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Revista de Direito Tributário de Graduandos e Pós-Graduandos da Faculdade de Direito do Largo São Francisco - USP

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Page 1: Revista Tributaristas - USP
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2 REVISTA TRIBUTARISTAS

É com grande júbilo que apresentamos à comunidade acadêmica a segunda edição da revista tributaristas (rt).a escolha do ilustre jurista ives gandra da silva martins como entrevistado desse volume retrata a missão da rt de conciliar o tradicional e o moderno.

oriundo das carteiras do largo são Francisco, ives gandra simboliza a tradição desta casa em formar personagens de destaque no cená-rio político e jurídico do brasil. com mais de 50 anos de advocacia e dezenas de livros publicados, sua incessante atividade intelectual impõe-lhe o constante enfrentamento dos problemas mais atuais de nosso tempo, vide sua ativa participação na ap 470.de outro turno, demonstrando a preocupação da rt em abordar questões contemporâneas, chegaram-nos dois artigos que tratam do princípio da vedação ao confisco, em perfeita sintonia com a afirmação do professor emérito do mackenzie de que um dos temas mais relevantes hoje em matéria tributária são as limitações constitucionais ao poder de tributar.de igual modo, ainda, tanto o texto que aborda os impactos dos royal-ties e direitos de licença sobre a valoração aduaneira quanto aquele que trata da penhora de “direitos econômicos” para honrar as dívidas tributárias dos clubes de futebol brasileiros discorrem sobre assuntos indubitavelmente pertinentes ao tempo presente.cientes de que o conhecimento contribui para a elevação do espírito, desejamos a todos uma prazerosa leitura.

Editorial

conselHo editorial

conselHo docente

Heleno taveira torrespaulo ayres barreto

regis Fernandes de oliveira

conselHo discente

aristóteles moreira Filhothyago pereira trairi

articulistas desta ediÇÃo

aristóteles moreira Filhoarthur Felipe silva sian

Felipe de andrade Krauszrafael ephraim dzik

roberto de palma barracco

entreVistadores desta ediÇÃothyago pereira trairi

aristóteles moreira Filho

diagramaÇÃo e projeto grÁFico

gabriel de castro Hirabahasi

Fale [email protected]__________________________

a revista tributaristas é uma pu-blicação independente de graduandos e pós-graduandos da Faculdade de direito do largo são Francisco.as opiniões expressas nos artigos são as de seus autores e não neces-sariamente as da revista tributarista nem das instituições em que atuam. É proibida a reprodução ou transmis-são de textos desta publicação sem autorização prévia.

exp

ed

ien

te

Heleno taveira torresprofessor associado do departamento de direito econômico, Financeiro e tributário da Faculdade de direito do largo são Francisco - usp

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REVISTA TRIBUTARISTAS 3

Entrevista com o dr. Ives Gandra, um dos maiores juristas do país, sobre a necessida-de de uma reforma tributária (p. 18)

4 / os royalties e os direitos de licenÇa na ValoraÇÃo aduaneira

por Felipe de andrade Krausz

6 / penHora de “direitos econômi-cos”: a soluÇÃo para a díVida tributÁria dos times brasileiros?

por roberto de palma barracco

11 / o rei estÁ nu: a FalÊncia do modelo ocde, o beps e o retorno à territorialidade

por aristóteles moreira Filho

29 / multas x conFisco - um dile-ma a ser resolVido

por rafael ephraim dzik

32 / a obserVÂncia indissociÁVel da capacidade contributiVa e do eFeito conFiscatÓrio

por arthur Felipe silva sian

Índice

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Opinião

4 REVISTA TRIBUTARISTAS

Os royalties e os direitos de licença na valoração aduaneira

a ValoraÇÃo aduaneira É processo de importância ímpar na determinação dos valores dos tributos incidentes na importa-ção devidos pelo importador, pois é ela que

determina a base de cálculo do imposto de importação em relação ao valor da mercadoria importada.

a valoração aduaneira compreende os procedimentos relativos à declaração pelo importador do valor aduaneiro das mercadorias importadas e do seu respectivo controle pela receita Federal do brasil, uma vez que toda mer-cadoria submetida ao despacho de importação está su-jeita ao controle do seu correspondente valor aduaneiro.

exatamente em reconhecimento ao impacto que a valoração aduaneira possui no fluxo do comércio inter-nacional, e à importância que um sistema estruturado de modo a restringir o uso de valores aduaneiros ar-bitrários ou fictícios pelas autoridades aduaneiras pelo mundo que o acordo de Valoração aduaneira (“aVa”) foi estabelecido. no brasil, a instrução normativa srF nº 327, de 9 de maio de 2003, e o decreto nº 6.759, de 5 de fevereiro de 2009, o regulamento aduaneiro, são instrumentos legislativos que auxiliam na aplicação do aVa, promulgado em sua atual versão pelo decreto n º 1.355, de 30 de dezembro de 1994.

os dispositivos legais presentes no aVa possuem clara orientação para que as autoridades aduaneiras utilizem como fundamento para a valoração aduaneira de mercadorias, na medida do possível, o valor de transação das importações. o valor de transação das mercadorias importadas representa, portanto, o método de valoração aduaneira prioritário, que deve ser insti-tuído baseado na aferição do preço efetivamente pago ou a pagar pelas mercadorias em uma venda e que resultará no valor aduaneiro destas importações.

o método de valor de transação compreende certas limitações impostas pelos diversos requisitos do artigo 1 do aVa quanto às restrições à cessão ou à utilização das mercadorias pelo importador, o condicionamento sem valor determinável da venda, beneficiamento do exportador e

vinculação entre as partes envolvidas na transação. estas limitações são relevantes pois o aVa, em seus artigos 2 a 7, estabelece os métodos para determinação do valor aduaneiro quando não for possível a utilização do valor de transação ou quando este não puder ser determinado de acordo com as disposições do próprio artigo 1.

em relação ao valor da transação, não obstante sua apuração como preço efetivamente pago ou a pagar, é necessário adicionar determinados valores dispostos no artigo 8 do aVa. estes valores compreendem certos elementos e prestações que devem ser incluídas no va-lor de transação compondo o valor aduaneiro declarado pelo importador. É neste contexto que os royalties e di-reitos de licença pagos pelo importador estão inseridos.

o aVa estabelece que os royalties e os direitos de licença deverão ser acrescentados ao preço efetivamente pago ou a pagar pela mercadoria importada na deter-minação do seu valor aduaneiro, constante do processo de aferição do respectivo valor de transação quando es-tiverem relacionados à mercadoria objeto de valoração e que o comprador os deva pagar, direta ou indiretamente, como condição de venda dessa mercadoria, e de tal forma que tais valores já não estejam incluídos no preço efetivamente pago ou a pagar pelo importador.

esta disposição tem um impacto relevante para mui-tas empresas no brasil, que atuam dentro de cadeias produtivas internacionais, e para diversas multinacionais que estão aqui instaladas, uma vez que o pagamento de royalties e direitos de licença é elemento comum na estruturação destas operações. desta forma, como se pode interpretar os dispositivos presentes no aVa de forma a identificar os elementos que impõe a adição de royalties e direitos de licença ao valor aduaneiro?

de modo a auxiliar a interpretação do aVa, os atos emanados do comitê de Valoração aduaneira e do comitê técnico de Valoração aduaneira, incorpo-rados ao ordenamento brasileiro através da instrução normativa srF nº 318, de 4 de abril de 2003 são parcialmente esclarecedores. a análise atenta do

por Felipe de Andrade Krausz

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Opinião

REVISTA TRIBUTARISTAS 5

artigo 8 do aVa e a leitura das opiniões consultivas possibilita identificar os elementos que caracterizam a necessidade de adição destes valores ao valor aduaneiro pelo importador (e que são pontos utili-zados pela autoridade aduaneira para controle dos valores reportados pelo importador).

primeiramente, faz-se mister apreender como royalties e direitos de licença estão instituídos no aVa. neste aspecto, as notas explicativas do aVa dispõem que os royalties e direitos de licença compreendem de modo não exclusivo os pagamentos relativos á patentes, mar-cas registradas e direitos de autor. dessa forma, devido à ausência de definição específica pelo aVa, verifica-se um entendimento bastante extensivo sobre o conceito de royalties e direitos de licença pelas autoridades aduanei-ras em relação aos pagamentos efetuados pelos importa-dores, em que pese a existência de outros instrumentos legais, como o trips e de leis específicas nacionais.

entretanto, qualquer análise das adições ao valor de transação pressupõe que os valores pagos a titulo de royalties e os direitos de licença, assim conside-rados de modo compreensivo, não estejam incluídos a priori no preço efetivamente pago ou a pagar. a sua adição ao valor de transação pelo próprio importador anteriormente ao processo de valoração aduaneira no despacho de importação afasta sua inclusão pois im-plicaria em aumento injustificado do valor aduaneiro.

assim, as premissas elementares das adições pre-vistas no artigo 8 do aVa designam pagamentos com-preendidos como royalties e os direitos de licença que não tenham sido voluntariamente adicionados ao valor aduaneiro declarado pelo importador.configuradas as premissas elementares, a análise efetiva destas adições estrutura-se em duas condições concomitantes.

condiciona-se primeiramente a adição destes va-lores ao valor aduaneiro pela identificação de rela-cionamento ou nexo entre os royalties e os direitos de licença pagos e a mercadoria objeto de valoração aduaneira. esta ligação ocorre no momento em que os pagamentos efetuados ou estruturados refletem associação ou conexão entre o importador e o ex-portador ou outro terceiro com influência na operação

ou quando intangíveis que possuem conexão com as importações estão inseridos nos bens importados.

a segunda condição é a caracterização de que os pagamentos de royalties e os direitos de licença são condição de venda, ou seja, condicionam a venda das mercadorias ao seu pagamento. resta acentuado o caráter empírico que a análise desta condição está reduzida, haja vista que a cada estrutura operacional corresponde um específico arranjo contratual e obri-gacional que condiciona a venda e o pagamento de royalties e direitos de licença em determinada medida.

dessa forma, são as qualidades das operações que indicam a caracterização das condições aqui apresenta-das. os termos contratuais adquirem especial importância neste sentido, uma vez que a estrutura jurídica pode cla-ramente apontar para o nexo relacional entre os royalties e direitos de licença e as importações, como nas vendas entre empresas do mesmo grupo econômico ou com claro controle econômico, operacional e contábil das transa-ções. as disposições sobre como os royalties e direitos de licença devem ser calculados e pagos em relação às quantidades importadas, produzidas com os insumos im-portados e vendidas pelo importador, expressam uma evi-dente condição de venda em relação a tais importações.

assim, como fica evidente, tais condições são parti-cularmente complexas pois incorporam termos cuja de-finição obscura impede a precisa delimitação da apli-cação ou não das adições previstas no artigo 8 do aVa. resta aos importadores, principais interessados na correta condução da valoração aduaneira, orientarem suas estruturas para inclusão voluntária dos royalties e direitos de licença ao valor aduaneiro declarado no pro-cesso de desembaraço de importação ou organizarem suas operações de modo a descaracterizar as condições de aplicação destas adições na valoração aduaneira.

Felipe de AndrAde KrAuszadvogado especialista em comércio internacional e direito aduaneiro, graduado pela universidade de são paulo e mestrando em comércio internacional na universidade de são paulo

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penhora de “direitos econômicos”: a solução para a dívida tributária dos times brasileiros?

Sport Business: da dívida tributária ao fun-ding desportivo

o desporto em tempos atuais deixou de ser apenas hobby, passando a ser negócio, e um dos mais lucra-tivos2. não apenas o futebol, mas todo esporte, seja aquele praticado por profissionais, ou, mesmo, aquele resultante da relação cliente e academia, visa o lucro, e, assim, necessita de capital.

tal lógica, presente no dia a dia dos clubes de futebol ao redor do mundo, leva a um aparente pa-radoxo, pois ao mesmo tempo em que é necessária a convivência de equipes que rivalizam entre si, seja por jogadores, torcedores, lucro, tal competição se torna cada vez mais complexa e global3, dificultando, até mesmo, a possibilidade de se entrever com quem se compete e a que nível se dá a concorrência pelo chamado “mercado da bola”4.

É nesse cenário, influenciado por diversos fatores,

entre os quais ressalta-se a importância do “caso bosman” ou “acórdão bosman” que resultou no atual sistema de transferência, e de regime contratual, de atletas de futebol em todo o mundo, que se vê um boom, para alguns até mesmo uma bolha, nos valores com os quais clubes de futebol se deparam cotidiana-mente. como exemplo, em 2013, gareth bale, então jogador do clube inglês totteham Hotspur Football club da inglaterra, se transferiu, ou foi vendido, para o clu-be espanhol real madrid club de Fútbol por cerca de 100 milhões de euros. sendo que, um ano antes, o campeonato brasileiro já registrava resultado, recorde, de mais de 105 milhões de euros apenas em trans-ferências de atletas entre clubes da primeira divisão nacional, mesmo com gastos próximo aos 110 milhões de euros na dita “compra” de jogadores por clubes da primeira divisão brasileira5.

o montante necessário para competir em alto nível, não apenas entre os copartícipes de nosso campeonato

por Roberto de Palma Barracco

1 para o presente artigo, toma-se por base barracco, roberto de palma. o atleta após o fim de seu “passe”: da proteção ao clube formador aos “direitos econômicos”. trabalho de conclusão de curso apresentado na Faculdade de direito da universidade são paulo, com orientação do professor antonio ro-drigues de Freitas júnior.2 gurgel, anderson. Futebol s/a: a economia em campo. são paulo: saraiva, 2.006.

3 soriano, Ferran. a bola não entra por acaso: estratégias inovadoras de gestão inspirada no mundo do futebol. são paulo: editora lafonte, 2010.4 amado, joão leal. Vinculação versus liberdade, o processo de constitui-ção e extinção da relação laboral do praticante desportivo. coimbra: coimbra editora, 2.002.5 para maiores informações, http://www.transfermarkt.com/. último acesso em 07 de novembro de 2013

resumo: as agremiações desportivas responsáveis pelo desporto profissional no brasil se encontram em um cenário de endividamento tributário sem parâmetros pela escalada desenfreada dos valores necessários para que se mantenha uma equipe competitiva. com isso, a procuradoria da Fazenda nacional procura novas soluções para a crise de inadimplência dos clubes brasileiros, em especial os de futebol, sendo a penhora dos “direitos econômicos” a via atualmente escolhida, com a anuência do poder judiciário. busca-se por meio do presente artigo apresentar tal questão, deixando como reflexão se essa solução é compatível com o problema crônico de saúde financeira dos clubes brasileiros1.

palavras chave: “direitos econômicos”, penhora, procuradoria da Fazenda nacional, endividamento tributário.

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Opinião

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nacional, mas, também, com clubes “de fora”, não advém somente do futebol, como é provido, da mes-ma maneira, por investidores, interessados no negócio lucrativo que é o desporto profissional em nosso país – mesmo que lucrativo apenas para poucos.

desde antes da “lei pelé”, as equipes brasileiras já se endividavam para montar equipes competitivas. contudo, a escalada nos valores necessários para se manter uma boa equipe a nível nacional se tornou patente logo após sua promulgação, e o contexto

gerado pela posterior modificação em seu texto legal pela alcunhada “lei maguito”, verdadeira “carta de despejo” dos parceiros investidores de clubes brasilei-ros como a palmeiras-parmalat e corinthians-HmtF, levou a um aumento exponencial da dívida tributária das equipes brasileiras, que se viam entre a esco-lha de pagar seus atletas e contratar jogadores para manter seus torcedores contentes, ou honrar suas dívidas com o governo. tal caos financeiro levou, em 2011, à situação descrita acima6.

6 tabela preparada pela bdo rcs, filial brasileira da empresa de consultoria e auditoria bdo. disponível em: http://globoesporte.globo.com/platb/olharcron-icoesportivo/2013/06/24/o-endividamento-dos-principais-clubes-brasileiros/,

último acesso em 10 de setembro de 2.013. e http://www.estadao.com.br/noticias/esportes,dividas-dos-principais-clubes-brasileiros-chegam-a-r-47-bil-hoes,1037299,0.htm, último acesso em 10 de setembro de 2013.

rK 2012 Clubes uFendividamento total em

2012endividamento total em

2011 Variação 2011-12

1234567891011121314151617181920212223

FlamengobotafogoFluminenseatlético-mgVasco da gamapalmeirasinternacionalsão paulosantosgrêmiocorinthianscruzeiroponte pretaportuguesacoritibagoiásnáuticobahiaavaíFigueirenseVitóriacriciúmaatlético-pr

rjrjrjmgrjsprsspsprsspmgspspprgopebascscbascpr

741,7613,8434,9414,5410,0287,2214,0199,7194,4187,2177,1143,0138,0135,4122,880,966,261,240,235,615,610,4

-

355,5563,9404,8367,6395,6245,3197,4158,5207,7198,9178,5120,3105,0138,3111,079,963,758,435,227,010,46,74,1

109%9%7%

13%4%

17%8%

26%-6%-6%-1%19%31%-2%11%1%4%5%

14%32%49%55%

endividamento Totalem r$ milhões

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Opinião

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assim, mesmo com a receita recorde em nosso cam-peonato nacional, tem-se o seguinte cenário, pandêmico, da saúde financeira das equipes brasileiras em 20117:

reitos econômicos” e “direitos federativos” referen-tes a um atleta. tal questão se deu, pois ambos surgiram dos usos e costumes do desporto, não só nacional, como mundial. assim, para que se avance

7 tabela formada com base no estudo sobre a evolução das finanças dos clubes brasileiros de 2.003 a 2.012, realizado por amir somoggi. disponível em: http://www.ibdd.com.br/arquivos/amir%20somoggi.%20janeiro%20-%202013.pdf, último acesso em 10 de setembro de 2.013.8 Valor em reais.

9 Valor em reais. 10 Valor em reais.11 Valor em reais. apenas Vasco da gama, santos, corinthians e são paulo não apresentaram déficit na gestão operacional de 2.011.

Clubes receita8 Déficit de gestão11

corinthianssão paulointernacionalsantosFlamengopalmeirasgrêmioVasco da gamacruzeiroatlético-mg

290 milhões226 milhões198 milhões189 milhões185 milhões148 milhões143 milhões137 milhões129 milhões100 milhões

dívida9

178 milhões158 milhões197 milhões208 milhões355 milhões245 milhões199 milhões387 milhões120 milhões368 milhões

Custos com o futebol10

197 milhões168 milhões171 milhões161 milhões117 milhões124 milhões106 milhões83 milhões93 milhões

101 milhões

(+) 50(-) 25(+) 7(-) 12(-) 23(-) 21(+) 3(-) 13(-) 36

para tentar equilibrar a balança financeira, ou ao menos “fechar o caixa” ao final do ano, os clubes bra-sileiros se viram à procura de mecanismos de “funding desportivo”, seja por meio de empréstimos bancários com juros elevadíssimos, seja por meio de meca-nismos mais inventivos como as chamadas “cestas de jogadores”. entretanto, a maneira, por excelência, encontrada para manter o futebol brasileiro em nível, ao menos, adequado, foi a negociação dos chamados “direitos econômicos” derivados da transferência, futura e incerta, de atletas entre agremiações desportivas, um investimento de elevado risco que levou alguns a uma verdadeira “mina de ouro”.

“Direitos Federativos” e “Direitos Econômicos”

de início, houve confusão entre o conceito de “di-

no tema, deve-se distingui-los.no caso de atletas profissionais, os “direitos federa-

tivos” se aproximam do conceito de vinculo desportivo, sendo de natureza acessória ao vínculo trabalhista, pertencendo, única e exclusivamente, ao clube-empre-gador, sendo indivisíveis, contudo transmissíveis, desde que com a anuência do atleta.

enquanto “direitos econômicos” representam um va-lor, prima facie especulativo, referente a transferência onerosa de um atleta de seu atual empregador para outra agremiação desportiva. assim, pode-se afirmar que, para sua existência, é pressuposto que haja “di-reitos federativos”, embora sua quantificação, e repas-se, nada tenham a ver com esse conceito.

aliás, a valoração dos “direitos econômicos” não está sequer atrelada ao valor da cláusula indeniza-tória desportiva, sendo, assim, realizada de manei-ra puramente subjetiva. tais direitos são, inicialmente,

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pertencentes ao clube-empregador do atleta, podendo ser cedidos, geralmente de maneira onerosa, a tercei-ros-investidores, portanto são divisíveis e transmissíveis via instrumento particular que costuma ser intitulado de “contrato de cessão de direitos econômicos”, válido entre as partes signatárias.

Vale ressaltar que, embora exista e seja válido, tal cessão de “direitos econômicos” se torna eficaz apenas com a transferência, onerosa, do atleta de sua agre-miação desportiva de origem para outra. dessa forma, caso esta não se concretize, não haverá valor a ser repassado, perdendo sua utilidade ao fim do contrato de trabalho do atleta com sua equipe.

a cessão dos “direitos econômicos” realizada via instrumento particular é ferramenta financeira utilizada por clubes para que se consiga captar recursos que de outra maneira não conseguiriam, e, com isso, atual-mente, são de grande valia para que os clubes brasi-leiros tenham capital de giro suficiente para manter uma equipe competitiva e honrar o salário de seus atletas.

Penhor de “Direitos Econômicos” pela Fazenda Nacional

como visto acima, a dívida tributária das equipes bra-sileiras beira o “caos financeiro”, sendo, inclusive, tida como “impagável” como visto em diversas reportagens veiculadas pela mídia brasileira. dessa maneira, a procuradoria da Fazenda nacional passou, em tempos recentes, a requerer a penhora de “direitos econô-micos de diversas equipes, como visto nos exemplos deste ano a seguir.

“caso dória”12: o botafogo de Futebol e rega-tas detinha 40% dos “direitos econômicos” de seu zagueiro, e jovem promissor, dória. em seu pla-nejamento financeiro deste ano, intencionava trans-

feri-lo onerosamente para uma equipe do exterior, lucrando, por sua parte, cerca de r$ 17 milhões. dessa forma, a procuradoria da Fazenda nacional conseguiu a penhora da parte que cabia ao botafo-go relativa aos “direitos econômicos”, assim o clube resolveu não transferir o atleta. Vale ressaltar que o mesmo já havia ocorrido em dois outros casos com a mesma equipe, nas vendas de andrezinho e Fellype gabriel, nos quais o botafogo se viu sem ambos os atletas, e sem o dinheiro referente à cessão destes.

“caso Wellington nem”13: o, então, atleta do Fluminense Football club negociava sua trans-ferência para o clube ucraniano shakhtar do-netsk, cabendo ao clube das laranjeiras o valor de r$15 milhões por sua negociação, referentes aos 60% dos “direitos econômicos” detidos pelo clube carioca. contudo, a procuradoria da Fazenda nacional requereu a penhora do valor que viria a ser recebido para abatimento de dívida de r$31 milhões.

“caso bernard”14: jogador que costuma ser lem-brado nas convocações da seleção canarinho foi negociado pelo atlético mineiro com o clube ucrania-no shakhtar donetsk por mais de r$ 75 milhões, recebendo cerca de r$ 33 milhões referentes aos “direitos econômicos” do atleta detidos pelo clube mineiro. contudo, para saldar parte da dívida tributá-ria de mais de r$ 200 milhões, a procuradoria da Fazenda conseguiu a penhora do valor, sendo, pos-teriormente, liberado por acordo com a agremiação desportiva devedora.

Conclusão

com a evolução do sport business em contraponto ao

12 para tanto, tomou-se por base a seguinte notícia: http://esporte.uol.com.br/futebol/ultimas-noticias/2013/07/17/fazenda-avisa-botafogo-de-penho-ra-dos-direitos-economicos-de-doria.htm, último acesso em 10 de setembro de 2.013.13 a seguir, toma-se por base a seguinte notícia: http://www.nopoder.com.br/noticias/justica-penhora-direitos-de-Wellington-nem-e-tenta-impedir-ven-

da-do-Flu,13352,7.html, último acesso em 10 de setembro de 2.013.14 toma-se como referência a seguinte notícia, http://esportes.terra.com.br/atletico-mg/dinheiro-da-venda-de-bernard-e-liberado-e-atletico-mg-rece-be-r-44-milhoes,b4af27e9cedb1410VgnVcm10000098cceb0arcrd.html, último acesso em 07 de novembro de 2.013. processo nº 0058503-75.2012.4.01.3800, 25ª Vara Federal/trF-1.

Déficit de gestão11

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tradicional desporto como lazer, a “ciranda financeira” na qual os clubes de futebol brasileiro se vêem passa a influenciar o jogo fora, também, das quatro linhas. o endividamento tributário das equipes brasileiras aumen-ta a cada ano, demonstrando um cenário no qual se põe em dúvida a capacidade de honrá-las, e, assim, a procuradoria da Fazenda nacional busca resolver a atual situação de inadimplência dos clubes brasileiros via penhora dos “direitos econômicos” de atletas liga-dos a essas agremiações desportivas.

já é evidente que o poder judiciário considera tais ativos como penhoráveis, e vê com “bons olhos” essa iniciativa, mas até que ponto essa solução encontrada pelo governo não é apenas uma tentativa de “tapar o sol com a peneira”? afinal, se a saúde financeira das equipes brasileiras não é adequada, de que adianta tirar desses mesmos clubes a sua principal fonte de recursos? tais perguntas apenas o tempo poderá res-ponder.

rOberTO de pAlmA bArrACCO

graduando em direito pela Fdusp – Faculdade de direito da universidade são paulo, membro do neti/usp, núcleo de estudos de tribunais internacionais, subgrupo tribunais administrativos e desportivos, junto à Faculdade de direito da universidade são paulo.

Referências Bibliográficas

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A crise do paradigma do direito interna-cional tributário baseado no consenso

quando se fala de tributação internacional, o foco do analista, seja na prática da advocacia ou consultoria tri-butária, seja na abordagem acadêmica, se centra tradi-cional e reiteradamente nos acordos internacionais contra a dupla tributação.

alçados à categoria de consenso internacional, senão propriamente um clichê da prática tributária internacional, os acordos contra a dupla tributação efetivamente pautaram a atuação dos estados na-cionais no âmbito internacional, no que se refere à imposição fiscal de investimentos transfronteiriços, durante todo o século xx.

tendo como grande paradigma o modelo ocde de acordo para evitar a dupla tributação, o direito tribu-tário internacional se dispôs a constituir um conjunto de regras incorporadas pelos diversos países por meio das quais uma economia global, dotada de relevantes fluxos de capitais entre os países, contasse com bases seguras, claras e previsíveis para evitar ou eliminar a dupla ou pluritributação, com todos os seus potenciais de distorção econômica.

e era supostamente esse o objetivo da liga das nações quando, a partir de estudos realizados na década de 1920, firmou as bases para dividir o mundo em dois grupos: os países da fonte e os países de residência do capital. esse paradigma, que, por meio da difusão dos acordos firmados mundialmente, predominou desde então nas políti-cas dos diversos países, parte da premissa de que o capital que é oriundo de um determinado país (exportador de capital) e é investido em um outro país (importador de capital) deve sofrer tributação em apenas um deles, cabendo às regras a defini-

ção do alcance da competência de um e outro ente tributante nessas circunstâncias.

não é segredo para ninguém que esse consenso moldado no âmbito internacional se firmou a partir da iniciativa dos estados exportadores de capital, sobre-tudo os estados europeus e os estados unidos, que almejavam proteger o seu investimento no exterior e, ao mesmo tempo, assegurar sob seu poder tributário negócios desenvolvidos no exterior, estendendo assim, com a bênção do direito, a sua base de taxação para além de suas fronteiras.

esse modelo chega, contudo, quase um século após as primeiras iniciativas da liga das nações, e após os recém completados cinquenta anos de existência do modelo ocde de convenção, a uma crise sem precedentes.

como a criatura bem sucedida, eis que o consenso internacional encartado na convenção modelo se volta contra os seus criadores.

algumas constatações são simbólicas e explicam o atual estado de coisas.

o anseio por um marco normativo objetivo, seguro e previsível resultou na construção das convenções como conjunto de regras simples e binárias, calcadas no código fonte/residência: cada classe de rendimen-to é atribuída (i) à fonte, ou (ii) à residência ou (iii) a ambos. como regras do jogo da tributação internacional, elas foram oferecidas ao aprendizado do mercado que, ao longo do tempo, construiu um know-how capaz de extrair das regras convencionais, em níveis antes inimaginados, os efeitos mais favorá-veis ao investidor, em prejuízo dos estados signatá-rios das convenções. escorados nas convenções, os investidores passaram a utilizá-las como instrumentos na alocação segura de recursos fora do alcance dos níveis normais de tributação. em consequência disso,

por Aristóteles Moreira Filho

O rei está nu: a falência do modelo OCde, o beps e o retorno à territorialidade

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Opinião

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as convenções, que foram idealizadas para evitar a dupla tributação, tornaram-se ferramentas para as-segurar a dupla não-tributação ou a tributação em bases inferiores à única tributação normal, que fora originariamente o objetivo das convenções.

o mundo também mudou muito desde os albores do consenso internacional, e especialmente a partir do fim do século xx e início do século xxi.

se antes havia uma polarização entre estados de-senvolvidos, exportadores de capital, e estados não desenvolvidos, importadores de capital, hoje não há mais. no mundo globalizado atual, ser ao mesmo tempo exportador e importador de capital é a regra, de modo que os países tendem a desenvolver voca-ções em determinados setores, por meio dos quais se lançam no exterior como exportadores de capital, via investimentos direcionados a outros países, ao passo que nos demais segmentos da economia convivem nos seus mercados, como importadores de capital, com a entrada de players de outras nações, de onde estes investimentos então se originam.

por outro lado, a agressividade dos atores pri-vados na utilização das convenções, visando ins-trumentalizar sua rentabilidade vis-à-vis o alcance da pretensão fiscal dos estados signatários, levou a uma reconstrução do embate: se antes se tratava do estado da residência contra o estado da fonte, hoje o capital se tornou uma espécie de inimigo comum. os grandes atores privados se tornaram uma ameaça não apenas para os países em de-senvolvimento, onde tradicionalmente se impuseram sob as mais variadas e controversas formas, mas também nos seus países de origem, onde, sob as regras das convenções, e mesmo sujeitos a rigorosa fiscalização e a sofisticadas exigências de compliance, tampouco recolhem seus tributos em bases normais.

de fato, hoje a realidade da economia global é pau-tada por grandes grupos multinacionais (multi-national enterprises – mne) que se estruturam em operações segmentadas e distribuídas estrategicamente ao redor do mundo. essas estruturas de cadeia de suprimentos

(supply chain restructuring), em que as transações se dão sobretudo entre empresas ligadas, viabilizam a alo-cação das etapas de cadeia de valor nas jurisdições que oportunizam a menor ou nenhuma tributação.

o crescente protagonismo da economia de serviços e da base tecnológica da atividade econômica também conduz a uma intangibilidade que veio ainda poten-cializar a utilização de estruturas de negócio alocadas remotamente. as possibilidades ofertadas pelas tecno-logias de comunicação permitem que atividades sejam desenvolvidas virtualmente em qualquer lugar do mundo, gerando valor também em qualquer lugar do mundo. a predominância de ativos intangíveis e a complexidade de sua formação vai na mesma linha de deslocalização contábil e física das estruturas negociais, permitindo, via operações como compartilhamentos globais de custos e despesas para esforços de pesquisa e desenvolvimento, a alocação dos ativos mais valiosos e, consequentemen-te, a maior proporção da rentabilidade, em jurisdições com pouca ou nenhuma tributação.

esses desenvolvimentos tecnológicos culminam com a disseminação dos negócios propriamente digitais, de-senvolvidos na rede mundial de computadores ou atra-vés dela. a chamada economia digital proporcionou o surgimento de negócios baseados exclusivamente em intangíveis, a exemplo de produtos na forma de dados e arquivos digitais, serviços prestados a partir da com-pilação de dados pessoais, captura de padrões de infor-mação e processamento de externalidades geradas pelo uso da rede e de produtos gratuitos (big data); todos cuja alocação espacial, vis-à-vis as jurisdições fiscais, pode ser determinada arbitrariamente pelo investidor sem maiores dificuldades, seguindo suas conveniências.

ao final, tem-se um quadro em que há um subs-tancial descolamento entre a alocação contábil e ju-rídica dos ativos e negócios e o local em que a atividade econômica efetivamente é explorada, geran-do receita e mais-valia. É neste cenário, de muitas possibilidades e poucos limites, que as múltiplas e sofisticadas estratégias de planejamento se dissemi-naram, minando a estrutura das convenções como proposta de estrutura normativa para reger o exercício

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efetivo do poder tributário no plano internacional. o mercado desenvolveu uma vasta base de conheci-mento quanto às possibilidades de identificação e fruição de oportunidades oferecidas pelo sistema de acordos e convenções, gerando uma cultura de ar-bitragem cada vez mais agressiva e, o que é pior, mais segura, porque baseada nas próprias normas subscritas pelos diversos países.

a incapacidade do sistema atual de convenções para fazer frente a estes desafios levou a ocde finalmente a capitular. por meio da iniciativa beps (base erosion and profit shifting) veio, neste ano de 20131 reconhe-cer afinal a necessidade de uma transição paradigmática no direito internacional tributário, que já não consegue atingir os seus objetivos resvalando apenas nos acordos bilaterais baseados no modelo convencional que até hoje é consensualmente admitido. além da própria revisão da convenção modelo, o plano de ação beps inclui uma série de diretrizes, dentre as quais a adaptação das re-gras para a realidade da economia digital, a limitação da erosão da base fiscal via dedutibilidade do pagamento de rendas passivas (juros e royalties), o fortalecimento de regras para conter o uso abusivo das convenções e das regras de cFc, o reforço dos conceitos de es-tabelecimento permanente e das regras de preços de transferência, intensificação da transparência entre os contribuintes e entre as administrações fiscais. o plano fecha com uma chamada para o desenvolvimento de uma base multilateral para o controle e normatização da tributação internacional, a partir da qual as propostas idealizadas pelo beps seriam inseridas nos diversos acordos internacionais já celebrados pelos estados.

permeando todas essas ações específicas está o mote principal da iniciativa da ocde: a constatação de que é necessário aproximar as atribuições de jurisdição fiscal, ou seja, a definição dos países que, segundo as regras, sejam intitulados a tributar, com os locais onde a atividade econômica é efetivamente desenvolvida. essa função as normas convencionais simplesmente já não conseguem mais cumprir.

considerando toda a complexidade que as ações do beps implicam, sobretudo num cenário de múltiplas soberanias, com interesses distintos e respectivas ins-tâncias de decisão, fica evidente que se requer muito otimismo para que se vislumbre o êxito de sua proposta, em qualquer horizonte de tempo.

o resultado é que, neste ínterim, os diversos países estão empenhados em implementar medi-das unilaterais que, ante os vácuos deixados pelas convenções, ameaçam o alcance do seu poder tributário no plano internacional. e essa tendência também se aproveita de outra característica do es-tado de coisas atual da economia global: os países antes periféricos hoje contêm mercados relevantes para o investidor externo, que, quando exerce sua atividade econômica neste espaço geográfico, fica submetido à jurisdição deste estado, e à tributação que venha a exigir.

numa economia global em que o acesso a merca-dos vale ouro, os formadores de política dos diversos estados passaram a se dar conta de que podem impor suas estruturas fiscais, sempre de acordo com os seus interesses, àqueles investidores que pretenderem fazer negócios dentro do seu território. É óbvio que aqui o consenso internacional fica em segundo plano e os es-tados impõem as estruturas, técnicas e nível de carga fiscal que lhe convêm.

as próprias legislações internas dos estados evoluí-ram para empreender uma tributação internacional que, dentro desse contexto, atenda aos interesses nacionais e paralelamente seja suportável pelo investidor estrangeiro que transaciona no país e pelo investidor doméstico que faz negócios no exterior.

na falta de um consenso eficaz no que se propõe, os estados agem defendendo a sua base de taxação, o que vem a ser empreendido seja na interpretação agressiva dos acordos em vigor, seja na implementação de instrumentos unilaterais que não adotam os crité-rios típicos das convenções modelo para o exercício da competência impositiva, o que muitas vezes implica a

1 oecd (2013), action plan on base erosion and profit shifting, oecd publishing.

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própria violação dos acordos celebrados. isso quando os estados simplesmente não se recusam, ou relutam, em celebrar novas convenções contra a dupla tributação, ante a perspectiva de que as bases ali oferecidas não atendem aos interesses nacionais.

Há, portanto, pelo menos para os estados, vida na tributação internacional além dos acordos e convenções.

o brasil é exemplo disso, residindo um exem-plo no fato de que tem os estados unidos como um dos maiores investidores no país, sem nunca haver celebrado acordo contra a dupla tributação. na mesma esteira, a legislação de preços de transferência brasileira sempre foi criticada pelos organismos internacionais por não adotar as bases firmadas nas convenções e adotadas pela vasta maioria dos países. nada obstante, o país segue com a sua política de preços de transferência, que, caracterizada pela sua objetividade, acabou de ser reformulada mas mantém semelhante perfil. por outro lado, os regimes internacionais de preços de transferência voltam agora a ser fervorosamente criticados, tanto pela ineficiência em conter a alo-cação artificial dos rendimentos, quanto pelos altos custos de compliance.

grandes mercados como a índia e a china não estão satisfeitos com o conceito de estabelecimento per-manente das convenções modelo, visto mais como um mecanismo destinado a obstruir o exercício do seu poder tributário sobre empresas que fazem negócios regular-mente em seus territórios. por isso relutam em celebrar novos acordos nessas mesmas bases.

por fim, os países da ocde que pautaram o con-senso internacional estão sofrendo eles próprios erosão da sua base de taxação, na medida em que, usando a estrutura de acordos em vigor, os investidores nele baseados tampouco lá recolhem tributos em bases regu-lares. simbólico é o caso da apple inc., que, segundo relatório do subcomitê de investigação do senado ame-ricano2, através de uma estrutura de alocação de pro-priedade intelectual na irlanda via contrato de comparti-

lhamento de custos, evitou o recolhimento de 44 bilhões de dólares ao erário americano nos últimos quatro anos.

em virtualmente todas as perspectivas de análise, o paradigma de regulação da tributação internacional a partir dos acordos internacionais, pautado na objeti-vidade das classes de rendimento e no código fonte/residência não serve mais aos seus propósitos, e passa a sofrer uma desconstrução, patrocinada tanto a partir de suas próprias origens como pelos novos atores relevantes no cenário da economia mundial e da tributação internacional. e aí surge a questão so-bre o que resta da dogmática fiscal internacional sem as balizas dos acordos e suas cláusulas distributivas de potestade impositiva.

O direito tributário internacional fora do bi-nômio fonte/residência: formulary appor-tionment vs. retorno aos princípios

constatado que o sistema baseado no binômio fonte/residência não mais atende às necessidades da co-munidade internacional, especula-se o que poderia vir em seu lugar.

um caminho é proposto é a adoção de um método de formulary apportionment, pelo qual as transações realizadas por mnes globalmente são atribuídas à tribu-tação em cada país conforme um determinado critério, a exemplo do volume de ativos, número de empregados ou da receita auferida.

a premissa que motiva a adoção dessa metodo-logia é a de que os paradigmas contábeis e jurídicos vigentes contribuem para as distorções na tributação na medida em que garantem a existência como entidades autônomas de operações que têm uma constituição meramente formal e que colaboram para a alocação artificial de ativos e rendimentos em jurisdições com pouca ou nenhuma tributação. e, por outro lado, os regimes de preços de transferência e normas anti-abu-so não seriam suficientes para conter as estruturas

2 http://www.hsgac.senate.gov/subcommittees/investigations/hearings/offshore-profit-shifting-and-the-us-tax-code_-part-2. consultado em 20/11/2013.

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distorsivas, além de implicarem elevados custos de compliance e de litigância.

o formulary apportionment permitiria a visualização do chamado big picture, em que as mnes seriam consideradas em suas operações globais cada uma como uma entidade única, que na prática são, efe-tuando uma alocação dos rendimentos para efeitos fiscais segundo critérios que denotem efetivo de-senvolvimento de atividade econômica, assim atando lucro, risco e tributação num mesmo local.

alguns nomes relevantes do direito internacional tri-butário têm advogado em prol da adoção do formulary apportionment, dentre os quais os professores reuven s. avi-yonah3 e lee sheppard4.

apontando para um futuro de possível aplicação dessa metodologia, a união européia vem discutindo a adoção de uma frórmula para alocação fiscal de rendimentos, sob o programa common consolidated corporate tax base (ccctb). segundo a fórmula proposta, seriam determinantes na alocação espacial da renda os fatores correspondentes a capital, trabalho e vendas, em igual proporção. constituído em 2004, o grupo de trabalho chegou em 2011 a uma proposta de diretiva visando inserir o regime ccctb entre os países da ue, o que já desperta a atenção do mercado quanto à implemen-tação deste regime num futuro não muito distante.

o uso do formulary apportionment já conta com uma vasta experiência no canadá e entre os esta-dos americanos. inicialmente instituído apenas pelo estado da califórnia, o regime com o tempo se expandiu e hoje é utilizado em diversos estados-membros, com êxito.

o sistema traz vantagens evidentes ao extinguir os regimes de preços de transferência e seus elevados custos de compliance, como também faz ruir a utiliza-ção de estruturas meramente formais para a alocação artificial de ativos e renda. não deixa de ter seus problemas, contudo, sobretudo quanto à necessidade

de harmonização de critérios entre os países, tanto para a aplicação da própria fórmula, quanto para a apuração do lucro tributável, sob pena de não evitar a incidência da dupla tributação, ou mesmo a tributação inferior à regular.

o uso de fórmulas nada mais é do que uma pro-posta para implementar uma tributação internacional mais justa e compatível com o conceito e a função da tributação internacional. e é essa referência de justiça que o sistema de acordos e convenções nunca teve, como um fundamento jurídico para a sua concepção, implementação e aplicação no dia-a-dia.

É razoável afirmar-se que o direito tributário interna-cional tenha se resvalado excessivamente nos acordos e convenções contra a dupla tributação.

elevados à condição de virtuais axiomas da tributação internacional, trouxe ao ramo do direito tributário uma lógica contratualista que destoa das bases cogentes que caracterizam este ramo do direito público.

se do ponto de vista estrutural ou sintático a posição dos acordos se consolidou como de norma especial, cuja aplicação prefere, porém não revoga, a norma interna, do ponto de vista semântico, e, ainda do pragmático, as convenções ainda con-trastam com a normatização interna do sistema tributário, fortemente fincada em valores, princípios e na estrutura do estado enquanto figura central do direito público, e da própria constituição como sua peça constitutiva.

essa constatação é especialmente relevante no brasil, com a característica hipertrofia constitucional, em que a jurisprudência tanto relutou em abrir mão do rígido paradigma normativo do direito tributário interno para promover a aplicação das convenções como normas especiais que são. a binariedade e a arbitrariedade com que o exercício da competência tri-butária é negociada e atribuída a um e a outro estado através de um acordo ou convenção até hoje não é

5 luHmann, niklas. sociologia do direito i. tradução de gustavo bayer. rio de janeiro, edições tempo brasileiro, 1983, p. 1173 avi-yonah, reuven s.; benshalom, ilan (october 2010), Formulary appor-tionment: myths and prospects - promoting better international tax policy and

utilizing the misunderstood and under-theorized Formulary alternative, public law Working papers no. 221, university of michigan4 sHeppard, lee a. “news analysis: the twilight of the international con-sensus,” 2013 tnt 194-3 (oct. 7, 2013).

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digerida seja pelos nossos tribunais, seja pela nossa administração fiscal.

Fato é que os princípios são elementos fundamentais do sistema jurídico, condensando valores e aportan-do legitimidade pelo consenso, o que finca as bases para todo o sistema de normas5. do ponto de vista pragmático, os princípios, em sua complexidade, abrem espaço para a adaptação do sistema jurídico à evo-lução, fornecendo elementos tanto para a consolidação de novos regimes normativos e políticas, como para o questionamento daqueles que não se conformam à pauta axiológica em vigor.

neste sentido, os princípios conferem unidade e estabilidade a um conjunto de normas, exa-tamente o que falta neste momento no direito internacional tributário.

inquestionadamente, o princípio que fundamenta a tri-butação internacional é o princípio da territorialidade. a territorialidade projeta a dimensão espacial do estado, que, por sua vez, interage com o sistema econômico que atua em seus limites, cobrando tributos que comporão as receitas necessárias à manutenção da organização política.

daí porque todos os princípios e categorias que com-põem o direito internacional tributário visam em última instância a efetivar esse valor territorial, ou seja, que o exercício do poder tributário seja assegurado para o ente soberano a cujos limites a atividade econômica objeto da tributação esteja vinculada.

essa relação de vinculação foi enunciada já pelos experts da liga das nações na década de 1920 sob o nome de economic allegiance6. desde então, o direito internacional tributário só fez se afastar deste valor, e o fez ao optar por uma via baseada exclusivamente nas regras convencionais focadas na objetividade e vazadas no binômio fonte/residência.

se determinado rendimento pode ser igualmente tributado pela fonte ou pela residência, de acordo com

o que houverem negociado dois países e com o que dispuser especificamente determinado tratado, sendo indiferente o fato de haver ou não uma relação do rendimento com o território de um ou outro estado, não há coerência principiológica nas regras, que são então axiomáticas.

constatado que as regras agora estão sendo jogadas no lixo por quem as patrocinou desde sempre, o sistema não tem uma base a partir da qual garanta estabilidade e evolução. em outras palavras, sem as convenções bilaterais, agora con-sideradas obsoletas, não há, dentro do paradigma consensual do direito internacional tributário, balizas efetivas e cogentes para se determinar, seja em casos específicos, seja num horizonte de evolução do sistema para o futuro, a legitimidade de um estado, em face dos demais, para tributar deter-minado rendimento no cenário internacional: o rei está nu. como na fábula de Hans christian ander-sen, é necessário apontar para o déficit estrutural do direito internacional tributário.

a necessidade de uma base principiológi-ca efetiva para o direito internacional tributário está simbolizada no desafio do beps, que ainda insiste na matriz consensual: é possível firmar-se um grande acordo multilateral em matéria tributária que emende as convenções atualmente em vigor e contemple os interesses de todos os grandes players? não creio.

bem verdade que os princípios carecem de re-gras específicas que implementem seus valores. os princípios, sem a especificação das regras, são complexos demais para a normatização jurídi-ca7. de fato, definir, apenas a partir do princípio da territorialidade, qual a competência para tribu-tar cada classe de rendimento, é tarefa altamente complexa, gerando controvérsias e questionamentos inúmeros, como já foi demonstrado8. a tarefa e

6 coates, W. H. “league of nations report on double taxation submitted to the Financial committee by professors bruins, einaudi, seligman, and sir josiah stamp” in journal of the royal statistical society, Vol. 87, no. 1. (jan., 1924), pp. 99-102.7 luHmann, niklas. sociologia do direito i. tradução de gustavo bayer. rio

de janeiro, edições tempo brasileiro, 1983, p. 103.8 sHeppard, lee. “news analysis: revenge of the source countries, part iii: source as Fiction”. tax notes int’l, oct. 17, 2005, p. 219; 40 tax notes int’l 219 (oct. 17, 2005).

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o desafio de construir o sentido e o alcance dos princípios jurídicos, em sua dimensão cogente, é comum a todos os ramos do direito. É um percurso que exige tempo, aprendizado prático e institucio-nal, em que a academia, o legislador, e, ainda e especialmente, os tribunais têm papel fundamental. uma vez consolidada a base principiológica de de-terminado marco normativo, o sistema jurídico ad-quire a capacidade de manejar a complexidade dos valores e adaptar-se, tanto na aplicação das regras existentes como na introdução de novas regras, às evoluções e â dinâmica da própria sociedade, e, no caso do direito tributário, particularmente da economia e dos negócios.

a consolidação de uma base principiológica no direito internacional tributário teria exatamente esse efeito, de aportar congruência e estabilidade, fincando as bases da tributação internacional nos seus valo-res fundamentais, a partir dos quais tanto as normas internas como as normas convencionais seriam pro-duzidas e aplicadas. um sistema tributário internacio-nal que se desenvolvesse a partir de sólidas bases calcadas em princípios possibilitaria, dentro da sua congruência sistêmica, a variação e a seleção de es-truturas e regimes tributários diversos, com a conse-quente adaptação pari passu à dinâmica da economia global, assegurando um marco normativo seguro sem a necessidade de que, em face de novos desafios postos por mudanças e evoluções no ambiente, fos-sem necessárias soluções ad hoc ou rupturas, de difícil implementação e com prazo de validade já de-finido, como a que o beps ora vislumbra.

Conclusão

a superação do paradigma do consenso internacional moldado a partir dos modelos convencionais, em espe-cial do modelo ocde de convenção para evitar a dupla tributação, deixou de ser, no universo da tributação in-ternacional, uma teoria conspiratória para se tornar pauta central dos principais países que interagem no fluxo

ArisTóTeles mOreirA FilhO

especialista e mestre em direito tributário pela puc-sp. doutorando em direito tributário pela usp. advogado.

internacional de capitais.a identificação da fragilidade com que o direito

internacional tributário se resvalou na mera contratu-alidade das normas convencionais, abrindo mão de fundamentos estruturais a partir dos quais fossem legitimados e definidos os regimes fiscais aplicáveis, é uma constatação imprescindível quando se trata de zerar o jogo e pensar em como construir uma efetiva governança fiscal internacional, para o futuro.

quando se trata, portanto, de construir o novo direito internacional tributário após a superação do binômio fon-te/residência, entre medidas pontuais, que nada mudam, e uma solução radical pelo multilateralismo, é necessário articular as soluções consensuais, baseadas no pacta sunt servanda, com sólidos fundamentos estruturais que sirvam de base e referência em face das quais tanto as normas internas como as normas convencionais sejam valoradas, produzidas e confrontadas.

esse caminho, que aportará complexidade e evo-lutividade ao direito internacional tributário, e tam-bém redundância e segurança, não requer grandes esforços multilaterais, senão uma postura corres-pondente por parte dos principais atores do sistema jurídico, sejam os legisladores, juízes, autoridades fiscalizatórias, advogados e consultores, e, em es-pecial, do meio acadêmico.

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revista Tributaristas - o senhor é um grande nome do mundo jurídico, não apenas no direito tributário, já que o senhor transita com desenvoltura e autoridade entre temas dos mais diversos ramos da dogmática. o senhor, porém, tendo sido graduado na Faculdade de direito do largo são Francisco, nunca foi professor da

casa. existe algum motivo especial para tanto? como o senhor vê o posicionamento da Faculdade de direito do largo são Francisco no universo acadêmico paulista e brasileiro?dr. ives Gandra - em primeiro lugar eu me sinto muito orgulhoso de ter sido aluno da universidade de são

18REVISTA TRIBUTARISTAS

Autor de mais de 80 obras individuais, publicadas em 21 países, e com 56 anos de advoca-cia, já tendo inclusive recusado convites para o cargo de Ministro da Fazenda e da Justiça, o Professor Emérito da Universidade Mackenzie, Ives Gandra, é indiscutivelmente um dos ju-ristas mais influentes no país. Nessa entrevista exclusiva à Revista Tributaristas, o Professor Catedrático da Universidade do Minho revelou o que pensa sobre a crise do ensino jurídico no país, sobre a necessidade de uma reforma tributária, e explicou ainda o curioso motivo pelo qual nunca se tornou professor da faculdade onde se graduou, o Largo São Francisco.

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paulo. eu sempre gostei da faculdade e, como aluno, nunca tive maiores pro-blemas com professores, nem de passar nos anos. praticamente na minha época eu não fiz oral nenhum, bastavam as notas obtidas no [exame] escrito e não havia necessidade de fazer o oral.Houve, entretanto, um problema de na-tureza mais política, que não tem nada a ver com a faculdade, e muito menos com os lentes da faculdade. eu defen-di um cliente em 1968/69 que veio a ser perseguido pelo governo federal. estávamos em um período de exce-ção, naquele começo de guerrilha mais intenso que levou ao ato institucional número cinco, e ocorreu que, naquele período, os meus clientes foram presos e eu e um professor da faculdade de direito, canuto mendes de almeida, fo-mos defendê-los. ele não podia atuar como advogado porque era o diretor da empresa, mas eu, como advogado, substituindo o ministro da justiça, que era um ex-professor meu, entrei em um combate, até com uma certa vio-lência contra o governo, em um perío-do em que era difícil usar demasiados argumentos jurídicos.no dia 13 de fevereiro de 1969 eu terminei tendo um pedido de confisco dos meus bens e um pedido de abertu-ra de um inquérito policial militar. Você não sabe o que era, naquela época, um ipm. muitos ipms desapareceram. o pedido foi por uma razão muito simples: os honorários que eu havia recebido, eu declarava no meu imposto de renda. e utilizando a declaração, o governo (o hoje meu amigo, ministro delfim neto) pediu a abertura do inquérito. ele en-tendeu que os honorários advocatícios

recebidos eram uma forma de partici-pação no crime do qual era acusado o meu cliente. eu terminei ganhando no supremo em 1971. tive um período muito difícil na ad-vocacia, porque sendo manchete nos jornais naquele período aquilo repre-sentou uma fuga de clientes que não gostariam de ter alguém que era contra o regime naquela ocasião. então, na-quele momento em que saiu meu nome nos jornais, de certa forma porque a faculdade que levava os ministros da justiça da época, não é que houvesse uma reação da nossa faculdade, mas alguns lentes acharam que eu deveria esperar um pouco mais de tempo. e nesse ínterim o mackenzie me ofereceu para que começasse a lecionar lá. eu comecei a lecionar e, evidente-mente, tendo um apoio em um mo-mento muito difícil, em pleno período de exceção, esse gesto do mackenzie me marcou. mas nunca tive nenhuma restrição, tenho dado palestras e parti-cipado de bancas de doutoramento na universidade de são paulo, e até de bancas para professor titular de outras faculdades, como de economia. eu co-mecei a carreira no mackenzie, fui o primeiro doutor da universidade, o que fez com que eu ficasse definitivamente ligado à instituição, que fez 120 anos em 1990, quando fizeram questão de me dar o título de professor emérito, o único àquela época. mas aquele período, você não pode imaginar o que foi de 1969 a 1971, quando estava a guerrilha em plena atividade. Foi só com a morte do ma-righella que começou o período de re-democratização, que, de rigor, não foi

Com a arma da palavra, nós, advogados, consegui-mos a redemocra-tização sem sangue”

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realizado pelos políticos nem pela mídia (os jornais eram proibidos de publicas as matérias), mas pelos advogados. Foi quando eu fui conselheiro da ordem, também naquele período, e nós lutamos com a melhor das armas, que não era a guerrilha, não eram armas de fogo, mas com a arma da palavra. e com a arma da palavra, nós advogados conseguimos a redemocra-tização sem sangue. e, indiscutivelmente, depois de 1971, o brasil é uma democracia, sem necessidade de derramamento de sangue, graças exclusivamente ao trabalho dos advogados, porque nós não éramos cen-surados. basta dizer que, apesar da abertura de um ipm, que foi arquivado, eu ganhei no ano de 1971, por 5x3 no supremo tribunal Federal, a famosa ques-tão da prisão dos diretores da sudam.

rT – o senhor é autor de uma extensa lista de obras jurídicas e literárias. de onde provém tanta inspiração e tempo para escrevê-las?dr. ives - primeiramente eu tenho, até por uma consti-tuição biológica, uma vantagem que é o fato de dormir pouco. eu durmo cinco horas por noite há cerca de cinquenta anos e isso me dá um tempo muito maior. segundo, eu sempre gostei de escrever desde meni-no. de rigor eu gosto muito mais de escrever poesia (sou membro da academia paulista de letras) do que propriamente de escrever sobre a profissão, que eu gosto muito, mas a profissão veio depois de já estar em plena feitura de poesia. aos 17 anos de idade eu escrevi uma peça em estilo grego, em redondilhas menores, com unidades de tem-po, espaço e lugar. e como eu sempre tive facilidade de escrever, tudo que eu estudava eu absorvia e nun-ca tive dificuldade na faculdade, eu escrevo sempre. e tive um grande amigo, Haroldo Valadão, que faleceu, e que é o autor da lei de introdução ao código civil, que desde 1942 até hoje todo mundo segue como norma de interpretação, que me dizia: “ives, nem um dia sem uma linha ou sem uma leitura”. então leio todos os dias sempre e escrevo todos os dias sempre. estou com 78 anos, escrevendo pelo menos de 10 a 15 minutos por dia sobre assuntos não relacionados à

profissão, pois sobre os profissionais eu escrevo o tempo inteiro. isso foi criando toda essa minha obra. resultado: aos 78 anos tenho mais de 80 livros escritos individu-almente, e mais de 300 livros escritos em 21 países. tenho a sensação que é exatamente por essa disciplina e metodologia que o Haroldo Valadão me ensinou.

rT – nos eua, o presidente barack obama recen-temente fomentou um projeto de reforma do ensino jurídico no país. como o senhor vê a crise do ensino jurídico no brasil?dr. ives - eu tenho a impressão que é uma crise efeti-va. nós temos, de rigor, uma vantagem sobre os esta-dos unidos porque nós temos algumas leis centralizadas. por exemplo, se nós pegarmos o artigo 21 e 22 da constituição Federal, nós vemos aquilo que é privativo da união, como direito civil e direito processual. esses direitos são nacionais, valem para a nação inteira. nos estados unidos, o direito penal, o processual e o direito civil são direitos locais, cada estado tem a sua própria legislação. alguns estados permitem o aborto enquanto outros não. Há estados que permitem divórcios simples, outros com maior dificuldade. então nós temos sobre isso uma maior facilidade em relação aos eua. mas se nós examinarmos a grade das faculdades de direito, o currículo das faculdades de direito, nós vamos verificar que o mundo evoluiu muito do tempo que eu estudei [há 56 anos que advogo] até a atualidade. primeiro, no meu tempo, por exemplo, o direito interna-cional público e privado eram considerados secundários porque o brasil não estava inserido no contexto mundial. Hoje até o menor país do mundo está inserido no con-texto mundial. o mundo se transformou em uma aldeia global, e essa aldeia global nos exige uma universali-zação. por outro lado se dizia que o estudo do direito era exclusivamente um estudo da norma jurídica, devido à influência de Kelsen no brasil, e de toda uma escola que se criou, com bons juristas (por exemplo o geraldo ataliba, que era um defensor de que nós não temos que ter conhecimento de outra ciência, mas conhecer bem o direito, a norma). e muito da nossa conformação cur-ricular das faculdades de direito decorre dessa visão de

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que nós teríamos que ter uma ciência não contaminada por outras ciências, e hoje o mundo é de “contamina-ção” em todas as ciências. elas se interligam. assim, dois prêmios nobel de economia, ronald coase e douglass north, defendiam que as economias de mercado só funcionam nos regimes jurídicos estáveis. quando há estabilidade de um regime jurídico eu posso fazer um investimento de médio e longo prazo, então a economia de escala funciona. É um prêmio nobel de economia mas trabalhando com categorias jurídicas, o que vale dizer que não se pode estudar o direito sem estudar economia, contabilidade, sociologia, políti-ca, pois todas as ciências sociais se interligam. se nós verificarmos o que há de ciências sociais nos currículos jurídicos é muito pouco. por outro lado nós ainda estamos, dentro das nossas grades curriculares, com muitas aulas dogmáticas, aulas nas quais o pro-fessor é quem diz, e não com métodos mais modernos adotados principalmente em países europeus, como na espanha, na universidade de navarra, o chamado “mé-todo do caso”, em que se escolhe um caso repleto de problemas e o curso se faz em função de todos os problemas jurídicos, fazendo com que o aluno se sinta participante da solução daquele caso. mas é muito difícil o “método do caso”. para se conseguir um caso difícil, bem trabalhado, que permita abranger toda a matéria, exige um trabalho intelectual do professor muito maior. quando o professor vai para dar uma aula expositiva, é muito simples: ele aprendeu e ele expõe a matéria. mas ter que montar um caso, de tal forma complexo, no qual os alunos tem que trabalhar, e toda a matéria que ele pretende dar naquele ano esteja envolvida, exige um trabalho monumental para sua criação. É como uma espécie de um diretor de filme, ou produtor, que tem que organizar todos os aspectos daquele fil-me. esse “método do caso” eu utilizo no meu centro, embora seja mais de extensão, o centro de extensão universitária (ceu-iics). a FgV também começou a utilizar há cerca de 3 anos. mas ainda são poucas as universidades que trabalham com ele. e acresce um outro dado. talvez eu seja o único professor catedrático brasileiro em uma universidade

direito é a mais universal de todas as ciência sociais”

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portuguesa pública, a universidade de braga (minho). portugal tem 4 universidades públicas: a de braga, do porto, coimbra e lisboa. eles concedem a cátedra uma vez por ano, em função da notoriedade. quando recebi a cátedra, no nono ano desde que havia sido criada, eu fui o primeiro brasileiro, o primeiro não euro-peu e o primeiro na área do direito. lá, quando estava em 2009, havia em portugal dez faculdades de direito, quatro públicas e seis privadas, para uma população de dez milhões de portugueses. se nós multiplicásse-mos esses 10 milhões por vinte, já que somos 200 milhões de habitantes, nós iríamos de dez para du-zentas faculdades. o brasil possui, no entanto, 1.200 faculdades. com 1.200 faculdades é absolutamente impossível que se ensine adequadamente o direito. e nas faculdades colocadas em outros fusos horários do país e no interior dos estados, é muito difícil ter professores que compareçam. então é o juiz local, o promotor local, advogados locais, o que representa um desnível de qualidade que se percebe pelos exames de ordem. e quase todos os alunos dessas faculdades que se multiplicaram no brasil têm aulas dogmáticas. o professor tem um manual, lê um livro de direito, e muitos usam os cursos que têm de outros professores. então eu tenho a impressão que isso precisaria ser alterado, até porque, embora seja importante ter um título de advogado, não basta só o título, a pessoa precisa saber advogar. eu partiria para uma visão dos verdadeiros planos. por exemplo, eu não sou contra a abertura de novas faculdades, desde que apresentem um programa de tal forma inovador que justifique sua abertura, e com professores gabaritados, preparados, e com titulação suficiente para serem professores. então, a meu ver, é necessário toda uma mudança, princi-palmente uma universalização do direito em relação às outras ciências sociais. em uma faculdade de direito eu daria pelo menos metade do curso sobre todas as ou-tras ciências sociais que não o direito. se o advogado tem que trabalhar com categorias econômicas, direito econômico, direito financeiro, finanças públicas e direito tributário, por exemplo, é necessário que se tenha um conhecimento profundo dessas matérias.

não é possível que se tenha um conhecimento super-ficial. o direito é a mais universal de todas as ciên-cia sociais porque é a única que abrange todas elas, e abrange também conhecimento técnico das ciências exatas e biológicas. para discutir, por exemplo, proble-mas de bioética (eu mesmo sustentei a questão das células-tronco embrionárias, mas perdi por seis a cinco, mostrando que desde a concepção trata-se de um ser humano) fui obrigado a estudar muito o tema. estive em meu escritório com médicos e biomédicos que me explicaram todos os aspectos técnicos para que eu pu-desse apresentá-los com tranquilidade na sustentação oral. os advogados têm, portanto, uma necessidade de conhecimento universal que as grades curriculares hoje não abrangem em profundidade. por isso tenho defendi-do no nosso curso, no centro de extensão universitária, e temos aplicado há algum tempo essa universalização. ainda esta manhã eu fui responsável pela abertura de um congresso no centro de extensão com o sidnei sanches e o desembargador paulo toledo, professor da usp, procurando dar esse sentido de universalidade na metodologia. pesquisas recentes tem verificado que a aula apenas exposta é esquecida pelo aluno após uma semana se esta não for anotada ou estudada posteriormente. quando se utiliza o método do caso, ele não esquece nada porque ele participa, é obrigado a trabalhar e buscar soluções. o aluno sai muito mais preparado, pois é como se ele estivesse advogando ainda dentro da faculdade. essa metodologia moderna, utilizada pela universidade de navarra em suas diver-sas faculdades como direito, economia e administração, e que está sendo introduzida pela FgV em algumas matérias, que é o método do caso, tenho a impressão que é uma mudança que nós teremos que fazer. e uma última mudança: acredito que temos que adotar a universidade “digital” (ensino à distância), mas com provas presenciais, pois é impossível levar os grandes professores às faculdades mais distantes. se tivermos um ensino à distância, e isso fica extremamente simples, os alunos poderão ouvir os melhores mestres, inclusive com a possibilidade de fazer perguntas em classe para aqueles que estão dando as aulas de são paulo, rio

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de janeiro, belo Horizonte, enfim, dos grandes centros de cultura jurídica, e vão aproveitar muito mais.

rT - poucos juristas, se algum há, têm igual trânsi-to nos tribunais superiores como o prof. ives gandra martins. o senhor nunca teve como objetivo candida-tar-se a um posto nas altas cortes do país. por quê?dr. ives - não é verdade que são poucos. eu co-nheço muitíssimos juristas que têm um grande trânsito no stF, e o meu é relativo. às vezes eu tenho uma sustentação oral e obtenho êxito. também tenho livros escritos com muitos ministros, seja do stj seja do stF. agora, o chamado “trânsito” dá a impressão de lobby. eu tenho [publicado] constantemente trabalhos doutrinários com ministros do stj e do stF. mas este trânsito para clientes... eu quando vou levo os meus memoriais, explico, mas exerço a atividade com a de-vida compostura (em o decálogo do advogado, de minha autoria, eu explico como o advogado deve tratar um desembargador). quanto à segunda parte da pergunta, eu nunca tive vontade de ser nem membro do ministério público nem desembargador ou ministro, ou qualquer outro cargo. em 1982, quando ainda eram os membros do tribunal de justiça que convidavam os advogados pelo quinto constitucional, um dos maiores desembargadores, que introduziu o sistema eletrônico no tribunal de justiça de são paulo, que foi o desembargador dílio de santos garcia, disse-me: “ives, você vai ser um dos três da lista tríplice e nós pediremos ao governador para que o senhor seja o indicado.” eu respondi que estava extremamente sensibilizado pelo convite, vindo de quem vinha, mas que só tinha vocação para advogado.eu, como advogado, me apaixono, aceito só as ques-tões nas quais estou convencido que valem a pena lutar. eu posso perder, mas estou convencido da tese que vou apresentar, e, como juiz, não sei se teria a imparcialidade que eu tenho no sentido de defender. e não poderia ser do ministério público porque não sei acusar, eu aprendi a vida inteira a defender. acho que nasci advogado e quero morrer advogado. nunca aceitei cargos públicos também. já fui convidado três

vezes para ser ministro (uma vez para ministro da fazenda e duas vezes para ministro da justiça). a única vez que fiz política na vida foi de 1962 a 1964, ainda no regime anterior (eu sempre fui par-lamentarista, desde os bancos acadêmicos), quando aceitei concorrer para a direção nacional do diretório metropolitano pelo único partido parlamentarista brasi-leiro à época, o partido libertador, e fui presidente. aí quando veio o ato institucional número 2, decidi abandonar a política e disse “eu sou advogado, vou fazer advocacia, vou lecionar, onde eu me sinto mais à vontade”. nunca me arrependi da decisão. acho que nasci advogado e quero morrer advogado e, de rigor, nunca tive esse tipo de ambição de poder.

rT - o senhor é um dos doutrinadores mais citados no supremo tribunal Federal. alguma ocasião já houve em que uma alta corte citou um determinado trabalho de sua autoria, para chegar, porém, a uma conclusão oposta àquela que o senhor desenvolveu no trabalho citado? qual a reação que o senhor teve diante desse fato?dr. ives - certa vez aconteceu algo interessante: eu havia defendido, na década de 60, uma tese sobre alíquota zero, e depois, examinando melhor, eu mudei. não mudei em parecer, porque eu nunca mudo posição jurídica em parecer, sempre em livros, porque o parecer dá a impressão de que eu poderia ter mudado por in-teresse econômico. porém estudando melhor, eu cheguei à conclusão que a minha posição anterior estava errada. mas o meu amigo, o ministro nelson jobim, querendo defender o programa de alíquota zero, fez citação minha com os trabalhos de 60 e não com os de 70 e 80. inclusive, quando ele fez a citação, no caso seguinte, as empresas vieram até mim solicitando um parecer nesse sentido e eu tive que negar já que havia mudado a minha posição. no fim, a própria procuradoria da Fazenda na-cional pegou os trabalhos posteriores e contestou a tese do nelson jobim. isso pode acontecer. o que muitas vezes acontece também, na minha idade, é que depois de ter escrito tanto, quando participo de uma conferência e alguém interrompe indagando “pro-fessor, o senhor lembra quando em 1967 o senhor

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então há uma parte boa, que é esta parte principiológica do sistema tribu-tário, e há uma parte evidentemente que tem sido desfigurada por força das necessidades do erário, porque quando se tem necessidade de tributos, quem tem a impressão de que mudando o sistema tributário vai se mostrar o peso da carga tributária está errado. o que condiciona a carga tributária é a carga burocrática. quanto mais o estado é adiposo, inchado e pesado, mais ele exige recursos, o que condiciona os órgãos de fiscalização e arrecadação. aí é evidente que nem a receita federal nem as secretarias estaduais e munici-pais, pressionadas pelo executivo, vão respeitar o direito. tem havido constantes violações do direito por parte dos órgãos arreca-dadores, que são pressionados para

gerar receita, e, na busca de gerar receita, interpretam pro domo sua (em causa própria) os dispositivos, e sempre de forma contrária ao contribuinte, às vezes criando atos fantasmagóricos. por exemplo, o terceiro setor, um setor fundamental que engloba educação e saúde, vem sendo abalado com políticas tributárias absolutamente inadequadas. a mudança no sistema tributário deve, em primeiro lugar, partir para uma simplificação. por exemplo, pis/coFins é uma legislação extremamente com-plexa, algo que deveria ser simples. todos os tri-butos circulatórios, como ipi e icms, deveriam ser tributos simples. não são como o imposto sobre renda, ou imposto sobre todas as operações pos-síveis, que é, por sua natureza, um imposto muito mais complexo do que os impostos circulatórios de bens e serviços. o que ocorre é que vão se criando hipóteses, juntando regimes diferentes, como não-cumulatividade e cumulatividade no mesmo tributo, tornando a legislação complexa, o que faz com que ninguém se sinta seguro, mesmo quando acreditam

escreveu esse trabalho e disse tal coisa...?”. Veja bem, são tantas as teses jurídicas, tantos os livros, que muitas vezes eu respondo “o se-nhor poderia me explicar o que eu disse?” para que eu possa me lem-brar, porque simplesmente dizer um determinado ponto sem dar maiores explicações fica difícil. evidentemente após a pessoa explicar fica fácil eu desenvolver qual foi a tese. mas muitas vezes eu não me lembro da-quilo que escrevi, a não ser que se comece a explicar qual o tema. isso em função de já ter escrito muito ao longo da vida, o que leva a esses momentos de certo constrangimento. mas o miguel reale me dizia que isso também ocorria com ele, o que me dá um certo conforto.

rT - existe um entendimento na comunidade do di-reito tributário brasileiro segundo o qual nosso sistema tributário é bom, carecendo, contudo, da melhor apli-cação. nesse contexto, assume papel central a cultura reinante nos órgãos de fiscalização, que não colabora na consolidação de regras estáveis, e não contribuir com equilíbrio na regulamentação e na aplicação das leis. qual a opinião do senhor? a reforma tributária é necessária?dr. ives - acredito que a reforma tributária é necessá-ria. Vamos dividir a questão: eu participei de audiências públicas e colaborei com o presidente da subcomissão de tributos, Francisco dornelles, e com o próprio ber-nardo cabral. inclusive no período do plenário, eu e o Hamilton dias de souza fomos convidados a preparar um anteprojeto. então havia uma parte da constituição que era muito boa: uma parte para as normas gerais, e outra para as limitações constitucionais ao poder de tributar. grande parte dessas normas continuou e não pode ser criticada. Houve uma desfiguração no conceito de contribuições, que era muito mais claro.

O que condiciona a cargatributária é a carga burocrática”

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estar cumprindo bem a legislação. quando nós fomos encarregados pelo senado de pre-parar em seis meses uma reforma do pacto federativo, nós apresentamos doze anteprojetos de emenda cons-titucional, lei complementar, lei ordinária e resoluções do senado. a comissão era formada por nelson jobim, paulo de barros carvalho, Fernando rezende, everaldo maciel, sérgio prado, entre outros, todos constantemen-te trabalhando com questões tributárias, e foi um tra-balho intenso, de seis meses, com projetos muito bem redigidos, pois era um grupo muito experiente. infeliz-mente este trabalho ficou enterrado no senado Federal. nenhum desses anteprojetos foi sequer apresentado e se transformou em um projeto no legislativo. então nós percebemos que há necessidade de simplificação. Há necessidade de tornar o sistema mais coerente, mas os interesses burocráticos, que condicionam a política tributária, obrigam os órgãos de fiscalização a continuar a exigir um sistema caótico que faz com que a carga tributária do brasil de 35% seja impeditiva do progresso do país perante os outros países emergen-tes, e que eu não vejo grandes esperanças de mudar porque os burocratas que hoje estão dentro do sistema de fiscalização estão acostumados com ele e não se esforçam em mudar para simplificá-lo. nas audiências públicas que presenciei no congresso nacional sobre reforma tributária, era possível sentir da parte das próprias autoridades fiscais uma re-sistência muito grande a mudanças. embora eu não concorde, é possível compreender, pois se o indiví-duo trabalhou com um determinado tributo por vinte anos, ele se tornou um especialista, já criou todas as hipóteses possíveis e possui um conhecimento pro-fundo do tema. se, no entanto, houver uma mudança e for criado um novo tributo, ele terá que estudar novamente e se readaptar ao novo cenário. então há uma resistência, tanto do erário da união quanto dos estados e municípios, contra mudan-ças, pois estas representariam a necessidade de reaprender, de começar a trabalhar. não porque eles não queiram simplificar, mas porque eles estão acostumados a fazer com o que eles têm, e no que

eles têm eles podem criar tranquilamente, mesmo que com muita violação constitucional, na certeza que eles podem ganhar no judiciário, até porque hoje uma parte dos ministros têm como assessores procuradores licenciados da Fazenda nacional. eles trazem os advogados do próprio erário para fazer as sentenças, os acórdãos e os seus votos nos tribunais. então, mesmo com as violações, sempre o Fisco tem a grande esperança que a violação termine prevalecendo.

rT - a ditadura militar cassou três ministros do su-premo tribunal Federal, numa atitude altamente con-trovertida do ponto de vista do equilíbrio institucional à época. Hoje não se cogita da possibilidade da cassação de ministros do excelso pretório por razões políticas, porém ainda assim um estado de efetiva independência do stF perante o poder executivo está longe de ser uma constatação inquestionável. qual a avaliação que o senhor faz da independência do stF, à época do regi-me militar e nos dias atuais, no geral e especificamente no que se refere às decisões em matéria tributária?dr. ives - no regime militar, em matéria tributária, eu ti-nha mais segurança jurídica do que hoje. este caso que relatei, do confisco dos meus bens, eu ganhei no supremo tribunal Federal em 1971, por cinco votos a três, com homens como adauto lúcio cardoso, aliomar baleeiro, moacyr amaral dos santos, ou seja, ministros que eram independentes. e era interessante porque nós sabíamos como eles iriam decidir. aquilo que eles tinham escrito enquanto professores eles mantinham como ministros. Hoje, no entanto, há uma mudança muito grande pois, embora sejam todos grandes ministros, de rigor, nós temos menos estabilidade, menos segurança jurídica no supremo hoje do que tínhamos no passado (desde o governo militar até o fim do governo Fernando Henrique), e eu atribuo isso a dois fatores: primeiro, uma mudança muito grande e muito rápida dos quadros de ministros do supremo. antes, a cada quatro ou cinco anos saía um ministro que se aposentava compulsoriamente ou falecia. o ministro novo, então, por seis meses mantinha a “tradição” do supremo de estabilidade jurídica. Hoje, nos últimos dez anos de

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governo dos presidentes lula e dilma, houve uma mudança quase completa. daqueles ministros anteriores nós temos apenas o celso de mello, marco aurélio e gilmar mendes. com essas mudanças tão rápidas não há tempo para o mi-nistro se adaptar porque os outros também estão em fase de adaptação. então passou a haver uma espécie de “vasos” isolados, inteligências isoladas, cada um trabalhando de per se dentro do supremo, sem a preocupação com a criação de uma doutrina própria do supremo sobre os mais variados assuntos. por exemplo, a recente revisão da decisão sobre a lei de anistia, após mudança da composição, representa essa instabilidade jurídica que vai se construindo. por outro lado, o sistema de escolha de ministros, a meu ver, é ruim. na ocasião da constituinte, o meu amigo bernardo cabral propôs um sistema que eu acredito que seria o melhor, se tivessem coragem de levar isso para o legislativo, que é o seguinte: no stF a escolha é de um homem só, que não tem que consultar ninguém. o ideal seria o seguinte: não vamos tirar do presidente o direito de escolher, mas quem entende quais são os nomes que deveriam ser apresentados são os opera-dores do direito. então o conselho federal da ordem, segundo a proposta que eu fiz em 1987, escolheria seis nomes de grande renome. o ministério público es-colheria seis nomes de grande renome, e o stF, stj e tst escolheriam dois nomes cada. o presidente da república receberia, então, dezoito nomes e escolhe-ria um, mas não ao seu livre arbítrio. ele só poderia escolher aquele que os operadores do direito, que estão todos os dias no direito, sabem que mereceram lá estar. deveríamos também criar um sistema no qual oito ministros deveriam vir necessariamente do poder judiciário e três ministros alternativamente do ministério público e da advocacia, ou seja, quando fossem dois do ministério público e um da advocacia, na vaga posterior seriam dois da advocacia e um do ministério público, mas todas as três instituições (pj, mp e oab) esco-lheriam os nomes. se a vaga fosse de magistrado, o conselho federal escolheria seis magistrados. se a vaga fosse do ministério público, escolheria seis membros do ministério público. assim, nós teríamos os operadores do direito, que sabem

A reforma tributária é necessária”“

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como funciona o direito, a indicar grandes nomes, e teriam que indicar grandes nomes, pois se não o fizesse eles não poderiam concorrer com os outros nomes que as outras instituições apresentariam. eu sempre achei que este seria o sistema ideal, mas acharam que tiraria poder do presidente da república e não foi sequer apresentado como emenda consti-tucional, pois o próprio bernardo dizia que não havia chance de passar, pois eles preferem o sistema que aí está, e que tem se revelado um sistema que, ten-do o presidente o direito de indicar, muitas vezes nós somos surpreendidos quando temos grandes nomes que são cogitados pela imprensa mas que sequer são lembrados pelo presidente. Felizmente todos os indicados até agora são bons ministros.

rT – o senhor acredita que faltam tributaristas no stF?dr. ives- nós deveríamos ter, pois sempre tivemos um tributarista no supremo. Hoje, efetivamente, nós não te-mos. por exemplo, foi cogitada a misabel derzi quando entrou a carmem lúcia. Foram cogitados o Heleno torres e o Humberto Ávila, mas entrou o roberto barroso, que é um excelente constitucionalista. o carlos mário Veloso era um tributarista, um conhecedor profundo do direito tributário. o josé carlos moreira alves, apesar de se di-zer civilista, era um excelente tributarista. Hoje nós temos grandes ministros, mas nenhum de formação tributária.

rT - o direito brasileiro se destaca, no contexto glo-bal, pela sua alta litigiosidade. nesse quadro, o direito tributário contribui com fração significativa, nas diversas

esferas de competência. em sua visão, que medidas ou direções nos encaminhariam para um direito tri-butário com menos litígio? qual a sua opinião sobre a transação aplicada no direito tributário? e sobre a execução fiscal administrativa?dr. ives - eu considero a execução fiscal administrativa um verdadeiro absurdo porque quem tem o poder de im-por evidentemente faz o que bem entende se não houver uma limitação na lei. e todo o sistema foi pensado, desde os pais do direito tributário, em uma época que o direito tributário era feito por juristas e não por “regulamenteiros” (hoje em dia são “regulamenteiros” que fazem as normas tributarias, por isso há essa alta litigiosidade), para não haver essa possibilidade de execução, mesmo sabendo que era um direito muito melhor composto. muitas vezes a procuradoria nacional vem forçando, até decisões recentes do stj, não querendo sequer dar efeito suspensivo nas execuções. É como quem dissesse o seguinte: a constituinte disse que há uma ampla defesa. cabe a nós do poder tributário no brasil, aqueles que tem o direito da imposição, fazer o “ampla” cada vez menos ampla. e se nós analisarmos o que havia de ampla defesa em 05 de outubro de 1988, e o que toda essa manipu-lação, essa amputação do direito que nós tivemos por parte da receita Federal e dos fiscos estaduais e municipais no direito do contribuinte até hoje, nós vamos verificar que o “ampla” passou a ser apenas um adjetivo retórico dentro do artigo 5º, inciso lV, da constituição. não há ampla defesa nenhuma. o Fisco faz o que bem entende, e agora com essa decisão

No regime militar, em ma-téria tributária, eu tinha mais segurança jurídica do que hoje”

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do stj nem há efeito suspensivo nos embargos à execução. nós corremos o risco efetivamente de não haver defesa por parte do contribuinte. agora, por que eliminaríamos a litigiosidade? se nós tivéssemos uma legislação mais simplificada não haveria tantos problemas. Falta simplificação. eu acho que a fidalguia maior do poder é fazer a lei clara. a clareza do legislador representa a elegância do poder perante o contribuinte. quando as leis são confusas, dando a impressão de que são confusas justamente para beneficiar sempre o fisco, é evidente que se provoca litigiosidade. assim, com a carga tributária pesada e leis com-plexas, o governo é obrigado a toda hora fazer parcelamentos, porque diversas empresas, não por sonegação, mas por inadimplência e incapacidade de pagar, ou por interpretações incorretas do fisco, são obrigadas a pleitear. em resumo, a palavra é simplificação. se tivéssemos uma legislação simplificada, mesmo que mantivésse-mos essa escorchante carga tributária, o custo ope-racional das empresas e dos contribuintes, com uma legislação mais simples, já representaria uma redu-ção do peso da carga tributária, porque não teriam que gastar com contadores e advogados para poder cumprir uma legislação que as próprias autoridades desconhecem. e quantas vezes elas modificam pro domo sua, como aconteceu, por exemplo com a pe-trobrás, no governo lula e no governo dilma, que teve que fazer “maquiagens” para poder justificar o superávit primário. então se nós tivéssemos simplifi-cação haveria menor litigiosidade.

rT - qual o jurista que o senhor mais admira e por quê?dr. ives - o jurista que eu mais admirei na vida foi meu professor. nós tivemos alguns trabalhos es-critos, e eu o substituí na academia brasileira de Filosofia. tive esse privilégio, o que me comoveu muito. Foi o miguel reale. a meu ver o maior filó-sofo e o maior jurista do brasil no século passado. e eu acrescentaria um segundo grande nome, que eu considero uma figura também paradigmática,

que era o ministro josé carlos moreira alves. di-zia-se no stF que, ao passo que o supremo era o guardião da constituição, o moreira alves era o guardião do supremo.

rT - que livro o senhor considera que todo estudante de direito deve ler?dr. ives - um livro que é de uma simplicidade monu-mental, mas que dá a espinha dorsal do direito, cha-ma-se lições preliminares de direito, de miguel reale. o estudante tem que começar conhecendo isso e, a partir daí, é extremamente simples entrar por todas as outras áreas do direito. conhecer as lições prelimina-res de direito facilita a compreensão de todo o resto. e é um livro que é genial por sua simplicidade.

rT - qual, na sua opinião, o grande tema do direito tributário hoje em dia? se o senhor fosse sugerir um tema para pesquisa, a um estudante iniciando a car-reira acadêmica, qual indicaria?dr. ives - o tema que me parece hoje mais re-levante em nível de tributação é, de um lado, as limitações constitucionais ao poder de tributar (a necessidade de um código de defesa do contribuin-te, como acontece na maior parte dos países), e, de outro lado, encontrarmos um sistema dos tributos circulatórios que nos aproxime da europa. a europa, hoje, com 27 países, tem um único tributo europeu que é o imposto sobre valor agregado. no brasil nós temos ipi, icms, iss, coFins, pis, cide, etc., o que representa, sobre os fatos circulatórios, excesso de tributação.

Utilize o link abaixo para assistir à entrevista na íntegra: http://youtu.be/61DMdELIg-I

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Opinião

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Multas x Confisco - Um Dilema a ser Resolvido

Introdução

entre as várias limitações estabelecidas pela constitui-ção Federal de 1988, a proibição de “utilizar tributos com efeito de confisco” (artigo 150, inciso iV) vem suscitando diversos debates no mundo jurídico, com relação a sua abrangência, principalmente quando o assunto é determinação da multa aplicável em casos de descumprimento de obrigações tributárias.

a vedação ao poder de tributar representa um limite material ao Fisco, inspirado nos princípios supra jurídicos de moderação, razoabilidade e pro-porcionalidade. dessa forma, em última instância, a limitação de utilizar tributo com efeito de confisco representa uma proteção constitucional à proprieda-de privada e à liberdade de iniciativa. portanto, o princípio da vedação do confisco tem como escopo preservar a propriedade dos contribuintes ante a voracidade fiscal do estado.

nesse mesmo sentido, o ministro celso de mello, no julgamento da adi 1.075-mc, justificou o prin-cípio do não confisco como uma forma de impedir “a interdição, pela carta política, de qualquer pre-tensão governamental que possa conduzir, no campo da fiscalidade, à injusta apropriação estatal, no todo ou em parte, do patrimônio ou dos rendimentos dos contribuintes, comprometendo-lhes, pela insuportabili-dade da carga tributária, o exercício do direito a uma existência digna, ou a prática de atividade profissional lícita ou, ainda, a regular satisfação de suas neces-sidades vitais básicas”.

resta claro, portanto, que os tributos estão re-vestidos por essa garantia constitucional. entretanto, o presente estudo não quer discutir a vedação ao princípio do não confisco aos tributos, mas sim a possibilidade de conferir uma leitura extensiva do ar-tigo 150, inciso iV, da constituição Federal a fim de

aplicá-lo às multas fiscais. É pacífico o entendimento pelos tribunais superiores

de que a vedação ao confisco engloba o instituto da multa. o supremo tribunal Federal, em tempos mais remotos, já admitia a extensão do não confisco às multas, conforme o entendimento do então ministro bilac pinto, proferido no julgamento do re 80.093-sp: “devemos deixar claro, porém, que não apenas os tributos, mas também as penalidades fiscais, quando excessivas ou confiscatórias, estão sujeitas ao mesmo tipo de controle jurisdicional”.

entre os vários tipos de multas previstas no orde-namento jurídico brasileiro, não iremos discriminar cada espécie de multa, mas sim tratá-las de forma geral.

Limite das multas fiscais

uma vez que o princípio do não confisco engloba não somente os tributos mas também as multas fiscais, é preciso determinar um patamar máximo aceitável para esse tipo de sanção, ou seja, um limite estipulado que caracterize uma multa como sendo ou não confiscatória.

não há, entretanto, no ordenamento jurídico brasilei-ro, uma definição positivada de qual valor ou porcen-tagem qualifica o confisco, tampouco um limite máximo aceitável para as multas fiscais. cabe ao juiz, no caso concreto, estabelecer se essa ou aquela multa pode ser qualificada como confiscatória ou não.

nesse sentido, cada julgador tem a arbitrariedade de decidir no caso concreto se determinada multa estipula-da pode ser considerada confiscatória? não. de certa forma, ainda que não expressa, o juiz deve ater-se à jurisprudência dos tribunais superiores que, em seus precedentes, oferecem os parâmetros a serem obser-vados pelos juízos e tribunais inferiores no julgamento de casos semelhantes.

Por Rafael Ephraim Dzik

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Jurisprudência dos Tribunais

o stF por diversas oportunidades enfrentou variados casos em que se discutia a constitucionalidade de multas fiscais à luz do principio do não confisco. entre os julgados de maior destaque estão a adi 1.075, de relatoria do ministro celso de melo, e a adi 551, de relatoria do ministro ilmar galvão. ambas as decisões servem de leading cases para outros julgados.

o ilustríssimo ministro celso de melo, na adi 1.075, determinou a inconstitucionalidade de apli-cação de multa fiscal no percentual de 300% in-cidente sobre o fato gerador, aplicável em casos de omissão de rendimentos, conforme previsão do artigo 3º da lei 8.846/1991.

nesse mesmo sentido, o ministro relator gilmar mendes e a ministra ellen gracie reconheceram a inconstitucionalidade de multas moratórias superiores a 100%. neste julgado o ministro gilmar mendes faz re-ferência aos dois julgados listados acima: “a propósito, o tribunal pleno desta corte, por ocasião do julgamen-to da adi-mc 1075, rel. min. celso de mello, dj 24.11.2006, e da adi 551, rel. min. ilmar galvão, 14.11.2000, entendeu abusivas multas moratórias que superaram 100% [...]”.

o re 582.461, de relatoria do ministro gilmar mendes, foi julgado com repercussão geral, no sen-tido de assentar a constitucionalidade da multa de mora no percentual de 20%, como prevê a legislação do estado de são paulo (artigo 87 da lei estadual n.6.375/1991). por maioria dos votos, o tribunal negou provimento ao recuso do contribuinte, reco-nhecendo a constitucionalidade da multa aplicada no patamar de 20%.

recentemente, o ministro celso de melo, em de-cisão monocrática, considerou inconstitucional a multa de 25% cobrada pelo estado de goiás de empre-sas que falsificam ou prestam informações erradas em notas fiscais do imposto sobre a circulação de mercadorias e serviços (icms). para o ministro, a penalidade é confiscatória.

a partir dos julgados acima mencionados, podemos afirmar que toda e qualquer multa acima de 100% é inconstitucional e qualquer multa igual ou menor a 20% sobre o valor da ação é constitucional? certamente não, uma vez que cada tipo de multa fiscal deve ser tratada de forma diferente, tendo em vista as diferentes graduações de gravidade dos atos que geram suas determinadas sanções.

dessa forma, o que levar em consideração na hora de ponderar a multa fiscal aplicável pelo descumpri-mento de obrigação tributária?

Determinação da multa aplicável:

existem três aspectos importantes que o julgador ou o fiscal deve levar em consideração no momento de determinar a multa fiscal aplicável: (i) o tipo da mul-ta impugnada, (ii) a natureza do tributo em ques-tão e (iii) a capacidade contributiva do contribuinte. esses três aspectos são fundamentais para que o juiz consiga definir com clareza se a multa infringe o princípio do não confisco.

certamente, não existe nenhuma equidade em dar o mesmo tratamento à todos os tipos de multas ex-tistente, visto que é de se esperar que as condutas mais graves sejam punidas com multas mais severas, com valores mais elevados. não faz nenhum sentido sancionar com o mesmo percentual multas qualificadas pela sonegação fiscal ou fraude e multas decorrentes do descumprimento de obrigação acessória.

o segundo aspecto diz respeito à natureza da obrigação tributária cujo descumprimento origina a sanção. decerto a aptidão extrafiscal do tributo e a possibilidade de transferência da carga fiscal do contribuinte de direito para o contribuinte de fato são critérios a serem considerados no momento de determinação da multa aplicável. o direito deve san-cionar mais aquele que age com dolo inconstestável, prejudicando não somente o Fisco mas também os contribuintes ao seu redor. por isso, parace plausí-vel que a sanção aplicável ao descumprimento das obrigações relativas ao imposto de importação possa

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ser superior a que se exige em matéria de iss, diante da natureza predominantemente indutora (ex-trafiscal) do primeiro imposto.

por último, o juiz deve analisar a capacidade contributiva do contribuinte, já que determinada multa pode ser confiscatória para certos contribuintes e não ser confiscatória para outros, sempre atendo-se a sua capacidade contributiva. para uma empresa pequena, determinada multa fiscal pode comprometê-la a ponto de ter que “fechar as portas”, enquanto para uma empresa grande o mesmo percentual de multa não significa tanto na sua receita.

dessa forma, cabe ao juiz determinar a razoabilida-de da multa à luz do principio do não confisco, sempre se atendo aos precedentes dos tribunais superiores.

Conclusão:

conforme destacado acima, o stF sinaliza a neces-sidade de pacificar o entendimento de multa confis-catória, no sentido de equalizar os percentuais de multas aplicados. entretanto, existe ainda uma grande dificuldade, por parte do stF, em assentar o en-tendimento dos valores que podem ser considerados confiscatórios ou não.

essa dificuldade muito se deve às diversas va-riáveis existentes para determinar a multa aplicável, uma vez que a configuração ou não da multa con-fiscatória depende do caso concreto, inexistindo, por exemplo, uma lei ou um precedente forte que assen-te o entendimento de que multas moratórias acima de 20% são inconstitucionais. portanto, a qualificação de uma multa fiscal como sendo confiscatória está in-trinsicamente ligada à situação concreta que originou determinada sanção.

a multa fiscal não pode ser tão baixa a ponto de incentivar o descumprimento da obrigação tributária, nem tão alta a ponto de condenar o contribuinte a “fechar as portas” do seu negócio, visto que muitas vezes são mais altas que o valor do imposto.

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Min. Celso de Mello, Plenário, DJ de 24-11-2006;

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gos_leitura&artigo_id=3839;

NETO, Celso de Barros Correia, Como o Supremo De-

fine uma multa confiscatória? Disponível em: http://

www.conjur.com.br/2013-set-14/observatorio-consti-

tucional-supremo-define-multa-confiscatoria;

rAFAel ephrAim dziK

aluno do 2º ano da Faculdade de direito do largo são Francisco - usp

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A observância indissociável da capacidade contributiva e do efeito confiscatório

Aspectos gerais

para o estudo sistemático de uma matéria, é neces-sário estabelecer critérios objetivos para que se possa compreender a amplitude do tema. nesse sentido, con-vém estabelecer possíveis critérios para colocação da problemática acerca da capacidade contributiva dentro da ciência do direito tributário, tendo em vista sua relação umbilical com a vedação ao confisco no que tange à carga tributária incidente sobre o contribuinte e às sanções tributárias aplicadas.

diga-se de passagem, a inobservância desses critérios objetivos (dado que são inexistentes) já pode ser notada na própria dicção do art. 145, §1o, da constituição Federal de 1988, donde se infere que, se há atecnia em nossa norma superior, maior efeito deletério poderá ser observado em nosso or-denamento infraconstitucional.

partindo dessa premissa, a falta de um paradigma confiável como norte da questão impõe relevância ao tema e reforça os argumentos de parte da população e de grandes juristas que clamam por reforma tributária.

Vejamos, em rasa análise, que já é possível cons-tatar a imprecisão do texto constitucional no emprego da expressão “sempre que possível” - que, como adu-ziremos, trata-se de um princípio - e no equivocado emprego da parte pelo todo, vez que aparece o termo “impostos” ao invés de tributos, sendo que, no ponto, o prejuízo é um truísmo, porque sabidamente é o im-posto um tributo em espécie, merecendo, neste caso, interpretação extensiva com afinco de atingir também as demais espécies tributárias na medida em que o princípio da capacidade contributiva alcançar.

para a problemática expressão “sempre que possí-vel”, entendemos pela tese que contempla a expressão

como verdadeiro princípio de direito tributário, pois como leciona robert alexy:

(…) es que los principios son normas que ordenan que algo sea realizado em la mayor medida po-sible, dentro de las posibilidades jurídicas y reales existentes. por lo tanto, principios son mandatos de optimización, que están caracterizados por el hecho de que pueden ser cumplidos em diferente grado y que la medida debida de su cumplimento no sólo depende de las posibilidades reales sino también de las jurídicas. (teoría de los derechos Fundamen-tales. madrid. centro de estudios constitucionales. 1993. p. 81)

sendo assim, anotamos que o preceptivo que ex-pressa o princípio da capacidade contributiva deve, por via de todas as espécies tributárias, alcançar sua máxima eficácia em benefício da justiça fiscal e da tributação isonômica.

por mais que sejam os impostos a espécie tribu-tária a qual o princípio da capacidade contributiva se preste por excelência, deve-se compreender a neces-sária extensão do que preceitua o dispositivo cons-titucional, assim como argumenta o nobre professor Werther botelho spagnol:

não se deve prevalecer, pois, a exegese oriunda de uma leitura apressada e superficial da norma inserta no art. 145, §1o, da constituição Federal, que, ao se referir exclusivamente a impostos, não está a restringir a capacidade contributiva a essa espécie tributária, mas sim a atribuir à sua aplicação nesses casos, facetas específicas, relativas aos mandamen-

por Arthur Felipe Silva Sian

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tos da progressividade e pessoalidade. (curso de direito tributário. 3 edição. belo Horizonte. editora del rey. 2004. p. 119)

em consequência, é imperiosa a observância de mínimos critérios objetivos ou, como dito, ao menos um paradigma confiável que norteie a matéria, reforçando cada vez mais a relevância do tema.

Fato que também será observado é o trata-mento dado pela jurisprudência que preceitua, de forma equivocada, uma possível separação entre a vedação ao confisco e a capacidade contributiva, enquanto o correto seria ater-se ao confisco como critério objetivo indissociável para a mensuração da aplicação desta.

superadas as noções introdutórias nesse en-saio, passa-se à alusão da ideia central: a in-dissociável análise dos dois preceptivos e critérios que tangenciam suas extremidades, além de con-sequências práticas.

Capacidade contributiva e efeito confiscatório

importante lição pode-se extrair dos estudos de Klaus tipke e douglas yamashita:

podemos, assim, afirmar que a capacidade contribu-tiva, concretizada como renda, é a verdadeira mãe de todos os impostos, inclusive, do imposto de ren-da. desta forma, o princípio da capacidade contribu-tiva consiste no princípio fundamental da unidade do ordenamento jurídico dos impostos. (justiça Fiscal e princípio da capacidade contributiva. 1a edição. editora malheiros. 2002. p. 78)

seja na observância do postulado referente à car-ga tributária ou ao âmbito do direito tributário san-cionador – sanções tributárias -, forçosa se faz a observação da capacidade contributiva, sob pena de violação a toda atividade tributante promovida pelo

ente político, pois, a priori, é impossível de se tributar aquilo que não é tributável, ou seja, a insuficiente capacidade econômica do contribuinte.

em se tratando de estado social de direito não há que se falar em tributação daquilo que o próprio estado deve prover ao contribuinte a título de retorno pela arrecadação de tributos. limitação essa a que atribuiremos o nome de mínimo existencial tributário, que consiste na parcela patrimonial ou renda do con-tribuinte que se qualifica como inatingível pelos efeitos da tributação.

nesse sentido, Klaus tipke e douglas yamashi-ta observam que:

num estado liberal não é permitido que o mínimo existencial seja subtraído pela tributação, parcial ou totalmente, e uma compensação seja dada em be-nefícios previdenciários. o estado não pode, como estado tributário, subtrair o que, como estado so-cial, deve devolver. (justiça Fiscal e princípio da capacidade contributiva. 1a edição. editora malhei-ros. 2002. p. 34)(grifamos)

ainda é válido dirimir a confusão quanto às expres-sões “capacidade contributiva” e “capacidade econô-mica”, pois, enquanto a primeira é o próprio princípio insculpido no art. 145, §1o, cF/88, a segunda é critério objetivo que demonstra a aptidão do contribuinte para a incidência de carga tributária.

tendo essa distinção bem delineada, o citado mí-nimo existencial tributário corresponde diretamente ao contribuinte que não detém capacidade econômica su-ficiente para a incidência tributária.

observa-se que, ainda que haja capacidade econô-mica, em determinados casos não haverá capacidade contributiva em respeito ao mínimo existencial tributário, ao que elevamos a critério objetivo mínimo para que exista tributação.

o estado não deve patrocinar a desigualdade, de-vendo-se valer da tributação para dado controle, como já afirmava o ilustríssimo mestre gaúcho, alfredo au-

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gusto becker, ao mencionar em uma de suas clássicas obras que: o instrumental revolucionário que eu - já em 1963 – analisava e recomendava como decisivo era (e continua sendo) o instrumento da política Fis-cal: o tributo. (carnaval tributário. 2a edição. editora lejus. 2004. p. 15)

essa mensuração deve ser feita sob a égide do critério da pessoalidade, como apregoa o próprio dis-positivo em análise, levando-se em conta aptidão in-dividual, senão vejamos:

art. 145. (…)§ 1º - sempre que possível, os impostos te-rão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patri-mônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.(grifamos)

como se nota, valendo-se de certos critérios, é possível adotar e reconhecer um mínimo, ainda que a mensuração deste deva ser feita mediante um juízo de valor caso a caso pelo julgador, tendo em vista a omissão legislativa.

nesse sentido, anota Francesco moschetti:

(…) no conceito da capacidade contributiva está implícito um elemento de juízo, uma avaliação, uma estimação sobre a idoneidade para concorrer à des-pesa pública. trata-se, na verdade, de uma apre-ciação fundamental, um juízo de valor sobre a aptidão para contribuir. (il principio della capacitá contributiva. pádua. cedam. 1973. p. 236)

contudo, maior problemática se encontra no outro extremo: fixação de um critério máximo para a tributação.

a jurisprudência desassociou a capacidade con-tributiva da vedação ao confisco (art. 150, iV,

cF/88) e, ao que pese, entendemos que o segundo nada mais é do que critério objetivo para a aferição de violação da primeira.

por meio do critério da pessoalidade, que é inerente à capacidade contributiva, é imperativo identificar a capacidade econômica do contribuinte e, consequen-temente, chegar-se a um razoável nível de tributação sobre o mesmo – se for o caso.

para tanto, a título de exemplo, se os efeitos da tributação sob o contribuinte tangenciarem o mínimo existencial tributário, restará configurado o efeito con-fiscatório do tributo ou da sanção tributária aplicada, pois, como dito, existem determinados casos em que haverá capacidade econômica, porém, não haverá capacidade contributiva.

noutro giro, entendemos pela violação da ca-pacidade contributiva também quando o contri-buinte goza de elevada capacidade econômica e a carga tributária impressa sobre o mesmo não é de cunho elevado.

referida violação ocorre com frequência pelo fato de a análise da carga tributária começar por onde deveria terminar, sendo primeiro em “confisco”, e tampouco se fala em capacidade contributiva.

É indissociável a capacidade contributiva do confis-co, e assim sendo, devemos nos ater ao ponto de que primeiro deve haver a graduação mediante o critério pessoal, como preceitua o dispositivo constitucional, e somente depois a justa graduação do tributo/sanção aplicável, sendo o confisco apenas um critério de men-suração posterior.

não se defende, nesse ensaio, a aplicação de cargas tributárias exorbitantes por parte do ente tri-butante, pelo contrário, revela-se que a falta de res-ponsabilidade com que se tributa atinge em grande maioria dos casos o que denominamos de mínimo existencial tributário.

levando-se em conta, obviamente, que o tributo não poderá servir de sanção como apregoa seu pró-prio conceito trazido pelo art. 3º, ctn, e que a carga tributária incidente sobre o contribuinte não está com-posta somente pelo tributo, mas, por vezes, por uma

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infinidade de outros incidentes, como juros de mora, sanções, etc., repisamos que o confisco só será al-cançado se a análise passar previamente pelo crivo da capacidade contributiva.

a justiça Fiscal, embora de conceito impreciso, lastreia-se junto à igualdade e à redistribuição de renda proposta por uma função secundária do tri-buto frente ao estado social de direito, e assim sendo, ressalta tipke, o estado social não pode explorar seus cidadãos contribuintes em favor de cidadãos socialmente indignos. (justiça Fiscal e princípio da capacidade contributiva. 1a edição. editora malheiros. 2002. p. 44)

para tanto, não é o que se observa no de-sempenho do direito tributário sancionador que se presta, vez mais, em promover desigualdade a permitir com que a mesma carga tributária seja considerada confiscatória para “grandes empresas e pequenos contribuintes”.

em âmbito jurisprudencial, é muito difícil ter-se notícia de que houve manifestações expressas e reiteradas no sentido de que o princípio da ca-pacidade contributiva conteve força suficiente como fundamentação para declarar a abusividade em pe-nalidades de cunho fiscal, ou, sequer, de carga tributária exagerada, em outros dizeres, a própria inconstitucionalidade tributária.

contudo, ainda que não expressamente levado em consideração, o princípio é um imperativo cons-titucional que se presta não porque o pode fazê-lo, mas, sim, porque o deve, já que a obrigação em sua aplicabilidade condiz a limitar o exercício das competências tributárias (inclusive na implicação de sanções) e garantir a plena efetivação dos primados da igualdade e da justiça fiscal, sendo a vedação ao confisco, apenas, uma delimitação objetiva da capacidade contributiva, e não uma consideração autônoma como vem se observando – o que significa dizer, não há violação ao confisco sem que exista prévia violação ao postulado da capacidade contributiva.

Referências Bibliográficas

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ArThur Felipe silVA siAnadvogado e consultor tributário. pós-graduando em direito tributário pelo instituto brasileiro de estudos tributários – ibet. bacharel em direito pela uni-versidade Federal de mato grosso do sul.

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