revista faeeba n36

Upload: deanedjesus

Post on 30-Oct-2015

245 views

Category:

Documents


1 download

TRANSCRIPT

  • 7/16/2019 Revista FAEEBA n36

    1/254

    EDUCAO ERURALIDADES

  • 7/16/2019 Revista FAEEBA n36

    2/254

    UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA - UNEB

    Reitor: Lourisvaldo Valentim da Silva; Vice-Reitora: Adriana dos Santos Marmori Lima

    DEPARTAMENTO DE EDUCAO - CAMPUS IDiretor: Antnio AmorimPrograma de Ps-Graduao em Educao e Contemporaneidade PPGEduC Coordenador: Elizeu Clementino de Souza

    CONSELHO EDITORIAL

    GRUPO GESTOR

    Editora Geral: Tnia Regina DantasEditora Executia: Lige Maria Sitja FornariCoordenadora Administratia: Nolia Teixeira de MatosAntnio Amorim (DEDC I), Elizeu Clementino de Souza (PPGEduC),Walter Von Czekus Garrido, Maria Nadija NunesBittencourt, Lynn Rosalina Gama Alves (Suplente), Joselito Brito de Almeida (representante discente)

    REVISTA FINANCIADA COM RECURSOS DA PETROBRAS S.A.

    Conseleiros nacionaisAntnio AmorimUniversidade do Estado da Bahia-UNEBAna Chrystina Venncio MignotUniversidade do Estado do Rio de Janeiro-UERJ

    Betnia Leite RamalhoUniversidade Federal do Rio Grande do Norte-UFRNCipriano Carlos LuckesiUniversidade Federal da Bahia-UFBADalila OliveiraUniversidade Federal de Minas Gerais-UFMGEdivaldo Machado BoaventuraUniversidade Federal da Bahia-UFBAEdla EggertUniversidade do Vale do Rio dos Sinos-UNISINOSElizeu Clementino de SouzaUniversidade do Estado da Bahia-UNEBJaci Maria Ferraz de Menezes

    Universidade do Estado da Bahia-UNEBJoo Wanderley GeraldiUniversidade Estadual de Campinas-UNICAMPJos Carlos Sebe Bom MeihyUniversidade de So Paulo-USPLige Maria Sitja FornariUniversidade do Estado da Bahia-UNEBMaria Elly Hertz GenroUniversidade Federal do Rio Grande do Sul-UFRGSMaria Teresa Santos CunhaUniversidade do Estado de Santa Catarina-UDESC

    Ndia Hage FialhoUniversidade do Estado da Bahia-UNEBPaula Perin Vicentini

    Universidade de So Paulo-USP

    Conseleiros internacionaisAdeline Becker

    Brown University, Providence, USAAntnio Gomes FerreiraUniversidade de Coimbra, PortugalAntnio NvoaUniversidade de Lisboa- PortugalCristine Delory-MombergerUniversidade de Paris 13 FranaDaniel Suarez

    Universidade Buenos Aires- UBA- ArgentinaEllen BiglerRhode Island College, USAEdmundo Anibal HerediaUniversidade Nacional de Crdoba- ArgentinaFrancisco Antonio LoiolaUniversit Laval, Qubec, CanadaGiuseppe MilanUniversit di Padova ItliaJulio Csar Daz ArguetaUniversidad de San Carlos de GuatemalaMercedes VillanovaUniversidade de Barcelona, EspaaPaolo Orece

    Universit di Firenze - Itlia

    Coordenador do n. 36: Prof. Dr. Elizeu Clementino de SouzaOs/as pareceristas ad hoc do nmero 35 e 36: Doutores: Aline Silva Lara de Alvarenga, Ana Chrystina Mignot, AnamariaGonalves Bueno de Freitas, ngela Santana, Antonio Dias Nascimento, Beatriz T. Daudt Fischer, Carmen Sanches Sampaio,Charliton Jos dos Santos Machado, Christine Jacquet, Clarice Santos Mota, Cludia Maria Ribeiro, Cleiton de Oliveira, DcioGatti Jnior, Desire De Vit Begrow, Dislane Zerbinatti Moraes, Eduardo Jos Fernandes Nunes, Ecleide Cunico Furlanetto,Elaine Pedreira Rabinovich, Eliseu Clementino de Souza, Gabrielle Grossi, Ilsen Chaves da Silva, Jadir de Morais Pessoa, JooFerreira de Oliveira, Joceval Andrade Bitencourt, Josemar da Silva Martins , Jlio Emlio Diniz -Pereira, Luciana Duccini,Liana Gonalves Pontes Sodr, Lvia Fialho Costa, Luciano Costa Santos, Lucilene Reginaldo, Lynn Alves, Maria da GloriaCanto de Souza, Maria Luisa Xavier, Maria Teresa Santos Cunha, Marcea Andrade Sales, Marcos Luciano Lopes Messeder,Marcos Silva, Narcimria Correia do Patrocnio Luz, Paula Perin Vicentini, Rita de Cassia Gallego, Ronalda Barreto Silva,Sandra Soares, Thierry De Burghgrave.

    Reiso: Luiz Fernando Sarno; Bibliotecria (referncias): Jacira Almeida Mendes; Traduo/reiso: Eric Maheu; Capa eEditorao: Linivaldo Cardoso Greenhalgh (A Luz, de Caryb Escola Parque, Salvador/BA); Secretria: Dinamar Ferreira.

    Robert Evan VerhineUniversidade Federal da BahiaTnia Regina DantasUniversidade do Estado da Bahia-UNEBWalter Esteves Garcia

    Associao Brasileira de Tecnologia Educacional / InstitutoPaulo Freire

  • 7/16/2019 Revista FAEEBA n36

    3/254

    Revista da FAEEBA

    Educaoe Contemporaneidade

    Departamento de Educao - Campus I

    UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA UNEB

    ISSN 0104-7043

    Reista da FAEEBA: Educao e Contemporaneidade, Salador, . 20, n. 36, jul./dez. 2011

  • 7/16/2019 Revista FAEEBA n36

    4/254

    Tiragem: 1.000 exemplares

    Revista da FAEEBA: educao e contemporaneidade / Universidade do

    Estado da Bahia, Departamento de Educao I v. 1, n. 1 (jan./jun.,

    1992) - Salvador: UNEB, 1992-

    Periodicidade semestral

    ISSN 0104-7043

    1. Educao. I. Universidade do Estado da Bahia. II. Ttulo.

    CDD: 370.5

    CDU: 37(05)

    Revista da FAEEBA EDUCAO E CONTEMPORANEIDADERevista do Departamento de Educao Campus I(Ex-Faculdade de Educao do Estado da Bahia FAEEBA)

    Publicao semestral temtica que analisa e discute assuntos de interesse educacional, cientco e cul-tural. Os pontos de vista apresentados so da exclusiva responsabilidade de seus autores.

    ADMINISTRAO: A correspondncia relativa a informaes, pedidos de permuta, assinaturas, etc.deve ser dirigida :

    Revista da FAEEBA Educao e ContemporaneidadeUNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIADepartamento de Educao I - NUPERua Silveira Martins, 2555 - Cabula41150-000 SALVADOR BAHIA - BRASILTel. (071)3117.2316

    E-mail: [email protected] para publicao: vide ltimas pginas.

    E-mail para o envio dos artigos: [email protected] / [email protected] da Revista da FAEEBA: http://www.revistadafaeeba.uneb.br

    Indexada em /Indexedin:- REDUC/FCC Fundao Carlos Chagas - www.fcc.gov.br - Biblioteca Ana Maria Poppovic- BBE Biblioteca Brasileira de Educao (Braslia/INEP)- Centro de Informao Documental em Educao - CIBEC/INEP - Biblioteca de Educao- EDUBASE e Sumrios Correntes de Peridicos Online - Faculdade de Educao - Biblioteca UNICAMP- Sumrios de Peridicos em Educao e Boletim Bibliogrco do Servio de Biblioteca e Documentao- Universidade de So Paulo - Faculdade de Educao/Servio de Biblioteca e Documentao.www.fe.usp.br/biblioteca/publicaes/sumario/index.html- CLASE - Base de Dados Bibliogrcos en Ciencias Sociales y Humanidades da HemerotecaLatinoamericana - Universidade Nacional Autnoma do Mxico:E-mails: [email protected] e [email protected] / Site: http://www.dgbiblio.unam.mx- INIST - Institut de lInformation Scientique et Technique / CNRS - Centre Nacional de la RechercheScientique de Nancy/France - Francis27.562.Site: http://www.inist.fr- IRESIE - ndice de Revistas de Educacin Superior e Investigacin Educativa (Instituto deInvestigaciones sobre la Universidad y la Educacin - Mxico)

    Pede-se permuta / We ask for exchange.

  • 7/16/2019 Revista FAEEBA n36

    5/254

    Revista da FAEEBA Educao e Contemporaneidade, Salvador, v. 20, n. 36, p. 1-256, jul./dez. 2011

    S U M R I O9 Editorial

    10 Temas e prazos dos prximos nmeros da Revista da FAEEBA

    Educao e Contemporaneidade

    15 Apresentao:Eliseu Clementino de Souza

    19 Abertura das prticas da interveno social ao territrio: um dispositivo de pesquisa eformao.

    Izabel Galvo; Christine Delory-Momberger; Jean-Claude Bourguignon; Jean-Jacques

    Schaller31 Biograzao como competncia-chave na modernidade.

    Peter Alheit

    43 Nuevas formas de organizacin colectiva y produccin de saber pedaggico: la Red deFormacin Docente y Narrativas Pedaggicas.

    Daniel H. Suarez; Agustina Argnani

    57 Uma obra referncia para professores rurais: escola primria rural.Dris Bittencourt Almeida

    69 Naturaleza, ruralidad y educacin en Clestin Freinet

    Jos Gonzlez Monteagudo

    79 Con el invernadero aprendimos todos Aprendimos todo. Conocimientos y prcticassociales de jvenes rurales.

    Ana Padawer

    93 Unas maestras que dejaron huella: rastreando en la memoria de las maestras ruralesTeresa Gonzlez Prez

    105 Histrias de vida de professoras rurais: apontamentos sobre questes histricas e polticasde formao.

    Lcia Gracia Ferreira

    115 Aulas com professores em casa: memrias do ensino rural em Bom Jesus (1910 1940)Luciane Sgarbi S.Grazziotin

    127 Professores da cidade, alunos da roa: identidades e discursos na escolaJane Adriana Vasconcelos Pacheco Rios

    137 No ser s um carregador de livro: elaboraes de jovens rurais sobre a escolaCatarina Malheiros da Silva

    151 Sujeitos, instituies e prticas pedaggicas: tecendo as mltiplas redes da educaorural na Bahia

    Elizeu Clementino de Souza; Fbio Josu Souza dos Santos; Ana Sueli Teixeira de Pinho;Sandra Regina Magalhes de Araujo

    EDUCAO E RURALIDADES

  • 7/16/2019 Revista FAEEBA n36

    6/254

    Revista da FAEEBA Educao e Contemporaneidade, Salvador, v. 20, n. 36, p. 1-256, jul./dez. 2011

    247 Normas para publicao

    165 O Ensino rural e a atuao do intelectual Acrsio CruzMiguel Andr Berger

    175 Educao rural: retomando algumas questesZeila de Brito Fabri Demartini

    191 Educao do campo, Escolas, ruralidades e projeto do PNEMaria Antonia de Souza; Patrcia Correia de Paula Marcoccia

    205 Da educao rural educao do campo: reviso crticaMary Rangel; Rosngela Branca do Carmo

    217 A modernidade pedaggica no discurso jurdico: a normalizao das populaes infantisCynthia Pereira de Sousa

    227 (Ps)modernidade e processos formativos: a saudvel (in)consistncia dos castelos de areiaMaria Cristina Cardoso Ribas

    ESTUDOS

    245 JARABIZA,Vander. O desenho Infantil na Prtica Pedaggica de Professores da EducaoBsica: das Vivncias s Valorizaes. PPGE/UFPEL. Pelotas. 2009.

    246 BALADELI, Ana Paula Domingos. Desaos na formao de professores para o uso das

    tecnologias da informao e comunicao no ensino e na aprendizagem de Lngua Inglesa.PPGE/ UEM, 2009.

    RESUMOS DE TESES E DISSERTAES

  • 7/16/2019 Revista FAEEBA n36

    7/254

    Revista da FAEEBA Educao e Contemporaneidade, Salvador, v. 20, n. 36, p. 1-256, jul./dez. 2011

    C O N T E N T S

    11 Editorial

    12 Themes and Terms to Submit Manuscript for the Next Volumes of Revista da FAEEBAEducation and Contemporaneity

    EDUCATION AND RURALITIES

    15 PresentationEliseu Clementino de Souza

    19 The Opening of Social Intervention Practices in Local Territory : an educational andresearch device.

    Izabel Galvo; Christine Delory-Momberger; Jean-Claude Bourguignon; Jean-JacquesSchaller

    31 Biographization as a Key Competence in Modern Times.Peter Alheit

    43 New Forms of Collective Organization and Production of Pedagogical Knowledge: thenetwork of teacher training and educational narratives.

    Daniel H. Suarez; Agustina Argnani

    57 A Work Reference for Rural Teachers: rural primary schoolDris Bittencourt Almeida

    69 Nature, Rurality and Education in the Work of Clestin FreinetJos Gonzlez Monteagudo

    79 With the Greenhouse we all Have Learned we learn everything. rural youthsknowledge and social practices

    Ana Padawer

    93 Some teachers who Left their Mark: tracking the memory of rural teachersTeresa Gonzlez Prez

    105 Life Stories of Rural Teachers : notes on historical questions and training policiesLcia Gracia Ferreira

    115 School Teachers at Home: memories of rural education in Bom Jesus (1910-1940)Luciane Sgarbi S.Grazziotin

    127 City Teachers, Countryside Students: identities and discourses within the schoolJane Adriana Vasconcelos Pacheco Rios

    137 Not Being only a Book Holder: rural young people elaborations about schoolCatarina Malheiros da Silva

    151 Subjects, Institutions and Pedagogical Practices: weaving the multiple nets of ruraleducation in Bahia

    Elizeu Clementino de Souza; Fbio Josu Souza dos Santos; Ana Sueli Teixeira de PinhoSandra Regina Magalhes de Araujo

  • 7/16/2019 Revista FAEEBA n36

    8/254

    Revista da FAEEBA Educao e Contemporaneidade, Salvador, v. 20, n. 36, p. 1-256, jul./dez. 2011

    247 Instructions for publication

    165 Rural Education and the Role of Intellectual Acrsio CruzMiguel Andr Berger

    175 Rural education: going back to some issuesZeila de Brito Fabri Demartini

    191 Rural Education, Public Schools, Ruralities and the National Education ProjectMaria Antonia de Souza; Patrcia Correia de Paula Marcoccia

    205 From Rural Education, to Countryside Education: a critical reviewMary Rangel;Rosngela Branca do Carmo

    217 Pedagogical Modernity in the Laws: the normalisation of childrens populationsCynthia Pereira de Sousa

    227 Post-Modernity and Teachers Education: the Healthy Inconsistency of Sand CastlesMaria Cristina Cardoso Ribas

    245 JARABIZA, Vander. Childrens Drawing in the Pedagogical Practices of ElementarySchool Teachers: from experiences to valuation PPGE/UFPEL. Pelotas. 2009.

    246 BALADELI, Ana Paula Domingos. Challenges in Teacher Training for the Use ofInformation and Communication Technologies in the Teaching and Learning of theEnglish Language. PPGE/ UEM, 2009.

    STUDIES

    THESIS ABSTRACTS

  • 7/16/2019 Revista FAEEBA n36

    9/254

    9Revista da FAEEBA Educao e Contemporaneidade, Salvador, v. 20, n. 36, jul./dez. 2011

    EDITORIAL

    O nmero 36 da Revista da FAEEBA Educao e Contemporaneidade,dedicado ao tema Educao e Ruralidades, d visibilidade ao debate aca-dmico focado na problematizao das tenses inerentes ao mundo rural emum cenrio cultural urbanocntrico, que v o setor rural como um obstculo modernizao. Ao debruarem-se sobre a temtica da Educao Rural, osautores aqui reunidos contribuem para qualicar o mundo rural valorizando suaespecicidade e recusando as classicaes dicotmicas que historicamente tmservido para desqualicar as dinmicas sociais, polticas e culturais prpriasdo territrio rural.

    A educao rural, tomada contemporaneamente como educao no/para o

    campo, confronta-se com desaos de ordem paradigmtica. Segundo Boaventu-ra Santos estamos vivenciando a emergncia de epistemologias no plural, frutode um processo de descentralizao e descolonizao em que outros autores/atores sociais buscam que suas vozes sejam ouvidas, buscam narrar suas prpriasverdades. No o caso de negar as diferenas entre o rural e o urbano, nem deinterpretar o rural de forma idlica que outra maneira de domin-lo.

    A opo por essa temtica deu-se pela valorizao heurstica das ruralida-des, pela compreenso da relevncia das experincias dos sujeitos que vivem,trabalham e produzem no espao rural, com a inteno de tornar visveis asinvestigaes e estudos realizados, oportunizando, assim, o intercmbio de

    experincias, o movimento de reexo/ao sobre as vivncias, a socializaodas pesquisas de mbito nacional e internacional e a divulgao do saber pro-duzido coletivamente.

    Este nmero temtico teve a coordenao do Prof. Dr. Elizeu Clementinode Souza, atual Coordenador do Programa de Ps-Graduao em Educao eContemporaneidade do Departamento de Educao-Campus I, a quem coubea articulao com diferentes grupos de pesquisa no Brasil e no exterior, no-tadamente na Alemanha, Argentina, Frana e Espanha, intentando brindar osleitores e assinantes deste peridico com uma contribuio instigante para adiscusso/reexo sobre a produo do conhecimento concernente s diversas

    ruralidades que compem o mundo contemporneo.

    Tnia Regina DantasEditora Geral da Revista da FAEEBA

    Lige Maria Sitja FornariEditora Executiva da Revista da FAEEBA

  • 7/16/2019 Revista FAEEBA n36

    10/254

    10 Revista da FAEEBA Educao e Contemporaneidade, Salvador, v. 20, n. 36, jul./dez. 2011

    Temas e prazos dos prximos nmeros da Revista da FAEEBA:

    Educao e Contemporaneidade

    Enviar textos para Lige Fornari:[email protected] / [email protected] /[email protected]

    N Tema Prazo de entregados artigosLanamento

    preistoCoordenadores

    37Educao de Jovens e Adultose Formao de Professores

    31.10.2011 Abril de 2012Tnia Regina Dantas eMaria Olvia de MatosOliveira

    38 Gesto Educacional e Escolar 30.05.2012Novembro de

    2012Antonio Amorim e IvanNovaes

    39 Educao e Filosoa 31.10.2012 Abril de 2013Luciano Costa Santos eAdailton Ferreira Silva

  • 7/16/2019 Revista FAEEBA n36

    11/254

    11Revista da FAEEBA Educao e Contemporaneidade, Salvador, v. 20, n. 36, jul./dez. 2011

    EDITORIAL

    The Volume 36 of the Revista da FAEEBA Educao e Contempora-neidade, dedicated to the theme Education and Ruralities, offers visibilityto the academic debate around the inherent tensions of the rural world in anurbanocentric cultural scene which perceive the rural sector as an obstacle tomodernization. Bending over the theme of Rural Education, the authors havecontributed to qualify the rural world, highlighting its particularities and chal-lenging the dichotomies which historically have been used to disqualify thesocial, political, and cultural dynamics of the rural space.

    The rural education, presently considered as an education in and for the eld,is confronted to challenges of a paradigmatic order. According to Boaventura

    Santos, we are now living the emergence of plural epistemologies, productof a decentralization and decolonization process in which other social actors/authors sought that their voice be heard and their own truths told. It is not thecase to deny the differences between the urban and the rural worlds, neitherto interpret the rural world in an idyllic way, as it would be an other mannerto dominate it.

    The option for this theme is due to the heuristic valorization of the ruralitiesand to our understanding of the relevancy of the experiences of the subjects wholive, work and produce in the rural space. We intent to turn visible the enquiriesand studies done, giving way to the exchange of experiences, to reections upon

    them and to the socialization of research from Brazil and other countries.This thematic volume was coordinated by Elizeu Clementino de Souza who

    is head of the graduation program in education of the UNEB Faculty of Educa-tion. It was its role to articulated various research groups from Brazil and othercountries, especially from Germany, Argentina, France and Spain, procuring tooffer to our readers a stimulating contribution to the reection upon the produc-tion of knowledge about the ruralities who made up the modern world.

    Tnia Regina Dantas

    General Editor of the Revista da FAEEBALiege Sitja Fornari

    Executive Editor of Revista da FAEEBA

  • 7/16/2019 Revista FAEEBA n36

    12/254

    12 Revista da FAEEBA Educao e Contemporaneidade, Salvador, v. 20, n. 36, jul./dez. 2011

    Email papers to Lige Fornari:[email protected] / [email protected] /[email protected]

    Themes and terms for the next journals of Revista da FAEEBA:

    Educao e Contemporaneidade

    N Temes Terms Anticipated dateof publising Coordinators

    37Education of Youths andAdults

    31.10.2011 April 2012Tnia Regina Dantase Maria Olvia deMatos Oliveira

    38 School Management 30.05.2012 November 2012Antonio Amorim eIvan Novaes

    39 Education and Philosophy 31.10.2012 April 2013Luciano Costa Santose Adailton FerreiraSilva

  • 7/16/2019 Revista FAEEBA n36

    13/254

    EDUCAO ERURALIDADES

  • 7/16/2019 Revista FAEEBA n36

    14/254

  • 7/16/2019 Revista FAEEBA n36

    15/254

    15Revista da FAEEBA Educao e Contemporaneidade, Salvador, v. 20, n. 36, p. 15-18, jul./dez. 2011

    Elizeu Clementino de Souza

    APRESENTAO

    Educao e ruralidades:olhares cruzados sobre ruralidades contemporneas

    As questes postas na contemporaneidade sobre as relaes entre educao eruralidades tem nos permitido ampliar conceitos, apreender diversidades e vivertransformaes dos sujeitos e do mundo rural, numa sociedade marcada pela trans-posio de modelos urbanos para os territrios rurais e, em muitos momentos, pelaapropriao da cultura como uma das novas possibilidades de compreenso do rural,na perspectiva do turismo ecolgico, da agricultura e da transposio de paradigmasculturais e agronmicos, frente aos novos contornos das ruralidades brasileiras.

    Inicialmente, cabe destacar nossa opo terica e poltica pela apreenso do rural,aqui entendido como diversas ruralidades, por entendermos que a singularizao deste

    termo (rural) ou a adoo de educao do campo no d conta das questes que tmmobilizado discusses diversas sobre os territrios rurais. Ainda assim, reconhece-mos como legtimas as polticas atuais sobre educao do campo e as inuncias dosMovimentos Sociais no contexto brasileiro.

    Nossa opo recai sobre possveis articulaes entre prticas escolares e territrio,como fatores que intervm no processo e nos resultados de qualquer escola, mesmoas situadas em regies urbanas. Quando nos referimos s escolas situadas no territriorural, fazem-se necessrios investimentos diversos, na perspectiva de contribuir paraa xao dos sujeitos que habitam o espao rural, as condies de formao dos pro-fessores e do trabalho desenvolvido nas escolas rurais, especialmente, por considerarquestes concernentes remunerao, condies de trabalho, deslocamentos, constru-o de identidades e suas relaes com os territrios de pertencimento, a m de que osconhecimentos produzidos no cotidiano do mundo rural possam favorecer a superaodos graves problemas que atingem a Educao Bsica do sistema pblico no estado daBahia e no Brasil, especialmente no que se refere educao rural/do campo.

    O dossi apresentado congura-se, numa perspectiva dialgica, como espao desocializao de reexes e estudos empreendidos por pesquisadores brasileiros, euro-peus e latino-americanos que se debruam sobre o mundo rural e suas relaes com apesquisa (auto)biogrca, memria, dispositivos de formao e questes vinculadasao trabalho docente no cotidiano das escolas rurais.

    O presente nmero inicialmente expe trs textos que discutem questes de escrita,

    biograzao e documentao narrativa, apresentando reexes terico-metodolgicassobre prticas de interveno, pesquisa biogrca, documentao narrativa como dispo-sitivos de pesquisa-formao. O texto de Izabel Galvo, Christine Delory-Momberger,Jean-Claude Bourguignon e Jean-Jacques Schaller, intituladoAbertura das prticasda interveno social ao territrio: um dispositivo de pesquisa e formao, narraexperincias de pesquisa desenvolvida no interior da Frana com entidades sociaisao destacar, por meio do dispositivo da escrita narrativa, modos como os sujeitossociais criam inteligncia coletiva e dispositivos de pesquisa-formao mediante areexividade. O texto de Peter Alheit, Biograzao como competncia-chave namodernidade, sistematiza questes sobre o processo de biograzao nas socieda-

  • 7/16/2019 Revista FAEEBA n36

    16/254

    16 Revista da FAEEBA Educao e Contemporaneidade, Salvador, v. 20, n. 36, p. 15-18, jul./dez. 2011

    Apresentao

    des modernas, numa interface entre nossa insero no mundo e como construmosdisposies internas em interao com as condies externas, para nos colocarmosbiogracamente no mundo. O artigo de Daniel Hugo Surez e Agustina Argnani,Nuevas formas de organizacin colectiva y produccin de saber pedaggico: la redde formacin docente y narrativas pedaggicas, situa a Rede de Formao Docente e

    narrativas pedaggicas empreendidas como poltica de formao no contexto argentino,na medida em que destaca formas coletivas de construo e reconstruo dos saberespedaggicos no campo educativo.

    O debate sobre o mundo rural ganha contorno por meio de discusses scio-histricas sobre a educao e a escola no territrio rural, mediante reexes acercados aspectos histricos da educao rural, questes sobre histrias de vida, formaoe trabalho docente e suas relaes com a memria, a escrita e as prticas de forma-o. Importa tambm destacar os modos prprios como os textos apresentados nodossi e as singularidades e entradas das pesquisas abordam as diversas ruralidades,seja em relao aos sujeitos (crianas, jovens, homens e mulheres), seja em relaos questes vinculadas s instituies e s prticas pedaggicas no contexto escolarrural e suas diversas materialidades por meio das aulas, dos livros, das escritas e dasnarrativas dos sujeitos que constroem o territrio rural.

    O texto de Dris Bittencourt Almeida, Uma obra referncia para professoresrurais: escola primria rural, centra-se na anlise da obraEscola Primria Rural,no contexto do Rio Grande do Sul no incio da dcada de 1950, como produo daprofessora rural Ruth Ivoty Torres da Silva, ao destacar imagens sobre a escola,professores, alunos e os sujeitos do mundo rural. O artigo de Jos Gonzlez Mon-teagudo,Naturaleza, ruralidad y educacin en Clestin Freinet, discute inunciasda pedagogia de Freinet sobre as escolas rurais ao destacar percursos biogrcos doreferido educador e suas relaes com as concepes de natureza, educao rural,

    mtodo natural, cooperao e aprendizagem. Em seguida, Ana Padawer, no seu textoCon el invernadero aprendimos todos aprendimos todo. Conocimientos y prcticas

    sociales de jvenes rurales, toma o conceito de participao perifrica legtima como objetivo de situar processos de aprendizagens de jovens rurais, suas interfaces como trabalho familiar e as possveis mobilidades vividas entre projetos educacionais eocupacionais, mediante processos de escolarizao e desenvolvimento em territriosrurais no noroeste argentino, ao destacar a importncia do protagonismo dos jovensrurais na construo de seus processos identitrios.

    Teresa Gonzlez Prez, em seu texto Unas maestras que dejaron huella: rastreandoen la memoria de las maestras rurales, parte do contexto educacional espanhol do sculo

    XX para desenhar o traado histrico da biograa das mestras que deixaram marcas.Sua anlise destaca questes polticas sobre a falta de ateno pblica s escolas rurais,especialmente no que se refere formao inicial de professores. Ao recorrer aos relatosautobiogrcos sobre experincias prossionais em interface com a memria oral eas recordaes sobre a educao em territrios rurais na Canria (Espanha), o textoapresenta inquestionvel contribuio terica para as reexes sobre ruralidades nacontemporaneidade.

    A verticalizao sobre o trabalho com histrias de vida e questes de formao sistematizada por Lcia Gracia Ferreira, no artigo intitulado Histrias de vida de

    professoras rurais: apontamentos sobre questes histricas e polticas de formao.

  • 7/16/2019 Revista FAEEBA n36

    17/254

    17Revista da FAEEBA Educao e Contemporaneidade, Salvador, v. 20, n. 36, p. 15-18, jul./dez. 2011

    Elizeu Clementino de Souza

    Ao apresentar aspectos scio-histricos com base na pesquisa (auto)biogrca) deprofessoras rurais do municpio de Itapetinga (BA), destaca o cenrio da educao ruraldo municpio, apontando questes de classe, gnero e do desenvolvimento do trabalhodocente como elementos imprescindveis para a compreenso do espao rural.

    O texto de Luciane Sgarbi S. Grazziotin,intituladoAulas com professores em

    casa: memrias do ensino rural em Bom Jesus (1910-1940), discute, com base naHistria Oral, memrias de sujeitos do espao rural, com nfase nas prticas de es-colarizao, no que se refere s relaes de gnero, questes econmicas, culturais,polticas e religiosas, no territrio rural do municpio de Bom Jesus (RS). O artigode Jane Adriana Vasconcelos Pacheco Rios,Professores da cidade, alunos da roa:identidades e discursos na escola, dialoga entre dizeres e silenciamentos de profes-sores/professoras da cidade sobre as identidades dos alunos da roa que estudam nacidade, no que concerne s prticas discursivas e pedaggicas. Catarina Malheirosda Silva, em seu texto No ser s um carregador de livro: elaboraes de jovensrurais sobre a escola, analisa sentidos das experincias escolares para jovens doDistrito Espraiado e fazendas, localizados em rea rural do municpio de Palmas deMonte Alto (BA). O artigo de Elizeu Clementino de Souza, Fbio Josu Souza dosSantos, Ana Sueli Teixeira de Pinho e Sandra Regina Magalhes de Arajo, Sujeitos,instituies e prticas pedaggicas: tecendo as mltiplas redes da educao ruralna Bahia, analisa questes sobre aes educativas que se desenvolvem em diferentesTerritrios de Identidade do Estado da Bahia, buscando compreender como se da articulao entre as prticas educativas, lugares de aprendizagens com projetoseducativos construidos no/para o mundo rural na contemporaneidade, por meio dashistrias de vida de professores e sujeitos que habitam o territrio rural. O trabalho deMiguel Andr Berger, O ensino rural e a atuao do intelectual Acrsio Cruz, parteda histria cultural como estudo historiogrco, com base na perspectiva biogrca,

    a m de marcar percursos e trajetrias do intelectual Acrsio Cruz para a formao deprofessores para o meio rural no contexto sergipano, com inuncias do INEP paraconstruo de escolas rurais e a criao da Escola Normal Rural. O texto de Zeila deBrito Fabri Demartini, Educao rural: retomando algumas questes, analisa ques-tes concernentes educao rural numa perspectiva scio-histrica, desde o naldo sculo XX at a atualidade do estado de So Paulo, no que se refere oferta dasescolas e congurao dos sujeitos rurais.

    MariaAntnia de Souza e Patrcia Correia de Paula Marcoccia, emEducao docampo, escolas, ruralidades e o Projeto do PNE, analisam metas do Plano Nacionalde Educao (2011-2020), no que se refere educao do campo e sua derivao

    dos movimentos sociais na contemporaneidade, por meio de mltiplas identidadese ruralidades.

    Em Daeducao rural educao do campo: reviso crtica, Mary Rangel eRosngela Branca do Carmo entrelaamquestes histricas da educao rural com aeducao no campo, destacando questes relacionadas s prticas pedaggicas e aotrabalho docente, que historicamente estiveram centradas numa lgica urbanocntricae da transposio da cultura educacional urbana para o mundo rural.

    Na sesso Estudos apresentamos dois trabalhos. O primeiro discute questessobre a modernidade pedaggica e o discurso jurdico sobre a infncia, e o segundodesenvolve questes sobre a (ps)modernidade e processos formativos.

  • 7/16/2019 Revista FAEEBA n36

    18/254

    18 Revista da FAEEBA Educao e Contemporaneidade, Salvador, v. 20, n. 36, p. 15-18, jul./dez. 2011

    Apresentao

    O artigo de Cynthia Pereira de Sousa,A modernidade pedaggica no discurso ju-rdico: a normalizao das populaes infantis, analisa enunciados discursivos sobrea reforma educacional no Brasil e em Portugal acerca da modernidade pedaggicano campo jurdico sobre a infncia. O texto de Maria Cristina Cardoso Ribas, (Ps)modernidade e processos formativos: a saudvel (in)consistncia dos castelos de

    areia, discute questes sobre a ps-modernidade no campo educacional e nas relaese experincias dos sujeitos.Por m, apresentamos dois resumos de teses e dissertaes que versam sobre, o

    desenho infantil e a formao de professores e o uso das tecnologias da informaoe comunicao no ensino de Lngua Inglesa.

    Destaco, ao nalizar esta apresentao dos textos aqui reunidos, que este dossimaterializa-se como ao da pesquisaRuralidades diversas - diversas ruralidades:

    sujeitos, instituies e prticas pedaggicas nas escolas do campo Bahia-Brasil, quecontou com nanciamento da FAPESB e CNPq, e foi desenvolvida em colaboraoentre a Universidade do Estado da Bahia (UNEB), a Universidade Federal do Recn-cavo da Bahia (UFRB) e a Universidade de Paris 13/Nord - Paris8/Vincennes-SaintDenis (Frana), uma parceria entre o Grupo de Pesquisa (Auto)biograa, Formao eHistoria Oral (UNEB), o Grupo de Pesquisa Currculo, Avaliao e Formao (CAF)e o Laboratrio EXPERICE (Universidade de Paris 13).

    Ensejo que o presente dossi possa colaborar com as reexes sobre educaorural no campo educacional brasileiro, contribuindo para a produo e socializaode conhecimentos sobre escolas rurais e seus sujeitos, em estreita relao com osterritrios rurais contemporneos, na perspectiva de superao do eixo centralizadorsubjacente s polticas educacionais nas reas rurais do Brasil, norteado pela lgicaurbanocntrica fortemente presente nesses territrios, em seu cotidiano e em suasescolas.

    Terra, 01 de novembro de 2011Elizeu Clementino de Souza

  • 7/16/2019 Revista FAEEBA n36

    19/254

    19Revista da FAEEBA Educao e Contemporaneidade, Salvador, v. 20, n. 36, p. 19-29, jul./dez. 2011

    Izabel Galvo; Christine Delory-Momberger; Jean-Claude Bourguignon; Jean-Jacques Schaller

    ABERTURA DAS PRTICAS DA INTENVENO SOCIAL

    AO TERRITRIO: UM DISPOSITIVO DE PESQUISA E FORMAO

    Izabel Galvo *

    Christine Delory-Momberger **

    Jean-Claude Bourguignon ***

    Jean-Jacques Schaller ****

    RESUMO

    Este artigo relata aspectos de uma pesquisa-ao-formao realizada junto aentidades sociais situadas no interior da Frana. A pesquisa teve o duplo objetivo

    de investigar as possibilidades de maior abertura das prticas de interveno aosrecursos dos territrios e s demandas de seus habitantes, e de promover a reexodos prossionais sobre o sentido de suas aes. O artigo situa esta problemticano contexto das polticas sociais atuais e destaca a originalidade do dispositivocriado, descrevendo suas etapas e modalidades formativas. Por meio da anlise dosenunciados dos prossionais envolvidos, mostra como a experincia de pesquisapor eles realizada provocou um deslocamento que favoreceu mudanas na posturae prticas prossionais, e como a prtica do registro escrito e do trabalho coletivorepresentaram meios privilegiados de desenvolvimento da reexividade.

    Palaras-cae: Biograzao. Escrita. Polticas sociais. Reexividade. Sentido.

    ABSTRACT

    ThE OPENING OF SOCIAL INTERvENTION PRACTICES IN LOCALTERRITORy : AN EDUCATIONAL AND RESEARCh DEvICE.

    The present article reports aspects of an action research-training conducted alongwith social agencies located in the French countryside. The study had the dualpurpose of investigating the possibilities of introducing intervention practices to

    * Doutora em Educao pela Faculdade de Educao da USP. Professora na Universidade Paris 13/Nord. Pesquisadora noCentro Interuniversitrio EXPERICE. Endereo para contato: 1, rue de Chablis. 93000 Bobigny, Frana. izabel.galvao@univ-

    paris13.fr* * Doutora em Educao pela Universidade Paris 8/Vincennes. Professora na Universidade Paris 13/Nord. Vice-diretora doCentro Interuniversitrio EXPERICE. Presidente da ASIVHIF. Diretora da revista internacional de pesquisa biogrcaLe sujetdans la cit. Endereo para contato: 99, avenue Jean-Baptiste Clment. 93430 Villentaneuse, Frana. [email protected]* * * Adido lingustico. Professor na Universidade Paris 13/Nord. Secretrio de redao deLe sujet dans la cit.. Endereo paracontato: 99, avenue Jean-Baptiste Clment. 93430 Villentaneuse, Frana. [email protected]* * * * Doutor em sociologia pela Ecole en Hautes Etudes en Sciences Sociales/EHESS. Professor na Universidade Paris 13.Pesquisador no Centro Interuniversitrio EXPERICE. Diretor do MasterPolitiques sociales, territoires et stratgies dedirection da Paris 13. Endereo para contato: 99, avenue Jean-Baptiste Clment. 93430 Villentaneuse, Frana. schaller@univ-

    paris13.fr

  • 7/16/2019 Revista FAEEBA n36

    20/254

    20 Revista da FAEEBA Educao e Contemporaneidade, Salvador, v. 20, n. 36, p. 19-29, jul./dez. 2011

    Abertura das prticas da intenveno social ao territrio: um dispositivo de pesquisa e ormao

    the resources and the demands of local inhabitants and to promote professionalreection on the meaning of their actions. The article aims to approach this problemin the context of current social policies and to highlights the originality of thedeveloped device, describing its stages and modalities. It demonstrates, resorting tothe statements of professionals involved, how their own research experience broughtabout a shift that favored changes in personal attitudes and in professional practices;it also demonstrates how the practices of taking written records and implementingcollective work became privileged means for the development of reexivity.

    Kewords : Biographical writing. Social policies. Reexivity. Meaning.

    Polticas sociais e desafios para a for-mao

    Ao escolhermos realizar essa pesquisa-aocom organismos sociais implantados no interior

    da Frana buscvamos, entre outras coisas, prem destaque o tema da ruralidade e da visibilidadeque este universo oferece para as dinmicas desolidariedade. Contudo, este tema ofuscou-se antea noo mais abrangente de territrio. Dada a supe-rao das clivagens entre rural e urbano, denimoso rural como expresso de uma urbanidade quebusca favorecer a comunicao entre indivduos eo deslocamento de seus recursos e seus bens. Destaurbanidade (rural) vai decorrer toda a organizao

    social do territrio e as modalidades de sua explora-o. O territrio ento um espao comunitrio aomesmo tempo funcional e simblico, onde prticase uma memria coletiva construdas ao longo dotempo permitiram denir um Ns diferenciadoe um sentimento de pertencimento (SENCB,2008, p. 37).

    As interrogaes que atravessaram a investiga-o-formao que abordamos neste artigo dizemrespeito articulao entre as prticas educativas e

    seus territrios, sejam eles rurais ou urbanos: comoas prticas se apoiam nos potenciais de um lugar enos sinais de solidariedade e dinamismo emitidospor seus habitantes? No mbito da intervenosocial, essas perguntas favorecem a necessriareexo sobre desaos que as polticas sociaisatuais colocam para as entidades associativas eseus prossionnais.

    Interveno social a designao, na Frana,do campo que rene todo um conjunto de aes eequipamentos sociais de solidariedade coletivadirigidos a populaes em situao de vulnerabili-

    dade social, econmica ou cultural. Esse campo regido por polticas pblicas e efetivado, em grandeparte, por associaes privadas sem ns lucrativos1missionadas, subvencionadas e controladas pordiferentes instncias do poder pblico. A despeito

    da prossionalizao j bem consolidada, trata-sede um domnio ainda depositrio de engajamentoe militncia, historicamente capaz de identicar eacolher demandas sociais emergentes.

    De uns dez anos para c, esse campo confronta-se com a acelerao do desengajamento do Estadoe da instalao de uma tecnocracia hipergestion-ria que prope a racionalizao e a qualidade-total como noes-chave para a modernizaode um setor considerado como arcaico e muito

    dispendioso (CHAUVIRE, 2009). Essas in-junes em relao eccia, performance e rentabilidade incidem diretamente sobre a ati-vidade dos prossionais cujos meios de ao socada vez mais sujeitos ao controle tecnocrtico.Se, como trabalhadores da sombra (LHULIER,2010), a questo do reconhecimento social semprefoi problemtica para eles, esse contexto traz adiculdade e mesmo a impossibilidade de que sereconheam no seu prprio trabalho. A maneira

    autoritria e vertical (SCHALLER, 2006) pelaqual essas orientaes so transmitidas tambmincide sobre o sentido que o trabalho adquire paraos prossionais.

    Em situaes de formao continuada, essa pro-blemtica pode ser percebida por meio de queixasdifusas pelas quais os prossionais exprimem ummal-estar e um sentimento de estarem despossu-dos de sua capacidade de ao. Esse sentimentode impotncia remete ao descompasso entre osmeios de ao de que dispem e as demandas1 O estatuto jurdico dessas associaes depende de uma lei de 1901.

  • 7/16/2019 Revista FAEEBA n36

    21/254

    21Revista da FAEEBA Educao e Contemporaneidade, Salvador, v. 20, n. 36, p. 19-29, jul./dez. 2011

    Izabel Galvo; Christine Delory-Momberger; Jean-Claude Bourguignon; Jean-Jacques Schaller

    das pessoas a que se destinam suas aes. Essassituaes tambm trazem tona o sentimento desolido dos prossionais, o qual remete, por suavez, a um contexto que tende a valorizar somentecompetncias individuais, deixando em segundo

    plano a dimenso do coletivo, pilar importantedessas culturas prossionais. Alm desse contextodas polticas sociais, a precarizao social con-fronta os prossionais a relaes cada vez maisexigentes no que se refere ao investimento pessoal(ION, 2009).

    Da considerao desses elementos decorremalgumas perguntas para orientar a formao con-tinuada dos trabalhadores sociais: como invertera tendncia racionalizao gestionria em

    curso no campo prossional e em formaes a eleassociadas? Como se afastar de um funcionamentopelo qual as solicitaes da instituio formadoracorrem o risco de serem percebidas como injun-es administrativas e desencadearem respostasestereotipadas sem valor formativo? Como ajudaros prossionais a desenvolver seu prprio processode aprendizagem e sua capacidade de autorreexonesse contexto de transformao e de instrumentali-zao que ameaa obscurecer, para os prossionais,a percepo dosentido de suas aes?

    Convnio entre Universidade e entida-des sociais

    As Associaes de Salvaguarda da Infncia eAdolescncia so entidades dirigidas a crianas eadolescentes vtimas de violncia, em situao derisco, em conito com a lei, em situao de errncia,entre outros, assumindo duas misses contradit-rias: a proteno da infncia e a preveno da de-linquncia. Suas aes desdobram-se em diferentesformas de interveno, seja em estabelecimentoscomo abrigos, internatos ou centros de reteno, ouem meio aberto, como educao de rua, servio deorientao e medidas socioeducativas, servio deformao e insero prossional etc. um parcei-ro importante do Departamento, instncia pblicaadministrativa responsvel pela implementao daspolticas sociais no territrio francs.

    Apoiada num convnio estabelecido entre Sal-

    vaguardas de trs departamentos do oeste da Frana

    e o Departemento de Educao da Universidade deParis 13/Nord2, a pesquisa-ao-qualicante (RAQ)que se realizou entre maro 2008 e outubro 2009tinha por objetivo a transformao da relao entreinstituies, prossionais da ao social e os terri-

    trios nos quais exercem suas aes. Esse trabalhositua-se na corrente da pesquisa-ao, uma vezque essa corrente remete, como orientao geral, inteno de levar em conta a voz dos prossionaise/ou atores locais na produo de saberes ligadosa suas prticas, sejam elas prossionais ou sociais,e na transformao das prticas e representaes aelas subjacentes.

    Nesse sentido, o estabelecimento desse conv-nio pode ser visto como um chamado para a aber-tura de um espao de participao social sobre osterritrios nos quais as associaes exercem suasmisses. Conforme uma frmula que sintetiza acurvatura de mudana almejada pela RAQ, trata-sede passar da percia individual competncia co-letiva, da lgica descendente de um domniosobreos outros e com frequncia no lugar dos outros(os benecirios) a uma lgica de ao coletivaconduzida com os habitantes, catalizando e mo-bilizando seus saberes e competncias.

    O termo qualicante associado a esta pesquisa-

    ao designa a articulao entre uma investigao a ser realizada pelos trabalhadores sociais euma formao de nvel universitrio3. Assim, osprossionais das Salvaguardas tinham um triploestatuto: prossionais em formao continuada4,pesquisadores aprendizes, estudantes universit-rios. Tendo em vista que buscvamos estabeleceruma coerncia entre a dimenso formativa e inves-tigativa, algumas questes se impuseram: comoum dispositivo de formao que visa a transformar

    as prticas da ao social, como uma verdadeiraconsiderao de um territrio e de seus habitan-tes, pode adequar-se a seu objeto integrando esseprincpio em sua prpria concepo e estrutura?Como transpor e atualizar no prprio processo de

    2 Sob coordenao de Jean-Jacques Schaller.3 Diplomas que correspondiam licenciatura Insero e interven-

    o social sobre os territrios e ao masterEducao, formao,interveno social, dependendo do nvel de estudo anterior dos

    prossionais.4 Na Frana, a formao continuada um direito do trabalhador

    assegurado por lei desde 1971, e efetuada por centros de formaoou universidades.

  • 7/16/2019 Revista FAEEBA n36

    22/254

    22 Revista da FAEEBA Educao e Contemporaneidade, Salvador, v. 20, n. 36, p. 19-29, jul./dez. 2011

    Abertura das prticas da intenveno social ao territrio: um dispositivo de pesquisa e ormao

    formao a mudana de olhar e de postura visadaspela pesquisa-ao? Explicitado ainda de outramaneira: como fazer da formao uma ilustraoe uma experincia dos princpios de horizontali-dade, de fazer conjunto e de inteligncia coletiva

    reivindicados pela pesquisa-ao?

    Etapas da pesquisa-ao

    Com uma durao de dezoito meses, a pesquisa-ao reuniu 25 prossionais atuando em diferentesestabelecimentos e servios das associaes parcei-ras. Esses prossionais representam uma grande va-riedade de cargos e funes que, para comodidadedo leitor brasileiro, designaremos como educadores

    sociais. No mbito da Universidade, a pesquisa mo-bilizou uma dezena de professores e pesquisadores,sendo em nmero de seis a equipe que acompanhoumais de perto a operao. A formao realizou-seem alternncia, num esquema bastante comum nombito da formao continuada: os educadorescontinuaram exercendo suas atividades prossio-nais e durante uma semana por ms eram liberadospara as aulas e as atividades de campo. O ritmo dassemanas de formao alternavam aulas de cunho

    terico ou metodolgico, momentos de reexo ede construo coletiva e tempos de pesquisa e deinterveno sobre os territrios escolhidos.

    O dispositivo desenvolvido previa a realizaode um trabalho de campo pelos educadores, o qualvisava a identicar as foras vivas de um territrio,reconhecer as formas de solidariedade que nele seorganizam coletivamente e realizar, em conjuntocom habitantes, modalidades de debate e de aoem torno de temas sociais identicados como cen-trais quele territrio.

    1) Construo de pesquisa-aoEssa primeira etapa teve por objeto constituir

    o grupo de prossionais em grupo de pesquisa.Tratou-se efetivamente de constituir o grupo per-mitindo aos indivduos (prossionais em forma-o e pesquisadores universitrios) encontrar neleseus lugares, criando condies de ligao e identi-cao pessoal e prossional, mediante atividadese suportes diversos (troca de experincias, diriode bordo, narrativas prossionais); mas tratava-se

    sobretudo de levar o grupo a constituir-se comogrupo de pesquisadores, dotando-se para issode instrumentos metodolgicos comuns (observa-o, tcnicas de entrevista, coleta de dados) e umacultura comum, construda em torno de alguns

    conceitos-chave emblemticos da pesquisa.Essa cultura comum foi edicada em torno deduas grandes temticas principais: a primeira, emtorno e baseada no par verticalidade/horizontalida-de, que problematiza as relaes de poder e domi-nao que dividem o mundo social entre expertse profanos, os que sabem e os que no sabem, eque ope verticalidade poltica, administrativa etcnica, a vertente horizontal representada pelosprincpios de inteligncia coletiva, de mutualiza-

    o de recursos e de competncias (SCHALLER,2006). A segunda edicou-se em torno e com basena injuno defazer junto com os habitantes, quevisa a uma mudana de postura nos princpios pro-ssionais: de um lado, convidando a levarem emconta o conjunto do tecido humano, dos recursos edas potencialidades que compem um territrio (eno somente a populao tradicionalmente visadapela ao social, apreendida pelo prisma de seusdcits e diculdades); de outro lado, solicitando

    modalidades de ao que engajem a participaoativa dos habitantes na abordagem de assuntos eproblemas que lhes concernem.

    Paralelamente construo desses elementos deum repertrio comum, os prossionais dividiram-seem trs equipes (em razo da origem geogrca)para realizar o trabalho de campo. A constituiodo campo da pesquisa recobre tanto a escolha deum territrio quanto a determinao de temticaspertinentes para encaminhar e orientar a pesquisa-ao sobre esse territrio. Esses recortes temti-cos parentalidade, partilha de saberes, relaesintergeracionais num contexto de urbanidade rural,respectivamente correspondem a uma primeiraapreenso do terreno escolhido, ligados sobretudos preocupaes prossionais dos membros dosgrupos e que eles constituem em hipteses deobservao e de pesquisa para uma primeira ex-plorao do campo. Todas essas temticas serorevistas e modicadas, ou simplesmente remane-jadas, em virtude de um (re)conhecimento maisexato das realidades do territrio.

  • 7/16/2019 Revista FAEEBA n36

    23/254

    23Revista da FAEEBA Educao e Contemporaneidade, Salvador, v. 20, n. 36, p. 19-29, jul./dez. 2011

    Izabel Galvo; Christine Delory-Momberger; Jean-Claude Bourguignon; Jean-Jacques Schaller

    2) Um tempo de explorao do territrio ede seus recursos

    Ao longo da segunda etapa, que ocupou os qua-tro meses seguintes, os educadores foram postosem situao terico-investigativa para explorar a

    complexidade de um territrio a m de apre-ender suas caractersticas e potencialidaes. Elase constitui numa fase de dupla descoberta paraos educadores: descoberta de um territrio e seushabitantes, mas tambm descoberta dos questiona-mentos disciplinares e cientcos (sociolgicos,econmicos, demogrcos, etc.) ligados a estabusca de conhecimento. Esses estudos de camporecorrem a uma multiplicidade de procedimentos:identicao e cartograa dos lugares, exploraoe observao dos espaos pblicos, coleta de dadoshistricos, demogrcos, socioeconmicos e, so-bretudo, entrevistas com os atores locais vere-adores, responsveis institucionais, representantesassociativos e habitantes, estes ltimos comfrequncia entrevistados em seus prprios domic-lios. Em todos esses encontros, a nfase foi dada compreenso das modalidades de convivncia, dasnecessidades e expectativas de pessoas, das redesde ajuda mtua / solidariedade, das possibilidadesde construo coletiva.

    Para a realizao do trabalho de campo, durantedois dias da semana, as atividades eram descentra-lizadas, cada equipe reunindo-se em local prximoao seu terreno emprico. Num desses dois dias, aequipe contava com a participao da dupla de pes-quisadores universitrios que acompanhavam maisde perto cada campo. E os dias em que o grupo todose reunia em Laval, municpio sede da formao,constituiam-se na ocasio de confrontar e trocarentre as trs equipes, de preparar a prxima etapa

    do trabalho de campo (inclusive aquelas que ocor-riam fora do tempo previsto para tal, e que forammuitas), de se dotar mobilizando as contribuiesdos pesquisadores universitrios de um ou outroinstrumento de observao ou de anlise, ou aindaaprofundar determinada dimenso nocional (ter-ritrio, identidade etc.). tambm durante essemomento que comeam a ser formulados, pelasequipes de campo, os pontos de controvrsia(LATOUR, 2006), que sintetizam as observaes

    feitas sobre o territrio ou que nascem dos encon-tros com os habitantes , por exemplo, a questo

    das relaes entre antigos e novos habitantes,a das fronteiras internas a um mesmo territrio eos recortes socioeconmicos que elas delimitam, aquesto das relaes intergeracionais e do lugarda juventude, assim como a das identidades e das

    representaes mtuas em contextos sociocultu-rais mltiplos. A apreenso das especicidadesdo territrio permite s equipes ajustar os temasescolhidos para uma primeira abordagem dele;ante as hipteses elaboradas no incio, existemnesse momento paisagens bem reais e concretas,pessoas e rostos, palavras e narrativas, um territriohabitado e encarnado.

    3) Um tempo de criao e animao de umespao de debate

    Esse terceiro perodo, que se estendeu duranteos seis ltimos meses da formao (janeiro a junho2009), corresponde mais particularmente ao objetivode transformao prprio pesquisa-ao, objetivoque se traduz pela busca de um fazer junto com oshabitantes, implicando uma evoluo das posturasprossionais e das prticas de interveno. Para cadaterritrio escolhido, a nalizao desse processodeveria adquirir a forma de um espao de deba-te organizado em torno de uma questo comum

    reconhecida como particularmente signicativa ereunindo um leque mais amplo possivel de atores(habitantes, vereadores, responsveis institucionais,membros de associaes no governamentais, etc.).O desao era o de passar da percia individual competncia coletiva, de uma lgica de tratamentoindividual fundada sobre um saberexperte sobrea relao que ele instala, a uma dimenso coletivaque faa emergir comunidades de problemas e queencontre nos recursos de um territrio os meios de se

    apropriar solidariamente dessas questes comunse de trazer respostas para elas.

    Cada equipe lanou mo de recursos distintospara aos poucos dar corpo ao sentimento de umacomunidade de interesses e projetos: uma festapara montar um lbum do bairro, uma exposiode fotos tiradas na festa, atividades ldicas e detroca de saberes na praa, encontros na casa doshabitantes ou em cafs frequentados por estes, etc.Foi com base na partilha de momentos de troca e

    convvio que se estabeleceu um lao de conanaentre os estudantes-pesquisadores e os habitantes,

  • 7/16/2019 Revista FAEEBA n36

    24/254

    24 Revista da FAEEBA Educao e Contemporaneidade, Salvador, v. 20, n. 36, p. 19-29, jul./dez. 2011

    Abertura das prticas da intenveno social ao territrio: um dispositivo de pesquisa e ormao

    mas tambm entre estes ltimos, e que o espao dedebate pde se inscrever e adquirir consistncia.

    Modalidades da formao

    A preocupao em pautar o dispositivo em pa-rmetros coerentes com a problemtica conceitualnos levou a privilegiar o trabalho em grupo e oregistro escrito como modalidades especialmentefecundas para o desenvolvimento da reexidade.

    A escrita dos prossionais foi solicitada nocom um exerccio a ser entregue para dar con-ta da apropriao de contedos propostos, mascomo um trabalho que participa da elaboraodo pensamento (OLSON, 1998) e da tentativa

    de compreender o sentido das aes (CIFALI &ANDRE, 2007). Nossas solicitaes apoiaram-sena funo heurstica da escrita destacando seuimpacto sobre a cognio em detrimento de suafuno de transcrio segundo a qual a escrita ocu-pa lugar secundrio e sem efeito na compreensoe na reexo (REUTER, 2004).

    A escrita ocupou lugar central na experincia decampo, pois era preciso tomar notas das observa-es, das entrevistas, dos encontros: alm de um ca-derno de campo pessoal, os educadores produziamregistros para poder partilhar as observaes comoutros membros da equipe, de maneira a permitira todos o acesso ao conjunto dos dados. No nal,produziram coletivamente um relatrio abordandoa problemtica, o percurso metodolgico, e osresultados obtidos.

    Alm desses textos mais voltados para aproduo dos dados acerca de um territrio, oseducadores foram solicitados numa escrita maispropriamente reexiva, por meio do dirio de bordo

    que acompanhou os 18 meses da formao e dadissertao individual que deviam realizar paraobteno do diploma universitrio.

    Depositrio dos questionamentos e das reexessuscitadas pelas aulas e pelas diferentes leiturasrealizadas, das interrogaes, descries e reali-zaes ligadas ao trabalho de campo, das tensesentre a formao e o retorno em meio prossional,da emergncia de emoes, da anlise de inter-rela-es entre o grupo, do trabalho de coconstruo co-

    letiva deste dispositivo inovador, o dirio de bordopermitiu aos educadores estabelecer conexes entre

    os diferentes elementos da formao e contribuiupara registrar suas experincias e o processo detransformao da sua postura prossional.

    Como texto escrito no presente, ele permite abiograzao escriturria imediata das experin-

    cias vividas durante a formao. Deve, portanto,manter-se o mais prximo de uma vivncia, de umsentimento, de um pensamento do momento. Nose trata de querer dar conta de modo exaustivo deuma vivncia real, ao contrio, o dirio se aceitacomo fragmentrio. Entretanto esses fragmen-tos constituem ao longo do tempo um conjuntoque permite religar um percurso e que contmmomentos preciosos de percepo de situaes,de reexividade e de tomada de conscincia quepodem se revelar marcantes no momento da reda-o da dissertao ou, mais tarde, no momento dareleitura. O dirio possui ainda uma capacidade deantecipao; s vezes ideias que so anotadas neleescapam momentaneamente conscincia explcitado diarista. somente no momento da releitura queeste discerne relaes, reconhece linhas, reconstrium caminho. O fato de escrever permite dar formaa todos esses momentos que poderiam permanecerfugitivos ou mesmo desaparecer, permitindo queleque escreve se apropriar e, por meio da escrita,

    tornar-sesujeito de sua vivncia imediata.Cada um l o mundo luz de suas prprias

    experincias e das aprendizagens que pde fazer,cada um diz o mundo com as palavras prpriasa seu mundo mental, social, cultural, histricoe a seu imaginrio. Contudo o ponto de vistaexpresso sempre ligado a um aqui e agora e areleitura do dirio leva a reconhecer ao mesmotempo esse incessante movimento de biograzao(DELORY-MOMBERGER, 2005) que faz mover

    e transforma as emoes e opinies e o lugar queeste ocupa para o sujeito que o experimenta ou oconcebe.

    Solicitado no mbito da formao, o dirio debordo no se confunde com o dirio ntimo escritopara si. Ele lido pelos professores/pesquisadoresuniversitrios e tambm partilhado com os colegas.A escrita socializada do dirio de bordo obriga alevar em conta a dimenso grupal do processo deformao e participa da coconstruo de um cole-

    tivo. A leitura partilhada do dirio evidencia umapluralidade de olhares, permite a confrontao de

  • 7/16/2019 Revista FAEEBA n36

    25/254

    25Revista da FAEEBA Educao e Contemporaneidade, Salvador, v. 20, n. 36, p. 19-29, jul./dez. 2011

    Izabel Galvo; Christine Delory-Momberger; Jean-Claude Bourguignon; Jean-Jacques Schaller

    opinies, de anlises e de vivncias singulares, e aconstruo de um saber coletivo e de uma culturaespeccas ao grupo e formao. Enm, o diriode bordo o registro da implicao do prossio-nal em sua formao. Ele permite, alis, tomar

    conscincia de uma eventual sobreimplicaoque pode decorrer do investimento intelectual ouafetivo mobilizado, das perturbaes provocadas,das transformaes sentidas mas ainda no ana-lisadas de sua postura prossional. A alternnciaentre formao campo de pesquisa e campode exerccio prossional , s vezes, difcil deconjugar e pode ser claricada pela escrita regulardo dirio. A formao um tempo privilegiadode aquisio de conhecimentos, de descobertas,de questionamentos e de reconcentrao sobre sique abre a possibilidade de se ressituar nos seusambientes prossionais.

    O dirio de bordo constituiu o material bruto doqual deveriam emergir os elementos da dissertaoindividual. A recomendao para esse texto buscoudiferenciar-se das instrues mais usais que exigemum tratamento objetivo de uma problemtica ligadaao campo prossional, solicitando dos educadoresda RAQ uma escrita implicada mediante a reexosobre suas prticas com base em uma experincia

    de campo realizada coletivamente: eles foramsolicitados a fazer uma releitura da pesquisacoletiva, retomando passagens mais signicativaspara cada um, articulando-as a suas interrogaesprossionais e fazendo-as dialogar com refernciastericas pertinentes.

    No acompanhamento dado produo dessasescritas reexivas, lugar central foi atribudo aotrabalho de identicao biogrca, de elaboraoconceitual e de explorao terica e prtica de uma

    questo prossional, reconhecida pelo prprioindivduo como campo de projeo, de valor, deinterrogao quanto sua prtica prossional, asua evoluo e ao sentido que ele lhe d. O tra-balho de reexividade operado sobre o percursodeve contribuir para a emergncia de uma espciede eixo central da narrativa e de motor da prticaprossional. A questo prossionalno se reduza um questionamento meramente tcnico oumetodolgico tocante s prticas (mesmo se ela

    pode recobrir aspectos tcnicos e metodolgicos).Trata-se de uma preocupao que signicativa

    da orientao e do valor dados a sua prtica pro-ssional e que implica ento o sentido para si epara os outros que assumem o exerccio do ofcio,que se traduz em interrogaes sobre as maneirasde ser e sobre as maneiras de fazer prossionais e

    que tm ou podem ter repercusses diretas sobreas prticas. A explicitao da questo prossionalrequer ento um trabalho aprofundado de inves-tigao, de formulao, de conceitualizao, porum lado com base em um eixo diacrnico numaidenticao biogrca que busca reconhecer asformas evolutivas que ele tomou ao longo de umpercurso prossional; por outro lado, sobre um eixosincrnico no rescenciamento e na articulao deaspectos que ele implica em diferentes planos.

    A redao da dissertao individual foi para osprossionais a ocasio de se apropriar das conexesentre essa experincia como pesquisador-aprendize a reexo sobre suas prticas e situaes pro-fissionais. Analisando suas experincias comopesquisadores, os trabalhadores sociais retomaramcertas dimenses de suas prticas tanto para pro-blematizar suas diculdades como para imaginaroutros modos de proceder. O posicionamentoexpresso na redao distanciou-se da denncia ouda queixa, e inscreveu-se deliberadamente num

    desejo de se constituir como vetor de proposta ede transformao.

    Deslocamentos no modo de olhar bene-ficirios e territrios

    A RAQ favoreceu um conjunto de desloca-mentos que atingiram tanto as modalidades dainterveno universitria como as prticas dosprossionais. A anlise dos textos produzidos pelos

    prossionais (relatrio coletivo de pesquisa, diriode bordo, dissertao individual) permite constatarque esses deslocamentos tiveram, por sua vez,ressonncias no modo de olhar os benecirios dasaes educativas e seus territrios.

    O primeiro desses deslocamentos, ao mesmotempo geogrco e institucional, menos formaldo que parece e sucientemente raro para ser des-tacado: o da instituio universitria deslocando-se para fora de seus muros e integrando uma

    instituio outra que ela mesma. Para alm de suadimenso simblica e seus efeitos psicolgicos no

  • 7/16/2019 Revista FAEEBA n36

    26/254

    26 Revista da FAEEBA Educao e Contemporaneidade, Salvador, v. 20, n. 36, p. 19-29, jul./dez. 2011

    Abertura das prticas da intenveno social ao territrio: um dispositivo de pesquisa e ormao

    negligenciveis sobre os participantes (tanto paraos pesquisadores universitrios como para os estu-dantes), esse deslocamento da universidade ganhatodo seu sentido frente abordagem colaborativada pesquisa-ao.

    Entretanto o deslocamento que se encontra nocerne da RAQ e de sua dimenso formativa doqual, de certo modo, dependem todos os outros o deslocamento ao qual so convidados osprossionais durante a pesquisa de campo. Essedeslocamento traduz-se, em primeiro lugar, nofato de realizar a pesquisa num territrio no qualno atuavam prossionalmente. Os prossionaisbuscaram uma situao que permitisse um pontode vista outro, e o desenvolvimento de outros

    modos de ver, favorecendo o distanciamento deuma postura prossional marcada por formas deolhar e de fazer j bem arraigadas.

    Em segundo lugar, a possibilidade de ocupar aposio de estudante-pesquisador foi ingredientecentral desse deslocamento. Ao longo do trabalhoemprico, toda vez que se preparavam para encon-trar um habitante ou ator institucional, numerososdebates instalavam-se para saber como deviamse apresentar: trabalhadores sociais? Estudantes

    universitrios? A cada vez a escolha foi a mesma:apresentavam-se em primeiro lugar como estudan-tes. O investimento dessa posio de estudante epesquisador-aprendiz lhes permitiu se descolar dapele habitual:

    A experincia de fazer parte desse coletivo de pes-quisadores nos deu a possibilidade de sair de nossa

    pele e de nos arriscar a vestir uma outra pele (S.,educadora social).

    Esse posicionamento pouco usual deslocava o

    olhar dos outros sobre eles, mas tambm e sobre-tudo deles prprios sobre si mesmos. O estatuto deestudante e o investimento de um terreno neutropropicia que cada um se distancie da perspectivahabitual pela qual olha a vida de um bairro e seusproblemas, favorecendo portanto um desvioem relao a suas prticas cotidianas, em direo experimentao de outras lgicas de ao.

    A multiplicidade de procedimentos utilizadospara abordar o territrio levou os educadores a se

    interrogarem sobre o modo como veem o pblicocom o qual intervm. O princpio de ir buscar as

    foras vivas de um territrio reverteu a posturahabitual de focar as diculdades e os pontos fra-cos para em seguida poder trat-los. O fato deapoiarem-se em fontes pouco habituais, de colo-car em comum os elementos obtidos, de deixar

    amadurecer hipteses para tentar compreender asquestes que atravessam um lugar e para identicaras demandas e recursos de seus habitantes nutriuinterrogaes sobre as situaes nas quais estoimplicados as crianas e os jovens que acompa-nham em seu trabalho educativo. A posio depesquisador os distanciava da injuno de deverencontrar solues imediatas para as diculdadessocioeducativas dos jovens, colocando-os numasituao mais propcia para descobrir os recursose foras vivas dos lugares.

    Em suas andanas pelo campo, os prossio-nais puderam encontrar habitantes em situao deisolamento e sofrimento, mas outros com grandecapacidade de ao que participavam da tessiturade redes de solidariedade informais e pouco vis-veis. O exerccio de compreender e caracterizaralguns desses personagens deu concretude a esseprocesso de mudana de olhar, aguando a atenoprossional sobre os sinais de dinamismo, s vezestnues, que emitem os territrios.

    O trabalho de campo evidenciou a necessidadede se levar em conta situaes de conguraosempre complexas, intricando dimenses histri-cas, sociais e familiares, afastanto-as de um pontode vista que, numa caricatura, v o jovem comoindivduo sem histria, e o meio social ou familiarsendo invocado somente para explicar a fonte dasdiculdades encontradas. No sentido inverso dessatendncia, muitas interrogaes foram formuladas.Por exemplo, num abrigo que acolhe jovens ori-

    ginrios do meio rural, como o vnculo com esseterritrio se transforma tendo em vista que, nointernato, so as culturas urbanas a referncia maisforte? Como cada um vive a tenso entre o desejode mobilidade e o apego ao lugar de origem?

    O modo de considerar a famlia tambm sofreumodicaes. Tanto do ponto de vista de umamaior ateno para a compreeso de sua histria,de sua dinmica e de suas demandas, como doponto de vista de um novo esforo para integrar a

    participao dos familiares nas aes educativaspropostas.

  • 7/16/2019 Revista FAEEBA n36

    27/254

    27Revista da FAEEBA Educao e Contemporaneidade, Salvador, v. 20, n. 36, p. 19-29, jul./dez. 2011

    Izabel Galvo; Christine Delory-Momberger; Jean-Claude Bourguignon; Jean-Jacques Schaller

    Modalidades para ancorar a reflexivi-dade

    As perspectivas que o trabalho de campo e aposio de pesquisador permitiram exercer repre-

    sentaram um descolamento fecundo para a reexosobre as prticas prossionais, mais especicamen-te sobre os modos de olhar as crianas e jovens al-vos de sua ao e os territrios. Essas perspectivas,formuladas na problemtica de pesquisa, foramprimeiro apreendidas de modo terico e, em segui-da, experimentadas de modo emprico. Alm dessadimenso conceitual, os elementos metodolgicosque apoiaram o dispositivo de formao tambmtiveram partipao importante nesse processo de

    reexo sobre as prticas prossionais.A intensa experincia de escrita proposta pelaRAQ levou os prossionais a reetir sobre a na-tureza dos escritos prossionais que eles devemproduzir normalmente. Em geral eles versam sobreo trabalho educativo, mas no favorecem, segundoos educadores, a apreenso da realidade de vidadas pessoais acompanhadas e cam ento muitodistantes da vivncia do prossional. Esses textostraduzem o descompasso entre a ressonncia afe-tiva que a relao provoca nos prossionais e umalinguagem demasiado administrativa ou cheia dejarges, que permite proteg-los dessas ressonn-cias, escondendo-o atrs de uma suposta ecinciatcnica. Podemos mesmo formular a hiptese deque quanto mais o prossional se sente desarmadopara lidar com essa ressonncia/relao, mais ele seentricheira atrs de termos tcnicos, supostamentetericos (MANNONI, 1979):

    As propostas metodolgicas para abordar o campose instalaram na minha prtica e passei a me au-torizar a tomar nota de minhas impresses, minhasemoes na relao com outrem (C., educadorasocial).

    O exerccio de uma escrita mais habitada auto-riza os prossionais a vislumbrar essa mesma relaocom seus escritos prossionais. Eles desejam queseus escritos sejam mais do que papis a preencher,que sejam um espao de elaborao, que sejam teistambm para os jovens que acompanham.

    Outro pilar da abordagem metodolgica ado-tada, o trabalho em grupos foi mobilizado como

    meio de favorecer a troca e a confrontao entreas razes, os sentimentos, as interrogaesde uns e de outros, favorecendo a elaborao e aformulao do sentido que ganha para cada um aformao e o ofcio. Do lado dos prossionais, a

    importncia que a vivncia grupal assumiu remete solido em que vivem os trabalhadores sociaisem seu cotidiano prossional e necessidade dese criarem laos que lhes permitam sair do iso-lamento e contribuir para a construo coletiva dereferenciais comuns de ao (MIAS 2005, p. 2).

    A importncia dos olhares cruzados queo coletivo favoreceu foi destacada pelos pros-sionais como outro elemento que gostariam dever transposto para seu cotidiano prossional. Amobilizao em torno de desaos comuns colo-cados pelos territrios investigados produziu inte-ligncia coletiva, deixando de lado as diferenashierrquicas existentes entre os prossionais, todosigualmente mobilizados em torno de um mesmoprojeto coletivo.

    Nossa dinmica de grupo de trabalho consolidadaatravs das transmisses orais e os olhares cruzados

    favoreceu a emergncia de espaos de intelign-cias coletivas () isto me livrou do sentimento decarregar tudo sozinha e me deu, ao contrrio, a

    possibilidade de me sentir mais forte e mais slidaante a instituio repleta de paradoxos (F., educa-dora social).

    Algumas reexes sugerem que o cruzamentode olhares e a inteligncia coletiva que isso permitepode contribuir para o aumento da capacidade deao - a intensidade do coletivo experimentado naRAQ ajudando os prossionais a sair de uma po-sio de queixa em relao s transformaes queperturbam as referncias do ofcio, colocando-os

    numa posio mais propositiva:Eu no entendo bem o que os responsveis pelaspolticas pblicas querem dos educadores e traba-lhadores sociais. Tenho a impresso de viver uma

    srie de mudanas de orientao, de receber direti-vas um tanto confusas, de pular entre mltiplos temasde reexo, projetos de interveno, reorganizaesinternas, externas, na escala local ou nacional, etc.

    difcil para mim seguir o que se passa, quantomais compreend-lo. As informaes so axadas,

    s vezes anunciadas em reunies, mas raramentens temos tempo de vericar juntos, no mbito da

  • 7/16/2019 Revista FAEEBA n36

    28/254

    28 Revista da FAEEBA Educao e Contemporaneidade, Salvador, v. 20, n. 36, p. 19-29, jul./dez. 2011

    Abertura das prticas da intenveno social ao territrio: um dispositivo de pesquisa e ormao

    equipe, o que ns entendemos e como ns podemosapreend-las concretamente. No seria possvelque o ns de uma equipe que enxuga todas essastempestades se debruce sobre isso? Tentar juntos

    fazer um rescenceamento dessas famosas novas leis,criarmos, entre todos os membros de uma equipe,

    um mesmo nvel de informao sobre as mudanasocorridas para podermos aplic-las e reetirmos

    sobre as mudanas a serem previstas (C., educadorasocial).

    A despeito da imagem do trabalho social comomeio em que a prtica de reunies abundante, nobasta ter uma rotina de reunies instalada para quea qualidade do trabalho coletivo seja assegurada,pois essas reunies podem facilmente cair numarotina burocrtica e se verem despidas de inte-

    resse educativo, se o cruzamento de olhares qued sentido s trocas entre prossionais no elemesmo garantido. Outro risco possvel do trabalhode equipe o fechamento do olhar entre experts,excluindo prossionais cujo papel educativo no reconhecido:

    Por que essas separaes entre, de um lado, a equipeeducativa e, de outro, a equipe de servios gerais?

    Por que os membros desta ltima no participamsistematicamente das reunies de trabalho se eles

    tm uma presena igualmente importante junto aosjovens que acolhemos? Um melhor acompanhamen-to supe um cruzamento entre diferentes olhares,debates entre os diferentes adultos que lidam comos jovens: esse o primeiro passo para um convivio

    sereno e proveitoso (D., educador social.).

    A abertura da equipe educativa a outros olharesinclui tambm, nas proposies dos educadores, oponto de vista dos maiores interessados, isto , osjovens benecirios e suas famlias.

    Elementos de concluso

    Para a maior parte dos educadores, a entradanessa aventura coincidiu com um momento dequestionamento, de interrogao sobre o sentidode seu prprio trabalho, as motivaes indo muitoalm da simples busca de um novo diploma. Abusca de um espao para reetir sobre as prticasfoi uma das motivaes partilhadas pelo grupo.

    Para alguns as orientaes propostas pela RAQconvergiam com suas preocupaes e conforta-vam suas intuies; para outros a problemticada pesquisa e as noes a ela associadas repre-sentavam uma reviravolta em suas concepes

    anteriores e exigiram mais tempo para seremapropriadas. Numa metfora utilizada por umeducador, a pesquisa-ao representou um ter-reno frtil e fecundo em que germes puderam sedesenvolver e crescer.

    Para alguns a ampliao do olhar e o exerccioda reexividade levou experimentao efetivade novas prticas, numerosos foram os exemplosnarrados nos textos escritos ou nos enunciadosinformais. Para outros, as novas perspectivas deatuao permaneciam em germe, precisando demais tempo e de oportunidades institucionais maisfavorveis para eclodirem.

    Os diferentes lugares ocupados pelos prossio-nais ao longo do processo, assim como a possibi-lidade de reetir coletivemente sobre os efeitos dedeslocamentos produzidos, so ingredientes funda-mentais para a consolidao de uma posio distan-te da instrumentalizao e da atividade mecnica. Olimite dessa experincia situa-se principalmente natransferncia da capacidade de reexo e das novas

    prticas que ela favorece aos outros prossionaisdas mesmas associaes. A motivao original doconvnio estabelecido entre a Universidade e asentidades sociais era uma transformao ampladas prticas em seus mbitos. Todavia, falhas dodispositivo na implicao de instncias hierrqui-cas intermdirias que poderiam ter favorecido adifuso dos efeitos produzidos e, sobretudo, osestragos provocados pela mentalidade gestionriaque atingiu algumas das entidades com as quais

    trabalhamos dicultaram a difuso interna dosefeitos da RAQ.

    A RAQ tocou em cheio nas tenses polticas queatravessam o campo do trabalho social, revelou asescolhas e as concepes de sociedade das quaisos dispositivos so a traduo ou o sintoma; elapermitiu pr prova algumas novas formas quepode assumir o trabalho social na busca de partipa-o democrtica e articulao ao territrio, dandodestaque inteligncia e ao coletivas.

  • 7/16/2019 Revista FAEEBA n36

    29/254

    29Revista da FAEEBA Educao e Contemporaneidade, Salvador, v. 20, n. 36, p. 19-29, jul./dez. 2011

    Izabel Galvo; Christine Delory-Momberger; Jean-Claude Bourguignon; Jean-Jacques Schaller

    REFERNCIAS

    CHAUVIRE, Michel. Quest-ce que la chandalisation? Informations Sociales, Paris, n. 152, p. 128-134,2009.

    CIFALI, Mireille; ANDR, Allain. Ecrire lexprience: vers la reconnaissance des pratiques professionnelles.

    Paris: PUF, 2007.DELORY-MOMBERGER, Christine. histoire de ie et recerce biograpique en ducation. Paris: Anthropos,2005.

    ION, Jacques. Travailleurs sociaux, intervenants sociaux: quelle identit de mtier? Informations Sociales, Paris,n. 152, p. 136-142, 2009.

    LATOUR, Bruno. Canger de socit: efaire de la sociologie. Paris: La Dcouverte, 2006.

    LHULIER, Dominique. Travail du ngatif: travail sur le ngatif. Education Permanente, Paris, n. 179, 2009-2,p. 39-57, 2009.

    MANNONI, Maud. La thorie comme ction. Paris: Seuil, 1979.

    MIAS, Christine. Lautobiographie raisonne, outil des analyses de pratiques en formation. LOrientation Scolaireet Professionnelle, Paris, n.34-1, 2005. Disponvel em: . Acesso em: 28set. 2009.

    OLSON, David. Luniers de lcrit: comment la culture crite donne forme la pense. Paris: Retz, 1998.

    REUTER, Yves. Analyser les problmes de lcriture de recherche en formation. Pratiques, Metz, n. 121-122, p.9-27, 2004.

    SCHALLER, Jean-Jacques. Entre verticalit et horizontalit: une question pour lvaluation des politiques sociales.In: BIARNS Jean; DELORY-MOMBERGER Christine (Orgs.). Lacteur social: le sujet et lvaluation des poli-tiques sociales. Nantes: Pleins Feux, 2006. p.37-51.

    SENCB, Yves. Dclin(aisons) de lappartenance dans les territoires de lindividualisme et de la mobilit. In:Filippova E.; Gurin-Pac F (Orgs.). Les lieux qui nous abitent: identit des territoires, territoires des identits.

    Paris: Laube/INED, 2008.

    Recebido em 25.06.2011

    Aprovado em 01.09.2011

  • 7/16/2019 Revista FAEEBA n36

    30/254

  • 7/16/2019 Revista FAEEBA n36

    31/254

    31Revista da FAEEBA Educao e Contemporaneidade, Salvador, v. 20, n. 36, p. 31-41, jul./dez. 2011

    Peter Alheit

    BIOGRAFIZAO COMO COMPETNCIA-CHAVE

    NA MODERNIDADE 1*

    Peter Alheit**

    RESUMO

    Biograzao pode ser descrita como uma competncia que nos imposta peloprocesso da modernidade. Com o surgimento das sociedades modernas, somos comoque socialmente obrigados a ser individuais e nicos. Tudo o que vivenciamos eexperienciamos deve passar atravs de ns. O mundo no qual vivemos e somoscapazes de agir o mundo que ns construmos. Isso certamente no signica quenossas construes sejam aleatrias. Elas obviamente dependem de impulsos que nospressionam de fora. Mas elas so, denitivamente, o nosso processamento do social,

    que nos molda. Biograzao ento a capacidade de combinar esses processamentosinternos com as condies externas de sociabilidade. Com isso surgem processos deaprendizagem no individual, mas ao mesmo tempo tambm processos de mudanano social. A biograzao , por isso, um recurso para moldar o mundo moderno.

    Palaras-cae: Aprendizagem biogrca. Aprendizagem transicional. Biograza-o.Individualizao. Modernizao.

    ABSTRACT

    BIOGRAPhIZATION AS A KEy COMPETENCE IN MODERN TIME

    Biographization may be described as a competence which is imposed to us by theprocess of modernity. With the emergence of modern societies, we are sociallyconstrained to be both individual and unique. Everything that we live must passedthrough us. The world in which we live and in where we can act is the world that weconstructed. This clearly does not signify that our actions are aleatory. They obviouslydepend upon impulses which inuence us from outside. They are nevertheless, oursocial process, which molds us. Biographization is thus the capacity to combinethose internal process with the external conditions of sociability. With this, process

    of individual learning emerge, at the same time as social change process. For thisreason, biographization is a tool to mold the modern world.

    Ke-words: Biographical learning. Transitional lear-ing.Biographicity.Individualisation.Modernisation.

    1 O presente trabalho uma verso levemente revisada de uma palestra que proferi em 6 de outubro de 2006 na Universidade de Flensburg porocasio do simpsio Das Leben gestalten. Biograsch lernen biograsch lehren (Congurar a vida. Aprender biogracamente ensinar

    biogracamente). Achei importante manter o estilo caracterstico de apresentao para a verso escrita.* Trad. Prof. Dr. Jorge Luiz da Cunha e profa. Dra. Rosani Ursula Ketzer Umbach.** Peter Alheit, doctor em cincias politicas. Titular da ctedra em Educao da Universidade Georg-August de Goettingen(Alemanha), ele um dos cofundadores e protagonistas da nova abordagem biogrca na sociologia e na educao na Europa

    nos anos 1970. Seus livros mais relevantes (no total mais de 50) abordam a vida cotidiana, a pesquisa biogrca, os estudossobre cultura e mentalidade, os movimentos sociais e a aprendizagem ao longo da vida.

  • 7/16/2019 Revista FAEEBA n36

    32/254

    32 Revista da FAEEBA Educao e Contemporaneidade, Salvador, v. 20, n. 36, p. 31-41, jul./dez. 2011

    Biografzao como competncia-chave na modernidade

    Introduo

    A pedagogia em nosso pas, e quero dizer semqualquer polmica a pedagogia prtica nos jardinsde infncia e nas escolas, na formao prossional

    e educao continuada, nas universidades e aca-demias, mas, tambm , a cincia da educao emsi, tero de reestudar, ou como formulou o agoraoctogenrio Gnther Dohmen em 2005 nos Diasde Ensino e Aprendizagem em Konstanz: tero derepensar a aprendizagem (DOHMEN, 2005, p.3). No somente o choque persistente de PISA[Programa Internacional de Avaliao de Alunos N.T.] ou os mais recentes nmeros, escandalosospara a Alemanha, da OECD [ingl. Organisationfor Economic Co-operation and Development N.T.], da comparao internacional dos grupos deformandos com diploma de nvel superior2, tambmos conhecimentos sobre a Neurobiologia, em espe-cial das pesquisas sobre o crebro nas duas ltimasdcadas, nos obrigam a isso.3 Somos aprendizes aolongo da vida de forma muito mais fundamentaldo que o discurso poltico nos quer fazer crer.No se trata de educao continuada at a idadeavanada, por assim dizer da ampliao contnuada escolaridade individual. Trata-se muito mais de

    respeitar e aproveitar nossa capacidade coletiva deaprendizagem que ca inexplorada ou bloqueadapelas condies sociais, falando de forma maiscientca: trata-se do aproveitamento adequado daplasticidade extrema de nossos crebros tambmpara processos sociais de aprendizagem muitoalm dos perodos de aprendizagem instituciona-2 A Alemanha est signicativamente abaixo da mdia dos

    pases da OECD em qualicaes de ensino superior (me-nos de 20% de um grupo colam grau). Os nmeros maisrecentes esclarecem que o desenvolvimento da educao

    dos Estados Unidos e das grandes naes econmicas daEuropa se dissociou drasticamente do desenvolvimento nasia: Duas geraes atrs, a Coria tinha o padro de vidaque o Afeganisto mostra hoje, e suas conquistas na edu-cao estavam entre as mais fracas. Hoje 97% de todos oscoreanos da faixa etria entre 25 e 34 anos possuem o ensinosecundrio, a quota mais alta entre os pases da OECD. Oexemplo da Coria no um caso nico. S entre 1995 e2004 o nmero de estudantes em universidades e escolassuperiores mais do que duplicou na China e Malsia, e naTailndia e ndia ele aumentou em 83% resp. 51%. (OECDIndicators 2006 Edition, 2)

    3 Aqui so particularmente estimulantes, e com vriasconsequncias para a Pedagogia, os estudos de Humberto

    Maturana e seus seguidores (representativamente Maturana/Varela 1988).

    lizados no decurso da vida, portanto de processosde aprendizagem mais ou menos conscientes, maisou menos informais, intuitivamente ou estrategica-mente auto-organizados ao longo de toda a vida.

    Meu colega de Gttingen, o mdico e neurobi-

    logo Gerald Hther, costuma contar um exemploconvincente neste momento: uma senhora sexa-genria, que durante toda sua vida havia sido umaleitora entusiasmada, sofre um derrame e ca cega.Desesperada pela perda do prazer da leitura, elapergunta ao seu neurologista se no seria possvelaprender Braille. O mdico realmente a encoraja,no entanto pede que ela se submeta antes a umatomografia computadorizada. Ele sabe que talprocesso de aprendizagem modicar o crebro,em especial aquela parte do crtex sensorial que responsvel pela sensibilidade do tato. A sexage-nria est ansiosa para aprender e depois de meioano domina o Braille perfeitamente. O neurologistaa encaminha novamente ao tomgrafo e constatacom espanto que aquela rea do crtex sensorialaumentou em trs a quatro vezes de tamanho umdramtico processo de aprendizagem num perodoto curto, e isso aps os 60!

    Repensar a aprendizagem, certamente. Masisso tambm no signica muito mais repensar

    o ensino? Diante de tais exemplos, no temos deacabar com a ideia de que ns como pedagogas epedagogos podemos ensinar aos alunos a nsconados algo daquilo que prescrevem os currcu-los, ou at mesmo: daquilo que estamos convenci-dos de que importante e deve ser aprendido?

    Isso me faz lembrar aquelas belas histrias queo ciberneticista e construtivista austraco Heinz vonFoerster recorda nesse contexto: ele relata acercade seu antigo professor de Histria, que sempre

    admitia apenas uma resposta pergunta Que tipode povo eram os gregos?: Senhor professor, osgregos eram um povo alegre (VON FOERSTE,1998, p. 66). Ou daquele aluno do ensino funda-mental que, pergunta da professora: Quanto 2 x 3?, havia respondido: 3 x 2, e por issocou retido na aula, de castigo, j que no dera aresposta padro 6. Mas o menino tinha dado suaresposta a srio e at mesmo pde provar a precisoda resposta a von Foerster mais tarde. Ele havia

    comprovado, por assim dizer, a lei comutativa damultiplicao: A x B igual a B x A (Ibid.).

  • 7/16/2019 Revista FAEEBA n36

    33/254

    33Revista da FAEEBA Educao e Contemporaneidade, Salvador, v. 20, n. 36, p. 31-41, jul./dez. 2011

    Peter Alheit

    Em relao a esse tipo de mentalidade estreitano ensino, von Foerster fala de uma banalizao dosalunos. O ensino separado, afastado do pensamen-to e da experincia dos alunos. auto-suciente.A famosa frase de Sneca, non scholae sed vitae

    discimus, quase sempre traduzida erroneamente,deveria ser levada a srio novamente de maneiramoderna (a saber, traduzida adequadamente signi-ca, em vez do habitual para, como meu velho, umpouco bizarro professor de latim sempre enfatizava:no da escola, mas sim da vida aprendemos).

    Com isso chego ao meu tema: o que aprenderda vida poderia signicar hoje e qual contribuiod a isso a estranha e mgica palavra biograza-o? A seguir eu gostaria de explicar isso maisdetalhadamente atravs de trs passos mentais:

    Primeiro quero deixar claro que nossa vida sin-gularmente particular, nossa biograa de maneiraalguma uma trivialidade, mas sim, historicamentefalando, um fenmeno comparativamente novo, seo quisermos assim: umprocesso de aprendizagembastante especco da modernidade europia.

    Em um segundo passo, eu gostaria de mostrarbrevemente que tal compreenso de biograa tam-bm dever mudar nosso conceito de aprendizagem(e aqui a ideia de biograzao desempenha um

    papel central).E nalmente, em um terceiro pensamento, quero

    discutir a idia de que em um perodo consideradopor muitos como ps-moderno, aquela concep-o de aprendizagem possivelmente se tornou maiscomplicada e exige uma maneira totalmente novade sensibilidade pedaggica.

    1. A descoberta da biografia na mo-dernidade

    Faz parte dos conhecimentos centrais da pes-quisa biogrca com interesse histrico que aqueleformato ao qual hoje ainda relacionamos a ideiada biograa moderna tem apenas 200 anos deexistncia e que continua atrelada ao surgimentoda modernidade europia.4 Certamente a noo deque as pessoas tm uma biograa mais velha que aIdade Moderna. Ela j se encontra de forma variada4 Isso pode ser excelentemente demonstrado em autobiogra-

    as desde o nal do sculo XVIII (v. detalhadamente sobreisso Alheit/Brandt 2006a).

    em biograas antigas. Mesmo assim, nessas descri-es biogrcas pr-modernas no est em primeiroplano o desenvolvimento de indivduos concretos,nem o desdobramento da individualidade subjeti-va de uma identidade por si, como Alois Hahn

    (1988, p. 93) acertadamente a denominou massim a apresentao de tipos caractersticos o maisideais possvel. Biograas servem geralmenteao entretenimento, instruo ou legitimao deregras. Elas so, por assim dizer, didaticamentemotivadas.5

    Isso de fato se modica no decorrer da moder-nidade europia, certamente no de forma abrupta,regionalmente e socioestruturalmente em perodosextremamente desiguais, mas mesmo assim deforma compreensvel. Ao lado da representaode santos e poderosos, inicialmente h um inte-resse incalculvel na descrio de personalidadesnotveis, e at ofensivas, de todas as reas da vidapblica. As biograas de artistas da Renascenaitaliana esclarecem essa mudana de perspectivade maneira impressionante: o interesse vital noindividual, no curioso, o desejo de representaoe auto-representao, a encenao, tambm dopessoal e privado, a necessidade de fama em umaterra de fachadas, como Peter Burke (1986, p. 20)

    o expressou, mostram o embrio de uma nova visodo mundo (v. tambm Alheit/Dausien 1990).

    Desse processo de mudana gradual do sig-nicado da biograa, existem, ao lado de algunsindcios, poucos estudos de caso muito interes-santes. Entre eles se inclui o de Lucien Fbvre,

    Rabelais (FBVRE, 1947), tambm o divertidoestudo de Carlo Ginsburg sobre o moleiro friuliano

    Menocchio com o ttulo encantador O queijo e osvermes.6 Um dos mais surpreendentes documen-

    tos, e um dos mais convincentes no que se referes fontes, a reconstruo de um caso criminaldo nal do sculo XVI, que devemos acima detudo a Natalie Zemon Davies (1989). A caracte-rstica especial dessa histria autntica, na qualum certoArnaud du Tilh assume a id