tribunal sentenciai d o Reich ('Tribunal d o Reich para a inter-
pretação vinculativa
da le i no
sentido
d o s
esforços
d e
Zeiler)'
e
juízo administrativo
d o
Reich devem
s e
juntar,
so b
relações
coordenadas pouco claras, ao s numerosos supremos tribunais
existentes d o Reich e dos estados, d e maneira q u e R . Grau
falou
c o m
razão
d e u m a
"maioria
d e
guardiões constitucionais
e m
concorrência
u n s c o m o s
outros
e
talvez para contradição
u n s c o m o s outros".
10
N o todo, a forma hoje comum d e trata-
mento dessa difícil questão constitucional continua sendo
fo r -
temente influenciada pela tendência
d o s
"juristas
d a
justiça"
para transferir
a
solução
d e
todos
os
problemas simplesmente
para u m processo judicial e desconsiderar p o r completo a dife-
rença fundamental entre u m a decisão processual e a decisão
d e
dúvidas
e
divergências
d e
opinião sobre
o
conteúdo
de um a
determinação constitucional. Sentia-se, sobretudo, a necessi-
dade d e u m a proteção perante o legislador, ou seja, o parla-
mento
e ,
conseqüentemente, limitava-se
o
problema
d a
prote-
ç ã o
constitucional arbitrariamente
ao
problema
d a
proteção
contra leis e decretos anticonstitucionais e se desnaturava t a m -
b é m este problema novamente p o r procurar o guardião da Cons-
d a propriedade e desapropriaçao, 1930 , p . 319 , 320 , e no Manual
do direito público alemão, artigo
72 (a le i
ordinária
d o
Reich),
I I , p . 177-178.
0
SCHIFFER,
E .
Die deutsche Ju.stiz, Berlin
1928 , p .
25 7/25 8; contra,
W . S I M O N S n a int rodução a o vo lume II da coleção publicada
p o r e l e ,
a s s i m c o m o L A M M E R S .
D i e
R e c h t s p r e e h u n g
d e s
Staatsgerichtshofcs f ü r d a s Deutsche Reich", Berlin 1930, p. 8,
e GR ÜNHUT, e m ludicium, 193 0 , p . 143 .
10
Archiv des õffentlichen Rechts,
N . F . B d . XI (1926), p . 287/288.
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 23/252
6
O
GUARDIÃO
D A
CONSTITUIÇÃO
tituição n o território d a justiça, sem se "preocupar muito" c o m
o
próprio assunto, como Rudolf Smend disse
d e
passagem,
m a s
acertadamente,
e m u m a
crítica." Apenas
L .
Wittmayer repre-
senta u m a exceção entre o s autores d o s primeiros anos d o
pós-guerra,
a o
qualificar
o
conselho
d o
Reich, devido
a seu
direito
d e
oposição, como guardião
da
Constituição
e,
desse
modo,
f a z
valer novamente
o
nexo, muitas vezes caído
em es -
quecimento, entre proteção constitucional e dificultação d a
emenda constitucional.
12
Hm
contrapartida,
o s
planos
e
propos-
ta s existentes querem, n a maioria d a s vezes, transferir a um
tribunal (tribunal sentenciai d o Reich, tribunal d o Estado d o Reich
alemão)
a
decisão
d e
dúvidas
e
divergências
d e
opinião sobre
a constitucionalidade d e prescrições legais (leis e decretos).
E m
especial
as
propostas
da 33
a
e da 34
a
assembléia alemã
d e
juristas ( em 1924 em Heidelberg e e m 1926emColônia)procu-
ram
solucionar
o
problema
a o
proporem ampliar
a
competência
d o tribunal d o Estado para o Reich alemão, pelo artigo 19 da
Constituição d o Reich, d e litígios constitucionais dentro de um
estado para aqueles também dentro
d o
Reich.
11
Provavelmen-
11
Verfassung
und
Verfassungsrechr,
Míinchen u n d Leipzig 1 9 2 8 ,
p . 143.
12
Die Weimarer Verfassung, Tíibingen 1922, p . 329.
1 3
Provavel mente, Alfred Friedmann (Friters) fo i o primeiro após a
r evo lução
a
re iv indicar
q u e
se ja confer ida
a
poss ib i l idade
a o
t r i b u n a l s u p e r io r
d e
" i n v a l i d a r
u m a l e i q u e
c o n t r a d i g a
a
Constituição, q u e queira eliminar direitos, o s quais a Constituição
fundamen tou" ( R evo lu t ions gewah
und
Notstandsrecht, Berlin
1919 , p . 182) , Da s
deliberações
d a
Assembléia Nacional
d e
Weimar
interessa-nos
o
requerimento Indulto
( n . 2 7 3 ,
protocolo
p . 483) ,
segundo o qual o Tribunal d o Estado para o Reich alemão decide
vinculativamente a pedido d e 1 0 0 membros d o parlamento sobre
a
constitucionalidade
d a s
leis,
m a s o
requerimento (igualmente
u m
requerimento subsidiár io)
f o i
r ecusado .
A 3 3
assembléia
alemã d e juristas ( e m 1 9 2 4 e m Heidelberg; relatores H . Triepel e
conde zu Dohna) exigiu q u e deva s e r prevista a possibil idade
d e , antes d a promulgação d e u m a l e i , produzir u m a decisão d o
tribunal
d o
Estado sobre
a
compatibil idade
da l e i com a
Cons-
ti tuição
e ,
ademais, exigiu
u m a
ampl iação
d a
competênc ia
d o
tribunal d o Eslado para o Reich alemão ( q u e , pelo artigo 19, só é
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 24/252
I N T R O D U Ç Ã O
1
competente para li t ígios constitucionais dentro d e u m Estado)
também para incluir litígios constitucionais dentro
d o
Reich.
A
34'
assembléia alemã
d e
juristas
( e m 1 9 2 6 e m
Colônia; relatores
AnschUtz e Mende) recomendou, igualmente, « m a mudança n o
artigo
19 da
Constituição
d o
Reich;
o
tribunal
d o
Estado para
o
Reich alemão deveria também decidir sobre litígios constitucionais
d e n t r o
d o
Reich; ademais ,
o
t r ibunal
d o
Estado dever ia
ser
exclusivamente competente paia examinar
a
validade
d e
leis
d o
Reich devidamente promulgadas; como objetivo legislativo, dever-
se-ia aspirar reunir
a
interpretação
d o
direito constitucional
d o
Reich
n a
instância suprema junto
a o
tribunal
d o
Estado para
o
Reich alemão". O ministério d a s relações interiores d o Reich
publicou
e m 1 9 2 5
(Editora Heymann)
o
projeto
d e u m a l e i
para
a
conservação
d a
unidade
d o
Reich" , segundo
o
qual ,
e m u m
processo
d e
decisão judicial sobre questões
d e
direito público,
especialmente, também,
d e
direito constitucional,
a
decisão deva
s e r tomada p o r u m tribunal sentenciai d o Reich. U m projeto d e
lei publicado n o Jornal Jurídico Alemão d e 1 9 2 6 , c o l . 8 4 2 , pelo
então ministro
d a s
relações interiores
d o
Reich,
D r.
Külz, prevê
q u e , s e existirem dúvidas o u d ivergências d e opinião sobre se
u m
preceito legal
d o
direito
d o
Reich contradiz
a
Constituição,
o
parlamento,
o
conselho
o u o
governo
d o
Reich pode apelar para
a decisão d o tribunal d o Estado para o Reich alemão, m a s , segundo
esse projeto, aparentemente
n ã o
deve
s e r
exc luído
o
direito
d e
exame judicial geral;
cf. o
artigo
d e
Külz.
D J Z . 1 9 2 6 , S p . 8 3 7 ;
POETZSCH. DJZ. 192 6 , Sp . 1269 ; BÕTTICHER. Leipz. Z. 1926 , p.
8 2 2 ;
GRAU, Richard. Zum Gesetzentwurf über die Prüfung der
Verfassungsmafíigkeit vort Reichsgesetzen
und
Rechtsverordnungen,
A õ R . , N . F . X I , p . 2 8 7 e seguintes (1926); MARX, Fritz Morstein.
Variationen über richterliche Zustündigkeit zu r Prüfung der
RechímaJSigkeit
des
Gesetzes,
p .
129-130 (Ber l in 1927) ;
SCHELCHER, Fischers. Zeitschr. f Verwaltungsrecht, Bd.60 p .
3 0 5 ;
BREDT. Zeitschr. f d. ges. Staatsw.
Bd . 82 , 1927 , p . 44 3 ;
NAWIASKY. A õ R . , N . F . X I I (1927) p . 130/131; HOFACKER.
Gerichtssaal,
B d . 9 4 , p . 2 1 3
(1927).
O
projeto enviado
e m 2 5 d e
m a r ç o
d e 1 9 2 7 à
c o m i s s ã o
d e
d i r e i t o
d o
p a r l a m e n t o
e q u e
c o r r e s p o n d e à p u b l i c a ç ã o d o minis t ro K.ülz ( Impressos d o
parlamento
n .
2855,
I I I ,
1924/1926), deixa
o
tribunal
d o
Estado
(a
pedido
d e u m a
minoria qualificada
d o
parlamento
o u d o
conselho
d o Reich, m a s também d o s tribunais q u e t ê m q u e l h e apresentar
o s
autos quando consideram
u m
preceito legal incompatível
c o m
o precei to d o Reich) decidir c o m força de le i sobre a const i -
tucionalidade; a respeito, K . Frhr. v o n IMHOFF. Bayr. Verwaltungs-
blãtter,
B d . 7 5
(1927),
p .
241-242. Sobre
o
caráter
d e
emenda
constitucional
d e u m a l e i
desse tipo: HOFACKER
id. ; R.
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 25/252
8
O GUARDIÃO D A CONSTITUIÇÃO
te ainda sob a impressão d e resíduos d o período anterior à guerra
e sob a influência da naquela época muito citada "solução aus -
tríaca"
14
, pouco
se
discutiu,
n a
fadiga
d a
primeira década após
o
colapso,
o
s ignificado objetivo
d e
tais ampliações
da
justiça
e
se
contentou
c o m
normativismos
e
formalismos abstratos.
Porém, a grande ampliação que a competência d o tribunal
d o
Estado para
o
Reich alemão parecia tomar
a
partir
de 1925,
e m
especial
na
prática
d o
artigo
19 da
Constituição
d o
Reich,
conduziu logo a dúvidas políticas e constitucionais, p o r meio
d a s quais fo i impedida a, até então, expansão naturalmente
exigida e m direção à esfera judicial. A prática d o artigo 19 da
Constituição determinou exclusiv amente pelos precedentes tanto
o
conceito
d o
litígio constitucional ,
que não se
resolve
c o m u m a
"definição" ilimitada d a palavra (litígio constitucional é todo li-
tígio sobre u m a determinação d a Constituição), quanto o con -
ceito
d o s
"litígios constitucionais dentro
d e u m
estado", assim
como, também,
a
questão decisiva
da
capacidade
d e
agir
e m
juiz diante d o tribunal d o Estado. Er a de sobressair o fato d e
q u e partidos políticos, facções parlamentares e grupos isolados
d e deputados, sociedades religiosas, comunidades e , a té mes-
m o ,
cooperativas nobiliárquicas podiam citar
u m
estado
ou um
GRAU.
Icl.;
IMHOFF.
Id . ;
BREDT.
Id . p .
453-454,
q u e
cons ideram,
todos, como necessária u m a l e i d e emenda à Constituição; contra
ta l f a to ( n a minha opinião, s e m razão) LOWENTHAL. D J Z . 1 9 2 7 .
p . 1 2 3 4 , Reichsverwaltungsblatt 1 9 3 0 p . 7 4 8 . Além disso, deve-
s e ainda notar sobre a literatura a respeito d o tribunal d o Estado,
q u e o s
autores
d e
teses
e
dissertações sobre
e l e
(aparentemente
u m tema preferido para "teses d e doutorado") atacam a difícil
questão n a maioria d a s vezes c o m a ajuda d e algumas fórmulas
e padrões adquir idos h á pouco, isso é perdoáve l e n ã o causa
censura a o s jovens autores.
14
Artigos
89 e 139 da
Constituição federal austríaca
d e I
o
d e
outubro
d e 1 9 2 0 .
Sobre isto, p.ex.,
W .
JELLINEK.
Ju r
Woch.
1 9 2 5 , p . 4 5 4 ,
c o m o
seguinte pronunciamento, característico para
o s
ânimos
d a
época:
S e
considerarmos
a
chamativa utilidade
d o
regulamento
austríaco (.,.), este v a i supostamente também s e estender u m d i a
5 Alemanha". Esta suposição n ã o s e realizou, a partir d e 1 9 2 5 ,
aliás, devem ter se sobressaído a o s olhos ainda outras proprie-
dades d a solução austríaca q u e n ã o a s u a utilidade.
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 26/252
I N T R O D U Ç Ã O
2.
governo estadual diante
d o
tribunal
d o
Estado
e m
questões
freqüentemente
d e
alta política,
15
e
pareciam incalculáveis quais
grandezas e grupos sociais (representações profissionais, as-
sociações
d e
interesses, entidades
d e
direito público) seriam
um dia admitidas como partes no processo. Todavia , surgiu,
aqui h á aproximadamente u m a n o , u m a certa contenção, que
dizia respeito a u m a questão d e direito eleitoral suscitada na
Prússia
de 17 de
fevereiro
d e
1930,
17
q u e
será discutida mais
e m detalhes abaixo, representa u m importante indício.
E m
todo caso, torna-se necessário apreciar
o
problema
n o
contexto concreto
d e
nossa situação
d e
direito público
e
cons-
titucional. Como prova dessa necessidade basta relembrar,
perante as abstrações precipi tadas daquelas primeiras tentativas
d e solução, os diversos "guardiões d a Constituição" q u e surgi-
15
A t é 1 9 2 9 ,
facções parlamentares: decisão
d o
tribunal transitório
d o Estado de 12 de ju lho d e 1 9 2 1 , Jurisprudência civil do Reich
102, p . 4 1 5 e d e 2 1 d e novembro d e 1 9 2 5 , Jurisprudência civil d o
Reich
1 1 2 ,
anexo
p. 1;
partidos políticos
( c o m
cuidadosa restrição
a litígios d e direito eleitoral): Jurisprudência civil d o Reich 118 ,
anexo p . 2 2 , Jurisprudência civil d o Reich 1 2 0 , anexo p . 19 (Gau
Me c k l e n b u r g - L i i b e c k d o par t ido operár io nac ionaí -soc ia l i s ta
contra
o
Es tado
d e
Mecklenburg-Schwer in ) ;
e m
contrapartida,
n ã o : par t ido soc ia l -democra ta independente n a Saxônia contra
o Estado d a Saxônia, Jurisprudência civil d o Reich 1 2 1 , anexo p .
8 ;
igrejas do Estado: Jurisp rudênc ia civil
d o
Reich
1 1 8 ,
anexo
p .
1; municípios: decisão de 12 de jane i ro d e 1 9 2 2 , D J Z . 1 9 2 2 , coluna
4 2 7 , e , além disso, a decisão e m matérias d o magistrado d a cidade
d e
Potsdam contra
o
Estado
d a
Prússia
d e 9 d e
ju lho
de 1928 ,
Jurisprudência civi l d o Reich 1 2 1 , anexo p. 13, o grupo local
Nassau d a nobreza direta d o Reich (5 famílias ) d e então contra
o
ministério estatal
d a
Prússia, decisão
de 10 de
maio
de 1924 ,
Jurisprudência civil d o Reich 1 1 1 , anexo p. 1.
16
C f . a crítica especialmente enfática d a ampla extensão d a competên-
ci ad o tribunal d o Estado p or W.HOFACKER. Verfassungsstreitigkeiten
innerhalb eines Landes, Reichsverwaltungsblatt
1 9 3 0 , p .
33/34.
17
Jurispru dência civil
d o
Reich
1 2 8 ,
anexo
p . 1 ; e (com
protocolo
d e audiência) Decisões selecionadas d o tribunal d o Estado para
o
Reich alemão, publicadas pelo presidente
d o
tribunal
d o
Reich
D r .
Bumke, caderno
2 ,
Berlin
1 9 3 0 ;
sobre esta sentença, vide
ainda adiante.
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 27/252
1 0
O GUARDIÃO D A CONSTITUIÇÃO
r am em
grande número
na
longa história
d o
problema constitu-
cional.
O
exemplo clássico
d o s
éforos espartanos
é
ainda
freqüentemente citado n o século XJX, na maioria das vezes
c o m o inevitável
quis custodiet ipsos custodes
e co m a ad-
vertência como aditamento de que o guardião se torna facil-
mente senhor
d a
Constituição
e que
ocorre
o
perigo
de um
duplo chefe d e Estado, m a s à s vezes também c o m a queixa
sobre
as
conseqüências ruins
d e u m a
instância inamovível,
ir-
responsável
e que
decide
à sua
discrição.
18
Outras propostas
e
18
Sobre o e forado n o Estado lacedemônio: BUSOLT-SWOBODA.
"Griechische Slaatskunde" (Handbuch der Altertumswissenschaft,
IV, 1, München 1 9 2 6 ) p . 6 7 0 , 683-684; a í encontram-se a s fontes
e o s outros escri tos. O s éforos t inham a tarefa d e conservar a
ordem social
e
estatal existente, assim como cultura
e
costumes
cívicos, para q u e o nomos fosse o único senhor n o Estado. Eles
a juramentavam o rei e prestavam u m contrajuramento. Tinham
também
q u e ,
sobretudo, proteger
a
ordem existente contra
u m a
rebelião d o s helotas subjugados e podiam matar, s e m mais, helotas
suspeitos. Isso e r a válido como guerra contra o inimigo interno,
p o r
isso, todo
a n o , o s
éforos declaravam formal
e
festivamente
guerra a o s helotas. Busolt-Swoboda (p . 6 7 0 ) t em isso como u m a
"astúcia ingênua". E le t em razão, pois há na luta contra o "inimigo
i n t e r n o " m é t o d o s
q u e
d e m o n s t r a m m a i s a s t ú c i a
d o q u e
ingenuidade. E m todo caso, o s éforos foram historicamente u m a
autoridade, cujo caráter polít ico s e comprova justamente neste
contexto
c o m u m
termo inimigo
e d e
política interna. Também
d e
interesse é a queixa d e Aristóteles (Política, I I , 7 , B 10 1272 C)
sobre a inst i tu ição d o s é f o r o s e d o s cosmos . M a s o p ior é a
su sp e n sã o
d o
cosmos pe los poderosos
q u e
f r e q ü e n t e m e n t e
a
provocam quando n ã o querem se submeter à s decisões judiciais
| n o original e m grego e e m alemão n a tradução d e Stahr], Sobre
o s c f o r o s e m A l t h u s i u s : G . L E I B H O L Z .
Der
fíegriff
der
Repriisentation, Berlin 1 9 2 9 , p . 8 4 nota; sobre a p ropos ta d e
Fichte
a
respeito
d e u m
e forado
q u e
levaria
a u m
duplo chefe
d e
Estado:
K .
W OL Z E NDOR FF. Siaatsrecht und Naturrecht,
1 9 1 6 ,
p . 4 0 8 ; MOHL. Encyclopadie 2 . Auf l . 1 8 7 2 , p . 6 4 7 ; DAHL MANN .
Politik
3 .
A u f l .
1 8 4 7 , p . 1 9 7 e
s e g u i n t e s ; B L U N T S C H L I ,
Allgemeines Staaisrecht B d. 2 , 4 . Aufl . , München 1 8 6 8 , Cap . 1 0 ,
p . 5 5 2 . O trecho mais importante desta literatura sobre teoria d o
Kstado
e
teoria constitucional
q u e
atravessa séculos encontra-
se n a c r í t ica d c Hege l d o s p l a n o s d o e f o r a d o d e FICHTE.
Wissenschafiliche Dehandlungsarten
des
Naturrechts,
Samtliche
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 28/252
I N TR O D U Ç Ã O
1 1
instituições como as de tribunos,
19
censores
2
" e síndicos
21
per-
tencem igualmente a este tipo d e guardiões d a Constituição. O
segundo tipo baseia-se n o modelo d o senado romano que, por
meio
de sua
tarefa inibitiva
e
conservadora,
fo i um
verdadeiro
Wcrke I, p . 47 9 : Po r causa disso (porque, s e c o m isso quisermos
obrigar
o
poder supremo
a o
acordo
c o m a
vontade geral,
a
volonté
générale, ao se lhe opor u m outro poder igual, n a verdade não
está resolvido
o
problema
e m s e
obrigar
o
poder supremo) refugia-
se numa diferenciação totalmente formal. Todavia, o poder real
é colocado como único e abrangente , mas o que s e lhe opõe é
o
poder possível,
e
essa possibilidade deve
s e r
capaz
d e
obrigar
aquela realidade. A esta segunda existência sem poder d a vontade
geral deve
s e r
atribuído
o
ju lgamento
s e o
poder abandonou
a
pr imei ra ( o u seja, a vontade geral , a volonté générale), se o
poder
n ã o
está mais conforme
a o
concei to
d e
liberdade geral".
E l e "deve vigiar, e m geral, o poder supremo e , da mesma forma
q u e nele surge u m a vontade part icular n o lugar d a geral, deve
l h e
privar
d o
mes mo
e o
modo pelo qual isso deve acontecer,
deve s e r u m a declaração pública da nulidade total, c o m efeito
absoluto,
d e
todas
a s
ações
d o
supremo poder públ ico
a
partir
deste momento". Então, continuando, este segundo representante
d a
vontade geral teria
q u e t e r u m
"poder real" para poder obrigar
o poder supremo. M a s c o m o o "poder real" está c o m o outro
r e p r e s e n t a n t e
d a
vontade geral , es te pode impedir qualquer
decisão concreta e m aniquilar, " independente d e quais funções
fo i encarregado o eforado, a vigilância, a declaração pública d o
interdi to e qua i s formal idades s ã o t ramadas ; e c o m o mesmo
direito (...), pois estes éforos n ã o s ã o , a o mesmo tempo, menos
vontade particular
d o q u e
aqueles
e
tanto
o
governo pode julgar
s e a vontade particular destes se isolou d a vontade gera , quanto
o
eforado sobre
o
governo" .
' ' ' Artigos 21 e 28 da Consti tuição francesa d o a n o VIII (1799) e
numerosos
senatus-consultes
até a e l iminação d o tribunado pelo
senatus-consultes de 19 d e agosto de 1807 .
211
Sobre o s censores d a Pens i lvânia , vide acima nota 2 ; outros
exemplos
e m R .
MOHL. Verantwortlichkeit der Minister,
p . 2 2 3 -
2 2 4 , sobre "censores expressamente chamados", o s quais obser-
v a m
todas
a s
ações
d o
gove rno
n o
tocante
a sua
cons t i tucio-
nal idade. Sobre o s defensores d a Boêmia será publicada u m a
pesquisa pelo D r. Rudolf Stanka.
2 1
SPINOZA. Tractatus politicus VIII 920921; X, §§ I
o
e 3
o
; editio
Bruder p. 108, 130; quorum (destes síndic os) officium solummodo
si t
observare,
ut
irnperii jura, quae concilia
et
imperii ministros
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 29/252
1 2
O
GUARDIAQ
D A
CONSTITUIÇÃO
defensor d a s condições constitucionais romanas e cuja autori-
dade
— a
palavra
é ,
aqui, usada
e m s e u
expressivo sentido
para s e diferenciar d e potestas
22
— tinha q u e homologar a s
deliberações populares para
q u e
fossem impedidas violações
d a ordem constitucional e das obrigações internacionais." Este
modelo também continuou
a
produzir efeitos
p o r
muito tempo
n o pensamento constitucional d o s europeus. Nele baseia-se o
hábito
em se
tomar
u m a
segunda câmara guardiã
d a
Consti-
tuição. Segundo o artigo 21 da Constituição francesa do ano
VIII,
e.g., u m
Sénat Conservateur homologa
ou
anula todos
os atos d o tribunado ou do governo apresentados como anticons-
titucionais, semelhantemente, segundo
o
artigo
2 9 d a
Constitui-
ção de 14 de janeiro de 1852 , todos os atos a e le levados como
anticonstitucionais pelo governo
o u
pela petição
d o s
cidadãos.
Pelo direito constitucional vigente d a república francesa, o se -
nado
(a
segunda câmara) constitui-se como Haute Cour
de
Justice n o
caso
d e
queixas ministeriais
e e m
outros casos
d e
justiça política (artigo 9 da lei constitucional de 24 de fevereiro
d e
1875).
N a
literatura
a
respeito
d e
teoria
d o
Estado
e
teoria
concernunt, inviolata serventur,
qui
propterea potestatem
habent, delinquentem quemcumque imperii ministrum,
qui
scilicet contra jura, quae ipsius ministerium concernunt,
peccavit, coram su o iudicio vocandi et secundum constituía
iura damnandi, eles de ve m
t e r u m
cargo vitalício,
ter no
mínimo
6 0
anos,
n e
longa admodum dominatione nimirum superbiant",
t e r
exército
à
disposição, poder exercer
u m
direito
d e
convocação
frente
à
soberana reunião
d o
conselho,
e t c .
C o m o
a
verdadeira
f u n ç ã o
e
v e r d a d e i r a p r e s t a ç ã o
d o s
s índ icos ind ica - se ,
caracteristicamente,
q u e s u a
autoridade deveria conservar
o
regime
estatal
(H Í
imperii forma servetur).
2 2
Sobre
a
diferença entre autorítas
e
potestas: SC HM IT T, Carl.
Verfassungslehre,
192 8 , p . 75
nota.
U m
emprego muito interessante
dessa diferenciação para
a
atual situação
d e
política interna
d a
Alemanha
n a
revista Die Tat, outubro
d e 1 9 3 0 , p .
509-510 (artigo
anônimo
D i e
kalte Revolution"); além disso, ZIEGLER, Leopold.
Fiinjundzwanzig Sátze
vo m
deutschen Staat, Darmstadt
1931, p. 43,
2 1
MOMMSE N. Rómisches Siaatsrecht
II I , p . 104 1;
outra bibliografia
sobre
a
auctoritas
d o
senado romano: Verfassungslehre
p . 75
nota; c f . também mais adiante neste livro.
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 30/252
I N T R O D U Ç Ã O
constitucional, sempre permaneceu vivo
o
modelo
de um
"senado" defensor d a Constituição. Assim,
Junius Brutus
exige, na mais famosa publicação monarquista, u m senado
encarregado
d e
vigiar
e
examinar
a
interpretação
e a
execu-
ç ã o d a s leis empreendidas, ambas pelo rei.
2
" Harrington j á foi
mencionado, a partir dele u m a linha contínua conduz a Sieyès
e a o século X I X .
Mesmo a
representação
do
povo,
o u seja, a câmara elei-
t a surge e m u m a determinada situação constitucional como
guardiã
d a
Constituição, pelo menos
d o s
"direitos
d o
povo"
perante
o
governo,
26
em
especial novamente
u m a
comissão
d e
2 4
BRU TUS , Junius. Vindiciae contra tyrannos, Aus gab e Edinbur g
1579,p.
128 .
2 5
Sobre a linha histórica: SMITH, H. F . Russel. Id . p . 15 , 205/206;
sobre
a s
idéias
e
propostas
d e
Sieyès : BLONDEL.
A. Id . p . 173;
sobre seus efeitos n a Suíça: H I S , Eduard. Geschichte des neuern
Schweizerischen Staatsrechts,
B d . 1, D i e
Geschichte
d e r
Helvetik
u n d d e r Vermittlungsakte 1798-1813, Basel 1 9 2 5 , p . 196-197.
2 6
Pr inc ipa lment e quan do o par lamento es tadual recebe agravos
constitucionais. Segundo o título VI I , § 21 , da Car ta Constitucional
d a Baviera d e 2 6 d e maio d e 1 8 1 8 ( n a redação da lei de 19 de
janei ro d e 1872), e.g., qualquer cidadão o u qualquer comunidade
podia apresentar
a o
parlamento estadual agravos sobre violação
d o s di re i tos cons t i tucionais . E m R. Mohl, n o caso extremo, a
r ep re s en t ação
d o
povo pode conc lamar
o
p o v o
à
res is tência
armada n o caso d e violação constitucional p o r parte d o governo
(Verantwortlichkeit der Minister,
p . 5 7 5 ) ,
além disso, (eviden-
temente
c o m a
ressalva
d o
direito
d e
exame judicial):
Über die
rechtliche Bedeutung verfassungswidriger Gesetze, M o n o -
graphien
a u s
Staatsrecht, Volkerrecht
u n d
Politik,
Bd . I ,
Tübin gen
1860 , p . 85-86; sobre a crítica desta concepção d o s "conselhos
estamentários como guardas
d a
Consti tuição",
R .
GNEIST. Parecer
a respeito da 4* assembléia d e juristas sobre a questão: "Deve o
juiz
t e r q u e
decidir sobre
a
ques tão
d a
cons t i tuc iona l idade
d e
u m a lei?", Berlin 1 8 6 3 , p . 2 8 . Gneist v ê a verdadeira garantia n a
cooperação entre monarcas hereditários,
u m a
primeira câmara
permanente
e u m a
segunda eleita, todavia,
e m s u a
fala
n o p a r -
l amento es tadua l e m 9 d e f eve re i ro d e 1 8 6 6 , d e n o m i n o u o s
deputados
d o
parlamento estadual
d e
"guardas
d a
Constituição",
m a s este f o i u m caso específico, c f . nota 4 7 mais adiante. Sobre
a concepção d e Bluntschli , vide mais à frente.
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 31/252
1 1
O
GUARDIÃO
D A
CONSTITUIÇÃO
supervisão formada p o r representantes d o povo "para a defesa
d o s
direitos
d e
representantes
d o
povo perante
o
governo". Aqui
se
pode
ver, de
forma mais clara,
q u e
tais instituições
só
podem
ser consideradas n o contexto concreto geral d a estrutura consti-
tucional. S e a Constituição se baseia, como correspondente a
u m a
concepção difundida
n o
século
X I X , e m u m
contrato entre
príncipe e povo, governo e representação d o povo,
28
toda parte
contratual surge como guardiã da parte constitucional que d iz
respeito
a
seus próprios direitos
e
poderes
e
tenderá
a
qualificar
as determinações constitucionais vantajosas a suas reivindica-
ções políticas como a Constituição. M a s mesmo o
governo,
q ue
representa
a
unidade, pode
ser
concebido,
d e
acordo
com seu
conceito, como "guardião
dos
serviços públicos
e
defensor
das
instituições estatais".
29
Otto Mayer d iz em seu
Sãchsisches
Staatsrecht (1909,
p. 214): o
guardião supremo
d a
Constituição
é
o rei.
Pode-se igualmente mencionar nesse contexto
a
teoria
- a
sec tratada posteriormente mais e m detalhes - d o poder neutro e
medianeiro do rei ou de um presidente d e Estado.
3
"
2 7
O artigo 35 , § 2
a
, d a Constituição d o Reich incluiu n o texto d a
regulamentação consti tucional
a
expressão "para
a
de fesa
d o s
direitos
d a
representação
d o
povo perante
o
governo
d o
Reich",
a
pedido
d e
HauBmann,
e m 4 d e
j u l h o
d e 1 9 1 9 .
Correspondia
especialmente a u m a tradição d o Estado d e Wilrt temberg (cf . a
antiga Constituição
d e
Würt temberg
d e 1 8 1 9 ,
artigo
187 e ss . )
colocar es ta comissão interina
s o b o
p o n t o
d e
vis ta
d a m a -
nutenção
d a
Cons t i tu ição",
21 i
Vide mais adiante sobre outros efei tos prát icos deste termo
constitucional.
O
protesto
de 10 de
fevereiro
d e 1 8 6 6 d a
câmara
d e
depu tados
d a
Prússia contém
u m
e x e m p l o
d e s u a
história
consti tucional
( a t a n . 4 1 ,
re la tos es tenográf icos .
p . 1 3 7 , 1 4 1 -
142)-.
A
câmara, paTa
a
salvaguarda
d e
seus direitos
e d o s
direitos
d e
t o d o
o
p o v o ,
p o r e l a
r e p re s e n t a d o p e l o a r t i g o
8 3 d a
Consti tuição, protesta" contra
o
pedido
d a
promotoria pública
para
a
persecução judic ia l
d o s
depu tados Twesten
e
Frentzel
d e v i d o a suas fa las n a c â m a r a d o s d e p u t a d o s . M a s deve-se
considerar q u e s e trata, aqui, d a defesa contra u m a intervenção
n a
própr ia es fera ,
o u
se ja ,
d e u m
caso
d e
autoproteção;
c f .
também mais adiante.
2S
Assim, p.ex., TR EN DE LE NB URG , Adolf. Naturrecht, 1860,p.375.
, n
O artigo 7 1 d a Constituição portuguesa d e 2 9 d e abril d e 1 8 2 6
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 32/252
N T R Q D U C Ã O
1 5
Se nas constituições alemãs d o século X IX está previsto
u m tribunal especial d o Estado para a "proteção judicial da
Constituição" ao lado d e outras garantias/
1
manifesta-se nelas
a
simples verdade
de que a
proteção judicial
d a
Constituição
só
constitui u m a parte d a s instituições para a proteção e garantia
d a
Constituição
e q u e
seria
u m a
superficialidade sumária
es-
quecer, p o r causa dessa proteção judicial, o s limites muito es-
treitos d e toda judicância e os muitos outros tipos e métodos d e
u m a
garantia constitucional.
(DARESTE,
p . 497) e o
artigo
9 8 d a
Constituição brasileira
d e 2 5
d e março d e 1 8 2 4 denominam o rei e o imperador, respectivam ente,
d e "chave d e toda a organização política" e lhe atribuem a tarefa
d e velar continuamente sobre a manutenção d a independência,
d o equi l íbr io e d a ha rmonia d o s outros poderes polí t icos, cf .
nota mais
à
frente.
3 1
A
formulação "proteção judic ia l
d a
Consti tuição" encontra-se,
p.ex., no a r t . 195 da Constituição d e Württemberg de 1819 , e l a é
es pec i a lmen te pe r t i nen t e , po i s e l e d i s t i n g u e a s ins t i tu ições
judiciais
e
outras instituições para
a
proteção
d a
Consti tuição
e ,
c o m isso, previne u m a falsa e perigosa absolutização d a proteção
judicial.
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 33/252
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 34/252
P r i m e i r a p a r t e
A J U S T I Ç A C O M O G U A R D I Ã D A
C O N S T I T U I Ç Ã O
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 35/252
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 36/252
O c h a m a d o d i r e i t o d e e x a m e
j u d i c i a l m a t e r i a l g e r a l
a c e s s ó r i o )
n ã o s e
c o n s t i t u i
n a
A l e m a n h a e m u m g u a r d i ã o d a
C o n s t i t u i ç ã o . . . )
O s tribunais c o m jurisdição civil, penal ou administrativa
não são , em um sentido preciso, guardiões d a Constituição.
Todavia,
é
normal
o
erro
e m
qualificá-los como tais
ao
exerce-
r e m u m chamado direito d e exame judicial material, isto é, ao
examinarem
as
leis ordinárias
e m s u a
coerência material
c o m
os comandos constitucionais e , em caso d e conflito, negarem à
lei
ordinária
su a
aplicação.
P o r
conseguinte,
o
tribunal
d o
Reich,
desde
q u e s e
declarou autorizado,
na
decisão
de 4 de
novem-
bro de 1925 ,
(Jur isprudênc ia civil
do
Reich
111, p. 32 0) a
examinar leis ordinárias d o Reich quanto à sua concordância
c o m a
Constituição
d o
Reich, também
fo i
ocasionalmente
cha -
mado d e guardião da Constituição.
1
A tendência e m apresentar tribunais sentenciadores como
a
suprema garantia
d e u m a
Constituição pode
ser
provavel-
mente explicada, principalmente, a partir d e idéias amplamente
difundidas sobre
o
supremo tribunal
d o s
Estados Unidos
d a
América. Es.se tribunal, q ue é com razão mundialmente famoso,
tornou-se entre alguns juristas alemães, como parece,
u m
tipo
d e mito. N a s deliberações da comissão constitucional da as-
sembléia nacional
de
Weimar, surgiram notáveis obscuridades
1
Sobre o t r ibunal d o Reich como guardião d a Const i tu ição",
vide o art igo n o presente d a s faculdade s jurí dicas p o r ocasião
d o 5 0 °
aniversário
d o
tribunal
d o
Reich, Berlin
1929 , p . 1
.*54-178.
PRIMEIRA PARTE - A JUSTIÇA COMO GUARDIA D A C ONS TITUIÇ ÃO •
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 37/252
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 38/252
O CHAMADO DIREITO D E EXAME lUDICIAL MATERIAL..
2 1
Considerando
su a
strictly judicial function,
6
ele
recusa todo pare-
c e r
político
ou
legislativo
e não
deseje
se r nem
mesmo
um tri-
bunal administrativo.
7
Basicamente, e le recusa-se a redigir u m
parecer ao congresso ou ao presidente.
8
N o q u e tange a seu
significado e efeito práticos, não se pode, a partir d a considera-
ç ã o d a
atual situação anormal
d a
Alemanha, avaliar
su a
ativi-
dade pelas épocas
d e
prosperidade econômica
e d e
segurança
d e política interna, e , s im, se ter em vista épocas críticas e
turbulentas. Aqui, mostram o s famosos precedentes d o perío-
d o d a
guerra civil
—
decisões
q u e
dizem respeito
a
questões
politicamente discutíveis como escravidão
o u a
desvalorização
d a moeda - que a autoridade d o tribunal se encontrava e m
grande risco nesses casos e não podia d e modo algum impor
sua
concepção sobre
a
matéria.
9
M a s a
maior
e, na
verdade,
fundamental característica
d a
suprema corte norte-americana
residia provavelmente n o fato de que e la , com a ajuda d e p o n -
tos de vista básicos e princípios gerais, os quais s ó podem ser
abusivamente qualificados
d e
"normas", examina
a
retidão
e a
racionalidade
d e
leis
e , po r
conseguinte, dado
o
caso, trata
u m a
lei como não-aplicável.
10
Ela é capaz para tanto, pois ela se
6
"Funçã o estri tamente judi cial" [ n o original e m inglês. N.T.].
7
Provas e m HUGHES. Id. p. 32.
8
Primei ro caso, a té então, d e u m parecer (advisory opinion) sob o
presidente Monroe;
a
respeito, WARREN
id . , I I , p . 56;
t ambém
a
observação d e HUGHES. Id . p . 31 : "nada assim poderia acontecer
ho j e "
[n o
original
e m
inglês. N.T.].
O
solicitor-general James
M .
Beck
f e z , a t é
agora
e m v ã o , a
proposta
de da r o
direito
a o
cong resso,
conjuntamente c o m o s presidentes, d e pedir à suprema corte u m
parecer quando
u m
anteprojeto
de l e i fo r
duvidoso
n o
tocante
a
s u a consti tucionalidade; c f . OGG-RAY. Introduction to American
Government, 2. Aufl . ,
1 9 2 6 , p . 4 2 2 ,
nota
3 .
9
WAR R EN, I I I , p . 22/23 (Dred Scott Case), p . 2 4 4 (Legal Tender
Case)\ e
mais,
a Income Tax Case, 1895 .
10
Aqui
é o
caso
d e
conceitos como reasonableness
e
expediency.
Sobre a s relações e identif icações d e "constitution", "fundamental
rights", "natural equity", "will o f the people", e tc . , a s interessantes
observações
e m
DICKINSON, John. Administrative justice and
the
Supremacy
of Law in lhe
United States,
Cambr idge, Harvard
University Press,
1927, p . 97 e 101.
PRIMEIRA PARTE - A JUSTIÇA COMO GUARDIÃ D A CONSTITUIÇÃO •
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 39/252
O G U A R D I Ã O D A C O N S T I T U I Ç Ã O
apresenta, na realidade, como guardiã d e u m a ordem social e
econômica,
a
princípio não-discutível, perante
o
Estado. Como
R .
Gneist disse
d e
forma muito acertada,
e la t em um
poder
transcendental
" perante o Estado. S ó neste contexto é que
se pode considerar a crítica freqüentemente feita referente a o
fato
de que e la , por
muitos anos, impediu
e
deteve leis
de p ro -
teção a o s trabalhadores e determinações sociopolíticas, até
mesmo aquelas sobre o trabalho d e mulheres e crianças, que
n o s
eram naturais
n a
Alemanha,
a o
tratá-las como anticons-
titucionais. N ã o s e trata aqui, naturalmente, n em d e u m a ap o -
logia n e m d e u m a refutação d o tribunal norte-americano, m a s
apenas
d e
impedir,
p o r
meio
d e u m a
pequena re tificação, trans-
ferênc ias irrefletidas e mitificações. Deve-se dizer basicamente
que o direito d e exame judicial, por si só, apenas tom a o s tribu-
nais sentenciadores guardiões
d a
Constituição
e m u m
Estado
judicial
q u e
subordina
a
totalidade
d a
vida pública
a o
controle
d o s tribunais ordinários e s ó quando, p o r
Constituição,
forem
entendidos, sobretudo, os direitos fundamentais d o Estado d e
Direito civil, liberdade pessoal
e
propriedade privada,
o s
quais
devem ser protegidos contra o Estado pelos tribunais ordinários,
i.e.
contra legislação, governo e administração. Dessa forma,
a
prática
d o
tribunal americano defendeu
e
procurou proteger
contra o legislador, com. base n a s emendas (
Amendment
) d e
número 5 e 14 e desenvolvendo a muito discutida fórmula
due
process oflaw,
n
os
princípios
d a
ordem civil social
e
econômi-
ca
como
a
ordem superior
e a
verdadeira Constituição.
Parecer id . p . 23, cf . a citação detalhada mais adiante a o final
desse livro.
12
Dev ido processo legal
1 n o
original
e m
inglês. N.T.]. Quinta Emenda
d e J 7 9 1
(dirigida
à
união): ninguém deve
s e r
"privado
d a
vida,
d a l iberdade o u d a p ropr iedade s e m o devido processo legai;
n e m a propriedade privada deve s e r tomada para u s o público
s e m u m a
justa compe nsação "
[n o
original
e m
inglês. N.T.]. Décima-
quarta emenda
d e
Í868 (dirigida
a o s
Estados):
N e m
qualquer
estado deve privar qualquer pessoa d a vida, d a liberdade ou da
propriedade, s e m u m devido processo legal; n e m negar dentro
d e s u a
jurisdição
a
igualdade
d a
proteção legal"
[n o
original
e m
inglês. N.T.]. Exagerada,
m a s
característica
é a
critica constante
1
PRI MEIR A PARTP.
- A
J U S TI Ç A C O M O G U A W I Ã
l i A
CONSTITUIÇÃO
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 40/252
O
CHAMADO DIREITO
D E
EXAME IUDICIAL MATERIAL.
2 3
O direito d e exame judicial, a o contrário, ao qual recorre o
tribunal d o Reich alemão na famosa decisão de 4 de novembro
d e 1925,'
3
assim como, d e forma semelhante, os demais tribu-
nais supremos (tribunal financeiro
d o
Reich, tribunal
de
previ-
dência social d o Reich, tribunal administrativo superior d a
Prússia, etc.),
t em u m a
importância muito modesta
em
compa-
ração com o direito d e exame de um tribunal norte-americano
e , em uma observação mais detalhada d e suas proporções, se
movimenta dentro
d e
limites muito estreitos.
A
fundamentação
d a
decisão
de 4 de
novembro
de 1925
baseia-se
na
seguinte
frase: que o juiz esteja subordinado à lei (artigo 102 da Consti-
tuição
d o
Reich)
n ã o
exclui
o
fato
de que e le
possa privar
d e
validade uma le i ou suas determinações particulares, contanto
q u e estejam em contradição c o m outros preceitos que as pre -
cedam e a serem observados pelo juiz".
14
C o m isso se afirma
n a f rase f reqüentemente profer ida: o devido processo é curió
d o
modo
q u e a
Suprema Corte norte-americana
d iz que e le o é
[n o original e m inglês. N.T.].
Jurisprudência civil do Reich,
1 1 1 , p . 3 2 2 ; a
isso,
a
discussão
detalhada n o presente p o r ocasião d o 5 0 ° aniversário d o tribunal
d o
Reich,
vol . I , p . 171
et seq.
i 4
E m
termos comparativos podem
s e r
aqui citadas
a s
frases corres-
pondentes d a famosa decisão fundamental d o supremo tribunal
d o s
Estados Unidos Marbury
v.
Madison
(1
Cranch,
137) -
Chief
Justice M a r s h a l l - d o a n o d e 1 8 0 3 : O s p o d e r e s d o poder
legislativo
sã o
definidos
e
limitados (...).
É u m a
proposição
por
demais simples para s e r contestada q u e o u a Constituição conirola
todo
a to
legislativo repugnante
a e la , ou que o
poder legislativo
pode al terar a Cons t i tu ição p o r u m a t o ordinário. Entre estas
duas al ternativas n ã o h á u m meio- te rmo. A Const i tuição ou é
u m a l e i superior e primordial, inalterável p o r meios ordinários,
ou e la está e m u m mesmo nível c o m atos legislativos ordinários
e ,
como outros atos,
é
modif icável quando
o
poder legislativo
quiser fazê-lo. S e a primeira parte d a alternativa f o r verdadeira,
então
u m a t o
legislativo contrário
à
Constituição
não é lei , se a
última parte f o r verdadeira, constituições escritas s ã o tentativas
absurdas
d a
par te
d a s
pessoas
e m
l imi ta r
u m
poder pela
s u a
própria natureza ilimitável" [citação n o original e m inglês. N.T.].
O t r i b u n a l d o R e i ch ev i t a e s s a s ponde rações d e d i re i to
constitucional, apesar
d a
brevidade
d e s u a
argumentação,
ele o
PRIMLilRA 1'AliTH - A JUSTIÇA COMO GUARDIÃ D A CONSTITUIÇÃO »
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 41/252
2 4
O G U A R D I Ã O D A C O N S T I T U I Ç Ã O
q u e h â
determinações
d a
norma constitucional,
a
cuja regula-
mentação
d o s
fatos típicos pode-se subsumir
o
caso
à
espera
d e decisão e que , no caso d e conflito, essa regulamentação d a
norma constitucional precede a regulamentação legal ordinária
d o mesmo fato típico. Apenas enquanto a determinação d a
norma constitucional possibilitar, pelo s e u conteúdo, u m a
subsunção correspondente
a o
tipo, calculável
e
mensurável,
d o
caso
a ser
decidido
é que e la
interessa para
o
caso
d e
conflito,
pois
u m
conflito desse tipo pressupõe, como todo conflito
au -
têntico, u m a identidade d a s determinações colidentes. Para
princípios e máximas gerais, autorizações e simples determina-
ções d e competência, o caso é b em diferente d o q u e para
subsunções correspondentes
a o
tipo. Apenas
a
subsunção
a o
fato típico
d o
regulamento
da
norma constitucional possibilita
o
juiz
(n ão
privar
a lei
ordinária
d e
validade,
m as , s im ,
como
se
expressa o tribunal d o Reich) negar aplicação à lei ordinária
o u , mais precisamente, subsumir, em vez de a seus fatos típi-
cos , a aqueles da lei que tem primazia e , assim, decidir o caso
presente.
N a
verdade, isso
n ã o é u m a
abjudicação
d a
validade,
m a s u m a n ã o
aplicação
da lei
ordinária
ao
caso concreto ocor-
rida devido
à
aplicação
da
norma constitucional.
P o r
isso consta
acertadamente
e m u m a
frase posterior
d a
decisão
(p .
322/323)
que o juiz estaria obrigado a deixar a lei "fora d e aplicação".
D e u m a observação mais detalhada dessa frase j á resulta q u e
a vinculação d o juiz à lei não se encontra e m contradição c o m
esse tipo
d e
direito
d e
exame judicial,
m as é ,
antes,
s u a
base
e
su a
única justificação.
M a s
isso significa,
a o
mesmo tempo,
q u e s ó
normas
q u e
possibilitem
u m a
subsunção conforme
aos
fatos determinam, n o caso d e conflito, a subsunção n o lugar d a
le i ordinária, e não princípios gerais, autorizações, etc.
O s motivos d a decisão daquela sentença de 4 de novem-
bro de 1925
acentuam ainda
q u e s e
recorre
a u m
direito
d e
f a z mais cuidadosamente e d e natureza menos principiológica,
contentando-se c o m a frase: "pois o s preceitos d a Constituição
d o
Reich
s ó
podem
s e r
anulados
p o r
meio
d e u ma l e i d e
emenda
consti tucional
q u e s e
realiza
d e
maneira regular".
PRJMEIRA PARTE - A JUSTIÇA COMO GUARDIA D A CONSTITUIÇÃO
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 42/252
O
C H A M A D O D I RE I TO
D E
EXAME lUDiCIAL MATERIAL.
2 5
exame apenas perante leis ordinárias do Reich, e nã o para
a emenda à Constituição d o Reich, ou seja decorrentes do pro-
cedimento estabelecido pelo artigo 7 6 d a Constituição d o Reich.
T ã o
logo
se
apresente
uma le i do
Reich realizada segundo
o
artigo 7 6 , cessa, segundo essa fundamentação, qualquer outra
possibilidade d e exame. A questão constitucionalmente muito
significativa d o s limites d a autorização para reforma ou revi-
são, a possibilidade de um evidente abuso d a determinação d o
artigo
76 e a
necessidade
d e u m a
diferenciação dentro
da au-
torização para reforma, j á pormenorizadamente discutida na
teoria jurídica d a Constituição vigente e que é impossível d e
se r
realizada
c o m o
sumário absolutismo
que , no
artigo
7 6 ,
quer
encontrar o onipotente soberano assim como o titular d o poder
legislativo constitucional,
15
são todas questões q u e n ã o mais
interessam para u m direito d e exame judicial existente dentro
d e
tais estreitos limites.
C o m
isso suprime-se, outrossim,
a pe r-
gunta sobre
se
existem,
p o r
exemplo, rupturas inadmissíveis
d a
Constituição que não se tornam legítimas mediante d o procedi-
mento d o artigo 76 e se esse artigo possibilita "atos d e sobera-
n ia
apócrifos"
d o
direito consuetudinário.
O
tribunal
d o
Reich
parece também n ã o recorrer a u m direito d e exame judicial se
f o r publicada u m a prescrição o u medida n a forma de uma le i
ordinária que , no caso, n ã o seja lei no sentido d o conceito de lei
d o
Estado
d e
Direito
e ,
destarte,
p o r
falta
d e
expressa permis-
são da norma constitucional, n ã o possa se r efetuada p o r meio
d e u m processo legislativo e abuse d a autorização legislativa
d o
legislador. Pode-se facilmente abusar
d o
procedimento
d o
15
A respeito, SCHMITT, Carl. Verfassungslehre, p . 102 , Jur . Woch.
1 9 2 9 , p . 2 3 1 4 ;
BILFINGER, Carl. Der Reichssparkommissar,
1928 ,
p. 17; e mais, A o R . X I (1926), p . 194 e
Zeitschrift fiir Politik,
B d .
X X , 1 9 3 0 , p .
81/82;
R .
T H O M A
e m
NIPPERDEY. Grundrechte
un d
Grundpflichten
de r
Reichsvetfassung,
192 9 , B d . I , p .
38-39,
assim como n o
Handbuch
âes
deutschen Staatsrechts
I , p . 14 3,
publ icado
p o r
A N S C H Ü T Z ; T H O M A ;
W .
I E L L I N E K ,
p . 154
(restrições,
a o
menos, para quebras consti tucionais) ,
p o r f i m e
sobretudo, E . JACOBI.
Reichsverfassungsanderung
, n o presente
d a s faculdades jurídicas p o r ocasião d o 5 0 ° aniversário d o tribunal
d o
Reich,
1929, vol . I , p .
233-234.
PRIMEIRA PARTE - A JUSTIÇA COMO GUARDIÃ D A CONSTITUIÇÃO
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 43/252
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 44/252
O CHAMADO D I R E I T O DE E X A M E IUDICIAL MATERIAL.
2 1
novembro de 1925 atém-se rigorosamente à subsunção cor -
respondente
a o
tipo
e não se
pronuncia,
d e
modo algum, sobre
o
outro tipo
d e
direito
d e
exame
d o s
tribunais
q u e
serve
à
autoproteção
d a
justiça independente.
Finalmente, resulta
d o s
motivos
d a
decisão dessa sentença
d e 4 de novembro de 1925 qu e o tribunal d o Reich não pretende
examinar leis ordinárias d o Reich n o tocante a sua concordân-
c ia com os princípios gerais da Constituição (diferentemente
d a concordância c o m determinações particulares d a norma
constitucional).
E l e n ã o
reivindica nenhum exame geral
de uma
lei, o
qual
não t em e m
conta
u m
fato típico subsumível
da
norma
constitucional,
n o
tocante
a sua
concordância
c o m o
espírito
d a
Constituição
o u n o
tocante
à
observância
d o s
princípios gerais
q u e formam o componente d e Estado d e Direito da Constitui-
ç ã o d o Reich, a saber, direitos fundamentais e diferenciação
d o s poderes. Pelo contrário, a fundamentação atém-se cuida-
dosamente, para n ã o falar formalmente, à normatização d a
norma constitucional
e
correspondente
a o
preceito jurídico,
a
qual, pelo
seu
tipo
e sua
estrutura lógica, possibilita
u m a c o n -
frontação
co m a lei
ordinária. Sobretudo,
n ã o h á
segundo essa
decisão
nenhum exame judicial
de um a le i no tocante a sua
concordância c o m princípios jurídicos gerais com o boa-fé,
direito certo, razoabilidade (reasonableness, expediency) e
noções semelhantes d a s quais se serve a prática d o supremo
tribunal
d o s
Estados Unidos.
N a
decisão "Jurisprudência
c i-
vil do
Reich,
vo l . 118, p.
326/27"
(J . W. , 1928, p. 102 et seq.)
consta
a té
mesmo, expressamente,
que o
conceito
d o s
bons
costumes (artigo
8 2 6 d o
código civil) estaria destinado apenas
para relações d e direito privado e não seria aplicado n a relação
d e direito público entre legislador e cidadão e o presidente d o
tribunal d o Reich, D r. Simons, comunicou, pelo visto aprovan-
d o totalmente, q u e a s câmaras recusaram criticar, s o b o ponto
d e
vista
d o
direito certo,
u m a
norma originada constitucional-
mente
e se
colocar,
c o m
isso, acima
d o
"legislador soberano".
17
17
Deutsche Juristen-7.eitung,
19 24 , p . 24 3 .
PRIMF.IRA PARTE - A JUSTIÇA COMO GUARDIÃ D A C ONS TITUIÇ ÃO »
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 45/252
28.
O G U A R D I Ã O D A C O N S T I T U I Ç Ã O
Essa comprovação
é d e
especial interesse, pois
a
associação
d e juízes usara u m a sentença da 5° câmara cível de 28 de no-
vembro de 1923 (sobre o princípio da valorização p o r eqüidade
e
boa-fé
d e
caso
e m
caso,
Jurisprudência civil
do
Reich
107, p . 78)
para exigir
q u e o
princípio
da
boa-fé também fosse
aplicado perante
a
regulamentação legal
d a
valorização.
P o r
conseguinte,
o
direito
d e
exame judicial
a o
qual recor-
re o tribunal d o Reich leva apenas as características daquele
direito
d e
exame judicial
d e
tribunais decisórios:
ele é
apenas
"acessório"
e
apenas, como assinala
H .
Triepel, "jurisdição
o c a -
sional";
18
e le torna-se apenas ocasionalmente incidente a um a
decisão judicial
e ,
segundo
as
possibilidades,
é
exercido
por
qualquer juiz,
ou
seja,
d e
forma
difusa;'
9
seu
efeito
é o
simples
efeito como precedente d a
decisão
d e u m
supremo tribunal
existente
n a
Alemanha ainda
a o
lado
d e
vários outros supre-
m o s tribunais d o Reich e dos Estados. A diferença d o direito d e
exame
da
justi ça norte-americana reside principalmente
n o
fato
de que esse defende princípios gerais, tornando, assim, o tribu-
nal guardião e defensor da ordem social e econômica existen-
te .
Segundo
o s
limites
de seu
direito
d e
exame, expostos
h á
pouco,
o
tribunal
d o
Reich alemão
n ã o
recorre
d e
modo algum,
n e m
distante,
a u m a
posição desse tipo. Para esse direito
d e
exame judicial trata-se, assim,
d e o
ponto principal
d a
decisão
política permanecer situado na legislação. Toda jus tiça está v i n -
culada
a
normas
e
cessa quando
as
próprias normas tomam-se
em seu conteúdo duvidosas e discutíveis. Conseqüentemente,
e m um Estado como o atual Reich alemão, o direito d e exame
judicial depende
d e
normas
q u e
possibilitem
u m a
subsunção
correspondente
a o
fato típico. Existe
u m a
segunda questão
acerca
d e
quão imaginável
e
admissível
é dar, em
território
d e
direito privado, u m a certa liberdade d e movimento e margem
18
Wesen und EntwicUung der Sraatsgerichtsbarkeit,
Verõffentlichungen
d e r Vereinigung d e r deutschen Staatsrechlslehrer, Heft 5, p. 26.
19
Des ejo propor esta palavra "dif usa " para desig nar
u m a
contra-
posição a u m direito d e exame concentrado junto a u m a única
instância .
PRIMEIRA PARTE
- A
JUSTIÇA COMO GUARDIÃ
D A
CONSTITUIÇÃO
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 46/252
O
C H A M A D O D I R EI T O
D E
EXAME IUDICIAL MATERIAL.
2 2
d e ação ao juiz para seu parecer p o r intermédio d e conceitos
indeterminados
e
gerais,
p o r
meio
d e
referência
à
boa-fé
ou ao
u s o
comum. Condições relativamente estáveis
e
sólidas
con-
cepções sociais podem causar, aqui, u m a suficiente mensu-
rabilidade e vinculação. Também e m território de direito públi-
co ,
principalmente
em
questões
d e
direito administrativo
e até
mesmo d e direito penal, s ão possíveis conceitos indeterminados,
enquanto
a
situação
q u e
toda norma pressupõe puder encon-
trar u m a formalização suficientemente clara e segura median-
te as concepções d o s colegas d o direito ou da prática jurídica,
mesmo
s e m a
expressa decisão legislativa
ou do
governo.
E m
todos os casos, normas determináveis e mensuráveis que pos-
sibilitam subsunções
t ê m q u e
permanecer
a
base
d o
exame
judicial e d a decisão. A vinculação a u m a norma desse tipo é
também o pressuposto e a condição d e toda independência j u -
dicial. Caso
o
juiz abandone
a
base
na
qual realmente exista
u m a subsunção d o fato típico a normas gerais e , com e la , uma
vinculação material
à lei , ele não
mais pode
se r
ju iz indepen-
dente e n e m u m sinal d e aparência d e justiça pode protegê-lo
dessa conclusão. " A vinculação à lei, unicamente à qual o jui z
está subordinado pelo artigo
102, não
significa apenas
o
limite,
m a s a verdadeira justi ficação para a liberdade da decisão, por
causa
d o
poder
da le i que se
impõe unicamente pela sentença,
todas
as
outras vinculações
t ê m q u e
cair perante
o
juiz."
20
Por
isso, o problema d o movimento d o livre direito e d a magistratura
"criadora"
é , em
primeiro lugar,
u m
problema constitucional.
1
2 0
G R Ü N H U T ,
M . Die
Unabhangigkeit
der
richterlichen
Entscheidung, M o n a t s s c h r i f t f ü r K r i m i n a l p s y c h o l o g i e 1 9 3 0 ,
Beiheft 3, p. 3; SCHMITT, Carl.
Verfassungslehre,
p . 274/276.
2 1
Apesar
d a s
indicações
d e
R ADB R UC H. ArchSozW.,
N .F . 4
(1906)
p . 355 , o movimento d o livre direito n ã o compreendeu, numerosas
v e z e s , a s r e l a ç õ e s c o n s t i t u c i o n a i s e n t r e i n d e p e n d ê n c i a e
vinculação. Mui to per t inentes
a s
expos ições
d e E .
Kaufmann
n a c o n f e r ê n c i a d e p r o f e s s o r e s d e d i r e i t o púb l i co e m 1 9 2 6
(publicações caderno 3, p. 19): o juiz t e m q u e s e manter dentro
d e s u a tarefa judicial específica, e l e n ã o pode derrubar a ordem
re inante en t re ju iz e l eg i s lador , n ã o s e a p o d e r a r d e t a re fas
PRIMEIRA PARTE - A JUSTIÇA COMO GUARDIÃ D A CONSTITUIÇÃO
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 47/252
• M O
G U A R D I Ã O
D A
C O N S T I T U I Ç Ã O
Segundo o exposto acima, o direito d e exame judicial d o
juiz sentenciador baseia-se
n o
oposto
de um
certo tipo
d e
superioridade d o juiz perante a lei ou o legislador. E le origina-
se de uma
espécie
d e
estado de emergência
d o
juiz quando
se
apresentam determinações legais contraditórias
e o
juiz,
qu e se
defronta
c o m
vinculações contraditórias,
t e m q u e ,
apesar
d is -
s o , tomar u m a decisão quanto a o processo." Caso e le escolha.
especificamente legislativas, e l e pode apenas censurar a violação
d e determinados l imites extremos. Apesar d e toda "liberdade"
d a
atividade judicial "cr iadora", apesar
d a
abrangência
d e s u a
discr ição
e d e
alguns conceitos indeterminados, permanece-se,
e n q u a n t o s e p e r s e v e r a r n o E s t a d o d e Di re i to c iv i l , nessa
"vinculação à l e i " . C f . a inda JELLINEK, W .
Verwaltungsrecht
1 9 2 8 , p . 1 0 : " B e m livre s e man tém a jus t iça d a leg is lação" o u
TRIEPEL,
H . Streitigkeiten zwischen Reich und Landern, 1 9 2 3 ,
p . 52 : " O
preenchimento
d e
lacunas
na l e i po r
meio
d e
ponderação
d e interesses t e m sempre q u e partir, e m primeiro lugar, d a valoração
d e interesses executada pela própria l e i de modo perceptível" .
Sobre
o s
l imites
d a
d i sc r ic ionar iedade jud ic ia l
n o
tocan te
à
Constituição
d o
novo direito,
c f .
JUNCKER.
3 .
Aufl .
d e s Steinschen
Grundrisses des Zivilprozefirechtes, 1 9 2 8 , p . 23-24; sobre o fato
d e q u e n ã o existe discricionariedade "adequada a o dever", m a s
ap en as " ad eq u ad a à l e i " : S C H E U N E R .
Nachprüfung des
Ermessens durch die Gerichte,
VerwArch.
3 3
(1928),
p . 77
(para
a justiça, isso é correto s e m dúvida; d e resto, continua a proble-
mát ica d a diversidade entre determinações q u e "au to r izam" à
"livre" ação e normas vinculadoras e m s e u conteúdo q u e p o s -
sibil i tam
u m a
subsunção correspondente
a o
fato típico, mesmo
q u e seja pela remissão a normas como "boa-fé", u s o comum, etc.).
2 2
S o b r e o " e s t ad o d e em er g ên c i a " co n s t i t u c io n a l d o j u i z , c f .
RA D BRU CH . Arch
Soz- W., N. F. 4
(1906),
p . 3 5 5 .
Nesse artigo,
encontra-se reconhecida
a
relação
c o m a
questão constitucional
d a d i f e r e n c i a ç ã o d o s p o d e r e s ( r e f e r in d o - s e a H A T S C H E K .
Englisches Siaatsrecht I , p . 1065) , m a s depo is novamen te
incompreend ida s o b a impressão d a cr í t ica d o m o v im en to d o
livre direito
e
também, talvez,
s o b o
vácuo
n a
teoria constitucional
d o
período anterior
à
guerra.
A
diferenciação
d o s
poderes passa
a s e r depreciada s o b o rótulo d e " r ac iona l i smo" ( c f . também
K A U F M A N N , E . Auswartige Gewalt und Kolonialgewalt in
den
Vereinigten Staaten
von
Amerika, Leipzig 1 9 0 8 , p . 3 4 ) .
Radbruch fala
d o
"espírito
d e Montesquieu, q u e
ainda continua
a
assombrar"
(p . 365) , mas
esse espírito
é o
próprio espírito
d o
Estado d e Direitocivil, pelo qual s e decid iu a Cons t i tu ição d e
—•
PRIMEI RA PARTE
- A
JUSTIÇA COMO GUARDIÃ
D A
CONSTITUIÇÃO
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 48/252
O C H A M A D O D I R E I T O D E E X A M E jU D I CI A L M A T E RI A L .
3 1
para proferir
su a
sentença judicial,
u m a d a s
determinações
le-
gais conflitantes como embasamento para
su a
decisão,
a
outra
determinação conflitante n ã o será aplicada. Isso é tudo. É ine-
xato dizer, como j á mostrado, q u e o juiz sentenciador teria
"abjudicado validade" à lei não-aplicada, corretamente pode-
se
falar tão-só
d e u m a
"não-aplicação
da le i "
restrita
à
decisão
d o caso concreto, exercendo, para as decisões d e outras ins-
tâncias, u m efeito como precedente mais ou menos previsível.
M a s a
justiça permanece, sobretudo, vinculada
à lei e,
pelo
fato
d e
antepor
su a
vinculação
a u m a
norma constitucional
à
vinculação a uma le i ordinária, e la não se torna guardiã da
Constituição.
E m u m
Estado
que não é
puro Estado
d e
justiça ,
e l a n ã o pode exercer tais funções. D e resto, deve-se conside-
ra r que a observância d o princípio geral da legalidade e , com
ele ,
também
o da
constitucionalidade
n ã o
constitui nenhuma
instância especial, senão ter-se-ia q u e avistar e m cada depar-
tamento público e , po r f im , também e m cada cidadão u m even-
tual guardião
d a
Constituição,
o que
a lgumas constituições
aca-
b a m p o r
expressar, confiando
a
proteção
d a
Constituição
à
vigilância p o r parte d e todos o s cidadãos." M a s disso resulta
tão-somente u m direito geral à insubordinação e, p o r fim, à
resistência
passiva
o u
ativa,
o
qual
se
denominou também
d e
"direito d e emergência revolucionário".
24
P o r isso, em exposi-
Weimar
e q u e s ó
desaparecerá
c o m o
próprio Estado
d e
Direito
civil. Sobre a s visões d e Montesquieu sobre a justiça, c f . também
adiante
e m
nota.
2 3
Ass im , temos a s cons t i tuições f rancesas d e 1 7 9 1 (conclusão),
1830 e 1848
(sobre
a
tentativa
m a l
sucedida
d e d a í
tirar conclusões
práticas, c f .
Verfassungslehre,
p. 116). Recentemente a Constituição
d a
cidade livre
d e
Danzig
de 15 /17 de
novembro
d e
1920/14
d e
j unho d e 1 9 2 2 , artigo 8 7 : " É dever d e todo cidadão proteger a
Consti tuição contra ataques i legais" ,
o u a
Const i tuição grega
de 2 de
j unho
d e 1 9 2 7 ,
art igo
127: A
guarda
d a
Consti tuição é
conf i ada a o pa t r io t i smo d o s helenos I n o or iginal e m francês.
N . T . ]
(DARESTE-DELPECH,
p . 656) .
24
GNEIST, R . Parecer sobre a 4
a
assembléia d e juristas: "Deve o
ju iz t e r q u e decidir sobre a ques tão d a cons t i tuc iona l idade d e
u m a lei?" Berlin 1863, p . 31 .
PRIMEIRA PARTE
- A
JUSTIÇA COMO GUARDIÃ
D A
CO N ST I T U I ÇÃ O
•
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 49/252
O
G U A R D I Ã O
D A
C O N S T I T U I Ç Ã O
ções sistemáticas aparece
o
direito
d e
resistência como
u m a
suma garantia d a Constituição, a cuja proteção e defesa ele
deve servir.
25
M a s a função constitucional d e u m guardião d a
Constituição reside justamente
n o
fato
d e substituir esse
di-
reito de insubordinação e de resistência, geral e ocasio-
nal,
e
tomá-lo supérfluo. Só então passa a existir um guardião
da Constituição no sentido institucional. Assim, guardiões
da Constituição não são todas as posições e pessoas que , oca -
sionalmente pela não-aplicação
d e
leis anticonstitucionais
ou
pela não-obediência
a
disposições anticonstitucionais, possam
contribuir para que a Constituição seja respeitada e não seja
violado u m interesse protegido constitucionalmente. Essa é a
ponderação sistemática
q u e
justifica
n ã o
considerar
os
tribu-
nais, mesmo quando exercerem
o
direito
d e
exame judicial aces-
sório e difuso, como guardiões d a Constituição. Todavia, por
causa da garantia d a independência judicial, talvez seja menos
arriscado para
o s
tribunais negar obediência
à s
leis
e à s
dispo-
sições anticonstitucionais.
Mas não se
trata
, po r
isso,
de de-
clarar
u m a
categoria
d e
departamentos públicos como guardiã
da Constituição porque, para eles, a defesa d a Constituição
está ligada a riscos menores. Esse ponto d e vista d o menor
risco também
n ã o
pode
ser
justificado
p o r
nenhum "guardião
d a
Constituição".
2 5
M O H L , R .
Die
Verantwortlichkeit
der
Minister, 1 8 3 7 . p . 1 8 , 5 7 5 ;
D A H L M A N N . Politik (3 . Auf l. 1847), p , L97-198; BLUNTSCHLL
Allg. Staatsrecht, B d . 2 , 4 . Aufl. , 1 8 6 8 , p . 552/553; GÉNY in:
EISENMANN, Charles. La justice Constitulionelle et La Haute
Cotir Constitutionnelle d'Autriehe, Paris 1 9 2 8 , p . 44/45,
PRIMEIRA PARTE - A JUSTIÇA COMO GUARDIÃ D A CONSTITUIÇÃO
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 50/252
L i m i t e s o b j e t i v o s d e t o d a q
j u s t i ç a j u r i s d i ç ã o p e n a l n o j
c a s o
d e
d e l i t o s p o l í t i c o s
c o n t r a o E s t a d o e a t
C o n s t i t u i ç ã o , a c u s a ç ã o ^
m i n i s t e r i a l ) j
U m a
outra questão independente versa acerca
do que a
justiça pode fazer, e m geral, para a proteção d a Constituição e
d o quanto é possível organizar, em seu território, instituições
especiais, cujo sentido
e
finalidade sejam
a
segurança
ou a
garantia
d a
Constituição.
O
fato
d e
primeiramente
não se ter
feito essa evidente pergunta n o período d o pós-guerra, tendo-
se em vista quase q u e exclusivamente u m a proteção judicial
d a
Constituição
(a ser
exercida
por um
tribunal
d o
Estado)
e
procurando-se,
c o m u m a
inofensiva naturalidade,
o
guardião
d a Constituição n a esfera d a justiça, pode se r explicado a pa r -
t ir de várias razões. Primeiro p o r causa d e u m a idéia m a l c o m -
preendida
e
abstrata
d o
Estado
d e
Direito.
E
natural conceber
a
resolução judicial
d e
todas
a s
questões políticas como ideal
d o Estado d e Direito e , nisso, não ve r , com uma expansão da
justiça a u m a matéria talvez n ã o mais sujeita à ação d a justiça,
q u e
esta
só
pode
ser
prejudicada, pois
a
conseqüência seria,
como mostrei muitas vezes tanto para o direito constitucional
quanto para o internacional, não , po r exemplo, umajur idicização
d a política, e , s im, uma politização d a justiça. Contudo, u m
método conseqüentemente formalístico
é
superior
a
tais dúvi-
das e ,
pura
e
simplesmente, irrefutável, porque trabalha
c o m
ficções abstratas e , por isso, irrefutáveis. N ã o mais haverá d i-
ficuldades e dúvidas objetivas se todas as diversidades objeti-
v a s puderem ser descuradas, se as diversidades objetivas en -
PRlMIilRA PARTE - A JUSTIÇA COMO GUARDIÃ D A CONSTITUIÇÃO
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 51/252
2±
O G U A R D I Ã O D A C O N S T I T U I Ç Ã O
t re
Constituição
e
norma constitucional,
lei no
sentido
d o
concei-
to de lei no
Estado
d e
Direito
e lei no
sentido
d o
conceito
de lei
formal, isto é , político, puderem ser ignoradas, assim como a
diversidade entre lei e sentença judicial ou a diferenciação f u n -
damental d e Triepel entre decisão d e litígio e conciliação d e inte-
resses.
1
T ã o logo se transforme o direito e m justiça e , depois,
novamente se formalize a justiça a o denominar d e justiça tudo
que fo r
feito
p o r u m a
autoridade judicial,
o
problema
d o
Estado
d e
Direito estará rapidamente solucionado
e o
mais simples seria
se deixassem definir as diretrizes d a política pela boa-fé do tribunal
d o
Reich,
a fim de
ultimar
o
Estado
d e
Direito
no
sentido formal.
Talvez u m a parte d a naturalidade, c o m a qual se exige u m
tribunal d e Estado dotado d e u m a competência ilimitada, se
baseie
e m
tais confusões conceituais.
M a s
disso
n ã o
resulta
u m a instituição concreta e dever-se-ia evitar a referência a o
"Estado d e Direito", dessa forma, u m tanto quanto ingênua.
Apenas
c o m o
termo Estado
d e
Direito nada
se
decide
a res-
peito
d e
nossa questão. Instituições muito diferentes
e
contra-
ditórias pod em ser demandadas invocando-se o Estado d e Direi-
to. Po r
exemplo,
o
direito
de
exame judicial acessório
é
apresentado
p o r conceituados autores como o único método d o Estado d e
Direito, combatendo-se intensamente u m tribunal d e estado
especial, haja vista
q u e
este
te m q u e
conduzir, necessariamente,
a u m a
restrição
d o
direito
d e
exame geral
e
concentra,
e m u m
único posto, u m controle difuso, exercido p o r toda a magistra-
tura
d o
Estado, pelo
qu e
pode
ser
mais facilmente concebido
e
influenciado politicamente. Nesse contexto, Hugo PreuB fala
a té mesmo e m "fazer d o bode o jardineiro",
2
enquanto H . Stoll
1
Streitigkeiten zwischen Reich und Làndern, Berl iner Fes iga be
f ü r W .
Kahl, TUbingen
1 9 2 3 . p .
19-20.
2
N a
comissão constitucional
d a
assembléia nacional
d e
Weimar,
protocolos p . 483-484: "Agora querem o s senhores eleger u m a
alternativa (frente
a o
direito
d e
exame judicial geral)
a o
privarem
o tribunal d o direito d e exame, m a s , e m compensação, cr iando
u m tribunal d e exceção ( ) q u e pode entrar e m atividade c o m o
r e q u e r i m e n t o
d e 1 0 0
m e m b r o s
d o
p a r l a m e n t o . E s t a
é u m a
regulamentação, pela qual — queiram m e desculpar o s membros
1
PRIME IRA PARTE
- A
JUSTIÇA COMO GUARDIÃ
D A
CONSTITUIÇÃO
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 52/252
LIMITES OBIETIVQS
D E
T O D A I U S TI Ç A .
Í 5
diz : "É o
pleno direito
d e
exame judicial
q u e
primeiro coroa
o
Estado d e Direito." " D a mesma maneira, como juízos adminis-
trativos independentes oferecem exame
e
proteção contra
abu -
sos do Estado administrativo, órgãos independentes t êm que
fiscalizar
o
Estado como legislador."
5
N o
século
XIX , fo i
exigida,
freqüentemente com as mesmas expressões d o Estado de Di -
reito,
a
responsabilidade ministerial judicial,
que s e
acreditava
ser a chave d e abóbada e a suprema coroação da Constitui-
ção . "A
responsabilidade jurídica
d o s
ministros, segundo Gneist,
4
conclui, como último complemento,
o
Estado
d e
Direito"
ou "a
responsabilidade ministerial jurídica não é só a chave de abó -
d o parlamento - a té um certo limite, faz-se d o bode o jardineiro
(...). Isto
n ã o é u m
complemento pela proteção legal
q u e s e
retira
d e
todo cidadão
a o
privar
o
juiz ordinário
d e u m a d e
suas mais
importantes tarefas." Muito interessante também
é a
exposição
seguinte: "Outra coisa
é se os
senhores,
s e m u m a
determinação
d e
exclusão,
( . . . )
quiserem conceder
a u m
determinado número
d e
membros
d o
parlamento
a
possibilidade
d e
levar
a
julgamento
tal
questão
(d a
constitucionalidade material
d e u m a l e i ) .
Isso poderia
s e r j u s t i f i c ado s o b o aspecto d e q u e , rea lmente , ta l prova d a
constitucionalidade
s ó
raramente ocorreria." Esse erro
d e
Preuss
explica-se pelo fato d e q u e e l e n e m quis e n e m previu a enorme
expansão d o s chamados direitos fundamentais. Contra a chamada
solução austríaca (vista anteriormente)
e
contra
a
tuCeia
d o
tribunal
d o
Reich (vide acima nota
1 3 )
evidente
n o s
projetos presentes,
d e
modo especialmente enfático: MARX,
F .
Morstein.
Id . p . 116-
117,139-140.
3
IHERING. Jahrbücher 7 6 , p . 2 0 0 , 2 0 1 , Ju r . Wochenschri ft 1 9 2 6 ,
p . 1 4 2 9
(nota sobre
a
sentença
d o
t r ibunal
d o
Reich
de 4 de
novembro
d e 1 9 2 5 ;
todavia, aqui intervé m Stoll
e m
prol
d o
"mod elo
austríaco"), além disso
n a
coletânea
d e
NIPPERDEY.
Grundrechte
und
Grundpflichten
der
Deutschen, B d . I H . ,
Berlin
1930 , p . 187 .
D a
mesma forma, MARX, Morstein.
Id . p .
151-152: "Nada menos
d o q u e a
legalidade
d o a t o
legislat ivo,
a
forma judicial
do a to
legislat ivo
é
realizada pela irrestrita competência judicial para
exame n a v i a legal comum. É sd a partir d a í q u e temos a conc lusão
d o Es tado d e Direi to." ADLER, F. Verfassung un d Richieramt,
Z. f . b . Recht, B d . X (1930), p . 120 , considera o direito d e exame
uniforme geral como sendo
o
natural, enquanto
a
concentração
e m u m a
instância especial como sendo
u m a
"solução artificial".
Der Rechtsstaat, Berlin
1872 , p . 175 .
VRIMEIRA PARTE - A JUSTIÇA COMO GUARDIÃ D A CONSTITUIÇÃO
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 53/252
2 6
O G U A R D I Ã O D A C O N S T I T U I Ç Ã O
bada d a responsabilidade d o funcionário público, m a s d o Esta-
do de Direito e m geral, é a mais alta garantia d a situação jurí-
dica pública, sem ele, a Constituição e o s direitos constitucio-
nais estão entregues a qualquer abuso d e poder e todo o direito
público de um povo permanece u m a
lex imperfecta
".
5
M as , a
seguir, será logo mostrado q u e , segundo todas a s experiências,
é
justamente
a
responsabilidade ministerial judicial
q u e ,
frente
à
política,
é
bastante insignificante
e d e
pouco interesse
e que ,
p o r
meio
de tal
estrutura judicial,
o
remate
e a
conclusão
d o
Estado
d e
Direito
se
tomam problemáticos
n a
mesma medida
em que a
estrutura judicia l
se
aperfeiçoa. Dessas experiências
históricas
e d a
ambigüidade
do
termo "Estado
d e
Direito"
re-
sulte e m u m a referência abstrata " a o " Estado d e Direito que
seria melhor se não se realizasse e se, em vez disso, fossem
empregados conceitos e diferenciações d e u m a teoria consti-
tucional concreta.
Abstraindo-se a equivocidade e a comodidade d o termo
Estado d e Direito e , mais, abstraindo-se a difundida necessida-
d e d e u m a centralização e concentração d o direito d e exame
difuso, aplicado na Alemanha p o r numerosos tribunais superio-
res, há talvez ainda u m a outra explicação, e mais interessante,
para
o
fato
de se
querer, hoje, transformar
e m
guardião
d a
Constituição
u m
tribunal
q u e
decide judicia lmente . Exigindo-se
u m
guardião, espera-se, naturalmente,
u m a
determinada
p r o -
teção
e se
parte
d a
idéia
d e u m
determinado risco
que vem de
u m a
determinada direção.
O
guardião
n ã o
deve
se
proteger
abstrata e simplesmente, mas , s im, se proteger contra riscos
b e m definidos e temidos concretamente. Enquanto antigamen-
te, no século XI X , o risco provinha d o governo, o u seja, vinha
d a esfera d o "executivo", a preocupação s e dirige, hoje, sobre-
5
SCHULZE. Preufiisches Staaisrecht, 2 . Aufl., Berlin 1888-1890,
B d . I I , p . 9 0 5 ;
c o n c o r d a n d o
c o m e l e ,
P I S T O R I U S .
Der
Staatsgerichtshof
und die
Ministerveranlwortlichkeit nach
heutigem Deutschem Staaisrecht, Tiibingen 1 8 9 1 , p . 2 0 9 . R . Mohl
d i z n o
prefácio sobre
a
responsabilidade
d o s
ministros (1837):
" U m a l e i
sobre
a
responsabi lidad e ministerial parece para
a
maioria
como a chave d e abóbada d a construção estatal constitucional."
- PRIMEIRA PARTE - A JUSTIÇA COMO GUARDIA D A CONSTITUIÇÃO
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 54/252
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 55/252
A S O
G U A R D I Ã O
D A
C O N S T I T U I R Ã O
de que , na democracia, a maioria decide e de que a minoria
derrotada
só se
enganou sobre
sua
verdadeira vontade,
t a m -
b é m
pode
s e r
convertida
em seu
inverso.
M a s n ã o
importa
como seja, aquela mudança
d e
função
d o
regulamento
da nor -
m a constitucional é sempre seguida, naturalmente, p o r u m a
mudança da concepção d o guardião da Constituição. Enquan-
to no
século
X I X
lutava-se, sobretudo,
p o r
proteção contra
o
governo, tem-se
e m
mente hoje, freqüentemente, apenas
a pro-
teção contra a legislação p o r parte d a maioria parlamentar.
Mas se o risco para a Constituição emanar, doravante, da es-
fera d o legislativo, o legislador n ã o pode mais se r guardião.
N ã o s e
procurou
o
guardião
n a
esfera
d o
executivo, pois
se
encontrava ainda sob a impressão d a secular luta constitucio-
n a l
contra
o
governo.
Mas se o
guardião
n ã o
pertence
nem à
esfera d o legislativo n e m à d o executivo, parece n ã o restar
mais nada a não se r mesmo a justiça. E m tais pensamentos
fica novamente claro
o
quão viva
é ,
também
na
Alemanha,
a
teoria
d a
diferenciação
d o s
poderes
c o m s u a
usual tripartição.
Ela se
liga aqui
à
tradição
d o
Estado
d e
justiça
d a
Idade Média ,
q u e ainda continua a produzir fortes efeitos, e leva, dessa m a -
neira, às "indiscutíveis" exigências d e u m tribunal soberano.
P o r
conseguinte, deve
ser
primeiramente levantada
a
ques-
tão : o
quanto
é
possível constituir
o
guardião
da
Constituição
dentro d a esfera d a justiça? Pode a função d e u m guardião
da Consti tuição se r , fundamental e geralmente, cumprida
judicialmente?
E tal
atividade, mesmo
se seu
exercício
for
envolto
p o r u m a
aparência
d e
estrutura judicial,
é , no
caso,
ainda justi ça
e a
estrutura judicial algo diferen te
d a
enganosa
p. 81. Além do conceito "formal" de monarquista acertadamente
comprovado
por
HENSEL,
A. AoR, N. F. Bd. XV, p. 415
("Monarquista seria, então, aquele
que tem uma
opinião diferente
da escola vienense"), há talvez também um conceito formal de
democrata, construído analogamente, A comprovação de Hensel
não é
apenas "cômica",
com a
clareza
da
comicidade,
ele
atinge
o
ponto essencial,
que é
exatamente
o
formalismo
no
direito
público que pode ter um sentido especificamente político; cf.
também mais adiante neste livro.
— •
PRIMEIRA PARTF,
- A
JUSTIÇA COMO GUARDIA
D A
CONSTITUIÇÃO
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 56/252
U M I T t S O B J E T I V O S D E T O D A \ U S T \ Ç A ^
3 2 .
dissimulação d e poderes diferentes e , em todo caso, d e gran-
d e
importância política?
Para responder
a
essas questões, interessam primeiro
os
casos
n o s
quais
u m a
violação
d e
determinações
d a
norma cons-
titucional conduz a u m autêntico processo penal, civil ou admi-
nistrativo. N o caso d a jurisdição civil e administrativa, a proteção
judicial serve
a o
interesse jurídico
d e u m a
parte
e à
realização
d e suas reivindicações. N o processo penal, devido a determi-
nados delitos,
a
alta traição
e a
outras ações puníveis,
é a
Cons-
tituição como
u m
todo
qu e é o
objeto
d a
tutela penal (diferente-
mente d e determinações constitucionais isoladas) é o objeto d e
proteção
da le i
penal.
O
caráter político
d e
tais processos
faz -
s e valer ao serem introduzidas exceções à habitual competên-
c ia do tribunal criminal. Para processos d e alta traição,
e.g.,
o
tribunal
d o
Reich
é
competente
e m
primeira
e
última instância
(L e i judiciária alemã, artigo 134) . Alei de 21 de julho de 1922
para
a
proteção
d a
república (Diário oficial
do
Reich
I, p.
5 2 5 ) , q u e entrementes perdeu su a eficácia, introduziu um tr i -
bunal
d o
Estado especial como tribunal
d e
exceção
d e
jurisdi-
ç ã o penal política. E m outros Estados, a exemplo d o Senado
inglês, é competente u m a segunda câmara como tribunal d o
Estado, segundo
o
artigo
9° da
norma constitucional francesa
de 24 de
fevereiro
de 1875, e.g.,
competente
é a
Segunda
C â-
mara, o Senado, q u e pode se r constituído como tribunal (cour
de justice
) para julgar
o
presidente
d a
república, ministros
e,
além disso, para sentenciar sobre ataques à segurança do Es -
tado (
attentats commis contre la süreté de 1'Eíat).
Mesmo
n o
mais conseqüente Estado d e Direito há nesses casos, p o r inte-
resse político, exceções à competência geral d o s tribunais cri-
minais comuns.
8
Apesar
d e
tais modificações, continua
a ser,
aqui, o caso d e punição posterior d e culpa residente n o passa-
d o ,
caso
d e u m a
justiça criminal repressiva
e
vindicativa.
Tal
just iça criminal
é u m a
questão importante
e
significante
e
pode
8
A respeito,
Verfassungslehre,
p . 134 , assim como TRIEPEL, H .
Bericht vo m Staatsrechtslehrertag 19 28 , id . p . 9 / 10 .
PRIMEIRA PARTE
- A
JUSTIÇA COMO GUARDIÃ
D A
CONSTITUIÇÃO
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 57/252
á a
O
G U A R D I Ã O
D A
C O N S T I T U I Ç Ã O
se r qualificada, n o sentido amplo e geral, como proteção d a
Constituição. Apesar disso,
c o m
isso
n ã o
está solucionado
o
problema d o guardião d a Constituição, pois, devido à estrutura
judicial e judiciária, a proteção d a Constituição fica restrita a
fatos típicos
j á
concluídos
e
passados, enquanto
os
casos
ver -
dadeiramente interessantes da proteção constitucional perma-
necem fora
d a
abrangência judicial.
T ã o
logo
s e
realiza
de fo r -
m a conseqüente a juridicização e se elabora u m autêntico
processo contendo
as
devidas partes, essa proteção
é ,
essen-
cialmente, tão-só u m a correção a posteriori, ha ja vista q u e
apenas fatos típicos concluídos continuam
a ser
subsumidos
a
determinações legais e m questão.
Nesse aspecto,
é
instrutivo
o
destino
d o s
tribunais para
queixas ministeriais. Benjamin Constant, u m defensor liberal
dessa instituição, ainda
e ra
totalmente consciente
d a
particula-
ridade e d a anormalidade d e u m a queixa ministerial. Em sua
famosa obra sobre
a
responsabilidade ministerial (1815),
e le
f a z alusão ao fato de que a le i a respeito d a responsabilidade
ministerial
n ã o
pode
se r "nem
precisa
e n e m
detalhada",
e n -
quanto q u e , p o r motivos ligados a o Estado d e Direito, se tem
q u e
exigir para
o
direito
e
processo penais
u m a
clara subsunção.
" É
uma lei
política, cuja natureza e aplicação t ê m , inevitavel-
mente, algo
d e
discricionário."
9
P o r
isso, também teria
que ser
competente u m tribunal d e tipo especial, ou seja, u m a câmara
d e pares distinguindo-se por sua independência e neutralidade.
O caráter d e publicidade d a discussão, " l a publicité de la
discussion",
ao
mesmo tempo
a
essência
e a
idéia reguladora,
é o
cerne
d o
pensamento liberal.
O
ministro
n ã o
poderia
re -
clamar d e q u e o s asseguramentos para a proteção do réu ,
como conhecidos pelo processo penal normal,
não são
aplica-
d o s aqui, já que e le teria fechado u m contrato especial com o
Estado,
a
cujo serviço
e le
entraria.
Se sua
ambição
é
satisfeita
pela alta e brilhante posição de um ministro, e le também teria
q u e
assumir
o
risco
de um
processo político desse tipo
e se ver
diante de um tribunal que , amplamente, julgaria d e forma arbi-
9
N o
original
e m
francês.
N. T .
, PRIM EIR A PARTI: - A JUSTIÇA COMO GUARDIÃ L>A CONSTITUIÇÃO
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 58/252
LIMITES OBIET1VOS D E T O D A IUST1ÇA.
4 1
trária (
arbitraire
).
" M a s a
discricionariedade
é n o
sentido
da
própria coisa."
10
Ele é atenuado pela solenidade da forma, pela
publicidade da discussão, pela repercussão na opinião pública,
pela distinção
d o s
juízes
e
pela particularidade
d a
pena." Essas
exposições de um clássico representante d o caráter d e Estado
d e
Direito civil
sã o
aqui lembradas
p o r
mostrarem
u m
senti-
mento sensato pela particularidade d o processo e pelas dificul-
dades d e u m a justiça política e estarem b e m distantes de rudi-
mentares abstrações.
M a s
mesmo
n o
caso
d e
máximo respeito
à s
particularidades
da
justiça política,
o
efeito politicamente
paralisante da estrutura judicial é inevitável. Isso fo i mostrado
pelas experiências d o século X I X , pode-se mesmo dizer que
foi a experiência mais autêntica n a história constitucional e o
cerne d e toda a luta na política interna entre a monarquia ale-
mã e a burguesia alemã n o século X I X , pois, n a s monarquias
constitucionais alemãs,
a
responsabilidade ministerial judicial
tinha exatamente
o
sentido político
d e
evitar
u m a
responsabili-
dade política
d o
ministro
e d e
tornar,
o
máximo possível, inofen-
siva politicamente toda a "responsabilidade".
12
A estrutura j u -
dicial era o meio seguro d a ineficácia política. Encontrava-se
consolo ao se dizer que o tribunal d o Estado cumpria seu obje-
tivo quando
sua
existência conduzia
a o
resultado
de nã o
preci-
s a r entrar em ação".
13
Hoje, praticamente perdeu importância
o
instituto
d a
responsabilidade ministerial judicial
e o
artigo
5 9
1 0
N o original e m francês. N .T .
11
De la responsabilité des ministres, Paris
1815 , p . 36 , 44 , 52
entre
outras. Sobre o grande significado d e Benjamin Constant para a
doutrina consti tucional d o Es tado d e Direito civil e d o sistema
parlamentar, c f . mais adiante neste livro.
12
Verfassungslehre, p . 33 1 .
1 3
PISTORIUS.
Id . p . 209 ; c f .
também
a
observação
d e
Otto Mayer,
citada n a parte introdutória deste livro. Ademais, como sabido,
mesmo
a
responsabil idade judicial
n a
Prússia
e n o
Reich
não fo i
real izada.
M a s
onde
e la e ra
regulamentada
d e
forma aplicável,
como n a maioria d o s Estados d o centro, e la podia, s e m esforço
e m
conseqüência
d a
subordinação
à
liga alemã,
s e r
tornada ineficaz.
"Porém, desmoronou-se exa tamence aque la Cons t i tu ição q u e
comprovou a responsabil idade mais eficaz d o s ministros, a de
PRIMEIRA PARTI: - A JUSTIÇA COMO GUARDIÃ D A CONSTITUIÇÃO
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 59/252
d a Constituição d e Weimar, u m resíduo d o s embates entre p a r -
lamento e monarquia, fo i diluído o fato e o objeto da responsa-
bilidade ao determinar que se pode proceder a u m a acusação
em virtude d e u m a violação culposa não só da Constituição d o
Reich, mas , a té mesmo, de uma le i do Reich.
14
Para u m a melhor elucidação dessa experiência n a história
constitucional, atenhamo-nos ao caso mais importante e mais
discutido d e u m a contenda constitucional d o século X I X , o c o n -
flito prussiano d e 1862-1866, e tentemos apreciá-lo p o r meio
d o manual d o professor Anschütz, u m d o s mais famosos p r o -
fessores d e direito público d a Alemanha. Anschütz defendeu,
de modo especialmente resoluto, a exigência por um tribunal
d o Estado geral,
i.e.,
competente para
todos
os litígios consti-
tucionais, como u m a exigência d o Estado d e Direito.
15
Mas se
aplicarmos suas palavras e seus posicionamentos ao interes-
sante litígio constitucional de 1862, ter-se-á o seguinte como
resultado: segundo Anschütz, é "normal" q u e u m tribunal d o
Estado s ó possa decidir questões d e direito (e m contraposição
a questões políticas). "Eu não creio", d iz e le , "que ainda haja
algo a mais a observar sobre esse ponto".
16
Contudo, sobre a
questão d a qual trata o conflito constitucional prussiano, se o
Kurhessen,
n o a n o d e 1 8 5 0 s o b a s
a r t imanhas
d o
parlamento
alemão"; THUD1CHUM,
F .
Pie Minister Anklage nach geUendem
deutschem Recht und ihre Unrathlichkeit in Reichssachen,
Annaien
d e s
Deuischen Reiches,
1885 , p . 668 .
u
Sobre
a
crí t ica
a o
a r t igo
5 9 ,
vide, sobre tudo, BINDI NG. Die
staatsrechtliche Vercmtwortlichkeit
( Z u m
Le b e n
u n d
Werden
d e r
Staaten, Mllnchen
u n d
Leipzig
1 9 2 0 , p . 4 0 8 ) : " É
evidente
q u e nessa queixa ministerial n ã o restou n e m u m á tomo d e s u a
natureza
de a té
então, resultante
d a
co-autoria
d o
pacto entre
re i
e povo."
A
força
d e u m
pensamento substancialmente jurídico,
sempre admirável
e m
Binding,
é
também comprovada nessas
expos ições sobre
o
Es tado
d e
Di re i to
e
atinge logo
o
ponto
essencial :
a
Constituição antigamente como contrato, hoje
n ã o
mais como contrato.
n
C f .
nota
13.
16
Verhandlungen des Deutschen Juristentages 1926, Berlin
1927 ,
p. 13.
' PRIMEI RA PARTE - A JUSTIÇA COMO GUARDIÃ D A CONSTITUIÇÃO
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 60/252
LIMITES OBIET1VOS
D E
T O D A I U S T I Ç A . . .
governo poderia continuar
o s
negócios
s em u m a l e i
orçamen-
tária,
d iz e le
literalmente
em s eu
manual
(c f .
Meyer-Anschütz):
" O
direito público termina aqui,
a
questão acerca
d e
como
se
deveria proceder
n o
caso
d e
inexistência
d e u m a l e i
orçamen-
tária n ã o é u m a questão d e direito."
17
O q u e então, segundo
Anschütz, poderia fazer u m tribunal d o Estado prussiano o u
alemão q u e tivesse q u e decidir a respeito daque le conflito cons-
titucional prussiano? P o r u m lado, o tribunal d o Estado é restri-
to a puras "questões d e direito", p o r outro, o direito público t em
aqui o seu limite. C o m a ajuda d a s exposições d e Anschütz, e m
viitude de um caso tão concreto e importante como o d o co n -
flito constitucional prussiano em 1 8 6 2 , n ão provém nenhuma
possibilidade d e u m a decisão judicial. M a s o valor de um tribu-
n a l d o Estado desse tipo deve residir justamente n o fato de que
todos o s litígios constitucionais s ã o formalizados e decididos
p o r meio d e sentença judicial. A possibilidade d e u m nori
liquet", j á reconhecida p o r R . Mohl a té mesmo para a queixa
ministerial,
e o
"caso levemente possível"
de que o
juiz
" t e m
q u e declarar o sentido da lei co mo duvidoso", '
8
n ã o s ã o absolu-
tamente considerados. P o r isso, ta l concepção, n o caso d e todo
conflito constitucional sério, conduz
a
dificuldades
e
contradi-
ções. Isso reside, mesmo,
n a
natureza
d a
coisa
q u e
dificulta
enormemente
u m a
ligação entre verdadeira justiça
e
verdadei-
r o
litígio constitucional
e q u e n ão s e
repara
ao se
declarar
a
corte constitucional como autorizada
a
estabelecer,
por si, o
sentido duvidoso
d e u m a
norma constitucional.
Para o presente, a mesma e simples estrutura d e toda d i-
vergência
d e
opinião política sobre condição
e
conteúdo
d e
poderes d e direito constitucional é ilustrada p o r meio d e u m
outro exemplo, embora
d o
mesmo tipo.
P o r
meio
d e u m
decre-
to de 18 de
julho
de 1930
(
Diário oficial
do
Reich I , p . 29 9) , o
presidente
d o
Reich dissolveu
o
parlamento alemão
nos se -
guintes termos: "Depois
d e o
parlamento
te r
hoje decidido
ex i -
1 7
M E Y E R - A N S C H Ü T Z .
Lehrbuch
des
Deutschen Staalsrechts
Miinchen uncl Leipzig, 1 9 1 9 , 7 .
Aufl.,
p . 906 .
18
MOHL, R .
Die
Verantwortlichkeit
der
Minister,
18 37 , p . 185.
PRIMEIRA PARTE - A JUSTIÇA COMO GUARDIÃ DA CONSTITUIÇÃO i—
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 61/252
gir que
meus decretos
de 16 de
julho, promulgados
c o m
base
no artigo
48
da Constituição d o Reich, sejam tornados s e m
efeito, dissolvo o parlamento c o m base n o artigo 25 da Consti-
tuição." Então,
n o
decreto
d e 2 6 d e
julho
de 1930
(Diário ofi-
cial do Reich
I , p. 311),
publicado
c o m
base
n o
artigo
48, o
govemo
d o
Reich repetiu,
e m
grande parte, aqueles decretos,
cuja supressão fora exigência d o parlamento o ra dissolvido.
Entre
a s
muitas dúvidas
e
divergências
d e
opinião tocantes
a o
direito constitucional
q u e
aqui redundam
(e
hoje, dezembro
d e
1 9 3 0 , talvez ainda apenas alguns zelotes d e u m cego
normativismo exigirão q u e todas elas sejam decididas pelo tri-
bunal
d o
Estado
e m
Leipzig),
u m a
pergunta pode
ser
especial-
mente importante:
de se a
aplicação
d o
artigo
4 8 ,
contida
n o
decreto
de 26 de
julho
de 1930 ,
significa
u m
desvio
e uma e l i -
minação inconstitucionais a o poder d e legislar p o r parte d a
maioria parlamentar
e se se
pode falar
c o m
propriedade
que o
parlamento
não fo i
capaz
d e
obter
a
maioria
d o s
votos, resul-
tando e m inação. Jsso, n o caso, depende, por sua vez , se o
governo f e z tudo para ganhar u m a maioria - u m a questão alta-
mente discutida
n o s
jornais quotidianos
e na
agitada propagan-
d a eleitoral. Evidentemente, n ã o
é
necessário, aqui, aprofundar
os
argumentos relativos
a o
objetivo
e à s
flores
d e
retórica agita-
doras
d a
propaganda partidária.
M a s a
título
d e u m
indício
ca -
racterístico, citam-se aqui
o s
seguintes posicionamentos
c o n -
traditórios d e u m mesmo caderno d e u m a revista social-democrata
de
nível especial.
N o
caderno
8, ano 1, de
"Neue Blatter
fü r
d en
Sozialismus" (agosto
d e
1930),
d iz
August Rahmann,
n a
página 340, em u m artigo "Ofensiva civil contra o parlamento e
a
Constituição":
" O
procedimento
d o
governo
d e
Brünig pode-
ria ser
desculpado
se ele
fosse subjetivamente
da
convicção
d e q u e u m a
maioria suficiente
n o
parlamento para
o
governo
n ã o pudesse, de forma alguma, ser conseguida. M a s , d e m a -
neira alguma, ele empenhou esforços por ta l maioria e m dire-
ç ã o à
esquerda, onde
só lá
podia
ser
obtida.
A o
contrário,
d e s -
prezou
e
malogrou todos
os
esforços feitos pelo outro lado,
pelos social-democratas, esforços limítrofes quase d a abnega-
«
PKÍMRIRA PARTE
- A
JUSTIÇA COMO GUARDIÃ
D A
CONSTITUIÇÃO
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 62/252
LIMITES OBIETIVQS
D E
T O P A [ US T 1Ç A .
4 5
ção. É
totalmente inequívoco,
ou o
governo
d e
Brünig queria
apenas
u m a
maioria sustentada pela direita
ou e la não
queria
nenhuma. Como
a
primeira opção
e ra
inatingível,
e le
preferiu
s e r governo minoritário e , pelo abuso tático d o artigo 48 , per -
manecer n o poder. C o m isso escapa a possibilidade d e conce-
der ao governo d e Brünig a boa-fé de te r considerado objetiva-
mente como existentes
o s
pressupostos para
a
aplicação
d o
artigo
4 8 .
Trata-se tão-somente
d e u m a
simples violação cons-
titucional.
M a s n o
mesmo caderno encontra-se,
n a
página
3 7 4 , a
seguinte declaração
d e
Eduard Heimann: "Porém,
c o n -
sidero errado se , como n as declarações oficiais d o s social-de-
mocratas, se fala q u e seria possível à esquerda obter maioria.
( . . . ) Mas sem partido popular n ã o houve nenhum tipo d e maio-
ria. Se isso estiver correto, Brünig n ã o tinha nenhuma escolha,
e le
tinha
q u e
procurar
u m a
maioria
d e
direita
e, no
caso
de um
fracasso, tinha
q u e
recorrer
à
dissolução
d o
parlamento
ou ao
artigo
4 8 . " S e
forem possíveis tais divergências
d e
opinião
so-
b re um
fato ainda diretamente claro entre
o s
correligionários
d o mesmo círculo e d a mesma revista, torna-se visível - e só
essa comprovação é a finalidade d a s citações - que , em tais
posicionamentos tocantes ao direito constitucional, sob o ponto
d e vista jurídico, s ó pode continuar a se tratar d o
quis judicabit,
i.e., da
decisão
e nã o da
pseudonormatividade
d e u m a
estrutu-
r a
judicial. Pela Const ituição vigente , dependendo
d a s
circuns-
tâncias, autorizado
à
decisão está
o
governo
d o
Reich,
o
presi-
dente
d o
Reich juntamente
c o m o
primeiro-ministro referendário
o u o parlamento d o Reich. S e o parlamento realmente f o r inca-
paz de se r governado p o r maioria e incapaz d e ação, o u seja,
n ã o estiver e m condições d e fazer uso de seus poderes consti-
tucionais (p.ex., resolução expressa segundo o artigo 54 de
suspender a confiança depositada n o primeiro-ministro ou re-
solução segundo
o
artigo
48, § 3
o
, d e
exigir
a
ineficácia
das
disposições publicadas segundo
o
artigo
48 , § 2
o
) , um
tribunal
também
n ã o
poderá suprir essa falta.
A o
invés
d e a
função
obter investidura constitucional fosse utilizado u m tribunal, in-
cumbido d e dirimir todas as dúvidas e divergências emergen-
te s , para o qual pudesse apelar a maioria e até mesmo a mino-
PRIMEIRA PARTE
- A
JUSTIÇA COMO GUARDIÃ
D A
CONSTITUIÇÃO
•
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 63/252
O G U A R D I Ã O D A C O N S T I T U I Ç Ã O
ria
parlamentares,
ma s que nã o
fosse competente para outras
decisões,
tal
tribunal seria
u m a
instância política junto
a o
parla-
mento,
a o
presidente
e a o
governo
d o
Reich,
e não se
alcançaria
nada além do que , sob os fundamentos d e decisão, a publicação
ou a proibição d o s atos d o governo sob a aparência d e estrutura
judiciária. Nenhuma ficção, mesmo
que t ão
forçada, poderia
impedir
que t a l
tribunal fosse considerado
p o r
cada
u m u m a in s -
tância política e como fosse avaliado. Então afloram, evidente-
mente, as dificuldades e contradições a que deve levar toda re-
lação entre sérios conflitos constitucionais
e a
justiça real.
O
caráter problemático dessa relação
fo i
exposto
por R.
Smend
(em seu
livro "Constituição
e
Direito constitucional")
e
H . Triepel (em seu relato para a assembléia alemã d e profes-
sores
d e
direito público
em
1928).
19
C o m
base
n a s
experiên-
cias
de a té
então
j á se
pode alegar, para qualquer tribunal,
u m a
alternativa
simples,
que , s e m
mais,
é
evidente para queixa
ministerial n o tribunal d o Estado e que sempre se repete nas
variadas realizações d e u m a "jurisdição estatal" o u "justiça
constitucional" fiscalizadoras
d o
legislador
e d o
governo,
ou
existe
u m a evidente violação constitucional a ser
indubitavel-
mente comprovada, exercendo
o
tribunal, então,
u m
tipo
re -
pressivo
e
vindicativo
d e
justiça
e
declarando,
d e
alguma
f o r -
m a , alguém "culpado" p o r feitos passados, ou o caso se
encontra
obscuro
e
duvidoso,
seja
p o r
motivos reais, seja pela
necessária incompletude
e
amplidão
d e
toda Constituição
e s -
crita, e m geral, ou da característica d a segunda parte principal
d a Constituição d e Weimar, e m especial, n ã o existindo, dessa
feita, nenhuma "questão
d e
direito pura"
e
sendo
a
decisão
d o
tribunal diferente
d e
decisão judicial, i.e., diferente
d e
justiça.
A
lógica interna
d e
toda estrutura judicial pensada
p o r
comple-
to leva inevitavelmente a que a verdadeira decisão judicial s ó
19
S M E N D . I d . p . 135 ; Triepel n a s pub l i cações d o s professores
alemães
d e
direito público, caderno
5 , 1929, p . 8 : "a
essência
d a
Const i tu ição encont ra-se , até um certo grau, e m cont rad ição
c o m a essência d a jurisdição constitucional" ( " a t é u m certo grau"
e m
itálico
n o
original).
PRIMEIRA PARTE
- A
JUSTIÇA COMO GUARDIÃ
D A
CONSTITUIÇÃO
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 64/252
chegue post eventum. Caso se corrija essa desvantagem m e-
diante disposições transitórias
do
tribunal, o juiz se verá na
situação
d e
tomar medidas políticas
ou de as
evitar
d e
modo
a
s e
tornar politicamente ativo, tornando-se
u m
fator poderoso
d e
política interna estatal
e ,
eventualmente,
a té
mesmo
da po -
lítica externa; su a independência judicial n ã o poderá mais
protegê-lo d a responsabilidade política, s e ainda tiver q u e exis-
tir,
afinal
d e
contas,
u m a
responsabilidade política.
20
A
inde-
pendência judicial perde
seu
embasamento constitucional
nas
mesmas proporções e m q u e s e distancia d o conteúdo indu-
2 0
Sobre a admissibil idade d e disposições transitórias d o tribunal
d o Estado para o Reich alemão segundo o artigo 19: GIESE, Fr.
DJZ , 1 9 2 9 , p . 1 3 2 ; Giese considera "totalmente s e m inconveni entes
ju lgar admiss ível a o rdem o u pro ib ição d e atos soberanos d o
Reich p o r meio d a disposiçã o transitória". Tamb ém afirmat ivame nte
H E I N S H E I M E R. Jur. Woch, 1 9 2 6 , p . 3 7 9 , L A M M E RS . Id . p . 3 7 6 ,
SIMONS. W . Einleitung zu Lammers-Simons 11, p . 11 . Diferen-
temente, o presidente d o tribunal d o Reich para finanças, JAHN.
Darf der Staatsgerichtshof einstweilige Verfügungen erlassenl
J u r . Woch, 1 9 3 0 , p . 1 1 6 0 , especialmente p . 1 1 6 2 : "Aqui se trata
d e tarefas d o governo q u e deve arcar c o m a responsabilidade";
e a p . 1163 (contrariamente à analogia c o m o artigo 9 4 4 d o C P C ,
segundo o qual, e m s i tuação d e emergência , o pres idente , e m
v e z d o t r ibunal , pode promulgar u m a disposição transitór ia) :
" C o m isso estaria criado o direito d e u m a s ó pessoa e m decidir
autocraticamente s e m considerar o presidente d o Reich, o s minis-
tros, o par lamento d o Reich, o s parlamentos estaduais. Isso n ã o
m e parece compatível c o m a s concepções d e u m a Constituição
democrática ta l qual criada e m Weimar". Sobre a prática d o tribunal
d o Estado para o Reich alemão: decisão de 17 de novembro d e
1 9 2 8 (Jurisprudência civ i l do Reich 1 2 2 , a n e x o p . 18-19,
L A M M E R S - S I M O N S I , p . 156/157) : O Tr ibuna] d o Estado
reivindica para s i esse poder, m a s deve-se observar q u e $ e tratava
aqui d e pretensões pecuniárias. Aparentemente, a admissibilidade
d e disposições transitórias é aprovada, a pr incípio, n a decisão
d e 1 0 d e outubro d e 1 9 2 5 (Jurisprudência civil do Reich 1 1 1 ,
anexo p . 21-22 . LAMMERS-SIMONS I , p . 2 1 2 ) : considerando a
possibil idade ( e p o r segurança) d e u m a execução, e c o m o interes-
san te argumento : " M a s para o f a to d e q u e a p r o m u lg ação d e
disposições transitórias deva s e r excluída, nada existe" (consi-
derando-se mais d e perto, isso é apenas u m , p o r q u e não?). P o r
outro lado, existe u m a série d e recusas d o s pedidos d e disposições
PRIMEIRA PARTE
- A
JUSTIÇA COMO GUARDIA
D A
CONSTITUIÇÃO
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 65/252
4 8
O G U A R D I Ã O D A C O N S T I T U I Ç Ã O
bitável
d a s
determinações
da
norma constitucional.
É
inevitá-
vel que a justiça, enquanto permanecer justiça, sempre chega
tarde politicamente
e
ainda mais quando
a
forma
d o
processo,
n o Estado d e Direito, fo i minuciosa e cuidadosa, mantido sob
o s
auspícios
d e
jurisdição.
N o
caso
d e
violações constitucio-
nais indubitáveis, q u e , em u m Estado cultural, n ã o serão roti-
neiras, esse fato leva, n o caso mais favorável, à punição d o
culpado
e às
compensações
p o r u m a
injustiça existente
n o p as -
sado. E m casos duvidosos , toma-se visível a desproporção entre
a
independência judicial
e seu
pressuposto,
a
rigorosa vinculação
a uma le i que contém em s i vinculações materiais.
Isso
é
comprovado
n ã o
apenas pelo desenvolvimento
d a
queixa ministerial, m a s também p o r outras experiências práti-
cas . Ainda será falado abaixo (4
o
ponto deste capítulo) sobre a
especificidade de um tribunal d o Estado, n o caso d e u m a orga-
nização federal,
e
sobre
o
tribunal
d o
Estado para
o
Reich
a le -
m ã o , segundo o artigo 19 da Constituição d o Reich. O princípio
geral
q u e
sempre
se
impõe para
a
relação entre proteção cons-
titucional e justiça, distingue-se, e m toda parte, na realidade d a
vida política. Destarte, correções
e
modificações
s ão
inevitá-
veis
n a
estrutura judicial, mesmo
n o
Estado
d e
Direito
o
mais
conseqüente e mais honesto, tão logo se faça valer u m respeito
à
Constituição.
Se já no
direito tributário mostrou-se necessá-
r io determinar que, na interpretação d as leis tributárias, devam
ser
"consideradas
s u a
finalidade,
s u a
importância econômica
e
transitórias: resolução
de 23 de
outubro
d e 1 9 2 9
{Jurisprudência
civil do Reich 126 , anexo p. 1/2; LAMMERS-SIMONS I I , p. 72) ,
aqui
j á u m a
restrição fundamental: "apenas
c o m
grande reserva
e
s ó e m
casos excepcionais"; especialmente importante
a
resolução
de 13 de julho de 1929 (LAMMERS-S1MONS I I , p. 98) : o tribunal
d o
Estado
n ã o
pode frustrar,
p o r
meio
d e
disposição transitória,
a
publicação de leis deliberad as e , sobretudo, a declaração n a decisão
de 17 e 18 de
julho
d e 1 9 3 0
(Jurisprudência civil do Reich
vol .
129 ,
anexo
p . 31) "de que o
tribunal
d o
Estado também
n o
futuro,
como a t é agora, fará u s o d o recurso d e u m a ordem provisória com
extrema cautela
e
reserva . Aliás, nesta decla ração encon tra- se
também dito expressamente
q u e ,
nessas disposições transitórias,
trata-se d e conciliação de interesses, n ã o d e jurisdição.
• PRIMEIRA PARTE - A JUSTIÇA COMO GUARDIÃ D A CONSTITUIÇÃO
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 66/252
U M I T | |
=
^ | E T | ^ S
=
D Ê
=
T O ^ ^ y ^ ^ .
4 2
a evolução d a situação" (§ 4
o
d o código Fiscal d o Reich), então
n o direito constitucional é ainda menos possível n ã o levar em
conta
o
objeto concreto.
P o r que , em
qualquer Estado, para
delitos como
a
alta traição
o u o
ataque
à s
bases
d o
Estado,
há
divergências n o tocante à competência d o s tribunais penais
ordinários e ou é declarado como competente u m supremo tri-
bunal e m primeira e última instância ou a té mesmo é instituído
como tribunal d e exceção u m tribunal d o Estado especial para
a proteção d a segurança do Estado?
21
C o m q u e direito é restrin-
gida o u eliminada a competência para exame do s tribunais or-
dinários
pOT
meio
de um
tribunal
d o
Estado
o u
constitucional
e
c o m q u e
direito
é
dado
o
poder apenas
a
determinados cargos
políticos (governo, parlamento, entre outros. Artigo
13, § 2
o
, da
Constituição
d o
Reich apenas
à
"competente" autoridade
c e n -
tral
d o
Reich
ou do
estado)
d e
instaurar
o
processo perante
tal
tribunal
d o
Estado
o u
constitucional?
32
P o r que o
respeito espe-
cial
a
questões
d e
utilidade
é
razoável
e
inevitável como,
e.g.,
acontece n a esfera d o direito fiscal d o estado da federação
entre a competência d o tribunal d e finanças d o Reich e a do
conselho d o Reich?
23
Por que na l e i do Reich de 30 de agosto
de 1924 (o chamado plano Dawes) estava prevista, frente à
decisão do tribunal para assuntos d a companhia ferroviária d o
Reich, a possibilidade d e o governo d o Reich ou a companhia
2 1
C f . anteriormente neste livro.
2 2
Segund o projeto alemão
de 1926 (
D J Z
, 1926 , co l . 842) , o
parlamen to
d o Reich, o conse lho d o Reich o u o gove rno d o Reich devem
poder apelar para a decisão d o tribunal d o Estado . Outros exemp los
e m
"Verfassungslehre",
p . 137 .
Sobre
o
sentido puramente político
dessa restrição a o direito d e queixa e c o m crítica muito notável,
c f .
MARX, Morstein.
Id . p . 116
et seq.
2 3
Artigo 6 da le i da compensação f inanceira d e 2 7 d e abril d e 1 9 2 6
{Diário oficial
do
Reich I , p . 20 3)
entre
o
Reich,
o s
Estados
e os
municípios. N o caso d e divergências d e opiniões entre o ministro
d a s
f inanças
d o
Reich
e u m
governo estadual
n o
tocante
à
questão
se u m
dispositivo fiscal estadual é
compatível
com o do
Reich,
a q u e s t ã o é dec id ida pe lo t r ibuna l d e f i n a n ç a s d o R e i c h a
requerimento d o ministro d a s finanças d o Reich o u d o governo
estadual. Competente
é o
grande Senado
n a
composição prevista
« o artigo 4 6 , § 2
o
, alínea 1 , do código fiscal d o Reich. O s preceitos
PRIMEIRA PARTF
- A
JUSTIÇA COMO GUARDIÃ
D A
CONSTITUIÇÃO
• - - -
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 67/252
ferroviária
d o
Reich apelar para
u m
árbitro quando
u m
deles
achava
que a
realização
d a
decisão judicial ameaçava
o
servi-
ço de juros e d e amortizações d a s obrigações c o m reparações?"
S e, frente à decisão de um tribunal d e exceção, como o tribu-
n al
para assuntos
da
companhia ferroviária
d o
Reich, tais
co r -
reções possam
s e
tornar necessárias
p o r
motivos
d e
utilidade
d a política externa, não são elas, pelo menos, igualmente n e -
cessárias frente
à
decisão
de um
tribunal encarregado
d e
deci-
dir
sobre todos
os
litígios constitucionais
d o
Reich alemão?
E
se são necessárias, j á não se renuncia c o m isso a o princípio d a
estrutura judicia l ilimitada?
Enquanto
o
difícil problema
e ra
tratado
c o m u m a
concreta
consciência
d e
direito constitucional,
fo i
sempre evitado falar
d e u m a
geral "jurisdição estatal"
o u
"justiça constitucional".
Sieyès, considerado o pa i dessas idéias, falava apenas e m u m
jury constitutionnaire
,
d e u m a magístrature constituíionelle
q u e deveria se r aplicada para a proteção d a Constituição c o n -
tra violações constitucionais. Nesse aspecto, e le dizia q u e essa
magistratura nada seria
na
esfera
d o
executivo
e d o
governo,
pormenorizados ficam reservados à especial regulamentação legal.
E m contrapartida, a questão se impostos estaduais o u municipais
s ã o
apropriados
a
prejudicar
a s
a r recadações
d e
impos tos
d o
Reich
e se
preponderantes interesses
d a s
f inanças
d o
Reich
se
opõem à arrecadação d e impostos, é decidida pelo conselho d o
Reich a requerimento d o ministro d a s f inanças d o Reich ou do
governo estadual . Ademais ,
o
minis t ro
d a s
f inanças
d o
Reich
pode apresentar
a o
tr ibunal
d a s
f inanças
d o
Reich, para apre-
ciação
, que stõe s l igadas à exegese d a s leis tributárias (artigo
4 3 d o código fiscal d o Reich).
2 4
Art igo 44 , § 3
o
, da lei do Reich sobre a companhia ferroviária
estatal alemã d e 3 0 d e agosto d e 1 9 2 4 ,
Diário oficial do Reich II,
p . 2 7 2 : caso o governo d o Reich o u a companhia creia q u e , n a
r e a l i z a ç ã o
d a
d e c i s ã o
d o
t r i buna l ,
o
s e r v i ç o
d e
j u r o s
e de
amor t izações
d a s
obr igações
c o m
reparações seja ameaçado,
cada u m a d a s partes pode apelar para o árbitro (artigo 4 5 ) dentro
d e u m prazo d e u m m ê s con t ado a par t i r d a p romulgação d a
decisão. Após
a lei do
Reich
d e 1 3 d e
março
d e 1 9 3 0
(Plano
Young), esse parágrafo, assim como
o
artigo
4 5 , f o i
eliminado
d o
Diário oficial do Reich I I , 193 0 , p . 36 4 .
PRIMEIRA PARTE - A JUSTIÇA COMO GUARDIA D A CONSTITUIÇÃO
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 68/252
LIMITES QBIETIVOS P E T O D A I U S TI C A .
n e m n a esfera d o legislativo, pois seria, s im , uma magistratura
constitucional. E le não a denomina expressamente d e justiça,
dando, antes, a perceber que e le a considera u m a parte d o
poder legislativo constitucional
o u q u e ,
pelo menos,
a
conta para
o
exercício desse poder.
25
N o s
planos constitucionais suíços
deste tempo,
q u e
falam
de um
tribunal
d o
júri velando sobre
a
Constituição, trata-se igualmente
d e u m a
queixa contra viola-
ções constitucionais cometidas.
26
C o m o fato d e u m sénat con-
servateur s e transformar e m guardião d a Constituição na s
constituições napoleónicas, j á é novamente abandonada a es-
fera d a justiça e feita competente u m a instância legislativa ou
consultiva.
O s
representantes
d o
Estado
d e
Direito liberal,
e m
especial Benjamin Constant
e
Guizot, permanecem cientes
dos
limites naturais
d a
justiça
e se
exprimiram
a
respeito
c o m u m a
precisão epigramática, Constant
n a s
exposições citadas ante-
riormente sobre queixa ministerial, Guizot
c o m a
frase
de que
hoje, n a Alemanha, não se pode parar d e repetir que , no caso
d e tais juridicizações, " a política n ã o t e m nada a ganhar e a
justiça nada a perder".
7
O s professores d e direito constitucio-
na l na Alemanha liberal d o século X I X intencionados com o
Estado
d e
Direito,
e m
especial Mohl, Bluntschli
e
Gneist, vêem
o
problema
e m
grandes
e
sistemáticas relações objetivas, para
eles,
a
mais segura garantia
d a
Constituição
ou é a
corporação
legislativa (como representante
d e
formação
e
posse)
ou a
cooperação entre monarcas hereditários
e
duas câmaras.
28
D e
resto, eles
se
interessam, principalmente, pela queixa ministe-
rial - naquela época o único instrumento d e u m a responsabili-
dade ministerial
é ,
segundo
se d iz , "a
chave
d e
abóbada
d a
2 5
Comprovações
e m
BLONDEL, André .
Id . p .
174-175.
2 6
A respeito, c f . H I S , E d . Ceschichte des neueren Schweizerischen
Staatsrechts, B d . 1 ,
Base)
1 9 2 1 , p .
196/202.
27
Des
conspirations
et de la
justice politique, BrUssel 1846 , p .
1 0 1 . N o confl i to entre o presidente d o tribunal d o Reich, Dr .
Simons, e o governo d o Reich, essa frase também s e confirmou,
infe l izmente ,
n o
aspecto pessoal.
2S
C f . mais adiante.
PRIMEIRA PARTE
- A
JUSTIÇA COMO GUARDIÃ
D A
CONSTITUIÇÃO
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 69/252
O
G U A R D I Ã O
D A
C O N S T I T U I Ç Ã O
construção estatal constitucional"" - ou pelo direito d e exame
judicia] perante decretos reais, porém, também aqui, evitam-se
ficções superficiais d e absoluta estrutura judicial.
30
Mais tarde,
na
segurança
d o s
anos antecedentes
à
guerra, permitiu-se
u m
formalismo barato
e que
simplesmente negava
o s
problemas
M
M O H L , R . Verantwortlichkeit d e r Miníster, 1 8 3 7 , prefácio: " U m a
le i sobre responsabilidade ministerial parece à maioria como a
c ha ve
d e
a bóba da
d e u m a
construção es ta ta l consti tucional ,"
3 0
M O H L ,
R . Verantwonlichkeil
der
Miníster, p . ex . , p . 15
(crítica
à
solução saxónica
q u e
transforma
o
tribunal
d o
Estado
e m
árbitro
e
intérprete),
p . 187 (da
desculpa devido
a
situação
d e
emergência),
e t c . :
além disso,
n a s
observações sobre
a
Constituição francesa
d e
J848 ,
Staatsrecht, Vólkerrecht
und
Politik, Monographien
I , p . 561-564 (Tübingen 1860), p . 5 6 2 : " N ã o importando como u m
t r ibuna l
d o
Estado se ja ordenado
e a
responsab i l idade de te r -
minada, fica
e m
todo caso claro
q u e a l e i
me ra me n te
s ó
pode
garantir
u m
tra tamento f irme
e
jus to após
u m a
exigida vitória
contra
u m
ataque
d e
a l ta t ra ição." BLUNTSCHLl.
Id . II , p . 550-
5 5 1 ; c f .
também
a
citação mais adiante.
Gneist,
parecer
p . 23 :
nenhum exame minucioso
d e
infrações contra princípios gerais
d a
Consti tu ição. Refere-se
à
ju r isd ição admin is t ra t iva
a
frase
inequívoca
d e
Gneist: "Para todo artigo constitucional entra
n o
lugar
d a
interpre tação
a
ju r isd ição"
(
D e r
Rechtsstaat
,
1 8 6 7 , p .
1 7 5 ) ;
ademais, Gneist manifestou pouca confiança
e m u m
tribunal
constitucional o u d o Estado ocupado p o r funcionários d e carreira;
c f . s u a
declaração
n a
reunião
de 9 de
fevereiro
d e 1 8 6 6
(relato
estenográfico,
p . 1 3 0 ) d a
câmara
d o s
deputados prussiana: "Pelo
q u e e u c onhe ç o d a h is tó r ia , o f u n c i o n a l i s m o d e ca rre i ra n ã o
suportou u m a única v e z a prova quando s e quis colocar sobre
o s ombros d e a lguns homens d e conf iança toda a ques tão d a
constitucionalidade d e u m governo e m pleno poder Mesmo n a
Ingla terra , u m corpo d e ju ízes , e s tando e m bri lhante posição
igual a d e ministros, cercado pelos colegas d e u m a brilhante,
independente advocac ia
d e
nobre cará ter ,
n ã o
supor tou
u m a
única v e z t a l prova d e poder, como a q u e deve s e r feita aqui
todos
o s
dias.
E e m
nossa pobre situação
d e
func ioná r io
( . . . )
sete homens desse tipo deveriam proferir
a
sério
u m a
sentença
judicial imparcial sobre essa questão
q u e s e
encontra entre
o s
minis tros
e o s
acusadores
d o s
min is t ros?
E u
nunca escondi
o
fa to
d e q u e
todo
o
grande colegiado
d o
superior tribunal
e m
seus seis
o u
sete Senados quase
n ã o
seria forte
o
suf ic ien te
-
s e t ivéssemos q u e criar leis — para fo rma r c o m seus membros
fixos u m tribunal d o Estado". O q u e Thudichum d iz a respeito
PRIMEIRA PARTE
- A
JUSTIÇA COMO GUARDIÃ
D A
CONSTITl/IÇAO
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 70/252
LIM ITES O BIETIV O S
D E
T O D A I US T I Ç A .
objetivos.
M a s t ã o
logo, novamente, eclodiam concretos anta-
gonismos políticos, despertava concomitantemente a consciência
para
o
fato
d e q u e
toda estrutura judicial encontra-se vinculada
a estreitos limites e quando, no ano de 191 9 , fo i feita a tentativa
d e
decidir
c o m
tais recursos
a
questão
d a
culpa pela guerra,
fez-nos lembrar Erich Kaufmann , e m u m impressionante estu-
do , dos
limites
da
justiça
n o
Estado
d e
Direito.
91
d o "caráter impuro" d a queixa ministerial ( Id . p . 637/638) j á é
f ru to d e outro espírito. HAENEL, A . Deutsches Staatsrecht, B d .
I (1892), p . 5 6 2
et seq
., trata d a jur isdição federal , n o caso d e
litígios constitucionais dentro
d o s
Estados-membros,
n o
contexto
sistemático
d a
"manutenção
d o s
Estados"
( e n ã o d a
administração
d e justiça).
31
Vntersuchungsausschuss
und
Staatsgerichtshof, Berlin 1 9 2 0 ,
p . 83-84, sobre o concei to d o processo judicial.
PRIMEIRA PARTE
- A
JUSTIÇA COMO GUARDIÃ
D A
CONSTITUIÇÃO
•
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 71/252
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 72/252
E s t i p u l a ç ã o n o r m a t i v a d o o
c o n t e ú d o d e u m a n o r m a ^
c o n s t i t u c i o n a l d u v i d o s a
e m p
s e u c o n t e ú d o é , n o c a s o , ^
n o r m a c o n s t i t u c i o n a l e n ã o < ;
j u s t i ç a C J
Para responder à pergunta fundamental d a teoria constitu-
cional deve-se repetir, aqui, mais
u m a v e z q u e n ã o h á
Estado
d e
Direito
s e m u m a
justiça independente,
n ã o h á
justiça inde-
pendente s e m vinculação material a um a le i e nã o há vinculação
material à lei se m diversidade objetiva entre le i e sentença judi-
cial. O Estado d e Direito civil baseia-se jus tamente n a diferen-
ciação objetiva entre diversos poderes. Pode-se rejeitar
a
dife-
renciação
d o s
poderes devido
a
tendências absolutistas, como
usual n a teoria d o direito público d a monarquia constitucional
alemã, e pode-se, também, deixar a o jui2 u m a certa liberdade,
mas não se lhe pode outorgar a decisão política, que é assunto
d o
legislador,
s e m
alterar
seu
posicionamento
d e
direito públi-
co . Não se
refuta tampouco
a
diferenciação fundamental
e n -
tre
legislativo
e
justiça
c o m o
fato
de se
forçarem designações
imprecisas (divisão d o s poderes, repartição d o s poderes) e m
seu
sentido literal,
ou ao se
referir
a
dificuldades
d a
delimita-
ç ã o e m
seus pormenores,
a
possibilidades
d e
entrecruzamento
d e
limites
o u
coisa semelhante,
ou , po r f im , ao
lembrar
que, ao
invés
d a
usual tripartição (legislativo, executivo
e
justiça),
são
também possíveis outras divisões e diferenciações. Como acer-
tadamente proferido p o r Larnaude,
1
h á tantas diferenciações
d e
poderes quanto
o
número
d e
Estados.
M a s a
variedade
n ã o
1
Revue politique
et
parlementaire
1 2 6 (1926), p . 186.
PRIMEIRA PARTI: - A JUSTIÇA COMO CilJARDIÃ D A CONSTITUIÇÃO
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 73/252
comprova
que nao há em
absoluto diferenciação alguma
ou
que se
teria
o
direito
d e
menosprezar todas
a s
diversidades
entre legislativo e justiça. Ainda continua a valer para o Estado
d e
Direito civil
q u e u m
Estado
s e m
diferenciação objetiva entre
legislativo, executivo (governo
e
administração)
e
judiciário
n ã o
tenha " u m a Constituição" n o sentido d o Estado d e Direito civil.
2
N o
Estado
d e
Direito, existe justiça somente como senten-
ça judicial
com
base em u m a le i . A fórmula " c o m base e m u m a
le i" ,
empregada
d e
maneira típica
p o r
todas
a s
constituições
alemãs desde
o
século
X IX , é d e
importância primordial para
a
organização d o Estado d e Direito civil. N o s últimos anos, c h a -
m e i
freqüentemente
a
atenção para esse fato
e
mostrei
o
nexo
sistemático.
2
Para o âmbito de todas as constituições ale-
mãs, a fórmula não tem nenhum significado inferior {mes-
mo se
tiver
um
outro)
à
fórmula
do
d u e process of law para
o direita constitucional anglo-saxônico. Também
é
resulta-
d o
dessa fórmula
que se
deve diferenciar entre
lei e
sentença
judicial e , conseqüentemente, também entre legislador e juiz.
P o r múltipla q u e seja a realização d e diferenciação d o s pode-
re s nos
vários Estados, permanecerá
a
diferenciação desses
poderes
e às
divisões organizacionais
d e
suas funções corres-
ponde
u m a
diversidade objetiva
d e
atividade,
a o
menos para
a
regulação normal d a competência. Uma le i não é uma senten-
ça
judicial,
u m a
sentença judicial
n ão é um a le i , e , s im ,
decisão
de um "caso" c o m "base em uma le i " . A posição especial d o
juiz
n o
Estado
d e
direito
- sua
objetividade,
seu
posicionamento
acima d a s partes, su a independência e sua inamovibilidade —
baseia-se n o fato de que e le decide justamente c o m base e m
uma lei e de que sua
decisão, em seu conteúdo,
é
derivada
d e
u m a outra decisão d e modo mensurável e calculável j á contida
2
Verfassungslehre,
p . 127 .
3
Verfassungslehre,
p . 152 .
Unabhãngigkeit der Richter, Gleichheit
vor dem Gesetz und Gewahrleistung des Privateigentums nach
der Weimarer Verfassung, Berlin 1 9 2 6 , p . 17/18. JW . 1 9 2 6 , S . 2 2 7 1
( m a l
interpretado
e m
GRAU,
R ,
Der
Vorrang
der
Bundeskompetenz,
Festschrift f ü r Heinitz, 1 9 2 6 , p . 4 0 3 ) .
•
PRIMBI RA PARTE
- A
JUSTIÇA COMO GUARDIÃ
D A
CONSTITUIÇÃO
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 74/252
E S T I P U L A Ç Ã O N O R M A T I V A
D O
C O N T E Ú D O
D E U M A
N O R M A ,
SlL
na lei . Se, excepcionalmente, o s órgãos legislativos percebe-
r e m , n a s
formas
do a to
legislativo, outras funções
que não as
do a to
legislativo, pode-se qual ificar isso, então,
d e
"legislação
formal", como, analogamente, se pode também falar de um
conceito formal d e justiça quando u m a repartição judicial de-
clarada competente
se
torna ativa, dessa maneira, ultrapas-
sando o território objetivo d a justiça. Porém, isso ainda não
permite
as
inversões
de um
formalismo inócuo
q u e
simples-
mente inverta as coisas e qu e classifique d e jurídica aquilo q u e
o legislat ivo realize n a forma d e legislação, tudo como justi ça o
q u e u m
tribunal
f az .
Esse tipo
d e
lógica
se
processa,
e m
contí-
nuas trocas, d a seguinte maneira : jus tiça é o qu e um juiz fa z, ou
seja, tudo o que um juiz fa z é justiça, o juiz é independente, ou
seja, todo pessoa que é independente é u m juiz, assim, tudo o
q u e u m órgão independente f a z sob a proteção de sua indepen-
dência
é
justiça,
p o r
conseguinte,
só se
precisa fazer
com que
todos o s litígios constitucionais e divergências d e opiniões se-
j a m
decididos
p o r
juízes independentes
e
tem-se
u m a
"justiça
constitucional". Nestes tipos
d e
conceitos formais tudo pode
s e r imputado a todos, tudo pode se tornar justiça, m as , do m es -
m o
modo, tudo pode
s e
tornar "norma"
e
estabelecimento
d e
normas e , po r f im , tudo pode s e tornar Constituição.
4
A organi-
zação constitucional transmuta-se
e m u m
mundo
d e
ficções
ilusórias
e a
ciência jur ídica
n o
campo
d e
exercício
de um
modo
d e pensar, a o qual Hofacker afixou o nome d e "lógica das per -
n a s d o
ganso".
5
4
" P o r meio d e mediaçao d a idéia d a forma constitucional", como
Kelsen s e exprime (relato p . 38) .
5
Segundo o s i logismo d o qual graceja Schopenhauer: o homem
t e m
duas pernas, assim, tudo
q u e t e m
duas pernas
é u m
homem,
então, o ganso é u m homem, e t c . ; "Gerichtssaal XCIV", p . 2 1 3 /
2 1 4 , Arch.f
Soz.
Wissenschaft X X I , p . 1 8 / 1 9 ( a
re forma
d a
função
jurídica), Diário administrativo
d o
Reich,
1 9 3 0 , p . 3 4 .
Sobre
a s
devastações feitas p o r esse tipo d e lógica n a doutrina d o conceito
de le i , c f . Verfassungslehre, p .
143-144. Sobre
o
problema geral
teór ico- jur íd ico, deve-se a inda observar o segu in te : n o caso
n ã o
existe nenhuma outra
a n ã o s e r u m a
justiça vinculada
à lei.
PRIMEIRA PARTE - A JUSTIÇA COMO GUARDIÃ D A CONSTITUIÇÃO » -
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 75/252
O G U A R D I Ã O P A C O N S T I T U I Ç Ã O
P o r
conseguin te , deve-se pe rsevera r
n a
d ivers idade ob je t iva
en tre leg is lação
e
ju s t i ç a
e n ã o s e
pode cons t ru i r nenhuma
"gradação un iversa l"
d a
Consti tu ição para
a
decisão judic ia l ,
como empreendido
p o r
Kelsen (Relato
p . 3 1 - 3 2 e 4 2 ) . O q u e o
ju iz f a z c o m base em uma i e i , é regulamentado, e m se u conteúdo,
pela
le i e ,
ass im, a lgo essencia lmente diferente
d e
legislação
" c o m base n a l e i (constitucional)"- A expressão " c o m base n a
l e i "
perde
s e u
sentido especifico
d e
Estado
d e
Direito quando
ela é
aplicada, dessa forma,
a
outras relações materiais diferentes
e
tornada "universal". Utilizando-se
d e u m a
imprec isão linguística,
pode-se dizer
q u e o
leg is lador
f a z
suas leis
" c o m
ba s e "
n a s
determinações d a norma constitucional q u e o fazem legislador,
o
parlamento, p.ex.,
c o m
base
n o
artigo
6 8 d a
Constituição,
q u e
o Primeiro-Ministro define a s diretrizes " c o m base" n o artigo 5 6
d a
C o n s t i t u i ç ã o
e q u e o
p re s ide n te
d o
Reich toma medidas
dita toria is
" c o m
ba s e "
n o
art igo
4 8 d a
Cons t i tu ição .
D e
tais
instruções
d e
competências
e
"poderes"
n ã o é
possível nenhuma
der ivação concre ta
d o a t o
es ta ta l , como pensado
n o
caso
d a
aplicação judicial da l e i e d a decisão " c o m ba s e " e m u m a l e i .
Q u a n d o
o
ju iz ,
c o m
base
e m u m a
de te rminação
da l e i
penal,
condena o réu à pena d e reclusão, a sentença q u e determina a
prisão
é
de r ivada ,
e m s e u
con teúdo ,
d a l e i p o r
me io
d e u m a
subsunção d o caso a s e r dec id ido , correspondente a o t ipo, a
u m a
no rma
q u e
poss ibi l i ta
u m a
subsunção correspondente
a o
tipo e q u e j á define antecipadamente, dentro d e u m a determinada
esfera (pena
d e
reclusão),
o
con teúdo
d a
sentença. Quando
o
Primeiro-Ministro
d o
Reich
f a z u m a
aliança
c o m a
Rússia
" c o m
base" n o artigo 5 6 d a Constituição, o u quando o presidente d o
Reich,
" c o m
base"
n o
artigo
4 8 ,
ordena
u m a
"ajuda para
o
leste",
a aliança russa o u a ajuda para o leste n ã o é derivada, e m se u
conteúdo
e p o r
meio
d e
subsunção correspondente
a o
tipo,
d a s
dispos ições
d a
norma consti tucional constantes
n o
art igo
5 6
o u 4 8 como aquela pena d e reclusão d a norma da le i penal. É u m
abuso de ixar mis tura r
a
d i f e re nc i a ç ã o e n t re in s t ruç ã o
d e
competências e normalização material, justificar a s mais variadas
proposições, ordens, regulamentações, poderes
e
decisões
c o m
a
palavra "norma"
e ,
onde
se
trata
d e
justiça,
n e m
mais diferenciar
entre "normas" sujeitas
e a s
não-sujeitas
à
ação
d a
justiça.
É da
essência
da
decisão judicial poder,
e m s e u
conteúdo,
s e r
derivada
d a norma basilar e qu e a norma q u e vincula o juiz , vincula realme nte
d e
forma mensurável
e
calculável,
n ã o
apenas conferindo poderes.
U m a m a r g e m d e ação para conce i tos inde te rminados pode
permanecer,
mas se a
norma
s e
tornar
t ã o
ampla
e
vazia
a
ponto
d e n ã o
mais
s e r
poss ível
u m a
s ubs unç ã o c o r re s ponde n te
a o
tipo o u , s e houver apenas u m a instrução d e competências, deixará
, PRIMKIR A PARTE - A. JUSTIÇA COMO GUARDIÃ D A CONSTITUIÇÃO
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 76/252
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 77/252
Todo o despropósito desse tipo d e lógica que se passa e m
u m a estranha mistura d e abstrações s e m fundamento e metáfo-
ra s
fantasiosas revela-se
n o
problema
d o
guardião
ou
garantidor
d a Constituição. U m a l e i n ã o pode se r guardiã d e u m a outra
lei. A lei mais fraca n ã o pode, obviamente, guardar ou garantir
a
mais forte.
M a s ,
inversamente,
p o r
exemplo, deve
a lei
difi-
cilmente emendável guardar
a lei
ordinária?
C o m
isso, tudo
seria transformado
em seu
oposto, pois
se
trata
d a
proteção
e
d a guarda da norma constitucional, mas não da le i ordinária, e
o
problema
é
exatamente proteger
a lei
dificilmente emendável
contra alterações
po r u m a l ei
ordinária.
O
problema
n ã o
surgi-
ria, caso u m a norma pudesse s e autoproteger normativamente.
que a l e i
c omo
t a l
poderia
s e r
"ob je to"
d e u m
processo
e m v e z
d e
base para
a
decisão processual.
P o r
haver leis
c o m
fo rça
d e
vigência mais forte
e
mais fraca
e u m a
norma constitucional
s e r
emendável apenas
s o b a s
d i f icu l tadas condições
d o
art igo
7 6
d a
Constituição, enquanto
u m a l e i
ordinária pode
s e r
revogada
o u
emendada
p o r u m a l e i
ordinária posterior, pode-se falar,
c o m
u m a
cert a razão,
d e
normas mais fortes
o u
mais fracas, "superiores"
e
"inferiores".
A
expressão
é
útil
e n ã o é
equívoca, desde
q u e ,
c o m e l a ,
se jam designados apenas aqueles diversos graus
d e
alteração
e
revogabilidade. Transforma-se
e m u m a
metáfora
f a n -
tasiosa, caso se fale, então, d e u m a geral "hierarquia d a s normas"
e , nesse quadro, s e misturem três o u quatro tipos variados d e
superioridade
e
subordinação,
a
"superioridade"
d a
Constituição
sobre a totalidade d a vida estatal, a "superioridade" da le i mais
forte sobre a mais fraca, a "superioridade" da l e i sobre a sentença
jud ic ia l e atos d a aplicação legal, a super io r idade d o superior
sobre o subordinado. C o m razão, h á apenas u m a hierarquia d e
seres concretamente existentes, u m a superioridade e subordinação
d e instâncias concretas. U m a "hierarquia d a s n o r m a s " é u m a
antropomorfização d a "norma", s e m espírito crítico e ametódica,
e u m a alegoria improvisada. S e u m a norma é mais difícil de se r
a l t e r a d a
d o q u e a
outra , isso, então,
s o b
todos
o s
aspec tos
imagináveis ,
é
logicamente , juridicamente
e
soc io log icamente
algo diferente
d e u m a
hierarquia,
u m a
instrução
d e
competências
n a
norma constitucional encontra-se
e m u m a
relação
d e
autoridade
públ ica super io r
n o
tocan te
a o s
a tos publicados pelo posto
competente (pois
u m a
normatização
n ã o é u m a
autoridade pública)
e , c o m maior razão, a lei ordinária n ã o é o subordinado da lei
dificilmente emendável.
'
P R f M R I R A
PARIE - A JUSTIÇA COMO GUARDIÃ D A CONSTITUIÇÃO
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 78/252
E S T I P U L A Ç Ã O N O R M A T I V A D O C O N T E Ú D O D E U M A N O R M A . . . a i
U m a norma vige mais forte, mais fraca ou tão fortemente quanto
u m a
outra norma, entre
as
normas
sã o
possíveis contradições
e
colisões
q u e
devem
s e r
solucionadas
d e
alguma forma,
u m a
norma pode repetir
u m a
outra norma
em seu
conteúdo,
e la
pode lhe dar também u m novo e fortalecido tipo d e validade (é
o caso quando u m a l e i ordinária é repetida como norma cons-
titucional), u m a norma pode introduzir novas conseqüências
jurídicas, ameaças
d e
punição,
e t c .
("sanção fortalecida")
e
sempre podem
ser
criadas normas mais fortes
e
mais dificilmen-
te emendáveis. M a s enquanto tudo transcorrer normativamente,
n ã o será possível alcançar u m a proteção e u m a garantia ainda
mais forte
p o r
meio
d e u m a
norma suprema
e
mais forte, ainda
q u e constitucional. N a pergunta pelo guardião d a Constituição,
trata-se d a proteção d a norma a mais forte perante u m a norma
mais fraca. Para u m a lógica normativa e formalística, isso n ã o
representa e m absoluto u m problema, a validade mais forte
n ã o
pode
se r
ameaçada
ou
colocada
e m
risco
p o r u m a
mais
fraca
e o
direito constitucional formalístico novamente termina
também exatamente onde o problema objetivo começa.
S e a
justiça constitucional fosse
u m a
justiça
d a
norma cons-
titucional sobre
a lei
ordinária,
a
justiça
d e u m a
norma enquan-
to tal projetar-se-ia sobre u m a outra norma. Mas não há ne -
nhuma justiça d a norma sobre u m a norma, pelo menos não,
enquanto
o
conceito
d e
"norma" manter
u m a
certa precisão
e
a
palavra
não se
tornar simplesmente
u m a
expressão
c o m d ú -
zias
d e
entradas secundárias, laterais
e
traseiras,
o u
seja,
u m
veículo de ambigüidade ilimitada, para o que e la se presta, to -
davia, primorosamente. Já há muitos anos, Otto Mayer adver-
tira insistentemente contra
o
abuso
e a
confusão
d a
palavra
"norma".
6
Infelizmente inultilmente. Caso contrário,
a
noção
d e justiça constitucional como u m a justiça d e normas sobre
normas n ã o seria possível. Se com a palavra "justiça constitu-
cional " deve se r designado u m tipo d e justiça que é determina-
da
somente pelo tipo
da lei
utilizada como embasamento
d a
6
Verwaltungsrecht
I . 3 .
Aufl. , J924,
p . 84
nota.
PRIMEIRA PARTE - A JUSTIÇA COMO GUARDIÃ D A CONSTITUIÇÃO
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 79/252
decisão, então todo processo civil decidido c o m base n o artigo
131 ou 153 da
Constituição
d o
Reich
é
justiça constitucional.
O u será que a Constituição (mais precisamente, a norma cons-
titucional singular) deve
ser
objeto
d o
processo?
Uma le i que
serve d e base para a decisão processual não é objeto d o p r o -
cesso,
m as
justamente embasamento para
a
decisão.
O u
será
q u e s e deve imaginar a norma constitucional personificada na
figura
d o
juiz
e a lei
ordinária personifi cada
n a
figura
d a
parte?
Assim, a particularidade d a "justiça constitucional" residia e m
se r uma
norma tanto juiz, quanto parte, quanto embasamento
para a decisão ser , por f im, a té mesmo como teor d a decisão,
u m
processo singular, cuja construtibilidade
só vem
provar tudo
o que se pode fazer c o m a palavra norma quando as abstra-
ções
se
tornam metáforas
e a
"universalidade"
d o s
conceitos,
por f im, só
reside
n o
fato
de que as
abstrações vazias
e sem
fundamento se confundem d a mesma forma como, e m u m jogo
d e
sombras,
a
sombra
d e u m a
figura passa através
d a
sombra
d e u m a outra figura.
A aplicação d e u m a norma a u m a outra norma é algo q u a -
litativamente diferente
do que a
aplicação
d e
unia norma
a um
fato e a subsunção d e u m a l e i a u m a outra le i (se é que é
imaginável) algo essencialmente diferente
d o q u e
subsunção
d e u m
tipo legal regulamentado
à sua
regulamentação.
Se for
averiguada u m a contradição entre a lei ordinária e a norma
constitucional
e a lei
ordinária declarada como nula,
não se
pode denominar como aplicação d a norma constitucional à lei
ordinária n o mesmo sentido como o é a apl icação judicia l da lei
a o
caso concreto.
N o
primeiro caso, comparam-se umas
n o r -
m a s a s outras e , quando d e colisões e contradições possíveis
p o r
diversos motivos,
u m a
norma suprime
a
outra.
N o
segundo
caso, quando d a aplicação judicial d a lei a u m determinado fato,
u m
caso concreto
é
subsumido
aos
conceitos gerais
(e ao
"tipo"
legal). Quando u m a norma constitucional determina que as fa -
culdades teológicas serão mantidas (artigo
149, § 3
o
, d a
Cons-
tituição d o Reich) e uma le i ordinária, e m oposição, determina
que a s
faculdades teológicas serão eliminadas, então
é
aplica-
•
PRIMEI RA PARTE
- A
JUSTIÇA COMO GUARDIÃ
D A
CONSTITUIÇÃO
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 80/252
E S T I P U L A Ç Ã O N O R M A T I V A D O C O N T E Ú D O D E U M A N O R M A .
6 3
ç ã o d a
norma constitucional manter
a s
faculdades teológicas
e
aplicação
da lei
ordinária eliminá-las. Isso
n ã o
poderá
s e r
facil-
mente contestado. E m ambos o s casos existem u m a aplicação
da lei a um fato e a decisão, e m ambos o s casos, é obtida d a
mesma forma mediante
a
subsunção correspondente
a o
tipo
de lei . Em contrapartida, se o conteúdo d e u m a d a s leis é c o n -
frontado c o m o conteúdo da outia, s e u m a colisão ou contradi-
ç ã o é averiguada e se surge a questão sobre qual d a s duas leis
contraditórias entre s i deve valer, então regras gerais s ã o c o m -
paradas umas à s outras, mas n3o subsumidas ou aplicadas. A
decisão
de que uma ou a
outra
d e
ambas
a s
regras gerais deva
valer,
não se
realiza
p o r
meio
d e
subsunção correspondente
a o
tipo
d e u m a d a s
regras
à
outra.
O q u e
deveria, então,
ser
subsumido
em ta l
caso?
S e u m a d a s
leis ordena
o
contrário
d a
outra
lei e a
contradição
é
decidida pelo fato
de que uma de
ambas
as
prescrições contraditórias vale
e a
outra
n ã o
vale,
n ã o h á
subsunção
d e
nula
à
válida
ou da
válida
à lei
nula.
N o
exemplo citado h á pouco, o "tipo" legal d e ambas a s normas
que se contradizem - faculdades teológicas — é exatamente o
mesmo. Assim, não se pode dizer qu e as faculdades teológicas
d a
norma constitucional seriam subsumidas
à s
faculdades
teo-
lógicas da lei ordinária. Tampouco, n a solução da contradição,
u m a d a s prescrições opostas é subsumida à outra e "a ela apli-
cada". Seria absurdo se concluir q u e h á subsunção quando
ocorre
a
"supressão"
o u
quando
se
"conserva" algo
o u
vice-
versa. Esse claríssimo caso
d e u m a
colisão
d e
normas mostra,
assim,
que a
primazia tipicamente judicial
d a
decisão judicial
obtida
p o r
subsunção correspondente
a o
tipo
n ã o
existe
de for -
m a
alguma
n a
decisão
d e u m a
colisão
d e
normas.
Não há em
absoluto subsunção, sendo apenas averiguada
u m a
contradi-
ção e , depois, decidido qual d a s normas que se contradizem
deva valer e qual deva permanecer "fora d e aplicação".
7
1
C f .
comentário feito anteriormente
a
respeito
d a
"não-aplicação".
A "contradição" d e u m a d a s normas e m relação à outra
é
também
diferente d a ' ' contrad ição" e m re lação a u m a norma verificada
e m u m a sentença judicial a f av o r d a "cu lpa" . S e u m a norma
determina q u e você n ã o deve matar e o juiz comprova q u e X
1'RJMFIRA PA RTF. - A JUSTIÇA COMO GUARDIÃ D A CONSTITUIÇÃO »
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 81/252
6 4
O G U A R D I Ã O D A C O N S T I T U I Ç Ã O
Se nos ativermos a este simplíssimo caso d e u m a
evidente
contradição entre norma constitucional e lei ordinária, não te-
remos a idéia d e falar, aqui, d e u m a justiça da norma constitu-
cional sobre
a lei
ordinária.
A
única justiça possível
em tal
caso
seria justi ça penal vindicativa, devido
a u m a
violação constitu-
cional cometida contra o autor d o delito, mas não contra u m a
norma. M a s o interesse prático e m u m a decisão a respeito da
colisão d e leis não se dirige, e m geral, a tais casos de uma
contradição manifesta
que , em
tempos normais,
n ão
serão muito
freqüentes,
ne m a uma
posterior correção
d e
infrações perpe-
tradas
n o
passado,
mas à
pergunta
d e
tipo
b e m
diferente acer-
matou, a contradição à norma comprovada c o m isso é u m outro
tipo d e contradição diferente d a contradição entre a s duas normas
q u e s e contrar iam, você n ã o deve matar e você deve matar. A
comprovação sobre o que X aqui f e z é um homicídio e a outra
comprovação sobre u m a d a s normas determina o contrár io d a
outra norma, n ã o podem s e r colocadas, lógica e juridicamente,
dentro d e u m a categoria comum e "universal". Pode se r que um
ponto d e vista normativo tenha desejado aplicar, aqui, o método
d e duplicações fictícias, o qual lhe é geralmente característico
p o r n ã o falar d a coisa, apenas d e suas sombras formalísúcas. D a
mesma forma como o normativo conduz a o fato de se imputar à
val idade d o contrato concreto a val idade d o precei to geral d e
q u e contratos vál idos sejam vál idos ( c f . Verfassungslehre, p .
69/70), pode s e r acrescentada à val idade d e toda l e i , ainda, a
validade da le i geral d e q u e leis válidas sejam válidas, d o mesmo
modo q u e a cada proibição se acresce a outra proibição de nã o
se observarem proibições válidas, e t c . P o r meio d e tais v ã s adições
poder-se-ia dizer q u e , além d a norma constitucional e além da lei
ordinária, lambem existiria, ainda, u m a determinação d a norma
constitucional, segundo a qual é proibi do promul gar leis ordinárias
q u e contrar iem u m a norma constitucional, essa proibição teria
sido violada pelo autor da le i ordinária e essa violação consti-
tucional seria comprovada pelo juiz.
M a s
isso também
n ã o
seria
u m a
hierarquia
d a s
normas
n e m u m a
justiça constitucional.
S e
aqui
o
juiz decide
q u e o
legislador transgrediu aquela proibição,
isso seria, então, segundo
o
caso,
u m a
justiça penal repressiva
e n ã o
just iça const i tucional . Ademais, nada
se
ob tém
c o m o
acrésc imo
d e u m a
pro ib ição
d a
norma const i tucional ;
a c o m -
provação
d e q u e ,
entre
u m a
ordem
e a
ordem contrária, existe
u m a
contradição, também
n ã o s e
torna,
p o r
isso,
u m a
subsunção
correspondente
a o
tipo
n o
sentido
de
aplicação judicial
da le i .
•
PRIMEIR A PARTE
- A
JUSTIÇA COMO GUARDIÃ
DA
CONSTITUIRÃO
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 82/252
E S T I P U L A Ç Ã O N O R M A T I V A D O C O N T E Ú D O DF . U M A N O R M A .
ca de
quem decide dúvidas
e
diversidades
d e
opinião
a
respeilo
se
existe
o u n ã o u m a
contradição
e até que
ponto
ela
existe.
Tendo e m vista a Constituição d e Weimar, o interesse nessa
questão é muito grande, pois especialmente na segunda parte
estão colocados, lado
a
lado,
o s
mais variados princípios, dispo-
sições particulares
d e
direito material, programas
e
diretrizes,
assim como compromissos dilatórios incertos,
s
e se
qualificar-
m o s como "normas" todos esses diferentes preceitos, a pala-
v r a norma terá perdido seu valor e se tornado inútil. Aqui resi-
de , nos
mais difíceis
e
praticamente mais importantes casos,
a
obscuridade
ou a
contradição
a té
mesmo dentro
d a s
próprias
determinações d a norma constitucional, a s quais são em s i ob s-
curas
e
contraditórias
por se
basearem
e m u m a
justaposição
desconexa
d e
princípios contraditórios. Aqui também termina,
evidentemente,
a
possibilidade
de se
simular
u m a
gradação
d e
normas e , s e um a determinação da norma constitucional deter-
mina algo diferente d e u m a outra (e .g . artigo 146, § I
o
e § 2
o
) ,
a
colisão
n ão
pode
se r
resolvida
p o r
meio
d a
idéia
de um a "h ie -
rarquia"
d a s
normas.
M a s
mesmo
em
outros casos
d e
dúvidas
e diversidades d e opinião sobre a pergunta se existe u m a c o n -
tradição entre norma constitucional
e lei
ordinária,
n ão se che -
g a a subsunções correspondentes a o tipo n o sentido de verda-
deírajus tiça, porque
a
dúvida sempre
só diz
respeito
a o
conteúdo
d a
norma constitucional. Quando
a
norma constitucional deter-
mina que as faculdades teológicas serão mantidas e uma lei
ordinária determina que as academias teológicas serão elimi-
nadas, pode
ser
então duvidoso
se as
academias teológicas
são
faculdades teológicas
e se o
fato atingido pela
lei
ordinária
t a m -
b é m é
atingido pela norma constitucional. Isso também
não é,
considerando-se mais detalhadamente, u m a subsunção corres-
pondente
a o
tipo
da lei
ordinária
à
norma constitucional,
nem
u m a
subsunção
d o
tipo
da
subsunção judicial
de um
fato concreto
a uma le i .
Pergunta-se, antes,
se o
caso
q u e
recai
sob uma lei
ordinária, recai concomitantemente sob a norma constitucio-
nal? O mesmo fato é subsumido a ambas a s leis. A subsunção
8
Verfassungslehre,
p . 31-32.
PRIMEIRA PARTE
- A
JUSTIÇA COMO GUARDIÃ
D A
CONSTITUIÇÃO
.
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 83/252
6 6
O
G U A R D I Ã O
D A
C O N S T I T U I Ç Ã O
d o
mesmo fato legal
à
norma constitucional
é a
mesma
d a
subsunção
à lei
ordinária.
A
questão gira apenas
em
(orno
da
pergunta acerca de qual das duas leis contraditórias deve s e
subsumir o fato concreto, m a s apenas o caso concreto, não é a
le i ordinária que é subsumida. C o m isso fica claramente c o m -
provado
q u e
aquelas perguntas
e
dúvidas dizem respeito
ape-
nas ao conteúdo da norma constitucional, m a s nã o à s ub -
sunção
d a l e i
ordinár ia
a u m a
de te rminação
d a
norma
constitucional.
A
pergunta
se o
tipo legal
de uma le i
ordinária
(as
academias teológicas) recai sobre
o
tipo legal
da
norma
constitucional
(as
faculdades teológicas) tange
à
possibilidade
da
subsunção
de um
conceito mais restrito
a u m
mais amplo,
nã o a
subsunção
de um
fato ôntico
a u m a
norma impositiva.
Apenas psicologicamente
se
pode dizer
d e
forma imprecisa
que se subsome (o que , no caso da evidente contradição entre
duas normas, n e m mesmo d e forma psicológica poder-se-ia
dizer). Porém, esse tipo d e subsunção não é , no sentido especí-
fico, o da justiça, m a s apenas o d e todo julgar e opinar huma-
nos em geral. Assim, po r f i m , também é "justiça" e "criação d e
normas" quando alguém
diz que um
cavalo
não é um
asno.
Mesmo
n o
caso
d e
decisão
d e
dúvidas
e
diversidades
de opi -
nião
a
respeito
de
existir
o u n ã o u m a
contradição entre duas
normas,
não se
aplica
uma da s
normas
às
outras,
e, s im -
pelas
dúvidas
e
divergências
d e
opinião
só
dizerem respeito
a o c on -
teúdo d a norma constitucional - na verdade u m conteúdo
normativo duvidoso é colocado fora d e dúvida e fixado de for -
m a autêntica. Isso conduz à remoção da obscuridade sobre o
conteúdo d e norma constitucional e , po r conseguinte, d a defini-
ç ã o de conteúdo legal, logo, d e legislação, a té mesmo d e Cons-
tituição,
ma s nã o de
justiça.
Sempre resulta a mesma e óbvia alternatívá, de que ou
existe
u m a
contradição
manifesta e indubitável
contra deter-
minações
da
norma constitucional,
e m q u e ,
então,
o
tribunal
pune essa infração
a o
comprová-la, formal
e
expressamente,
n o
modo
de uma
justiça penal vindicativa, ou
a
dúvida sobre
o
conteúdo
d e u m a
norma
é tão
justificada
e a
norma
em sua
matéria é tão obscura, q ue também n ã o pode se r falado e m
• PRIMEI RA PARTE - A JUSTIÇA COMO GUARDIÃ D A CONSTITUIÇÃO
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 84/252
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 85/252
6 8
O
G U A R D I Ã O
D A
C O N S T I T U I Ç Ã O
mesmo "decisões
d e u m a s ó
pessoa"
e são
criticadas, talvez,
exageradamente.
10
C o m
isso termina,
e m
todo caso,
a
ingênua
crença
de que o
arrazoamento
d e
tais decisões
n ã o
teria outro
sentido senão
o d e
transformar, doravante,
u m a
inconstituciona-
lidade a té então duvidosa e m u m a inconstitucionalidade óbvia
para todo mundo.
O
sentido
n ã o é u m a
argumentação dominan-
t e , mas justamente u m a decisão p o r meio de eliminação autori-
tária d a dúvida. M a s ainda muito mais forre e mais essencial é o
caráter decisionista d e toda sentença d e u m a instância, cuja f u n -
ç ã o específica seja dirimir dúvidas, inseguranças e divergên-
cias d e opiniões. Aqui, o elemento decisionista não é apenas
u m a
parte
da
decisão
que se
junta
a o
elemento normativo
v i-
sando possibilitar,
n o
geral,
u m a res judicata
,
a
decisão como
tal é,
antes,
o
sentido
e a
finalidade
d a
sentença
e seu
valor
n ão
reside
e m u m a
argumentação dominante,
m a s n a
eliminação
autoritária
da
dúvida surgida exatamente
d a s
muitas possíveis
argumentações contradizendo-se mutuamente. Explicação para
tanto
é u m a
experiência muito antiga
e
infelizmente, apesar
d o s
progressos
d e
nosso pensamento crítico, ainda
n ã o
ultra-
passada d e q u e u m a perspicácia logicista é capaz d e produzir
c o m facilidade cada v ez mais novas dúvidas. Assim também,
cai, a noção q u e freqüentemente aflora nos planos d e seme-
lhante tribunal
ou que ,
pelo menos, atua inconscientemente,
d e
qu e ta l tribunal eliminaria as dúvidas e divergências d e opinião
em su a característica como o melhor perito jurídico, sendo ele,
assim,
u m a
espécie
d e expert
jurídico supremo.
N a
maioria
d a s
vezes,
não se vê em
lais raciocínios
que o
efeito
d o
pare-
cer .se
baseia essencialmente
em seu
valor argumentativo
e
q u e ,
nesse ponto,
o
parecer perfaz
o
pólo oposto perante
a
pura decisão.
U m
juiz
não é um expert e a
junção
d e
atividade
d e
parecerista
co m
atividade judic ial
j á
contém
em si u m a mes -
c la
obscura, pois
a
atividade
d e
parecerista
não é , no
caso,
atividade judicial, não é justiça, e , s im , adminis t ração .Mas se
l ü
A
r espe i to , p .ex . , OGG-RAY. Iniroduction
lo
American
Government, 2 . ed . N e w York 1 9 2 6 , p . 4 2 8 .
11
D a í
fazem parte, outrossim,
o s
pareceres
d o
tribunal
d o
Reich
segundo
o
artigo
4 d a l e i
introdutória
à
norma constitucional
^
PRIMEIRA PARTE
- A
JUSTIÇA COMO GUARDIÃ
D A
CONSTITUIÇÃO
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 86/252
E S T I P U L A Ç Ã O N O R M A T I V A D O C O N T E Ú D O D E U M A N O l i M A .
6 9
tomarmos obrigatório o parecer em seu resultado, e le passa a
se r decisão e não mais parecer.'
2
S e isto j á é válido para todo
juiz, deve
ser
válido, então,
d e
maneira infinitamente intensifica-
d a ,
para
u m a
instância constituída
com o
propósito
de
eliminação
autêntica
e
definitiva
d a s
dúvidas
e
divergências
d e
opinião.
Para
u m a
Constituição
d o
tipo
d a
Constituição
d e
Weimar,
isso
tem
ainda,
po r um
motivo especial,
u m
significado prático
e direto. Toda Constituição é cheia de "ressalvas", mas os au-
judiciária alemã
e o s
pareceres
d o
tribuna anticartel segundo
o
artigo
2 0 d o
decreto
de 2 de
novembro
d e 1 9 2 3
(Diário oficial
do Reich
I , p . 10 67 )
contra abuso
d e
posições econômicas
d e
poder.
A
respeito
d o s
pareceres
d o
tribunal
d e
f inanças
d o
Reich
segundo
o
artigo
4 3 d o
código fiscal
d o
Reich: POPITZ,
J .
Sicuer
und Wirtschaft, VIII (outub ro d e 1928), c o l . 9 8 5 ; HENSEL, A. id.
c o l . 1 1 3 0 ( " u m a prova interessante d a mudança d e função d e
instituições estatais"). U m a relação especialmente notável contém
o
artigo
106 da l e i do
tribunal
d o
trabalho'.
" N a
medida
e m q u e a s
partes contratuais podem fechar
u m
convênio arbitral
e m
litígios
trabalhistas segundo
o
artigo
9 1 .
elas também podem,
s e m
exclusão
d a
jurisdição trabalhista, acordar
q u e
questões
de
fato
que são
consideráveis para a decisão do litígio, devam s e r decididas
p o r meio d e u m parecer arbitral (contrato d e parecer arbitrai). O
acordo
t e m o
efeito
d e q u e a s
questões
d e
fato
a
serem decididas
mediante parecer arbitral estão subtraídas
d o
exame
d a
matéria
e
d a
apresentação
d e
prova
n o
processo t raba lhis ta
e de que a
autoridade do tribunal do trabalho está vinculada ao parecer
arbitral." Sobre
a
tentativa
d e s e
obter,
p o r
meio
d o
parecer,
u m
Estado neutro perito (expert).
12
BERTRAM,
A .
Zeitschrift fiir Zivilprozess,
vo l . 53 , 192 8 , p . 42 8 :
" C o m a interpretação praticamente autêntica p o r meio d a apre-
ciação, o tribunal d o Reich tornar-se-ia de facto u m tribunal para
u m a v incula t iva in te rpre tação d a l e i , tudo q u e é apresentado
c o m
razão contra
o
plano
d e
semelhante tribunal
( c f .
REICHEL.
Gesetz und Richterspruch,
p. 111 e
aquelas
lá
citadas) também
depõe contra
a
realização
de t a l
dever
d e
parecerista
d o
tribunal
d o
Reich.
U m
tribunal
d o
Reich
q u e
retificasse dúvidas
e
lacunas
da l e i procederia a u m a t ransposição d e fronteiras para dentro
d o território d o legislador e , concomitantemente, s e privaria d a
imparcialidade necessária
à
atividade julgadora."
" A
apreciação
n ã o é
componente
d a
atividade judicial,
é
atividade administrativa
e , po r
isso,
t em que (a
saber, devido
a o
artigo
4 da lei
introdutória
d a
norma constitucional judiciária)
s e
restringir
a o q u e
pode
s e r
transferido
para
o s
tribunais,
a
atividades
d a
administração judiciária."
PRIMEIRA PARTE
- A
JUSTIÇA COMO CiUABDIÀ
D A
CONSTITUIÇÃO
» —
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 87/252
7 0
O
G U A R D I Ã O
D A
C O N S T I T U I Ç Ã O
tores dessa Constituição desprezaram, além disso,
a
antiga
experiência de que não se pode escrever p o r demais e m uma
Constituição.
11
O s
políticos partidaristas, contrariamente
aos
primeiros projetos d e Hugo PreuG, muito escreveram, princi-
palmente
n a
segunda parte. Aliás, perante
a
situação
d a
teoria
constitucional daquele tempo, esse e ra um procedimento total-
mente conseqüente
e
incontestável, pois
se a
Constituição
é
equiparada formalmen te à norma constitucional singular e, as-
s im,
é definida igualmente como "nada mais
do que uma le i
dificilmente emendável", cada u m a g e corretamente quando
aproveita
a
oportunidade para tornar dificilmente emendável
tudo o que lhe for importante. Ademais, como j á dito, muitas
vezes
a
segunda parte
da
Constituição (sobre
a
qual recaem,
especialmente, muitas dúvidas e divergências d e opinião) não
contém
na
diversidade
de
suas explicações fundamentais
e d is-
posições particulares d a norma constitucional nenhuma deci-
são
baseada
e m
acordo,
m a s
apenas fórmulas ambíguas,
por
meio d a s quais a decisão deva ser protelada e deva se levar
e m
conta variados pontos
d e
vista, freqüentemente,
a té mes -
m o contraditórios. Para tanto, a regulamentação acordada na
questão eclesiástica
e n a
escolar
nos
fornece exemplos eviden-
tes . Em tais "acordos dilatórios e m fórmulas",'
4
a decisão sobre
"dúvidas e divergências d e opinião" é que primeiramente c o n -
fere, na verdade, e m geral, a real normatização. U m a instância
que , no
verão
de 1927 ,
tivesse decidido
a
respeito
da
constitu-
cionalidade do , então, projeto de lei escolar d o Reich, altamen-
te
controverso,
é que
teria primeiramente dado
a o
artigo
146
.da Constituição d o Reich seu conteúdo e decidido normativa-
mente
a
questão escolar, Quando aqui decide
u m
tribunal,
ele é
manifestado como constituinte em função altamente política.
13
Sobre o s problemas d a s ressalvas: BILFINGER, C . Zeitschr. f .
ausl. õ f f . Recht u. Volkerrecht, I . p . 63 ; para a "jurisdição estatal",
JERUSALEM,
F. W . Die
Staatsgerichtsbarkeit, Tübingen,
1 9 3 0
p .
97-98. Ademais,
c f .
CONSTANT, Benjamin. Réflexions
sur les
Constitutions, Paris
1 8 1 4 , C a p . 9 : " D e l a
nécessi té,
d e n e p as
étendre
l e s
constitutions
à
trop d'objets".
14
Verfassungslehre, p . 31-32; c f . também anteriormente.
'
PRIMEIRA PARTE
- A
JUSTIÇA COMO GUARDIÃ
D A
CONSTITUIÇÃO
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 88/252
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 89/252
7 2
O G U A R D I Ã O D A C O N S T I T U I Ç Ã O
ceíto
da
divergência constitucional
"p o r
meio
d a m e d
íação
d a
idéia da forma constitucional", ou seja, retirar dele seu sentido
e objeto concretos e, depois, qualificar tudo como divergência
constitucional, para a qual se deva constituir u m "tribunal cons-
titucional" como competente.
A
primeira condição
d e
toda jurisdição
ou
justiça constitu-
cional é , antes, um. conceito definido da divergência constitucio-
nal que
tome nitidamente difere riçável essa espécie
d e
contenda,
pelo menos
em seu
princípio material
e em sua
estrutura, dife-
rentemente d e outras contendas, ao tornar visível u m a relação
diretamente objetiva co m a Constituição. Seria muito irrefletido
tomar
o
caminho inverso
e
fazer
c o m q u e
tudo dependa
de que
o tribunal d o Estado ou o constitucional dê a um conceito d e
divergências constitucionais totalmente indefinido
e
ilimitado,
u m
conteúdo
p o r
meio
d e
meros prejulgamentos
e,
dessa forma,
determine
o que
seja
u m a
divergência constitucional. Isso
s ig-
nificaria que o tribunal d o Estado busca suas competências.
Em si , é totalmente possível criar u m órgão q u e desenvolva
suas competências
e
poderes
de tal
forma.
F a z
parte
a t é mes-
m o d o s fenômenos típicos da vida constitucional q u e u m órgão
que se toma consciente de sua influência política amplie cada
v e z
mais
o
âmbito
d e
seus poderes. Assim, apesar
d a
cuidado-
sa
normatização
e
dosagem
d e
seus poderes pela Constituição
d e B ismarck de 1871, o parlamento alemão d o Reich teve, sob
essa Constituição, u m a influência política maior do que se po-
deria
ter a
partir
d o
texto constitucional.
D e
outra forma,
o
significado teóricorconstitucional tanto
d o
conselho
d o
Reich
quanto d o s Estados alemães e m particular, especialmente d a
Prússia, é hoje b em diferente e muito maior d o q u e mesmo u m
sagaz manejo
d a s
sílabas poderia interpretar
a
partir
d o
teor
da
vigente Constituição d o Reich. Talvez também u m tribunal d o
Estado esteja e m condições de se desenvolver para além das
competências
a ele
destinadas rumo
a u m a
autoridade
d e
grande
influência política.
M a s u m a
instância judicial encarregada
d e
decidir hoje
na
Alemanha contendas
da
vigente Constituição
d o Reich encontra-se, sem um conceito d e divergência consti-
tucional razoavelmente delimitável, e m u m a situação singular.
PRIMEIRA PARTE - A JUSTIÇA COMO GUARDIÃ D A CONSTITUIÇÃO
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 90/252
O T R I B U N A L D O ES TA D O P ARA O REICH A L EM Ã O
2 1
Primeiramente devido à j á acentuada particularidade caracte-
rística
d a
vigente Constituição
d o
Reich, cuja organização
fe -
derativa justapõe Reich
e
Estados
e m u m
emaranhado quase
impenetrável d e competências e poderes e cuja segunda parte,
d o artigo 109 até 165, pode se tornar, sob o problemático título
"Direitos
e
deveres fundamentais
d o s
alemães'",
u m
abismo
praticamente insondável
d e
dúvidas,
d e
divergências
d e
opiniões
e — na medida em que é positivado e atualizado - d e direitos
legítimos e , por conseguinte, também d e divergências jurídicas.
Instituir, perante
ta l
Constituição,
u m
tribunal constitucional para
divergências constitucionais
e não lhe
entregar
e m
mãos
u m
conceito
d e
divergências constitucionais,
ou
seja, nenhuma
ou -
tra delimitação de sua competência além d e u m a definição
vocabular totalmente vã, segundo a qual toda divergência acerca
d e u m a
disposição constitucional
é u m a
divergência constitucio-
na l ,
significa,
na
realidade, nada mais
d o q u e
entregar
ao pró-
prio tribunal a decisão sobre su a competência. E m virtude d o
significado objetivo d e divergências constitucionais pode a í re-
sidir,
n a
verdade,
u m a
competência para competência
d a
espé-
cie a
mais admirável
que , no
caso
de um
aproveitamento
con -
seqüente, não se encontra distante daquela competência para
competência, na qual a literatura d e direito público d o pré-guer-
ra , segundo o procedimento d e Haenel e Rosin, avistou muitas
vezes
a té
mesmo
o
critério
d a
soberania.
O
resultado prático para
a
realidade atual será, evidente-
mente, b e m diferente e , mais precisamente, não só porque o
tribunal d o Estado é competente, segundo o artigo 19 da Cons-
tituição, apenas para divergências constitucionais dentro
de um
estado, n ã o para aquelas dentro d o Reich. U m tribunal lotado
c o m
juristas
d e
carreira
e que
permanece consciente
de sua
posição como tribunal, provavelmente não va i em absoluto de -
sejar abandonar a esfera d a justiça real. M a s depois ele se
defrontará
c o m o
dilema simples,
a o
qual sempre
se faz
alusão
nas
presentes exposições,
uma vez que
resulta,
c o m
referên-
cia à Constituição, para toda consideração exata d o s limites d a
justiça,
ou
se trata
claramente
d e infrações
indubitáveis
c o n -
tra a Constituição, ou seja, u m a justiça atuante
post eventum,
PRIMEIRA PARTE - A JUSTIÇA CÜMO GUARDIÃ DA CONSTITUIÇÃO "
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 91/252
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 92/252
O
T R I B U N A L
D O
ESTADO PAPA
O
REICH ALE MÃO
desejar "desmascará-la" psicológica
ou
sociologicamente. Fica,
antes, comprovado
c o m
isso
que é
inútil exigir
da
justiça,
d e
maneira subjetiva, funções q u e ultrapassem a esfera d e u m a
subsunção correspondente a o tipo, ou seja, saiam d o s limites
dados
p o r
meio
d e u m a
vinculação
a
normas determináveis
quanto
a o
conteúdo.
E m s u a decisão datada de 17 de fevereiro de 1930 sobre a
constitucionalidade
da le i
eleitoral prussiana,'
o
tribunal
d o E s -
tado para
o
Reich alemão recusou-se
e m
tratar determinações
d a l e i eleitoral d o estado d a Prússia d e 1920/1924 como
anticonstitucionais,
d a s
quais,
e m
todo caso, devido
a u m a c o n -
cepção difundida
e
representada
p o r
conceituados jurisconsultos
e,
especialmente, também segundo decisões anteriores
d o p r ó -
prio tribunal
d o
Estado, podia
ser , co m
razão, discutível
se
elas
n ã o
infringiriam
o
princípio
d a
igualdade
d a
ele ição estabeleci-
d o n a Constituição d o Reich. Pode aqui ficar fora d e conside-
ração o modo como essas dúvidas teriam que se r corretamen-
te
decididas
n o
caso.
E m
contrapartida,
é d e
suma importância
o fato de que o próprio tribunal d o Estado (visto d e forma exa -
ta) também não a s decidiu n o caso, declarando-se, e m certo
sentido, como não-competente, apesar
d e
decisão publicada,
pois,
n o
cerne
d o s
motivos decisórios dessa importante senten-
ça, se encontra o raciocínio a seguir. O tribunal d o Estado res-
ponde à pergunta se existe u m a infração contra o princípio d a
igualdade eleitoral: "Nesse caso
(ou
seja,
n o
caso
d o
princípio
da igualdade eleitoral) não se trata de um conceito lógico-ma-
temático, ma s de um conceito jurídico ." E diretamente a seguir
ainda acrescenta:
" P o r
isso, igualdade
e
desigualdade
não são
opostos
que se
excluem."
O
confronto antitético entre lógico-
matemático,
p o r u m
lado,
e
jurídico,
p o r
outro,
é
metodicamen-
te de
extrema importância
e
contém
u m a
repulsa muito consi-
derável
d o v ã o
normativismo,
c o m o
qual
se
tentou tomar
sem
fundamento, por u m tempo, o s direitos público e constitucional.
3
Jurisprudência civil do Reich 1 2 8 , anexo p . 1 - 2 ; Ausgewcihlte
Entscheidungen des Staatsgerichtshofs für das Deutsche Reich,
herausgegeben
v o n
Reiehsgerichlsprasidenl
D r .
Bumke, Heft
2 ,
Berlin
1 9 3 0 , e m
especial
p .
15/16.
1'UIMRIRA PARTE - A JUSTIÇA COMO GUARDIÀ D A CONSTITUIÇÃO • —
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 93/252
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 94/252
O T R I B U N A L D O ES T A D O P ARA O REICH A L EM Ã O
2 2
dúvidas
e
inseguranças
a
respeito
de
determinações constitu-
cionais, esse posicionamento
d o
tribunal
d o
Estado para
o
Reich
alemão é d e significado fundamenta l para o problema d o tribu-
nal do
Estado
e m
geral.
E le só
quer
se
opor
a
violações cons-
titucionais claras,
o u
seja,
n ã o
discutíveis.
E le
deixa valer
todas as decisões d o legislador, n a s quais, como consta e m
mais adiante,
"e le não se
deixou conduzir, todo caso,
p o r p o n -
derações subjetivas". A s palavras "claramente" e " c o m certe-
z a " , e m
vista
d e
nosso ponto
d e
partida
-
eliminação
d e
inse-
guranças e dúvidas - t êm que se sobressair d e forma b e m
especial. A especificidade decisionista d a resolução d e dúvidas
e
inseguranças,
q u e
ultrapassa
o s
limites objetivos
d a
justiça,
distingue-se aqui
d e
forma
tão
clara quanto
a
aversão
d o
tribu-
nal do
Estado
em se ver
empurrado para dentro
d o
papel
d e
u m a decisão dessa espécie. S e o tribunal d o Estado obsta t ão -
somente a violações constitucionais claras, indubitáveis e pas-
síveis
d e
serem certificadas
c o m
segurança,
e le
passa
a ser,
então, o contrário d e u m a instância convocada para a decisão
d e
dúvidas
e
incertezas. Dessa maneira,
é
ainda mais saliente
e até mesmo perturbador o fato de que um tribunal d o Estado
q u e s e
restringe
c o m
extrema cautela apenas
a o
controle geral
d e
leis claramente anticonstitucionais, acrescente ainda, além
disso, a essa restrição a s palavras "se é que pode". Não se
pode saber,
s e m
mais,
se
isso
tem que ser
entendido como
u m a
outra restrição ou como u m a ressalva d e características dife-
rentes
e se
também deve expressar ainda
u m a
discrição
p e -
rante claras violações constitucionais. Provavelmente, seria
o
caso aqui d e u m a limitação d e alcance mais abrangente.
A
primeira condição
d e u m a
"justiça constitucional"
p e r -
manece sendo u m nítido conceito d e divergência constitucio-
nal.
Ele, por sua vez, só
pode
s e r
definido
e m u m a
estreita
relação c o m u m claramente reconhecido conceito de Consti-
tuição. U m a expansão d a s "divergências constitucionais", d o -
minada apenas pelas mais próximas considerações
d e
conve-
niência e sentimento, e uma admissão irrefletida d e partes iria,
inversamente, afetar
e
transformar também
a
essência
da pró-
pria Constituição
e
poderia acarretar conseqüências inespera-
PR1MEIKA PARTE
- A
JUSTIÇA COMO GUARDIÃ
D A
CONSTITUIÇÃO
.
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 95/252
das , nas quais a falta de consciência teórico-constitucional p r o -
duzirá, então, efeitos nocivos. O s conceitos d e "divergência
constitucional", "jurisdição constitucional" e "Constituição"
estão objetivamente tão estreitamente ligados q u e n ã o apenas
u m a mudança d o conceito d e Constituição mudará o conceito
d e
divergência constitucional,
m a s
também, inversamente,
u m a
nova prática d e processos constitucionais e d e jurisdição cons-
titucional poderá transformar
a
essência
d a
Constituição.
U m tipo teórica e praticamente definível d e divergências
constitucionais e , po r conseguinte, também u m tribunal consti-
tucional d e características especiais para s u a decisão resultará
quando a Constituição fo r um contrato (ou seja, u m a situa-
ç ã o
jurídica
bi ou
plurilateral
e n ã o u m a
decisão
ou le i
política
unilateral)
o u
quando
e la for
concebida, pelo menos, como
c o n -
trato. Isso porque
é a
partir
da
essência
d o
contrato
q u e
pode
se r respondida a pergunta central sobre o que é um a divergên-
c ia constitucional e quem pode se r pane d e u m a divergência
constitucional. Essa questão situada n o início d e toda discus-
sã o
sobre
o
tribunal
d o
Estado
n ã o
pode
se r
deixada
a
cargo
d o
próprio tribunal
ao se
esperar como
ele vai
desenvolver,
e m
sua
prática
e
segundo
seu
julgamento,
o
conceito
da
divergên-
c ia
constitucional
e a
admissão
d e
partes. Caso contrário,
o
guardião teria
se
transformado
e m
senhor
da
Constituição.
S e
u m tribunal d o Estado deve decidir judicialmente acerca d e
divergências constitucionais, te m antes q ue estar claro o que
s ã o divergências constitucionais e tal questão n ã o pode ser
satisfeita
p o r
meio
d e
respostas "formais".
M as se a
Constitui-
ç ã o , de
acordo
c om s ua
essência,
é
contrato
ou
acordo, resulta
d a í u m
conceito útil
e
plausível
de
divergência constitucional,
pois
d a
mesma forma como contendas resultantes
de um c on-
trato
s ã o
aquelas contendas
q u e
surgem entre
a s
partes
d o
contrato sobre o conteúdo d o contrato (divergências e m maté-
r ia de locação, p . ex . divergências entre locatário e locador so-
bre o conteúdo d o contrato d e locação), divergências constitu-
cionais seriam aquelas entre as partes d o contrato ou acordo
constitucional sobre o conteúdo d e suas estipulações. Diferen-
' PRIM EIRA PARTE - A JUSTIÇA COMO GUARDIÃ D A C O N S T I T U I Ç Ã O
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 96/252
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 97/252
, 0
O G U A R D I Ã O D A C O N S T I T U I Ç Ã O
4 .2 O
Tribunal
d o
Estado como instituição
especificamente federativa
A
Constituição
é u m
contrato
e m u m a
autêntica federação
(confederação
d e
Estados
ou
Estado federativo), como Cons-
tituição federal d o s Estados reunidos n a federação p o r inter-
médio d o convênio federal. E m u m a organização política desse
tipo instaura-se, freqüentemente,
u m a
instância para dirimir
divergências entre
os
membros
d a
federação
e ,
mais aJém, para
decidir divergências dentro d e u m estado singular, apta a colocar
e m risco a paz e a segurança o u a homogeneidade dentro da
federação.' Nesse aspecto, está pressuposto
q u e n a
base
d a
Constituição federal encontra-se
u m
contrato, sobre cuja inter-
pretação e aplicação podem surgir, entre as partes contratuais,
divergências que t êm que ser apaziguadas. Se no decorrer d o
desenvolvimento deixar
d e
existir
a
base contratual
e a
organi-
zação federal repousar apenas n a decisão política d e u m d e -
tentor uniforme d o poder legislativo constitucional, como é o
caso para
a
organização federal
d o
Reich alemão após
a
Cons-
tituição
d e
Weimar, pode-se, juntamente
c o m
outras institui-
ções federais, assumir ou criar também u m tribunal d o Estado
federal
d e
características especiais, enquanto existir constitu-
cionalmente
u m a
organização federal.
O
artigo
19 da
Constituição
d o
Reich está totalmente liga-
d o , sistematicamente, à organização federal d o Reich alemão
n a
seção
"o
Reich
e os
Estados". Fala
d e
divergências
d e
direito
7
Verfassungslehre, p . 1L3-1Í4. C o m isso n ã o deve, p o r exemplo,
s e r af i rmada como possível o u correta u m a ilimitada estrutura
jud i c i a l pa ra t odas a s r e l a ç õ e s f e d e r a i s ; a respe i to , mui to
acer tadamente B1LFINGER,
C . Der
Einflufi
der
Einzelstaaten
auf die
Bildung
de s
Reichswillens,
Tübingen, 1 9 2 3 , p . 9 - 1 0 , e
também a concepção d e A . Haenel, vide nota anterior. Trata-se,
aqui , apenas
d a
relação geral entre contrato cons t i tuc ional
e
su j e i ção
à
ação
d a
just iça.
T ã o
pouco quanto qualquer outra
Const i tuição pode s e r dissolvida a Consti tuição federal e m u m
sistema d e direitos e obrigações singulares (SM END , R . Verfassung
un d
Verfassungsrecht,
p . 172 ) ,
—• PRIMEIR A PARTE - A JUSTIÇA COMO GUARDIA D A CONSTHUIÇAO
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 98/252
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 99/252
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 100/252
O T R J B U N A L D O ESTADO PARA O REICH ALE MÃO
8 3
parte
d a
Constituição estadual,
e , s im,
autonomamente.
A or-
ganização de um estado não é moldada d e maneira a se ba-
sear, primeiro,
n a
Constituição estadual
e ,
segundo,
na
Consti-
tuição d o Reich delimitada territorialmente e acolhida pela
Constituição estadual.
A
Constituição estadual atinge apenas
o
resto do se r estatal q u e ainda compete à o s Estados, apenas
nesses moldes
são
possíveis divergências constitucionais
den-
t ro de um estado e só a isso se refere também o estabeleci-
mento
de um
tribunal
d o
Estado
de um
estado
d a
federação,
cuja competência pelo artigo 19 da Constituição d o Reich tem
primazia sobre
a
competência
de um
tribunal
d o
Reich. Segundo
o desenvolvimento histórico-constitucional da fórmula "diver-
gências constitucionais dentro
de um
estado",
11
divergências
a
partir da Constituição d o Reich não são divergências dentro d e
u m
estado. Nesse fato, nada deveria
se r
mudado pelo artigo
19, como nitidamente resulta d a s declarações d o representan-
te do
ministério
d a
justiça
d o
Reich, conselheiro Zweigert,
12
na
assessoria d a Constituição d e Weimar, e o teor d o artigo não
d iz , por
exemplo, "indubitavelmente" (como consta
na
decisão
de 13 de abril de 1927 , Jurisprudência civil do Reich 120,
anexo,
p. 21) o
contrário. Muito mais
tem
razão
R .
Thoma
quando d i z q u e " o teor d o artigo denota, antes, a negação da
questão"
se um
litígio sobre
a
Constituição
d o
Reich também
pode se r visto o u n ã o como divergência constitucional dentro
d e u m
estado.
13
O s
materiais também denotam
a
negação.
14
A
condição feita pelo artigo 19 (divergências constitucionais den-
t ro de um
estado,
" n o
qual
n ã o
haja nenhum tribunal para
sua
u
C f . a
respeito Verfassungslehre,
p . 11 4.
12
Protocolo, p . 4 1 1 (contra a concepção d e Kahl q u e queria qualificar
todo litígio tendo como objeto a Constituição como divergência
constitucional); além disso, a declaração d e Hugo PreuB de 2 de
abril d e 1 9 1 9 , n a s atas manuscritas d a s reuniões d a comissão
constitucional,
vol . I , n . 6,
atas anexas
3 .
Die Staatsgerichtsbarkeit im Deutschen Reich, Reichsgerichts-
festschrift I , 19 29 , p . 181 . Todavia, logo a seguir d i z T h o m a q u e
o teor admitiria, porém, a afirmação d a questão.
u
Assim,
c o m
razão, THOMA,
R. Id . , p . 181.
PRIMEIRA PARTE
- A
JUSTIÇA COMO GUARDIÃ
D A
CONSTII UIÇÀO
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 101/252
8 4
O G U A R D I Ã O D A C O N S T I T U I Ç Ã O
resolução") confirma esse ponto
d e
vista.
O
artigo
19 não ob-
jetiva transferir, para decisão, divergências constitucionais a
partir d a Constituição do Reich a u m tribunal d o estado da
federação
e
transformar
o s
tribunais
d o s
Estados
e m
instânci-
a s
para
u m
direi to const i tucional
d o
Reich delimitado
territorialmente.
E le
serve apenas
a o
interesse
d o
Reich, como
o todo da organização federal, e m dirimir conflitos políticos que
surgem
a
partir
d a
Constituição estadual dentro
d e u m
estado.
Todavia, o tribunal d o Estado para o Reich alemão deu à
sua competência ainda u m a dimensão maior, tratando diver-
gências "radicadas
na
Constituição
d o
Reich", "desde
q u e u m a
prescrição da Constituição d o Reich esteja e m discussão a o
complementar a Constituição estadual ou outras normas de d i -
reito constitucional estadual", como divergências constitucio-
nais dentro
d e u m
estado.
15
A
partir disso,
a
restrição "dentro
de um estado" torna-se ou u m a limitação meramente territorial
15
Decisão de 12 de ju lho d e 1 9 2 1 (Jurisprudência civil do Reich
102 , p . 415 e
Arquivo
d e
direito público
4 2 , p . 7 9 ;
L A M M E R S -
S I M O N
I , p . 357) ;
decisão provisória
de 15 de
outubro
d e 1 9 2 7
(Jurisprudência civil
do
Reich
1 1 8 , anexo, p. 4 e L A M M E R S -
S I M O N I , p . 2 9 2 ) ; três decisões d e 1 7 d e d e z e m b r o d e 1 9 2 7
( L A M M E R S - S I M O N I , p . 3 3 0 , 341 /342 e 398/399); decisão
provisória de 12 de maio d e 1 9 2 8 (Ju ris pru dên cia civil do Reich
1 2 0 ,
anexo,
p . 1 9 ;
L A M M E R S - S I M O N
I , p . 3 5 2 ) ;
f inalmente,
confirmando expressamente
a
prática exercida
a t é
então, decisão
d e 2 4 d e j u n h o d e 1 9 3 0 ,
Jurisprudência civil
do
Reich
1 2 9 ,
anexo, p . 1/2; aí também na p . 6 a formulação ci tada n o texto
acima; igualmente, POETZSCH-HEFFTER. Handkommentar, 3 ,
A u f l a g e , p . 1 5 7 ( c o m r e m i s s ã o a o s a r t igos 17 , 37 e 38 da
C o n s t i t u i ç ã o
d o
R e i c h ,
o q u e , a m e u v e r , n ã o é
dec i s ivo) ;
L A M M E R S ,
H . H .
Hebdomadário Jurídico
1 9 2 8 , p .
3255, nota,
seguindo pré-decisões a té então d o tribunal d o Estado, j á consi-
dera " s e m dúvida" q u e divergências a partir d a Consti tuição d o
Reich pertençam
à s
divergências consti tucionais dentro
d e u m
estado.
E m
posição contrária,
m e
parece
s e r
correto
o
argumento
d e LEIBHOLZ, G.
Gleichheit vordem Gesetz,
p . 126 , nota, segundo
o q u a l , n o a r t igo 1 9 , d e v e - s e e n t e n d e r p o r d i v e r g ê n c i a
cons t i tuc ional " u m a discussão acerca d o emprego, manuse io
o u
interpretação
d e u m a l e i
fundamental
d e u m
estado individual".
"Isso resulta certamente d a competência apenas subsidiária d o
PRIMEIRA VAKrE - A JUSTIÇA COMO CUARDIÀ D A CONSTITUIÇÃO
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 102/252
ou
dependente
d o
fato
d e q u e
ambas
as
partes,
ou
pelo menos
a
parte acusada, sejam instâncias
ou
organizações estaduais.
Assim, será tratado como divergência constitucional dentro
de
u m
estado
o
caso
d e
sociedades religiosas quando,
c o m
base
e m títulos históricos, fizerem reivindicações contra o estado
remetendo a determinações d a Constituição d o Reich, teria que
ser considerado - pressupondo-se u m a capacidade em se r parte
judicialmente - como divergência constitucional dentro de um
estado quando u m a organização d e funcionários públicos vis-
lumbra na lei de remuneração de um estado u m a infração c o n -
tra o artigo 129 da Constituição d o Reich, quando comunida-
d e s ,
igrejas, minorias dissidentes, câmaras
d e
comércio, câmaras
d e
artesãos, câmaras
d e
advogados
e
médicos, sindicatos,
as-
sociações
d e
interesses
d o s
mais variados tipos, universidades,
a té
mesmo, talvez, faculdades teológicas possam fazer valer
para si qualquer u m a d a s intermináveis normas d a segunda
parte d a Constituição d e Weimar. A expressão "divergências
constitucionais dentro d e u m estado" fica, assim, desligada da
relação rigorosamente federal. O limite aqui não é mais visível.
M a s também para as divergências entre o Reich e os Es-
tados resultam muitos pontos obscuros, quando todas
as "di-
vergências
d e
direito não-privado" entre
o
Reich
e u m
estado
puderem
se r
apresentadas,
se m
mais, diante
d o
tribunal
d o
Estado para
o
Reich alemão
e ,
além disso, quando
o
conceito
tribunal d o Estado, pois, senão, haveria a possibilidade para o s
Estados
q u e
instituíram
u m
tribunal para dirimir tais divergências,
d e
contornar
a
assim fundamentada competência
d o
tribunal
d o
Reich o u d o tribunal d o Estado e substituí-la pela decisão d o
t r ibunal
d o
es tado
d a
federação". Além disso, corretamente:
HUBER, E . R . Arquivo de direito público X I X (1930), p . 456 , na
discussão d o livro d e KUHN, Fr. Formen des verfassungsgerichtlíchen
Rechtsschutzes
im
deutschen Reichs-
und
Landesstaatsrecht,
Leipzig, 1 9 2 9 . ANSC HÜT Z . Kommentar, 3 . Bearbeitung, p . 154
(n. 2
sobre
o
artigo
1 9 )
abandonou
s u a
atual concepção
e
assumiu
a
concepção
d o
tribunal
d o
Estado; G1ESE- Kommentar,
8 .
Aufl.,
p . 82 ,
acentua
o
caráter
d e
exceção
d a s
divergências constitucionais
dentro
d e u m
estado, resultantes
d a
Const i tuição
d o
Reich.
PRIMEIRA PARTE - A JUSTIÇA COMO GUARDIÃ D A CONSTITUIÇÃO •
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 103/252
d e
divergência
f o r
concebido
d e
forma
tão
ampla
que, por fim,
toda divergência d e opinião entre o Reich e u m estado nele
recaia. Então,
a
autoridade competente
d o
Reich pode
s im-
plesmente fazer
d o
tribunal
d o
Estado
a
mais alta instância
con-
troladora d o Reich e , inversamente, prevenir o estado, p o r meio
d e u m a queixa junto ao tribunal d o Estado, contra o curso nor -
ma l d o controle pelo Reich, e m q u e divergências entre o Reich
e u m estado podem ser, concomitantemente, divergências cons-
titucionais dentro
de um
estado
e
vice-versa,
e tc . As
possi-
bilidades, instâncias e vias constitucionais introduzidas pela
Constituição d o Reich para a relação entre Reich e Estados, a
saber, execução pelo Reich segundo
o
artigo
48, § I
o
, d a
Consti-
tuição d o Reich, decisão sobre a conformidade jurídica a o direito
d o Reich de uma l e i estadual segundo o artigo 13, § 2
o
, e a
instituição jurídica
d o
controle pelo Reich segundo
o
artigo
15,
16
l f i
A
concepção fundamental
d a
relação
d o
artigo
1 5 c o m o
artigo
19 da Constituição d o Reich f o i proferida pelo tribunal d o Estado
n a decisão de 9 de dezembro d e 1 9 2 9 (Jurisprudência civil do
Reich
1 2 7 . anexo, p . 125 , L A M M E R S - S I M O N I I , p . 2 5 ) : " U ma
divergência
d a
espéc ie
d e
direi to não-pr ivado
q u e
recai
so b o
artigo
19
é também,
p o r
conseguinte ,
u m a
divergência entre
o
Reich e u m estado sobre a execução d e u ma l e i d o Reich pelo
estado infr inge o sent ido d a l e i d o Reich a s e r executada , o u
seja, s e a execução, pela s u a fornia, é imperfei ta ." D a expressa
regulamentação
d o
ar t igo
15, § 3
o
, " n ã o s e
pode concluir
q u e
naqueles casos ,
n o s
qua i s
a
d ive rgênc i a
d e
opinião sobre
a
forma d a execução d e u ma l e i d o Reich ainda n ã o encontrou sua
especial manifestação p o r meio d e u m a reclamação formal, essa
d i v e r g ê n c i a d e t ipo d e d i r e i t o n ã o - p r i v a d o n ã o p o s s a s e r
apresentada diante
d o
tribunal
d o
Estado. Nesses últimos casos,
ocorre, antes, complementarmente,
a
intervenção
d o
ar t igo
19.
E le
es tabe lece
u m
pr incípio geral" .
À
guisa
d e
crí t ica,
cf . as
expos ições d e V O N J A N .
Diário administrativo
da
Baviera,
1 9 3 0 , p . 68/69, a meu ver , mu ito pertinentes. N o litígio concernen te
à s rezas n a s escolas d a Turíngia (decisão de 11 de ju lho de 1930 ,
Jurisprudência civil
do
Reich
1 2 9 ,
anexo,
p . 18) , o
tr ibunal
d o
Estado declarou
" n o
caso presente como
n ã o
necess i tando
d e
exame"
a
questão
se ,
conforme
o
artigo
15, § 3°, da
Constituição
d o
Reich,
a
convocação
d o
tribunal
d o
Estado deve
s e r
precedida
pela chamada reclamação, primeiramente porque ta l repreensão
teria ocorrido e , segundo, porque, e m todo caso, existiria u m a
-«
PRIMEIR A PARTE
- A
JUSTIÇA COMO GUARDIÃ
D A
CONSTITUIÇÃO
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 104/252
O T R I B U N A L D O ES TA DO PARA O REIC H AL EMÃ O
J £ 2
tornar-se-iam ainda mais complicadas
do que já são .
Poder-
se-ia tentar escapar desse resultado a o acentuar o caráter sub -
sidiário d a competência segundo o artigo 19 da Constituição d o
Reich. Contudo, a prática, a té então, d o tribunal d o Estado não
restringiu a própria competência sob esse ponto d e vista. O
governo d o Reich parece também utilizar-se, ocasionalmente,
d o
tribunal
do
Estado para escapar
de um
posicionamento polí-
tico próprio." Além disso,
p or
princípio,
nã o é
possível apresentar
a
decisão
po r um
tribunal
d o
Estado como complementação
alternativa geral (juntando-se
a
possibilidades decisórias
de di -
reito civil, penal, administrativo, financeiro
e a
outras). Pode-se
tornar
u m
tribunal competente subsidiariamente,
m as não t o r -
na r o conceito material d e divergência constitucional u m c o n -
ceito "subsidiário".
A
existência
ou não de um a
divergência
d e
divergência d e direito não-privado segundo o artigo 19 , do que
resultaria,
" s e m
mais",
a
competência
d o
tribunal
d o
Estado para
o Reich alemão. O argumento apresentado pelo Reich d e q u e a
Turíngia teria reconhecido
a
competência
d o
tribunal
d o
Estado
(p . 14)
não
é aceito, admiravelmente, pelo tribunal d o Estado.
17
Mu i t o c a r a c t e r í s t i c a
a
o b s e r v a ç ã o
d e
L A M M E R S ,
H . H .
Hebdomadário Jurídico
, 1 9 2 8 , p . 3255, nota: " O fato d e o governo
d o Reich n ão se t e r colocado abertamente d o lado d a igreja e ,
c o m
isso,
t e r
causado
u m a
'divergência
d e
opinião'
n o
sentido
d o artigo 15, § 3
o
, d a Constituição d o Reich o u u m a 'divergência '
n o
sentido
d o
artigo
19 da
Const i tuição
d o
Reich, residiu, pelo
visto, n a d i f i cu ldade d a a p r e c i a ç ã o d a s questões s i tuadas n a
esfera d o direito estadual, para a s quais faltaram ao governo d o
Reich
o s
e l ementos , como t ambém
e m
p o n d e r a ç õ e s
d e
tipo
político. Parece compreensível q u e o Reich valorize o fa to d e
q u e u m a
divergência
d e
direito público,
a
qual,
n o s
moldes
d o
ar t igo 19 da Const i tu ição d o Reich, pôde s e r resolvida tanto
como 'divergência d e direito não-privado entre Reich e estado'
quanto como 'divergência constitucional dentro
d e u m
estado'
diante d o tribunal d o Estado, tenha encontrado s u a resolução,
d e
acordo
c o m a
possibi l idade, desta úl t ima forma. Destarte ,
parece se r o melhor para o governo d o Reich deixar a própria
igreja dir imir a contenda diante d o t r ibunal d o Estado, ainda
mais
q u e a
igreja lutou pelos direitos
a e la
competidos
e
estava
e m m e l h o r e s c o n d i ç õ e s d o q u e o g o v e r n o d o Reich para
representar a si tuação d a matéria e d o caso radicada n o direito
estadual d a Saxônia."
PRJMEIRA PARTE - A JUSTIÇA COMO GUARDIÃ D A CONSTITUIÇÃO i
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 105/252
direito
de
estado
d a
federação
n ão
pode
se r
dependente
n e m
d o
fato
d e q u e
outras instâncias não tratem
d a
matéria,
n e m
pode se juntar complementarmente a qualquer divergência d e
opinião. Tampouco quanto
o
próprio conceito
d e
Constituição,
pode se r definido o conceito d e tais matérias litigiosas, seja
subsidiária, seja complementarmente.
A
atividade
d o
tribunal
d o
Estado
tem
sempre
q u e
deixar visível
u m a
relação direta
e
específica c o m a própria Constituição.
4 .3
Jurisdição estatal
e
constitucional como
expressão
d a
tendência
e m
transformar
a
Constituição
e m u m
contrato (acordo)
constitucional
Além da possibilidade d e direito d e estado d a federação
e m
considerar
a
Constituição como contrato, existe ainda
u m a
outra possibilidade
de
característica muito diferente
e m
tratar
a Constituição como contrato e . co m isso, como base e m u m a
jurisdição estatal
ou
constitucional. Isso porque
se o
Estado
n ã o f o r concebido como u m a unidade realizada e fechada e m
si mesma (seja p o r meio d o poder d e u m monarca ou de um
grupo dominante, seja
po r
intermédio
d e
homogeneidade
d o
povo
em si uniforme), e le se fundamenta, assim, dualisticamente
ou até
mesmo
pluralisticamente n o contrato e n o acordo d e
várias partes.
O
tipo
e a
forma
de sua
existência política
e s -
t ão , então, determinados p o r contiatos e acordos.
18
Assim, o
18
A
diferenciação entre contrato
e
acordo pode
s e r
desconsiderada
aqui,
m a s
tem-se
q u e , a o
menos, mencionar
q u e é u m
sintoma
chamativo,
s e n ão
inquietante, quando, hoje,
n a
Alemanha, essa
diferenciação desenvolvida
p o r
Binding
e
Triepel para relações
internacionais (direito internacional e direi to federal) e , ainda
recentemente, qualificada
d e
"incontestável"
p o r
KOROVIN-
Das
Volkerrecht
der
Übergangszeit, Berlin-Grunewald,
192 9 , p . 25 ,
se j a t r ans fe r ida para r e l ações e acordos in ternos , p .ex . ,
L I E R M A N N , H . Über die rechtliche Natur der Vereinbarungen
polizischer Paríeien untereinander,
A õ R , N . F . X I
(1926),
p .
PRIMEIRA PA RT F - A JUSTIÇA COMO GUARDIÃ D A CONSTITUIÇÃO
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 106/252
O T R I B U N A L D O ESTADO PARA O R E I C H A L E M Ã O
estamento medieval baseava-se
e m
contratos
d o s
mais varia-
d o s
tipos,
e m
acordos, ajustes, capitulações, conciliações,
ne-
gociações, estatutos, entendimentos, e m resumo, e m u m siste-
m a d e contratos mútuos c o m direitos adquiridos contratualmente
e com as típicas ressalvas existenciais, e m caso d e necessi-
dade, d o direito d e resistência, q u e agora, subitamente, fazem
parte desse tipo d e contratos. Correspondia igualmente a um a
concepção
d o
século
X I X
alemão, amplamente difundida
e to-
talmente dominante p o r décadas, o fato d e considerar a Cons-
tituição como
u m
contrato, mais precisamente
u m
contrato
es-
crito, cujos parceiros eram príncipe
e
povo,
rei e
câmaras,
governo e representação popular. Disso resultou, como u m a
conclusão especialmente prática aqui, u m conceito inequívoco
d e divergências constitucionais, ta l qual se manteve incon-
troverso, e m substância, como conceito transmitido historica-
mente
a té o ano de 1919 na
Alemanha, onde divergências
constitucionais foram apenas divergências entre governo e
parlamento sobre seus direitos recíprocos
a
partir
d o
pacto
constitucional.
U m a
outra conseqüência politicamente deveras
importante reside n o fato d e q u e mesmo a
emenda constitucio-
nal
, por conseguinte, t em que s e r concebida como u m contrato
entre o s contratantes d o pacto constitucional. Para a relação
q u e aqui interessa é importante, principalmente, q u e divergên-
cias
d e
opinião, diferenças
e
contendas sobre
o
conteúdo
da
Constituição escrita sejam resolvidas p o r meio d e mútuo en-
tendimento.
Assim surgiu na Baviera o famoso entendimento
constitucional
de 1843 , o
qual, embora
n ã o
valesse como
interpretação constitucional autêntica, apenas como "meio inter-
pretativo", sob a reserva d o s pontos d e discórdia não-ajusta-
d o s ,
serviu
a o
exercício
d o
direito
d e
deferimento
d o
orçamen-
4 1 1 ; c o m respeito a o "acordo" n a bibliografia d o direito d o trabal ho
sobre a doutrina d o contrato coletivo d e trabalho, c f . E . JACOBI,
E .
Grundlehren des Arbeitsrechis, Leipz ig ,
1 9 2 7 , p .
260/261;
ademais , HUECK-NIPPERDEY. Lehrbuch des Arbeitsrechts
II,
1 9 3 0 , p . 1 1 6 , onde a diferenciação é apresentada como s e m valor
para o direito d o trabalho e a bibliografia a í mencionada.
PRIMEIRA PARTE - A IUSTIÇA COMO GUARDIA D A CONSTITUIÇÃO "
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 107/252
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 108/252
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 109/252
2 2
O G U A R D I Ã O D A C O N S T I T U I Ç Ã O
m a m , c o m
seus métodos
de
negociação,
o
próprio Estado
e m
u m construto pluralista. N a bibliografia teórica, já se procla-
m o u , c o m
grande despreocupação
c o m a
teoria constitucional,
a tese de que o Estado parlamentarista e m geral seria, pela sua
essência, u m acordo.
21
C o m isso se d iz abertamente, mesmo
talvez s em a consciência d e todas as conseqüências d e direito
constitucional, que o Estado atual é , juntamente co m su a Cons-
tituição, o objeto de acordo das grandezas sociais participantes
d o
contrato acordado.
Mesmo
a
própria Constituição
de
Weimar
é
freqüen temente
concebida
e
definida como acordo, mais precisamente,
em seu
todo, n o qual nela se concebe u ma "p az d e classes" ou uma
"pa2 de
religiões", talvez também apenas
u m
simples "armis-
tício" entre a classe operária e a burguesia alemãs, católicos e
protestantes, cristãos e ateístas, etc.,
22
quanto também para
importantes trechos e disposições e m particular, p . ex . igreja e
escola, onde
a
designação
d e
"acordo escolar"
é ,
especialmente.
21
KELSEN,
H .
AUgemeine Staatslehre, Berlin,
1 9 2 5 , p . 3 2 4 ( co m a
confusão t ipicamente l iberal entce l iberal ismo e democrac ia) ;
Wesen und Wert der Demokratie, 2 . Aufl . , Tübingen, 1929 , p . 57 ;
especialmente característ ico também n o relato sobre essência e
desenvolvimento d a jurisdição estatal, publicação d a associação
d o s
professores alemães
d e
direito público, caderno
5 , p . 81, no
qual
s e
c o n c i l i a
o
c a r á t e r
d e
a c o r d o
d o
m o d e r n o E s t a d o
democrát ico c o m a jurisdição consti tucional n o Estado federa).
Nesse aspecto, todo o relato par te d o pr inc íp io d e q u e Cons -
tituição seria igual
a
norma constitucional, norma constitucional
igual
a
norma.
O
ambíguo conceito
d e
norma apresenta-se, aqui,
novamente como veículo d a s modif icações concei tuais , como
tudo q u e s e puder imaginar é vá l ido como norma, mesmo a
fundamenta] diversidade d o concei to d e Const i tuição, s i tuada
teór ica e p r a t i camente n o cent ro d e toda discussão teór ico-
constitucional
— a
Constituição
é u m a
decisão política
d a
unidade
d o
povo, homogênea
em s i ? É u ma l e i ( d e
qual legislador)?
É u m
cont ra to
o u
acordo (entre quais par tes contratuais)?
—
po de
desaparecer rapidamente e tudo, decisão, lei e contrato, pode
s e r englobado n a palavra "norma".
2 2
A
respeito, SCHMITT, Carl; PREUB, Hugo. Sein Staatsbegriff
un d
seine Stellung
in der
deutschen Staatslehre, Tübi ngen (Recht
undStaat, Heft
72) 1930 , p .
31-32.
PRIMEIRA PARTE - A JUSTIÇA COMO GUARDIÃ D A CONSTITUIÇÃO
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 110/252
O
T R I B U N A L
D O
ESTADO PARA
O
REICH AL EM ÃO
3 1
sempre corrente
e
não-insigniflcante.
E m
todos esses casos
d e
fragmentação pluralista d a unidade estatal e constitucional, as
partes portadoras d o pluralismo reivindicam a própria Consti-
tuição, i.e., o poder estatal e seu exercício. A constituição se
toma s u a Constituição, pois foram eles que a contraíram. F a -
z e m
valer
direitos ao poder público em s i ,
porque podem
recorrer
a o
fato
de que são os
titulares
d o
acordo,
i.e., os
contraentes, p o r meio d o qual se realiza tanto a Constituição
quanto toda outra volição estatal. Suas diferenças tornam-se
cada v e z mais semelhantes às divergências internacionais e ,
p o r isso, s ão resolvidas, primeiramente, p o r meio d e negocia-
ções mútuas, conciliação
e , por f im,
desde
q u e
haja submissão
voluntária e u m a divergência arbitral ou sujeita à ação d a justi-
ça , também p o r meio d e decisão judicial. Falta na atual teoria
d o Estado e d e Constituição alemã a consciência sistemática
dessa situação. Ademais, os interessados nesse pluralismo não
têm, por v ia de
regra,
a
pretensão
d e
deixar
su a
prática
ser
analisada
s o b u m
esclarecimento sistemático.
N e m t ê m u m
interesse
e m
levar
a
cabo
as
conclusões práticas, pois procu-
r a m escapar, quando possível, d o risco político, j á tendo em
consideração seus partidários e eleitores. Dessa forma, reúne-
s e muita coisa a o encobrir a realidade c o m a ajuda de um dito
formalismo
e
mantê-la, mediante
u m a
turva antítese entre
o
"jurídico"
e o
"político", servente
a
todos
o s
subterfúgios
e
volatilizações, numa confusa situação.
E m algumas divergências jurídicas que se passam hoje
perante
o
tribunal
d o
Estado para
o
Reich alemão, pode-se
reconhecer facilmente
que as
verdadeiras partes
d o
litígio
são
tais construtos sociais d e poder o u suas coalizões partidárias,
d e modo q u e o processo s ó reflete a estrutura pluralista d o
Estado. Mesmo e m divergências entre o Reich e u m estado,
n a realidade, freqüentemente, apenas u m a d as coalizões políti-
co-partidárias processa
o
partido hostil.
O
fato, aqui,
de se
chegar
a acordos e d e
tais acordos serem concluídos
c o m a
maior
naturalidade
é a
melhor prova
de que os
partidos políticos,
sob
o
reconhecimento geral, tratam
o
objeto
d o
litígio constitucional
como algo suscetível a seu entendimento e acordo, destarte
PRIMEIRA PARTE
- A
JUSTIÇA COMO GUARDIA
DA
CONSTITUIÇÃO
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 111/252
também
a sua
disposição. Assim,
na
contenda recentemente
decidida (dezembro de 1930) entre o Reich e a Turíngia por
causa
d o
bloqueio
d o s
subsídios
a o s
policiais,
f o i
fechado
u m
acordo desse tipo." Todavia, pode-se, nesse caso, justificar a
disposição sobre
o
objeto
d a
lide
ao se
dizer
que se
trataria,
e m
primeiro lugar,
d e u m a
relação
federal
entre
o
Reich
e um
estado,
d a
qual
não se
pode eliminar
po r
completo
o
elemento
23
A
proposta
d e
acordo apresentada pelo presidente
d o
tribunal
d o
Estado
a o s
envolvidos
e p o r
eles aceita tinha,
d e
acordo
c o m
a s informações veiculadas pela imprensa e m 2 3 d e dezembro d e
1 9 3 0 , o seguinte teor:
A s
par tes colocam-se
d e
acordo
q u e , n o s
moldes
d o
presente
p rocesso , n ã o pode e n ã o deve s e r r e s o lv id a a q u es t ão q u e
versa sobre s e e e m q u e med ida o par t ido d o s t rabalhadores
alemão nacional-socia l is ta persegue obje t ivos subvers ivos o u
puníveis
d e
outra forma.
O
ponto
d e
vista defendido
p o r
cada
parte
c o m
relação
a
essa questão,
n ã o é
afetado
d e
modo algum
p o r meio desse acordo e d a s declarações nele apresentadas. A s
partes partem d o princípio d e q u e , e m breve, a questão funda-
mental será esclarecida
e m u m
outro processo pendente
n o
tribunal
d o
Reich.
O Reich suspende o bloqueio d o s subsídios à polícia, a s quantias
retidas, a té então, serão pagas
a
posteriori.
O estado d a Turíngia
retira
s u a
petição
d o
tribunal
d o
Estado.
O Estado d o Turíngia reconhece amiúde a obr igação d e cuidar
para q u e seja incondicionalmente garantido o caráter apolítico
d a
guarda civil como
u m
todo, assim como
o
compor tamento
apolítico d o s funcionár ios , e m particular, a serviço. E m confor-
m i d a d e c o m i s s o , o g o v e r n o d a T u r í n g i a p r o c e d e r á , n a
contratação, promoção e transferência d e policiais , n ã o segundo
pontos
d e
vista
d e
política partidária,
m a s
apenas segundo
o s
pon tos d e vista d a ap t id ão e d o in te resse o f ic ia l . A s par tes
es tão d e acordo q u e , c o m isso, u m a recusa , p o r pr incípio, d a
contra tação d e socia is democratas é t ão incompatível quanto
u m a
t r ansmissão
d e
l is tas
d e
cand ida tos
a u m a
o rgan ização
partidária c o m vistas à constatação d a f i l iação a o partido.
O ministério d e estado d a Turíngia, e m s u a totalidade ( ) , assume
a
garantia pela observância dessas obrigações.
Esse acordo n ã o antecipa a questão de os princípios e o s acordos,
c o m base n o s quais o s subsíd ios a o s policiais s ã o repassados
a o s Estados, justificarem u m compromisso jur ídico d e pagamento
ou
tão-somente
uma
vinculação política
do
Reich.
PRIMEIRA PARTE
- A
JUSTIÇA COMO GUAROIÃ
D A
CONSTITUIÇÃO
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 112/252
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 113/252
i 6
O G U A R D I Ã O D A C O N S T I T U I Ç Ã O
as
panes
de um
litigio constitucionaJ dentro de um estado,
sob
a participação d o tribunal d o Estado, consideram o objeto d o
litígio constitucional algo suscetível
a seu
entendimento
e
acor-
desse princípio
n o
caso
e m
particular,
m a s n o
qual,
j á
agora,
o
ministério d e estado se declara expressamente disposto a manter
o
conselho
d e
estado informado, desde
q u e
possível, sobre todas
a s questões s ignificat ivas , mesmo sobre diretr izes gerais d a s
instruções
a o s
representantes prussianos
n o
conselho
d o
Reich.
I I . As partes litigantes colocam-se de acordo sobre o fato d e
q u e a
questão
d e o
ministério
d e
estado
t e r que
publicar também
aquelas le is votadas pe lo par lamento es tadual , para cuja
apresen tação
n ã o s e
ouviu
o
pa rece r
d o
conse lho
d e
estado,
n ã o pode s e r decidida s e m a assistência d o parlamento estadual.
Porém,
o
minis tério
d e
estado reconhece
co m
relação
ao con-
selho de estado, se m reservas, que está incondicionalmente
obrigado, pela determinação
d o
artigo
40 , § 2
o
, d a
Constituição
prussiana, a da r a tempo conhecimento a o conselho d e estado,
para fins
d e
parecer,
d e
todos
o s
anteprojetos
de le i ,
antes
q u e
sejam apresentados a o parlamento estadual .
I I I . O
ministério
de
estado deixa
em
aberto
a
questão perante
o
conselho de estado, s e a interpretação d o artigo 40, § 4
Q
, d a Cons-
tituição prussiana também deve
s e r
diferenciada entre decretos
admin i s t ra t ivos e dec re tos ju r íd icos n o s en t ido d o exercício
constatado
n a
aplicação
d o
artigo
51 e se o
conselho
d e
estado
ou
su a
comissão competente
s ó
deve
se r
ouvido
n o
caso
d e
decretos
administrativos.
M a s
todos
o s
casos
n o s
quais
se
tratar
d a
mistura
d e decretos administrativos e decretos jurídicos o u n o s quais,
seguindo essa orientação,
o
caráter
d o
decreto parecer duvidoso,
são decididos a favor de se ouvir o conselho d e estado.
Por sua vez, o
conselho
de
estado deixa
em
aberto
a
questão
formulada anteriormente perante o minis té r io d e estado, m a s ,
para regulamentos
d e
execução urgentes
o u
importantes, sejam
eles concebidos como decreto administrativo o u decreto jurídico,
instituirá
u m
processo abreviado
d e
audição,
o
qual levará
e m
con ta
a s
necessidades
d o
Estado.
IV. O
mencionado acordo
f o i
apresentado para ' aprovação
à s
partes litigantes pelos representantes n a negociação d o acordo,
o
conselheiro
d e
justiça professor doutor Kahl para
o
conselho
d e estado, o s secretários d e estado D r . Freund e Fritze para o
ministério
d e
estado. Essa aprovação
f o i
concedida pelo ministério
d e
e s tado
e m
julho, pelo conselho
d e
e s tado
e m
ou tubro
d e
1 9 2 3 . O
represen tan te
d o
conse lho
d e
es tado par t ic ipará
a o
presidente
d o
tribunal
d o
Estado.
Com
isso,
o
processo pendente
deve se r considerado se m fundamento e terminado.
•
PRIM EIRA PARTE
- A
JUSTIÇA COMO GUARDIÃ
D A
CONSTITUIÇÃO
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 114/252
O T R I B U N A L D O ESTADO PARA O REIC H AL EM ÀO
2 1
d o . M a s ,
aqui, objeto
do
litígio
não é
nada mais
do que o exer-
cício de poderes e competências constitucionais.
A resolução processual d e divergências sempre conduz
facilmente a u m a coordenação d a s partes, especialmente quan-
d o prepondera a noção de um
processo civil
e as analogias a
ele são aplicadas a o processo constitucional. Nesse caso, reú-
ne-se
a
coordenação entre
a s
partes, contida
na
situação
p r o -
cessual,
c o m a
coordenação ocorrente pela noção contratual
e
contida
na
coordenação entre
a s
partes processuais
e
contra-
tuais,
q u e
também surge
c o m
respeito
a o
objeto
d o
litígio,
d e
modo
q u e
ambas concomitantemente
se
apóiam
e se
fortale-
c e m . Somente n o caso d a punição d e violações constitucionais
evidentes é que a analogia a o processo penal tem efeito. M as ,
caso contrário, aparecerão inopinavelmente pontos d e vista e
argumentos
d o
processo civil. Assim consta
n a
decisão
de 3 de
dezembro
de 1927 do
tribunal
d o
Estado:
" N o
exame
da
ques-
tão, se o
litígio
e m
particular
se
apresenta como divergência
jurídica, deve-se partir,
n o
entanto,
d o s
argumentos apresenta-
d o s pelo requerente, nada é diferente d o fato de que , no pro-
cesso civil, quando d o exame d a admissibilidade da via judicial ,
as alegações d o autor sã o tomadas como base".
26
Isso pode
ser totalmente correto n o caso e m particular, só necessitando
ainda
d e
mais diferenciação, sobretudo, teria
que ser
respeita-
d a a
particularidade
da
jur isd ição estatal
e
constitucional,
que
n ão
pode separar capacidade
d e
agir
e m
juízo
e
legitimação
ativa
n o
modo
do
processo civil.
E m
contrapartida,
é
incorreto
e
enganoso quando
o
processo civil
é
apresentado,
e m u m a
única frase, irrefutavelmente e sem outra argumentação ou
diferenciação, como u m a analogia normativa e considerado
como algo evidente e natural e m si.
N a
bibliografia
d e
direito público,
sã o
visíveis tendências
semelhantes. Enquanto
a
teoria
d e
direito constitucional
de até
então, como e m geral a teoria d e direito público, parte, c o m
toda certeza, d o princípio de que não existe nenhum direito ao
2 6
Decisão de 3 de dezembro d e 1 9 2 7 , Jurisprudência civil do Reich
1 2 0 , anexo, p. 1/2; L A M M E R S - S I M O N S I , p. 147.
PRIMEIRA 1'ARTE - A JUSTIÇA COMO GUARDIÃ D A CONSTITUIÇÃO
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 115/252
9 8
0
=
G U A R D j t ó
=
^
=
Ç 0 N S T T U l Ç
i
^ 0
poder público e , para seu exercício, nenhum direito à fun-
ção pública e de qu e o
titular
de um
poder
ou
competência
d e
direito público
n ão
pode,
de
modo algum, deles dispor
d a m e s -
m a
maneira
de um
direito subjetivo
que lhe
compete,
a o
passo
que a singularidade, a anormalidade e o caráter inoportuno d e
u m a
monarquia
são
justamente vistos
n o
fato
de que o
monar-
ca tem um
direito
à
função pública
e a seu
poder estatal,
o que,
n o Estado modemo, é pretensamente totalmente impensável -
Bematzik construiu, como se sabe, c o m base nessa singulari-
dade d a posição d o monarca, u m a definição jurídica d a dife-
rença entre monarquia e república
77
- as várias instâncias p a r -
ticipantes da volição estatal tornam agora a interpretação da
Constituição e o exercício d e seus poderes objeto d e acordos e
d e processos, conduzidos analogamente a processos civis, sem
que a bibliografia de direito público tenha encontrado a í algo
q u e
chamasse
a
atenção.
E l a
parece, antes, contentar-se
e m
registrar precedentes,
e e m
deixar
a
cargo
d o
futuro
as
sérias
conseqüências
de um
princípio
de
estado completamente novo
e,
primeiramente, introduzido inconscientemente. Todavia,
a
publicação
a té
hoje mais importante sobre esse tema,
o j á
várias
vezes citado tratado de H . Triepel sobre "Divergências entre o
Reich
e os
Estados" (1923), trata, conforme
seu
título, apenas
d e divergências d e direito federal, ou seja, daquelas n a s quais a
coordenação contratual d a parte pode ser justificada a partir
d o elemento federalista d a Constituição d o Reich, e quando
Triepel concebe o conceito d e divergência d e forma muito
ampla, e le insiste e m q u e nenhum estado poderia intentar u m a
ação sem levar e m consideração " u m a especial relação c o m o
direito". Nesse ponto, encontra-se aqui salientada d e forma
especialmente enfática, a relação entre capacidade para d e-
mandar
e
direito público subjetivo.
O
tribunal
d o
Estado
t a m -
b é m n ã o
quer,
d e
modo algum,
ver em
toda violação
de uma
determinação constitucional vigente
u m a
violação
de um
direi-
to
subjetivo
e , com
isso,
o
embasamento
d e u m a
capacitação
2 7
Republik
u n d
Monarchie,
2 .
Aufl. Tübingen
1 9 1 9 ( 1 .
Aufl. 1892).
•
PRIM EIRA PARTE
- A
JUSTIÇA COMO GUARDIÃ
D A
CONSTITUIÇÃO
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 116/252
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 117/252
100
O G U A R D I Ã O D A C O N S T I T U I Ç Ã O
mento medieval
a tal
ponto
d e
ainda tentar garantir
a
posse
d o
poder a té mesmo como direito adquirido. M a s para o grau d e
decomposição d o conceito de Estado, frases semelhantes são
altamente sintomáticas e merecem a maior atenção. Jerusalem
encerra esse parágrafo c o m a seguinte tese: " A o decidir esta
(ou
seja,
a
jurisdição estatal) constitucionalmente sobre diver-
gências entre órgãos n o tocante a sua competência, a Consti-
tuição d o Reich reconheceu, nesse ponto, a participação dos
órgãos estatais como objeto
d e
direitos subjetivos, como aque-
l es com
poder para defender suas competências perante
o u -
tros órgãos
p o r
meio
de
reivindicações correspondentes junto
à
jurisdição estatal." Jerusalem acha "crítico"
o
modo
de se
expressar
d e
Anschütz (comentário
p. 154),
segundo
o
qual
o
poder advindo
d o
órgão estatal
se
iguala
a o
direito subjetivo,
mas só por não ser
abrangente
o
suficiente, aquele poder deve
ser, antes, idêntico ao direito subjetivo. Igualmente caracterís-
tica é a formulação d e M . Lõwenthal q u e encontra a diferencia-
çã o entre jurisdição estatal e jurisdição administrativa n o fato
de que , na jurisdição estatal, se fazem valer direitos
ao
poder
público e, na jurisdição administrativa, direitos contra
o po-
der
público,
M
E m comparação c o m semelhantes construções
teóricas,
a
prática
d o
tribunal
do
Estado para
o
Reich alemão
é
extremamente cuidadosa
e
evita
se
tornar
o
instrumento
d o
pluralismo estatal. Permitiu,
e m
especial,
a
competência jurídi-
ca dos
partidos políticos apenas para divergências
de
direito
eleitoral,
32
n ão
permitiu
a
competência jurídica
d a s
facções
d e
partidos políticos,
d e
forma alguma,
d e
maneira geral,
e, sim,
so b rigorosa restrição." Como, além disso, divergências cons-
31
Diário administrativo
do
Reich,
1 9 2 9 , p . 5 2 6 .
Tanto mais chama
a
a tenção
o
fato
d e q u e
Lõwen tha l ,
n a
d i scussão
d o
l ivro
d e
Jerusalem n o Diário administrativo
do
Reich, 1 9 3 0 . p . 7 4 8 , s e
pronuncia, muito decidida e oportunamente, contra a construção
d e direitos subjetivos d o órgão estatal.
32
Decisões de 17 de dezembro d e 1 9 2 7 ; L A M M E RS - S I M O N S I, p.
3 3 4 e 3 4 5 ; c f . também mais adiante neste livro.
33
Facç ões fo ra m admitidas co mo partes para o s seguintes objetos
d e
litígio: validade
d e u m a
eleição para
o
parlamento estadual;
PRIMEIRA PARTE - A JUSTIÇA COMO GUARDIÃ D A CONSTITUIÇÃO
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 118/252
O T R I B U N A L D O ESTADO PARA O REIC H ALE MÃO
1 0 1
titucionais dentro
d o
Reich
n ã o
pertencem
à
competência
do
tribunal
d o
Estado, estão, assim, retiradas
d a
tendência
ao
pluralismo, localizada
n a
expansão
d o
conceito
d e
divergência
constitucional, suas mais perigosas possibilidades .
Apesar disso, a s extremas conseqüências daquelas cons-
truções
d e
direitos subjetivos permanecem teoricamente
dig-
nas de
consideração,
a
Constituição deixaria
de se r
tratada
como decisão política
d a
totalidade
d o
povo, homogêneo
em si,
os ditos órgãos estatais, i.e., o s detentores d o s plenos poderes
estatais, poderiam v e r seus plenos poderes e competências
como direitos subjetivos q u e exercem n a s organizações sociais,
cuja incumbência
se
tornaram "órgãos estatais",
e
reclamar
contra organizações hostis,
e m
caso
d e
necessidade, também
pela v ia processual. A volição estatal tornar-se-ia, em sua tota-
lidade e e m todos os detalhes importantes, u m acordo, cujos
parceiros - os detentores sociais d o poder q u e formam o Esta-
d o
pluralista
— d e
acordo
c o m a
situação
d a
coisa, fariam valer
e m
breve direitos subjetivos
à
detenção
d o
poder estatal
por
meio
d o s
órgãos estatais
p o r
eles constituídos,
mas em
breve,
caso se trate d e escapar ao risco político, se recordariam d e
q u e , "formalmente" e "como direito público", absolutamente
n ã o
existem.
E m minha teoria constitucional, contrapus a tais tendências
o sistema de um Estado constitucional democrático c o m u m
conceito positivo
d e
Constituição. Caso
se
persevere
n o
fato
de que a
Constituição
d e
Weimar signifique
u m a
decisão políti-
ca do
povo alemão
em sua
homogeneidade como
o
detentor
d o
duração d a eleição d e u m a assembléia estadual; inst i tuição d e
comissões
d e
investigação; validade
d e
leis,
n a s
quais participaram
o u eram autorizadas a participar; constitucionalidade d e u m decreto
d e emergência ; senão, " s u a competênc ia jur íd ica s ó pode ser
f u n d a m e n t a d a
p o r
circunstâncias especiais" ,
c f . a
enumeração
d o s precedentes e a exposição fundamental n a decisão de 24 de
j unho
d e 1 9 3 0 ,
Jurisprudência civil do Reich
1 2 9 ,
anexo,
p. 8.
D e
resto,
n ã o s e
deve continuar
a
discutir aqui
a
capacidade
d e
agir e m juízo perante o tribunal d o Es tado, é de s e esperar po r
meio
d e E .
Fr iesenhahn (Bonn) ,
u m
tratamento dessa questão
para a qual falta, a té agora, u m a apresentação sistemática.
PRIMEIRA 1'ARTE - A JUSTIÇA COMO GUARDIÃ D A CONSTITUIÇÃO •
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 119/252
Í f i 9 O G U A R D I Ã O D A C O N S T I T U I Ç Ã O
poder legislativo constitucional e , em virtude dessa decisão, o
Reich alemão seja
u m a
democracia constitucional,
a
pergunta
pelo guardião da Constituição pode ser, então, respondida d e
forma diferente
d o q u e p o r
meio
d e
estruturas judiciais fictícias.
PRIMEIRA PARTIS - A JUSTIÇA COMO GUARDIÃ D A CONSTITUIÇÃO
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 120/252
S e g u n d a p a r t e
C O N C R E T S I T U Ç Ã O
C O N S T I T U C I O N L
D
T U L I D D E
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 121/252
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 122/252
o
— I
P l u r a l i s m o p o l i c r a c i a
e ^
f e d e r a l i s m o Q
A
concreta situação constitucional
d o
Reich alemão
d e
hoje
deve s e r brevemente caracterizada aqui p o r meio d e três c o n -
ceitos: pluralismo, policracia e federalismo. Trata-se, nesse
aspecto,
d e
três fenômenos
d o
desenvolvimento
d e
nossas
re-
lações d e direito público, a serem diferenciados entre si e que
s e colocam e m evidência, d e forma distinta, e m várias esferas
d a
vida estatal.
A
primeira vista, esses três fenômenos estão
tão-somente ligados p o r u m a oposição comum, a oposição a
u m a unidade estatal fechada e universal, mas , de resto, entre
si , são de natureza diferente. C o m a palavra federalismo, p ro -
cura-se expressar aqui apenas
a
justaposição
e a
cooperação,
existentes dentro d e u m a organização federal d e u m a maioria
d e Estados encontra-se, aqui, u m a pluralidade d e formas esta-
tais
sobre base
estatal. Pluralismo
,
e m
contrapartida, designa
u m a
maioria
d e
complexos
sociais d e
poder, solidamente
or-
ganizados e estendendo-se pelo Estado, /.<?., tanto pelas várias
áreas d a vida estatal, quanto pelas fronteiras d o s Estados e
pelas corporações territoriais autônomas, esses complexos
d e
poder como tais se apoderam d a volição estatal, s e m deixar d e
ser u m produto apenas social (não-estatal). Por fim, a policracia
constitui-se numa maioria d e detentores d a economia pública,
juridicamente autônomos,
e m
cuja autonomia
a
vontade estatal
encontra
u m
limite. Sobre
a
primeira diferenciação provisória
pode ser feita a seguinte confrontação: o pluralismo designa o
SEGUNDA )*ARTE - A C ONC R ETA S ITUAÇ ÃO C ONS TITUC IONAL. . .
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 123/252
1 0 6
O G U A R D I Ã O D A C O N S T I T U I Ç Ã O
poder d e várias grandezas sociais sobre a volição estatal; a
policracia é possível co m base e m u m a retirada d o Estado e
e m u m a
autonomização
perante a
vontade estatal;
n o
federa-
lismo reúnem-se ambos na antítese formulada por Carl Bilfinger,
influência na volição d o Reich e liberdade d o Reich na esfera
da própria independência e autonomia. Essas breves defini-
ções n ã o devem ser definições completas, m a s servir apenas
como ponto de partida para u m panorama d e nossa atual situa-
ção
constitucional.
Cada
u m d o s
três fenômenos pode
se r
individualmente
considerado e examinado, porém, n a realidade d a vida estatal,
e le
aparecerá,
na
maioria
d as
vezes, junto
a um ou
dois
dos
outros fenómenos, seja aliado
a
eles, seja para
se
opor
a
eles
o u reagir contra eles. U m sempre va i poder se abrigar p o r
detrás d o outro e , apesar disso, encontrai' simul taneamente nos
abusos
d o
outro
su a
própria justificação. Assim,
p o r
exemplo,
os complexos sociais d e poder, q u e ultrapassam a s fronteiras
estaduais, solidamente organizados e portadores d o pluralismo
podem
ser
apresentados,
c o m
seus partidos políticos univer-
sais p o r todo o Reich, como u m a proteção contra o perigo d e
u m a fragmentação federalista-particularista d o Reich. M a s ,
inversamente, tais partidos políticos podem também, se manti-
verem ocupado
o
poder estatal
e m u m
Estado, recorrer
aos
elementos federalistas d a Constituição d o Reich perante u m
partido normativo
n o
Reich
que lhe
seja hostil.
A
policracia
d a
economia pública pode, desde
q u e
apoiada
p o r
corporações
territoriais autônomas, especialmente pela autonomia adminis-
trativa municipal, servir, igualmente, a u m partido político e ao
complexo social
de
poder,
ao
qual
o
partido pertence, como
sustento e assistência perante u m outro partido, se não , t am-
b ém , n a mesma medida que a autonomia federalista, m a s todo
o
tradicional
pathos da
autonomia administrativa serve, então,
na
realidade,
à
pluralização
da
essência
d o
Estado alemão.
O
federal ismo pode se justificar c o m o fato de ser uma organiza-
ção d e
Estados, neutralizando
e
superando, assim,
o s
detento-
res do
poder
d o
pluralismo, meramente sociais,
e que, por
isso,
atuam s em u m sentimento d e responsabilidade estatal. Dessa
• SEGUNDA. PARTE - A CONCRETA SITUAÇÃO CONSTITUCIONAL.. .
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 124/252
P L U R A L I S M O . P O L I C P A C I A E F E D E R A L I S M O
1112
forma, dependendo
d a
situação tática,
u m
pode sempre tirar
d e
jogo ou aproveitar, apoiar ou minar, combater ou favorecer o
outro. E sobre essa complicada confusão d e forças centrífu-
gas e um sistema d e movimentos contrários centrípetos que se
encontra
o
Reich alemão
d e
hoje.
A s tendências pluralistas, e m especial, que j á se delinea-
r a m e m u m a
definida concepção
d e
jurisdição estatal, discuti-
d a
anteriormente,
não são , de
modo algum, fenômenos aciden-
tais
e
isolados.
A o
contrário, pertencem
às
forças,
s e m
cuja
consideração
a
situação constitucional atual
d a
Alemanha
per -
manece inexplicável e a s quais t êm que se r aqui caracteriza-
d a s pelo menos p o r meio d e algumas breves exposições para
q u e se
torne visível tanto
a
concreta situação
da
vigente Consti-
tuição d o Reich quanto o problema concreto d o guardião cons-
titucional. Toda instituição e, até mesmo, toda norma tem em
s i ,
como condição imanente
de sua
existência
ou de sua
valida-
d e ,
essa relação
c o m u m a
situação
e a
relação
tom a - se
mais
intensa
e
mais direta
n a
mesma medida
e m q u e a
instituição
se
aproxima
d o
centro político
d a
volição estatal.
É
suficiente-
mente estranho
o
fato
de que se
tenha procurado instituir
na
Alemanha,
p o r u m
tempo,
u m
guardião
d a
Constituição
sem
u m conceito objetivo de Constituição e divergência constitucional.
M a s mais admirável é que se quis inserir tal instituição inima-
ginável se m estabilidade e sem constância e m u m a situação,
cuja consideração e contemplação fo i inicialmente recusada.
5.1
Desenvolvimento
d o
parlamento como
cenário d e u m sistema pluralista
A
situação constitucional
d a
atualidade
é
primeiramente
caracterizada pelo fato
d e q u e
numerosas instituições
e nor-
malizações
d o
século
X I X
permaneceram inalteradas,
mas a
atual situação
se
modificou completamente
e m
relação
à
ante-
rior. A s constituições alemãs d o século X I X situam-se em uma
época, cuja estrutura fundamental fo i colocada pelas grandes
SEGUNDA PARTE
- A
CONCRETA SITUAÇÃO CONSTITUCIONAL. . .
•
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 125/252
i n » O G U A R D I Ã O D A C O N S T I T U I Ç Ã O
ciências políticas desse tempo sobre
u m a
fórmula básica, clara
e útil, a diferenciação entre Estado e
sociedade.
Nesse caso,
h á u m a
segunda pergunta: como avaliar
o
Estado
e a
socieda-
de, se eles se opõem reciprocamente e são dependentes entre
s i?
Tudo isso
n ão
suprime
a
diferenciação. Ademais, deve-se
observar
q u e
sociedade
era ,
essencialmente,
u m
conceito
polêmico e tinha e m vistas, como noção contrária, o concreto
Estado-funcionário
e
militar monárquico existente naquela época
e , por
conseguinte,
o que
não pertencia
a
esse Estado
e ra cha-
mado d e sociedade. Naquele tempo, o Estado podia se r dife-
renciado
d a
sociedade
e era
forte
o
suficiente para
se
opor
autonomamente às demais forças sociais e , assim, determinar
a partir de s i mesmo o s agrupamentos, d e modo q u e todas as
numerosas diversidades dentro
da
sociedade independente
d o
Estado - oposições confessionais, culturais, econômicas -
foram relativizadas
a
partir dele
e, em
caso
d e
necessidade,
pela oposição comum
a ele e não
impediram
a
reunião
na " s o -
ciedade . M a s , p o r outro lado, manteve-se e m u m a considerá-
v e l
neutralidade
e
não-intervenção perante
a
religião
e a eco-
nomia, respeitando amplamente a autonomia dessas esferas
da vida. Assim, e le não era absoluto n o sentido e não era tão
forte
a
ponto
d e
tornar
se m
significado tudo
o que não e ra
Estado, dessa forma, f o i possível u m equilíbrio e u m dualismo.
Podia-se,
e m
especial, considerar possível
u m
Estado
sem re -
ligião
e s e m uma
concepção
d e
mundo,
a té
mesmo
u m
Estado
completamente agnóstico, e construir u m a economia que nã o
necessita
d o
Estado
e u m
Estado
q u e n ã o
depende
d e
econo-
mia . Contudo, o ponto d e referência determinante continuava
sendo o Estado, pois e le detém u m a existência nítida e concre-
ta .
Ainda hoje,
a
ambígua palavra sociedade ,
no que
interes-
sa aqui, deve designar, sobretudo, algo q u e não seja Estado,
além disso
e
eventualmente também,
o que nã o
seja igreja.
1
Essa diferenciação serve
de
base, como condição, para todas
' O
mais simples
e
mais claro res umo
d a s
noções inconcebivelmente
ambíguas d e sociedade encontra-se e m SPRANGER, Eduard.
SEGUNDA PARTE
- A
CONCRETA SITUAÇÃO CONSTITUCIONAL.
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 126/252
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 127/252
E m
todos
os
importantes desenvolvimentos
d e
conceitos
se
expressa
a
estrutura dualística básica.
A
Constituição
6
tida como contrato entre príncipe e povo. O conteúdo essencial
d e u m a le i
estatal
é
visto
n o
fato
de que e la
intervém
n a
liber-
dade e n a propriedade d o s cidadãos . Diferentemente d e u m
decreto administrativo, publicado apenas para a s repartições e
funcionários públicos,
u m decreto jurídico
dirige-se
a
todos
os cidadãos. O direito orçamentário baseia-se n a idéia d e
q u e ,
entre
o s
parceiros,
s e
realiza regularmente
u m acordo
orçamentário e ainda na última edição d o manual d e Meyer-
Anschiitz (1919, p. 890, 897), a lei orçamentária é chamada d e
acordo orçamentário . Quando, para
u m a to
administrativo,
como a avaliação d o orçamento nacional, se exige u m a dita
lei
formal
, apresenta-se nessa
formalização
nada mais do que a
politização d o
conceito,
o
poder político
d o
parlamento
é
grande
o suficiente para, de um lado, impor o fato d e q u e u m a norma-
lização
só
é
então válida como
le i
quando
o
parlamento tiver
participado, e , simultaneamente, d e outro lado, conquistar u m
conceito de le i formal,
i.e.,
n ã o levando e m conta o conteúdo
objetivo
d o
processo, assim, essa formalização exprime
a p e -
nas o sucesso político d a representação popular perante o go-
verno, da sociedade perante o Estado-funcionário monárquico.
Mesmo
a autonomia administrativa
pressupõe
e m
todas
a s
suas instituições a diferenciação entre Estado e sociedade,
autonomia administrativa
é u m a
parte
d a
sociedade defronte
a o Estado e a seu funcionalismo e co m base nessa condição
fundamental, desenvolveram-se e formularam-se n o século X I X
seus conceitos
e
instituições.
Tal Estado dualístico é u m equilíbrio entre dois diferen-
tes tipos d e Estado: ele é, ao mesmo tempo, u m Estado dirigen-
te e um
Estado legiferante. Desenvolve-se
e m
direção
a um
München,
1921 , I I , p . 41) : a
câmara
é o
órgão
" p o r
meio
d o
qual
a sociedade domina o Estado ; o u a rica observação d e GNEIST,
Rudolf.
Die
nationale Rechtsidee
von den
Stünden, Berlin,
1 8 9 4 ,
p . 2 6 9 : a exigência geral p o r votação secreta é " o sinal seguro d a
pene t ração
d a
sociedade dentro
d o
Es tado .
S E G U N D A P A R T E - A C O N C R E T A S I T U A Ç Ã O C O N S T I T U C I O N A L .
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 128/252
P L U R A L I S M O , P O L I C R A C I A E FEDERALISMO
1 1 1
Estado legiferante quanto mais
o
parlamento, enquanto
corporação legisladora, se mostra superior ao governo, ou seja,
quanto mais
a
sociedade
d e
então
se
mostra superior
ao
Estado
existente naquela época.
O s
Estados podem
ser
classificados
segundo a área na qual encontram o cerne de sua atividade.
Assim sendo,
há
Estados judican tes,
ou
melhor, jurisdicionais ,
além disso. Estados
q u e s ã o
essencialmente governo
e
execu-
tivo e , por f im, Estados legiferantes. O Estado medieval, e até
hoje
a
teoria
d o
Estado anglo-saxão, parte
d o
principio segundo
o qual o núcleo d o poder público é a jurisdição. Poder público
e
jurisdição
são
aqui equiparados, como ainda hoje corresponde
a o modo de se exprimir d o Codex Júris Canonici (p.ex. can.
1 9 6 , 2 1 8 ) , devendo-se observar, todavia, q u e a paráfrase
normativa para
a
autoridade
da
igreja católico-romana
e de
seus supremos cargos não se expressa usando a imagem d e
u m
juiz,
mas de um
pastor sobre
seu
rebanho.
O
Estado abso-
lutista q u e v e m ganhando sua forma desde o século X V I origi-
nou-se precisamente
d o
colapso
e d a
dissolução
d o
Estado
d e
direito medieval, pluralista, feudal-estamentário e d e sua juris-
dição, apoiando-se
n o
exército
e n o
funcionalismo.
P o r
conse-
guinte, ele é essencialmente u m Estado d o
poder executivo
e
d o governo. S u a ratio, a ratio status, a freqüentemente mal
interpretada razão
d e
Estado
n ã o
reside
e m
normas repletas
d e conteúdo, m a s n a efetividade com que e l e cria u m a situa-
ção , na
qual
s ó a
partir dela normas podem passar
a
valer, haja
vista
que o
Estado coloca
u m f i m à
causa
d e
toda desordem
e
guerras civis e à luta pelo normativamente correto. Esse Esta-
d o estabelece a ordem e a segurança públicas . S ó quando
isso sucedeu é que o Estado legiferante d a Constituição d e
Estado
d e
direito
e
civil pôde nele penetrar.
N o
chamado esta-
do de exceção, aflora abertamente o respectivo centro do Es -
tado. O Estado judicante serve-se, para tanto, d a
le i
marcial
(mais precisamente:
d a
jurisdição marcial),
ou
seja,
de uma
justiça sumária, o Estado como executivo, sobretudo, d a trans-
ferência
do
poder executivo, ligada, e m caso d e necessida-
de , à suspensão d e direitos fundamentais, o Estado legiferante,
SEGUNDA PARTF.
- A
CONCRETA SITUAÇÃO CONSTITUCIONAL.. .
•
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 129/252
1 1 2
O G U A R D I Ã O D A C O N S T I T U I Ç Ã O
do s
decretos
d e
Estado
d e
emergência
e
exceção,
i.e., de um
processo legislativo sumário.
3
E m
tais classificações
e
tipificações
d a s
espécies
d e
Esta-
do ,
deve-se sempre observar
que é
pouco provável
q u e
haja
u m Estado puramente legiferante, assim como u m Estado m e -
ramente judicante ou um Estado q u e nada mais seria a não ser
governo
e
administração. Nesse aspecto, todo Estado
é um a
ligação e u m a mistura entre essas espécies, u m status mixtus.
M a s c o m essa ressalva, é possível obter u m a caracterização
útil
d o s
Estados segundo
a
área central
d a
atividade estatal.
P o r conseguinte, é legítimo e especialmente elucidativo para a
questão do guardião d a Constituição qualificar o Estado de di -
reito
e
constitucional civil, como
o
desenvolvido
n o
século
X I X ,
como u m Estado legiferante. Como acertadamente afirmado
p o r Richard Thoma, f a z parte d a s tendências determinantes
d o
tipo
d o
Estado moderno retirar
d o
juiz
e
transferir
a o
legisla-
dor" a decisão, cu ja racionalidade e justiça podem sempre ser
objeto d e discussão .
4
U m Estado jurisdicional é possível en -
quanto normas definidas
em seu
conteúdo possam também
ser
pressupostas e serem reconhecidas d e f orma incontroversa s em
o estabelecimento consciente e escrito d e normas po r um po-
d e r
central organizado.
E m
contrapartida,
e m u m
Estado
legiferante
n ã o
pode haver nenhuma justiça constitucional
ou
jurisdição estatal como verdadeiro guardião da Constituição.
3
Infor mações adic ionais sobre o estado d e exceção ,
vide
mais
adiante neste livro.
N o
tratado
d e
WALDECKER, Ludwig. Die
Grundlagen
des
militãrischen Verordnungsrechls
in
Zivilsachen
wãhrend
des
Kriegszustandes,
A õ R . XXXVI (1917), p . 389/390,
encont ra-se observada
a
re lação ent re Estado judicante
e le i
m a r c i a l ,
m a s
m a l - c o m p r e e n d i d a
a
c o n s e q ü ê n c i a l ó g i c a
d o
desenvolvimento poster ior .
4
Grundrechte
und
Polizeigewalt
(Edição comemo rat iv a para o
Supremo Tribunal Administrativo), Berlin,
1 9 2 5 , p . 2 2 3 ; n ão
tanto
d o mesmo modo n o pronunciamento durante o encontro alemão
d e
professores
d e
direito público
em 1 9 2 8 em
Viena,
Verõffentlichungen
der
Vereinigung
der
deutschen Staatsrechtsíehrer,
He f t
5 , p .
109 ; mais ainda n a edição comemorativa d o tribunal d o Reich d e
1929 , p . 20 0 e em
Handbuch
des
Staatsrechts,
B d. I I , p . 109, 136/137.
SEGUNDA PARTE - A CONCRETA SITUAÇÃO CONSTITUCIONAL.
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 130/252
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 131/252
114
^ G y A R D I Â O D A _ C O N S T I T U I ^ O
res com espírito anticonstitucional
A última frase
é
deci-
siva. E la mostra q u e , para as noções d o século X I X , o parla-
mento, consoante
s u a
natureza
e sua
essência, trazia
em si
mesmo a verdadeira garantia
da
Constituição. Isso f a z parte
da crença n o parlamento e é condição para que a corporação
legislativa seja o portador d o Estado e o próprio Estado u m
Estado legiferante.
M a s
essa posição
d a
corporação legiferante
fo i
possível
apenas e m u m a determinada situação, isto porque sempre se
pressupõe, nesse aspecto,
q u e o
parlamento,
a
assembléia
legislativa, como representante d o povo ou da sociedade —
ambos, tanto
o
povo quanto
a
sociedade,
s ó
podem
s e r
identifi-
cados, enquanto ainda forem contrapostos a o governo e ao
Estado
- v ê
diante
de s i um
poderoso Estado-funcionário
monárquico, independente dele, como parceiro d o pacto cons-
titucional. Enquanto representação popular,
o
parlamento
tor-
na-se, aqui, o verdadeiro guardião e garantidor da Constitui-
ção ,
pois
o
governo, opositor
a o
contrato, relutou
e m
fechar
a s
portas d o parlamento. Desse modo, porque o Governo gasta e
exige taxas
é
tido como perdulário, sendo visto
c o m
desconfian-
ça . No entanto, a representação popular é tida como econômi-
c a e
contrária
ao s
gastos, pois,
n o
liberal século
X I X , a
tendên-
cia era a de restringir o Estado a u m mínimo, restringir suas
intervenções n a economia, neutralizá-lo perante a sociedade
e
seus interesses conflitantes
a f im de que
sociedade
e
econo-
m ia cheguem às decisões necessárias para su a área segundo
seus princípios imanentes.
N o
jogo livre
d as
opiniões
c o m
base
na livre propaganda, surgem partidos cuja discussão e luta d e
opiniões configuram a opinião pública e , assim, determinam o
conteúdo d a vontade estatal, n o jogo livre das forças sociais e
5
Allgemeines Staatsrecht,
4 .
A u f l .
1 8 6 8 , B d . I , p .
561 /562 .
É
especialmente instrutivo comparar c o m essas frases d e Bluntschli
a
argumentação
d e R .
Gneist: este
v ê a
garantia
n a
cooperação
durante o processo legis lat ivo, d o qual part ic ipam monarquia
hereditária, primeira câmara permanente e segunda eleita; parecer,
op. cit., p . 23.
SEGUNDA PARTE - A CONCRETA SITUAÇÃO CONSTITUCIONAL.
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 132/252
P L U R A L I S M O , P O L I C R A C I A E FEDERALISMO
U S
econômicas, dominam liberdade
d e
contratar
e
liberdade
eco-
nômica,
p o r
meio
das
quais parece assegurada
a
suprema pros-
peridade econômica, haja vista q u e o mecanismo automático
d a livre economia e d o livre mercado se autocontrola e se auto-
regula segundo leis econômicas (pela oferta e procura, troca
d e
prestações, formação
d e
preços, formação
d e
renda
na eco-
nomia nacional). O s direitos políticos fundamentais, em espe-
cial
a
liberdade pessoal,
a
liberdade
d e
opinião,
a
liberdade
de
contrato, a liberdade econômica, a liberdade d e profissão e a
propriedade privada, os verdadeiros alvos da suprema corte
d o s
Estados Unidos, pressupõem
u m
Estado neutro
que , em
princípio, n ã o intervém ou que só intervém, n o máximo, com o
objetivo de restituir a s condições alteradas da livre concorrência.
Esse Estado fundamentalmente neutro
n o
sentido liberal
e
n ã o
intervencionista perante
a
sociedade
e a
economia perma-
nece também como pré-requisito d a s constituições, mesmo
quando para
a
política social
e
cultural sejam admitidas exce-
ções. Mas e le se modificou p o r completo, na medida em que
aquela construção dual entre Estado/sociedade e governo/povo
perdeu su a tensão e o Estado legiferante chegou ao f im, uma
vez que agora se torna a auto-organização d a sociedade .
C a i , c o m
isso, como
j á
mencionado,
a
diferenciação
a té
agora
sempre pressuposta entre Estado e sociedade, governo e povo,
pelo q u e todos os conceitos e instituições construídos sobre
esta pressuposição
(lei,
orçamento, autonomia administrativa)
tornam-se novos problemas. M a s surge, concomitantemente,
algo ainda mais amplo e mais profundo. S e a sociedade se
auto-organiza como Estado, se Estado e sociedade devem ser
fundamentalmente idênticos, todos os problemas sociais e eco-
nômicos tomam-se, então, problemas diretamente
estatais e
não se pode mais diferenciar matérias político-estatais daque-
l a s de cunho social e apolítico. Acabam todas as confronta-
ções
a té
então comuns
e
situadas
sob o
pressuposto
d o
Estado
neutro, as quais ocorrem como conseqüência d a diferenciação
entre Estado e sociedade e são apenas casos d e aplicação e
circunlocuções dessa diferenciação. Separações antitéticas.
SEGUNDA PARIS - A CONCRETA S1TUAÇAO CONSTITUCIONAL.
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 133/252
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 134/252
P L U R A L I S M O , P O L I C R A C I A E F E D E R A L I S M O
112
para u m Estado potencialmente total. Essa violenta mudança
pode
ser
construída como parte
de um
desenvolvimento dialético
q u e
decorre
em três estágios: d o
Estado
absolutista d o s
sécu-
l o s XVII e XVIII, passando pelo Estado neutro, d o liberal sé-
culo
X I X ,
para
o
Estado
total
d a
identidade entre Estado
e
sociedade.
O q u e
mais chama
a
atenção
é a
mudança
q u e
ocorre
na
esfera econômica. Pode-se aqui partir do princípio, como d e
u m
fato reconhecido
e
incontroverso,
de que a
economia
f i -
nanceira pública, tanto
e m
relação
às
anteriores dimensões
p ré -
guerra quanto n a relação atual c o m a economia livre e privada,
o u seja, n ã o pública, atingiu proporções tais q u e passa a existir
não
apenas
um
aumento quantitativo,
m a s
também
u m a
modi-
ficação qualitativa,
u m a
mudança estrutural
e q u e
todas
as
esferas d a vida pública, e não apenas as questões diretamente
financeiras e econômicas, s ã o atingidas p o r essa mudança. N ã o
é
aqui necessário responder
c o m
quais números
a
modificação
é
indicada
e se , por
exemplo, está estatisticamente correto
o
dado variadas vezes citado e calculado para o ano de 1928 de
q u e 5 3 % d a receita nacional alemã s ã o controlados pelo poder
público,
6
pois
o
fenômeno
e m s u a
totalidade
é
incontestável
e
incontroverso.
U m expert n o
assunto
d e
maior autoridade,
o
secretário d e Estado, professor J . Popirz, parte d o princípio,
e m u m
discurso resumido sobre
a
compensação financeira,
1
d e
que , de
fato, para
a
repartição
d a
parte maior
d a
receita nacio-
b
Este núm ero encontra- se calculado
n o s
fascículos tr imestrais
d e
pesquisa conjuntural,
v o l . 5
(1930), fascículo
2 , p . 72; e le é
aproveitado e validado, p. ex.. , por J. Popitz ( c f . nota seguinte), G.
Mtlller-Oerl inghausen, e m s u a palestra sobre a crise econômica
de 4 de novembro d e 1 9 3 0 , Mitteilungen des íuingnamvereins.
Jahrg.
1 9 3 0 ,
Neue Folge
1 9 .
Heft ,
p . 4 0 9 ; c f .
P FLE IDER ER, Oito.
Die Staatswirtschaft und das Sozialprodukt, Jena 1 9 3 0 ; SATZEW,
Manuel. Die õjfentliche Unternehmung de r Gegenwart, TUbingen
1 9 3 0 , p . 6 /7 .
7
Der Finanzausgleich und seine Bedeuiung für die Finanzloge
des Reichs, der Lãnder und Gemeinden; Verrtffentlichungen
d e s
Reichsverbandes
d e r
deutschen Industrie, Berl in,
1 9 3 0 , p . 6 ;
SEGUNDA PARTE - A CONCRETA SITUAÇAO CONSTITUCIONAL.
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 135/252
1 1 8
O G U A R D I A O D A C O N S T I T U I Ç Ã O
nal
alemã, encontra-se desligado
o
mecanismo auto-regulador
da
livre economia
e d o
livre mercado
e ,
ocupando
o seu
lugar,
entrou "a influência determinate d e u ma vontade fundamental-
mente extra-econômica, o u seja, a vontade d o Estado . U m
outro
expert n o
assunto
d e
alto nível,
o
ministro
d a s
finanças
do
Reich, ministro
d e
Estado Saemisch,
diz que é a
economia
pública financeira, a qual influencia decisivamente a situação
política
d a
Alemanha.
5
Pelo lado científico-econômico,
fo i ex -
posta
u m a
formulação, como
m e
parece, extremamente acer-
tada para a oposição d o sistema de até então perante o atual,
do
sistema
de
participação,
n o qual compete ao Estado a p e -
nas uma
parcela
d a
receita nacional,
u m a
espécie
d e
dividendo
d o
lucro líquido,
para o sistema de controle, n o
qual
o
Estado,
e m
decorrência
d a s
intensas relações entre economia finan-
ceira
e
economia nacional,
e m
decorrência
d o
forte aumento
tanto
da
demanda quanto
d a
renda estatais, como sócio
e
redistribuidor da renda nacional, como produtor, consumidor e
empregador, co-determina normativamente
a
economia nacio-
nal .
Essa fórmula elaborada
p o r
Fritz Karl
em u m
interessante
e importante tratado, "A economia política d e nosso tempo
(Jena, 1930), deve também se r aqui empregada apenas como
fórmula,
sem que
dependa,
de
resto,
d e u m a
crítica econômi-
co-nacional. Decisivo, aqui, para
a
consideração
d e
ordem
t eó -
rico-política e teórico-constitucional é que a relação d o Estado
c o m a
economia, hoje,
é o
verdadeiro objeto
d o s
problemas
d e
política interna
e que as
fórmulas transmitidas pelo antigo
E s-
tado, baseado na separação entre Estado e sociedade, só são
apropriadas para ocultar essas circunstâncias.
E m
qualquer Estado moderno,
a
relação
d o
Estado
com a
economia compõe
o
verdadeiro objeto
d a s
questões
d e
política
interna imediatamente atuais. Elas
n ã o
mais podem serresol-
além disso: Der
Õffentliche Finanzbedarf
und der
Reichsspar-
kommissar,
Bankarchiv,
X X X ,
Heft
2 (15
Oktober
1930) p . 21 .
Deutsche Juristenzeitung,
2
o
d e jane i ro d e 1 9 3 1 , co l . 1 7 ; além
d i s s o
e m Der Reichssparkommissar un d seine Au/gabe;
Finanzrechtl iche Zeitfragen, vo l . 2 , Berlin 1930, p . 12.
• SECU NDA PARTE - A CONCRETA SITUAÇÃO CONSTITUCIONAL.. .
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 136/252
P L U R A L I S M O , P O L I C R A C I A
E
FEDERALISMO
1 1 9
vidas c o m o antigo princípio liberal da não-interferência, da
absoluta não-intervenção. Exceto poucas exceções, isso é de
conhecimento geral. Atualmente, quanto mais o moderno Es-
tado tiver conotações industriais, tanto mais
as
questões
eco-
nômicas ocuparão o centro d e política interna e externa, que,
e m
grande parte
se
trata
d e
político econômica,
n a
verdade,
n ã o s ó como política alfandegária ou de comércio. Se uma lei
estatal é publicada contra o abuso d e posições econômicas de
poder (como
o
decreto anticartel
de 2 de
novembro
d e
1923),
reconhecem-se
c o m
essa formulação
o
conceito
e a
existência
d e u m poder econômico c o m base n o Estado e na lei. O
Estado atual
t em um
extenso direito trabalhista, regras relati-
vas ao contrato coletivo de trabalho e u m a conciliação estatal
d e divergências salariais, p o r meio da qual influencia nor -
mativamente
os
salários, concede gigantescas subvenções
aos
vários ramos
d a
economia,
é u m
Estado assistencial
e
preocu-
pado c o m o bem-estar social e , por conseguinte, concomi-
tantemente
e m
ingentes proporções,
u m
Estado fiscal
e
tribu-
tário. Além disso,
n a
Alemanha,
e le
ainda também
é u m
Estado
reparador q u e t e m q u e levantar bilhões d e tributos para Esta-
d o s estrangeiros. Em ta l situação, a exigência p o r u m a n ã o -
intervenção torna-se
u m a
utopia,
a té
mesmo
u m a
autocon-
tradição, pois
a
não-intervenção significaria deixar
o
caminho
livre, n o s antagonismos e conflitos econômicos q u e hoje não
são
combatidos
c o m
meios puramente econômicos,
aos
vários
grupos
d e
poder.
A
não-intervenção,
em ta l
situação, nada mais
é do que intervenção e m favor daquele e m posição superior e
se m consideração ao outro, mostrando-se novamente a s im-
ples verdade da frase, aparentemente, tão paradoxal pronuncia-
da por
Talleyrand para
a
política externa:
a
não-intervenção
é
u m conceito difícil, significando aproximadamente o mesmo que
a
intervenção.
N a mudança para o Estado econômico reside a modifica-
ç ã o mais acentuada perante as noções estatais d o século X IX .
Essa mudança pode
se r
igualmente observada
em
outras áreas,
mesmo
se a í for
hoje sentida,
na
maioria
d a s
vezes, como
m e -
n o s atual em conseqüência d o esmagador sobrepeso das dili-
Slit iUNtJA PARTE - A CONCRETA SITUARÃO CONSTITUCIONAL.
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 137/252
1 2 0
O G U A R D I Ã O D A C O N S T I T U I Ç Ã O
culdades e problemas econômicos. N ã o é estranho que a rejei-
ção a
essa expansão
d o
Estado surja, primeiramente, como
rejeição àquela atividade estatal que, em tal momento, deter-
mina exatamente o tipo d e Estado, portanto, como rejeição a o
Estado
qu e
legisla.
P o r
isso, clama-se, inicialmente,
p o r
garan-
tias contra o legislador. Dessa forma, podem também se r p ro-
vavelmente explicadas as primeiras tentativas pouco claras d e
restrições,
as
quais foram discutidas
na
primeira parte
d o p r e -
sente livro e as quais se prendiam à jus tiça para obter u m c o n -
trapeso contra
o
legislador,
que se
tornava cada
v e z
mais
p o -
deroso
e
cada
v e z
mais abrangente. Terminaram
e m v ã s
formalidades p o r terem se originado nã o do reconhecimento
concreto
d a
situação constitucional
e m s ua
totalidade,
m a s a pe-
nas de uma reação d e reflexo. S e u verdadeiro erro residiu n o
fato de que podiam contrapor a o poder d o legislador moderno
apenas
u m a
justiça
que ou era
vinculada,
em seu
conteúdo,
por
determinadas normas desse mesmo legislador ou , porém, po -
dia lhe
opor apenas princípios indeterminados
e
discutíveis,
c o m
cuja ajuda
não se
podia fundamentar nenhuma autoridade
su-
perior a o legislador. Embora a mudança para o Estado econô-
mico
e
preocupado
c o m o
bem-estar social tivesse significado
u m momento crítico para o tradicional Estado legiferante, ela
ainda n ã o precisou e não pôde, p o r isso, alimentar os tribunais,
se m
mais,
co m
nova força
e
energias políticas.
Em t a l
situação
alterada e diante de tal expansão das tarefas e problemas esta-
tais,
é o
governo,
m a s
certamente
nã o a
justiça,
q u e
talvez
possa propiciar o remédio. Talvez faltem hoje à justiça, na
maioria d os Estados d o continente europeu, todas as normas
materiais,
co m
base
nas
quais
e la
estaria
e m
condições
de do-
minar,
per se,
a situação totalmente nova.
O
parlamento,
a
corporação legislativa,
o
titular
e
ponto
central
d o
Estado legiferante tornaram-se,
no
mesmo momen-
to no qual sua vitória parecia estar completa, u m produto c o n -
traditório
em si
mesmo
e que
negava
o s
próprios pressupostos
e os pressupostos de sua vitória. S u a posição e sua superiori-
dade a té então, seu ímpeto de expansão perante o governo,
seu
comportamento
e m
nome
do
povo, tudo isso pressupunha
1 SKG UND A 1'ARTH - A CONCRETA SITUAÇÃO CONSTITUCIONAL...
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 138/252
P L U R A L I S M O , P O L I C R A C I A E FEDERALISMO
1 2 1
u m a diferenciação entre Estado e sociedade q u e , após a vitó-
r ia do
parlamento,
n ão
mais continuou
a
existir.
S u a
unidade,
e ra definida a té agora pelo seu rival na política interna, o antigo
Estado-funcionário e militar monárquico. Quando este caiu, o
parlamento, p o r assim dizer, se despedaçou. Agora, o Estado é ,
como
se diz , uma
auto-organização
da
sociedade,
mas a
dúvi-
d a é como a sociedade que se auto-organiza chega à unidade
e se a
unidade ocorre realmente como resultado
d a
auto-or-
ganização , pois esta significa, primeiramente, apenas
um pos -
tulado e u m procedimento caracterizado pela oposição a méto-
d o s
anteriores
e
hoje
n ão
mais existentes
da
formação estatal
d a vontade e d a unidade, ou seja, caracterizado apenas negati-
v a e polemicamente. A identidade q u e reside n a palavra auto
e afixada linguisticamente à organização n ã o precisa ocor-
re r de qualquer forma e d e modo incondicionalmente seguro
n e m
como unidade
da
sociedade
em s i , nem
como unidade
d o
Estado. H á , como já por nós suficientemente vivenciado, orga-
nizações
s e m
sucesso
e sem
resultado.
Foram primeiramente imaginados os partidos como titula-
res da
auto-organização,
m a s
provou-se
q u e
eles,
em sua
grande
parte, haviam se transformado muito. N o sentido d o Estado
constitucional liberal,
é
característica
d o
partido
que e le
seja
u m
produto baseado
e m
livre propaganda,
não se
tornando,
então, u m complexo social sólido, constante, permanente e m i-
nuciosamente organizado. Tanto
a
liberdade quanto
a "pro-
paganda proíbem, conforme
a
idéia nelas contida, toda pres-
são social ou econômica, permitindo, como motivação, apenas
a livre persuasão d e pessoas social e economicamente livres,
mental
e
intelectualmente autônomas
e
capazes
d e
proferir
u m
juízo próprio. Essa idéia
de um
partido, presumida
nas
consti-
tuições civis
e de
Estado
d e
direito
até o
Estado atual, serve
também d e base para as normalizações d a vigente Constitui-
ç ã o d o Reich. F o i freqüentemente acentuado que a Constitui-
ç ã o d o
Reich
n ã o
conhece
o
partido
e que só
profere
tal
palavra em um único trecho, n o artigo 130, § 2 , e apenas d e
forma negativa e denegatória. F o i também Freqüentemente
SEGUNDA PARTfc - A CXJNCKKTA SITUAÇÃO CONSTITUCIONAL... »
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 139/252
1 2 2
O
G U A R D I Ã O
O A
C O N S T I T U I Ç Ã O
delineada
a
grande distância desse regulamento
c o m a
realida-
de de
nossas atuais condições
d e
política intema.
A
isso
s e
pode ainda acrescentar
que a
Constituição
d o
Reich,
se e la
ignora o partido político, só o faz e pode fazê-lo porque sempre
continua querendo partir d o princípio de que o partido político é
u m produto sociologicamente tão pouco sólido, tão pouco f o r -
mado,
tão
fluido
ou até
mesmo volúvel,
q u e
pode
se r
mesmo
tratado como não-existente, pois
a
região
na
qual
o s
partidos
devam tão-somente existir,
é ,
como Hugo PreuB afirmou
d e
modo conseqüente e enfático, apenas a esfera d a opinião
pública que e le - em consonância c o m toda a tradição desse
conceito - vê como um fluido indefinível e não-organizável.
Em v ez
disso,
os
partidos maiores,
em sua
maioria,
s ão ,
hoje,
em parte, produtos rígidos e minuciosamente organizados e ,
e m
parte, localizam-se
em u m
complexo social minuciosamen-
te
organizado
co m
burocracias influentes,
u m
exército perma-
nente d e funcionários remunerados e todo u m sistema d e orga-
nizações d e ajuda e apoio, n a s quais se encontra vinculada u m a
clientela unida intelectual, social e economicamente. A exten-
são a
todas
a s
áreas
d a
existência humana,
a
supressão
das
separações
e
neutralizações liberais
de
várias áreas como reli-
gião, economia e educação, e m suma, o que antes e ra qualifi-
cado como a mudança para o total , já se encontra realizado
para u m a parcela d o s cidadãos, d e certa forma, p o r alguns
complexos organizacionais sociais, d e modo q u e , embora não
tenhamos
u m
Estado total,
j á
temos algumas construções
p a r -
tidárias sociais
q u e
aspiram
à
totalidade
e
reúnem inteiramente
seu
time ainda
n a
juventude. Dessas construções partidárias,
cada
u m a t e m ,
como
d iz
Eduard Spranger, todo
u m
programa
cultural e sua convivência lado a lado forma e conduz o Estado
pluralista. Pelo fato de existir u m a maioria d e tais complexos,
concorrente u m a co m a outra e que se mantém mutuamente
dentro
de
determinados limites,
ou
seja,
u m
Estado
partidá-
rio-pluralista
, fica evitado
que o
Estado total
se
faça valer
como
ta l com o
mesmo ímpeto
c om que já o fez , nos
chamados
Estado.? unipartidaristas, a União Soviética e a Itália. M as ,
p o r intermédio d a pluralização, n ã o s e suprime a mudança para
'
SECUNDA
PA R TF - A
CONCRETA SITUAÇÃO CONSTITUCIONAL...
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 140/252
P L U R A L I S M O , P O L I C R A C I A F FEDERALISMO
1 2 3
o total, e la apenas se torna, por assim dizer, parcelada quando
todo complexo
d e
poder social organizado procura tanto quanto
possível
-
desde
o
orfeão
e o
clube desportivo
até a
autoproteção
armada
-
realizar
a
totalidade
em si
mesmo
e
para
si
mesmo.
O fato d e u m a expressão como Estado unipartidarista ter
sido possível para designar aquele outro produto estatal e, sem
mais,
te r
sido acolhida pelo
u so
geral
d a
língua, talvez seja
a
prova mais evidente
d o
quanto
a
palavra partido deixou
d e
designar u m produto desorganizado e baseado em livre propa-
ganda. O claro e firme crítico liberal dessa evolução, M. J .
Bonn, caracterizou
a
transformação como transição para
um
Estado feudal
e d e
estamento,
u m
professor
d e
direito público
da autoridade d e Triepel mostrou a contradição d o sistema par-
tidário rigidamente organizado
c o m a s
normalizações
e os
pres-
supostos
da
Constituição,
u m a
bibliografia abrangente sobre
a
mudança d e forma e estrutura d o sistema partidário alemão
mostra que a mudança que se esconde p o r detrás daquela fó r -
mula
d e
auto-organização
da
sociedade
p o r
meio
d o
partido
entrou, há muito tempo, para a consciência científica como u m
novo problema.
Apesar disso, o conceito d e partido pressuposto n a Consti-
tuição parece desaparecer c o m u m a inconsciente naturalida-
de . Não
vejo causar
u m a
impressão duradoura além
d a s
fron-
teiras daquela bibliografia científica especializada
e
além
das
tristes queixas isoladas, quando u m erudito como M a x Weber
persevera na definição de partido como u m produto baseado
essencialmente
" e m
livre propaganda .
O
tribunal
d o
Estado
para
o
Reich alemão,
e.g.,
apresentou,
ao
contrário,
u m a
defi-
nição d e partido político q u e , exatamente devido a sua natura-
lidade sem complicações, d á a perceber, d e maneira impressio-
nante,
a
profunda transformação
d o
conceito
d e
partido
e ,
assim,
todo o nosso sistema político. E m s u a sentença de 7 de julho de
1928, o tribunal d o Estado d iz : Para o processo perante o tri-
bunal
d o
Estado
só
podem
ser
válidos como partidos políticos
aquelas associações
de
pessoas
n as
quais exista
a
possibilida-
de de que sua
atividade seja
d e
interesse para
o
resultado elei-
toral. Grupos que não estejam indubitavelmente em condições
SEGUNDA 1'AIÍTR - A CONCRETA SITUAÇÃO CONSTITUCIONAL.. . • - —
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 141/252
1 2 4
O
G U A R D I Ã O
D A
C O N S T I T U I Ç Ã O
de se
proporcionarem acesso
à
representação popular, cuja
possibilidade de atividade, então, n ão seja e m absoluto atingida
pela configuração d o direito eleitoral, não são partidos no sen-
tido parlamentar. Quando
f o r
admitida apenas
a
propícia
p r o -
paganda
(e
apenas aquela comprovada como propícia median-
te os sucessos eleitorais anteriores) c o m igualdade d e direitos,
está, então, suprimido o princípio normativo anterior da propa-
ganda incondicionalmente livre
e o da
chance
d e
propaganda
incondicionalmente igual para toda opinião política
e
todo parti-
do.
9
Como critério para
os
partidos
n o
sentido parlamentar,
o
tribunal d o Estado apresenta u m a série d e exigências. Em p r i -
meiro lugar, u m número de membros n ã o baixo demais, o Par-
tido Social-democrata Independente
da
Saxônia
não é
consi-
derado partido,
c o m a
justificativa
de que , nas
eleições para
o
parlamento
d o
Reich
em 20 de
maio
de 1928,
teria reunido
apenas 2.953 votos n o s três distritos eleitorais da Saxônia e ,
po r conseguinte, n ã o teria a menor expectativa d e conquistar
u m
mandato
n a s
eleições para
o
parlamento estadual saxão.
Além disso,
c o m a
justificativa
de que, do
contrário,
u m
escru-
tínio proporcional seria impossível, sã o admitidos apenas parti-
d o s rigidamente organizados, mas não grupos desarticulados .
Aqueles podem ser reconhecidos pelas seguintes característi-
cas: um programa
,
u m a base organizacional
relativamente
abrangente
e jornais de que
dispõe
o
partido.
E m
suma,
tem
que se tratar d e produtos, o s quais " n ã o podem ser privados d e
certa solidez e "nos quais se pode contar c o m u m a duração
suficiente .
" U m
partido pressupõe
a
união
sólida de um nú-
A frase citada n o texto encontra-se n o s fundamentos d a decisão
d o
tribunal
d o
Estado
de 7 de
julho
d e 1 9 2 8 e
refere-se
a o
Partido
Social-democrata Independente d a Saxônia (Ju ris pr udê nc ia civil
do Reich 1 2 1 , anexo, p . 8 ; LAMMERS-SIMONS I, p. 309/310).
N ã o
completamente
d e
acordo
c o m
esse tratamento
d o
caráter
malpropíc io temos a frase n a decisão de 17 de dezembro d e
1 9 2 7 referente a o Partido Popular d e Direita Associação Nacional
d e
Hamburgo (LAMMERS-SIMONS
I , p . 3 4 8 ) : "Po r
isso
não é
admissível submeter propostas malpropícias d e candidatos à s
eleições
a
condições diferentes
( . . . ) do que as
mais propicias .
SEOUNDA PARTE - A CONCRETA S1TUAÇAO CONSTITUCIONAL.
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 142/252
P L U R A L I S M O , P O L I C R A C I A b F b D b R A L l S M O
mero maior
d e
cidadãos para alcançar objetivos políticos.
10
Partido, ligação, ordem tomam-se iguais.
Vista d e forma mais detalhada, aquela definição d e partido
d o
tribunal
d o
Estado
é u m
indício
de qu e não
apenas
o
concei-
to de partido, m as também o conceito d e
eleição
se modificou
p o r
total.
A
consideração
d e u m a
realização
d o
sistema
de es-
crutínio proporcional desempenha
n o s
motivos
d e
decisão
d o
tribunal d o Estado u m papel decisivo, m a s q u e ainda necessita
d e mais discussão, pois n ã o apenas aquele novo conceito d e
partido
é
justificado
c o m a s
necessidades
d o
sistema
de
escru-
tínio proporcional.
A té
mesmo desvios
d o
princípio
d a
igualda-
d e
eleitoral
são
justificados
c o m o
fato
de que o
sistema
d e
escrutínio proporcional tornaria necessárias tais restrições da
igualdade eleitoral, j á que igualdade eleitoral não é um concei to
lógico-matemático,
e, sim, um
conceito jurídico
e,
ademais,
se -
r ia um
objetivo político digno
d e
reconhecimento combater
a
fragmentação partidária.
O
tribunal
d o
Estado passa
e m
silên-
c io por cima d o fato de qu e ambas as coisas por e le negadas -
o caráter matemático e a fragmentação partidária - só en-
traram
e m
nossas condições partidárias nessa intensidade
por
meio d o sistema d e escrutínio proporcional e de que seus dois
pontos
d e
vista justificam,
p o r
isso, mais
u m a
restrição
do s is-
tema d e escrutínio proporcional d o q u e u m a restrição da igual-
dade eleitoral ou da imediatidade d a eleição. Porém, direito d e
escrutínio proporcional e part ido rigidamente organizado estão,
e m
realidade, intimamente ligados
u m a o
outro.
M a s ,
também,
independentemente
d o
direito
d e
escrutínio proporcional,
a s
atuais condições constitucionais estão caracterizadas p o r rígi-
das organizações partidárias. A critica difundida e, freqüen-
temente, muito severa ao direito d e escrutínio proporcional não
deveria deixar
de ver
isso, principalmente,
ao
perguntar quão
possíveis
são as
reformas
e o qu e se
conseguiria
c o m a
aboli-
l u
Decisões
de 17 de
dezembro
d e 1 9 2 7 ,
LAMMER S -S 1MONS
, p .
346 ; de 12 de maio d e 1 9 2 8 , L A M M E R S - S I M ON S I , p . 414 e de 7
d e j u l h o d e 1 9 2 8 (Par t ido Soc ia l -democra ta Independente d a
S axôn ia ) , Jurisprudência civil
do
Reich
1 2 1 ,
a n e x o ,
p. 8 e
LAMMER S -S IMONS I , p . 311.
SECUNDA PARTE
- A
CONCRETA SITUAÇÃ O CO NS TO UCIONAL. ..
• —
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 143/252
1 2 6
O G U A R D I Ã O D A C O N S T I T U I Ç Ã O
ção " d o sistema d e escrutínio proporcional. M a s o mais impor-
tante
q u e
pode
ser
averiguado nesse contexto
e que
mostra,
d e
forma mais acentuada, a mudança total d o s conceitos tradicio-
nais,
é o
seguinte:
na
realidade
d a
atual prática eleitoral,
não é
apenas a igualdade da eleição e não é apenas a iinediatidade
da eleição q u e estão restringidas pelo sobrepeso d o sistema d e
escrutínio proporcional
e , em
parte, abolidas,
m a s o
próprio
p ro -
cedimento qualificado como eleição obteve u m conteúdo in-
teiramente novo.
A.
superioridade
d o
antigo parlamento
d a m o -
narquia constitucional baseava-se
n o
fato
d e q u e
seus membros
eram eleitos. Como u m a corporação eleita pela totalidade d o
povo,
ele se
contrapunha
ao rei e a seu
governo
e m
nome
d o
povo. A eleição manifestava u m a relação imediata entre o elei-
tor e os deputados. O fato d e a minoria vencida n o s votos não
obter nenhuma representação expressamente organizada
era
conseqüentemente democrático, pois é destruído o pressupos-
to
fundamental
d e
toda democracia, caso seja abandonado
o
axioma
de que a
minoria vencida
p or
maioria
d o s
votos
só que-
ria o resultado d a s eleições (não sua vontade especial) e , destarte,
anuiu
à
vontade
da
maioria como
su a
própria vontade.
M as s e
fo r organizada, para tornar a derrota p o r maioria d e votos im -
possível, a representação d a s minorias p o r meio d o sistema d e
escrutínio proporcional, tem-se
q u e ,
conseqüentemente,
t a m -
b é m admitir a validade d e u m grande número d e partidos m e -
nores.
Se fo r
combatida
a
fragmentação partidária, combate-
se,
então,
u m
efeito
d o
sistema
q u e n ão
mais compreende aquele
axioma fundamental democrático d a identidade d a vontade d e
todos os
cidadãos.
Se
restringirmos
ao
sistema
d e
escrutínio
proporcional a igualdade e a imediatidade da eleição, exprime-
se com isso que um processo eleitoral, dominado pelo sistema
d e
escrutínio proporcional
e
colidente
c o m a s
duas caracterís-
ticas básicas d o direito eleitoral democrático igual e imediato,
precede
a
essas características básicas, sendo considerado mais
importante do que a própria eleição democrática, pois, e m últi-
m a conseqüência, o sistema de escrutínio proporcional conduz
com seu
sistema
d e
listas
a que a
massa
d o s
eleitores
n ão
eleja
mais, e m absoluto, nenhum deputado. Pelo contrário, o que
— — 1 SEO\ÍNT>A PART E - A CONCRETA SlTL'AÇÀO CONSTITUCIONAL...
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 144/252
P L U R A L I S M O , P O L I C R A C I A E F E D E R A L I S M O
122
sucede
é o
seguinte:
da
escuridão
d e
deliberações secretas
de
comitês incontroláveis apresenta-se às massas d o s eleitores
u m a pluralidade d e listas partidárias c o m u m a longa série d e
nomes,
em que s e
dividem, então,
nas
eleições segundo
as lis-
ta s
partidárias.
Não se
trata mais
de um
eleitor
e m
particular
definir diretamente
u m
deputado
e m
particular, existe tão-so-
mente u m agrupamento e uma divisão estatísticos das mas-
sas dos eleitores segundo uma maioria de listas partidárias.
Enquanto se tratar d o s membros d e rígidas organizações parti-
dárias, socialmente ligados,
e dos
membros
d o s
grupos sociais
d e poder a elas aliados, esse processo n ã o significa nada mais
q u e u m a
revista pelos permanentes exércitos partidários,
m as
desde
que a
massa
d o s
demais cidadãos ainda
n ã o
atingida
por
tais organizações participe
d o
processo,
e la
flutua, como
os
desprezivelmente chamados pedaços d e madeira flutuantes
o u
como areia levada pelo vento , entre essas rígidas organi-
zações, determinando, n a maioria d a s vezes, a decisão. Isso
também
n ão
pode
ser
chamado
d e
eleição, embora
n ã o
contra-
diga
a
noção
d e
democracia
n a
mesma proporção
que o
pluralismo d o s complexos rigidamente organizados. Mas t am -
bém não é
mais eleição
n o
sentido
d a
noção tradicional
de de-
putados e representantes, m as , na realidade, u m processo se-
melhante
a u m plebiscito. O
processo
d e u m a
atual eleição
para o parlamento estadual ou do Reich, q u e ainda continua a
se r
qualificado
d e
eleição , separa-se, assim,
e m
dois lados:
por um lado, a averiguação puramente estatística da divisão
pluralista
d o
Estado
em
vários complexos rigidamente organi-
zados e , por outro, u m pouco plebiscitário.
O
Estado democrático encontra-se freqüentemente quali-
ficado, e até mesmo definido, como Estado partidário. E m
u m
sentido especial,
o
Estado democrático-parlamentar
é ain-
da mais u m Estado partidário. D e alguma maneira, pode-se
talvez qualificar qualquer Estado como Estado partidário,
m as
c o m isso prova-se apenas que ta l designação é vazia e insigni-
ficante, desde que não se acrescente nenhum dado mais deta-
lhado acerca
d o
tipo,
da
organização,
d a
estrutura
e d o
número
d o s
partidos. Para
que um
Estado legiferante democrálico-parla-
SfiC.UNDA PARTE - A CONCRETA SITUAÇÃO CONSTITUCIONAL. . . •
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 145/252
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 146/252
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 147/252
1 3 0
O G U A R D I Ã O D A C O N S T I T U I Ç Ã O
car,
insignificantemente,
à
parte
e , no
final, encontram-se
na
situação daquele conhecido cachorro da fábula de La Fontaine,
o qual guarda c o m a melhor d a s intenções o assado de seu
senhor, m a s , quando vê outros cachorros caírem sobre o m es -
m o ,
também passa
a
participar, finalmente,
da
refeição.
A diferença entre u m Estado partidário-parlamentar c o m
partidos livres,
ou
seja,
n ã o
rigidamente organizados,
e u m E s -
tado partidário-pluralista
c o m
produtos rigidamente organiza-
dos , como o s portadores da volição estatal, pode ser maior d o
qu e entre monarquia e república ou qualquer outro regime e s-
tatal.
A s
rígidas relações sociais
que s ão
hoje portadoras
d o
Estado pluralista fazem d o parlamento, onde seus expoentes
surgem na forma de facções, u m a mera imagem d a repartição
pluralista d o próprio Estado. Nessas circunstâncias, d e onde
deve
se
originar
a
unidade
n a
qual estão suprimidas
e
fundidas
as rigorosas vinculações partidárias e d e interessados? Não se
realiza mais u m a discussão e ate minha pura alusão a esse
princípio ideal
d o
parlamentarismo levou Richard Thoma
a fa-
l a r de um a base inteiramente bolorecida . Alg umas assim
chamadas relações transversais q u e passam pelos partidos
políticos (interesses agrícolas, interesses
d o s
operários, funcioná-
rios públicos,
em
casos particulares também mulheres) podem
conseguir, e m determinadas matérias, u m a maioria, m a s como
n o
pluralismo
não se
trata apenas
d o s
partidos
e
facções parla-
mentares
e ,
além disso, tais relações transversais podem
ser,
fatores d o agrupamento pluralista, embora signifiquem u m a
complicação, não significam u m a supressão ou eliminação, a o
contrário,
a té
mesmo
u m a
confirmação
e u m
reforço dessa
situação.
A
famosa solidarité parlementaire ,
os
comuns
e
egoístas
interesses particulares
d o s
deputados parlamentares,
q u e p a s -
sam por cima das fronteiras partidárias, principalmente aque-
les dos
verdadeiros políticos
de
caixeira, podem
ser um
motivo
eficaz
e u m
útil fator
d e
unidade,
m as não s ão
mais suficientes,
como
era de se
supor,
e m u m a
situação
tão
difícil como
a da
Alemanha atual e no forte enrijecimento das organizações.
Dessa forma, o parlamento d o cenário d e u m a livre negocia-
• S H G U N D A F A R T E - A C O N C R E T A S I T U A Ç Ã O C O N S f l l I J C I O N A L .
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 148/252
P L U R A L I S M O , P O L I C R A C I A C FLDLRALISMQ
m
ç ã o formadora d e unidade entre livres representantes popula-
res e de um
transformador
d e
interesses partidários
em uma
vontade suprapartidária, torna-se u m cenário d e repartição
pluralista
d a s
forças
sociais
organizadas.
A
conseqüência
é que
ele se
torne,
po r
meio
de seu
imanente pluralismo, incapaz
de
ação
ou se
transformar
e m
maioria
o u ,
porém,
que a
respecti-
v a maioria faça u so de todas as possibilidades legais, como
instrumentos e meios d e proteção de sua posse d o poder, apro-
veite
o
tempo
de seu
poder
e m
todas
a s
direções
e ,
sobretudo,
procure restringir a chance, segundo a possibilidade, a o adver-
sário mais forte
e
mais perigoso
d e
fazer
o
mesmo. Seria
tal-
v e z
ingênuo explicar isso apenas
a
partir
da
maldade humana
ou a té
mesmo
a
partir
d e u m a
infâmia especial,
s ó
possível
nos
dias
d e
hoje.
A
história estacai
c
constitucional alemã conhece
processos análogos
e m
séculos anteriores,
e m
número
e
regu-
laridade inquietantes, e o que imperadores e príncipes da na-
ç ã o
alemã fizeram
na
decomposição
d o
antigo reino romano
para proteger seus poderes dinásticos,
se
repete hoje
por nu-
merosos paralelismos.
Também nesse aspecto
é
fundamental
a
mudança
c o m
relação
a o
século
X I X .
Também aqui
ela é
encoberta pelo
véu
d e palavras e fórmulas inalteradamente conservadas p o r anti-
g o s
modos
d e
pensar
e
falar
e por um
formalismo
a
serviço
desses resíduos. Mas não s e pode deixar enganar pelo fato d e
q u e o
efeito tanto sobre
a
atitude política
d o
Estado
e d a
Cons-
tituição quanto diretamente sobre
o
próprio Estado
e a
própria
Constituição seja extraordinariamente grande. Tal efeito c o n -
siste principalmente
e m
transformar
o
Estado
em um
produto
plural
e, na
mesma proporção, substitui
a
lealdade
ao
Estado
e
à sua
Constituição pela lealdade
à
organização social, àquilo
q u e sustenta o pluralismo estatal, ainda mais que o complexo
social t em a tendência de se tornar total, o u seja, d e vincular
totalmente
o s
cidadãos
por e le
abrangidos, tanto
na
esfera
eco -
nômica quanto
em sua
concepção
d e
mundo. Assim surge,
f i -
nalmente, também u m pluralismo d e vinculações morais e
obrigações de lealdade, u m a plurality o f loyalties , pelas
quais
a
repartição pluralista
se
torna, cada
v ez
mais, fortemen-
SEGUNDA 1'ARTC
- A CONCKKIA SITUAÇÃO CONSTITl /OÍONAl .
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 149/252
O G U A R D I Ã O P A C O N S T I T U I Ç Ã O
te estabilizada e torna-se cada v ez mais ameaçada a formação
d e u m a
unidade estatal.
Em seu
conseqüente resultado torna-
se, assim, impossível u m funcionalismo público compromissado
co m o Estado, pois mesmo esse tipo d e funciona lismo pressu-
p õ e u m
Estado
q u e
pode
se r
diferenciado
d o s
complexos sociais
organizados. M a s , além disso, surge u m pluralismo
dos con-
ceitos
de
legalidade q u e
destrói
o
respeito
à
Constituição
e
transforma
a
base
d a
Constituição
em u m
terreno inseguro
e
dispufadopor vários iados, enquanto é da lógica d a Constitui-
ç ão
tomar
u m a
decisão política capaz
de
colocar fora
d e
dúvi-
da o que é a base comum d a unidade estatal, posta pela cons-
tituição, O respectivo grupo ou coalizão dominante denomina
legalidade, c o m a melhor d a s consciências, o aproveitamento
d e todas as possibilidades legais e a proteção d e suas respecti-
v as
posições
d e
poder,
a
utilização
d e
todos
os
poderes estatais
e
conformes
à
Constituição
n a
legislação, administração, políti-
ca de pessoal, direito disciplinar e autonomia administrativa, o
q u e
resulta, então,
de per si,
q u e
toda crítica séria
ou
mesmo
u m a ameaça à sua situação lhe pareça ilegal, como subversão
c como u m a infração a o espírito da Constituição, e m contra-
partida, toda organização adversária atingida p o r tais métodos
d e governo baseia-se n o fato de que a violação da chance cons-
titucionalmente igual significa a pior infração contra o espírito
e as
bases
d e u m a
Constituição democrática,
com o que e la
pode rebater a acusação de ilegalidade e inconstitucionalidade,
d a
mesma maneira,
c o m a
melhor
d a s
consciências. Entre
ambas
as
negações recíprocas,
que, na
situação
de um
plura-
lismo estatal, funcionam quase q u e automaticamente, a própria
Constituição torna-se gasta.
Essa consideração
d a
concreta situação constitucional deve
tomar consciente u m a realidade, de cuja contemplação muitos
preferem
se
privar pelos mais variados motivos
e sob
toda
a
sorte de subterfúgios, m a s cujo conhecimento nítido, apesar
disso, é totalmente inevitável para u m exame d e caráter d e
direito constitucional
que se
ocupa
d o
problema
d a
salvaguar-
da e proteção d a vigente Constituição d o Reich. N ã o basta, d e
1 SEGU NDA PARTE - A CONCRETA SITUAÇÃO CONSTITUCIONAL...
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 150/252
P L U R A L I S M O , P O L I C R A C I A E FEDERALISMO
modo algum, falar, n o geral, d e u m a crise ou menosprezar a
consideração anterior, remetendo-a à bibliografia d e crise .
S e o atual Estado deve ser um Estado legiferante, se , ademais,
sucede u m a expansão tamanha d a s áreas d e vida e atividade
estatais, d e modo que já se possa falar d e u m a mudança rumo
a o Estado total, mas se , então, concomitantemente, a corpora-
ç ã o legislativa se toma cenário e centro d a repartição pluralista
d a unidade estatal e m u m a maioria d e complexos sociais rigida-
mente organizados, então n ã o a juda muito falar e m soberania
d o parlamento c o m propósitos e fórmulas contrárias, cunhadas
para
a
situação
d a
monarquia constitucional
d o
século
X I X ,
para
responder
à
questão mais difícil
d o
atual direito constitucional.
5 .2 A policracia na economia pública
O
desenrolar
d a s
tendências pluralistas
que se
concentram
e se
expressam
n a
corporação legislativa ocorre simultanea-
mente
c o m a
mudança para
o
Estado econômico.
N a
área
d a
economia pública, teriam
que se
distinguir,
n a
verdade,
em um a
relação conseqüente c o m s u a grande expansão, u m a uniformi-
dade mais forte
d e
toda
a
direção, diretrizes uniformes
e , com
isso, a possibilidade de um programa financeiro e econômico
uniformes. Como toda unidade econômica, mesmo a menor
delas, u m complexo econômico d e tais proporções, como o
apresentado pela atual economia pública na Alemanha, neces-
sitaria, pelo menos, d e certo plano, mesmo se for o caso de se
querer manter ainda b e m distante d e u m a economia socialista
planificada. M a s u m parlamento que é tão-somente o cenário
e o reflexo de um Estado partidário d e coalizão pluralista e
instável, n ã o será capaz de tal planejamento, porque dele faz
parte u m a conseqüência e u m a permanência que se estendem
p o r períodos d e tempo maiores e situações diversas e com as
quais não se pode contar na presente situação partidária e de
maioria. Devido à falta de tal uniformidade e coerência, desen-
volvem-se, então, na economia pública, u m a justaposição e uma
desordem d e numerosos sustentadores
autônomos
da econo-
SF.üUNDA PARTE - A CONCUETA SITUAÇÃO CONSTITUCIONAL. . . •
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 151/252
1 3 4
O
G U A R D I Ã O
D A
C O N S T I T U I Ç Ã O
m ia
pública, amplamente emancipados
e
independentes
un s dos
outros. Essa situação
fo i
chamada
p o r
Popitz
d e policracia,
c o m a
qual
se
encontra qualificado
de
forma sumamente acer-
tada u m fenômeno d e características especiais q u e , embora
esteja estreitamente ligado ao pluralismo d e nosso sistema po-
lítico, não é absolutamente idêntico a e le . N a economia pública
da
Alemanha, reina hoje
u m a
pluralidade quase ilimitada
d e
entes detentores
de
vontade
da
mais variada espécie
e
qualifi-
cação,
n ão
suficientemente ligados entre
s i" .
Popitz enumera:
o Reich, os 17 Estados, 65.000 municípios e federações muni-
cipais, as instituições de seguro social (7.427 caixas d e assis-
tência médica e hospitalar, 106 entidades d e classe, 35 institu-
tos de seguro social dos operários, o instituto d e seguro social
d o Reich para empregados, o seguro social d e assistência aos
mineiros,
a
instituição para colocação
d e
mão-de-obra
e
segu-
ro-desemprego), além disso, ainda acrescenta
as
grandes insti-
tuições d a economia pública equipadas c o m o s próprios domí-
nios dinásticos, especialmente o banco d o Reich, os correios e
a ferrovia d o Reich e mais outros institutos e empreendimentos
públicos mais ou menos autônomos . Pode se r que essa visão
geral
e
essa enumeração necessitem
d e u m a
diferenciação mais
detalhada e sejam imagináveis algumas complementações e
novos pontos
de
vista.
O
mérito científico
de ter
aludido
a
esse
importante fenômeno de nossa atual situação estatal não é , por
isso, menor e o valor d o reconhecimento dessa constatação,
assim como seu grande significado para o quadro concreto d e
nossa situação constitucional,
n ã o
ficam diminuídos
co m
isso.
Como conseqüência de ta l policracia, apresenta-se u m a
falta
de
diretrizes uniformes,
u m a
desorganização
e
falta
d e
planejamento, a té mesmo u m a adversidade a o planejamento,
cujo alcance
é
especialmente grande pelo fato
d e o
Estado
ter
tomado, h á muito, o rumo d o Estado econômico. S u a influência
econômica aumentou d e forma tamanha que a expansão da
atividade estatal, como afirma Popitz,
" n o
caminho para
o Es -
tado administrativo,
já
superou
há
muito
com seu
equivalente,
o
" C f . referência bibliográfica apresentada e m not;t anterior.
— . SKGU NDA PARTF. - A CONCRETA SITUAÇÃO CONSTITUCIONAL.. .
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 152/252
P L U R A L I S M O , P O U C H A C I A E F E D E R A L I S M O
I 2 S
Estado fiscal, o nível d o Estado preocupado c o m o bem-estar
social
e
ameaça tomar, pura
e
simplesmente,
o
desenvolvimento
rumo
ao
Estado fornecedor
d a
previdência social .
A
policracia
d o s
sustentadores públicos
d a
economia ergue-se juridicamen-
te, principalmente, fundado n a autonomia e na independência
administrativa, sobretudo
c o m
base
na
autonomia administrati-
va dos
municípios.
O
reconhecido princípio
d a
universalidade
d a esfera d e atividade possibilita u m a expansão quase ilimita-
da das atividades econômicas d a comunidade.
A
forma
d e
direito privado
d a s
sociedades municipais
p o s -
sibilita escapar amplamente
a o
controle estatal (fiscalização
pelo Estado, assessoria municipal junto a o ministério das finan-
ç a s d o Reich) e conseguir u m a espécie d e alódio d e direito
privado
q u e
pode
te r
significado político semelhante
ao
alódio
medieval para
o
vassalo
q u e
podia,
c o m
isso,
se
esquivar
à
associação estatal fundamentada
n a
Constituição feudal.
E m
tudo isso pode
ser
facilmente reconhecida
e
explicada
a m u-
dança funciona l sofrida pelo instituto d a autonomia administra-
tiva. F o i mencionado acima que a organização d a autonomia
administrativa, como transmitida à Alemanha e normalizada em
numerosas leis d o século X I X ainda vigentes c o m u m texto
inalterado, pressupõe
a
situação concreta deste século
c o m
su a
diferenciação entre Estado
e
sociedade
e que a
autonomia
administrativa aí surge essencialmente como u m a parte da so-
ciedade diferenciada d o Estado. Mas se o Estado se toma auto-
organização d a sociedade e se as posições d a autonomia
administrativa são ocupadas pelos mesmos sustentadores d o
pluralismo estatal
q ue
também detêm
as
posições
d e
poder,
a
estrutura da instituição jurídica da autonomia administrativa,
e m
especial
a
relação entre fiscalização pelo Estado
e
autono-
m i a administrativa, tomou-se, então, problemática. Toda tenta-
tiva e m estabelecer e impor u m programa financeiro e econô-
mico, abrangente co m diretrizes uniformes d a gestão econômica
pública, encontra os empecilhos e obstáculos dessa policracia
multifacetada, assegurada por detrás de um forte dique d e prote-
ç ã o
legal
e
constitucional.
Mas sua
resistência
não é
intrans-
ponível po r causa de sua própria força, m as só porque policracia
SEGUNDA PARTE - A CONCRETA SITUAÇAO CONSTITUCIONAL.
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 153/252
1 3 6
O G U A R D I Ã O D A . C O N S T I T U I Ç Ã O
e pluralismo (além disso, também, policracia e o federalismo a
ser em
breve discutido)
se
aliam
u m a o
outro.
Será necessário pesquisar e discutir mais detalhadamente
essa questão
d a
policracia. Parece-me, sobretudo, necessário,
para
o s
interesses
d a
presente investigação
n o
direito constitu-
cional, proceder à seguinte diferenciação dentro d o assim d e -
signado complexo total.
U m a
parte daquelas forças
d a
policracia
retira seu significado e sua resistência políticos d e u m a aliança
c o m o s sustentadores d o pluralismo estatal q u e t ê m u m inte-
resse
n a
policracia, desde
q u e
esta lhes ofereça, simultanea-
mente, posições d e poder para suas organizações. U m a outra
parte,
e m
contrapartida, deve
sua
justificação
e
talvez também
a sua origem a u m a tendência oposta, perante a repartição
pluralista d o Estado, determinados complexos e instituições que
carecem, especialmente,
d e
proteção para
a
totalidade
da eco-
nomia, devem se r subtraídos à influência d a política partidária
e ser
político-partidariamente neutralizados. Nisso,
se
encai-
x a m ,
principalmente,
o
banco
e a
ferrovia
d o
Reich.
O
proces-
s o d e tais neutralizações será discutido mais à frente. E l e t e m
q u e s e r
mencionado aqui, porque seja talvez necessário,
d e n -
tro da totalidade d o fenômeno d a policracia, fazer u m a dife-
rença sob o ponto d e vista de que há portadores d a policracia
q u e
tão-somente
são
assistidos
e
aliados
d o
pluralismo
e ou-
tros q u e devem s u a existência a u m movimento contrário a
esse pluralismo.
C o m
isso,
não se
nega
n em s e
refuta,
d e
modo algum,
o
próprio fato e a totalidade d o fenômeno q u e deve se r qualifica-
d o co m a
palavra policracia. Torna-se apenas mais evidenciado
q u e várias orientações divergentes t êm q u e s e r consideradas
para q u e seja possível u m a descrição exata da atual e concreta
situação constitucional
e , com
isso, possam
se r
estudadas
a s
numerosas negações e ameaças da unidade política d o povo,
que são
pressupostos
e m u m a
democracia.
A
policracia
da eco-
nomia pública obtém seu verdadeiro significado
da
coincidên-
cia
entre
a
quebra pluralista
de
Estado legiferante
par-
lamentar e o desenvolvimento intenso do Estado rumo ao
Estado econômico. N o centro da totalidade d o problema, aqui
— • SEGCNO/K TftR TE - f . CONCRETA SITUAÇÃO CONSTITUCIONAL...
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 154/252
P L U R A L I S M O . P O L I C R A C I A
E
FEDERALISMO
1 3 7
esboçado apenas c o m poucas palavras, encontra-se u m a ques-
t ã o formulada primeiramente da seguinte forma: o quão são
compatíveis u m c o m o outro, afinal, parlamentarismo e Estado
q u e
atua
c o m
economia planificada?
A
questão
fo i
firmemente
negada e m u m a publicação de H . Gõppert, ainda hoje muito
atual, Estado e Economia (Staat
und
Wirtschaft, Tübingen,
1924).
M a s e l a
pode
ser
diferenciada
d e
forma mais detalhada
considerando
a
característica concreta
d o
parlamentarismo, pois,
para o Estado, cujo parlamento se tornou apenas o reflexo d o
pluralismo
d e
complexos sociais
d e
poder,
e la
seria, provavel-
mente, mais urgente e mais perigosa d o q u e para u m Estado
q u e
forma
su a
vontade estatal
c o m u m
bipartidarismo normal-
mente funcionando. U m grau ainda mais alto d e intensidade
alcança a questão, então, quando, simultaneamente com o de -
senvolvimento rumo
a o
pluralismo,
o
Estado exerce
não só
empreendimentos econômicos isolados,
mas e l e
mesmo
já se
tornou u m Estado econômico que se encontra n o ponto de se
t r a n s f o r m a r
e m u m
Es tado soc ia l , subvencionador
e
assistencial. E atinge-se o ponto mais extremo e mais crítico
d o questionamento, quando semelhante Estado econômico com
semelhante parlamento determinado pluralisticamente, e m
grandes dificuldades econômicas e e m u m a situação econômi-
c a anormal, se vê obrigado, para continuar a existir, a executar
diretrizes uniformes
e
grandes planos econômicos
e
financei-
ro s , abrangentes tanto n o tocante a suas proporções objetivas
quanto à extensão temporal. A pergunta assim especificada,
hoje provavelmente respondida negativamente,
é de se o par-
lamentarismo plurista e o moderno Estado econômico são ou
n ã o
compatíveis
um com o
outro.
5.3 O Federalismo
A pergunta sobre o sistema parlamentarista se r ou não
compatível c o m determinados tipos d e organização estatal, fo i
anteriormente formulada
na
ciência política alemã apenas
com
respeito a organização federal e , para tanto, até o ano de 1918,
SüCUNDA PARTE
A
CONCRETA SITUAÇÃO CONSTITUCIONAL.
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 155/252
1 3 8 ^ O j 5 U A R D j à O _ D A ^ C O N S T n j U K ^ O
na
maioria
d a s
vezes, respondida negativamente.
N o
direito
federal alemão da Constituição d o Reich da época d e Bismarck,
e ra válido como axioma o fato de que parlamentarismo e orga-
nização federal
são até
mesmo opostos
que se
excluem mutua-
mente.
Erich
Kaufmann defendeu durante
a
guerra
(1917)
essa
tese,
em
sua publicação sobre a herança d e Bismarck n a
Constituição d o Reich e afirmou a estreita relação, funda-
mentada
na
natureza
d o
assunto, entre federalismo
e
impossi-
bilidade
do
parlamentarismo
d e
maneira geral
e não
apenas
para
o
Estado federal monárquico
de 1871. Na
base
d o s p e n -
samentos d e Hugo PreuG estava u m a tese semelhante, pelo
menos para o Estado federal monárquico, c o m valoração in -
versa,
p or
conseguinte,
e m
seus primeiros projetos constitucionais,
ele partia d o princípio de que o Estado federal teria que ser
substituído p o r u m a ampla descentralização e autonomia admi-
nistrativa. E m minha 'Teoria da Constituição (Verfassungslehre,
1928), defendi
o
ponto
d e
vista
de que o
verdadeiro motivo
das
incompatibilidades
que são
aqui indubitavelmente perceptíveis,
nã o
pode
ser
encontrado,
e m
primeiro lugar,
n o
antagonismo
entre parlamentarismo e federalismo, m a s n a relação de ca -
racterísticas especiais entre democracia e federalismo. Como
a democracia nacional e aquela organização na forma de uma
federação pressupõem
u m a
identidade substancial, torna-se
difícil just ificar u m a maioria de Estados autônomos democráti-
c o s existentes dentro da unidade homogênea nacional. E m u m a
democracia nacional,
u m
Estado federal
é
possível apenas
en -
quanto deixarem existir,
c o m
função essencialmente modifica-
da. as
bases firmes
de um
federalismo transmitido
por
outras
condições constitucionais.
N a assembléia nacional de Weimar, não fo i observada a
difícil questão
d o
princípio
d e
construção
d o
Estado federal,
conservou-se, antes,
a
organização federal
e
introduziu-se
si-
multaneamente o parlamento, no nível de uma democracia na -
cional, n ã o apenas no Reich, mas a té mesmo, devido à Consti-
tuição
d o
Reich (artigo
17), em
cada Estado
e m
particular.
Doravante, coexistem,
há
doze anos, organização federal
e
parlamentarismo no Reich e nos Estados, d e modo que a compa-
SCGUNDA PARII-:
- A
C O N C R LTA S I TU A Ç Ã O C O N S TI TU C I O N A L.
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 156/252
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 157/252
1 4 0
O G U A R D I Ã O D A C O N S T I T U I Ç Ã O
Confederação Suíça,
são
compatíveis,
sob
determinados pres-
supostos concretos
e o
federalismo, i.e.,
a
organização estatal
forme nessa democracia os meios mais seguros para a descen-
tralização. E m u m a coletividade estatal que é , ao mesmo t em -
p o , organizada federalmente e governada parlamentarmente
n o atual Reich alemão, o federalismo obtém, p o r conseguinte,
duas novas justificativas, primeiro,
ele é um
meio
d e
autêntica
descentralização territorial
e,
segundo,
e le
pode,
d e
forma
an á -
loga
às
anteriormente mencionadas separações autônomas
da
economia pública d o Reich e às tentativas d e neutralização
ainda a serem discutidas, ser visto como antídoto contra os
métodos de um pluralismo político-partidário.
SEGUNDA PARTE
- A
CONCRETA SITUAÇÃO CONSTITUCIONAL.
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 158/252
R e m é d i o s e m o v i m e n t o s
c o n t r á r i o s
6.1 Tentativas d e u m a Constituição econômica
Diante d o intrusivo fato de que o Estado domina ou influên-
c i a amplamente a área econômica, é natural exigir u m a refor-
m a d a
vigente Constituição
d o
Reich como resposta
a
proble-
m a s
como pluralismo
e
policracia, pois, embora
o
Estado atual
possa ser qualificado como Estado econômico, a constituição
estatal, assim como n a maioria d o s Estados modernos também
n a
Alemanha,
n ã o é u m a
Constituição econômica ,
mas, s im,
u m a
constituição imprecisamente chamada
d e
constituição
"po-
lítica , a qual ignora as grandezas e poderes econômicos como
tais e parece estar neutra perante a economia. Naturalmen-
te ,
toda economia
e
toda sociedade , assim como todo conví-
v io
humano,
têm em s i
algum tipo
d e
constituição ,
i.e.,
algum
tipo d e ordem, d e modo que , em um sentido totalmente diferen-
te , se possa falar, d e forma imprecisa e falsa, d e constituição
social
e
econômica
ao se
separar
u m d o
outro,
à
maneira
he r -
dada d o século X I X , Estado e sociedade, política e economia, e
vê-los como diferentes matérias. M a s semelhante organiza-
ç ã o " ,
econômica
ou
social ,
não é a
constituição estatal.
Para
a
organização
e a
construção política
d o
Estado, forma-
ções
e
grandezas
n ã o
econômicas
são
utilizadas como tais
( e m -
presa, sindicato, associação comercial, câmaras econômicas
o u outras representações d e interesses) e o cidadão em par-
<
u
SBÜUNDA PARTE
- A
CO N CRE T A SI T U A ÇA O CO N ST I T U CI O N A L . . .
• -
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 159/252
1 4 2
O
G U A R D I Ã O
D A
C O N S T I T U I Ç Ã O
ticular tem seu posicionamento político e seus direitos de cida-
dão não em sua propriedade como sujeito econômico, como
empregador
ou
empregado, produtor
ou
contribuinte fiscal,
ou
d e algum modo co m base e m u m a qualidade ou um serviço
econômicos, m as para semelhante organização estatal, e l e co n -
tinua sendo
citoyen
e n ã o
producteur.
F a z parte d a s decisões
fundamentais
e
positivas
da
vigente Constituição,
o
fato
de q ue
esta recusou o sistema d e u m a Constituição econômica, espe-
cialmente
o
sistema político
d e
conselhos. Mesmo
a
anco-
ragem
d o
sistema
de
conselhos ,
n o
artigo
165 da
Constituição
d o Reich, deveria, como expressamente salientado, te r apenas
u m significado econômico e não de organização estatal. S e
concebêssemos aquele artigo
d e
outro modo,
a
vigente Consti-
tuição seria, então, u m produto d e u m a monstruosidade fantás-
tica, pois conteria em s i várias constituições contraditórias e
fundamentaria
em s eu
último artigo, digamos,
u m a
segunda
Constituição adicional q u e colocaria novamente e m dúvida toda
a construção organizacional anterior. P o r isso, não se admite
utilizar
o
artigo
165
para fazer
d a
Constituição vigente
u m a
Constituição econômica
e d a
Constituição econômica
d o
artigo
165, a organização estatal da Alemanha,
1
Mesmo o conselho
econômico d o Reich n ã o é
nenhum
órgão estatal
decisivo,
1
A s
expos ições
d e u m d o s
maiores conhecedores dessa á rea ,
E . TATAR1N-TARNHEYDEN, e m
Berufsverbande
und
Wirtschafts
demokratie, ein Kommentar zu Artikel 165 der Reichsverfassung,
Berlin,
1 9 3 0 , p . 1 3 , s ão
apenas aparentemente contraditórias
a
isso. Todavia, Tatarin
d i z q u e o
artigo
165, § I
o
,
daria
" a
base
ideal para a Constituição econômica regulamentada legalmente
e de l ineada n o s outros parágrafos . Essa n ã o deve s e r " u m a
constituição social econômica separada d a constituição política ,
e , s i m , " u m a
parte integrante
d a
própria constituição política .
M a s , s e entendo corretamente, a autonomia administrativa (artigo
1 2 7 d a Constituição d o Reich) possa se r chamado d e u m a parte
integrante
d a
organização política. Embora conste ainda, assim,
q u e a
C o n s t i t u i ç ã o
d e
W e i m a r t e n h a t r i l h a d o
u m
d u p l o
c a m i n h o d e volição política — o da democracia representativa
c o da cooperação entre classes econômicas e associações profis-
sionais
-
afirma-se
na p . 12 que a
democracia representativa
fo i
SEGUNDA. PARTE
- A
CONCRETA SITUAÇÃO CONSTITUCIONAL.
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 160/252
R E M É D I O S
L
M O V I M E N T O S C O N I H Á R I O S
1 4 3
transformada pela Constituição
d e
Wcimar
n a
base
de s eu
sistema
poli t ico e , além disso, " p o r s u a v e z , como freqüentemente n a
Consti tuição d e Weimar, u m produto d e acordo. A justaposição
d e
dois sistemas políticos diferentes
- d o
atomístico
e d o
orgânico
-
a qual só s e torna suportável n a realidade política pela atribuição
a o úl t imo importância secundária p o r me io d e s e u desvio d o
puramente pol í t ico para
a
área econômica . Sobre isso resta
dizer, conseqüentemente. Quando H . Herrfahrdt formulou que o
art igo
165 , o
últ imo art igo
d a
Consti tuição vigente, seria,
a o
mesmo tempo,
o
pr imeiro ar t igo
d e u m a
futura Consti tuição,
isso passa a ser , no fundo, apenas u m a conf i rmação d a tese d o
texto acima. Nesse aspecto,
s ã o d e
especial interesse
e
valor
a s
expos i ções d e J A C O B I S , E . Grundlehren de s Arbeirsrechis,
Leipzig, 1927 , p . 392-395: Aq ui (o artigo 165 da Constituição d o
Reich) é , e m todo caso, despropositada a idéia d e u m a Constituição
econômica separada a o lado d a orga nizaç ão pol í t ica . Jacobi
n ã o v ê " d e forma alguma n o artigo 165, § I
o
, " u m a nova criação
d e direito público . E m contrapartida, se o sistema planejado n o
artigo
165, § 2",
fosse realizado, iria
" s e
tratar,
n a
realidade,
d e
novas cr iações d e direi to púb lic o . Con tu do , esse pro gra ma
n ã o
está realizado (...).
A
Constituição econômica
d e
direito púb lico
d o art igo 165, § 2
o
, d a Cons t i tu ição d o Reich n ã o exis te . A
decisão fundamental sobre t ipo
e
forma
d a
existência política,
par te d e u m a C ons t i t u i ção , t o rna impos s íve l s eme lhan t e
jus t apos i ção d e dois pr incípios d e const rução contradi tór ios ,
seria, muito provavelmente, a razão mais importante para o fato
d e q u e o programa d o art igo 1 6 5 n ã o pode s e r executado, s e m
p ô r ,
literalmente,
à s
avessas
a
Constituição
d e
Weimar.
A í
também
res ida , t a lvez , o pon to e s s enc i a l d a q u e s t ã o s e , n a vigente
Consti tuição d o Reich, possa o u n ã o existir u m a representação
(diferentemente
d a
pura representação)
d e
interesses econômicos.
Insisto c m q u e esse não é o caso; a argumentação d e GLUM F.
Der deutsche und der franzosische Reichs-wirtschaftsrat, Berlin,
1929 , p . 37-38; ademais, o capítulo " O conselho econômico d o
Reich e m Handbuch des de.utschen Staatsrechts, vol . I , p . 58 2,
baseiam-se n o fato d e q u e " a economia é transformada e m u m
todo e , po r conseguinte, e m algo político, s e m deixar d e estar
defronte
a o
Estado .
A
partir
d a
representação
e l a
deve, então,
s e r puxa da para dent ro d o Estado . Glum refere-se a o artigo 17
d o
decreto
de 4 de
maio
d c 1 9 2 0
sobre
o
conselho econômico
interino
d o
Reich:
" O s
membros
d o
conselho econômico
d o
Reich
s ã o rep re s en t an t e s d e toda a economia d o p ovo a l emão , e
cont inua,
" c o m
isso
s e
expr ime
q u e o s
m e m b r o s
d o
conselho
econômico d o Reich — mais precisamente o s membros permanentes
e o s não-permanentes - n ã o t ê m q u e , absolutamente, defender
nenhum interesse, n e m o s interesses econômicos d e todo o povo .
ShGUNDA PARTF; - A CONCRETA SITUAÇÃO CONSTITUCIONAL.. . i —
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 161/252
1 4 4
O G U A R D I Ã O D A C O N S T I T U I Ç Ã O
mesmo
se ele, na
execução
d o
programa
d e
conselhos
d o
arti-
go 165,
tivesse sido feito definitivo.
A
primeira parte organi-
zacional d a Constituição d o Reich permanece sendo a parte
politicamente decisiva.
E la
contém
u m a
decisão tomada
de
plena
consciência contra a construção política d o Reich e m u m a
Constituição econômica.
Assim resulta
u m a
evidente discrepância,
em que se tem
u m Estado econômico, m a s n ã o u m a Constituição econômica.
É
natural
se
querer produzir
u m a
harmonia segundo
uma das
duas direções dadas, ou ao se limpar o Estado d e todos os
elementos
que lhe dão o
caráter
de um
Estado econômico,
ou
seja, deseconomizar o Estado, ou , inversamente, a o substituir a
vigente Constituição não-econômica
p o r u m a
econômica,
o u
seja, economizar, resoluta e totalmente, o Estado. A primeira
exigência levaria
a
transformar novamente
os
atuais partidos
políticos, que , em grande parte, são representações d e interes-
ses
rigidamente organizadas
e
relações mais
ou
menos
" f e u -
dais", e m produtos independentes, orientados pela livre opinião
e
baseados
e m
livre propaganda,
e
também tornar novamente
independentes os deputados e m particular, como correspon-
dente
à
vigente Constituição (artigo
21) .
Poder-se-ia tentar isso
principalmente a o introduzir rigorosas "incompatibilidades" e
n ão
apenas
as
incompatibilidades tradicionais como
a
"incom-
patibilidade" entre mandato parlamentar e posto d e funcioná-
r io, mas as
chamadas incompatibilidades econômicas,
i.e., in-
compatibilidades entre mandato parlamentar e determinadas
profissões
ou
postos econômicos,
p .ex . de
síndico, secretário
d e
associação
ou
partido, membro
d o
conselho administrativo,
banqueiro, fornecedores
de
materiais para
o
Estado,
e tc . Se-
Isso só pode significar: o u eles s ã o representantes, representando,
então, todo o povo, m a s n ã o a economia; ou não o s ão . O fato
d e n ã o s e r e m d e f e n so r e s d e in t e re sses a inda n ã o o s torna
representantes. Glum reconhece outra possibilidade d e q u e possa
se ter a intenção d e u m tipo d e grêmio independente d e especia-
listas. M a s m e sm o o peri to independente n ã o é representante.
Sobre o s diferentes t ipos d e independência, cuja diferenciação
também
se
mostra necessária aqui.
1 SHGUN DA PARTE - A C O N C K P T A S I T U A Ç Ã O C O N S T I T U C I O N A I - .
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 162/252
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 163/252
1 4 6
O G U A R D I Ã O D A C O N S T I T U I Ç Ã O
hoje apenas dois grandes Estados tenham tais constituições
econômicas, a Rússia comunista c o m u m sistema soviético e a
Itália fascista com seu siato corporativo. São dois países, e m
grande parte, ainda agrícolas, que não estão d e forma alguma
n o ápice d o desenvolvimento econômico e d o progresso indus-
trial e dos quais todos sabemos que sua Constituição econômi-
ca se encontra à sombra d e u m a organização partidária rigida-
mente centralizada e d o chamado Estado unipartidário. O sistema
da Constituição econômica n ão t em aqui absolutamente o o b -
jetivo d e tornar a economia livre e autônoma, mas , ao contrá-
rio, de entregá-la na mão do Estado e d e submetê-la a ele. O
sistema unipartidário resulta d a necessidade d e impedir o do-
mínio d o Estado por meio d e vários partidos, o u seja, u m a divi-
são pluralista d o Estado.
6.2 O
problema
d a
neutralidade
d a
política
interna
n o
Estado partidário pluralista
É normal e facilmente compreensível q u e , perante o s m é-
todos pluralistas d a volição d o Estado partidário, sejam exigi-
d o s instâncias e procedimentos neutros, ou seja, independentes
d o s poderes desse tipo d e Estado partidário. Como aqui se ob-
jetiva apenas u m a breve exposição d a presente situação cons-
titucional, n ã o devem se r discutidos planos d e reforma, mesmo
se, devido a seu especial significado, as diretrizes, o s projetos
de lei e materiais publicados pela "União para a renovação d o
Reich" sobre o "problema d o conselho d o Reich" (Berlim, 1930)
tiverem que se r pelo menos mencionados. M a s excetuando-se
todas
as
propostas
e
exigências,
j á
existem hoje instituições
e
organizações, cujo verdadeiro objetivo reside n o fato d e represen-
tarem u m a reação aos métodos d o Estado partidário pluralista.
N a maioria d o s casos, ainda n a o tomaram claramente consciên-
cia de sua relação, porque sã o entre si muito diferentes e estão
apenas ligadas pela oposição comum ao instável Estado d e
coalizão partidário, porque algumas delas estão disfarçadas sob
vocábulos míticos ou permanecem invisíveis, enquanto outras
> SKGUNDA PARTE - A CONCRETA SITUAÇÃO CONSTITUCIONAL. . .
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 164/252
R E M É D I O S E M O V I M E N T O S C O N T R Á R I O S
1 4 7
s e distinguem abertamente e , sobretudo, porque algumas de-
las , segundo a natureza da coisa, são menos salientes, enquan-
to os métodos d o instável Estado d e coalizão partidário domi-
n a m o primeiro plano d e nossa vida política d e forma importuna
e evidente. Apesar disso, tais forças contrárias neutras fazem
parte d o Estado atual e esse Estado seria, sem elas, inimaginável,
pois,
e m
verdade,
n ã o
pode existir nenhum Estado
q u e
fosse
apenas u m
Estado partidário pluralista. Além
d as
forças pura-
mente típicas
de
partido,
te m
sempre
q u e
haver também outras
forças imparciais
e
suprapartidárias,
se não
quisermos
que a
unidade estatal se dissolva e m u m a justapos ição pluralista d e
complexos sociais d e poder.
Se,
além disso,
os
órgãos
e
instâncias constitucionalmente
previstos ainda n ã o forem capazes d e u m a vontade política
uniforme, torna-se, assim, inevitável que a substância política
emigre para alguns pontos d o sistema social ou político. Outros
poderes, sejam eles legais
ou
apócrifos, assumem voluntária
o u
forçosamente, consciente
o u
semiconscientemente
o
papel
d o
Estado,
e
governam,
a b e m
dizer, sub-repticiamente. isso
porque a "astúcia d a idéia", p o r força d a qual deve se dar jus-
tamente n o parlamento a unidade volitiva d e todo o povo, não
depende d e modo algum d o s partidos coligados e dos
bureaux
d o s
grupos parlamentares,
o
parlamento
não t em
nenhum
m o -
nopólio imperdível
em ser o
único cenário
d a
astúcia
da
idéia
e
esta pode mudar facilmente
seu
campo.
P o r
isso, também
fa -
z e m necessariamente parte d e u m a visão total da realidade d e
nossa atual situação estatal, os diversos remédios e forças con-
trárias. Enquanto estiverem unidos p o r u m a oposição comum à
situação d o presente e instável Estado de coalizão partidário,
podem ser qualificados em sua totalidade como tentativa d e
u m
Estado
politico-parlidariamente neutro.
Nesse aspecto,
é naturalmente compreensível que a palavra "neutro", em si
ambígua e , como todo conceito político, determinada por seu
antagonismo concreto, significa, nesse contexto , nada mais qu e
a oposição às forças e métodos d o instável Estado d e coalizão
partidário, cujo poder é suficientemente grande e central para
reunir
u m a
maioria
d e
forças contrárias, diferentes entre
si,
mediante a oposição comum. Conforme as exposições acima
SECllJNUA PARTE - A CO N CRI iTA SI T U A RÃ O CO N S T n U O I O N A L . . . •
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 165/252
1 4 8
O GUARDIÃO O A CONSTITUIÇÃO
sobre
o s
agrupamentos pluralistas, policráticos
e
federalistas,
em parte aliados, e m parte opostos uns aos outros, é facilmen-
te
explicável
q u e ,
dependendo
da
situação tática,
nã o
está
e x -
cluída, d e forma alguma, u m a aliança ocasional.
Corresponde
à
tradição histórica
d o
Estado alemão pensar
aqui,
e m
primeiro lugar,
nas
instituições
e
métodos
d e u m
Esta-
dQ-funcionário e procurar, aí, o verdadeiro contrapeso para
os
desorganizadores efeitos
d o
instável Estado
d e
coalizão
pa r -
tidário, p o r meio do que o funcionalismo público obtém, simul-
taneamente, função e tarefa novas que se adaptam à situação
modificada
d o
Estado,
a s
quais
n ão
podem
ser nem
compreen-
didas, n e m justificadas c o m o s conceitos d o direito público
monárquico.
A
isso
v e m a o
encontro
a
vigente Constituição
d o
Reich
e
protege
o
funcionalismo público alemão,
p o r
meio
d e
garantias constitucionais
e
institucionais, contra
o s
métodos
da
política parlamentar
d e
saque (artigos 129/130
d a
Constitui-
ção) . E la proíbe, a té mesmo expressamente, que os funcioná-
rios sejam "servidores
de um
partido"
e dá
certas seguranças
para sua posição independente (princípio d o emprego vitalício,
inviolabilidade
dos
direitos adquiridos, viajurídica ordinária para
reivindicações
d e
direitos patrimoniais, etc.).
Sabe-se h á muito tempo q u e , apesar daquela proibição
constitucional,
o s
cargos
d e
funcionário, pelo menos
e m
muitos
países, são abertamente tratados como objetos d e saque e acordo
dos
partidos governistas.
A
maioria pensa hoje
d e
forma muito
cética e resignada sobre a força d e resistência d o Estado-fun-
cionário alemão perante o Estado d e coalizão partidário. M a s
deve
se
considerar
que , no
Reich, quando
u m presidente
inde-
pendente dos partidos d e coalizão nomeia os funcionários , mais
precisamente também
os
ditos funcionários políticos,
a
distribui-
ção dos cargos de funcionário entre o s adeptos d o s partidos d e
coalizão ainda não se tornou tão natural quanto e m países nos
quais
o s
ministros
d o s
partidos
d e
coalizão atuam,
s em o
impe-
dimento contido em tal desvio, como agentes d o partido. A d e -
mais, pode-se talvez esperar
c o m
algum otimismo
que , em con-
seqüência
d o
emprego vitalício
d o s
funcionários públicos
e
outras garantias constitucionais, o s adeptos de um partido no -
» S E G U N D A P A U TE - A C O N C K f . T A S I T U A Ç Ã O C O N S T I T U C I O N A L . . .
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 166/252
R E M É D I O S
E
M O V I M E N T O S C O N T R Á R I O S
1 4 9
meados funcionários sejam desligados d o partido, sejam atingi-
d o s pelo sentimento estatal d o funciona lismo público alemão e,
pela instituição
d o
funcionalismo público
d e
carreira, sejam trans-
formados d e servidores do partido e m funcionários d o Estado.
O s
elementos
d o
Estado-funcionário,
qu e
ainda podem
ser
pres-
supostos hoje n a Alemanha, podem, dessa forma, compor um
fator considerável
n o
sistema
d o
Estado político-partidariamente
neutro e salvar o sentido p o r u m a objetividade imparcial. M a s
p o r
mais valiosos
e
insubstituíveis
q u e
indubi tavelmente sejam,
eles n ã o conseguem sanar o verdadeiro mal do instável Estado
d e coalizão partidário, ou seja, a falta d e u m govemo estável e
capaz d e governar. Pela natureza d a matéria, o funcionalismo
público
d e
carreira está restrito
à
justiça
e à
administração.
P o r conseguinte, ele obtém d a legislação ou do governo suas
normalizações
o u
diretivas decisivas.
Ele é
incapaz
d e
tomar,
por si , a decisão política e determinar, sob as normas e critérios
de sua
tecnicidade,
as
diretrizes
da
política.
E l e
pode obstar,
deter e , nesses moldes, acionar seu efeito neutralizador, m as
n ã o
decidir
e
governar
n o
sentido verdadeiro
d a
palavra.
Seria ainda muito menos possível basear o Estado neutro
na
justiça
e
confiar
a s
decisões políticas,
so b
quaisquer enco-
brimentos judiciais, aos tribunais ou tribunais d o Estado ocupa-
d o s c o m
juízes
d e
carreira.
Já se
falou
n o
primeiro capítulo
deste livro sobre a s exigências e planos d e deixar a decisão
d a s
difíceis questões
d e
nossa atual situação constitucional
po r
conta de um tribunal sob a aparência d a estrutura judicial. Tal -
v e z
semelhantes tentativas
d e
solução possam parecer plausí-
veis n ão apenas a o s verdadeiros juristas da justiça, cuja habi-
tuação mental está determinada pelas vias
d o
código
d e
processo
civil
e
penal,
m a s
também
a
certas tendências
d o
caráter
ale-
m ã o ,
especialmente
à
freqüentemente citada "necessidade
d e
legalidade"
d o s
alemães. Hoje, tais planos
d e u m a
"jurisdici-
zação" d a política s ão avaliados, provavelmente, c o m mais cons-
ciência
e se
reconhecem melhor
a s
estreitas fronteiras
d a
estru-
turajudicial qu e têm que ser protegidas just amen te n o interesse
d a
justiça independente
e d o
Estado
d e
direito contra
a
politização
partidária.
O
independente juizado
d e
carreira alemão
faz par -
SEOUNDA PARTK
- A
CO N CRE T A SI T U A ÇÃ O CO N ST I T U CI O N A L . .
•
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 167/252
1 5 0
O G U A R D I Ã O D A C O N S T I T U I Ç Ã O
te,
como grandeza neutra
de
política interna,
d o
complexo
c a -
racterizado anteriormente
d e
Estado-funcionário. Ameaçaría-
m o s
tanto esse próprio juizado
d e
carreira quanto
a
finalidade
d e u m a objetividade imparcial, se quiséssemos utilizá-lo para
introduzir u m Estado judicante criptopolítico como Estado neutro.
Mais sério
e
mais expandido
d o s
círculos
d o s
juristas
d a
justiça é o esforço em criar u m a espécie d e Estado pericial e
parecerista {experto) neutro, n o qual a s decisões políticas
sejam cedidas
aos
especialistas
d e
cada matéria
em
particular,
especialmente
a o s
peritos administrativos, técnico-financeiros
ou econômicos.
3
Sobre isso, encontram-se numerosos indícios
n a maioria d o s Estados modernos. Como exemplo especial-
mente elucidativo para
a
Alemanha pode-se citar aqui,
em p r i -
meiro lugar,
a
instituição
d o ministro
das
finanças
do
Reich,
"pois signif ica esse instituto, n o fundo, além de um testimonium
d o conhecimento de que , para o governo e seus membros, há
muita coisa
qu e
eles como políticos
n ã o
podem dizer
ou
sugerir
s e m
riscos,
m a s q u e
teria
que se r
dita
ou
sugerida
e com o que ,
destarte, u m outro deve se ocupar, o qual esteja subordinado
apenas a deveres objetivos e cuja neutralidade pareça garan-
tida
po r
meio
de sua
posição
e sua
personalidade.
O
conheci-
mento
de que
existem antagonismos entre política
-
no
senti-
do da política partidária e de coalizão, não, o u apenas e m
proporções muito restritas,
no
sentido
da
política estatal pura
Sobre o problema geral d o perito polftico-partidariamente neutro
n a democracia atual: Z1MMERN, Alfred. "Democracy an d t h e
Expert".
The
Politicai Quater-ly, v o l , I (janeiro d e 1930), p . 7 - 2 5 ,
acentuando-se o s Advisory Committees n a Liga d a s Nações d e
Genebra. D a mais recente produção bibliográfica e m alemão sobre
o Civil Service anglo-saxão pode m s e r mencionados: FRIE DRIC H,
Car l J .
Das
Berufsbeamtentum
in den
Vereinigten Staaten,
Beamten-Jahrbuch Heft 3 , Beriin, 1930 , p . 3
et seq.
( c f . igual mente
a interessante observação d o mesmo autor sobre a inf luência
d o Estado alemão em seu artigo "Deutsche Gedanken beim Aufbau
d e s amerikanischen Staates", Festgabe
für
Carl Schurz, Berlin,
1 9 2 9 , p . 1 3 1 ) : MARX, Fritz Morstein. Berufsbeamtentum
in
England, Zeitschr. f . d . ges . Staatswissenschaft , v o l . 8 9 (1930)
p 449-495.
SEGUNDA PARTE - A CONCRIVTA SITUARÃO CONSTITUCIONAL.
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 168/252
R E M É D I O S E M O V I M E N T O S C O N T R Á R I O S
1 5 1
e
simplesmente
- e
rigorosa objetividade
e m
lodo regime esta-
tal e, em
proporções especiais, talvez
em um
regime estatal
federalista
e
simultaneamente democrático,
é a
causa
de ori-
g e m determinante de um instituto tão notável quanto o do mi-
nistro d a s finanças d o Reich".
4
Pela decisão tomada pelo con-
selho
d e
ministros
em 27 de
novembro
de 1922, ao
presidente
d o
tribunal
d e
contas
d o
Reich alemão,
o
ministro
d e
Estado
D r. Saemisch, fo i confiado o cargo d e ministro d a s finanças
n ã o c o m base e m determinações legais, mas na maneira em
q u e o s
ministros,
c o m
base
e m s u a
confiança especial
(que,
conseqüentemente,
tem que se r
proferida
p o r
ocasião
d e
toda
mudança ministerial),
lhe dão a
possibilidade
d e
conseguir
o
material necessário para sua informação e seu parecer. Esse
ministro
d a s
finanças
não t em um
poder
d e
comando autôno-
m o e
próprio.
N a
ligação desse cargo público
c o m a
posição
d e
presidente d o tribunal d e contas, h á u m a incompatibilidade
típica para a maioria d a s tentativas d e neutralidade político-
partidária, pois, segundo
o
artigo
123 do
código orçamentário
d o
Reich (texto
de 14 de
abril
de 1930, Diário oficial do Reich
II , p . 693), os membros d o tribunal d e contas n ã o podem fazer
parte d o parlamento d o Reich. A atividade d o ministro das fi-
nanças como perito
e
parecerista político-partidariamente neutro
é d e
suma importância
e
ultrapassa
e m
muito
a
soma
d o s
parece-
r e s e m particular, entre eles o s pareceres a respeito da s
administrações estaduais da Turíngia, Wíirttemberg, Hessen,
Mecklenburg-Schwerin
e
Lippe,
o s
quais pertencem
ao s
docu-
mentos mais eminentes
d e
perícia
e
objetividade administrativas.
Exemplos de peritos econômicos são , além desse, os doze
membros d o conselho econômico d o Reich, nomeados pelo
governo
d o
Reich
à
discrição,
" o s
quais fomentaram
ou
estão
4
P O P I T Z , J . Bankarchiv, 15 O k t o b e r 1 9 3 0 , p . 2 2 ; ademais .
B ILF INGER , C a r l . Der Reichssparkommissar, Ber l in 1 9 2 8 ,
es pec i a lmen te
p. 13 (a
" ta re fa
d e
economia despol i t i zada" ) ;
S A E M I S C H . Der Reichssparkommissar und seine Aufgaben
(Finanzrechtliche Zeitfragen Heft
2 ) ,
Berlin,
1 9 3 0 ;
B ÜHLER ,
O .
Der heutige Stand der Verwallungs- und Verfassungsreform, 2 .
Aufl., Stuttgart 1931.
•SRGIJNDA PARTI-: - A CONCRliTA SITUAÇÃO CONS I T I Ü C I O N A L . . . •
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 169/252
1 5 2
O G U A R D I Ã O D A C O N S T I T U I Ç Ã O
aptos
a
fomentar,
p o r
meio
d e
realizações especiais,
a
econo-
mia do povo alemão e m excelente medida". E m certo sentido,
toda
a
instituição
de um conselho econômico do Reich c o m -
posto
p o r
especialistas
e m
economia
e
interessados
e que co-
labora com seu parecer para a legislação (também o Conseil
National Economique
f rancês ,
o Economical Advisory
Council
inglês
e
formações semelhantes) pode também
ser
caracterizada como indício de um Estado-perito, se não se qui -
se r já
encontrar aqui
um e lo de
transição para
a
verdadeira
Constituição econômica. M a s a característica d e tais institui-
ções ainda reside temporariamente n o fato d e q u e exercem
su a
influência pelo peso
d e
seus pareceres expertos
e de que
n ã o atuam como poder político. Esse tipo d e influência é de
grande significado prático, principalmente e m comitês. Dentro
d o
quadro
d e
funcionamento parlamentar,
ela se
mostra ocasio-
nalmente, mesmo ainda hoje, n a influência extraordinária d e
alguns comitês parlamentares, dentre
os
quais
se
pode citar,
e m
primeiro lugar,
o comitê do orçamento ' M a s ,
evidente-
mente, os comitês parlamentares, apesar d e tais indícios, e m
conseqüência
de sua
composição político-partidária, geralmente,
n ão
estão
e m
condições
d e
obter
a
neutralidade necessária,
embora, teoricamente, se teria q u e perseverar n o fato de que
eles, incluindo-se
o
comitê
d e
investigação, deveriam
se r im-
parciais e "constituir u m a representação correta e universal d e
todas a s opiniões". Contudo, mostra-se aqui mesmo o efeito d o
fato
de qu e o
parlamento,
e m
amplo grau,
se
tornou cenário
d e
u m sistema pluralista, d e modo que , pelo modelo inglês que
conhece, além
d o s
"Sefect Committees" parlamentares,
a s
"Royai Commissions" instituídas pela coroa,
6
sã o
formados
5
Sobre o comitê d o o rçamento d o Reich, c f . a tese d a Escola
Superior
d e
Comércio
d e
Berlim
a s e r em
breve publicada
por B.
Rilinger.
A
respeito,
o
relatório
de G.
Lassar sobre "comitês
d e
investigação
segundo
o
Direito inglês", remetido pelo ministro
d o
interior
d o
Reich
a o
parlamento
em 11 de
novembro
d e 1 9 2 6
(Impresso
d o
parlamento d o Reich, 3
o
mandato eleitoral, n . 2690), conforme
esse relatório, também
a
citação retirada
d e
Todd,
Parliamentary
SI-GUNDA PARTE - A C ONC R ETA S ITUAÇ ÃO C ONS TITUC IONAL.
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 170/252
R E M É D I O S E M O V I M E N T O S C O N T R Á R I O S
m
comitês especiais d e investigação, e m especial
comitês
de in-
quirição econômicos político-partidariamente independentes
q u e
devem possibilitar
u m a
averiguação objetiva
e
indepen-
dente d o parlamento. U m exemplo desse tipo d e comitê d e
inquirição político-partidariamente neutro
é o
"comitê alemão
para
a
investigação
d a s
condições
d e
produção
e
venda
d a
economia alemã"
(lei do
Reich
de 15 de
abril
de 1925 ,
Diário
oficial
do
Reich
I , p. 195), cujos membros s ã o nomeados pelo
governo d o Reich e t ê m u m a ampla independência assegurada
pela isenção d e responsabi lidade. Ainda, d e outro modo, fazem
parte desse contexto
as
câmaras (câmaras
d o
comércio
e da
indústria, associações comerciais
d e
vários tipos)
e
ainda
a s
juntas consultivas
e m
vários ramos
d a
administração.
N a
esfera
d a
jurisdição, ' excetuando-se
a
composição
d o s
tribunais
do
trabalho, podem
ser
mencionados
o s m e m -
bros peritos d o
tribunal econômico
do
Reich,
q u e estão a o
lado d o s membros juristas e são nomeados pelo presidente a
partir
d e u m a
lista
d e
candidatos, formada pelo conselho
e c o -
nômico
d o
Reich, "levando-se
e m
consideração
o s
variados
grupos profissionais
e
representações
d e
interesses, além
dos
Estados
e m
particular",
e m q u e ,
salvo outra regulamentação,
o
conselho d e magistrados d o tribunal econômico d o Reich deci-
d e lotando u m presidente e quatro adjuntos peritos (decreto
sobre
o
tribunal econômico
d o
Reich
de 21 de
maio
de
1920).
D e
especial interesse
é a
lotação
d o
tribunal anticartel
f o r -
mado n o tribunal econômico d o Reich, pela qual o chamado
decreto anticartel (artigo 11 do decreto contra o abuso d e posi-
ções econômicas d e poder de 2 de novembro de 1923) deter-
mina
q u e
devam
se r
convocados dois adjuntos, considerando-
se os
interesses econômicos conflitantes,
m a s
ainda
u m
outro
Government; ademais, BERT RAM , A . Hamburg, Wirtschaftsdienst,
de 28
d e
maio
d e 1 9 2 6 ( an o 1 1 , p .
701-702).
7
A respeito d e adjuntos peritos e m li t ígios d e direito econômico
e participação leiga ria decisão d e tais litígios, o s pareceres feitos
para a 36" assembléia alemã d e juristas pelo presidente d o conselho
d e
magistrados
D r.
KOppel
e
pelo advogado
Dr , G.
Friedlander
(pareceres, p . 321-454).
SEGUNDA PARTE
- A
C O N C RE T A S I T U A Ç Ã O C O N S T I T U C I O N A L . . .
»
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 171/252
1 5 4
O G U A R D I Ã O D A C O N S T I T U I Ç Ã O
adjunto como pessoa experta
n o
assunto,
"d a
qual
se
pode
es-
perar
que e a
defenderá
os
interesses
do bem
comum, inde-
pendentemente
dos
interesses econômicos conflitantes".
Por
isso, esta última determinação é extraordinariamente instruti-
va, porque e la diferencia o interessado versado na matéria
daquele
perito
independente d e interesses, ou seja, d e certo
modo absolutamente
neutro
,
e faz o
confronto
q u e é
muito
necessário,
m as que
revela,
a o
mesmo tempo,
a
dificuldade
do
problema entre peritos d os interessados ( com os quais pude-
ram ser feitas experiências suficientes durante a economia
coletivista planificada
d o
período
d a
guerra
e d e
transição)
e os
peritos não-vinculados
a u m
interesse.
N o processo concilia-
dor estatal repete-se u m procedimento d e estrutura análoga,
m as em sua estrutura peculiar ainda a ser examinado d e forma
mais detalhada ao final deste livro. Comissão e câmara conci-
liadoras
s ã o
compostas
de ta l
modo
q u e u m
presidente impar-
cial
se
defronta
com os
adjuntos
d e
empregador
e
empregado
representados e m igual número (artigo I
o
, § 5
o
, d o decreto d e
30 de outubro de 1923 sobre o processo conciliador, Diário
oficial do Reich I, p.
1043), pelo decreto
d o
presidente
d o
Reich
de 9 de
janeiro
de 1931
(
Diário oficial do Reich I, p.
1), sobre a solução d e litígios p o r conciliação n o interesse p ú -
blico, podem ainda ser convocados dois "adjuntos imparciais".
Além disso,
co m
base
n o
Estado
obrigado a reparações
de guerra,
originaram-se
n o
Reich alemão dois institutos, cujo
objetivo reside justamente e m serem, contrariamente a o Esta-
do de
coalizão partidário, grandezas independentes
e
neutras,
o
banco
e a
companhia ferroviária
d o
Reich.
S ã o
complexos
au -
tônomos
e
separados
do
governo
e
administração estatais
res -
tantes, equipados co m amplas proteções contra a influência
político-partidária. O fato d e justamente incompatibilidades
parlamentares garantirem essa independência
é o
distintivo para
a
direção
na
qual
se
movimentam tais autonomizações.
M e s -
m o a
nova regulamentação
das
leis
d o
plano Young
3
persistiu
8
O Plano Young d e 1 9 3 0 lidava c o m a questão d o s pagamentos
d e reparações impostas à Alemanha depois d a I Guerra Mundial,
sendo u m a reformulação d o Plano Dawes [nota d o tradutor],
— i SE GU ND A 1'AKI'fc - A C ONC R KTA S ITUAÇ ÃO C ONS TITUC IONAL. . .
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 172/252
^ C Q W f c f t g í Q S
nisso. Para
o banco do Reich, o
presidente
d o
Reich, indepen-
dente
d o
parlamento, intermedeia
a
relação
c o m o
governo
ale-
m ã o a o
homologar
a
eleição
d o
presidente
d o
banco
d o
Reich
pelo conselho geral,
a
nomeação
d o s
membros
d a
diretoria pelo
presidente segundo anuência d o conselho geral e a revocação
d o
presidente
ou de um
membro
d a
diretoria (artigo
6
o
da lei do
banco
d o
Reich
n o
texto
da lei de 13 de
março
d e
1930).
O s
membros
d o
conselho geral
d o
banco
d o
Reich
n ã o
podem
ser
n e m
funcionários diretos
d o
Estado,
n e m
pessoas
q u e
recebem
pagamento
d o
Reich alemão
ou de um
Estado
d o
Reich (artigo
17). O controle da emissão d e papeJ-moeda realiza-se pelo res-
pectivo presidente d o tribunal d e contas d o Reich alemão n a
qualidade d e comissário, cercado d e todas as garantias da in-
dependência judicial e que , da mesma forma, n ã o pode perten-
cer ao parlamento d o Reich (artigo 121, 123 do código orça-
mentário d o Reich). N a fundamentação para as leis sobre a
conferência d e Haia (2
a
parte, L e i Bancária p. 3/4), está reco-
nhecida como necessária a plena "salvaguarda d o princípio d a
independência"
e
caracterizada como
u m a
"garantia funda-
mental para
a manutenção da
moeda".
N o tocante à
companhia ferroviária
do
Reich
, encontra-
s e
atenuada
a
rigorosa separação existente consoante
à lei fer-
roviária
d o
Reich
de 30 de agosto de 1924. O
governo (parla-
mentar)
d o
Reich obteve amplos direitos
d e
informações
e
poderes
d e
controle,
os
membros
d o
conselho administrativo
d a ferrovia d o Reich são agora nomeados pelo governo d o Reich
(artigo
2
o
, § 11), um
representante permanente
d o
governo
d o
Reich pode participar d a s reuniões d o conselho administrativo
e d e suas comissões sem direito d e voto. M a s , n o restante,
vale também aqui o princípio d a independência e autonomia,
continuando a existir as incompatibilidades parlamentares para
o conselho administrativo, cujos membros têm que se r "conhe-
cedores experientes da vida econômica ou ser peritos em a s -
suntos da ferrovia" e não podem ser "membros d o parlamento
d o Reich, de um parlamento estadual, d o governo d o Reich ou
de um governo estadual" (artigo 10). A fundamentaç ão salien-
ta (p. 16) que, embora a legislação d o Reich possa efetuar
SEGUNDA PARTL
- A
CONCRÜTA SITU AÇÃO CONSTI TUCI ONA L.
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 173/252
m .
O G U A R D I Ã O D A C O N S T I T U I Ç Ã O
modificações
na lei da
ferrovia
d o
Reich,
ela só o
pode fazer
sob a
condição
de que não
resulte nenhum encargo novo para
a companhia e q u e "sejam intangíveis" as determinações e
garantias das reparações d e guerra, "assim como o caráter
independente da companhia c o m s u a administração autôno-
m a " . Aqui, torna-se visível a base d a independência e neutrali-
dade
da
política externa
e d o
direito internacional,
a
última
e
mais forte garantia contra
a
intervenção
d o
Estado partidário.
E m
ambos
os
casos, banco
e
ferrovia, sobreveio
u m a cisão
d e direitos d e soberania estatais e fo i formado u m sujeito jurídi-
c o autônomo q u e aparece perante o Estado partidário de fo r -
m a independente e neutra. S ã o ainda também imagináveis o u -
tras possibilidades
d e
produtos autônomos
e, em
parte,
j á
também realizados, seja como patrimônio vinculado s em fo r -
mação
de um
novo sujeito jurídico,
mas sob a
possibilidade
d e
retirada d o orçamento nacional geral (assim é o correio a le-
m ã o d o Reich c o m base na le i das finanças d o s correios e
telégrafos d o Reich de í 8 de marco de 1924 , Diário oficial
do Reich I , p . 287) , seja p o r meio de monopólios autônomos,
seja pelo fato
d e q u e
produtos existentes autônomos, como,
p o r
exemplo,
o
seguro social,
a
autonomia administrativa muni-
cipal ou econômica, igrejas, sociedades filosóficas ou outras
associações transformam-se e m titulares d e direitos estatais
dessa forma cindidos. Para tanto, o s produtos autônomos da
autonomia administrativa municipal parecem, temporariamen-
t e , não
mais interessar, pois,
e m
conseqüência
da
determina-
ção d o
artigo
17 da
Constituição
d o
Reich, estão incorporados
a o
âmbito direto
d e
poder
d o
sistema poiítico-partidário
e
polí-
tico-faccional, transformaram-se n o s titulares mais fortes d a
"policracia" tratada acima. E m contrapartida, Estados alemães,
e m particular, podem se tornar titulares d e certa função neutra-
lizadora. Embora também sejam Estados partidários governa-
d o s
parlamentarmente,
a
circunstância
d e q u e
neles governam
coalizões compostas
de
forma diferente
da do
Reich, causa
j á
a
partir
da
mera diversidade
u m
contrapeso.
O s
elementos
federalistas da atual Constituição alemã obtiveram p o r meio
disso u m a tarefa e função totalmente novas, a saber, a de um
— « SEG UND A PARTE - A CON CRET A SIT UAÇÃO CONST1 TUCIONAL. . .
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 174/252
R E M É D I O S E M O V I M E N T O S C O N T R Á R I O S
152
efeito neutralizador perante o instável Estado d e coalizão par-
tidário
n o
Reich. Este
se
toma mais forte
na
mesma proporção
e m q u e a
necessidade
p o r u m a
reação
se
torna mais forte.
Aqui
se
evidencia
u m a
peculiaridade
d a
mudança funcional
mencionada acima que dá ao federalismo d o antigo estilo, por
motivos e pontos d e vista outros, u m a nova ratio essendi e
nova vida
à
luta contra
o
unitarismo
n o
Reich
e
contra
o
centralismo
na
Prússia.
N o conselho do Reich
une-se
o
fede-
ralismo c o m elementos d o Estado-funcionário, o fato d e essa
instância ainda não ter se transformado e m u m a assembléia d e
funcionários
d o
partido,
m as se r um
colegiado
d e
peritos admi-
nistrativos pode também
ser
explicado
por a
Constituição
per-
severar n o caráter estatal d o s Estados e mostrar que o federa-
lismo pode ser um reservatório d e forças estatais. Assim, além
d o
Estado-funcionário,
do
Estado-perito
e d o
Estado-parecerista
e além d o s produtos d o Estado obrigado a reparações d e guer-
ra , também surgem ainda forças d o Estado federal na série d e
reações
que , em seu
concurso nada metódico,
m a s
levando
ao
mesmo resultado, procuram hoje assumir
as
funções
d o
Esta-
d o político-partidariamente neutro.
6.3 Insuficiência d a maioria d as neutralizações;
ambigüidade d o s conceitos d e
neutralidade e despolitização
E m
algumas tendências
a
outras formações
e
cisões autô-
nomas reside indubitavelmente u m a correção forçosa e im-
prescindível. M a s pode daí ser realmente obtido u m princípio
geral d e estrutura estatal? É legítimo, p o r exemplo, apelando
para
o
princípio cooperativo autenticamente alemão, levar mais
adiante esse desenvolvimento
em
direção
ao
pluralismo?
Já se
tem
hoje
o
direito
d e
proferir
o
lema sobre evasão geral
d e
capitais d e tudo o que ainda existe na Alemanha e m substância
estatal? Gostaria de negar isso, mais precisamente pelo fato d e
que va i falhar n o objetivo unicamente justificante, ou seja, im -
parcialidade e objetividade d o Estado.
SEGUNDA PARTI- - A C O NC R E T A S U D A Ç Ã O C O N S T I T U C I O N A L . . . •
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 175/252
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 176/252
P m f c D \ Q S £ . W Q V \ M t N T O S C O N T B Á W O S
A 5 2 .
dos e não interessados conduz a u m dilema q ue toma proble-
mático o valor d o Estado-perito neutro, justamente , n o caso de
difíceis oposições e conflitos: o u o perito é, ao mesmo tempo,
interessado,
n ã o
sendo, então, neutro
e o
recurso
à
paridade
n ã o conduz à decisão, pois
paridade
, a o contrário, significa
exatamente
não-decisão
,
ou o
perito
n ã o é
interessado,
fa l -
tando-lhe, então, freqüentemente o último e mais próprio co -
nhecimento experto. Ocasionalmente, pode se r uma boa alter-
nativa impelir
a
decisão para peritos independentes,
mas não
se podem conseguir decisões políticas dessa maneira e, no caso
d e sérios conflitos, a autoridade d o parecerista, o simples peso
d e
seus argumentos,
" the
mere weight
o f
expert agreement",
n a maioria d a s vezes n ão basta para superar o poder d e fortes
interesses contrários. A relação aqui é semelhante à da trans-
missão
d e
decisões políticas
à
justiça lotada
d e
funcionários
d e
carreira,
c o m o
tempo, isso
n ã o
conduz
a u m a
objetivação
neu-
t ra , mas , inversamente, à politização partidária d a grandeza,
a té
então, neutra.
O s
reais detentores
d o
poder político podem
proporcionar facilmente
a
influência necessária para
a
ocupa-
ção dos cargos d e juízes e a nomeação d o s pareceristas peritos,
s e conseguirem isso, a resolução judicial o u pericial d a questão
tornar-se-á
u m
meio cômodo
de sua
política
e
isso
é o
contrá-
r io do que se
objetivava verdadeiramente
c o m a
neutralização
e se não o conseguirem, perderão o interesse nas opiniões e
pareceres d o s peritos, cujos memoriais e votos podem ser fa-
cilmente ignorados.
O
destino
d e
muitas comissões indepen-
dentes d e pareceristas e peritos veio freqüentemente confir-
m a r d e forma suficiente, n o s últimos anos, essa experiência.
A falta d e clareza, em si mesmo contraditória, da maioria
d a s "neutralizações" dirige-se, porém, também em seu resulta-
d o
prático, contra seus verdadeiros objetivos.
A
policracia
d a
economia pública seria levada ainda mais adiante mediante
novas formações e cisões autônomas e juntamente com o s is-
tema pluralista aproximar-se-ia, finalmente, da situação de um
Estado-estamentário medieval,
na
qual
o
Estado alemão
já pe -
receu
u m a vez . O
verdadeiro perigo
d o
instável Estado
d e
coali-
z ã o partidário, q u e deve ser combatido c o m a s autonomizações
SJ-GUNfM CARTE - A CO N CRL T A SI T U A ÇÃ O CO N ST I T U CI O N A L . . . •
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 177/252
1 6 0
O
G U A R D I Ã O
D A
C O N S T I T U I Ç Ã O
despolitizanies, reside
n a
mesma direção, pois também
o
siste-
m a pluralista, c o m seus contínuos acordos entre partidos e gru-
p o s
parlamentares, transforma
o
Estado
e m u m a
justaposição
d e
acordos
e
contratos,
p o r
meio
d o s
quais
o s
partidos respec-
tivamente partícipes da operação d e coalizão repartem entre si
todos
os
cargos, rendimentos
e
vantagens segundo
a lei d a
cota-
parte
e
sentem
a
paridade,
que a í
observam, ainda, porventura,
como algo justo.
A
Constituição
de um
Estado dominado
por
tais métodos
d a
volição política reduz-se
à
frase
pacta sunt
servanda e à proteção d o s "direitos adquiridos". Isso f az pa r -
te da
conseqüência
d e
todo sistema pluralista.
O
interesse
dos
partidos e grupos parlamentares, d e suas organizações de a ju -
da e
apoio
e de
suas burocracias
não se
encontra,
d e
forma
alguma,
e m
oposição necessária
ao s
interesses particulares
d e
produtos cindidos e autônomos. Pode se ligar a eles e contrair
várias alianças. Como
e m
geral
nas
relações entre pluralismo,
policracia e federalismo sã o também aqui possíveis muitas
imbricações
e a s
chamadas relações transversais.
A
última
conseqüência
de tal
pluralismo duplamente fundamentado
se -
r ia uma total dispersão d a unidade alemã. Ficaria, então, a car-
go da
pressão
de
fora,
d o
interesse
d o s
Estados credores
n a
unidade d o devedor das reparações d e guerra, se a unidade da
Alemanha deve perdurar
ou não, e
seria
u m a
questão
de d is -
crição
d e
governos estrangeiros
se um
comissário
o u u m a
potestade estrangeiro determina a s diretrizes d a política inter-
n a
alemã após
o
senso político
d o
povo alemão
n ã o
mais
ter
sido suficiente para u m a própria volição.
C o m
isso,
a
situação alemã
n ão
estaria despolitizada,
ape -
n a s
teria entrado
n o
lugar
d e u m a
política alemã,
u m a
política
estrangeira. O erro fundamental d e todo o esforço p o r despo-
litização
j á
está contido
na
equívoca
e
enganosa "despoliti-
zação". N a realidade, compreende-se c o m essa palavra, des-
de que se trate d e propostas sérias, quase sempre apenas a
eliminação
de um
determinado tipo
de
política,
a
saber,
da
polí-
tica partidária,
ou
seja, apenas
d e u m a
"despolitização partidá-
ria , e
isso também apenas
n o
sentido
da
política partidária
d o
'
S t G U N D A P A R T E
~
A
C ONC R ETA S ITUAÇ ÃO C ONS TITUC IONAL. . .
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 178/252
R E M É D I O S E M O V I M E N T O S C O N T R Á R I O S
m
instável Estado
d e
coalizão partidário,
a
qual apresenta carac-
terísticas especiais.
A
palavra atinge, assim, apenas
u m
deter-
minado antagonismo contra determinados métodos,
a
saber,
político-partidários. D e resto, deve-se observar q u e política é
inevitável e inexterminável. Pode se diferenciar, co m fáceis e
cômodos confrontos, entre política
e
direito, política
e
econo-
m i a ,
política
e
cultura,
m a s ,
nesse aspecto, parte-se comumente
d a
falsa noção
d o
século
X I X
liberal
de que
seria possível
se-
parar u m a área especial d e "política" d e outras matérias como
economia, religião e direito. Contudo, a peculiaridade d o políti-
c o
reside justamente
n o
fato
de que toda
área imaginável
d e
atividade humana é, na medida d o possível, política e se torna
imediatamente política quando o s conflitos e questões decisi-
vos se
passam nessa área.
O
político pode
se
unir
a
toda maté-
ria e lhe dar - se me é
permitido tomar aqui
u m a
fórmula utili-
zada p o r Eduard Spranger — tão-somente u m a "nova virada".
Assim, constitui-se em um mal-entendido e em um modo d e
falar ilusório,
se não
enganoso, sugerir
c o m a
palavra despo-
litização
que a
incômoda responsabilidade
e o
risco
d o
político
pudessem se r evitados e exterminados. Tudo o que , de algu-
m a forma, fo r d e interesse público, é d e alguma forma polí-
tico e nada d o q u e d i z respeito essencialmente a o Estado
pode
se r
despolitizado.
A
fuga
d a
política
é a
fuga
d o
Esta-
d o .
Onde essa fuga termina
e
onde
o
fugitivo chega
n ã o
pode
se r
previsto
p o r
ninguém,
e m
todo caso,
é
certo
que o
resultado será ou o declínio político o u , porém, u m a outra
espécie d e política.
6 .4 Um
panorama
d o s
diversos significados
e
funções
d o
conceito
d e
neutralidade
d e
política interna d o Estado
E m
vista
da
ambigüidade
da
palavra "neutralidade"
e da
confusão
q u e
ameaça tomar
u m
indispensável conceito inútil
e
inaplicável, é oportuno u m esclarecimento terminológico e ob-
jetivo. P o r isso, tentar-se-á aqui u m a exposição resumida, na
SEGUNDA PARTE - A CO N CRE T A SI T U A ÇÃ O CO N ST I T U CI O N A L . . . •
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 179/252
m .
O G U A R D I Ã O D A C O N S T I T U I Ç Ã O
qual
o s
diversos significados, funções
e
orientaçoes polêmicas
dessa palavra estão agrupados
c o m
alguma sistemática.
I. Significados negativos da palavra "neutralidade",
ou
seja,
que se
afastam
da
decisão política.
}. Neutralidade no sentido da não-inrervenção, do de-
sinteresse, do laisser passer, da tolerância passiva, etc.
Nesse significado,
a
neutralidade
d e
política interna
d o E s -
tado primeiramente entra na consciência histórica, mais preci-
samente como neutralidade do Estado perante as religiões
e confissões.
Assim
d iz
Frederico
o
Grande
em seu
testamen-
to político:
je
suis neutre entre Rome
et
Genève.
Aliás, u m a
antiga fórmula do século XVII q ue já se encontra n o retrato d e
Hugo Grotius e que é de suma importância para o processo d e
neutralização iniciante neste século.
9
E m
última conseqüência,
esse princípio
t e m q u e
levar
a u m a
neutralidade geral perante
todos os problemas e concepções imagináveis e a um a igual-
dade absoluta d e tratamento, em que , po r exemplo, aquele qu e
pensa religiosamente n ã o pode ser mais protegido do que o
ateísta, o nacionalista n ã o mais do que o inimigo e contemptor
d a
nação. Ademais, disso resulta
a
absoluta liberdade
d e
todo
tipo d e propaganda, da religiosa como d a anti-religiosa, da na-
cional como d a antinacional, "consideração" absoluta para c o m
"aquele
c o m
modo diferente
d e
pensar" pura
e
simplesmente,
mesmo
se ele
escarnecer
o
costume
e a
moral,
se
minar
o
regime estatal e se provocar agitação a serviço de um Estado
estrangeiro. Esse tipo d e "Estado neutro" é o relativístico stato
neutrale
ed
agnostico
q u e nada mais diferencia, o Estado
vazio
o u
então apenas restrito
a u m mínimo d e
conteúdo.
S ua
Constituição é, sobretudo, também neutra perante a econo-
mia n o sentido d a não-intervenção (liberdade econômica e
contratual),
c o m a
"ficção
d o
Estado livre
da
economia
e da
economia livre
d e
Estado"
(F.
Lenz). Todavia, esse Estado ainda
v
Sob re esse proce sso
d e
neutralizaçao
e
seus estágios: SCHMITT,
Carl.
Europaische Revue,
novembro d e 1 9 2 9 .
,
SEG UND A PARTE
- A
C ONC R ETA S ITUAÇ ÃO C ONS TITUC IONAL. . .
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 180/252
R E M É D I O S
E
M O V I M E N T O S C O N T R Á R I O S
m
pode se tornar político, pois e le ainda conhece, pelo menos
imaginavelmente, u m inimigo, ou seja , aquele n ã o crente nesse
tipo d e neutralidade n o modo d e pensar.
2 .
Neutralidade
no
sentido
de
concepções instrumen-
tais de Estado, para as quais o Estado é um recurso técni-
co que deve funcionar com objetiva calculabilidade e dar
a todos a igual chance de uso.
Idéias instrumentais
d e
Estado
são a
base,
na
maioria
das
vezes, para
as
seguintes expressões:
o aparelho
judiciário
e
administrativo estatal, a "máquina governamental", o Estado
como funcionamento burocrático, a máquina legislativa, a ala-
vanca d a legislação, etc. A neutralidade d o Estado como u m
instrumento técnico
é
imaginável para
a
área
d o
executivo
e
pode se imaginar talvez que o aparelho judiciário ou o aparelho
administrativo funcione da mesma maneira e esteja à disposi-
ção de
todos
o s
usuários
q u e
dele
se
sirvam conforme
a nor-
ma , com a
mesma objetividade
e
tecnicidade, como
o
telefone,
o
telégrafo,
o s
correios
e
semelhantes institutos técnicos
que ,
s e m levar e m consideração o conteúdo d a comunicação, estão
a serviço d e todos que se atêm às normas de seu funciona-
mento.
Tal
Estado seria completamente despolitizado
e nã o
mais
poderia diferenciar,
d e per s i ,
entre amigo
e
inimigo.
3 . Neutralidade no sentido de chance igual na volição
estatal.
Aqui,
a
palavra obtém
u m
significado
q u e
está
na
origem
d e certas interpretações liberais d o direito d e eleição e voto
geral e igual, assim como d a igualdade universal perante a lei,
desde
q u e
essa igualdade perante
a lei já não
recaía (como
igualdade perante
a
aplicação
da lei) sob o
número
2
acima.
Cada
um t em a
chance
de
conquistar
a
maioria,
se
pertencer
à
minoria vencida por maioria d e votos, será remetido ao fato d e
que e l e teve a chance e ainda tem de se tomar maioria. Isso
também
é u m a
idéia liberal
d e
justiça. Tais idéias
d e u m a n e u -
tralidade
d e
igual chance
n a
volição estatal estão também
na
origem, m a s quase sempre d e forma pouco consciente, d a
Sf iGUNDA PARTE - A CONCRETA SI TUAÇ ÃO CONS TITUCIONAL.. . •
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 181/252
concepção dominante
d o
artigo
76 da
Constituição
d o
Reich.
Segundo ela, o artigo 7 6 recebe n ão apenas u m a determinação
sobre emendas constitucionais (como seria
de se
supor pelo
teor d o texto), m a s fundamenta também u m a absoluta onipo-
tência ilimitada e infinita, assim como um poder legislativo. Assim,
p.ex., G. Anschütz em s eu comentário sobre o artigo 76 (10
a
ed., p .
349/350),
F r.
Griese {Kommentar,
8
a
ed . ,
1931,p.
1 9 0 ) e
R .
Thoma (
Handbuch
des
deutschen Siaatsrechts, II , p . 154 ),
q u e chega a té mesmo ao ponto d e apresentar a divergente
opinião tanto minha quanto
a de C.
Bilfinger como
" d e
direito
a
u m desejo", u m epíteto q u e exprime u m tipo d e insinuação b a-
nal , no
geral, não-comum. Essa concepção dominante
d o
arti-
go 76 retira d a Constituição d e Weimar su a substância política
e seu
"fundamento"
e a
transforma
e m u m procedimento de
emenda neutro
e
indiferente
a
qualquer conteúdo, q u e , prin-
cipalmente,
também é neutro com relação ao regime estatal
respectivamente existente. Assim, deve-se dar a todos os par-
tidos, equitativamente,
a
chance incondicionalmente igual
d e
conseguirem as maiorias necessárias para, c o m a ajuda d o p ro -
cedimento válido para emendas constitucionais, alcançarem
seu
objetivo pretendido - república soviética. Reich nacional-socia-
lista. Estado sindical econômico-democrata, Estado corpo-
rativista, monarquia
d e
antigo estilo, aristocracia
d e
todo tipo
—
e u m a outra Constituição. Toda preferência pelo regime estatal
existente
ou até
mesmo pelos respectivos partidos govemistas,
seja através d e subvenções para propaganda, d e diferencia-
ções
no uso das
emissoras
d e
radiodifusão, diários oficiais, apli-
cação da censura cinematográfica, lesão à atividade político-
partidária
ou à
afiliação partidária
d o s
funcionários
n o
sentido
de que o respectivo partido governista permite a o s funcionários
apenas
a
afiliação
ao
próprio partido
e aos
partidos
n ão p o r
demais distantes dele político-partidariamente, proibições d e
reunião
d e
partidos extremistas,
a
diferenciação entre partidos
legais e revolucionários d e acordo c o m s e u programa, tudo isso,
n o
sentido
d a
concepção dominante
d o
artigo
7 6 ,
elaborada
d e
forma conseqüente,
são
inconstitucionalidades grosseiras
e p ro -
vocantes. N a discussão d a questão se a lei de 25 de março d e
• SEG UNDA PARTE - A C O N C R ETA S I TU A Ç Ã O C O N S TI TU C I O N A L—
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 182/252
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 183/252
=
0 _ G U A R D I Ã 0 ^ ^
i
Ç 0 N S T l T y i ^ 0
e d e poder re la t ivamente incont roversa d o s parce i ros
paritariamente legitimados. U m número p o r demais alto de gru-
p o s q u e reivindiquem u m tratamento paritário o u u m a insegu-
rança p o r demais alta na apreciação de seu poder e importân-
cia, ou
seja, insegurança
n o
cálculo
da
quota
a que têm
direito,
impede tanto a realização d o princípio da paridade, quanto, t a m -
b é m , a
evidência
d o
princípio
que lhe
serve
d e
base.
A segunda dúvida sobre u m a paridade realizada d e forma
conseqüente reside n o fato de que e la , necessariamente, c o n -
duz ou a um equilíbrio sem resolução ( tão freqüente n a parida-
d e entre empregadores e empregados), ou , porém, n o caso d e
grupos fortes e claramente definidos, a u m a itio in partes,
como a entre católicos e protestantes desde o século X V I n o
antigo Reich alemão. Cada partido coloca, então, e m seguran-
ça
para
si a
parte
d a
substância estatal
q u e l h e
interessa
e ,
assumindo
u m
compromisso, está
d e
acordo
em que o
outro
partido
c o m u m a
outra parte faça
o
mesmo. Ambos
os
méto-
dos —
igualdade aritmética
ou itio in partes — não t êm o
senti-
do de uma decisão política, mas se distanciam d a decisão.
II . Significados positivos da palavra "neutralidade",
ou
seja,
que
levam
a uma
decisão.
1. Neutralidade no sentido da objetividade e da im-
parcialidade com base em uma norma reconhecida.
Esta é a neutralidade d o juiz enquanto e le decidir c o m base
em uma l e i reconhecida e definível em seu conteúdo. É a
vinculação
à lei (que
contém vinculações materiais)
q u e
possi-
bilita
a
objetividade
e , com
isso,
u m a
espécie
d e
neutralidade,
assim como a relativa autonomia d o juiz perante a outra vonta-
d e
estatal
(i.e.,
expressa
d e
forma outra
p o r u m a
regulamenta-
ç ão
legal). Embora essa neutralidade leve
a u m a
decisão,
e la
n ã o
leva
à
decisão política.
2. Neutralidade com base em um conhecimento experto
não egoísta e interessado.
Esta
é a
neutralidade
d o
parecerista
e
consultor experto,
d o adjunto perito, desde que não seja representante d e inte-
S b ü UNDA P AR TE - A C ONC R ETA S ITUAÇ ÃO C ONS TITUC IONAL.
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 184/252
ressados e expoente d o sistema pluralista (vide acima), nessa
neutralidade se baseia também a autoridade d o mediador e con-
ciliador, desde que não recaia sob o número 3 .
3 .
Neutralidade como expressão
de uma
unidade
e to-
talidade que abrange os agrupamentos opostos e, destarte,
relativiza em si todas essas oposições.
Esta
é a
neutralidade
da
decisão estatal
d e
antagonismos
internos
de um
Estado perante
a
fragmentação
e
divisão
d o
Estado
e m
partidos
e
interesses especiais, quando
a
decisão
torna válido
o
interesse
d o
todo estatal.
4 .
Neutralidade
do
estrangeiro
que se
encontra
de
fora
e que, na qualidade de terceiro, provoca, de fora e em
caso
de
necessidade,
a
decisão
e, com
isso,
uma
unidade.
Esta
é a
objetividade
d o
protetor perante
o
Estado
sob p ro -
tetorado
e
seus antagonismos
d e
política interna,
d o
conquista-
d o r
perante
o s
diversos grupos
e m u m a
colônia,
d o s
ingleses
perante
os
hindus
e
muçulmanos
n a
índia,
d e
Pilatos
{quid est
veritas?)
perante
as
contendas religiosas
d o s
judeus.
6 .5
Procedimento
d o
governo constitucional
segundo
o
artigo
4 8 d a
Constituição
d o
Reich. Desenvolvimento
d o
estado
d e
exceção militar-policial rumo a o econô-
mico-financeiro
A solução d a s dificuldades atuais n ã o pode residir n o fato
de se continuar a enfraquecer o Estado, n e m muito menos n o
d e deixá-lo perecer e m u m sauve qui peut generalizado. A
causa d o s inconvenientes e da falta d e imparcialidade e objeti-
vidade é exatamente a f raqueza resultante, e m u m Estado e c o -
nômico, d o s métodos pluralistas d o instável Estado d e coalizão
partidário e não se pode remediar essa falta p o r meio d e mais
SECUNDA PARTE - A C ONC R ETA S 1 TUAÇ AO C ONS TITUC IONAL. . . i—
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 185/252
O
G U A R D I Ã O
D A
C O N S T I T U I Ç Ã O
enfraquecimentos e cisões. A maioria das propostas e exigên-
cias
po r
despolitização esquece
a
simples verdade
d e q u e ,
para
a neutralidade n o sentido d e u m a imparcialidade independente,
são
necessárias
u m a
robustez
e u m a
força
q u e
possam ofere-
ce r
resistência
a
agrupamentos
e
interesses poderosos.
Se fal-
tarem a o Estado, u m a outra força t em que intervir a seu favor,
força esta
que se
transforma, assim,
n o
Estado. Neutralidade
n o sentido d e imparcialidade e objetividade não se constitui e m
fraqueza
e
apolitismo,
m a s e m s e u
contrário. Assim,
a
solução
n ã o
reside
e m u m a
imparcialidade apolítica,
m a s e m u m a
polí-
tica objetivamente informada e que não perde d e vista o inte-
resse
d o
todo.
E o
objetivo
d e
toda Constituição sensata
dar um
sistema
organizacional
q u e
possibilite
u m a
volição estatal
e u m
gover-
n o capaz d e governar. E , sobretudo, a intenção consciente e
b e m
refletida
da
vigente Constituição
d o
Reich alcançar esse
objetivo
e
todos
os
seus institutos
d e u m a
democracia parla-
mentar e plebiscitária devem, e m primeiro lugar, criar u m g o -
verno eficiente. Parte-se
d o
princípio
de que um
governo apoiado
e m camadas populares e que encontra a anuência e a aclama-
ção do
povo
é
mais forte
e
mais intenso
do que os
demais tipos
d e governo. P o r essa razão, a primeira parte organizacional d a
Constituição d o Reich contém, fora a s determinações d e direi-
to
federal,
u m
equilíbrio,
e m
princípio,
b e m
refletido
da
demo-
cracia parlamentar para c o m a plebiscitária. N o centro da par -
te
constitucional plebiscitária está
o presidente
do
Reich e é
d e grande significado q u e esse, n o s esforços d e neutralização
q u e conduziram a formações autônomas, apareça e m u m p o n -
to
especialmente importante, pois
é e le que
estabelece
a
rela-
ç ã o entre o Reich alemão e o banco d o Reich a o homologar a
nomeação
d o
presidente
d o banco
do
Reich,
eleito pelo
c o n -
selho geral d o banco, e que assina o título d e nomeação (artigo
6
o
, §
4°,
da lei do banco d o Reich de 13 de março d e 1930). D a
mesma forma,
n a
sociedade ferroviária
d o
Reich,
a
escolha
d o
presidente d o conselho administrativo (artigo 12 do estatuto) e
a
nomeação
d o
diretor geral
e dos
diretores (artigo
17 do
esta-
tuto) necessitam
da
homologação pelo presidente
d o
Reich.
•
SEGU NDA PARTE
- A
C ONC R ETA S ITUAÇ ÃO C ONS TITUC IONAL. . .
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 186/252
R E M É D I O S
E
M O V I M E N T O S C O N T R Á R I O S
1 f i C)
Porém, o reconhecimento teórico de sua posição central e de
suas possibilidades constitucionais ainda sofre
sob as
interpre-
tações, as quais, c o m o s velhos clichês surgidos n o período
pré-guerra, transformam
a
Constituição
d e
Weimar
e m u m a
caricatura
a o
verem nela nada além
d e u m a
anti-Constituição
contra
a
antiga Constituição
d o
Reich. Mais atingida
c o m
isso
é a compreensão d o s artigos 2 5 (dissolução d o parlamento d o
Reich, conceito
d e
"unicidade"
e d e
"igual motivo"
10
),
5 4
(voto
d e desconfiança) e 48 . Contudo, a prática desses artigos j á
produziu
u m a
série
d e
precedentes reconhecidos,
o s
quais
não
podem s e r juridicamente ignorados.
A
questão
q u e
aqui interessa
-
quais remédios
são
consti-
tucionalmente possíveis perante
a s
dificuldades
e o s
métodos
destrutivos d e Constituição d o sistema pluralista - encontrou,
assim,
u m a
outra resposta mais eficaz
e que
melhor corresponde
a o espírito da Constituição do que as cisões e autonomizações
levadas cada
v ez
mais adiante.
A
prática
d a s leis
de
plenos
poderes, especialmente e m ambos o s casos d a s leis d o Reich
de 13 de
outubro
de 1923
(
Diário oficial
do
Reich I , p. 943) e
de 8 de dezembro de 1923 (Diário oficial
do
Reich I, p . 1179),
mostra
que , no
caso crítico,
é
possível
u m
afastamento
do pa r -
lamento. E característico que , na primeira lei de plenos pode-
r e s
para
o s
decretos
d o
governo
d o
Reich,
a lei que
admite
10
Igual motivo,
n o
sentido
d o
artigo
2 5 d a
Constituição
d o
Reich,
é
ap en as
o
ob je to concre to
d a
d iv e r s id ad e
d e
opinião entre
Presidente d o Reich (governo) e parlamento, o u seja, o tema d e
u m confli to q u e o povo decide p o r meio d e nova eleição. M a s s e
u m
par lamen to incapaz
d e
atingir maioria
é
dissolvido, essa
cond ição n ã o é aplicada e seria absurdo d a r a u m par lamento
posterior, p o r s u a v e z incapaz d e atingir maioria, p o r assim dizer,
u m direito a 4 anos d e incapacidade d e atingir maioria; c f . SCHMIT T,
Ca r l . Einmaligkeit
und
gleicher Anlass
bei der
Reichsiag-
sauflõsung nach
Art. 25 RV.,
Arch.
d. Off.
Rechts, Neue Folge,
vo l . 8 (1925), p . 162 . Recentemente, isso f o i novamente incom-
preendido e m GLUM, F. Parlameniskrise
und
Verfassungslücke,
Deutsche Juristenzeitung
1930 , p . 1415 ;
BÜHLER,
Õ . Die
Grenzen
verfassungsmafiigen Vorgehens
der
Regierung
bei
Erledigung
des
Sanierungs-programms
, Re ichsverwalcungsb la t t , vo l . 51
(1930), p . 780 .
SEGUNDA PARTE
- A
CONCRETA SITUAÇÃO C ONS TITUC IONAL,
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 187/252
120
O G U A R D I Ã O D A C O N S T I T U I Ç Ã O
divergências
d o s
direitos fundamentais constitucionais,
nã o es-
tava prevista u m a participação d o parlamento d o Reich, e, s im,
apenas para informação
e
reivindicação
de
anulação, enquan-
to na segunda lei de plenos poderes, antes d a promulgação d o
decreto, tinha
que ser
ouvida apenas
u m a
comissão
d o
parla-
mento composta
por 15
membros
( e u m a
comissão
d o
conse-
lho do Reich). U m outro sintoma a ser citado aqui são
minis-
tros-funcionários
e
gabinetes-funcionários.
11
M a s o
exemplo
decisivo se encontra na
prática
do
artigo
48. E la é especial-
mente significativa para
a
estrutura
d a
atual situação constitu-
cional, porque
e ra
obrigada
a se
mover
e m
território econômi-
c o e financeiro, pois o desenvolvimento rumo a o Estado
econômico
se
encontrou
c o m o
desenvolvimento simultâneo
d o
parlamento rumo
a u m
cenário
d o
sistema pluralista
e é aí
mesmo que se têm fundamentadas tanto a causa d a perturba-
ç ã o d e
cunho jurídico-constitucional quanto
a
necessidade
por
remédios e movimentos contrários.
1 . 0
desenvolvimento
de
cunho jurídico-constitucional
c o n -
duziu, para várias questões importantes
d o
estado
d e
exceção
e d o direito d e baixar decretos d e emergência, a resultados
que , na
prática
dos
governos,
e m
decisões
d e
supremos tribu-
nais
e
também
na
literatura específica,
s ã o
aceitos
e
reconhe-
cidos a ponto de se te r que partir deles como componente d e
nosso atual direito constitucional.
A
interpretação
d o
artigo
4 8
da Constituição d o Reich contém, todavia, u m a série d e ques-
tões jurídicas especialmente difíceis, mais precisamente
c o n -
forme a situação d o caso, se existe o u n ã o u m a considerável
ameaça d a ordem e segurança públicas n o Reich - a decisão
d a
questão
se de
fato está
o u n ã o
dado
o
pressuposto para
o s
poderes extraordinários,
é,
naturalmente, assunto
de um go-
verno consciente
de
seus deveres
- m a s ,
sobretudo, para
o
problema jurídico-constitucional
d o
conteúdo
d o s
poderes
e
autorizações d o presidente d o Reich contidos n o artigo 48 ,
11
A r e s p e i t o , K O E L L R E U T T E R , O . Der deutsche Siaat ais
Bundesslaat
und ais
Parteienstaat (Recht
u n d
Staat, Heft
5 1 ) ,
Tiibingen 1927 , p . 31-32.
SEGUNDA PARTE - A CONCRETA SITUAÇÃO CONSTITUCIONAL.
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 188/252
R E M É D I O S
Q
M O V I M E N T O S C O N T R Á R I O S
121
§ 2
o
. A s
divergências
d e
opinião explicam-se, naturalmente,
primeiramente a partir da diversidade d o s interesses e concep-
ções político-partidários que não nos cabe aqui discutir mais. A
isso se acresce o fato de que , justamente n o "estado d e exce-
ç ã o " , termos e divisas d o direito público d a monarquia consti-
tucional continuam a produzir efeitos por muito tempo e pertur-
b a m o s
conceitos
e
pontos
d e
vista
de u m
direito constitucional
republicano, principalmente quando ainda surge o fato de se
justificar os poderes d o presidente d o Reich c o m a palavra
"ditadura".
P o r f i m ,
muitas vezes
não se
observa
que a s
deter-
minações
d o
artigo
48, § 2
o
, são
pensadas pela assembléia
n a -
cional legislativa como um provisório redigido d e form a inten-
cionalmente ampla,
ao
qual somente
a lei de execução a ser
promulgada segundo
o
artigo
48, § 5
o
, dá su a
limitação definiti-
v a mais precisa. Até lá , a interpretação jurídica, fora as dificul-
dades gerais d e toda questão d e alta política, t e m ainda que
observar
as
particularidades resultantes
d a
provisoriedade
que
se
prolongou
p o r
muitos anos.
M a s , apesar dessa dificuldade e perturbação totalmente
extraordinárias, pode-se constatar
q u e u m a
praxe
q u e
conta
agora c o m d e z anos, desenvolveu, juntamente c o m u m a
abrangente literatura específica, alguns preceitos sobre a in-
terpretação d o artigo 48, § 2
o
, pelos quais não se pode mais
negar,
e m u m a
consideração imparcial,
a
imposição
de seu re-
conhecimento geral. Isso
é
válido, pelo menos, para
os
dois
pontos seguintes:
a) O
poder
d o
presidente
d o
Reich
e m
promulgar
decretos
substitutivos de leis segundo o artigo 48, §2°.
A a té então abrangente praxe d e decretos jurídicos do a r-
tigo
48 , §§ 2
o
e 4
o
, nã o
necessita
d e
mais provas, basta lembrar
d o s panoramas apresentados po r Poetzsch-Heffter (Jahrbuch
des ojfentlichen Rechts
,
vol. 13, 1925, p.
141-157;
vol. 17,
1929, p .
99-101).
O
tribunal
d o
Reich homologou plenamente
essa praxe
e
tratou
o
presidente
d o
Reich, para tanto, como
legislador n o sentido d a "ressalva da le i " ; por exemplSo, Ju-
risprudência penal do Reich 56, 115 (poder para decretos
jurídicos, especialmente dispositivos penais); igualmente, 56,
SECUNDA PARTE - A CONCRETA SITUAÇÃO CONSTITUCIONAL.
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 189/252
1 7 2 .
Q G U A R D I Ã O D A C O N S T I T U I Ç Ã O
163; 56 , 188 ("uma
espécie
d e
direito
d o
presidente
d o
Reich
d e
baixar decretos
d e
emergência");
56 . 420 ("não se
pode
duvidar"
d o
direito
d e
baixar decretos jurídicos);
57 , 384; 58 ,
2 6 9 (decretos segundo o artigo 48, § 2
o
, são "indubitavelmente"
disposições legais no sentido d o s artigos 105,151, 152 da Cons-
tituição d o Reich); 58 , 360 (nenhum direito d e exame p o r parte
d o
juiz para condições
e
duração
d o s
decretos);
m as , em
espe-
cial, 59,41: "Pois
a
alteração
d o s
dispositivos penais conforme
tipo delitivo
o u
margem entre
a s
penas máxima
e
mínima
cominadas a o delito recai n a área d o poder legislativo e fica,
portanto ( ), como este e m geral ( ) , por conta d o presidente d o
Reich p o r meio d o artigo 48, § 2
o
, d a Constituição d o Reich sob
a
condição
lá
apresentada
e
para
o
objetivo
lá
designado."
Ademais,
Jurisprudência civil
do
Reich
123, 40 9 (semelhan-
ça com o
direito
de
baixar decretos
d e
emergência);
ou
corte
d e finanças d o Reich 17, p. 73. Na literatura específica, a dou-
trina predominante fo i formulada pelo comentário d e Anschiitz
(p . 25 0) d a seguinte maneira: "Estes decretos (pelo artigo 48, §
2°
podem tudo prescrever ou proibir, para o que é necessária e
suficiente
u m a le i
ordinária
d o
Reich
e não de
emenda
à
Cons-
tituição," Analogamente, Poetzsch-Heffter,
Kommentar
,
p. 23 7;
Giese,
Kommentar
, 8
a
ed., p. 138.
Consoante isso. n o artigo 48, § 2°, além d o s demais pode-
re s extraordinários, está e m todo caso também contido o poder
d e promulgar decretos jurídicos c o m força de le i nos moldes
dessa determinação constitucional . Pode-se aqui primeiramente
deixar
em
suspenso
se
esse poder estava dado pelo artigo
4 8
desde
o
início (como suposto pela doutrina dominante
n a
teoria
e n a
prática)
ou se ele só foi
acrescentado mediante
o
desen-
volvimento d o s últimos 10 anos. U m a outra questão é a té que
ponto esse direito de baixar decretos pode se r quali ficado como
direito
de
baixar decretos
d e
emergência.
E m u m
sentido
g e-
ral ,
pode-se qualificar todo decreto publicado
c o m
base
e m
poderes extraordinários como decreto
d e
emergência
e ,
nesse
significado, conceber todos os decretos d o presidente d o Reich,
publicados segundo o artigo 48, § 2
o
, como decretos d e emergên-
• SEC UNDA PARTE - A C O N C R ETA S I TU A Ç Ã O C O N S TI TU C I O N A L.
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 190/252
R E M É D I O S E M O V I M E N T O S C O N T R Á R I O S
c ia . Em um
sentido mais estrito
e
específico,
em
contrapartida,
o
direito constitucional
da
monarquia constitucional
só
admitiu
o
decreto
d e
emergência para
o
caso, desenvolvendo-o para
u m a típica normalização, d e o parlamento n ã o estar reunido.
12
S e forem publicados decretos d e emergência pelo presidente
d o Reich em ta l situação, poderemos então falar, em um senti-
d o
mais estrito,
d e
decretos
d e
emergência. Ambos
os
tipos
de
decretos podem
ser
diferenciados eles
t ê m
também muitos
tra-
ços em comum e o poder para s u a promulgação recai sob o
amplo conceito d o s poderes extraordinários.
b ) O
desenvolvimento
de um
Estado
d e
emergência
e de
exceção especificamente econômico e financeiro. Tanto a
praxe d o artigo 48, § 2
o
, d a Constituição d o Reich quanto, e m
especial, aquela
d o
artigo
55 da
Constituição prussiana reco-
nheceu como admissível, sob a pressão d o caráter essencial-
mente econômico e financeiro d e atuais situações d e emer-
gência,
a
aplicação
d o s
poderes extraordinár ios sobre situações
d e emergência e perigos d e cunho econômico e financeiro. O s
resultados d a praxe d o artigo 55 da Const ituição prussiana po-
d e m , s e m
problemas,
ser
transferidos, nesse aspecto,
a o
artigo
48 da Constituição d o Reich, n ã o importando o tamanho que
possa ter , ademais, a diversidade d e ambas a s disposições
12
U m a
notável
e
clara contradição reina hoje entre
a
concepção
d o conceito d e "estar reunido" n o Reich (artigo 24 da Constituição
d o
Reich)
e a da
Prússia (artigo
5 5 d a
Constituição prussiana);
c f . a respeito m e u artigo n o Jornal Jurídico Alemão de 15 de
outubro
de 1930 (p . 1285
et seq.).
A
decisão
d o
tribuna
d o
Estado
d o
Reich alemão
de 13 de
ju lho
d e 1 9 2 9
sobre
o
direito
d e
baixar
decretos d e emergência n a Prússia (
Jurisprudência civil
do
Reich
1 2 5 ,
anexo,
p. I ;
L A M M E R S - S I M O N S
I I , p . 66 , 69) não se deu
conta dessa questão d e direito público. Mesmo o tratado de W.
Jellinek,
de 6 de
dezembro
de 1930 , no
Diário administrativo do
Reich, p . 7 7 9 , dirigido contra m e u artigo h á pouco mencionado,
n ã o solucionou a contradição entre a prá t ica d o art igo 24 da
Consti tuição
d o
Reich
e a do
artigo
5 5 d a
Constituição prussiana.
E m todo caso, caso se queira abolir o a té então conceito (como
t a l abs o lu t amen te n ã o d u v i d o s o ) d e "es tar reunido" , todo o
p r o b l e m a
d o
atual direi to parlamentar teria
q u e s e r
s i s t ema-
ticamente colocado sobre u m a nova base.
SEGUNDA PARTE - A CONCRETA SITUAÇÃO CONSTITUCIONAL.
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 191/252
O G U A R D I Ã O D A C O N S T I T U I Ç Ã O
constitucionais e institutos jurídicos. E m todo caso, o artigo 4 8
da Constituição d o Reich contém hoje também u m direito d e
baixar decretos
q u e
preenche
as
funções
de um
direito
de bai-
x a r decretos d e emergência. Nesse único aspecto q u e interes-
sa aqui, u m a transferência d o s pontos d e vista e argumentos
normativos não é apenas admissível, m a s injuntiva (também
dessa forma
Jurisprudência civil
do
Reich 123, p . 40 9) .
Isso
t em um duplo significado: a condição para os poderes extraor-
dinários (estado
d e
emergência, considerável ameaça
d a
segu-
rança
e
ordem públicas) pode estar fundamentada
e m u m a
situação d e emergência econômica e financeira o u em u m p e -
rigo q u e surge d e circunstâncias econômicas e financeiras e o
caráter primeiramente
só
econômico
e
financeiro
da
situação
de partida n ã o exclui a aplicação d o s poderes extraordinários."
Ademais, d o conteúdo dos poderes extraordinários f az , t am -
1 J
S ã o mui to numerosos o s e x e m p l o s d e dec re tos d e conteúdo
econômico
e
financeiro, publicados
c o m
base
n o
artigo
4 8 , § 2°.
Pode-se mencionar aqui apenas o s decre tos d e n o v e m b ro d e
1 9 2 3 sobre divisas e o Rentenmark, a moeda d e transição alemã,
decreto de 5 de novembro d e 1 9 2 3 (Diário oficial
do
Reich I, p.
1 0 8 2 )
relativo
à
recusa momentânea
d e
serviços devido
à
cotação
externa d o
Reichmark.
Ademais , d o m e s m o d i a : decreto para
complementação d o decreto sobre a mobil ização d e fundos p o r
m e i o d e emprés t imo e d e emis são d e títulos d a dívida pública
(Diário oficial
do
Reich
I . p . 1 0 8 3 ,
tendo
q u e s e
observar
q u e o
decreto complementado d e 2 0 d e outubro d e 1 9 2 3 fora publicado
c o m base na l e i de plenos poderes; decreto de 13 de outubro d e
1 9 2 3 ( revogação da l e i de impostos sobre o carvão d e 2 0 d e
março
d e 1 9 2 3 ,
Diário oficial
do
Reich
I , p . 9 4 5 ,
publ icada
novamente como decreto c o m base na l e i de plenos poderes e m
18 de outubro d e 1 9 2 3 , Diário oficial do Reich I , p . 97 9) ; decreto
d e 5 d e abril d e 1 9 2 4 (
Diário oficial
do
Reich
I , p . 3 9 7 ) sobre
taxas
d e
embarque,
de 10 de
novembro
d e 1 9 2 4 .
(Diário oficial
do
Reich
I , p . 73 7) sobre abrandamentos fiscais economicamente
necessários, e t c . Exemplos d e decretos econômicos d o s governos
d o s Es tados conforme o a r t igo 4 8 , § 4
o
, estão especialmente
assinalados
n o
panorama
d e
Poetzsch-Heffter mencionado acima.
A praxe d e decretos d e emergência d o governo prussiano segundo
o artigo 5 5 d a Constituição d a Prússia perseverou, s o b constante
aprovação d o tribunal d o Estado (decisões d e 2 1 d e novembro
d e 1 9 2 5 ,
Jurisprudência civil
do
Reich
1 1 2 ,
anexo,
p . 10; de 23
SEGUNDA PARTE
- A
CONCRETA SITUAÇÃO CONSTITUCIONAL.
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 192/252
R E M É D I O S E M O V I M E N T O S C O N T R Á R I O S
125
b é m , parte o direito d e publicar decretos d e conteúdo e caráter
econômico e financeiro, substitutivos d e leis.
14
Ambos o s resultados - direito d e baixar decretos subs-
titutivos d e leis pelo presidente d o Reich conforme o artigo 48 ,
§ 2°,
e o caráter (admissivelmente também) econômico e finan-
ceiro
d o
estado
d e
exceção
e dos
poderes
d o
estado
d e
exce-
ção - baseiam-se e m u m a interpretação d o artigo 48 que se
impôs e m u m a evolução d o direito po r 10 anos e qu e faz justiça
às
particularidades concretas
d a
situação
d e
emergência
d e
u m
Estado
e m
apuros financeiros, tributário
e que, ao
mesmo
tempo, toma a seu cargo prestações sociais. Embora sejam
ainda possíveis
e
existentes muitas divergências
d e
opinião
e
litígios interpretativos n o tocante àquela difícil disposição cons-
titucional, j á há um a praxe inequívoca para ambos os resultados
citados. N ã o é necessário tratar d a s controvérsias e distinções
teóricas sobre direito consuetudinário , mudança constitucional,
evolução constitucional, e t c . , para poder fazer a simples
constatação de que aqui existe h á anos u m constante exercício
suportado por uma rígida convicção jurídica. E le deu ao
provisório
d o
artigo
48 , o
qual perdura
até a lei de
execução
a
ser publicada consoante o artigo 5, seu conteúdo a ser obser-
vado conforme
o
direito positivo. Para tanto, quatro fatores
cooperaram:
1. a
concepção
d o
artigo
48, § 2
o
,
dominante
n a
teoria do direito público, a qual equipara o presidente d o Reich,
nesse aspecto,
ao
"legislador ordinário
d o
Reich";
2. os
nume-
rosos
precedentes da
praxe
d o
govemo
d o
Reich, desde
que
se trate d o caráter substitutivo d e leis d o s decretos e - essen-
d e março d e 1 9 2 9 , Jurisprudência civil do Reich 1 2 9 , anexo, p .
19; de 13 de
ju lho
d e 1 9 2 9 ,
Jurisprudência civil do Reich
125,
anexo, p. 7) , também Estados d e emergência urgentes e incomuns
d e
cunho financeiro
n o
Estado
e a té
mesmo
e m
suas associações
autônomas just if icam a promulgação d e decretos d e emergência.
14
Dessa forma, o s decretos mencionados anteriormente conforme
o
artigo
48 , § 2
o
, e ,
especialmente,
o
decreto
d e
emergência
d o
governo prussiano de 8 de maio d e 1 9 2 9 , sobre a regulamentação
d o imposto industrial para o exercício contábil d e 1 9 2 9 , aprovado
n a decisão de 13 de ju lho d e 1 9 2 9 d o tribunal d o Estado,
op. cit.
SEGUNDA PARTE
- A
CO N CRE T A SI T U A ÇÃ O CO N ST I T U ClO N A l . . . .
•
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 193/252
1 7 6
O G U A R D I Ã O D A C O N S T I T U I Ç Ã O
cialmente colaborando
- a
praxe
d e
decretos
d e
emergência
d o governo prussiano, desde que se trate d a realização de po-
deres d e exceção, econômicos e financeiros, devendo se ob-
servar
que o
efeito
de um
precedente
n o
direito público
que
permanece íncontradíto costuma se r mais forte e mais decisi-
vo do que n o
direito privado,
mas o
precedente
n o
direito cons-
titucional
e n o
direito internacional pode
t e r um a
força,
por sua
vez , especialmente intensa; 3. as numerosas decisões prelimi-
nares, nesse aspecto, totalmente claras e seguras, d o tribunal
d o Reich, d a corte d e finanças d o Reich, d e todos o s outros
supremos tribunais, sobretudo
d o
tribunal
d o
Estado para
o
Reich
alemão,
as
quais homologaram tanto
o
caráter econômico
dos
poderes d e exceção quanto o poder d o governo d e recorrer, n o
caso
de um
parlamento incapaz
d e
atingir maioria
ou de
traba-
lhar, aos poderes extraordinários (decisão de 13 de julho d e
1929 , Jurisprudência civil do Reich 125, anexo, p. 8); 4. o
reconhecimento daquela praxe p o r meio d o comportamento
d o parlamento do Reich, o qual n ã o exigiu a revogação dos
decretos substitutivos
d e
leis publicados segundo
o
artigo
48, §
2
o
, em que
está contida, pelo menos,
u m a
anuência
a sua
vali-
dade jurídico-constitucional.
JS
15
N a
teor ia
d o
d i r e i to cons t i tuc iona l ,
a
eq u ip a r ação
d o
poder
extraordinário e m tomar medidas c o m u m direito d e baixa r decretos
s u b s t i t u t i v o s
d e
le is
p o r
p a r t e
d o
p r e s i d e n t e
d o
R e i c h
f o i
f reqüentemente contes tada, especia lmente p o r Erwin Jacobi e
p o r m i m , n a exposição sobre a ditadura d o presidente d o Reich
d u r an te a con fe rênc ia d e p r o f e s s o r e s d e d i r e i to púb l ico e m
1 9 2 4 (Verõffentlichungen der Vereinigung Deutscher Staats-
rechtslehrer,
vo l . 1 , 19 24 , p . 99 , 110/111); ademais, mesmo se
c o m outra fundamentação a té mesmo contraditória, p o r GRAU,
R . Die Diktatur des Reichsp.rasidenten, 1923 , p .
102-103, assim
c o m o n o es tudo "Poder d i ta tor ia l e Co n s t i t u i ção d o Re ich"
('Gedachtnisschriftfür Seckel
, Berlin,
1 9 2 7 , p . 4 9 0 ) . A t é q u e
ponto
o s decretos jurídicos d o presidente d o Reich d e 2 6 d e ju lho e de
I
o
d e
dezembro
d e 1 9 3 0
(
Diário oficial do Reich I , p . 3 1 1 e p.
5 1 7 ) seriam admissíveis quanto a seu conteúdo, é u m a questão
em s i que , em
larga escala, poderia
s e r
respondida afirmativam ente,
porque , afinal, toda apli cação da lei e todo poder executivo decorrem
p o r m e io d e med idas . D ian te d a evo lução d o d ire i to q u e s e
SEGUNDA PARTE
- A
CONCRETA SITUAÇÃO CONSTITUCIONAL.
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 194/252
R E M É D I O S E M O V I M E N T O S C O N T R Á R I O S
122
2 . Para a relação d a s
determinações constitucionais
de
direito financeiro c o m o s poderes extraordinários d o presi-
processou nesse ín ter im, a con t rovér s ia es tá , e m todo caso,
resolvida, contanto
q u e o
direito
d e
baixar decretos substitutivos
d e leis p o r parte d o presidente d o Reich , s e rião estava contido
n o
poder
e m
decretar medidas, doravante,
se
junte
a ele. D e
r es to , a controvérs ia sobre a s p r o p o r çõ es d a au to r ização d o
artigo 48 , § 2°, alínea 1, permanece e m aberto, pois n a constatação
d e q u e o presidente d o Reich t e m , hoje, indubitavelmente aquele
direito d e baixar decretos, n ã o reside nenhuma restrição a seu
poder fundado n o artigo 4 8 , §
2
a
,
alínea 1 , em tomar medidas
necessárias, tampouco reside n a limitação natural d o direito d e
baixar decretos substi tutivos
d e
leis
a
leis ordinárias
( n ã o d e
emenda
à
Constituição)
u m a
restrição
d o
poder
e m
tomar medidas
necessárias n o sentido d e q u e toda determinação constitucional,
e m par t icu lar , sobre medidas para pro teção d a Cons t i tu ição
constituiria u m obstáculo intransponível, assim, n ã o s e encontra
a í nenhum reconhecimento d a s opiniões doutrinárias teóricas,
a s quais declaram cada u m a d a s numerosas particularidades d a
l e i
constitucional como sendo mais importante
d o q u e a
própria
Co n s t i t u i ção .
A
d iferenciação en tre decretos ju r íd icos subs-
t i tu t ivos
d e
leis
e
med idas con t inua
a
ex is t i r , mantendo
s e u
significado (para o caso d e q u e , p o r desconhecimento d a essência
d e u m a garantia insti tucional, a redução salar ial ordenada v i a
decreto substitutivo de le i fosse declarada inadmissível, ter-se-
i a q u e considerar admissível, como medida, a ordem dada à s
caixas públicas para pagar, s e m prejuízo d o s direitos legítimos
d o s funcionár ios , u m a parte d o salário), o poder d o presidente
d o
Re ich
e m
tomar todas
a s
medidas necessár ias cont inua
a
existir ,
e m s u a
plena escala constitucional, junto
a o
direito
d e
baixar decretos substitutivos
d e
leis,
a té que a le i de
execução
tenha estabelecido u m a regulamentação mais detalhada. A recusa
d o direito d e baixar decretos substitutivos d e leis poderia apoiar-
se , sobretudo, n o caráter provisório d a regulamentação d o artigo
4 8 , § 2
o
, e na n ece s s id ad e d e p roduz i r , p o r meio da l e i de
execução prevista n o ar t igo 5 , u m a regulamentação def in i t iva
d o
estado
d e
ex ceção
e , a í ,
também autorizações para decretos
ju r íd icos
e m
cur t íss imo tempo.
N a
mesma medida
e m q u e f o i
cont inuada
a
praxe
d o
ar t igo
4 8 , § 2°, e m q u e n ã o s e
realizou
a lei de ex ecu ção e , c o m isso, a determinação const i tucional
desist ia, a cada d i a mais, d e s e u caráter provisório, tornou-se
necessá r io inc lu i r u m au tên t ico d i r e i to d e ba ixar decre tos
subst i tu t ivos d e leis n o s poderes ex traord inár ios d o presidente
d o Reich, embora, d e resto, enquanto a lei de execução n ã o f o r
SEGUNDA PARTn
- A
C ONC R ETA S ITUAÇ ÃO C ONS TITUC IONAL. . .
«
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 195/252
dente
d o
Reich, conclui-se
q u e
decretos
c om
base
n o s
poderes
extraordinários
são
admissíveis também
c o m
conteúdo
de di -
reito financeiro, desde
que , de
resto, respeitem
os
limites cons-
titucionais
d o s
poderes extraordinários.
M a s
importa saber
se
a ressalva de direito financeiro da lei - para impostos e
taxas, artigo
134 da
Constituição
do
Reich, para
le i
orçamentária,
artigo 85 da Constituição d o Reich, para autorizações d e crédi-
to e prestações d e caução, artigo 87 da Constituição d o Reich
- é cumprida por um decreto substitutivo de lei com base nos
poderes extraordinários d o artigo 48 ou se essa ressalva d e
direito financeiro
da lei é a
ressalva
de uma le i formal.
A
concepção
d o
artigo
48, § 2
o
,
dominante
n a
literatura
específica corresponde
o
fato
de se
equiparar,
d e
forma
b e m
generalizada,
os
poderes extraordinários
e m
baixar decretos
p o r parte d o presidente d o Reich a o poder e m criar leis ordiná-
rias (cf. a formulação do comentário d e Anschütz, comunicada
acima). Destarte, n ã o poderia ser para e la duvidoso que a res -
salva d e direito financeiro da le i , nada diferente d a ressalva
normal
da lei no
caso
d o s
direitos fundamentai s
e d e
liberdade,
possa também
ser
preenchida
por um
decreto consoante
o ar-
tigo
48, § 2
o
. N o que
tange
à
prática
de a té
então,
e la não vê de
forma alguma,
n a
ressalva
d e
direito financeiro
da lei, a
ressal-
va de uma le i formal. A
imposição
d e
impostos
e
taxas,
a
fixa-
ç ã o da s
taxas aduaneiras
e
outras normalizações
de
direito
fi-
nanceiro, h á muito tempo, n ã o estão mais hoje restritas a leis
n o sentido formal, existe, aqui, u m a antiga praxe d e decretos
q u e n ã o necessita de outra comprovação e cuja validade jurídi -
c a nã o pode ser seriamente contestada. Contudo, o artigo 2 do
código fiscal
do
Reich determina expressamente
q u e
le i
n o
sentido
d o
código fiscal
do
Reich,
é
qualquer norma jurídica.
M a s
também para autorizações
d e
despesas, assim como para
autorizações
d e
crédito
e
prestação
d e
fiança,
a
praxe
d o g o -
verno
d o
Reich tomou,
sem
oposição,
o
ponto
d e
vista
de que a
publicada, cont inua
o
caráter provisório
d a
r egu lamen tação
e
tenha q u e continuar a se impor.
« SEGU NDA PARTE - A CO N CRE T A S I T U A ÇÃ O CO N S T I T U CI O N A L . . .
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 196/252
R E M É D I O S E M O V I M E N T O S C O N T R Á R I O S
1 7 9
ressalva
d e
direito financeiro
da le i não
exige
uma le i
formal,
podendo
se r
preenchida
por um
decreto substitutivo
d e
lei.
16
S e fo r u m a v e z reconhecido q u e o presidente d o Reich
pode promulgar decretos substitutivos d e leis, consoante o arti-
go 4 8, § 2
o
, e se,
ademais,
fo r
admitido
q u e
decretos substitutivos
d e leis sejam também admissíveis n a área d o direito financeiro
e tributário, então decretos substitutivos d e leis n ã o podem mais,
c o m base n o artigo 48, § 2
o
, serem inadmissíveis para o plano
orçamentário e as autorizações d e crédito e prestação d e fian-
ç a ,
porque
o que
para impostos
e
taxas
é
licito,
n ão
pode
ser
ilícito para outros procedimentos
de
direito financeiro, haja vista
q u e a ressalva de direito financeiro da lei só pode ser apre-
ciada de forma uniforme.
Todo
o
sistema financeiro estatal,
desde
q u e
efetuadas separações
e
isolamentos,
n ã o
exatamente
delineados, d e determinadas áreas e patrimônios - como para
o banco d o Reich, a ferrovia d o Reich ou para os correios e
telégrafos
d o
Reich como empresa autônoma
- é
dominado
pelo princípio
da
unidade
e
totalidade.
O
fato
de qu e ,
para
e m -
préstimo, h á necessidade de uma le i de finanças autorizadora
d e crédito, é justificado e m virtude de os empréstimos terem
u m a repercussão n o sistema fiscal (G . Jèze,
AUg.
Theorie
des
lf i
Ass im o decre to d o governo d o Re ich d e 2 0 d e se tembro d e
1 9 2 3
(Diário oficial do Reich
I , p . 38 6) ,
assinado
p o r
Hilferding,
minis t ro d a s f inanças d o Reich, cuja validade jurídica n ã o f o i
colocada e m dúvida, sobre aumento d a autorização d e crédito,
publicado
c o m
base
n o
artigo
6
o
, § I
o
, n . 2 , da lei de
emergência
d e 2 4 d e fevereiro d e 1 9 2 3 (Diário oficial do Reich I , p . 147 ) . E le
acrescenta,
c o m
referência
à
autorização muito geral
da le i de
emergência , a autorização d e crédito de 14 de agos to d e 1 9 2 3
(Diário oficial do Reich
I I , p . 329 )
prevista
na le i ,
sobre
a
fixação
d e u m segundo adendo a o plano orçamentário d o Reich para o
exercício contábil
d o a n o d e 1 9 2 3 ,
acrescenta
a
quantia corres-
pondente à s recei tas d o orçamento ex t raord inár io , aumenta a
autorização concedida a o ministro d a s finanças e m emitir títulos
d a
dívida pública
c o m o
objet ivo
d e
fortalecer temporariamente
o s recursos ordinários d o caixa principal d o Reich e determina,
p o r f i m , q u e a s
autorizações concedidas
p o r
meio desse decreto
s ó cessam d e vigorar quando tiverem sido confe ridas v ia legislação
ordinária.
SEGUNDA PARTK - A CO N CRE T A SI T U A ÇÃ O CO N ST I T U CI O N A L
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 197/252
1 8 0
O
G U A R D I Ã O
D A
C O N S T I T U I Ç Ã O
Budgets, Tübingen, 1927 , p. 93), o primário é , assim, a lei fiscal
e não a lei de empréstimos. A estreita relação d e todas as re-
ceitas e despesas d o Estado f e z valer e ser reconhecido o prin-
cípio
da
unidade financeira justamente
n o
embate constitucio-
nal do
direito orçamentário
d o
século
X I X e
declarou todas
a s
tentativas de uma diferenciação partindo d o governo monárquico
(p.ex., as tentativas em se separar, e m Estados d o tipo orçamen-
tário bávaro-saxão, concessão
d e
impostos
e
direito orçamentá-
rio)
inexequíveis
e
insustentáveis. Mesmo hoje
a
quase
que
universalmente reconhecida interpretação
d o
artigo
73, § 4
o
,
da Constituição do Reich (inadmissibilidade d e todas a s vonta-
des do povo relativas às leis monetárias), fo i decisivo o princí-
pio da
unidade
d e
todo
o
plano orçamentário estatal.
P o r con -
seguinte,
n ã o é
possível fazer ressalvas legais
n o
direito
financeiro
e
para
o
plano orçamentário
e as
autorizações
d o
artigo 87 fazer u m a ressalva quantitativamente diferente da -
quela essencial a o orçamento, a saber, o s impostos e as taxas.
A dúvida q u e poderia conter, quanto a o direito formal, o
cerne
da
argumentação jurídica contra decretos substitutivos
d e
leis
d e
finanças, baseia-se
e m u m a
consideração
que , a meu
ver , em geral, não é detalhadamente apresentada.
17
mas que ,
e m todo caso, necessita d e discussão e esclarecimento. A res -
salva da lei relativa a o direito financeiro (artigo 85, 87 da Cons-
tituição
d o
Reich) diferencia-se,
d e
modo especial,
d a
ressalva
da lei
relativa
a o s
direitos fundamentais (artigos
114, 115, etc.
da Constituição do Reich). Quando, n o caso de um direito f u n -
damental ou de liberdade, estiverem ressalvadas exceções e
intervenções ocorridas " c o m base em uma l e i " , embora as ex-
ceções e intervenções decorrentes de um decreto substitutivo
de lei não se
baseiem
em uma l e i
formal, elas
se
baseiam
-
segundo a definição de lei do liberalismo d o século X I X , pela
qual a lei , no sentido material, é u m a intervenção n a liberdade e
17
GRAU.
Op.
d / . ; NAWIASKY.
AõR.
N. F. 9 , p . 5 3 ; LUKAS, J .
Vereinigung deutscher Staatsrechtslehrer, Heft 6 , 1 9 2 9 , p . 4 6 ;
HENSEL,
A . DJZ. 3 5
(1930).
p . 1 0 5 8 .
«
SEG UNDA PARTE
- A
C O N C R ETA S I TU A Ç Ã O C O N S TI TU C I O N A L. . .
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 198/252
R E M É D I O S E M O V I M E N T O S C O N T R Á R I O S
na propriedade — pelo menos em u m a le i no sentido material, já
que o
decreto intervém
n a
liberdade
e n a
propriedade. Logo,
em ta l definição da lei , existe, se não uma le i formal, u m a m a -
terial e, de algum modo, está satisfeita a ressalva da lei. Dife-
rentemente é o caso d a ressalva da lei no tocante ao direito
financeiro.
N a
verdade, leis fiscais
e
tributárias valem hoje,
igualmente, como leis n o sentido material, embora essa c o n -
cepção
só
tenha
se
imposto
n o
século
X I X ,
mais precisamente
e m conseqüência d o direito orçamentário constitucional,
destarte, para e la não existiria nenhuma particularidade. E m
contrapartida,
a
concessão
d o
plano orçamentário
c o m
autori-
zações d e despesas o u a outorga d e u m a autorização para to-
madas d e empréstimo o u prestações d e caução não é , pela
concepção dominante, lei no sentido material, e , s im, um ato
administrativo n o campo d o sistema financeiro. M a s enquanto
n o
caso daquelas intervenções
e m u m
direito fundamental,
de-
correntes d e u m decreto, é satisfeita a ressalva da le i por meio
de uma le i no
sentido material,
n o
caso
d e u m a
fixação orça-
mentária decorrente d e u m decreto ou autorização d e conces-
são de
crédito
e d e
prestação
d e
fiança (aliás, pela concepção
original também n o caso d e arrecadação d e impostos e taxas),
n ã o existiria n e m u m a l e i formal n e m u m a material, portanto,
nenhuma
lei ,
então,
a
ressalva
da lei não
estaria
d e
modo
a l-
g u m
satisfeita
e o ato
cairia
n o
vazio. Dessa forma,
a
ressalva
legal d e direito financeiro, diferentemente da ressalva legal d e
direito fundamental, surge como
u m a
ressalva
d e
especial
ri-
g o r formal. E la torna-se a ressalva absolutamente formal q u e
exclui todo decreto e autorização e que só pode se r satisfeita
por uma le i
formal.
Porém, esse raciocínio desconhece
o
sentido constitucio-
nal da diferenciação entre le i material e formal, como, aliás,
também o d o duplo conceito material de lei, o qual define a lei
o ra
como regra jurídica geral,
o ra
como intervenção
na
liber-
dade e n a propriedade. Mais à frente, entraremos e m maiores
detalhes sobre o significado constitucional d o conceito de lei.
E m todo caso, a diversidade d a ressalva d e direito financeiro
SEGUNDA PARTE - A CO N CRE T A SI T U A ÇÃ O CO N ST I T U CI O N A L . . . •
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 199/252
1 8 2
O G U A R D I Ã O D A C O N S T I T U I Ç Ã O
não é tão grande como parece consoante aquela argumenta-
ção , pois trata-se, em ambos os casos, d e proteção da proprie-
dade,
m a s ,
além disso, tanto
n o
caso
d a
ressalva
d e
direito
fundamental quanto naquela
d e
direito financeiro, trata-se
d e
u m a regulamentação d e competência d e caráter organizacional
e a ressalva de uma lei de direito financeiro n ã o contém mais
do que ta l
determinação organizacional. Seria evidentemente
incorreto considerar toda regulamentação d e competência, como
tal , como "absolutamente formal" e explicar a partir dela que
e la
exclui toda outra
v ia
também admissível constitucionalmente.
Isso,
e m
todo caso,
não é
acertado segundo
a
vigente Consti-
tuição d o Reich. A regulamentação d e competência d o artigo 68
da
Constituição
d o
Reich,
e.g. (as
leis
do
Reich
são
deliberadas
pelo parlamento
do
Reich), também traz
em s i
caráter organizacional
e, apesar disso, n ão exclui decretos jurídicos c o m base em um a le i
de
plenos poderes,
n em
aqueles segundo
o
artigo
48, § 2
o
.
Excetuando-se isso, aquele raciocínio contém u m notável
ponto
d e
vista relativo
a o
Estado
d e
direito,
ao
fazer
u m a
dife-
renciação fundamental entre puras medidas
e
atos jurídicos.
Contudo, a interpretação hoje dominante d o artigo 48, § 2
o
,
recusou a diferenciação entre medidas e atos jurídicos e equi-
parou
o
presidente
d o
Reich, para
o
artigo
48, § 2°, a o
legisla-
d o r ordinário. Defendi, juntamente c o m Erwin Jacobi, a dife-
renciação entre medidas e atos jurídicos e tentei fazê-la valer
perante
a
doutrina dominante. Ainda insisto hoje
na
exatidão
teórica d a diferenciação e sou da opinião de que a diversidade
entre decretos substitutivos d e leis e medidas também se faz
valer
n a
atual praxe
d o
artigo
48 (cf .
nota anterior).
Mas a
resistência d e opiniões doutrinárias relativas justamente ao di -
reito público fo i naquela época tão violenta, que a não-diferen-
ciação teórica
se
impôs como doutrina dominante. Assim,
n a
formação d o reconhecimento, hoje existente, d o direito em bai -
xa r decretos substitutivos d e leis, essa teoria concorreu não só
de
forma incentivadora,
e la
acabou, verdadeiramente,
por pos-
sibilitar
o
exercício
de um
direito, pois
e la
forneceu
o
erro
t eó-
rico-jurídico típico e indispensável para o surgimento d e tais
formações jurídicas, s em o qual teria faltado u m a convicção
. SEG UND A PARTE - A C ONC R ETA S ITUAÇ ÃO C ONS TITUC IONAL. . .
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 200/252
R E M É D I O S
E
M O V I M E N T O S C O N T R Á R I O S
jurídica que se junta a o mero exercício e praxe. Como acerta-
damente d iz Richard Thoma Der Vorbehali des Cesetzes,
Festgabe
f ü r O .
Mayer,
1916, p . 213) ,
justamente
no
direito
público constitui-se e m " u m fenômeno b e m usual" o fato de
q u e " o
erro
se
torna
o pai de um
direito consuetudinário". Como
mostrado acima, tem-se
q u e
aceitar, hoje, com o direito positivo
do artigo 48 , § 2
o
, qu e as ordens d o presidente d o Reich podem
ser
decretos substitutivos
d e
leis, pois,
c o m
isso, eles contêm
caráter jurídico diretamente c o m base e m u m a determinação
constitucional,
e m q u e
eles
sã o
equiparados
à lei e
param
d e
se r medidos n o sentido específico d o termo, o s quais, como
tais,
n ã o
poderiam, naturalmente, satisfazer
a
ressalva
da lei .
Agora caiu a limitação d o s direitos extraordinários contida n o
fato
d e
estarem restritos
a
medidas. Seria inútil
se a
doutrina
dominante quisesse tentar agora anular a forma ção jurídica que ,
nesse ínterim,
se
consumou
p o r
intermédio dela,
t ã o
logo reco-
nheça, a posteriori, o s efeitos e conseqüências advindos d e
seu
erro teórico.
Mas e l a
também
não tem
mais
a
possibilidade
d e fazer valer, perante o decreto substitutivo de le i do artigo 48,
§ 2
o
, o
rigor formal
d a
ressalva legal
d e
direito financeiro.
3 . U m a
outra dúvida
a
respeito
d e
decretos concernentes
à lei
orçamentária
e à
autorização
d e
concessão
d e
crédito,
segundo o artigo 48, § 2
o
, da Constituição d o Reich poderia
talvez
ser
extraída
d o
fato
de qu e o
poder
d e
controle
do
parla-
mento - i.e., aqui o direito d o parlamento e m exigir revogação
segundo o artigo 48, § 3
o
- praticamente se tornaria s e m valor
se , com
base
n o
decreto,
se
fossem efetuados gastos
ou fe-
chados contratos d e empréstimo. A exigência p o r anulação po r
parte
do
parlamento viria, então,
po r
demais tarde
e não
mais
poderia acabar c o m o s efeitos e conseqüências jurídicos e e fe-
tivos daqueles decretos.
M a s
essa objeção refuta apenas aparentemente
a
admis-
sibilidade constitucional daqueles decretos.
N a
realidade,
ela é
acertada, sem exceções, para todos o s efeitos e conseqüênci-
as
jurídicos
e
efetivos
d e
toda aplicação
d o s
poderes extraordi-
nários e , destarte, para o s decretos q u e aqui interessam, não
tem
nenhuma força comprobatória especial. Toda medida
to -
SECUNDA PARTE
- A
CO N CRE T A SI T U A ÇÃ O CO N ST I T U CI O N A L . . .
•
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 201/252
1 S 4 O
G U A R D I Ã O
D A
C O N S T I T U I Ç Ã O
mada c o m base n o artigo 48 , por mais cuidadosa q u e s e m a n -
tenha
n o
limite mais estrito
e
indubitavelmente admissível
de s -
se s
poderes, provoca algum tipo
d e
tipo
d e
efeito fático
e t a m -
b é m jurídico. S ã o promulgados dispositivos penais e tribunais
sã o instituídos sem que sejam consideradas a s consequências
d e prisões, condenações e execuções podem sempre se r anu-
ladas, jornais passam
a ser
proibidos
e, até a
supressão
d a
proi-
bição, n ã o podem aparecer, as forças armadas d o Reich en -
tram em ação e provocam destruições d e todo tipo, talvez até
mesmo
c o m a
morte
d e
pessoas,
etc. O
fato
de que
tudo isso
n ã o
mais pode
se r
desfeito
se o
parlamento
d o
Reich exigir
a
revogação da medida, n ão justifica a conclusão de que a medida
n ã o poderia ter sido e m absoluto tomada, ou de qu e e la , apenas
devido
à
dificuldade
ou
impossibilidade
de
eliminar eventuais
conseqüências,
e ra ,
desde
o
início, inconstitucional. Senão
se -
riamos levados a o absurdo resultado de qu e o artigo 48 , § 2
o
, só
admitiria medidas ineficazes e inoperantes, o poder extraordi-
nário, como
o
tribunal
d o
Reich (
Jur isprudência civil do Reich
123, 409)
acertadamente
d iz ,
"praticamente
n ã o
cumpriria
seu
objetivo se tivesse q u e contar, regularmente, c o m u m a revoga-
ção" . Mas o que se reconhece natural e geralmente para d is -
positivos penais
e
para
os
efeitos freqüentemente terríveis
d o
procedimento
à m ã o
armada, deveria, pelo menos
da
mesma
forma, valer para ordens d e caráter monetário.
Houve
na
história constitucional européia
u m a
época
que
parecia conceber
a
primazia
da le i ,
principalmente como
a pri-
mazia
da lei
formal
das
finanças, acima
d e
todos
os
demais
valores estatais, constitucionais e humanos, pois estava domi-
nada pela ficção d e u m a economia livre d o Estado e de um
Estado livre da economia. Isso n ã o pode se r imputado à vigen-
te
Constituição
d o
Reich.
E la
acolheu,
n o
artigo
48, § 2
o
,
alínea
2, a
propriedade privada (artigo
153)
entre
os
direitos funda-
mentais passíveis
d e
suspensão
e ,
assim, quis possibilitar,
n o
geral, intervenções na liberdade contratual e econômica. Por
meio disso, e la entrou e m oposição à tradição liberal de até
então, a qual n ã o conhecia u m a anulação das garantias de pro-
SEGUNDA PARTE
- A
CONCRETA SITUAÇÃO CONSTITUCIONAL.
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 202/252
R E M É D I O S
E
M O V I M E N T O S C O N T R Á R I O S
m
priedade n o geral. O motivo para o acentuado desvio d a tradi-
ç ã o liberal residiu n o fato de qu e se queria possibilitar nã o ape-
nas a confiscação d e armas (nesse sentido, H . PreuB, relatos
estenográficos, p . 1332), m a s também medidas eficazes de
caráter econômico e financeiro, p o r exemplo, determinação dos
preços
d e
gêneros alimentícios, ordem
d e
vendas,
e tc .
(decla-
ração
d e
Heine, ministro prussiano,
na 47
a
reunião
d a
assem-
bléia nacional em 5 de julho d e 1919). Já se sentia, em 1919,
q u e , correspondente a o desenvolvimento econômico e social, a
continuação
d a
formação
d o
Estado
d e
sítio
e d e
guerra, ante-
riormente apenas policial
e
militar, rumo
a u m
Estado
d e
emer-
gência e d e exceção econômico tinha qu e se r mantida e m aberto.
Fica, hoje, p or conta d a devida discrição d o presidente d o Reich
determinar
se o
artigo
153
deve
ser
temporariamente anulado
e seria necessário, para tanto, u m gesto, caso ele se decida a
isso, já que a
declaração
da "anulação" é apenas u m a forma-
lidade. Nesse aspecto, também
n ã o
resta
a
menor dúvida para
a
interpretação mais estrita
d o
artigo
48, § 2
o
.
Assim, durante
o período da anulação, o presidente d o Reich poderia, para o
restabelecimento
d a
segurança
e
ordem públicas, proceder
a
desapropriações livres d e indenização, a f im de proporcionar o
dinheiro necessário para o restabelecimento da segurança e
ordem públicas, poderia ordenar confiscos e impor contribui-
ções. Diante
d e
tais possibilidades constitucionais incontroversas
e
incontestáveis, privá-lo
d o
poder
d e
arranjar
o
dinheiro
n e -
cessário
p o r
meio
d e
crédito corresponderia
ao
espírito
de um
constitucionalismo d o s primórdios d o liberalismo, q u e aparen-
temente, sacrificava todo o Estado e a Constituição restante à
sacralização d o direito financeiro formal.
4. Mas a verdadeira razão d e todas as dúvidas contra os
decretos substitutivos
d e
leis
d e
finanças poderia
ser
procura-
da menos e m considerações relativas a o direito formal do que
e m
lembranças
d a
história constitucional
e nas
repercussões
d e anteriores conflitos constitucionais. Eles provêm d e situa-
ções passadas d e características constitucionalmente diferen-
tes e são o que a
sociologia denomina "
r é s i d u
D e s t a r t e ,
é
necessário se lembrar de que não mais existe a situação da
SEGUNDA PARTF.
- A CONCRETA SITUAÇÃO CONSTITUClONAt..
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 203/252
1 8 6
O
G U A R D I Ã O
D A
C O N S T I T U I Ç Ã O
monarquia constitucional d o século X I X c o m suas separações
entre Estado
e
sociedade, política
e
economia. Isso
é d e
imediata
importância constitucional.
A
interpretação juríd ica
d a
Consti-
tuição n ão pode suceder s e m u m a consciência crítico-históri-
ca, se não quiser cair e m u m formalismo irrefletido e em vãs
contendas.
N o
geral,
o
conceito
de le i
formal
e ,
dentro dele,
por sua vez , justamente o conceito de lei formal d e finanças
carece
d e
esclarecimento.
E le
está vinculado
a u m a
determi-
nada situação constitucional e caracterizado pela mais estreita
relação
c o m u m a
determinada estrutura constitucional, rela-
ç ã o esta q u e também abrange o conteúdo d e direito positivo da
normalização. Em seu caráter "formal", possui u m a determi-
nação inteiramente política e a formalização significa aqui, como
j á mencionado anteriormente, o contrário d e u m a despolitização.
Ela é a
expressão
d e u m a
ampliação
d e
poder
e d e
competên-
c ia
puramente política autodenominada "formal", porque
se li-
berta, perante u m determinado adversário, de um conceito le -
gal
material restringente
de seu
poder.
Um a l e i no
sentido formal,
como o são alguns atos administrativos d o direito financeiro,
n ã o
deve
ser uma lei
devido
a seu
conteúdo objetivo,
m a s a p e -
n a s devido a o órgão que a promulga ou que dela participa. O
caráter "formal" desenvolvido (não manifestado n o teor das
constituições escritas) pela teoria
d e
direito público
d a
monar-
quia constitucional n ã o significa nada mais além do que o poder
ou a
competência
e m
efetuar determinadas ações
ou
delas
pa r -
ticipar, isso compete a o parlamento se m qualquer considera-
ç ão objetiva c o m a outra regulamentação d e competência. C o m
esse simples esclarecimento
não se diz que o
termo
le i
formal
seja injusto o u errado. O que se tenta é privá-lo d e u m a corre-
ção ao
transferi-lo
a
situações constitucionalmente heterogê-
neas.
O
termo
le i
incondicionalmente formal
é
conveniente
e
compreensível como meio d e pressão da burguesia na luta contra
a
monarquia constitucional
sob a
condição
d e u m a
separação
entre Estado
e
sociedade.
A
formalização
tem
aqui
o
sentido
exclusivamente d e u m a politização,
diante
de um
governo
não-parlamentar,
e la deve estender a área d e poder do parla-
SEGUNDA PAKTE - A CONCRETA SITUAÇÃO CONSTITUCIONAL.
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 204/252
R E M É D I O S
E
M O V I M E N T O S C O N T R Á R I O S
82
mento a importantes procedimentos e ações relativos ao direi-
to financeiro. Assim, a ressalva da lei dirige-se polemicamente
contra u m adversário políico b e m definido, contra a monarquia
constitucional alemã, governo independente
da
representação
popular,
e a
ressalva
d a le i
exprime
n a s
constituições alemãs
d o século X IX q u e , d o poder do re i , restrito apenas p o r meio
das exceções listadas n a Constituição, são retiradas determi-
nadas matérias
e
questões reservadas
a o
legislador, isto
é, à
participação
d o parlamento. A lei
orçamentária
é
qualificada
geralmente como u m acordo entre governo real e representa-
ção popular (assim, ainda, Meyer-Anschütz, Staatsrecht, p. 89 0,
897 , c f .
acima),
o que
corresponde exatamente
à
construção
dualística d e semelhante sistema político, assim como ao trata-
mento d a Constituição como se e la fosse u m contrato (entre
príncipe e representação popular). E somente e m semelhante
estrutura constitucional
q u e
cabe
o
termo
le i
incondicionalmente
"formal".
18
N a luta contra o governo real independente do pa r -
lamento, desenvolveu-se a lei formal d o direito orçamentário e
a
luta contra
o
direito real
d e
baixar decretos
é u m a
luta contra
o
poder
do re i ,
segundo
a
suposição, continuadamente ilimita-
do , não é uma luta contra u m direito d e baixar decretos, dele-
gado constitucional ou legalmente. Destarte, e m Estados d e-
mocráticos,
a
ressalva relativa
a
direito financeiro
não é de
modo algum concebida como ressalva absoluta
e
incondicio-
nalmente formal.
19
N a
medida
e m q u e
surge
u m a
ressalva
da lei de
finanças
incondicionalmente formal, sempre se pressupõe, então, que o
1 8
O c o n c e i t o " f o r m a l " c o n d u z a u m a r e s t r i ç ã o d o p o d e r e da
c o m p e t ê n c i a d a r e p r e s e n t a ç ã o p o p u l a r — p o r e x e m p l o , n a
a p l i c a ç ã o
a o
d i re i to escr i to pré-cons t i tuc ional
q u e ,
fo rma lmen te ,
n ã o s e r i a l e i n o s e n t i d o c o n s t i t u c i o n a l e , p o r c o n s e g u i n t e , n o
conce i to fo rma l
d e l e i
r ea l i zado
d e
forma conseqüente , cont inuar ia
a pe r t ence r à á rea d e p o d e r d o governo rea l — e l e será imedia ta e
n a t u r a l m e n t e a b a n d o n a d o e s e r eco r re novamente a u m concei to
mater ia l
de le i ( le i =
in te rvenção
n a
l iberdade
e n a
propr iedade) .
R .
T h o m a a p r e s e n t o u c o m c l a r eza exempla r e s se p roced imen to e m
s e u
estudo sobre
a
ressalva
d a l e i
(F e s t g a b e
fur O.
Mayer, 1916).
19
P o r e x e m p l o , a l e i f r a n c e s a d e 1 4 d e d e z e m b r o d e 1 8 7 9 , n a qual s e
b a s e i a a r e g u l a m e n t a ç ã o a t u a l m e n t e v i g e n t e d o direi to público
SEGUNDA PARTE - A CONCRETA SITUAÇÃO CONSTITUCIONAL.
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 205/252
1 8 8 O
G U A R D I A O
D A
C O N S T I T U I Ç Ã O
parlamento como representação popular se defronte c o m u m
governo independente dele,
o
qual
n ã o
pode,
d e
maneira
n e-
nhuma, se reportar a o povo. Mesmo o direito d a coroa e m
dissolver o parlamento n ã o tinha na monarquia constitucional
alemã
o
sentido constitucional
d e
apelar para
o
povo,
e l e
tinha
apenas
o
dever
d e
assegurar
a
estrutura dualística
e o
equilí-
brio entre Estado
e
sociedade.
A
situação constitucional
d o
atual
Reich alemão d a Constituição d e Weimar é essencialmente
diferente disso. Primeiramente,
o
Estado
d e
hoje
não se ba-
seia e m u m contrato entre representação popular e governo e
a lei
orçamentária
não é
nenhum "acordo" entre parlamento
e
governo. Em segundo lugar, o governo não é mais u m poder
independente
d o
parlamento, sendo
os
meios
d e
influência
e
controle
d o
parlamento, desde
q u e
exista
u m
parlamento capaz
d e
atingir maioria
e d e
agir,
t ã o
fortes
que , j á p or
esta razão,
é
impossível reinvidícar o s pontos d e vista q u e faziam sentido
perante
o
governo real
d a
monarquia alemã.
Em
terceiro
lu -
gar, o presidente d o Reich é eleito pela totalidade d o povo a le -
m ã o , d e
modo
que e le é ,
igualmente,
u m
representante
d o
povo,
caindo o monopólio da representação popular pressuposto n o
parlamento
n a s
normas
e
termos
d o
direito constitucional
monárquico. Finalmente,
em
quarto lugar,
a
Constituição
d e
f rancês . Segundo
e l a , e m
de te rminados casos , podem
s e r
abertos
c réd i tos
p o r
m e i o
d e
d e c r e to s
(par
décret) t a m b é m
n o
c a s o
d e
p a r l a m e n to r e u n id o , p a r a
o
c a s o
n o
qua l
o
p a r l a m e n t o
n ã o s e
r e ú n a , e s t ã o r e g u l a m e n t a d a s ,
e m
s e u s p o r m e n o r e s ,
a s p o s -
s ibi l idades
d e
decreto re la t ivas
a o
d i re i to o rçament á r io .
O
pr incípio
d a
r e s s a l v a
d e u m a l e i
f o r m a l
d e
f i n a n ç a s
n ã o
es tá ass im,
d e
m o d o a lg u m , e x e c u t a d o
d e
f o r m a a b so lu t a
e s e m
e x c e ç õ e s .
O
t eór ico f rancês
d o
d i re i to o rçamentá r io ,
G .
Jèze
-
conhecido tanto
co mo au tor idade ju r íd ica
e m
maté r ia
d e
si st em a financeiro, q u a n t o
c o m o
b o m
r e p u b l i c a n o d e m o c r a t a
—
d e c l a r a
a
r e sp e i t o d e s sa
q u e s t ã o f u n d a m e n ta l ( A l l g . Theorie de s Budgetrechts,
1 9 2 7 , p .
1 9 1 ) :
" Q u a lq u e r c a m in h o
( o u
se ja ,
o d a
r e g u l a m e n ta ç ã o
d e
gastos
u r g e n t e s
e n ã o
p rev is tos pe lo governo)
q u e
e v i d e n t e m e n t e
q u e
s e
siga,
é
ce r to
q u e e m
sér ios per íodos
d e
c r i se
— p o r
exemplo ,
n o
c a so
d e
a m e a ç a
d e
p e r ig o
d e
guer ra
— o
g o v e r n o
n ã o
hesitará
e m
c o n t r a i r d e sp e sa s
s e m
a u t o r i z a ç ã o p a r l a m e n t a r
( . . . )
Salus
populi suprema
lex .
SEGUNDA PARTfc - A CONCRETA SITUAÇÃO CONSTITUCIONAL.
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 206/252
R E M É D I O S E M O V I M E N T O S C O N T R Á R I O S
J S 2
Weimar
é u m a
Constituição democrática
e
baseia-se
em um
equilíbrio
d e
elementos parlamentares
e
plebiscitários,
sua es-
trutura é essencialmente determinada pelo fato de que o povo
decide d a mesma forma perante o parlamento quanto perante
o govemo e o presidente como o terceiro superior (por meio d e
reeleição, plebiscito
ou
outras votações).
U m
conf lito constitu-
cional
n a
forma
d o
monárquico século
X I X , é
hoje
t ão
impossí-
vel e inimaginável quanto sã o intransferíveis o s argumentos e
conceitos d e semelhante conflito.
Quando aqui, diante d e repercussões e transferências d o
direito constitucional monárquico, faz-se valer a peculiaridade
d a
vigente Constituição
d o
Reich
e se
afirma
a
admissibilidade
d o direito d e baixar decretos substitutivos d e leis d e finanças,
isso significa tudo, menos u m pleno poder ilimitado e incontrolado
d o
presidente
d o
Reich. Isso porque,
c o m
isso,
se
afi rma simul-
taneamente q u e pressupostos, conteúdo e limites d o s poderes
extraordinários, desde q u e n ã o especialmente regulamentados
mediante
uma le i de
execução,
t êm que se r
desenvolvidos
a
partir
d a s
normas
e
pontos
d e
vista
d a
Constituição vigente.
Nesse aspecto, deve-se observar o que Hugo PreuR j á expres-
samente acentuou como o essencial na comissão constitucio-
n a l
(protocolo
p . 277) e o que
está exposto
e m
minha palestra
sobre
a
ditadura
d o
presidente
d o
Reich (Conferência
dos p ro -
fessores d e direito público, 1924, p. 103; Die
Diktatur,
2 ed.,
p . 254) , qu e o
verdadeiro limite
d o s
poderes extraordinários
d o
presidente
d o
Reich
e a
verdadeira proteção contra
u m
abuso
de seu poder residem n o s poderes de controle do parlamen-
to do Reich,
não em normatividades ou inibições judiciais. Não
será difícil para u m parlamento capaz d e atingir maioria e de
agir fazer valer
su a
concepção perante
o
presidente
e o
gover-
n o d o Reich p o r meio d a exigência p o r anulação e, em caso d e
necessidade,
po r
meio
d e u m a
expressa resolução
de
descon-
fiança.
A
Constituição vigente
d o
Reich confere
a u m
parla-
mento capaz de atingir maioria e d e ação todos os direitos e
possibilidades de que carece u m parlamento, a fim de se impor
como o fator normativo d a volição estatal. S e o parlamento
que se transformou e m cenário d o sistema pluralista n ã o esti-
SEGUNDA PARTE - A CONCHETA S ITUA ÇÃO CONS TITUCIONAL... •
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 207/252
1 9 0
O G U A R D I Ã O D A C O N S T I T U I Ç Ã O
ver em
condiçoes disso,
ele ,
então,
nao tem o
direito
d e
exigir
q u e também todos o s outros órgãos responsáveis se tomem
incapazes de agir.
Seria
não só
historicamente impossível
e
moralmente insu-
portável, m a s também juridicamente errado justificar hoje tal
direito a u m a incapacidade geral d e ação c o m argumentos, c o m
os
quais
u m
parlamento liberal
d o
século
X I X ,
composto
por
notabiJidades, procurava colocar fora
d e
combate
seu
adver-
sário monárquico. Se, na presente situação constitucional da
Alemanha,
se
formou justamente
u m a
praxe
d o
estado
de ex-
ceção econômico-financeiro
c o m u m
direito
d e
baixar decre-
tos substitutivos d e leis, isso, então, não é arbitrariedade n e m
acaso, n e m mesmo "ditadura" n o sentido da divisa vulgar e
político-partidária,
mas a
expressão
d e u m a
relação profunda
e
internamente legal. Corresponde a o rumo q u e u m Estado
legiferante toma para o Estado econômico e qu e não mais pode
ser
executado
po r um
parlamento pluralisticamente dividido.
O
estado
d e
exceção revela, como mostrado anteriormente,
o
núcleo d o Estado em sua particularidade concreta e o Estado
judicante desenvolve a lei marcial, u m processo judicial sumá-
rio, o
Estado militar
e
policial
a
transição
d o
poder executivo
como típico meio de seu estado de exceção. O direito econô-
mico-financeiro d e baixar decretos substitutivos d e leis d a atual
praxe
d o
artigo
4 8
permanece, analogamente,
d e
acordo
com a
ordem existente
e ,
diante
de um
pluralismo inconstitucional,
procura salvar o Estado legiferante constitucional, cuja
corporação legislativa está pluralisticamente dividida.
A
tenta-
tiva
de
produzir
u m
antídoto
e u m
movimento contrário
só
pode
ser empreendida constitucional e legalmente pelo presidente
d o Reich, dá a perceber, simultaneamente, que o presidente do
Reich precisa
ser
visto como guardião
d e
toda essa ordem cons-
titucional.
SEGUNDA PARTF. - A CONCRILTA SITUAÇÃO CONSTITUCIONAL.
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 208/252
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 209/252
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 210/252
- J
A
t e o r i a
d o
d i r e i t o p ú b l i c o
t
d o p o d e r n e u t r o ^
pouvoir neutre) j
A s divergências d e opinião e diferenças entre os titulares
d e direitos políticos d e decisão e influência n ão podem ser de-
cididas,
n o
geral, judicialmente, caso
n ã o
seja exatamente
o
caso
d e
punição
p o r
violações constitucionais abertas. Elas
são
eliminadas o u p o r meio d e u m poder político mais forte situado
acima
d a s
opiniões divergentes, isto
é , por
intermédio
de um
terceiro
superior - m a s
isso
n ã o
seria, então,
o
guardião
da
Constituição, e , s im, o senhor soberano d o Estado, o u então
s ã o conciliadas ou resolvidas p o r meio de um órgão não em
u m a
relação
d e
subordinação,
m a s d e
coordenação, isto
é, por
meio de um terceiro neutro - este é o sentido de um poder
neutro, de um pouvoir neutre et intermédiaire, localizado não
acima,
e , s im, ao
lado
d o s
outros poderes constitucionais,
m a s
dotado
d e
poderes
e
possibilidades
de
ação singulares. Caso
n ã o deva ocorrer u m efeito secundário meramente acessório
d e outras atividades estatais, mas , s im, devam se r organizadas
u m a
instituição
e u m a
instância especiais, cuja tarefa seja
as -
segurar
o
funcionamento constitucional
d o s
diversos poderes
e
salvaguardar a Constituição, então é conseqüente e m u m E s -
tado d e direito, onde há diferenciação d o s poderes, n ã o confiar
isto, suplementarmente,
a
nenhum
d o s
poderes existentes, pois
senão obteria apenas
u m
sobrepeso perante
os
demais
e
pode-
ria ele próprio se esquivar d o controle. E le tornar-se-ia, por
meio disso, senhor da Constituição. Destarte, é necessário colo-
TliRCblRA PARTI ;
- O
PRI iSlDLNTK
D O
Rl i lCI I COMO GUARDIÃO.. .
•
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 211/252
1 9 4
O
G U A R D I Ã O
D A
C O N S T I T U I Ç Ã O
car um poder especial neutro a o Jado d o s outros poderes, rela-
cionando-o
e
equilibrando-o
co m
eles
p o r
intermédio
d e
pode-
res específicos.
N a
história constitucional
d o
século
X I X
surge,
c o m B e n -
jamin Constant, ' u m a teoria especial d o
pouvoir neutre,
intermédiaire
e
régulateur
na luta d a burguesia francesa por
u m a
Constituição liberal contra bonapartismo
e
restauração
'
P r i m e i r a m e n t e
n a s
Réflexiuns
sur les
constitutions
et les
garanties,
p u b l i c a d a s
e m 2 4 d e
m a i o
d e 1 8 1 4 ,
i m p r e s s a s
n a
Collection
complete
des
ouvrages
de
B e n j a m i n C o n s t a n t , P a r i s , 1 8 1 8 , p .
14/15 ; ademais ,
Cours
de
politique constitutionnelle
>
edição
d e
1818,1, p . 13/14, edição d e Laboulaye , I , p . 18/19; CEuvrespolitiques,
e d i ç ã o d e Char les Louandre , Par i s , 1 8 7 4 , p . 1 8 . Fal ta , a t é então,
u m t r a t a m e n t o m o n o g r á f i c o d e s s a i m p o r t a n t e q u e s t ã o . I s s o s e
expl ica , pa ra
a
França ,
a
pa r t i r
d o
des t ino po l í t i co
d a
m o n a r q u i a
f r a n c e s a e d o c h e f e d e Es tado , pa ra o d e s e n v o l v i m e n t o d e a t é
e n t ã o n a A l e m a n h a , a par t i r d a fa l ta d e u m a teor ia const i tucional .
B e n j a m in C o n s t a n t m e sm o r e m e te ,
s e m
indicação mais deta lhada
d e t e m p o e lugar , à s idé ias cons t i tuc iona is d e C le r m o n t - T o n n e r r e
( p . 1 4 , no ta ) , m a s s e c o n t e n t a e m d i z e r q u e s e e n c o n t r a r i a m lá
" o s
g e r m e s "
d e s u a
teoria
(on en
trouve
les
germes, etc.) . Es se
f o i p r o v a v e l m e n t e o ú n i c o e m b a s a m e n t o p a r a a r e f e r ê n c i a a
C l e r m o n t - T o n n e r r e n a Allg. Staatslehre d e G e o r g J e l l i n e k , p .
5 9 0 ,
p o i s ,
d e
r e s to ,
a
r e l a ç ã o h i s t ó r i c a
d a
d o u t r i n a
d o
pouvoir
neutre c o m a s cons t ruções cons t i tuc iona is d e C le r m o n t - T o n n e r r e
a in d a n ã o es tá , a t é e n t ã o , e x a m i n a d a d e fo rma mais de ta lhada .
E m b o r a
a
t e o r i a
d e
B e n j a m i n C o n s t a n t c o r r e s p o n d a
à
t e o r i a
m o d e r a d a m e n t e l i b e r a l
d e u m a
m o n a r q u i a
q u e
r e p o u s a
n a
d i f e r e n c i a ç ã o d o s p o d e r e s , c o m o j á e n c o n t r a d a e m M o u n i e r e
C l e r m o n t - T o n n e r r e — C l e r m o n t - T o n n e r r e c a r a c t e r i z a t a m b é m a
p o s i ç ã o
d o r e i
c o m o pouvoir régulateur ( "CEuvres co mp le te s
d e S tan is las d e C le r m o n t - T o n n e r r e " , v o l . I V , Par i s , anexo I I I , p .
3 1 6 ) —, eu , a t é agora , n ã o pude cons ta ta r n o s s e u s p o r m e n o r e s
d e q u e
modo Cons tan t e s tá in f luenc iado
p o r
C le r m o n t - T o n n e r r e
e s e es te j á ut i l izou a im p o r t a n t e e ca rac te r í s t i ca fó rmula "pouvoi r
n e u t r e " . N o q u e t a n g e à s r e l a ç õ e s b io g r á f i c a s , n ã o s e encont ra
n e m n o
l i v r o
d e
R U D L E R .
La
jeunesse
de
Benjamin Constam
(1767-1794), Paris, 1 9 0 9 , n e m n a deta lhada bibl iograf ia d e R U D L E R .
Critique
de s
ceuvres
de
Benjamin Constant,
P a r i s , 1 9 0 9 , u m a
r e f e r ê n c i a
a
C le r m o n t - T o n n e r r e . A m b a s
a s
b io g r a f i a s
d e
L é o n
e
D u m o n t - W i ld e n , su r g id a s n o a n o d e 1 9 3 0 , t a m b é m n ã o contêm,
n e s se a sp e c to , n e n h u m a o u t r a i n f o r m a ç ã o .
- « TERCEIRA PARTE - O PRt SIDENTfc D O REICH COMO GUARDIÃO.
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 212/252
A
T E O R I A
D O
DIREITO PÚBLICO
D O
" P O D E R N E U T R O "
25
monárquica. Essa teoria
f a z
parte, essencialmente,
d a
teoria
constitucional d o Estado civil d e direito e não influi apenas so-
bre as
duas constituições,
nas
quais
fo i
adotada
d e
forma
bas -
tante literal.
2
A e la
remonta, muito mais,
o
catálogo, típico para
todas
a s
constituições
d o
século
X I X , de
prerrogativas
e
pode-
res do
chefe
d e
Estado (monarca
o u
presidente), todos imagi-
nados como meio e possibilidades d e atuação de tal pouvoir
neutre, como, p o r exemplo, inviolabilidade ou , pelo menos, p o -
sição privilegiada
d o
chefe
d e
Estado, assinatura
e
promulga-
ç ã o d e leis, direito d e indulto, nomeação d e ministras e funcio-
nários públicos, dissolução
d a
câmara eleita.
E m
quase todas
as constituições d e Estados maiores, desde q u e correspondam
a o
tipo
d o
Estado civil
d e
direito, tanto
e m
monarquias quanto
e m
repúblicas, pode-se reconhecer essa construção
d e
alguma
forma, n ã o interessando se a situação política possibilita ou não
s u a
aplicação. Tanto
d o
ponto
d e
vista constitucional quanto
da
2
Constituição brasileira
de 25 de
março
de 1824,
a r t igo 9 8 : " O
P o d e r M o d e r a d o r é a c h a v e d e toda a o rgan ização po l í t i ca e 6
de legado p r iva t ivamen te a o Imperador , como Chefe Supremo d a
N a ç ã o
e s e u
P r ime i ro Represen tan te , pa ra
q u e
incessan temen ie
vele sobre a m a n u t e n ç ã o d a Independência , equi l íbr io , e harmonia
dos~"máis Poderes Pol í t icos" . D a m e s m a f o r m a a C o n s t i t u i ç ã o
por tuguesa d e 2 9 d e abril d e 1 8 2 6 , a r t igo 7 1 : O Pode r Moderador
é a
c h a v e
d e
toda
a
organização pol í t ica
e
compete pr iva t ivamente
a o R e i , e t c .
T a m b é m
n a
Itália
e n a
E s p a n h a
a
in f luênc ia
d a
teoria
d e B e n j a m i n C o n s t a n t f o i mui to grande , como pude cons ta ta r a
par t i r d e c o n v e r s a s c o m colegas i ta l ianos e e spanhó i s , po rém,
fa l ta também aqui u m e x a m e m o n o g r á f i c o . N o
projeto
d e u m a
nova Cons t i t u i ção e spanho la , pub l i cada pe lo gove rno
d a
época
e m j u l h o d e 1 9 2 9 , f o i i m a g i n a d o u m Consejo
dei
Reino como:
instrumento
dei
Poder armónico; garantia
de la
independendo
judicial; moderador
de la
Camera legislativa; salva guarda
de la
constitucion , frente
al
Gobierno
o a las
Cortes; posible
organo
de
soberania
en
circunstancias culminantes; clave
y
ornamento
de
todo
el
organismo politico,
al
cual presta
estabilidad
y
decoro.
É u m a ten ta t iva in te ressante d e re lac ionar
o r e i
(cuja tarefa essencial
n o
a r t i go
4 3 é
de f in ida como funcion
moderadora)
c o m a
au to r idade
d e u m
c o n s e l h o
d e
E s t a d o
e da
c o r o a p o l í t i c o - p a r t i d a r i a m e n t e n e u t r o . N a s c o n s t i t u i ç õ e s
e s p a n h o l a s m a i s a n t i g a s ( 1 8 1 2 , 1 8 3 7 , 1 8 4 5 , 1 8 6 9 , 1 8 7 6 ) , a s
e x p r e s s õ e s
q u e
aqui in te ressam, a inda
n a o
es tão u t i l izadas .
T t K C E I R A P A R T F . - O P R E S I D E N T E D O R E I C H C O M O G U A R D I Ã O . . . »
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 213/252
1 9 6
O G U A R D I Ã O D A C O N S T I T U I Ç Ã O
teoria
do
Estado,
a
teoria
é d e
maior interesse.
E la
baseia-se
e m u m a instituição política q ue reconhece claramente n o Esta-
d o constitucional a posição do rei ou do presidente d e Estado,
manifestando-a mediante
u m a
formula exata.
Ela faz
parte
in-
teiramente da teoria clássica d o Estado d e Direito e também a
ela se refere o que Lorenz vo n Stein disse a respeito desta
época
(1789 a
1848), decisiva
não só
para
a
França,
m a s t a m -
b ém
para toda
a
história constitucional
d a
Europa continental:
" E m lugar algum conhece o mundo u m a fonte mais profunda e
mais inesgotável
d e
maiores verdades sobre Constituição
e
sociedade."
3
S eu autor merece para essa doutrina inteiramen-
te o louvor, o qual lhe fo i conferido p o r Georg Jellinek quando
este enaltece seu "olhar livre d e parcialidade doutrinária" e lhe
adjudica o incontestável mérito "d e te r mostrado primeiramen-
te ao desenvolvimento continental o caminho para a correta
posição constitucional
d o s
ministros".
4
Barthélemy admira
a
clareza
de seu
raciocínio (
Vadmirable lucidité du raisonne-
ment
) e diz com razão qu e Constant foi o verdadeiro defensor
d o
parlamentarismo liberal,
o
qual educou
a
burguesia france-
sa
rumo
ao
parlamentarismo.
5
É u m
sinal considerável
que seu
'
Geschichte
der
sozialen Bewegung
in
Frankreich
von 1789
bis auf
unsere Tage,
v o l . I , Der
Begriff
de r
Gesellschaft, edição
d e G .
S a l o m o n , M ü n c h e n ,
1 9 2 1 , I , p . 5 0 2 .
S t e i n m e n c i o n a
e x p r e s sa m e n te a teor ia d e C o n s t a n t d o poder neu t ro , op. cit., I I ,
p . 5 1 , e d i z q u e esse poder neutro ter ia surgido n a F r a n ç a c o m a
m o n a r q u i a
d e
j u lh o ,
a
qual representa para
e l e , e m
ge ra l ,
a
fo rma
c l á s s i c a d o v e r d a d e i r o c o n s t i t u c i o n a l i s m o .
4
Entwicklung
des
Ministeriums
in der
konstitutionellen
Mo-
narchie. R e v i s t a d e Grünhut pa ra o d i re i to púb l ico e p r i v a d o X
(1883) . p . 3 4 0 , 3 4 2 . C f . t a m b é m Allgemeine Staatslehre, p . 5 9 0 .
C o n s id e r o c o m o in ju s t a e c o m o f a l s a a v a l i a ç ã o d o a d m i r á v e l
cons t ru to r cons t i tuc iona l
o
j u lg a m e n to p r o f e r i d o
p o r G .
Je l l inek
so b r e S i e y è s n e s sa o p o r tu n id a d e .
5
L'introduction
du
régime parlementaire
en
France, Par is , 1 9 0 4 ,
p . 184 /185 . Também d e fo rma cor re ta MICHEL, Henry .
L'idée
de
1'Eiai, Paris,
1 8 9 6 , p . 3 0 4 : " O n n ' a
jamais mieux déf ini , avec plus
d e d é l i c a t e s s e e t d e süre té dans 1 'express ion , l e rô le d ' u n r o i
const i tu t ionnel ." ("Nunca
s e
havia definido,
c o m
mais del icadeza
e segurança n a expressão , o pape l d c u m r e i cons t i tuc iona l ." N T ) .
TfvHCfcIRA 1'ARTfc - O PRKSIDt NTE D O RFJCH COMO GUARDIÃO.
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 214/252
A T E O R I A D O D I R E I T O P Ú B L I C O D O " P O D E R N E U T R O "
1 2 2
nome, após longo esquecimento, seja novamente citado agora
também
na
Alemanha
e que se
distinga, repetidas vezes,
em
u m
documento
tão
significativo
da
ciência alemã
d e
direito
pú -
blico como o relatório de H . Triepel.
6
Para a história d e concei-
tos da teoria d o Estado, parece-me ser especialmente d e inte-
resse o fato de que a bipartição entre
auctoritas
e
potestas
, a
qual considero
u m a
diferenciação fundamental
d e
pensamento
estatal europeu, também possa
se r
reconhecida nessa doutrina
d e Benjamin Constant.
7
O
valor prático
da
teoria
d a
posição
d o
chefe
d e
Estado
neutra, intermediária, reguladora
e
defensora reside primeira-
mente n o fato de que , doravante, pode se r respondida a per-
gunta sobre qual o significado do chefe d e Estado e m Estado
civil
d e
direito, seja
e le
monarquia constitucional
ou
democra-
c ia
constitucional,
e
qual
o
sentido
d e
seus poderes,
se o
poder
d e legislar fica totalmente c o m a s câmaras, se os ministros
nomeados pelo chefe d e Estado s ã o totalmente dependentes
d a
confiança
d a s
corporações legislativas,
se o
próprio chefe
d e
Estado está vinculado
e m
tudo
à
confirmação
dos
ministros
e
se , po r conseguinte, se puder dele dizer: il règne et ne gouverne
pás.
s
N a Alemanha, a diferenciação entre
régner
e
gauverner
n ã o f o i
compreendida
nem d e
forma teórica,
pois a
diferencia-
ç ã o
entre
auctoritas e potestas
estava
h á
muito esquecida,
n e m d e forma prática, pois o monarca d a monarquia constitu-
cional d e estilo alemão realmente reinava e "governava". S e-
gundo
a
conhecida diferenciação
de F. J .
Stahl, nisso
se
basea-
va a té
mesmo
a
oposição entre monarquia constitucional
(i.e.,
q u e governa realmente) e monarquia parlamentar, u m a antíte-
6
C a d e r n o 5 d a s p u b l i c a ç õ e s , op.
c i t
p . 10 e p . 19 : " V ê - s e q u e
Benjamin Cons tan t e s tava
c o m a
razão ,
n a o
interessa tanto punir
o m in i s t r o q u a n to t o r n á - lo i n o f e n s iv o . "
7
C f . logo adiante e m nota.
8
Ass i m cons ta n a f rase d e Thie r s d o a n o d e 1 8 2 9 : " L e r o i règne,
e s
min is t res gouvernen t ,
l e s
c h a m b r e s j u g e n t "
( e m q u e
jugent,
n a tu r a lm e n te , n ã o s ign i f ica jus t i ça ) . Sobre a origem dessa célebre
f ó r m u la ,
G .
Je l l inek
n a
revis ta
d e
GrUnhut ,
1 8 8 3 , op. cit., p . 3 4 3 ,
E S M E I N - N É Z A R D . Élements
du
droit constitutionnel,
7" ed . , I ,
p . 2 3 1 .
TERCEIRA FAKTE - O FRIiSIDENTl- D O KfilCH COMO UUAIU51ÃO... •-
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 215/252
1 9 8
O G U A R D I Ã O D A C O N S T I T U I Ç Ã O
se que habilmente u n e u m a adaptação a exigências e modos
de se
expressar
d a
época
co m s u a
neutralização
e que só tem
que se r compreendida como diferenciação política d e fim.
9
Contra
a
construção
d o s
liberais franceses
fo i
colocado, desde
o
início
e m
vigor,
n a
ciência política alemã
d o
século
X I X , q u e
o rei teria também q u e agir e realmente executar, senão seria
u m a
mera sombra.]
0
Para tanto,
M a x v o n
Seydel encontrou
u m a argumentação concludente: o monarca teria que , em todo
caso, realmente governai' e ter um poder real, pois n ã o sobra-
ria
nada mais
d o régner se
subtraíssemos
o gouverner.
n
C i-
tava-se freqüentemente u m dito deveras rude d e Napoleão
12
e
tinha-se razão enquanto
a
monarquia constitucional alemã
era,
até 1918, de fato, u m poder superior e mais forte, q u e justifica-
v a a diferenciação entre Estado e sociedade, n ã o sendo a p e -
nas um
terceiro "nada mais
q u e
neutro".
M a s c o m
isso
n ão
está resolvido o problema da ciência política geral q u e reside
n a
diferenciação entre
auctoriias e potestas, n e m o
problema
9
Rechts-
un d
Staatsphilosophie,
2
a
e d . ,
a r t i go 97 / 98 ; sob re
o
e s c l a r e c i m e n t o d a opos i ção en t r e cons t i t uc i ona l e pa r l amen t a r ,
S C H M I T T ,
C .
Verfassungslehre,
p . 2 8 9 . A s
d i f i cu l dades inso lúvei s
m o s t r a m - s e
n o
a r t i g o
d e
B i n d i n g s o b r e
a
r e s p o n s a b i l i d a d e
minister ial (v ide anteriormente neste l ivro)
q u e , s e m a
teoria
d a
p o s i ç ã o n e u t r a d o c h e f e d e E s t a d o , é i n c o m p r e e n s í v e l e n ã o
c o n s t r u t i v o .
10
A s s i m , p o r e x e m p l o , j á R O T T E C K , C . v . Lehrhuch des
Vemunftsrechts
und der
Staatswissenschaflen,
2' e d . , v o l . 2 ,
Stuttgart , 1 8 4 0 , p . 2 1 9 : s e m u m a esfera própria_de poder, s e m agir
e s e m
executar ,
o re i
seria
u m a
"mera sombra" .
'
1
' S E Y D E L , M a x v o n . Über konstitutionelle un d parlcimentarische
Regierung ( 1 8 8 7 ) ;
e m
Siaatsrechtliche
und
poliiische
Abhandlungen, F re i bu rg
e
Leipz ig ,
1 8 9 3 , p . 1 4 0 ;
ademais, p .ex. ,
S A M U E L Y .
Das
Prinzip
der
Minis
te
rveramwortlichkeil, Berl in,
1 8 6 9 , p . 1 5 ; F R I S C H . Die Verantwortlichkeit der Monarchen
und
hõchsten Magistrate, B e r l i n ,
1 8 9 4 , p . 1 8 6 ;
c o n t r a ,
a c e r t a d a m e n t e , D O L M A T E W S K Y , L . C . Der Parlamenturismus
in der
Lehre
B.
Consiants, Zei tschr .
f . d . g e s .
S taa t swissenschaf t ,
v o l . 6 3 , 1 9 0 7 , p . 6 0 8 .
12
T a l
h o m e m s e r i a t ã o - s o m e n t e
u m
"cochon engra i s sé" , c i t ado ,
p . c x . , e m B L U N T S C H L I . Allgemeine Staatslehre 1, p . 4 8 3 ;
J E L L I N E K , G e o r g .
Op. cit., p . 3 4 1 .
— • TERCEIRA PARTE - O PRESIDENTE D O REICH COMO GUARDIÃO...
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 216/252
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 217/252
2 0 0
O G U A R D I Ã O D A C O N S T I T U I Ç Ã O
para a teoria d o poder neutro, porque a função peculiar d o
terceiro neutro n ão consiste e m atividade contínua d e coman-
d o e regulamentar, m a s , primeiramente, apenas intermediária,
defensora e reguladora, e só é ativa e m caso d e emergência e ,
ademais, porque e la não deve concorrer c o m o s outros pode-
res no sentido d e u m a expansão d o próprio poder e também
não tem que normalmente estar, em seu exercício, d e acordo
c o m a natureza d o assunto, discreta e morosa. Apesar disso,
e la existe e é indispensável, pelo menos n o sistema d o Estado
d e direito co m diferenciação d o s poderes. Aqui ela é, como j á
sabia Benjamin Constant, mesmo q u e essa parte de sua teoria
tenha passado despercebida, u m
pouvoir préservateur
, u m
"poder preservador". Evidentemente, a tal posição autoritária
compete tanto quanto competiu para seu reconhecimento e
formulação a intuição d e Benjamin Constant, o qual assinalou,
c o m essa teoria, a posição d o chefe d e Estado e m geral e m a n -
i g u a l m e n t e e m u m a r e l a ç ã o o b je t iv a c o m aque la d i fe renc iação ,
pois o j u i z t e m mui to mais auctoritas d o q u e potestas, con tudo ,
M o n t e s q u i e u n ã o ma i s s e lembra disso . A t radição a inda re laciona,
p o r m a i s t e m p o , u m senado c o m o c o n c e i t o e s p e c í f i c o d a
auctoritas, p o r m e i o d o q u e a o p o s i ç ã o q u e a q u i i n t e r e s s a
t r a n s f o r m a - s e f r e q ü e n t e m e n t e n a o p o s i ç ã o e n t r e deliberare e
agere. C o m a n o ç ã o d c u m senado l igam-se d ive rsos t ipos d e
au tor idade , como o d a idade , o d a exper iênc ia , o d a sabedor ia e
o d o c o n h e c ime n to e x p e r to a p e n a s como conselho. B O D I N . Six
livres de la République, I I I , C a p . 7 , p . 3 6 5 -3 6 6 , T e d . d e 1 5 8 0 ,
a inda conhece b e m a d i f e r e n ç a : " e t quoy qu 'on d i t d e l a pu issancc
d u Séna t Romain , c e n ' e s t o i t q u e dignité, authorité, conseil e t
pa s puissance , pois para e l e a o p o s i ç ã o s e t rans fo rma naque la
en t re conseil e t commandement. Exem plo s pa ra o fa to d e q u e s e
perde toda sens ib i l idade pe la d ive rs idade ob je t iva s ó e n c o n t ro
a p a r t i r d a r e v o l u ç ã o f r a n c e s a , e s p e c i a l m e n t e c a r a c t e r í s t i c a é
u m a d e c l a r a ç ã o d e Gaut ie r (1792) n o Dictionnaire de la Cons-
titution sobre o vocábu lo "Autor i tc" : " C e m o t s ignif ie pouvoir ,
p u i s s a n c e , e m p í r e . " C o m i s s o t a m b é m c o m e ç a m a s c ô m o d a s
a l te rna t ivas , n a s qua is s e reve la a fa l ta d e t rad ição d a mo d e rn a
ciência pol í t ica : autor idade e l ibe rdade , au to r idade e democrac ia ,
e t c . a t é q u e , p o r f i m , n a pe le ja d a s divisas pol í t ico-par t idâr ias , a
p ró p r i a d i t a d u ra e a u t o r i d a d e o u a u t o c r a c i a e a u t o r i d a d e n ã o
se jam mais d i fe renc iadas .
fLRChlRA PARTE - O PRIiSIDENTli D O RüiCH COMO GUARDIÃO...
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 218/252
A TEO R I A D O DIREI TO PÚBL ICO D O " P O D E R N E U T R O "
201
leve viva
u m a
antiga sabedoria, fundada
na
tradição
da
estru-
tura estatal romana.
A
maioria
d o s
chefes
d e
Estado
dos
sécu-
l o s XI X e XX
soube ficar atrás
d e
seus ministros,
s e m
perder
c o m
isso
e m
autoridade.
M a s u m a
norma constitucional
não
pode prescrever e forçar a s características pessoais neces-
sárias para desempenhar p o r completo o pape d e
pouvoir neutre,
n e m tampouco pode prescrever, p o r exemplo, que o primeiro-
ministro d o Reich seja u m grande líder político e determine, ele
próprio, as diretrizes da política. Porém, c o m isso não se refuta
n e m o significado prático n e m o teórico de tal conceito.
Conforme o direito positivo da Constituição d e Weimar, a
posição do presidente d o Reich, eleito pela totalidade d o povo,
só pode ser construída c o m a ajuda de u m a teoria mais desen-
volvida
d e u m
poder neutro, intermediário, reguladoT
e p r e -
servador.
O
presidente
d o
Reich está munido
d e
poderes
que o
tornam_independente
d o s
órgãos legislativos, embora esteja
v in -
culado, simultaneamente,
à
referenda
d o s
ministros dependen-
tes da
confiança
d o
parlamento.
O s
poderes constitucionais
a
e le
destinados (nomeação
d e
funcionários públicos conforme
artigo 4 6 , direito d e indulto conforme artigo 4 9 , promulgação
d e leis conforme artigo 70 ) correspondem tipicamente a o catá-
logo d e poderes d o chefe d e Estado, j á apresentado po r Benja-
m in Constant.'
1
O peculiar equilíbrio, freqüentemente discuti-
do , do elemento constitucional plebiscitário c o m o parlamentar,
a relação d e u m a independência d o parlamento d o Reich devi-
d o a o s poderes autônomos c o m u m a dependência devido à ex i -
gência geral
d a
referenda ministerial (artigo
50 da
Constituição
do
Reich),
a
execução pelo Reich,
i.e.,
proteção
d a
Constitui-
ção do Reich perante os Estados e , por f im, a proteção d a
Constituição (diferentemente
d a
norma constitucional
em par -
ticular) conforme
o
artigo
48 da
Constituição
d o
Reich, tudo
isso seria
u m a
mistura contraditória
e
absurda
de
determina-
ções incompatíveis, sc não se tornasse compreensível por in-
termédio dessa teoria. O s autores d a Constituição d e Weimar,
na medida e m q u e empreenderam sua obra c o m consciência
M
CEuvres politiques,
op. rir.,
p. 18.
T E U C í i l R A P A R T E - O P R E S I D E N T E I I O R E I C H C O M O G U A R D I Ã O . . . i
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 219/252
2 0 2
O G U A R D I Ã O D A C O N S T I T U I Ç Ã O
sistemática, eram provavelmente conscientes disso. Hugo
Preufi disse
na
comissão constitucional (protocolo
p . 277) que
seria "apenas u m a d a s funções d o presidente d o Reich" f o r -
m ar um contrapeso para o parlamento do Reich. "Além dessa
existe
a
mais importante, formar
u m
centro seguro,
u m pólo
jacente
na
Constituição
A essa frase PreuG anexa a se-
guinte outra observação, q u e pressente o s fracionamentos e
dissoluções
de um
sistema pluralista
e a
necessidade
de um
antídoto eficaz: "Quanto mais colegiados cooperantes
os se-
nhores tiverem, quanto mais votações e m massa p o r intermé-
dio de
referendos, conselho
d o
Reich, conselhos operários,
etc.,
maior será
a
necessidade
de se ter, além disso tudo, um pon-
to
fixo
no qual, pelo menos na idéia, o s fios irão convergir".
P or conseguinte, F. Naumann explicou (protocolo p . 277/278)
que e le
gostaria
de se
"expressar
e m
sentido semelhante sobre
a questão presidencial". E le prevê, de forma ainda mais ev i -
dente
do que
PreuB,
o
Estado
d e
coalizão partidário pluralista
e
diz ,
então, literalmente:
" O
direito
d e
voto proporcional válido
para a eleição d o parlamento d o Reich e a pluralidade dos par -
tidos da í resultante levam ao fato de que o Primeiro-Ministro
do
Reich será
o
ministro
d e
coalizão. Exatamente
p o r
este
motivo far-se-á valer d e forma especialmente intensa a neces-
sidade p o r uma personalidade q u e tenha o
todo
e m vista."
Nesse contexto encontra-se tanto
a
caracterização
d o
presi-
dente d o Reich como u m a "grandeza intermediária", u m pouvoir
intermédiaire,
quanto a referência à possibilidade, q u e nesse
ínterim
se
tornou prática
de um
parlamento
d o
Reich incapaz
de atingir a maioria: " O motivo pelo qual eu creio q u e precisa-
m o s d e u m presidente, reside, sobretudo, n o fato de que, na
Alemanha, diante
da
pluralidade
das
jurisdições,
n ã o
podemos
chegar
à
completa unidade
s em o
presidente. Temos também
que ter alguém q u e cumpra deveres representativos, q u e m a n -
tenha relações
c o m todas as partes do país
,
c o m todos os
partidos e ( ) co m os
Estados estrangeiros
e que
represente
u m a grandeza intermediária entre o parlamento e o governo.
Existe a
possibilidade
de que, no
parlamento
do
Reich,
não
possa
ser
encontrada
uma
maioria
e que , por conseguinte,
•
TERCEIRA PARTR
- O
PRESIDENTE
D O
REICH COMO GUARDIÃO.. .
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 220/252
A
T E O R I A
D O
D I R E I T O P Ú B L I C O
D O
" P O D E R N E U T R O "
n ã o possa, se m mais, ser formado u m governo. Então o presiden-
te tem que se
tornar eficiente.
(...)
Toda
a
questão presidencial
n ã o é nenhuma questão partidária, m a s , s i m , u m a questão
d e
técnica política
e
harmonia."
Isso também
se
confirmou,
e m
larga escala,
na
realidade
prática
d a
vida estatal.
U m a
grande parte
da
atividade tanto
d o
Presidente Ebert, que , em um momento politicamente signifi-
cativo,
se
credenciou como guardião
d a
Constituição, quanto
d o atual presidente Hindenburg, pode se r caracterizada pela
conciliação neutra
e
intermediária
d e
conflitos
e
teremos
que
reconhecer q u e ambos os presidentes d o Reich, cada um a seu
modo, melhor cumpriram
su a
difícil tarefa
do que
alguns
c h e -
fes de
Estado
q u e n ã o
souberam compreender
o que
sobraria
d e régner,
caso
se
subtraísse
o gouverner.
Posso ainda acres-
centar à s exposições d e minha Verfassungslehre (p . 351/352),
q u e
também pôde
se r
justificado,
so b
esse ponto
d e
vista,
o
fato d e Simons, o então presidente d o tribunal d o Reich, ter se
dirigido
a o
presidente
d o
Reich
p o r
ocasião
de seu
conflito
c o m
o governo d o Reich e m dezembro de 1928. Certamente, o pre-
sidente
d o
Reich
não e ra
"competente" para receber
e
decidir
"recursos" formais
d o
presidente
d o
tribunal
d o
Estado contra
o
governo
d o
Reich
e se
quiséssemos julgar aqui
sob os
pontos
d e vista de um juiz d o registro d e imóveis, e le não poderia ter
dado outra resposta a não se r que seriam inadmissíveis tanto
u m recurso e m geral quanto su a invocação. Ouve-se ocasional-
mente que o presidente d o Reich teria que te r remetido o re-
clamante
" a o s
trâmites
d e
serviço ordinários",
v ia
ministro
da justiça d o Reich ou ministro d o interior, e chamado a atenção
para
o
caráter inconstitucional
de seu
procedimento. Mesmo
e m jornais q u e , fora isso, mostravam grande compreensão pela
personalidade e pelos esforços d e Simons, o presidente do tr i -
bunal d o Reich, encontra-se a observação de que "a invocação
d o
presidente
d o
Reich pelo presidente
d o
tribunal
d o
Reich
simplesmente n ã o corresponde à Cons t i tu ição"Quando o pre -
15
F E I L E R ,
A . Frankfurter Zeitung, 1 0 d e
j a n e i r o
d e 1 9 2 9 , n . 2 4 .
C o m
r e l a ç ã o
a
isso ,
é
c o r r e io q u a n d o G 1 E S E , Jornal Jurídico
TERCfilKA PARTE - O PRESIDENTE D O RhICIl COMO GUARDIAO . . • -
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 221/252
2 0 4
O G U A R D I A O D A C O N S T I T U I Ç Ã O
sidente
d o
Reich,
e m v e z
disso,
em sua
resposta jun to
à
decla-
ração
de que "por
razões constitucionais,
não se
julgaria
c o m -
petente para u m a decisão formal sobre o recurso", também
acaba
p o r
tomar posição frente
a o
assunto
e dá
razão
ao go -
verno d o Reich, m a s respondendo simultaneamente a o presi-
dente
d o
tribunal
d o
Reich
d e
modo pessoalmente transigente,
isso corresponde
a u m a
correta concepção
da
posição neutra,
intermediária, reguladora e defensora d o chefe d e Estado e
tem que ser
compreendido
e
justificado
a
partir dessa teoria-
16
Alemão 3 4 , 1 9 2 9 , c o l . 1 3 4 , d i z q u e n ã o seria "possível privar o
p r e s i d e n t e
d o
t r i buna l
d o
E s t a d o , c o m o
u m
ó rgão supe r i o r
d o
Rei ch ,
d o
d i re i to
d e
p r o m u l g a r r e c u r s o s d e s p r o v i d o s
d a
f o r m a
presc r i t a sob re v i o l ações cons t i t uc i ona i s r ea i s o u s u p o s t a s " —
m a s p o r q u e e x a t a m e n t e a o p r e s i d e n t e d o R e i c h , s e e s t e n ã o
deve s e r "gua rd i ão d a Cons t i t u i ção"? O própr io S imons , o ant igo
pres i den t e d o t r ibunal d o Re i ch , s e pos i c i onou a respe i to dessa
q u e s t ã o n a i n t r o d u ç ã o a o s e g u n d o v o l u m e d a c o l e ç ã o " D i e
R e c h t s s p r e c h u n g d e s S taa t sger i ch t shofs f t i r d a s Deut sche Reich"
(p- 9 e 11)
pub l i cada
p o r e l e e H . H .
Lammers . Suas expos i ções
c u l m i n a m
n a
seguinte passagem extremamente acertada:
" A
posição
d o
p r e s i d e n t e
d o
R e i c h
n ã o
es t á de l imi tada
n a
C o n s t i t u i ç ã o
d e
f o r m a t ã o est r i ta e r i go rosa a p o n t o d e a a t iv idade d e i n t e rmed i á r i o
a e l e p ropos t a s e r p ro i b i da p o r m e i o d e u m a no rma j u r í d i ca , a o
cont rár io , e l a t e r i a to ta lmente correspondido , segundo o s ar t igos
4 2 e 4 8 d a Cons t i t u i ção d o Reich , pe los qua i s o p r e s i d e n t e d o
Rei ch é o sup remo gua rd i ão d e s e u di rei to e d e s u a Const i tu ição ,
a o
ob j e t i vo
e a o
sen t i do
d a
p o s i ç ã o
d o
ó r g ã o . "
C o m
i s so
e p o r
m e i o
d a s
e x p o s i ç õ e s
d o
t ex t o ac i ma t ambém pode r i am es t a r
r e s o l v i d a s
a s
o b j e ç õ e s
d e
G L U M ,
F .
Staatsrechtliche
Remerkungen
zu dem
Konflikt zwischen
dem
Staatsgerichtshof
fiir da s Deutsche Reich und der Reichsregierung, Ze i t schr . f ü r
aus l and i sches Of fen t l i ches Rech t u n d V õ l k e r r e c h t , I , 1 9 2 9 , p .
4 6 6 . Al iás , o própr io Glu m qual i f i ca , e m s e u ar t igo Parlamentskrise
und
Verfassungslücke, Jorna l Jur íd i co Al em ão d e 1 5 d e n o v e m b r o
d e 1 9 3 0 , p ,
1417 / 1418 ,
o
p re s i den t e
d o
R e i c h
d e
" g u a r d i ã o
d a
C o n s t i t u i ç ã o "
e
ret i ra
d a í
c o n c l u s õ e s p r á t i c a s
t ã o
a m p l a s
q u e ,
e m
c o m p a r a ç ã o
c o m
e l as , aquela a t iv idade
d e
i n t e r m e d i á r i o
d o
p r e s i d e n t e d o R e i c h e m d e z e m b r o d e 1 9 2 8 p a r e c e r i a d e u m a
na t u ra l i dade d i r e t amen t e anód i na .
P O H L , H . Handbuch des deutschen Staatsrechts I , p . 5 0 2 . Como
e x e m p l o d a é p o c a d e f u n ç ã o d e Eber t , c f . a carta a o g o v e r n o d a
B a v i e r a d e 2 7 d e j u l h o d e 1 9 2 2 (conf l i to en t re o Re i ch e a Baviera
TERCEIRA PARTE
- O
PRESIDENTE
D O
KbICH COMO GUARDIÃO.
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 222/252
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 223/252
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 224/252
S i g n i f i c a d o e s p e c i a l d o
p o d e r n e u t r o n o E s t a d o
p a r t i d á r i o p l u r a l i s t a ,
e x p o s t o p o r m e i o d o
e x e m p l o d o c o n c i l i a d o r
p ú b l i c o d e c o n t e n d a s
t r a b a l h i s t a s
A
posição
que o
presidente
d o
Reich toma, conforme
o
atual direito positivo da Constituição d e Weimar, n o sistema
global
da
organização
d o
Reich alemão pode
se r
explicada,
portanto,
com a
ajuda
d a
teoria
d o
"poder neutro, intermediário,
regulador e defensor". Além disso, a fórmula de um "poder
neutro",
que fo i
primeiramente imaginada apenas para
o
chefe
d e
Estado
e ,
para isso, mantém
seu
especial significado consti-
tucional, também pode
se r
ainda expandida para
a
teoria geral
d o
Estado
e
aplicada para
o
Estado
em sua
totalidade.
E m
certo sentido, pelo menos
e m
alguns Estados,
o
destino
do Es-
tado seguiu o destino d o chefe d e Estado e o Estado transfor-
mou-se,
e m
larga escala, perante
o s
antagonismos sociais
e
econômicos
da
sociedade,
e m u m a
instância meramente
" n e u -
t r a " . Isso reside n a conseqüência d e u m a "auto-organização
d a
sociedade",
p o r
meio
d a
qual
a
questão
d a
unidade estatal
tomou
u m
rumo totalmente novo,
m a s
também
a
"neutralidade"
s e tomou u m novo problema. O s "métodos de integração f u n -
cionais" (eleições, votações, coalizões), assim chamados
por
R .
Smend, impuseram-se
n o
Estado legiferante atual, para
a
área da atividade legislativa, com o efe ito mostrado acima (vide
anteriormente
na
presente obra):
a
corporação legislativa
tor-
nou-se o reflexo d a pluralidade d e complexos sociais d e poder
organizados. Mas se o Estado n ã o fosse nada mais do que
esse sistema pluralista,
e le
seria, então,
d e
fato, apenas
vim
I t R C EIR A P AR TI ; - O P R ES IDENTE P O R EIC H C OM O GUAR DIÃO. . . i
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 225/252
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 226/252
S I G N I F I C A D O E S P E C I A L
D O
" P O D E R N E U T R O "
N O
E S T A D O .
2 0 9
correto
e
justo
e
proporcionar
a
vitória
à
razão.
O
próprio
J. St.
Mill
diz que, na
moderna sociedade industrial,
o s
empregado-
r e s
(employers
of
labour)
e
empregados (labourers) formam
o s grupos q u e mutuamente se equilibram e qu e, por meio disso,
toma-se possível u m a decisão neutra. Ainda hoje, su a constru-
ç ã o d e equilíbrio tipicamente liberal é muito difundida, e não
apenas junto aos liberais burgueses. Friedrich Engels j â havia
falado q u e haveria (somente excepcionalmente) períodos d e
luta d e classes, " em que a s partes beligerantes manteriam o
equilíbrio
u m a c o m a
outra". Assim, após
o ano de 1919,
Otto
Bauer desenvolveu
a
teoria
da
"estrutura social
d e
equilíbrio"
d o
modemo Estado industrial,
2
que fo i
aproveitada
p o r
Otto
Kirchheimer para u m a notável construção d a teoria constitucio-
nal e do
Estado.
3
A s
relações partidárias
na
Alemanha
e as
relações numéricas
d o s
diversos agrupamentos
d e
interesses
parecem confirmar,
e m
geral,
a
imagem
d e u m
equilíbrio, seja
entre empregadores
e
empregados, seja entre burgueses
e so-
cialistas, tanto
n o
Reich quanto
no s
Estados.
4
P o r
meio disso,
2
B A U E R , O t to . Bolschewismus un d Sozialdemokratie,
3
a
e d . ,
V ie n a , 1 9 2 1 , p . 1 1 4 ;
Die
õsterreichische Revolution. Viena , 1 9 2 3 ,
p . 1 9 6 ( a
é p o c a
d o
e q u i l í b r i o
d a s
f o r ç a s
d e
c lasse ) ; Der Kampf
X V I I , p . 5 7 - 5 8 ; K A U T S K Y , K .
Die proletarische Revolution und
ihr Programm, B e r l i n , 1 9 2 9 , p . 1 0 0 ; A D L E R , M a x . Politische
oder soziale Demokratie, Ber l in ,
1 9 2 6 , p .
112-113; sobre
a
crítica,
e m especia l : GURLAND, Arkadi j . Marxismus undDiktatur, Leipzig,
1 9 3 0 , p . 9 5 - 9 6 . D e f o r m a s e m e l h a n t e à d e f i n i ç ã o l i b e r a l d e
d e m o c r a c i a d e Ke lsen menc ionada an te r io rmente , t ambém essa
c o n s t r u ç ã o d e e q u i l í b r i o s o c i a l - d e m o c r a t a h á m u i to e sq u e c e u
suas re lações s i s temát icas
e n ã o t e m
abso lu tamente nada mais
d a "c la reza o fens iva" d e Mill.
3
Zur Siaatslehre de s Sozudismus und Bolschewismus, Ze i t schr i f t
f ü r Pol i t ik , XVIÍ , 1 9 2 8 , p . 5 9 6 - 5 9 7 : " O pa radoxo to rnou-se fa to , o
va lor
d a
decisão res ide
n o
f a lo
d e q u e é u m a
dec i são ju r íd ica ,
d e
q u e é p r o f e r i d a p o r u m a i n s t â n c i a u n iv e r s a lm e n te r e c o n h e c id a ,
m a s d e q u e é , apesar disso, o menos possível, decisão objetiva.
4
A c o m p r o v a ç ã o e s t a t í s t i c a e s t á u m p o u c o d i f i c u l t a d a d e v i d o à
d i s t r i b u i ç ã o e m m u i t o s p a r t i d o s e à s c h a m a d a s l i g a ç õ e s
t r a n sv e r sa i s ,
m a s o
f e n ô m e n o s e m p r e p o d e
s e r
d i s t i n g u id o ;
c f .
D I X , A .
Reichstagswahlen un d Volksgliederunx,
Ttl bin gen (Rech t
u n d S taa t n . 7 7 ) , 1 9 3 0 , p . 3 7 ; S A E M 1 S C H , E .
W er
vertritt
das
TERCEIRA PARTIS - O PRESIDENTE IX ) REICH COMO GUARDIÃO.
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 227/252
litígios entre empregadores
e
empregados podem
se
transfor-
mar, em geral, e m u m típico retrato da estrutura estatal, pois a
"sociedade" que se desenvolveu n o século X IX e se fez vitorio-
samente valer,
era ,
sobretudo, como
j á
sabiam Saint-Simon
e
Lorenz v o n Stein, a "sociedade industrial". P o r conseguinte,
também
os
juízes
e
conciliadores imparciais obtêm
e m
litígios
trabalhistas, perante os adjuntos que são os representantes dos
empregadores
e
empregados,
u m a
posição quase simbólica,
mediante a qual se torna visível a situação d e todo o Estado (e
d o todo estatal).
Nesse aspecto, se não levarmos e m consideração o tribu-
nal do
trabalho incumbido
da
decisão
d o
processo,
já que se
trata de um procedimento d e justiça, pode raramente ter no
Estado atual
u m
significado típico para
a
estrutura estatal,
e se
nos limitarmos a o conciliador, este surge, assim, no primeiro
estágio, como mero ajudante
e
incentivador
d e u m a
negociação
e de um entendimento comuns entre os complexos d e interesses
conflitantes,
m as que , na
realidade,
se
ajus tam entre
si
próprios.
Enquanto durar esse estágio e le conduzirá a u m resultado, isto
é, a um
acordo entre
as
duas partes,
a u m a
autoconciliação,
o
representante d o Estado é apenas u m agente intermediador
e sua
neutralidade conciliadora
é a de um
típico intermediário.
Ainda
não se
toma ativa nenhuma superioridade,
ou a té mes-
m o autoridade, especificamente estatal, essa neutralidade é
Volk?, n a
r e v i s t a
Die Tat,
m a r ç o
d e 1 9 3 0 , p .
9 2 0 / 9 2 1 . P a r a
a
Saxônia ,
q u e ,
como Estado industr ia l ,
é
aqui
d e
especia l in teresse ,
e s s e f e n ô m e n o e n c o n t r a - s e m a n i f e s t o , t a l v e z
n ã o c o m u m a
in tenção s is temát ica ,
m a s , e m
c o m p e n sa ç ã o ,
d e
forma ainda mais
c a r a c t e r í s t i c a ,
n a
s e g u in t e f o r m u la ç ã o
n o
a r t i g o
d e
T H Õ R N I G .
Das sachsische Polizeiwesen, n a
co le tânea
Sachsen, Kultur und
Arbeit
des
sachsischen Landes. Ber l in ,
1 9 2 8 . p . 3 8 : " A
S a x ô n ia
é
u m
Estado industr ia l
c o m
população ex t raord inar iamente densa .
E m
par te considerável , es ta per tence
à
c lasse operár ia
e
cul t iva
a
c o n c e p ç ã o m a r x i s t a
d e
m u n d o . S e u s p a r t i d á r io s e q u i l i b r a m
n u m e r i c a m e n t e , a p r o x i m a d a m e n t e ,
a
p o p u l a ç ã o
d e
ou t ra o r ien-
tação . I s so mani fes ta - se espec ia lmente
n a s
e le ições . Dependendo
d a s
r e l a ç õ e s m o m e n t â n e a s
e
po l í t i cas ,
n o
p a r l a m e n to e s t a d u a l
s a x ã o a l t e r n a
u m a
m a io r i a f r a c a
d e
e s q u e r d i s t a s
c o m u m a s e -
m e l h a n t e
d o
cen t ro" .
• TERCEIRA PARTE - O P R ES IDENTE D O REICH COMO GUARDIÃO. . .
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 228/252
determinada, n a forma negativa, como a neuwaWdade do ter-
ceiro não-parcia\, q u e tira d o caminho inibições d a autocon-
ciliação e que , exatamente p o r meio disso, obtém a possibili-
dade e a capacidade para "bons serviços" (
bons offices
) e
"intermediação" (médiation). N o direito internacional, cujas
analogias fazem-se aqui valer para o direito trabalhista,
5
isso
enconira-se desenvolvido
e m u m a
bibliografia pormenorizada
e u m a
grande praxe,
em que os
bons serviços representam
o
primeiro subestágio,
ou
seja,
a
mera reunião
d a s
partes litigan-
t es ,
para
q u e
possa haver,
n o
geral,
u m a
negociação entre
as
partes, enquanto
o
mediador
j á t em um a
certa liderança
a o
conduzir
a
negociação
e
fazer propostas. Ambos
sã o
tarefa
d o
conciliador estatal, correspondendo na típica estrutura de sua
posição
a u m a
determinada concepção estatal,
se não
justa-
mente àquela da vigente Constituição d o Reich. A s negociações
para acordo teriam, então, n o atual Estado industrial, u m signi-
ficado análogo àquele destinado ao parlamento no Estado cons-
titucional burguês d o século X I X , a saber, ser o fundamento de
u m a vontade efetuada mediante negóciação e persuasão'recí-
proca, e m cujo cerne reside um(consensç/não u m a decisão.
S e esse estágio n ã o levar a nenhum resultado, o concilia-
d o r estatal surge e m u m a segunda função, na quajele dá a
decisão quando ambos o s complexos d e interesses, iguais en -
tre si , não chegam a um acordo, mas se mantêm opostamente
e m equilíbrio. Nesse caso, o conciliador estatal produz u m a
decisão a o se colocar de um ou do outro lado d o balanço. El e é,
assim, u m terceiro
formador
de
maioria,
m a s esse papel pode
se r novamente d e dois tipos diversos. Primeiramente parece
corresponder àquela construção estatal de J. St. Mill: ambos
o s poderes confrontados e determinados d e forma parcial equi-
libram-se mutuamente, c o m isso, torna-se possível a o terceiro.
5
A s analogias entre di re i to in ternacional e d i re i to cons t i tuc iona l
fo ram des tacadas an te r io rmente . SCHINDLER, Die t r ich . Festgabe
fü r Fritz Fleiner,
T ü b in g e n , 1 9 2 7 , p . 400- 401 (d i re i tos emerg en tes ,
cons iderações sobre con tendas e r e so lu ç ã o d e l i t íg ios n o direito
in te rnac iona l
e n o
dire i to t rabalhis ta) , chamou
a
a tenção para
a s
re lações en t re d i re i to in te rnac iona l e d i re i lo t r aba lh i s ta .
TLR C EIR A P AR IR
- O
PRES1DENTK
D O
R EIC H C OM O GUAR DIÃO. . .
•—
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 229/252
2 1 2
O G U A R D I Ã O D A C O N S T I T U I Ç Ã O
objetivo
e
imparcial, mesmo
s e m u m a
própria superioridade,
provocar u m a decisão e m favor daquele relativamente corre-
to. O poder ou autoridade pertencente a este tipo d e decisão
pode ser muito pequeno e mínimo, pois os verdadeiramente
poderosos,
os
dois complexos
d e
poder
e
interesse litigantes,
paralisam-se reciprocamente e , considerados aritmeticamen-
te ,
resultam
e m
zero.
O
processo
d e u m a vitória por maioria
de votos pela formação d e u m a maioria é, em todo caso, n o
assunto, sob o ponto d e vista d a parte, u m processo compulsó-
rio,
especialmente
se o
terceiro formador
d e
maioria vier
d e
fora
e fo r
acrescido
à s
partes.
6
O
acordo assim realizado,
se-
gundo o fundamental conceito formado po r H . Triepel, é um
acordo compulsório.
Contudo, o Estado, formador d e maio-
ria, só se torna u m terceiro q u e decide
de
fora
sob a influência
da
concepção pluralista estatal
q u e
cada
v e z
mais
se
expande.
A concepção estatal democrática (não a liberal) t em que per -
severar no axioma democrático fundamental, freqüentemente
mencionado,
de que o
Estado
é u m a
unidade indivisível
e de
que a
parte vencida
p o r
maioria
d e
votos,
na
verdade,
não é
violentada n e m forçada, m a s apenas conduzida a sua própria
vontade real. Logo, n ã o existe
nenhuma vitória
por
maioria
de
votos
, m a s apenas u m
acordo
dado desde o início, sempre
existente
e
livre
d e
desvios errôneos mediante
votação. M a s
essa idéia se vê-se cada v e z mais destruída pelo sistema
pluralista, o qual é oligárquico e não-democrático, pois o Esta-.
N e s s e c o n t e x t o , s ã o d e g r a n d e i n t e r e s s e a s d i f e r e n c i a ç õ e s
e s t a b e l e c i d a s p o r C a r l B i l f i n g e r p a r a o a c o r d o c o n t i n u a m e n t e
necessá r io den t ro
d e u m
Es tado federa l en t re União
e
E s t a d o s -
m e m b r o s e e n t r e o s E s t a d o s - m e m b r o s . a r e p r e s e n t a ç ã o n o
c o n s e l h o
d o
R e i c h c o m o c o n c i l i a ç ã o
d e
i n t e r e s s e s
e
c o m o
r e p r e s e n t a ç ã o . E m B i l f i n g e r e n c o n t r a - s e t a m b é m o a c e r t a d o
p e n s a m e n t o , a i n d a a s e r a p r o v e i t a d o a d i a n t e , d e q u e , e m t a l
c o n s t e l a ç ã o ,
o
p r i n c í p i o
d a
vitória final
po r
maioria
de
votos
r e p r e s e n t a
o
momento
da
coação, d e m o d o q u e , n o c a s o d a
vi tó r ia p o r m a i o r i a d e v o to s , j á s e possa fa la r d e u m " a c o r d o
c o m p u l s ó r i o "
n o
sen t ido
d e
Tr iepe l .
E u s ó n ã o
e n t e n d o
p o r q u e
B i l f i n g e r a c r e s c e n t a a e s s a c o n s t a t a ç ã o , s u m a m e n t e c o r r e t a e
o b je t i v a ,
o
ad i t ivo ' " fo rmalmente compreendido" (H a n d b u c h
des
Deutschen Staatsrechis, v o l . I , TUbingen, 1 9 3 0 , p . 5 5 0 , n o t a 3 0 ) .
• TKRCF.IRA PARTE - O PRRSJDKNTK D O KfclCtl COMO GUARDIÃO.. .
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 230/252
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 231/252
2 1 1
O
G U A R D I Ã O
D A
C O N S T I T U I Ç Ã O
leria sempre proporcionado
a
vitória, pelo
seu
voto,
ou à opi-
nião
d o
adjunto
d o s
empregadores
ou à do
adjunto
d o s
empre-
gados.
A partir d a referência aos princípios gerais d e u m a decisão
colegiada, fica protelada
a
questão,
m as e l a não
cessa
de ser
fundamental
e
típica para toda
a
concepção estatal.
S e
partir-
m o s d a
tese
de que
esses adjuntos
d a s
partes interessadas,
componentes de um colegiado formado paritariamente, seriam
assim tanto "órgãos" quanto u m presidente imparcial, teremos,
p o r
intermédio
da
confusa palavra "órgão"
e de um ser
estatal
e objetividade fictícios, resolvido o problema d e forma t ã o rápi-
da quanto a d o parlamentarismo atual, ao dizermos simples-
mente
que o
deputado individual, "juridicamente",
n ã o
seria,
e m
absoluto, "parte",
e le
seria, antes, segundo
o
artigo
21 da
Constituição d o Reich, u m representante d o povo e seria t a m -
bém um
"órgão individual", pois
o
parlamento seria
um "ó r -
gão" , o
Estado
u m
"organismo",
etc .
Aqui podem
se
aliar
t eo-
rias d e órgãos c o m u m formalismo s e m fundamento, a f im de
negar o problema c o m a ajuda d e ficções, a o invés de solucioná-
lo .
Perante
a
sentença
d o
tribunal
d o
trabalho
d o
Reich, Erwin
Jacobi aludiu
c o m
razão
a que, na
sentença arbitral
da
instân-
cia de conciliação, não se trata d e u m a decisão judicial, m as de
u m a conciIiação_de interesses, e_a_ocupação_colegiada_de_tal
posto tèna
u m
sentido
b e m
diferente_da_pçupação colegiada
efetuadas
p o r
juízes. Todavia, Jacobi invoca, simultaneamente,
contra F . Haymann, o fato de que esse trataria os adjuntos d a
comissão
d e
conciliação
" p o r
demais, unilateralmente, como
7
E . J A C O B I , Hebdomadário Jurídico, v o l . 5 8 , 1 9 2 9 , p . 1 2 7 8 ;
H A Y M A N N , E . Die
Mehrheitsentscheidung
in
Rechtsprechung
un d
Schlichtung
und der
Schiedsspruch
im
Ruhreisenstreit,
Ber l in e Le ipz ig , 1 9 2 9 , p . 9 , 1 4 , 1 5 ; S C H I N D L E R , D .
Op. cit
., p.
4 1 6 . A
p r o g r e s sã o e s t a b e l e c id a
p o r H .
H e r r f a h r d t
-
a u t o n o m i a
admin is t ra t iva , g rupo d e t rabalho, comando arbi t ra l — t e m o méri to
d e d e s t a c a r o novo problema es ta ta l , contudo, e u n ã o a cons idero
e x p r e s s iv a
o u
comple ta , p r inc ipa lmente
a
c o m p o s i ç ã o " c o m a n d o
arb i t ra i " é , e m s i , obscura . Sobre a s e n t e n ç a d o t r ibunal d o t rabalho
d o Re ich da tada d e 2 2 d e j a n e i r o d e 1 9 2 9 ,
vide,
d e res to , a cole tânea
d e G R A U E R T ; M A N S F E L D ; S C H O P P E N .
Der
Rechtsstreit
im
, TERCEIRA PARTE - O PRESIDENTE D O REICH COMO GUARDIÃO.. .
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 232/252
S I G N I F I C A D O E S P E C I A L D O " P O D E R N E U T R O " N O E S T A D O .
2 1 5
representantes d a s partes".
1
M a s Haymann v ê c o m precisão o
significado objetivo d o procedimento e acentua, po r isso, com
razão
que a
conciliação, além
d a
tarefa
d o
"agente honesto",
te m
ainda
a
segunda tarefa autônoma
d e
"preparar, eventual-
mente,
a paz
forçada". Então,
o
voto
d o
presidente estatal
neu-
tro, isto é , do não delegado p o r interesses d a s partes seria o de
u m
"órgão imparcial
da
justiça"
e
deveria oferecer
u m a
garan-
tia "para que a opinião da maioria represente u m acordo justo
d o s interesses". Isso é inteiramente correto e acertado. Eu só
gostaria
d e
fazer
a
distinção, perante
a
bipartição
d a
tarefa
d o
conciliador
e n o
interesse
d o
esclarecimento teórico-estatal
geral, a o todo, d o s quatro graus: após o primeiro grau, ou seja,
aquele
d o
agente honesto,
u m
segundo,
o d o
terceiro formador
d e
maioria
que é
decisivo
n o
sentido daquela idéia
d e
Mill devi-
do a sua neutralidade (no sentido da objetividade). Depois se-
g u e u m
terceiro grau,
n o
qual
o
Estado aparece,
d e u m a
outra
espécie, como terceiro formador
de
maioria,
ou
seja, como
ter-
ceiro n o sentido de um sistema imaginado pluralisticamente,
em que e le se junta, assim, aos complexos sociais d e poder
existentes como
u m
outro complexo
d e
poder, sendo,
de uma
maneira novamente especial, formador
d e
maioria
e
decisivo.
Porém, esta última interpretação contradiz a concepção ainda
dominante
n o
pensamento estatal alemão,
m a s
quase
não se
pode negar que e la reside praticamente na conseqüência d e
u m comportamento d a s partes dominadoras d o Estado, deter-
minado
d e
forma meramente político-partidária. Essas partes,
s e m qualquer consideração a nenhum princípio, sempre somente
Arbeitskampf Mannhe im,
1 9 2 9 . O
lado (eórico-esiataJ
d o
problema
n ã o é
levado
e m
conta
n a
maioria
d a s
discussões. Quando floeniger
(Magazin
de r
Wirtschaft,
1 4 d e
fevereiro
d e 1 9 2 9 , p . 2 2 3 ) d i z q u e s e
poderia "dizer muitas coisas
a
favor
e
contra
a
fund ament ação jurídico-
formal", isso está correto, m a s mostra apenas q u e a q u e s t ã o n ã o
pode s e r solucionada dessa maneira. A própria referência d e Hoeniger
a o artigo 196 , § 2
o
, d a norma constitucional judiciária alemã sofre d e
semelhante "formalismo", pois,
n o
cálculo
d a
maior ia
d e
votos
e m
u m
colegiado judiciário,
se
parte
d a
igualdade
e
homogene idade
d o s
votos dados,
m a s n ã o d e u m
agrupamento
d e
interesses pressuposto
dentro
d o
"colegiado"
c o m u m
presidente "neutro".
TERCEIRA 1'ARTE
- O
PRBS1DENTE
D O
RfclCH COMO GUARDIÃO.. .
»
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 233/252
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 234/252
S I G N I F I C A D O E S P E C I A L D O " P O D E R N E U T R O " N O E S T A D O .
2 2
S e
esse sistema conseguir impor para
o
processo concilia-
tório
o
mesmo resultado
q u e
conseguiu para
o
parlamentaris-
m o ,
isto
é ,
transformar
as
instâncias conciliatórias, assim como
o parlamento e m u m cenário d o pluralismo e torná-las, com
isso, incapazes d e ação, surge, então, para o Estado u m a alter-
nativa inevitável
ou
deixar
d e
existir como unidade
e
como todo
o u ,
porém, tentar provocar
a
decisão necessária
a
partir
da
força d a unidade e d o todo. Assim estaria alcançado o
quarto
grau da neutralidade, o d e u m a
decisão aberta
e
publicada
pelo Estado,
na
qual tanto
a
proposta
d a
instância conciliatória
quanto sua declaração d e obrigatoriedade sã o apenas obra d o
Estado.
Ò
fato
d e
este também
se
esconder, assim,
p o r
detrás
da formação majoritária e , como n o decreto d o presidente d o
Reich de 9 de janeiro de 1931 (Diário oficial do Reich I, p.
1), preferir aumentar, em caso d e necessidade, o número de
membros neutros
d a
câmara
d e
conciliação
e
convocar mais
dois adjuntos imparciais para
o
colegiado, nada muda
na es-
sência deste procedimento: que se trata d e u m a decisão esta-
tal, a
qual
não é o
resultado
d o
entendimento entre
os
interes-
sados
e
também
não se
realiza
p o r
mera formação majoritária
entre Estado e interessados. O fato de que a convocação dos
juízes imparciais para formação majoritária só deve sobrevir
quando "parecer urgentemente necessária
n o
interesse
do Es-
tado" (de acordo c o m o decreto de 9 de janeiro de 1931) e,
como consta na fundamen tação oficial, " s ó deve se r usada em
casos excepcionais", comprova exatamente
a
relação
com a
decisão estatal, cuja imparcialidade
só
pode
ter seu
ponto
de
vista na base da unidade e totalidade políticas e cuja força se
prova n o caso excepcional.
T al ponto d e vista é possível enquanto o sistema pluralista
ainda n ã o tiver ocupado todas as partes d o todo estatal, en -
quanto, ademais,
a
multiplicidade
d o s
partidos
os
impedir
e
restringir reciprocamente
e sua
heterogeneidade filosófica,
econômica, e tc . reforçar ainda mais essa restrição recíproca,
m a s , sobretudo, enquanto ainda existirem forças em um povo
diferentes daquelas q u e estão compreendidas e colocadas a
serviço da organização partidária e essas forças contrárias da
JhKCKlRA 1'ARTR - O PRESIDENTE D O RF.ICH COMO GUARDIÃO... •
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 235/252
2 1 8
O G U A R D I Ã O D A C O N S T I T U I Ç Ã O
Constituição estatal forem colocadas e m contato com um s i s -
tema
d e
instituições relativamente estáveis.
A
vigente Consti-
tuição d o Reich isso tentou c o m a ajuda d o s elementos
plebiscitários
de sua
parte organizacional.
Já se faz
referência
a tal
processo quando
fo i
descrita
a
oposição entre
as
tendên-
cias centrífugas
que se
ocultam
sob a
palavra "neutralidade",
a
unidade política d o povo imediatamente existente, desejada e
pressuposta pela Constituição, e a unidade, e o presidente d o
Reich eleito p o r todo o povo.
TERCEIRA PART6 - O PRESIDENTE D O RF-ICH COMO GUARDIÃO.
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 236/252
O
f u n c i o n a l i s m o
O
p ú b l i c o e a s d i v e r s a s
p o s s i b i l i d a d e s
d e u m a i _ ,
' i n d e p e n d ê n c i a d o
E s t a d o p a r t i d á r i o <
p l u r a l i s t a
Quando o funcionalismo público surge, tanto c o m relação
à s grandezas ambiguamente chamadas d e "neutras", quanto
n a
questão
d a
unidade estatal,
e m u m
posto
d e
decisão
-
pois
o s conciliadores, assim como os juízes d e nossa jurisdição tra-
balhista e d e nosso sistema d e conciliação, são , no geral, retira-
d o s d o
funcionalismo público
-
apresenta-se
a í u m a
grande
mudança
d e
função
que ,
também nesta área, sobrevêm
de for-
m a inevitável. Dissolve-se o confronto, tradicional e estático,
entre Estado,
i.e.,
Estado-funcionário monárquico de um lado,
e , de
outro, sociedade,
i.e.,
esfera social "livre"
e
fundamental-
mente diferente
d o
Estado.
O
funcionalismo
n ã o
mais
se en-
contra acima d e u m a "sociedade" dele separada, e le não mais
deve, como n o Estado monárquico, t e r uma posição transcen-
dente perante
a
sociedade. Apesar disso,
é
mantido conscien-
temente como grandeza imparcial, pois
e le
também
não
deve,
consoante a vontade d a Constituição, estar
abaixo
da
socie-
dade.
A Constituição d o Reich contém, n o s artigos 129 e 130,
u m a
garantia institucional
d o
funcionalismo
d e
carreira
e , com
isso,
u m
elemento constitucional
d e
estática
e
permanência
que
n ã o deve se r usado pelos métodos h á pouco mencionados de
"integração funcional". O s funcionários sã o "servidores da
coletividade",
mas sua
neutralidade
não é a de um
mero
Civil
Service
"
ou de um
funcionário técnico. Pelo contrário,
a
gran-
d e tradição d o funcionalismo d e carreira alemão deve também
T bRCt I RA PA K T K - O PRESIDENTE D O REICH COMO CUARD1AO.
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 237/252
2 2 0
O G U A R D I Ã O D A C O N S T I T U I Ç Ã O
ser
continuada
n o
Estado democrático.' Após terem caído
a
base monárquica e a separação entre Estado e sociedade, isto
1
S o b r e
a
" m o d e r n a m i s sã o
d o
f u n c io n a l i sm o p ú b l i c o "
n a
A le m a n h a :
K Õ T T G E N , A .
Das
deutsche Berufsbeamtentum
und die
parlameniarische Demokratie, B e r l i n , 1 9 2 8 , p . 2 4 3 ; Sàchsische
Schulzeitung
a n o 9 6 ,
D r e sd e n , n o v e m b r o
d e 1 9 2 9 , p .
7 5 7 / 7 5 8
e
825/826 (con t ra a d i sso lução d a s i tuação d e f u n c i o n á r i o e m u m a
s i t u a ç ã o d e con t ra to t raba lh i s ta soc ia l po l i t i camente assegurada ,
c o m o d e f e n d i d o
p o r H .
P o t t h o f f ) ;
e
Handbuch
de s
Deuischen
Staatsrechts, v o l . I I , 1 9 3 0 , p . 1 5 ; a d e m a i s , Z W E I G E R T , E .
Der
Beamte
im
neuen Deuischland,
e m " V o l k u n d R e i c h d e r
D e u t sc h e n " , p u b l i c a d o
p o r B .
Harms , Ber l in ,
1 9 2 9 , v o l . I I , p . 4 6 7 :
" N o s s a é t i c a p r o f i s s i o n a l n ã o s e t o r n o u m e n o r p o r m e i o d a
C o n s t i t u i ç ã o d e Weimar . A o con t rá r io , e l a s e e n c o n t r a a p r o f u n d a d a
e
enobrec ida pe la idé ia
d e
d e d i c a ç ã o
à
c o l e t i v id a d e . " Z w e ig e r t
t a m b é m f a l a d o "nexo in te rno c o m a co le t iv idade , q u e n ã o apenas
s e encontra mais a l to d o q u e o n e x o c o m u m pa r t ido , m a s t a m b é m
s e
e n c o n t r a e t i c a m e n te m a i s a l t o
d o q u e o
a n t i g o n e x o
c o m a
p e s s o a d o m o n a r c a " e q u e p e r m a n e c e u i n t o c a d o m e d i a n t e a
s u b o r d i n a ç ã o d o f u n c i o n á r i o a " p o d e r e s p o l í t i c o s a l t e r n a n t e s " .
L E I S E G A N G ,
H . Die
Ethik
des
Berufsbeamtentums
( n a
sé r ie
d e
pa les t ras : Berufsbeamtentum, Volksstaat
und
Ethik, L e ip z ig , 1 9 3 1 ,
p . 3 2 ) a t é m e s m o d i z : es ta é t ica d o f u n c i o n a l i s m o p ú b l i c o é a
única subs tânc ia é t i ca q u e su s t e n t a e s se E s t a d o , n o qual , fora
isso, tudo o q u e l iga o s h o m e n s e n t r e s i , e sp e c i a lm e n te c o n c e p ç ã o
d e m u n d o e r e l i g i ã o , t o r n o u - s e a s s u n t o p r i v a d o " . A s d u a s
p a l e s t r a s
d e
K A S K E L , W a l t e r . Beamtenrecht
und
Arbeitsrecht,
Ber l in , 1 9 2 6 , e G I E S E , F .
Das
Berufsbeamtentum
im
deutschen
Volksstaat,
B e r l i n , 1 9 2 9 (ambas pub l icadas pe la casa ed i to r ia l
d a
L ig a A le m ã
d e
F u n c i o n á r i o s ) d e v e m
s e r
aqu i espec ia lmente
ci tadas . D e maior in teresse é t a m b é m a e x p o s i ç ã o d e M I C H E L ,
E r n s t . Das
Beamtenproblem,
n a r e v i s t a " D e u t s c h e R e p u b l i k " ,
a n o 3 ,
a g o s to
d e 1 9 2 9 , p .
1501-1502 , po is Miche l reconhece
e
o b se r v a a expressão desc r i t a an te r io rmente q u e res ide n a "au to-
o r g a n i z a ç ã o d a s o c i e d a d e " e n ã o t e m n e n h u m a i l u s ã o d e q u e
v i v e m o s
e m u m
"Estado socia l completamente pol i t izado" . Nesse ,
e u d i r i a , "Es tado to ta l " , e l e c o n s i d e r a o f u n c io n a l i sm o p ú b l i c o
d e s t i n a d o
a
" to rnar - se ,
e m
m e i o
à
revo lução soc ia l , ó rgão
d a p a z
acima d o s c o n f l i t o s e c o n ô m i c o s , so c i a i s e p o l í t i c o s , e exercer ,
e m d e t a l h e s , o e n o r m e t r a b a l h o d e
apaziguamento
e m d iá r ia
c o l a b o r a ç ã o r e s p o n s á v e l "
( o s
des taques fo ram fe i tos
p o r m i m ) .
S o b r e a q u e s t ã o t r a t a d a p o r A . K o t t g e n , c o m n o v o s e m u i to
no táve i s a rgumentos ,
n a
d i s c u s sã o
d e
L E I B H O L Z ,
G Der
Begriff
de r
Reprüsemation, A r c h . d . õ f f . R e c h t s , v o l . 1 9 , 1 9 3 0 , p . 3 0 7 ,
, TERCEIRA PARTE - O PRESIDENTE D O REICH COMO GUARDIÃO.. .
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 238/252
O F U N C I O N A L I S M O P Ú B L I CO E A S DIVERSAS POSSIBILIDADES. . . 7 9 1 /
s ó é
possível sobre
u m a
nova base.
A
nova base distingue-se
pelo fato de que é o presidente d o Reich quem, d e acordo c o m
o artigo 4 6 d a Constituição d o Rcich, nomeia e exonera os
funcionários
d o
Reich. Essas duas determinações constitucio-
nais - o artigo 130 e o 46 - estão correlacionadas. Visto d e
forma prática, ainda assim
é u m
obstáculo notável quando
não
é o correligionário, tornado ministro, q u e nomeia diretamente
o s funcionários, m a s u m chefe d e Estado independente d o par-
lamento,
i.e., de um
partido.
M a s
ainda mais importante
do qu e
essa vantagem prática é a relação sistemática entre Estado-
funcionário garantido constitucionalmente
e u m
presidente
d o
Reich que se encontra sobre base plebiscitária e que domina o
elemento plebiscitário da Constituição d o Reich.
C o m isso tem-se criada a única possibilidade imaginável
e m u m a
Constituição democrática
d e u m a
instância
indepen-
dente, sem a qual n ã o pode haver nenhum guardião d a Consti-
tuição. "Independência"
é a
condição fundamental
e
todas
as
propostas de um guardião d a Constituição baseiam-se na idéia
d e
criar
u m a
instância
independente e neutra. M a s ,
geral-
mente, n ã o fica nítido e nã o sistematicamente claro o suficien-
te , quantas "independências" existem na atual vida estatal e
porque novas instituições continuam
a ter que ser
retiradas
d o
funcionamento político-partidário e d o sistema pluralista. É qu e
h á
tipos muito diversos
d e
independência, como, p.ex.,
u m a
independência
d o juiz, u m a
independência diferente dessa
d o
fiincionário de carreira
e u m a independência, composta das
duas,
d o funcionário de carreira judiciário e,
além dessas,
u m a independência d o presidente e dos membros d o tribunal
d e
contas para
o
Reich alemão.
2
H á ,
ademais,
a
independência
d o deputado parlamentar
conforme
o
artigo
2 1 d a
Constitui-
s o b r e s e o s f u n c i o n á r i o s a l e m ã e s s ã o o u n ã o hoje representantes
d o
Es t ado , a inda que ro
m e
p o s i c i o n a r
d e
f o r m a e s p e c i a l .
P o r
enquan to , i n s i s to e m d i ze r q u e o s funcionár ios , como di to pe la
C o n s t i t u i ç ã o , s ã o
servidores,
c f .
Verfassungslehre,
p . 2 1 3 .
2
A r l i g o
1 1 8 e 1 1 9 d o
cód igo o rçamen tá r io
d o
Reich.
TERCEIRA PARTE - O PRESIDENTE D O REICH COMO GUARDIÃO... •
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 239/252
2 2 2
O G U A R D I Ã O D A C O N S T I T U I Ç Ã O
ção do
Reich
3
e a
independência
e
liberdade,
por sua vez de
características especiais, do professor de escola superior, a
quem está garantida a liberdade d e ensino consoante o artigo
142 da
Constituição
d o
Reich;
4
além disso,
u m a
independência
do
parecerista
e
perito
, com o resultante d a natureza d o caso.
5
3
A
r e sp e i t o , Verfassungslehre,
p . 2 5 5 .
4
N o r e l a to p a r a a c o n f e r ê n c i a a l e m ã d e p r o f e s s o r e s d e d i re i to
público e m Munique, 1 9 2 7 , R O T H E N B Ü C H E R , Ka rl . Verõffentlichun-
gen der
Vereinigung deutscher Staatsrechtslehrer, c a d e r n o
4 ,
p . 32 /33 ; R . S m e n d ,
op. cit.,
p . 5 6 / 5 7 ; S C H M I D T , W . A . E .
Die
Freiheis
der
Wissenschaft (Abhandlungen
zu r
Reichsverfassung,
e d . p o r W .
J e l l i n e k , c a d e r n o
3 ) ,
B e r l i n ,
1 9 2 9 , p .
1 2 6 / 1 2 7 ;
B I E B E R S T E I N , F . Fre iher r Marscha l l v o n .
Die
Geführdung
der
deutschen Universitat
n a r e v i s t a " D i e T a t w e l t " , J e n a , j u l h o /
s e t e m b r o ,
1 9 2 9 , p .
92 /93 . Mui to ins t ru t ivo para
o
p r o b l e m a
d o
Estado , re l ig iosa e f i l o so f i c a m e n te n e u t r o , e s u a r e l a ç ã o c o m a
e d u c a ç ã o e a esco la é o ar t igo d e G I E S E , G .
Staat, Staatsgedanke
un d
Staatserziehung,
n a
r e v i s t a
" D i e
E r z i e h u n g " ,
a n o 5 , 1 9 2 9 ,
e sp e c i a lm e n te p . 1 5 3 , porém, t e r iam q u e s e r d i fe renc iados aqu i ,
d e f o r m a m a i s d e t a lh a d a , o s d iv e r so s t i p o s d e i m p a r c i a l i d a d e ,
s u p r a p a r t i d a r i s m o
e
n e u t r a l i d a d e
( c f .
a n t e r i o r m e n te ) .
D e
f o r m a
e s p e c i a l m e n t e a c e r t a d a s o b r e a ratio d a c i ê n c i a a u t ô n o m a ,
S P R A N G E R , E .
Das
Wesen
de r
deutschen Universitãt, " A k a d e m i s -
ches Deutsch land" ,
1 9 3 0 , I I I , 1 , p . 5 :
"Tra ta - se , mais p rec i samente ,
n a n o r m a d a l ibe rdade d a c iênc ia , n ã o d e u m d i re i to fundamenta l
i n d i v i d u a l i s t a c o m o o d a ü v r e e x p r e s s ã o d e o p i n i ã o , m a s d o
di re i to v incu la t ivo supra - ind iv idua l
q u e
resu l ta
d a
objetividade
su p r a - in d iv id u a l
da
procura pela verdade. A ga ran t ia d a l ibe rdade
d e ens ino c ien t í f i co d o ar t igo 1 4 2 d a Const i tu ição d o Re ich é u m a
garan t ia ins t i tuc iona l ( V e r f a s s u n g s l e h r e ,
p . 1 7 2 ,
a q u i e s c e n d o
A N S C H Ü T Z . Kommentar, p . 5 7 2 ; G I E S E , F . Kommentar, p . 2 9 9 ;
K O T T G E N , A .
Mitteilungen
des
Verbandes
der
Deutschen
Hochschulen, j a n e i r o d e 1931) . Sobre a re lação dessa l iberdade
a c a d ê m i c a d e ens ino c o m o p r i n c íp io d a l ivre discussão e sobre
o p r i v i l é g i o d a s t a x a s u n i v e r s i t á r i a s ,
vide
a s i n t e r e s s a n t e s
e x p o s i ç õ e s
d e
S T E I N , L o r e n z
v o n .
Lehrfreiheit, Wissenschaft
un d
Kolleggeld, Viena, 1 8 7 5 ( l ibe rdade d e ensino como l iberdade
d e
discussão, taxas univers i tár ias como garant ia
d a
i n d e p e n d ê n c i a
e l ibe rdade) .
5
B E R T R A M , A . Zeitschrift
für
Zivilprozess, v o l . 2 8 , 1 9 2 8 , p . 4 2 1 :
" M a s n o â m b i to d a a d m in i s t r a ç ã o e m ge ra l , jus tamente o parecer
o c u p a
u m a
p o s i ç ã o e s p e c i a l , c o n t a n t o
q u e n ã o
s u p o r t e
c o n c e i t u a l m e n t e u m a i n s t r u ç ã o . C e r t a m e n t e , o c a r g o su p e r io r
• TERCEIRA PARTE - O PHHSJDENTE D O REICH COMO GUARDIÃO.
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 240/252
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 241/252
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 242/252
O F U N C I O N A L I S M O P Ú B L I C O E A S DIVERSAS PQSSIB1UDADFS.
2 2 5
se
acredita
te r
despolitizado todos
o s
conflitos constitucionais
quando
a
decisão
é
conferida
a u m
coiegiado
d e
juízes funcio-
nários públicos.
Ma s se fo r
exigido,
p o r
tais motivos,
u m
tribu-
na l do
Estado
o u
constitucional para todos
os
conflitos consti-
tucionais, esquece-se quase sempre qu e a independência judicial
é
apenas
o
outro lado
d a
vinculação judicia l
à lei e a
Constitui-
ç ã o n ã o pode realizar, geralmente, ta l vinculação.
6
Também
não se vê comumente as experiências tidas na última década
n a área d o s litígios trabalhistas e que conduziram a u m a clara
separação entre juiz
e
conciliador.
N a
verdade,
o
anseio
não é
tanto
p o r u m a
instância judicial,
m a s p o r u m a
independente
e
neutra, desejando-se utilizar
o
caráter judicial apenas como
o
meio mais seguro e mais nítido d e u m a independência garan-
tida constitucionalmente. P o r isso, também n a maioria dos ca -
sos, não se pensa, d e modo algum, apenas n a independência
judicia]
n o
sentido estrito
d o
termo, i.e.,
na
independência
p e-
rante instruções
de um
outro cargo
q u e
atingem
o
exercício
d e
u m a
atividade judicial,
m a s n a
independência
d o juiz
de car-
reira judicial reforçada pela independência d o funcionalismo
d e carreira. Destarte, diante d e tais exigências, pensa-se comu-
mente e m reforçar ainda mais, possivelmente, as garantias d o
funcionalismo
d e
carreira judicial. Semelhante tribunal
d o E s -
tado
ou
constitucional teria,
p o r
exemplo,
que se r
protegido
contra
o
fato
de que o
número
o u a
composição
d o s
juízes
ou o
processo podem ser mudados p o r meio da lei ordinária, para
que um impulso d o juiz ou influências semelhantes n ã o sejam
possíveis como ocorre, p o r experiência, e m casos politicamen-
te
importantes
e
como
são
talvez também conhecidos
d a
histó-
ria do
supremo tribunal
d o s
Estados Unidos.
1
P o r f i m ,
seria
inteiramente conseqüente exigir que ta l instância seja ocupada
6
C f .
anteriormente neste livro.
7
Dessa for ma, o caso Dred-Scott d a época d a luta pela abolição
d a
escravatura (WARREN, Charles . The Supreme Court in the
United States
Boston, 1924 , I I I , p . 22/23) ou os
Legal Tender
Cases d a época d a desvalorização monetária durante a s guerras
d e
secessão
op. cit., p . 244) , c f . no
início deste livro; também
a
sentença d e Gneist sobre o s func ioná r ios é também digna d e
nota neste contexto.
TERCEIRA PARTE - O PRESIDENTE IX > REICH COMO GUARDIÃO.
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 243/252
2 2 &
0 _ G U A R D l à g _ ^ Ç 0 N S T l T U I £ Á 0
apenas
p o r
sugestão
d o
presidente
ou a té
mesmo
d e
todo
o
colegiado
8
ou que se
complemente,
n o
geral, apenas mediante
cooptação.
9
O
fato
d e
serem exigidas garantias cada
v e z
mais
fortes prova apenas q u e jurisdição e estrutura judicial em su-
gestões de um tribunal d o Estado o u constitucional s ó servem,
na verdade, ao esforço de, perante o funcionamento e a nego-
ciação político-partidários, criar u m a instância neutra e inde-
pendente
e u m a
certa "permanência",
10
ou
seja, estática."
8
Direito d e sugestão d o presidente d o tribunal d e contas para o Reich
alemão, código orçamentário d o Reich, artigo 119, §2°. Para o planejado
tribunal administrativo
d o
Reich (projeto
de le i
sobre
o
tribunal
administrativo d o Reich de 26 de agosto de 1930 , impresso d o Conselho
d o
Reich
n. 155),
Lassar recomendou
u m
direito
d e
sugestão semelhante,
n a publicação LASSAR, G
Das
Reichsverxvaltungsgericht eine Kritik
cies Regierungsentwurfs
Berlin,
1930, p. 14. O
direito
d e
sugestão
d a s faculdades e m nomeações é u m resto d e s u a autonomia q u e
pressupõe
a
independência
d a
ciência.
9
E m s e u r e la to , KELSEN. Verõffentlichungen Deutscher
Staatsrechtslehrer
caderno
5 , p . 56 . Até
agora
n o
Reich alemão,
só se pôde impor ta l cooptação para o conselho geral d o banco
d o
Reich
e
apenas
s o b a
pressão
d a
política externa
d o s
Estados
credores. Are spei to d e u m a outra tentativa (frustrada), empreendida
n a
França, para introduzir
u m a
cooptação,
vide
nota abaixo.
10
Expressão d e R . Gneist e m s e u parecer sobre o direito d e exame
judicia),
op. cit., p . 23.
Gneist rejeita
o
exame judicial
d a s
leis,
exercido n o s Estados Unidos d a América, quanto a sua razoa-
b i l idade
e
ju s t iça
( s u a
r ac iona l idade)
c o m a
seguin te funda-
mentação, especialmente interessante para o contexto d a s expo-
sições
d o
texto acima: "Como falta aqui (leia,
n o s
Estados Unidos
d a América), n o s fatores d a legislação, a permanência necessária
para conceder u m a garan t ia contra reso luções precip i tadas e
determinadas p o r interesses diversos d o corpo legislativo, t e n -
tou-se, então, mediante u m a superior idade d o s tribunais como
guardiões para certos limites
d o
t ra tado fundamental , manter
algumas vantagens d a monarquia hereditária. Certamente, esse
poder transcendente
n ã o
cabe para
a
organização judicial alemã.
Antes , aquela última garantia n a monarquia hered i tár ia , u m
segundo corpo permanente
e u m
terceiro eleito, reside
d e
forma
mais segura, e m s u a cooperação, n a legislação, e l a pelo menos
permanece tanto tempo quanto insti tuições humanas puderem
assegurar, n o geral, ta l garantia."
11
Esse obj et ivo seria alc ança do, todavia ,
d a
forma mais segura,
m e d i a n t e u m a s e g u n d a ( o u p r i m e i r a ) - c â m a r a b a s e a d a e m
TERClíIRA PARTE - O PRESIDENTE D O RB1CH COMO GUARDIÃO.
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 244/252
O
F U N C I O N A L I S M O P Ú B L I C O
E A S
DIVERSAS POSSIBILIDADES.
2 2 7
Todavia, o guardião_da Constituição t em que se r indepen-
dente e político-partidariamente neutro.
No
entanto abusa-
se dos conceitos de estrutura judicial e jurisdição assim
como da garantia institucional do funcionalismo de car-
reira alemão quando
em
todos
os
casos
nos
quais
por
motivos práticos surgem independência e neutralidade
como oportunas ou necessárias pretende-se logo introduzir
um
tribunal
e uma
estrutura judicial lotados
com
juristas
funcionários
de
carreira.
Tanto
a
justiça quanto
o
funciona-
lismo d e carreira receberão u m a carga insuportável se todas
as tarefas e decisões políticas, para as quais forem desejadas
independência
e
neutralidade político-partidária,
se
amontoa-
re m sobre eles. Além disso, a instituição d e semelhante guardião
da
Constituição seria diretamente confrontada
c o m a
conse-
qüência política d o princípio democrático. Perante o direito real
e m baixar decretos, õ direito d é exarrie judicia l pôde te r suces-
so político n o século X I X , tanto n a França quanto n a s monar-
quias constitucionais alemãs.
12
Hoje,
a
frente
da
justiça
não
estaria mais direcionada contra
u m
monarca,
m a s
contra
o par-
hereditariedade. Como seria pouco possível, n o s atuais Estados
democráticos, introduzir
d e
novo
u m a
câmara
d e
pares segundo
o modelo inglês, só se poderia repetir a tentativa d e u m senado
inamovíve l n o t odo o u e m par te e q u e s e c o m p l e m e n t a p o r
cooptação. A tentativa f o i frustrada n a França republicana. Pela
norma constitucional de 24 de fevereiro d e 1 8 7 5 , foram nomeados
pela assembléia nacional primeiramente
7 5 d o s 3 0 0
senadores
para cargo vital ício, o s quais dever iam, depois , s e r comple -
mentados
p o r
cooptação, enquanto,
d e
resto,
a
maioria
d o
senado
resultava d a s eleições. M a s u m a norma const i tucional de 9 de
dezembro de 1884 afastou essas restrições d o princípio democrático
d a eleição. Porém, o s membros nomeados vitaliciamente perma-
nece ram e m s u a pos ição inamovíve l , s ó q u e , n o caso de sua
ausência,
n ã o
foram complementados novamente.
O
último desses
senadores inamovíveis morreu h á apenas alguns anos.
1 2
Para
a
França,
cf . a
observação sumamente acertada
d e
LEROY,
Máxime. Les transformations de la puissance publique. Paris,
1907 , p . 97 : o s
tr ibunais franceses ocuparam
e m 1 8 2 9 o
lugar
vago d o
Sénat conservateur
para a Alemanha , o muitas vezes
citado parecer d e R . Gneist, e m especial também o local informado
logo atrás
e m
nota anterior.
TERCEIRA PARTE - O PRESIDENTE D O REICH COMO GUARDIÃO.. . •
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 245/252
2 2 8
O G U A R D I Ã O D A C O N S T I T U I Ç Ã O
lamento, isso significa
u m a
grave mudança funcional
d a
inde-
pendência judicial. Também aqui caiu
a
antiga separação entre
Estado e sociedade e não se pode simplesmente transferir as
fórmulas e o s argumentos d o século X I X à situação política e
socialmente totalmente transformada d o século X X . A neces-
sidade
d e
instituições estáticas
e de um
contrapeso para
o par -
lamento é hoje n a Alemanha u m problema d e características
b e m diferentes d o controle d o monarca naquele tempo. Isso é
válido tanto para
o
direito judicial
d e
exame, geral
e
difuso,
quanto para o controle concentrado e m u m a única instância. A
partir da concentração d e todos os conflitos constitucionais e m
u m
único tribunal composto
p o r
funcionários
d e
carreira
inamovíveis e , nessa base, independente, seria criada u m a s e -
gunda câmara, cujos membros seriam funcionários d e carreira.
Nenhuma estrutura judicial poderia ocultar o fato de qu e se trata-
ria, em tal
tribunal
d o
Estado
ou
constitucional,
d e u m a
instân-
cia de alta política dotada d e poderes legislativos constitucio-
nais. D o ponto d e vista democrático, seria praticamente
impossível transferir tais funções
a u m a
aristocracia
da
toga.
TERCEIRA PARTE
- O
PRESIDENTE
D O
REICH COMO GUARDIÃO.
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 246/252
o
O
e m b a s a m e n t o
p
d e m o c r á t i c o d a ^
p o s i ç ã o d o < ;
P r e s i d e n t e d o R e i c h C J
A independência d o s juízes não tem, no Estado atual, d e
form a alguma
o
objetivo
d e
criar
u m
titular
d a
correta volição
política, m a s d e delimitar e garantir u m a esfera da justiça vin-
culada à lei dentro de um se r estatal ordenado. Outros tipos d e
independência
tê m
outras funções, entre elas, como mostrado
anteriormente, também precisamente
a d e
possibilitar
u m a fo r -
te volição política, independente d o s métodos d o Estado parti-
dário pluralista, métodos estes d e dissolução d o Estado. Isso,
freqüentemente, não é levado e m conta e m virtude d a confusão
entre neutralização, despolitização partidária
e
despolitização,
1
m a s s e
distingue
d e
imediato quando
é
observado
que às
diver-
sa s independências correspondem diversas inamovibilidades
mesmo se nem sempre sistematicamente refletidas e realiza-
d a s , imunidades e -
para
o que ,
porém, parece existir
na
Alema-
1
Especialmente, o tratado d e W1TTMAYER, L .
Reichsverfassung
und Politik Tiibingen,
1 9 2 3
( "Recht
u n d
Staat" , caderno
2 4 )
s o f r e c o m a i n f e l i z e q u i p a r a ç ã o e n t r e " d e s p o l i t i z a ç ã o " e
" des po l i t i z ação pa r t i dá r i a " ; s ob re e s s a equ ipa ração , vide
an t e r i o rmen te n o presente l ivro . Também é u m erro quando
W i t t m a y e r
c r ê q u e
" a n c o r a m e n t o s "
n a
Cons t i tu ição se r iam
"despoli t izações", eles podem conduzir justamente
a u m
novo
t i po d e a ç ã o p o l f t i c o - p a r t i d á r i a ; a r e s p e i t o , P O P I T Z , J .
Verfassungsrecht und Steuervereinheitlichungs^exetz Deutsche
Juris ten-Zeitung, 1 9 2 9 , p . 2 0 . Política e política partidária n ã o
s ã o a mesma coisa.
TERCEIRA PARTE
- O
PRBSIDF.NTR
D O
REICH COMO GUARDIÃO.
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 247/252
O G U A R D I Ã O D A C O N S T I T U I Ç Ã O
n h a
pouca compreensão
e
inclinação
—
incompatibilidades.
2
Sobretudo,
e m
todo caso,
o
direito público alemão conhece
u m a
incompatibilidade da posição d o presidente d o Reich com a de
u m deputado d o parlamento (artigo 44) . Seu sentido político
reside no fato de que , aqui, a autonomia d o sistema plebiscitário
introduzido pela Constituição se manifesta perante o parlamen-
tar. E la
alude
a u m a
independência político-partidária,
m as não
apolítica.
3
E m
contrapartida,
a
incompatibilidade introduzida para
os membros d o tribunal d e contas (artigo 118 do código orça-
mentário
d o
Reich)
tem o
sentido
d e u m a
despolitização.
E m
outros casos
d e
incompatibilidades
j á
tratados deve
ser
alcan-
çado u m afastamento d a máquina político-partidária, assim o é
no banco e n a companhia ferroviária d o Reich. Enquanto e m
outras democracias ainda existe, d e maneira muito natural, u m a
série
d e
incompatibilidades
d e
funcionários públicos,
n a A l e -
manha
são
pouco conhecidas.
N o
entanto, merece menção
o
fato de que , recentemente, fo i proposta, p o r u m lado conceitua-
do , um a
incompatibilidade parlamentar geral para funcionár ios
públicos judiciais.
4
Evidentemente, para membros de um tribu-
2
Trata-se,
a í ,
principalmente,
d e
incompatibilidades parlamentares,
mencionadas p o r WEBER, Werner. Arch. d . õ f f . Rechts, N. F . ,
v o l . 19,1930, p . 161-254.
J
Mui to
b o m é o
escrito
d e
W E B E R ,
W .
Op. cit.,
p . 2 0 5 ,
nota
116:
N a Alemanha , pode a t é s e r q u e a idéia d a d i fe renc iação d o s
poderes e a tendência p o r neutralidade se equilibrem mutuamente
para justificar
a
incompatibilidade presidencial, contudo, ambas
n ã o s e
de f ron tam i so ladamente ,
m a s s e
c o m p l e m e n t a m
e se
condic ionam rec iprocamente ."
4
SCH IFF ER, Eugen.
Entwurf eines Gesetzes zu r Neuordnung des
deutschen Rechiswesens 1928 , p . 1
(artigo
16) :
"Juízes
n ã o s ã o
elegíveis, n e m para o parlamento d o Reich, n e m para o parlamento
estadual. Eles n ã o podem se r membros d e organização política e
n ã o
p o d e m
s e r
po l i t i camente a t ivos
d e
modo pub l i camente
pe rcep t íve l . " A i sso s e ac rescen ta a f u n d a m e n t a ç ã o na p . 29
sobre a re t i rada d a função jud ic i a l d a pol í t ica . C f . , ademais ,
KÕTTGEN,
A .
Das
deutsche Berufsbeamtentumunddieparlamen-
tarische Demokratie Berlin, 1 9 2 8 , p . 105-106 e Handbuch des
Deutschen Staatsrechts vol . I I , p .
17/18. Bibliografia adicional
c m W E B E R , W .
Op. cit.,
p . 208/209.
TRRCtlRA PARTE - O PRESIDENTE D O REICH COMO GUARDIÃO..
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 248/252
O E M B A S A M E NT O D E M O C R Á T I C O D A P O S I Ç Ã O D O P R E S I D E N T E ,
1
n a l
constitucional estão dispostas
as
mais rígidas incompatibili-
dades mesmo onde, d e resto, o sentido por claras separações é
pouco desenvolvido.
5
N o s
diversos casos
d e
"independência", portanto, tem-se
q u e observar e m primeiro lugar se a independência deve c o n -
ceder, somente defensiva e negativamente, u m a proteção
con-
tra
a volição política ou se, ao contrário, é garantida u m a
par-
ticipação positiva autônoma n a determinação o u influência
d a
volição política.
A
independência judicial
é
tão-somente
o
outro lado
da
vinculação judicia l
à lei e,
nesse ponto, apol ítica/
M a s , d e
resto,
é d e
grande importância
q u e
tanto
a
indepen-
dência d o funcionário d e carreira quanto a independência d o
deputado parlamentar e , por f im, também a posição d o chefe
d e
Estado, protegida
p o r u m a
difícil revocabilidade
e por pri -
5
Artigo 4
o
, § 2
o
, da Le i do Reich de 9 de abril d e 1 9 2 1 sobre o
tribunal
d o
Estado, Diário oficial do Reich: "Elegíveis
s ã o
alemães
q u e comple ta ram os 30 anos d e vida. Membros d o governo d o
Reich,
d o
parlamento
d o
Reich,
d o
conselho
d o
Reich,
d o
conselho
econômico d o Reich, d e u m governo estadual, d e u m parlamento
estadual
o u d e u m
conselho estadual
n ã o
p o d e m
s e r
adjuntos."
Além disso, o artigo 6 1 d a Const i tuição d o Es tado d e Baden,
artigo 6 7 d a Consti tuição d o Estado d e Mecklenburg-Schwerin,
L e i t checo-es lovaca de 9 de março d e 1 9 2 1 sobre o tr ibunal
constitucional, artigo I
o
, § 6
o
: "Membros d o tribunal constitucional,
assim como substitutos,
s ó
podem
s e r
pessoas juristas, elegíveis
para o senado, q u e n ã o se jam membros d e u m a d a s ci tadas
corporações legislativas" (EPSTEIN,
p . 21 ) ;
art igo
147, § 4
o
, da
norma constitucional federal austríaca n o texto de 7 de dezembro
d e 1 9 2 9 (Diário oficial federal, 1929 , p . 1323). D e man eira diferente,
o
artigo
7 0 d a
Constituição
d a
Baviera
e
artigo
2
o
, n. 3, da lei de
11 de j unho de 1920.
6
E m minha opinião vai-se longe demais, apesar disso, quando
SMEND. Rudolf . Verfassungsrecht
p .
69-70,
d i z q u e a
atividade
d o juiz serviria, diferentemente d a atividade d e outras repartições
públicas estatais, n ã o à integração d a comunidade jurídica política,
m a s ,
pr imeiramente ,
à
integração
d e u m a
comunidade jurídica
espec ia l . I s so t ambém poder ia , ce r tamente , conduz i r a u m a
dissolução pluralista
d o
Estado.
O s
muitos ramos
e
áreas especiais
d o direito material, a o s quais correspondem, novamente, inúmeras
jurisdições d e exceção, representariam então, igualmente, muitas
comunidades .
TERCEIRA PARTI:
- O
PRESIDENTE
D O
REICH COMO (JUARDIÁO.
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 249/252
2 3 2
0 _ G U ^ D I ^
=
0 A
s
£0NSTITU ^^
vilégios especiais, estejam estritamente ligadas c o m a idéia d o
todo da unidade
política.
A
Constituição
d e
Weimar
diz : O s
funcionários públicos
são
servidores
da totalidade
,
não de um
partido" (artigo
130) . O s
deputados
s ão
representantes
d e todo
o
povo" (artigo
21) . O
presidente
d o
parlamento
d o
Reich
é
eleito pela
totalidade
d o povo alemão" (artigo 41) e represen-
ta o Reich alemão n o exterior (artigo 45) . A referência à_tota-
lidade da unidade política sempre contém u m a oposição aos
agrupamentos pluralistas
da
vida social
e
econômica
e
deve
provocar
u m a
superioridade sobre semelhantes agrupamentos.
Quando isso
não f o r o
caso,
a
adoção superficial
d e
tais formas
constitucionais atua
ou
como
vã
ficção
ou
expressa apenas
a
objetividade d o parecerista imparcial, assim o é para o s m e m -
bros d o conselho econômico provisório d o Reich, para o s quais
o
artigo
5
o
d o
decreto
de 4 de
maio
de 1920
determina igual-
mente
qu e
esses membros
sã o
"representantes
d o s
interesses
econômicos
d e
todo
o
povo".
7
É só em uma relação de comparação entre tais determina-
ções que se distingue a posição q u e compete ao presidente d o
Reich
d e
acordo
c o m a
Constituição
d e
Weimar.
O
presidente
d o
Reich encontra-se
n o
centro
d e
todo
u m
sistema
d e
neutra-
lidade e independência político-partidárias, construído sobre u m a
base plebiscitária. O ordenamento estatal d o atual Reich ale-
m ã o depende dele na mesma medida em que a s tendências d o
sistema pluralista dificultam, o u a té mesmo impossibilitam, u m
funcionamento normal d o Estado legiferante. Antes que se ins-
titua, então, para questões
e
conflitos relativos
à
alta política,
7
Contrariamente
a
GLUM,
F .
Der
deutsche
und der
franzõsische
Reichswirtschafisrat
B e i t r a g e
z u m
õ f f e n ü i c h e n R e c h t
u n d
Voikerrecht . caderno 12, p . 25-26, Berlin, 1 9 2 6 , n ã o vejo aqui
n e n h u m c a so d e a u t ê n t i c a r e p r e se n t a ç ã o e n ã o c o n s i d e r o
interesses econômicos "representáveis"
n o
sent ido específ ico
d a
palavra.
Vide
também nota feita anteriormente
n o
presente
livro. Sobre o conselho econômico d o Reich conto órgão pare-
cerista e consultor (contrariamente a u m parlamento econômico),
H A U B O L D ,
W .
Dia
Stellung
des
Reichswirtschaftsrates
in der
Organisation des Reiches
Tese
d a
Escola Superior
d e
Comércio
d e Berlin, 1931 .
TERCEIRA PARTE - O PRESIDENTE D O REICH COMO GUARDIÃO.
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 250/252
O
E M B A S AM E N T O D E M O C R Á T I C O
D A
P O S I Ç Ã O
D O
P R E S I D E N T E .
2 2 2
u m
tribunal como guardião
d a
Constituição
e , po r
meio
d e
tais
politizações, se onere e coloque e m risco a justiça, dever-se-ia,
primeiramente, lembrar desse conteúdo positivo
d a
Constitui-
ção de
Weimar
e de seu
sistema constitucional. Consoante
o
presente conteúdo
d a
Constituição
d e
Weimar,
j á
existe
u m
guardião
d a
Constituição,
a
saber,
o
Presidente
d o
Reich.
Tan-
to o
elemento relativamente estático
e
permanente (eleição
por
7 anos, difícil revocabilidade, independência d e maiorias parla-
mentares alternantes), quanto
o
tipo
d e
seus poderes
(a s com-
petências segundo o s artigos 45 e 46 da Constituição, dissolu-
ç ã o d o parlamento d o Reich segundo o artigo 25 e instituição
d e
plebiscito segundo
o
artigo
7 3 d a
Constituição, assinatura
e
promulgação
d e
leis segundo
o
artigo
7 0 ,
execução pelo Reich
e proteção d a Constituição segundo o artigo 48) têm o objetivo
d e
criar
u m
órgão político-partidariamente neutro devido
a sua
relação direta
c o m a
totalidade estatal,
o
qual, como
tal, é o
defensor e guardião d a situação constitucional e d o funciona-
mento constitucional d a s supremas instâncias jurídicas e , em
caso
d e
necessidade, está dotado
d e
poderes eficientes para
u m a proteção efetiva d a Constituição. É expressamente deter-
minado pelo artigo
4 2 q u e p o r
meio
de seu
juramento
o
Presi-
dente
d o
Reich "defenderá
a
Constituição".
O
juramento polí-
tico sobre a Constituição fa z parte, segundo a tradição d o direito
constitucional alemão,
d a
"garantia
da
Constituição"
e o
texto
escrito
d o
regulamento constitucional vigente qualifica
o
Presi-
dente d o Reich, d e forma nítida o suficiente, d e guardião d a
Constituição. N ã o se pode ignorar essa autêntica palavra cons-
titucional,
n ã o
importando com o
se
avalia,
d e
resto,
o
significa-
d o d o
juramento político.
O fato d e o presidente d o Reich ser o guardião d a Consti-
tuição corresponde, porém, apenas também
a o
princípio demo-
crático, sobre
o
qual
se
baseia
a
Constituição
d e
Weimar.
O
presidente d o Reich é eleito pela totalidade d o povo alemão e
seus poderes políticos perante
as
instâncias legislativas (espe-
cialmente dissolução d o parlamento d o Reich e instituição de
u m plebiscito) s ã o , pela natureza d o s fatos, apenas u m "apelo
a o
povo".
P o r
tomar
o
presidente
d o
Reich
o
centro
de um
TERCEIRA PARI £ - O PRESIDENTE D O REICH COMO GUARDIÃO.
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 251/252
0
=
G U A R D £ 0 ^
t
^ 0 N S m U I £ Ã 0
sistema
d e
instituições
e
poderes plebiscitários, assim como
político-partidariamente neutro, a vigente Constituição d o Reich
procura formar, justamente a partir d o s princípios democráti-
cos , um
contrapeso para
o
pluralismo
d o s
grupos sociais
e e c o -
nômicos
d e
poder
e
defender
a
unidade
d o
povo como
u m a
totalidade política. Talvez se possa duvidar de que , co m o t em-
po , será possível privar a posição do presidente d o Reich d o
funcionamento político-partidário
e
mantê-la
e m u m a
objetivi-
dade
e
neutralidade imparciais, determinadas
a
partir
d a
totali-
dade estatal. Talvez se possa temer que o destino d o chefe d e
Estado n a Europa republicana seguirá o destino d o monarca e
que o
destino
d o
presidente plebiscitário
do
Reich seguirá
o
destino
de até
então
d o
plebiscito sobre
o
referendo, plebiscito
este que f o i também reduzido à inatividade. E m todo caso, a
Constituição d e Weimar empreende s u a tentativa d e maneira
muito consciente, mais precisamente
c o m
meios especifica-
mente democráticos.
E la
pressupõe todo
o.
po.vo.alemão como
u m a
unidade capaz
d e
ação direta, nSo_me.díada
só. p o r
organi-
zações sociais e m grupos, q u e pode expressar s u a vontade sua
vontade e que , no momento, da decisão, despreza as divisões
pluralistas, possa
se
exprimir
e
se-fazetrespeitar..A Constitui-
çã.o busca, e m especial, d_ar à autoridade do.presidente.do Reich
a possibilidade de se unir diretamente a essa vontade política
da totalidade do povo alemão e agir, p o r meio disso, como
guardião
e
defensor
d a
unidade
e
totalidade constitucionais
d o
povo alemão.
A
esperança
d e
sucesso
de tal
tentativa
é a
base
sobre a qual se fundam a existência e a continuidade d o atual
Estado alemão.
Impresso
e m
outubro
d e
2006
•« TERCE IRA PARTE - O PRESiDENfF. D O REICH COMO GUARDIÃO.
8/11/2019 SCHMITT, Carl. O guardião da constituição.pdf
http://slidepdf.com/reader/full/schmitt-carl-o-guardiao-da-constituicaopdf 252/252
D i r e i t o P e n a l L i b e r t á r i o
\X 'mh ' i cd Hassemcr
T e o r i a d a C o n s t i t u i ç ã o
H a n k M i c h c l m a n
A
g r a m á t i c a
d a
C o n s t i t u i ç ã o
e d o
D i r e i t o