revista aps volume 7 nÚmero 2 julho/dezembro de 2004...
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REVISTA APS
VOLUME 7 NÚMERO 2 JULHO/DEZEMBRO DE 2004
SUMÁRIO
EDITORIAL
ARTIGOS ORIGINAIS A EDUCAÇÃO POPULAR EM SAÚDE E A PRÁTICA DOS AGENTES DE CONTROLE DAS ENDEMIAS DE CAMARAGIBE: UMA CIRANDA QUE ACABA DE COMEÇAR POPULAR HEALTH EDUCATION AND THE WORK OF THE CAMARAGIBE CONTROL AGENTS OF ENDEMIC DISEASES: A CIRCLE THAT HAS JUST BEGUN Maria Verônica A. de Santa Cruz Oliveira PERCEPÇÃO DOS DISCENTES SOBRE NOVAS DIRETRIZES NO CURSO MÉDICO STUDENT PERCEPTIONS OF NEW GUIDELINES IN THE MEDICAL SCHOOL
José Antônio Chehuen Neto, Mauro Toledo Sirimarco, Maura Gomes de Resende, Cristina Rodrigues James, Gabriela Quirino Andreoli, Rosamaria Cúgola Ventura, Sérgio Castro Pontes PREVENÇÃO DO CÂNCER DE COLO UTERINO EM UMA ÁREA DO PROGRAMA DE SAÚDE DA FAMÍLIA EM RIBEIRÃO PRETO THE PREVENTION OF CERVICAL CANCER IN ONE AREA OF THE FAMILY HEALTH PROGRAM IN RIBEIRÃO PRETO Leonardo Pinho Ribeiro, Camila Malta Maradei, Cristina Lopes da Silva, Ricardo Manfrim Tombolato, Elisabeth Meloni Vieira
ARTIGOS DE REVISÃO A ESPIRITUALIDADE NA EDUCAÇÃO POPULAR EM SAÚDE SPIRITUALITY IN POPULAR HEALTH EDUCATION Eymard Mourão Vasconcelos
EDUCAÇÃO POPULAR E SAÚDE : ELOGIO À COMUNIDADE POPULAR EDUCATION AND HEALTH : AN EULOGY TO THE COMMUNITY Lúcia Ozório
ARTIGOS DE ATUALIZAÇÃO O DESAFIO DA CLÍNICA NA SAÚDE DA FAMÍLIA THE CHALLENGE OF THE CLINIC IN THE HEALTH OF THE FAMILY Maria Ângela Alves do Nascimento RELATOS DE CASOS E EXPERIÊNCIAS A LEISHMANIOSE VISCERAL COMO DOENÇA OPORTUNISTA EM UM GERONTE PORTADOR DA SÍNDROME DA IMUNODEFICIÊNCIA ADQUIRIDA (SIDA) VISCERAL LEISHMANIASIS AS AN OPPORTUNISTIC INFECTION IN AN ELDERLY PATIENT WITH AIDS Leonardo Leitão Batista, José Araújo Sobrinho, Andréa de Amorim Pereira Barros, Joacilda da Conceição Nunes, Walber Leite de Almeida
TRIBUNA AGENTE COMUNITÁRIO DE SAÚDE: PERFIL SOCIAL X PERFIL PROFISSIONAL Maria Ruth dos Santos
ATUALIZAÇÃO BIBLIOGRÁFICA Livros e Periódicos
INSTRUÇÕES PARA COLABORADORES
Os desafios na gestão de recursos humanos do SUS Do cenário brasileiro na área da saúde pública, queremos destacar a situação dos profissionais
que atuam no SUS. O Ministério da Saúde vem, nessa administração, implementando uma nova política para o desenvolvimento de recursos humanos para o SUS por meio da Secretaria da Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde, os Pólos de Educação Permanente em Saúde. Esses foram pensados tendo como embrião os Pólos de capacitação, formação e educação permanente para a Saúde da Família, que compôs a política de implementação da Estratégia de Saúde da Família de 1997 a 2003. Uma proposta ousada e ainda incipiente, apesar do credenciamento pelo MS de 93 Pólos loco-regionais, envolvendo 226 instituições de ensino superior e 1030 entidades com 70.000 atividades planejadas (dados da fala do Dr. Ricardo Ceccin, no VII Encontro de Atualização em APS em 1 e 2 de dezembro de 2004, promovido pelo NATES/UFJF, em Juiz de Fora). Apesar dos números, a implementação dos Pólos ainda se inicia, visto que possuem uma proposta ambiciosa, pois pretendem articular as estruturas de gestão da saúde, as instituições de ensino, os órgãos de controle social em saúde e os serviços de atenção à saúde, com objetivos de construir uma política nacional de formação e desenvolvimento para o conjunto dos profissionais de saúde, bem como a educação popular para a gestão das políticas públicas de saúde; implementar o trabalho e políticas intersetoriais entre o Ministério da Saúde e o da Educação para orientar programas conjuntos e decisões relacionadas à formação dos profissionais de saúde. (Ceccin, 2004). Paralelamente, outro desafio que se coloca para a Secretaria da Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde é o enfrentamento da precarização do trabalho na saúde, no contexto do SUS. Discussões vêm sendo feitas nesse sentido, com foco no PCCS do SUS, que divulgamos na seção Endereços Úteis. Apesar dos resultados, nessa área, ainda serem invisíveis, cabe a nós, profissionais do SUS, participarmos e acompanharmos com esperanças de dias melhores.
Nossa contribuição, enquanto núcleo da UFJF, continua sendo na atenção básica, com a especialização e residência multiprofissional em Saúde da Família, em parceria com outras unidades da UFJF, além de outras atividades de educação continuada como pretende ser esse periódico. Nesse número, trazemos várias discussões voltadas para a educação na saúde, para o novo currículo da medicina na visão dos discentes e para a educação popular em saúde, que é uma das grandes linhas de intervenção na busca de uma saúde mais participativa e com controle social. A discussão da Espiritualidade e Saúde, linha de pesquisa contemporânea que articula saberes, está contemplada em artigo do Dr. Eymard Vasconcelos. O planejamento local de saúde, reorientado por diagnóstico de cobertura de Papanicolaou, é apresentado em artigo original: Prevenção do câncer de colo uterino em uma área do Programa de Saúde da Família em Ribeirão Preto. O relato de caso contempla Calazar e Aids em idoso.
Que 2005 venha cheio de novas perspectivas para a saúde brasileira!
A EDUCAÇÃO POPULAR EM SAÚDE E A PRÁTICA DOS AGENTES DE CONTROLE DAS ENDEMIAS DE CAMARAGIBE: UMA CIRANDA QUE ACABA DE COMEÇAR POPULAR HEALTH EDUCATION AND THE WORK OF THE CAMARAGIBE CONTROL AGENTS OF ENDEMIC DISEASES: A CIRCLE THAT HAS JUST BEGUN Maria Verônica A. de Santa Cruz Oliveira, Mestre em educação pela UFPB, Assessoria Técnica da SMS do Recife e Sanitarista da SMS, Camaragibe. Endereço: Rua Barão de Granito, 53 Casa Amarela, Recife, PE CEP 52070 540 - Tel 81 3269 1759 - 3441 3745 - [email protected] RESUMO Estamos passando por um momento histórico nas políticas de controle das endemias em decorrência das grandes transformações epidemiológicas, políticas e administrativas que vêm acontecendo em nosso país nas últimas décadas. O presente estudo buscará sistematizar tais transformações e analisá-las, tendo como foco as contribuições da educação popular em saúde e a prática dos agentes de controle das endemias de Camaragibe, Pernambuco, Brasil. A pesquisa de base qualitatitiva foi desenvolvida no Mestrado de Educação da UFPB. Trata-se de um estudo de caso que utilizou a observação participante e entrevistas semi-estruturadas. Os achados da pesquisa revelam, como principais avanços, a integralidade das ações e a base territorial que orientou o modelo adotado. No entanto, alguns limites dificultaram a transformação da prática dos agentes no sentido de incorporar os princípios metodológicos da educação popular em saúde, tais como a persistência de ranços culturais e gerenciais do antigo modelo de base taylorista. Palavras chave: Educação em Saúde; Educação Popular em Saúde; Doenças Endêmicas/ Prevenção & Controle; Políticas de Saúde; Saúde Ambiental; Administração em Saúde Pública. ABSTRACT
We are presently living a historical moment in terms of policies of control of endemic diseases due to the great epidemiological, political and administrative transformations that have occurred in our country during the past few decades. This study seeks to systemize these transformations and to analyze them with an eye towards the contributions to popular health education and the practice of the control agents of endemic diseases in Camaragibe, Pernambuco, Brasil. The qualitative research was carried out in the Masters in Education of the UFPB. It is a case study that utilized participatory observation and semi-structured interviews. The research findings reveal as the main advances the integrality of actions and the territorial base that oriented the model chosen. However, there were some limits that hindered the transformation of the practice of the agents in the sense of incorporating the methodological principles of popular health education, such as the persistence of cultural and management traits from the old model of a Taylorist base.
Key-Words: Popular health education, health education, endemic disease control, public
policies, municipalization, integrality, management, environmental health.
MONÓLOGO AO PÉ DO OUVIDO Modernizar o passado
É uma revolução musical Cadê as notas que estavam aqui
Não preciso delas Basta deixar tudo soando bem aos ouvidos
O medo dá origem ao mal O homem coletivo sente a necessidade de lutar
O orgulho, a arrôgancia, a glória Enche a imaginação de domínio
São demônios os que destroem o poder Bravio da humanidade
Viva Zapata! Viva Santino!
Antônio Conselheiro Todos os Panteras Negras
Lampião sua imagem e semelhança Eu tenho certeza eles também cantaram um dia
1- INTRODUÇÃO
Estamos diante de um momento de grande importância para as políticas de controle das endemias, onde vêm ocorrendo transformações epidemiológicas, políticas e gerenciais. Atualmente, assistimos a um processo de agravamento da ocorrência e distribuição de grande parte das endemias no país. São vários os indicadores deste quadro, tais como, a expansão e a urbanização de agravos antes restritos à zona rural e silvestre; o retorno de antigas endemias já controladas (agora com novos padrões de distribuição e comportamento epidemiológico) e o surgimento de novas endemias. Esta nova conjuntura é fruto de uma teia de arranjos da dinâmica social, política e econômica decorrentes do modelo de desenvolvimento adotado no país e do desordenado processo de urbanização das cidades brasileiras, bem como a fatores técnicos das ações de controle caracteristicamente centralizadas, autoritárias, fragmentadas e das especificidades de alguns destes agravos. Um dos principais impactos decorrentes do redirecionamento das políticas de saúde no controle das endemias é o processo de descentralização e municipalização das ações de saúde. Assim, as ações de controle passam a ser responsabilidade dos poderes municipais, com coordenação nos níveis federal e estadual. Esta aproximação do planejamento e execução do poder local tem propiciado momentos de reformulação das estratégias municipais de enfretamento destes agravos.
Este sentido de transformação e a tônica social, política e cultural que envolvem as endemias no país, me levou a associar as letras das músicas de Chico Science às questões levantadas nesta pesquisa. Resolvi trazer para este artigo, algumas letras de suas músicas como um fio do mundo da poética que, através de sua expressão simbólica, me ajudará a tecer as reflexões teóricas aqui contidas. Homenageaio, assim, este alquimista dos sons pelo importante papel que teve no nosso cenário cultural e subjetivo, bem como a todo/as que buscam dar um novo sentido ao mundo através da arte.
O Movimento Mangue, que tem como seu percursor Chico Science, representa uma das maiores transformações culturais da música não só de nossa região, mas de nosso país. Surgiu na cena musical do Recife no início da década de 90 e se expandiu para as diversas formas de manifestações artísticas e culturais. As suas músicas buscam
inspiração na literatura de cordel e mistura temas urbanos e tecnológicos. O seu som procura, na fusão de ritmos culturais regionais e internacionais, uma alquimia que expressa o intenso movimento de transformação do caos à ordem, da ordem ao caos que caracteriza nossa época, ou seja, no meio de um som caótico, busca encontrar a sua ordenação.
A simbologia contida no nome do Movimento retrata tanto a diversidade de vida dos estuários quanto o estado de depredação destes na cidade do Recife, em decorrência do modelo de desenvolvimento social que aterrou os mangues para construção da cidade e os poluiu com os esgotos e dejetos industriais. Há uma filosofia utópica no movimento que busca no fortalecimento da cultura local o sentido de cooperação que leve a uma transformação na melhoria de qualidade de vida.
Assim, as letras de suas músicas têm como eixo a crítica social e são consideradas como um movimento de resistência cultural. Essa fusão cultural, também aproximou as mais diversas tribos etárias, culturais, locais e internacionais.
O termo modernizar tem sido utilizado em vários sentidos. Ao utilizar, na abertura deste trabalho, a música Monólogo ao pé do ouvido, busquei me distanciar do sentido empregado para a palavra como acesso às tecnologias de ponta e da globalização e busquei recuperar seu significado de trazer o contexto estudado para um tempo mais próximo e atualizá-lo nas necessidades da nova conjuntura política e epidemiológica.
O modelo de controle das endemias e de suas práticas educativas que foram implementadas no nosso país tiveram como características ter-se dado de forma centralizada, autoritária e fragmentada. Ao se aliarem aos interesses das elites brasileiras, contribuíram para a promoção da exclusão social das classes populares, como também, através do seu modelo gerencial, da desvalorização da subjetividade dos seus trabalhadores e trabalhadoras. Contribuindo, deste modo, na fragilização do “poder bravio” destes sujeitos sociais para participarem na luta pela melhoria da qualidade de vida. Assim, “modernizar o passado” do controle das endemias é uma decisão de muita coragem que requer deixar para trás velhas formas e buscar novos caminhos que “soem bem aos ouvidos” ou, dito de outra forma, que consigam ter uma coerência com os princípios do SUS, com as necessidades locais e suas realidades de saúde e vida.
Neste sentido, a educação popular em saúde tem se demonstrado uma importante estratégia. Parte da análise crítica das realidades, do diálogo e valorização de saberes e dos sujeitos envolvidos. Deste modo, contribui na resignificação das práticas educativas dos profissionais de saúde, oferecendo elementos que potencializam uma ação coerente com os princípios do SUS. Além disto, também tem ajudado na reorganização global dos serviços de saúde. (VASCONCELOS, 1997)
Dentre as transformações políticas, a descentralização e a municipalização das ações de controle destes agravos, como já dito, têm feito emergir novas experiências municipais, sendo de fundamental importância o seu conhecimento e sistematização.
2.CASUÍSTICA E MÉTODOS A CIDADE O sol nasce e ilumina as pedras evoluídas Que cresceram com a força de pedreiros suicidas Cavaleiros circulam vigiando as pessoas Não importam se são ruins, nem importa se são boas E a cidade se apresenta centro das ambições Para mendigos ou ricos e outras armações Coletivos, automóveis, motos e metrôs Trabalhadores, patrões, policiais, camelôs A cidade não pára, a cidade só cresce O de cima sobe e o de baixo desce
A cidade se encontra prostituída Por aqueles que a usaram em busca de saída Ilusora de pessoas de outros lugares A cidade e sua fama vai além dos mares No meio da esperteza internacional A cidade até que não está tão mal E a situação sempre mais ou menos Sempre um com mais e outros com menos A cidade não pára, a cidade só cresce O de cima sobe e o de baixo desce Eu vou fazer uma embolada, um samba, um maracatu Tudo bem envenenado, bom pra mim e bom pra tu Pra gente sair da lama e enfrentar os urubus.
Camaragibe é um desses municípios. Está localizado na Região Metropolitana do
Recife (RMR), no Estado de Pernambuco. Segundo dados do IBGE de 2000, possui uma população de 128.627 habitantes, distribuídos em uma área de 52,9 km2, perfazendo, deste modo, uma densidade demográfica de 2.431 hab/ km2. É um município de pequeno porte, que ocupa 1,91% do Território da RMR. Está subdividido em cinco regiões político-administrativas (Regiões I, II, III, IV e V).
A gestão da saúde do município, desde 1993, é do Partido dos Trabalhadores e se guia pelos princípios do fortalecimento do SUS e da participação popular, conferindo-lhe um caráter popular e democrático. A aprovação da população a este projeto político fez com que seu secretário de saúde, um médico sanitarista oriundo do Movimento Popular de Saúde (MOPS), se elegesse e reelegesse prefeito do município.
Apesar do discurso oficial desta gestão expressar a vontade política de melhorar a qualidade de vida da população, administrar a cidade não é tão simples, pois o município enfrenta muitos problemas sociais, estruturais e econômicos difíceis de serem superados. Mas, Camaragibe parece começar a entoar “emboladas, sambas e maracatus”, pretendendo “sair da lama e fazer frente aos urubus”. Ou dito em outras palavras, o município começa a elaborar políticas arrojadas para fazer face aos principais problemas da cidade. Desde 1993, tem tido uma ampliação da sua rede municipal de serviços de saúde (ver quadro I) e em 1994 assumiu a gestão plena da saúde. Quadro I- Estudo comparativo da rede de serviços de saúde de Camaragibe- PE em 1993 e 2002 REDE DE SERVIÇOS EM 1993 REDE DE SERVIÇOS EM 2002 8 postos de saúde de atenção básica 03 centros de Saúde Conselho Municipal de Saúde inoperante Conselho Municipal de Saúde operante e ativo Inexistência de ações de vigilância sanitária Implementação e municipalização das ações de
vigilância epidemiológica e sanitária com uma 01 Unidade de Vigilância ambiental
37 Equipes de Saúde da Família 01 laboratório de Prevenção do Câncer Cérvico-
uterino 01 Núcleo de Atenção Psicossocial 01 Núcleo de Reabilitação Física 02 Centros de Especialidades Médicas
Como resultado de sua condição sócio-econômica, seu quadro epidemiológico revela graves problemas de saúde pública, dentre os quais as endemias que têm expressão
preocupante. Os principais determinantes desses agravos são as condições socioeconômicas e ambientais e, por conta disto, a maior parte das intervenções que podem contribuir para reduzi-las estão relacionadas entre si. Assim como a questão do destino inadequado do lixo que propicia condições para a manutenção da dengue, leptospirose e da raiva animal.
No sentido de adequar as ações de controle das endemias à proposta de gestão e à sua realidade sanitária, a SMS construiu um modelo de intervenção que chamou de controle integrado das endemias. Este tem como características:
Articulação da Diretoria de Vigilância à saúde com a Diretoria de Assistência (Unidades tradicionais e PSF/PACS), nas ações de notificação, imunização, diagnóstico, tratamento precoce dos agravos, busca ativa.
Junção das equipes de campo de raiva, leptospirose e dengue. Territorialização dos ACEs em microáreas.
O principal papel dos agentes, no discurso oficial, é o de educador. Mas, a articulação da Diretoria de Atenção à Saúde com o Departamento de Educação em Saúde é bastante frágil. Este Departamento foi criado em 1997 e adotou como referencial teórico-metodológico a educação popular em saúde. Essa orientação filosófica vem transformando suas práticas no sentido de incorporar o diálogo entre os diversos saberes e linguagens, articulando os diversos atores sociais de forma participativa, crítica e criativa. Ainda adota como concepção orientadora a mutideterminação do processo saúde-doença. No entanto, o serviço apresenta algumas dificuldades. Por ainda encontrar-se desprovido de uma dotação orçamentária, algumas vezes anda a reboque de projetos advindos da Diretoria de Vigilância a Saúde ou da Diretoria de Assistência à saúde, em outras, aproximando-se de um caráter amador.
Tendo em vista o importante papel da educação em saúde na promoção da saúde, questiona-se, nesse cenário: quais as possibilidades da proposta da educação popular em saúde ser incorporada nas ações de controle das endemias?
O grupo dos agentes de controle das endemias (ACEs) é estratégico para o desvendamento deste processo, uma vez que representa o maior elo entre o serviço de controle das endemias e a comunidade. Assim, os ACEs são um dos principais sujeitos que tecem e dão sentido a essas transformações no cotidiano.
Este trabalho tem por objetivo divulgar os resultados de uma pesquisa de Mestrado desenvolvida na UFPB, no período de 1999 a 2000, que teve como meta mapear as resistências, as dificuldades e possibilidades de institucionalização da educação popular em saúde nas ações de controle das endemias, focalizando a prática educativa dos agentes de controle das endemias em Camaragibe.
Por se tratar de um objeto que lida com questões políticas, culturais e subjetivas, difíceis de serem quantificadas, a metodologia utilizada foi a pesquisa qualitativa, a partir de um estudo de caso, da observação participante e uso de entrevistas semi-estruturadas. Por uma questão ética, os nomes dos participantes da pesquisa serão todos fictícios, a fim de preservar sua identidade.
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
3.1 Os agentes de controle das endemias, a organização e o gerenciamento do seu processo de trabalho
CÔCO DUB (AFROCIBERDELIA) Cascos, cascos, cascos Multicoloridos, cérebros, multicoloridos
Sintonizam, emitem, longe Cascos, cascos, cascos Multicoloridos, homens, multicoloridos Andam, emitem, amam Acima, embaixo do mundo Cascos, caos, cascos, caos
O grupo dos agentes de controle das endemias, em Camaragibe, é um universo masculino e jovem. Todos são do sexo masculino e a sua maior parte, 67,4%, estão na faixa etária de 20 a 29 anos. Quanto à escolaridade, a maior concentração encontra-se no 1º grau incompleto. Mas, também foram encontrados profissionais de nível universitário. Em sua maior parte, os agentes são oriundos do mercado de serviços e do comércio.
A categoria da qual fazem parte é a de agentes de saúde, assim como as agentes comunitárias. E, como tais, também estão vinculados à instituição pelo sistema de cooperativas. Nesta forma de vincular o profissional à instituição não há um registro da carteira do trabalho e, como conseqüência, os priva de direitos trabalhistas, gerando uma sensação de tempo perdido e grande insegurança com o futuro. Essa é a maior fonte de desmotivação no trabalho. Atualmente, essa forma de contrato tem sido revista, buscando-se novas formas de vínculos institucionais.
“O que adianta eu estar aqui, estou há 4 anos e 7 meses, vou fazer cinco anos. Eu fico dez anos aqui, eu fico velho, posso até adoecer, posso até morrer, o que eu vou deixar para minha filha? O que eu vou deixar para os meus familiares? Nada, porque estou trabalhando aqui sem direito a nada. Sair hoje, o que eu vou receber? Nada. Cadê meus direitos trabalhistas? O PIS, o fundo de garantia? O tempo de trabalho, cadê? nada disso (...) O que me revolta, na prefeitura é isso, eu chego no BANDEPE, quero fazer um empréstimo, faço minha ficha, quando diz ‘cooperativa, [eles respondem] Ah, não! Quem é guarda municipal, quem é gari faz empréstimo. Porque somos cooperativados não somos funcionários da prefeitura. E ainda dizem para mim “ você é seu patrão.” Nós, cooperativados, somos nosso patrão! “ (Boy)
“Vamos supor, estou aqui há cinco anos, se a cooperativa me botasse para fora, como é que eu ia provar em outros cantos que eu trabalhei cinco anos e fui boa conduta? Meu contracheque ia provar? Com o meu crachá? Não tem como provar.” (Nestor)
Com a junção das equipes de campo e a distribuição espacial dos agentes em microáreas, todos passaram a executar medidas de controle destes três agravos (tais como vacinação anti-rábica animal, pesquisa e tratamento de foco de dengue e desratização), bem como a ter responsabilidade territorial. Como resultado, apresentam grandes potencialidades para aumentar o conhecimento da dinâmica local, construir uma visão mais global do processo saúde-doença, como também estabelecerem relações mais efetivas e afetivas com a comunidade onde estão inseridos.
O modelo de organização e gerenciamento do processo de trabalho dos ACEs apresenta as seguintes características:
Processo de trabalho fragmentado, alienado, burocratizado, desprovido de diálogo e pautado na cobrança da produção.
Deficiência no processo de fortalecimento dos ACEs (Educação continuada e acompanhamento das atividades de campo).
Percebe-se, portanto, que há elementos do taylorismo e forte influência do modelo organizacional da FUNASA. Esta forma de vivenciar o gerenciamento não percebeu os agentes de controle das endemias como “homens multicoloridos”, ou seja, homens ricos
de potencialidades para transformarem a realidade. Ao contrário, os perceberam como reprodutores de normatizações, tolhendo a sua subjetividade e o seu potencial criativo.
A ação educativa, sobretudo na perspectiva da educação popular em saúde, requer tempo para o diálogo e é essencialmente criativa. Essa forma de gerenciamento e organização do processo de trabalho dos agentes podaria seu potencial de educador, uma vez que não se investe na sua formação, pois está pautado na produção, em relações interpessoais autoritárias, coibindo sua subjetividade e criatividade. Que concepção os agentes têm sobre a educação em saúde e qual a sua prática educativa, neste contexto?
3.2 A concepção de educação em saúde dos ACEs As concepções de educação em saúde dos agentes de controle das endemias, em
sua maioria, distanciaram-se do referencial da educação popular que orienta a política do Departamento de Educação em Saúde. Estas apresentam elementos da educação em saúde normatizadora, onde a educação em saúde é tida como um repasse de informações de orientações que buscam enquadrar a população ao modo higiênico correto de se viver, segundo os critérios do conhecimento científico.
A educação normatizadora tem como principal base teórica a educação bancária ou não-crítica descritas, respectivamente, por Paulo Freire e Dermeval Saviane. Estas partem de uma visão desvalorativa dos sujeitos, onde seus saberes, histórias de vida e potencialidades de construtores da realidade são desconsiderados. Busca reproduzir o sistema de opressão das classes populares, através da ausência de criticidade da realidade e o desconhecimento do papel dos sujeitos de construtores e transformadores do mundo.
A análise da representação que os agentes têm da comunidade onde atuam revelam elementos que sugeriram uma visão depreciativa, tais como conceber a população como ignorante, acomodada, descomprometida com o “querer viver bem” e, por conta disto, a comunidade é considerada a principal responsável pela manutenção dos agravos. Desconsidera-se, assim, as questões sócio-culturais que envolvem os processos de adoecimento e morte.
A concepção de que a comunidade é ignorante e desprovida de valores e saberes pode se constituir em um dificultador para o estabelecimento de práticas educativas participativas e libertadoras, uma vez que tal visão é a mesma que fundamenta a prática das escolas não-críticas da educação, colocando na mão do mestre o poder de agir de forma autoritária e desrespeitosa com os valores culturais e subjetivos da comunidade.
3.3 A prática educativa hegemônica dos agentes A análise das práticas da maior parte dos agentes confirma esta suposição, pois
se caracterizavam ora por serem restritas à aplicação de produtos químicos no tratamento dos focos encontrados, ora por serem simplesmente normativas e desprovidas de diálogo.
3.3.a Práticas restritas à aplicação de produtos químicos no tratamento dos focos encontrados.
A análise da observação participante e da entrevista demonstram que esta prática também está relacionada à ausência de capacitações técnicas, que fazem com que os agentes evitem dialogar com a comunidade e expor suas fragilidades quanto ao conhecimento científico acerca das endemias, como também para dar conta da produção.
“O cabra tá ali .você vai explicando melhor a pessoa pergunta, num sei o quê... hoje em dia a turma faz pergunta a mim, e tu acredita que eu não sei? Porque eu esqueço, a pessoa esquece.“ (Moisés)
3.3.b Agir educativo normativo.
Durante a observação desta prática, foi marcante o impacto da visão desvalorativa que os agentes têm em relação à comunidade na sua prática educativa.
Victor Valla (2000), ao mostrar como a visão que os profissionais têm da comunidade interfere na participação popular, faz uma análise de como as categorias da carência, da intensidade e da apatia, que embasam o discurso de profissionais de saúde ou mediadores, influenciam suas práticas educativas com a comunidade.
Para o autor, a tradição de perceber falas e atitudes das classes populares amparados no discurso da carência da comunidade impossibilita a percepção de que estes grupos sociais têm capacidade de produzir conhecimentos e se organizarem para criar estratégias de transformações.
Em outro pólo, o autor traz a categoria da intensidade e que também é utilizada para traduzir a fala e as atitudes destes grupos. Para essa categoria, as classes populares encaminham sua vida marcada com uma grande intensidade na busca do viver. Esta categoria resgata as potencialidades dos grupos sociais e “traz dentro de si a idéia de iniciativa, de lúdico, de autonomia”. (VALLA, 2000, p.260) Assim, potencializa o poder de transformação da realidade que os sujeitos trazem, mas, desde que consiga estabelecer as diferenças necessárias entre a forma como as classe populares pensam, sentem e agem diante da realidade e o modo como os conhecimentos técnicos podem contribuir neste processo de construção a partir do respeito e do diálogo. No entanto, nessa categoria de intensidade existe uma tendência de fortalecer a idéia de que a iniciativa popular só consegue se estabelecer através de mediadores e mediadoras (tais como profissionais de saúde e da educação) que, de forma geral, exercem uma relação de poder desigual com o saber e as necessidades dos usuários e usuárias, decidindo o que a fala traz ou não de conteúdos a serem aproveitados. Essa incompreensão da lógica popular de pensar, sentir e agir leva mediadores e mediadoras a terem uma concepção de que as classes populares estão desmobilizadas e, como resultado, não percebem as diversas formas que encontram de se mobilizar.
“As categorias de apatia e desorganização atribuídas às classes populares que não fazem parte da sociedade civil de caráter popular, escamoteiam uma realidade que é de fato oposta. Uma grande parte da população dos bairros periféricos e favelas participa de algum tipo de organização (escola de samba, time de futebol, igreja) que, se não demonstra um discurso articulado politicamente, indica porém, relações coesas e sistemáticas. A própria sobrevivência de grandes parcelas dessas classes deve-se em grande parte à sua iniciativa de viver. É freqüente a postura de intelectuais e profissionais de que a iniciativa é um atributo deles, mesmo reconhecendo que gostariam que não fosse assim. A imagem de passividade é ilusória e, se não for assim concebida, necessariamente põe a concepção de ação e iniciativa apenas no lado dos mediadores.” (VALLA, 2000, p.260) (Grifo do autor)
Será que a população não exerce os cuidados para prevenção dos agravos endêmicos por “não querer viver bem” e por comodismo, ou se sente imobilizada diante de uma estrutura social que lhes priva do acesso aos seus direitos de cidadania?
Durante a pesquisa de campo em uma das residências visitadas havia muito cuidado com os depósitos de água e com o acondicionamento do lixo no quintal. Mas, a
dona da casa estava muito revoltada com a falta de acesso ao saneamento, se referindo ao esgotamento sanitário que nunca foi ligado, nos falou, :
“De que adianta eu cuidar daqui, tampar os depósitos, se não tem para onde escoar a água? Esses canos que colocaram foi só dinheiro perdido. Para onde eu vou jogar a água? Se colocar para fossa, logo vai estourar!” (comunitária da região III) O discurso que desvaloriza a comunidade, além de legitimar práticas educativas
ligadas às teorias não-críticas da educação e dificultar o diálogo de saberes e a participação popular, colabora também para que não haja uma compreensão de que a lógica popular de encaminhar a vida, de apreensão da realidade e de construção de conhecimentos são distintas da lógica do conhecimento científico.
A respeito disso, Valla (2000) identifica um fosso entre o discurso sanitarista e a
lógica popular de se encaminhar a vida: “Toda proposta sanitarista pressupõe a previsão como categoria principal, pois a própria idéia de prevenção implica um olhar para o futuro. Contudo, poder-se-ia levantar a hipótese de que estes setores da população [classes populares] conduzem suas vidas com a categoria primordial da provisão. Com isso se quer dizer que a lembrança da fome e das dificuldades de sobrevivência fazem com que o olhar principal se volte para o passado e se preocupe em prover o dia de hoje- uma idéia de acumulação, portanto. Assim a proposta de previsão estaria em conflito direto com a de provisão.“ (VALLA, 2000, p.261) A dengue, por exemplo, no imaginário popular, parece ainda estar associada a uma
simples gripe. Para alguns profissionais de saúde, é possível que haja uma grande subnotificação dos casos de dengue devido à população não ter procurado mais os serviços de saúde, buscando se auto-medicar com analgésicos e chás tradicionais. Silva (2001) nos chama a atenção que, na maior parte das vezes, a população só procura os serviços de saúde quando esgota suas possibilidades terapêuticas. Pode-se perguntar o que a dengue representa em relação à fome, violência e tantos outros problemas que acometem as classes populares e parecem ter uma urgência maior?
Esta incompreensão leva a uma ineficiência do processo educativo, pois, o discurso científico requer uma lógica de abstração distante da lógica popular de construção do conhecimento. Assim, além da prática desenvolvida não ter espaços de negociações de significados, também não existe um processo criativo em que se busque o uso dos materiais didáticos disponíveis – tais como mostrar as larvas e mosquitos encontrados como forma de quebrar a abstração do conhecimento científico e trazer para uma realidade imaginária mais próxima das pessoas com quem se interage.
Mas, se os agentes fazem também parte da comunidade onde atuam, o que os leva a esta incompreensão?
As suas histórias de vida ligadas à educação não-crítica (a qual visa a reprodução das estruturas de dominação social) não encontra estímulo para sua reformulação, dada a falta de espaços reflexivos que abram espaços de reflexão crítica de suas práticas e de novos caminhos para o fazer cotidiano.
Ainda acrescenta-se que, enquanto forma de se legitimar na instituição, reproduzem o discurso médico-científico hegemônico que desvaloriza o saber popular. Com isso, há
uma negação da sua identidade sócio-cultural, uma vez que são e fazem parte da comunidade onde atuam.
Esse agir também contribui para o estabelecimento de resistências da comunidade às suas orientações ou para uma construção fragmentada do conhecimento.
Em uma das primeiras residências que visitei na pesquisa, pude perceber o quanto a visita domiciliar é invasiva: entramos em todos os cômodos da casa e o agente aplicou larvicida, sem pedir permissão, nos vários depósitos que encontrou, inclusive no filtro de água que estava devidamente tampado. Fomos atendidos por uma adolescente que nos informou que não havia plantas com água em casa, mas encontramos um vaso com água que havia larvas já eclodidas. Ao questionarmos a garota que nos atendeu se sabia o que era dengue, o agente precipitou a resposta, perguntando se ela estudava. Diante de sua resposta afirmativa, ele garantiu:
-Então, já sabe. Sepultou assim qualquer possibilidade de diálogo. Ao sairmos, a técnica que nos
acompanhava escutou a dona da casa reclamar com sua filha por ter permitido a aplicação do larvicida e mandou-a jogar a água dos recipientes fora.
A transformação de um ato acontece diante do convencimento de sua necessidade, o que pode se dar diante da coerção e/ou do medo ou ao se adquirir um novo conhecimento que permita olhar para a realidade de uma nova forma, ou seja, ampliando-se a consciência da realidade. Mas nem sempre o contato com esse novo conhecimento é suficiente para sua transformação; é também necessário que haja uma internalização de sua necessidade, pois o que rege o agir humano extrapola o racional. Existem elementos subjetivos permeando este processo no campo psicológico (tais como condicionamentos corporais, emocionais) e cultural, bem como estruturas sociais desfavoráveis e toda uma escala de valorização que baliza a escolha da transformação ou não da atitude.
Embora o processo de transformação esteja limitado por estes fatores, a aquisição de um novo conhecimento pode se constituir no caminho mais efetivo para essa transformação, desde que haja uma internalização capaz de construir coerência deste com as escalas valorativas dos sujeitos. Para tanto, esse processo requer uma relação de confiança com quem está mostrando este novo olhar. Esta relação dificilmente se estabelecerá diante de atitudes onde as pessoas não se sentem compreendidas e valorizadas, construindo, ao contrário, movimentos de resistência.
Acrescenta-se a esse fato que, ao não se compreender as diferenças existentes entre a lógica científica e a popular de apreensão da realidade e da construção dos conhecimentos, gera-se um processo fragmentado que leva a população a movimentos antagônicos de resistência cultural às transformações prescritas, ou ainda de buscar incorporar o discurso científico, reconstruindo-o a partir de seus referenciais simbólicos. Esse fato foi percebido por Silva (2001) em seus estudos das representações sociais da Leishmaniose Tegumentar Americana, na comunidade de Pirapama, município do Cabo de Santo Agostinho, Pernambuco.
“... observa-se um movimento de dar sentido ao discurso médico e aos diversos discursos que escuta, reconstrói e reproduz. O que é dito precisa ter coerência e fazer sentido com a sua vida prática. Assim, buscam na própria experiência elementos que venham dar sentido aos novos conhecimentos. (...) Ao confrontarem o discurso técnico com suas experiências cotidianas, colocam essas informações em dúvida, interrogando sua validade a partir de questionamentos lógicos de seu ponto de vista. (...) Os relatos demonstram também aspectos importantes que caracterizam a qualidade da comunicação estabelecida entre a comunidade e os profissionais de saúde. Os diálogos
fragmentados, evidenciam o profundo desencontro de estruturas de pensamento e de saberes e/ou a reprodução desses, sem o respaldo da realidade significada. Um dos resultados concretos desse desencontro é a dificuldade de compreensão da cadeia de transmissão da Leishmaniose e, por conseguinte, a resistência às medidas adotadas pelo serviço. É explicitado claramente pelos entrevistados o quanto o discurso biomédico lhe é difícil de ser compreendido e reproduzido.” (SILVA, 2001, p.103,105) (Grifo da autora)
Durante a pesquisa, pude presenciar um caso que exemplifica bem esta reflexão. Em uma das casas visitadas, a cisterna estava muito bem coberta e sem foco. Mas foram encontrados quatro vasos com plantas. Um continha uma planta seca, pois estava sem água e também sem terra. Dos outros vasos, todos estavam com água e, destes, dois apresentaram focos de aedes. Segundo a dona da casa, ela não colocou água em um dos vasos porque um outro agente tinha dado a orientação de não cultivar plantas em água.
Comecei a perceber que o discurso científico de trocar o cultivo de plantas em água por jarros com terra foi incorporado de forma fragmentada, tendo sido adotado apenas o cultivo da planta sem água. Esta experiência, ao ser confrontada na prática cotidiana, mostrou que a planta não consegue sobreviver. O que, provavelmente, motivou a dona da casa a manter as demais com água, mostrando uma dicotomia entre aceitar as prescrições do profissional de saúde, diminuindo sua culpa pela manutenção da epidemia e, ao mesmo tempo, mantendo viva a cultura de ter plantas dentro de casa.
3.4 Elementos que sinalizam a possibilidade de transformação das práticas educativas dos agentes
No cotidiano, onde a vida se expressa com toda a sua diversidade, não é possível emoldurá-la em um único referencial teórico, pois é aí que as diversas experiências de vida dos sujeitos sociais fundem-se e somam-se aos seus valores, dando um sentido singular ao seu fazer. Assim, além destas práticas hegemônicas dos agentes que foram aqui descritas, também foi observado que, em alguns momentos, os agentes incorporaram novos elementos que os aproximam da educação popular em saúde, tais como: a. crítica ao uso de materiais didáticos desprovidos de diálogo; b. sugestão de inovação dos espaços para o desenvolvimento dos trabalhos educativos e
do uso de linguagens lúdicas; c. prática regida pelo diálogo e sensibilidade e d. vivências em organização comunitária e em espaços públicos.
As críticas ao uso de materiais didáticos desprovidos de diálogo e sugestões de uso de linguagens lúdicas estiveram relacionadas com vivências anteriores dos agentes com a equipe de educação em saúde (extinta na junção das equipes de campo) e que fazia apresentações de teatro de bonecos em diversos espaços públicos.
“Eu fui fazer uma desratização numa casa e eu cheguei lá estava (...) tudo bem limpinho e a menina disse: ‘foi meu filho que foi numa palestra na escola, chegou aqui virando tudo, limpando tudo, botou isso aqui para o rato não subir, disse a mim que eu guardasse as panelas antes de dormir’ (...) [indaguei à mãe] qual escola? [a mãe responde] ‘aquela dali, tal horário.. [pensei] ah! fui eu mesmo. Foi um garoto, e eu me senti importante fazendo isso. Hoje não me sinto muito importante” (Alisson)
O caso em que o agente, apesar do seu discurso normativo, desenvolvia uma ação
sensível e dialógica, revela uma dicotomia advinda da falta de espaços no serviço,
destinados à reflexão da prática e da construção de uma coerência do que se pensa, sente e faz. Mas vale questionar se a negação da sensibilidade, comum no discurso científico e no mundo do trabalho, também seja responsável por esta dicotomia. Como estas práticas são tidas como transgressoras, seja na comunidade científica, seja na organização do processo de trabalho, elas são negadas no discurso, quem sabe até, como mecanismo interno de se proteger da incômoda situação de se sentir transgressor.
No que toca a prática ligada aos movimentos em defesa da vida, o agente relatou que já era líder comunitário antes de seu ingresso na prefeitura. Reconhece que tratava-se de uma vivência utópica e paternalista e que teve um amadurecimento quando começou a participar do orçamento participativo, onde percebeu a importância de reconstruir sua prática no sentido de torná-la mais participativa e de construção coletiva. O fato de ser agente na área em que atua como liderança o fez misturar os papéis de agente e líder comunitário, ocasionando momentos de tensão com a gerente do serviço. Mas, também, dotou de grandes possibilidades o serviço, ao se inserir na USF de sua área, desenvolvendo conjuntamente ações de organização comunitária num projeto de educação ambiental nos diversos espaços públicos. Essa ação foi duramente criticada pela gerência que não conseguiu perceber a potencialidade do que ali estava sendo gestado.
3.5 Algumas contribuições da educação popular em saúde na reconstrução do agir educativo dos ACEs
Ainda durante a pesquisa, houve uma transição gerencial sendo solicitado ao setor de educação em saúde uma oficina que tinha por objetivo reconstruir a prática educativa dos agentes a partir da reflexão de sua práxis, da qual participei, junto à gerente do serviço, como facilitadora. Esta oficina se guiou pela metodologia da educação popular em saúde. Por ter sido a primeira vez que os agentes se sentiram escutados, o grupo trouxe à tona, num primeiro momento, sentimentos de desvalorização, desrespeito, descrédito e baixa auto-estima, devido às mágoas e ressentimentos decorrentes das pressões advindas das relações gerências e interpessoais de equipe. Ao se possibilitar um espaço de escuta, de diálogo, troca de saberes e experiências, esses sentimentos emergiram numa intensidade não esperada. Assim, fez-se necessário reorientar o conteúdo programático e as vivências corporais para trabalhar algumas questões que se mostraram relevantes às características e demandas do grupo.(CLEMENTE et al, 2001) Como principais resultados desta oficina pode se perceber:
aumento da auto-estima e maior integração da equipe; identificação de diversos atores sociais e espaço para o desenvolvimento de
ações educativas de abordagem coletiva; pactuação com a nova gerência da reativação do grupo de teatro, o qual
construiu peças partindo do conceito da multideterminação do processo saúde-doença e da co-responsabilização social. Ainda fez apresentações em diversos fóruns fora do município, como o no II Encontro Nacional de Educação Popular em Saúde, em Brasília, 2001. Recentemente esta experiência ganhou um prêmio de honra ao mérito, conferido pela III Conferência Regional Latino Americana de Promoção à saúde e Educação para a Saúde (SÃO PAULO, 2002).
O gerenciamento do processo de trabalho na ótica do taylorismo busca o desenvolvimento de instrumentos coercitivos que pretendem a captura dos auto-governos, (momentos de criação, o trabalho vivo em ato), ajustando o processo produtivo aos produtos finais desejados pela instituição. Mas são nesses momentos, em que o/a trabalhador/a vivencia seu auto-governo, que se abrem fissuras no modelo instituído, dando possibilidade para a (re) criação e transformação tanto dos processos de trabalhos,
como da missão institucional. Essas fissuras geram ruídos que demonstram as transformações e os movimentos de resistência. (MERHY, 1997a). Como, por exemplo, o desejo dos agentes desenvolverem ações educativas coletivas e com linguagens lúdicas ou o trabalho desenvolvido na região III, o qual buscava romper com o modelo instituído e vivenciar uma integração com a USF desenvolvendo ações educativas de caráter coletivo, os quais foram tidas pela gerência como uma transgressão. No entanto, estes foram a maior possibilidade encontrada nesta pesquisa da prática dos agentes aproximar-se da proposta de controle integrado das endemias e da educação popular em saúde.
Merhy (1997a, 1997b) traz a importância de uma nova postura gerencial que permita o desenvolvimento da capacidade de escutar esses ruídos, identificando as transformações que trazem ao processo de trabalho, bem como sendo um agenciador destas rupturas. Assim, propõe o desenvolvimento de tecnologias gerenciais analisadoras que busquem capturar e agenciar estes processos.
Há, também, importantes contribuições metodológicas no sentido de aumentar a participação dos trabalhadores e trabalhadoras no planejamento, dentro de uma linha emancipatória e participativa.(GALLO, 1995).
A educação popular em saúde alia-se a essas metodologias podendo, também, contribuir no resgate desses ruídos e na reorientação global dos serviços, tornando-os mais humanizados e aderentes às necessidades populares e dos seus trabalhadores e trabalhadoras. Isso se dá porque utiliza metodologias que têm como base o diálogo, a problematização e a participação. Desse modo, facilita o estabelecimento de uma ação comunicativa entre os diversos atores e atrizes sociais, potencializando a leitura crítica e criativa da realidade para o diagnóstico participativo e o planejamento estratégico (VASCONCELOS, 1997; RAUPP et al., 2001).
A essência dessas metodologias se dá na perspectiva de construir, nos diversos movimentos cotidianos do trabalho, uma “práxis” que pede uma nova postura dos gerentes e profissionais intermediada pelo diálogo. E diálogo não é monólogo, significa trocar, escutar e falar. Predisposição para escutar nem sempre é fácil, pois nesses processos surgem críticas, expõem-se limites pessoais dos quais nem sempre se está pronta/o e aberta/o para percebê-los e/ou admiti-los. Para falar é preciso construir uma relação de confiança que permita as pessoas envolvidas no processo se sentirem seguras de que serão respeitadas, valorizadas nas suas opiniões e decisões. Estabelecer um processo gerencial mais democrático significa, portanto, partilhar poder e decisões.
4. CONCLUSÃO
A CIRANDA ACABA DE COMEÇAR... A PRAIERA No caminho é que se vê a praia melhor para ficar Tenho a hora certa pra beber Uma cerveja antes do almoço é muito bom Pra ficar pensando melhor E eu piso onde quiser, você está girando melhor garota! Na areia onde o mar chegou, a ciranda acabou de começar, e ela é! E é praiera! Segura bem forte a mão E é praiera! Vou lembrando a revolução, vou lembrando a revolução Mas há fronteiras nos jardins da razão E na praia é que se vê a areia melhor pra deitar Vou dançar uma ciranda pra beber Uma cerveja antes do almoço é muito bom Pra ficar pensando melhor Você pode pisar onde quer Que você se sente melhor
Na areia onde o mar chegou A ciranda acabou de começar, e ela é! E é praiera! Segura bem forte a mão E é praiera! Vou lembrando a revolução, vou lembrando a revolução Porque há fronteiras nos jardins da razão? No caminho é que se vê a praia melhor pra ficar Tenho a hora certa pra beber Uma cerveja antes do almoço é muito bom Pra ficar pensando melhor...
A educação é um processo de transformação e, como tal, é processual e tem seu ritmo próprio que, às vezes, avança, em outras recua, assim como a ciranda, que se põe em movimentos com passos que se direcionam para frente e outros para trás. A não compreensão desse ritmo é de extrema importância, pois sua incompreensão pode levar muitos educadores e educadoras ao desânimo. Mas esse movimento também simboliza o de Camaragibe que, ao buscar qual a praia melhor para ficar, vai remodelando suas políticas de educação em saúde e de controle das endemias, em alguns momentos avançando, em outros, dando um “passo para trás”. Não é possível deixar de ressaltar a coragem de mudar um modelo de saúde pública que tem quase um século de tradição e acúmulos tecnológicos, bem como trazer as experiências do movimento popular de educação em saúde. A junção das equipes de campo e a sua territorialização, como visto, trazem novas possibilidades para o agir no controle das endemias a partir da construção de novas relações que se estabelecem entre os agentes e a comunidade, que agora são mais efetivas. Ao estarem mais perto dos referenciais da educação popular em saúde, ainda podem ser mais afetivas, respeitosas e ligadas às práticas libertadoras. Com esta aproximação e partindo de uma visão mais ampla do processo de saúde-adoecimento, também surgem as oportunidades do desenvolvimento de ações intersetoriais e de organização social ligados à melhoria da qualidade de vida. O contexto político do município, com a sua gestão orientada pela participação popular nos diversos fóruns (como por exemplo, a administração participativa), impactou a forma de vivenciar o trabalho comunitário do agente da Região III da cidade.
Mas como se trata de um momento de transição do modelo, pode-se perceber que, ao lado dessas mudanças, existem algumas estruturas e atitudes institucionais que, em determinados momentos, aproximam-se do modelo tradicional. Essas transformações não se dão de forma estanque e, sim, processualmente. Visualizar esses limites não inviabiliza a proposta; ao contrário, a fortalece no sentido de perceber que alguns passos “para frente” podem ainda ser dados.
O primeiro limite que foi visualizado diz respeito à falta de dotação orçamentária da Divisão de Educação em Saúde do município. O que nos leva a uma questão relevante para a institucionalização da educação popular em saúde nos serviços públicos: a necessidade de uma dotação orçamentária que, ao viabilizar seu planejamento, a distancie de uma ação de caráter amador e possibilite que seja pensada de forma estratégica. Essa situação pode estar relacionada à concepção de que a educação pode ser realizada sem planejamento e de qualquer forma, uma vez que é papel de todos os profissionais. Mas esta falta de dotação orçamentária também constata que o que ainda predomina na eleição de prioridades de investimentos dos gestores são as ações assistenciais. Esse fato ainda é agravado pelos choques existentes entre as lógicas que embasam o pensamento da epidemiologia (onde a subjetividade é tolhida em prol de uma ciência objetiva que tende a transformar as pessoas em números de risco) e da clínica (com suas intervenções curativo-individualistas, hegemonicamente tem como características ser individual, ter acentuada arrogância cognitiva e de poder dos doutores sobre seus pacientes) com a
lógica da educação popular em saúde, uma vez que as duas primeiras são as principais captadoras dos recursos financeiros do setor saúde. Desse modo, é importante pensar em estratégias de transformação cultural que sensibilizem os demais profissionais do setor saúde para o papel estratégico da educação popular em saúde na promoção da saúde e no redirecionamento dos serviços, bem como que a ação educativa, apesar de ser uma atividade que as mais diversas categorias profissionais devem ter como orientadora de suas práticas de saúde, também requer novos saber-fazer, tempo, recursos financeiros e estruturais para a sua realização.
Assim, há uma necessidade de desenvolver estruturas institucionais de apoio aos profissionais, no caso em estudo, dos agentes, tais como um projeto de educação continuada e apoio sistemático no campo.
Isso sugere que a institucionalização da educação popular em saúde também requer um movimento de fortalecimento teórico e metodológico dos educadores e educadoras, no sentido de lhes dar um maior suporte nesse debate intrassetorial, bem como aumentar suas habilidades no planejamento e na elaboração de projetos.
Algo que poderia contribuir na dinamização do agir integrado no controle das endemias e da educação popular em saúde é o desenvolvimento de um projeto de articulação e integração comunitária. Este, tendo como base a articulação intrasetorial dos agentes com as Unidades de Saúde da Família de suas áreas de atuação, pode estar mais fortalecido, assim como ensinou a experiência desenvolvida na Região III da cidade. Mas essa vivência também trouxe o aprendizado de que terá muito mais possibilidades quando se der de forma legitimada pela instituição, com apoio técnico sistemático e com a articulação das Diretorias de Atenção à Saúde (responsável pelo PACS/PSF), de Vigilância à Saúde (novo nome da DIEVIS) e da divisão de Educação em Saúde. A partir desta constatação, fico com o aprendizado de que, ao se pensar na institucionalização da educação popular em saúde, é importante situá-la nos diversos projetos intra e intersetoriais.
Uma outra questão, que apareceu na pesquisa de forma relevante para a institucionalização da educação popular em saúde no controle das endemias, diz respeito ao modo como foi vivenciado o gerenciamento e a organização do processo de trabalho dos agentes. Em Camaragibe, esse modelo se guiou pelos referenciais da escola taylorista da administração. Um dos resultados dessa forma de gerenciar o serviço foi que se guiou pela lógica da produção, tornado-se um dificultador do estabelecimento de ações processuais e dialógicas que embasam a prática de educação popular em saúde. Ainda vale lembrar que esse modelo não percebeu os agentes de controle das endemias como transformadores da realidade, mas como reprodutores de normatizações, tolhendo a sua subjetividade e o seu potencial criativo. Isso se constituiu numa grande contradição com os princípios da educação popular em saúde, pois se espera construir uma prática educativa que parta da valorização dos sujeitos envolvidos, de suas histórias de vida, de seus saberes, seus sentimentos e afetos. Assim, é importante construir uma coerência nas relações interpessoais da instituição. Como esperar que esses sujeitos incorporem esses princípios se a própria instituição assim não os reconhece?
Reduzir essa discussão a uma questão subjetiva dos gerentes é despolitizar a discussão. Esta prática tem raízes históricas nos serviços de saúde pública no país, e pode até ser potencializada pelas características individuais dos gerentes, mas é uma causa estrutural.
Essa é uma constatação de extrema importância para os gestores que visam a construção de um modelo de saúde humanizado e que buscam uma coerência com os princípios de participação popular pelos quais tanto se lutou no país há, pelo menos, quarenta anos. Criticaram-se as práticas autoritárias e de exclusão social das instituições
de saúde pública do país, os direitos da/os trabalhadora/es e quando, enfim, as ações estão mais próximas do poder local, aumentando o poder de intervenção sobre elas, repetem-se posturas semelhantes.
Desse modo, um dos caminhos que pode contribuir na construção da coerência dos princípios defendidos por essas gestões é a aproximação do processo de gerenciamento e organização do trabalho de relações mais humanizadas. O que leva a um novo desafio: como fazer diferente, se esse foi o modelo vivido e ensinado ao longo desses quase cem anos de história da saúde pública no país?
Durante a pesquisa, no momento das entrevistas, os agentes já mostraram conseguir elaborar críticas ao modelo gerencial e de organização do processo de trabalho, bem como perceber o limite da ação educativa de abordagem individual. Na região III, a resistência cultural do seu chefe de turma aliou-se a sua história de vida junto aos movimentos em defesa da vida do município e conseguiu redesenhar a possibilidade de um novo agir, articulando-se à equipe de saúde da família de sua região e aos movimentos de organização comunitária. Infelizmente, não houve uma atitude gerencial de escuta, tanto destas críticas e sugestões de reformulação, como das possibilidades da experiência da região III, a qual teve um caráter transgressor perante o serviço. Como resultado, muitas destas críticas não conseguiram encontrar espaço de vida e também gerou-se uma incoerência interna na formulação das concepções que estes agentes tinham da educação e da comunidade, uma vez que associaram a educação a práticas normativas ou ligadas às teorias não-críticas da educação. Além disso, a experiência da Região III, a qual conseguiu se materializar, não teve apoio técnico, o que limitou sua atuação e comprometeu a qualidade de algumas das atividades desenvolvidas.
A transformação do modelo gerencial pode encontrar viabilidade através da utilização de instrumentos gerenciais capazes de instalar uma postura diálogica e problematizadora da realidade. Algumas reflexões teóricas trazidas ao longo deste estudo apontaram para a importância da incorporação de um agir comunicativo no espaço de trabalho, utilizando metodologias que aumentem a autonomia dos sujeitos e sejam agenciadoras de novas rupturas com:
as práticas que se reduzem à inspeção de focos e aplicação de produtos químicos no ambiente;
o modelo da educação em saúde normatizador, o qual orienta, hegemonicamente, a relação dos agentes com a população. A educação popular em saúde ainda foi referendada como uma metodologia capaz
de potencializar a ação comunicativa no mundo do trabalho, dada a sua capacidade de refletir e problematizar a realidade através de uma ação dialógica. Na pesquisa, pode-se constatar que a oficina de educação popular em saúde conseguiu resgatar as crítica dos agentes e os movimentos de resistência cultural ao modelo de organização do serviço, fortalecendo o papel destes como transformadores da realidade e pactuando com a nova gerência outras formas de atuação como, por exemplo, a reativação do grupo de teatro e o desenvolvimento de práticas educativas nos espaços coletivos.
O embalo “da ciranda” de Camaragibe deixa o aprendizado de que os caminhos para a institucionalização da educação popular em saúde, por ser uma decisão política, mas também individual e que demanda um movimento de transformação cultural em redes intrassetorial e intersetorial, se move no ritmo e passos da ciranda. Mas, apesar das dificuldades que encontra para tal, é, com certeza, uma importante estratégia para a participação popular na construção de um Sistema Único de Saúde mais humanizado e que esteja ligado aos interesses das classes populares. O que poderá ser potencializado, se a prática de seus profissionais conseguir se inserir nos diversos movimentos de defesa da
vida e ultrapassar “as fronteiras da razão” instrumental, encontrando-se e valorizando a subjetividade do/as usuário/as e trabalhadores/as.
Tendo como referência o quase um século do modelo microbiológico das práticas de controle das endemias e da vivência normativa de suas práticas educativas no Brasil, pode-se dizer que as inovações de Camaragibe, nessas duas políticas, é uma ciranda que acabou de começar e que estará sempre começando toda vez em que se parar para pensar qual a melhor praia para ficar...
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PERCEPÇÃO DOS DISCENTES SOBRE NOVAS DIRETRIZES NO CURSO
MÉDICO
STUDENT PERCEPTIONS OF NEW GUIDELINES IN THE MEDICAL SCHOOL
Prof. Dr. José Antônio Chehuen Neto *1
Prof. Dr. Mauro Toledo Sirimarco ** Maura Gomes de Resende *** Cristina Rodrigues James ****
Gabriela Quirino Andreoli **** Rosamaria Cúgola Ventura ****
Sérgio Castro Pontes ****
RESUMO: A partir do primeiro semestre do ano de 2001, houve a implementação do novo currículo na graduação da Faculdade de Medicina (FM) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), visando melhorar a formação dos futuros profissionais. Desde o início da aplicação não foi realizada nenhuma avaliação sobre a percepção dos alunos sobre a reforma em vigor. Assim, propomos obter a percepção dos alunos da FM sobre a implementação do novo currículo e avaliar se o comportamento do aluno condiz com as novas diretrizes curriculares.Método: cada aluno respondeu ao questionário, espontaneamente, sem necessidade de identificação. De um total de 539 alunos matriculados do 3o ao 9o períodos, 468 alunos responderam, representando 86,83% do total. Resultados: 82,6%conhecem parcial ou totalmente os motivos da reforma; 57,2% concordam com o andamento dos trabalhos; 59,6% referem não ter tido oportunidade de opinar; 59,6% estão insatisfeitos com as medidas tomadas até agora;65,7% sentem-se insatisfeitos quanto às informações sobre o andamento dos trabalhos.Conclusão: os alunos da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora se mostram motivados e dispostos a colaborar com as medidas propostas pelas novas diretrizes curriculares; porém, sentem-se desinformados quanto ao processo de implementação, insatisfeitos quanto às medidas tomadas até agora e inseguros quanto aos resultados a serem obtidos.
PALAVRAS- CHAVE: Estudantes de Medicina; Educação Médica; Currículo.
ABSTRACT From the first semester of the year of 2001, there was the implementation of a new curriculum in the graduation of Medicine college (FM) from the Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) willing to improve the formation of the future professional. Since the beginning of the application any evaluation of the students perception about the reform was made. Like this, we propose to obtain the students’ perception about the * Professor Adjunto IV da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora. Cirurgião de cabeça e pescoço. Mestre e Doutor pelo Curso de Pós-graduação em Técnica Operatória e Cirurgia Experimental da Escola Paulista de Medicina (UNIFESP-SP). Responsável pela Disciplina de Metodologia Científica em Medicina. Endereço: Faculdade de Medicina- Campus da UFJF- Bairro: Martelos, CEP: 36016-970, Juiz de Fora - M.G. E-mail: [email protected] ** Professor Adjunto I da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora. Proctologista. Mestre e Doutor
em Cirurgia pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Professor da Disciplina de
Metodologia Científica em Medicina.
*** Aluna da Disciplina Metodologia Científica na Saúde. 5º período da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de
Juiz de Fora.
**** Alunos da Disciplina de Metodologia Científica em Medicina. 4º período da Faculdade de Medicina da Universidade
Federal de Juiz de Fora.
implementation of the new curriculum and to evaluate if the students’ behavior agrees with the new curricular lines of direction. Methods: each student answered the questionnaire, spontaneously and without need of identification. From the 539 students regularly registered between the 3o and the 9o periods, 468 students answered the questionnaire, representing 86,83% of the total. Results: 82,6% know partially or totally the motives of the reform; 57,2% agree with how the changes are progressing; 59,6% refer to have had no opportunity to express their opinion; 59,6% are not satisfied with the measures taken until that moment; 65,7% don’t feel satisfied with the information given to them about the changes’ course. Conclusion: the Medicine college students of the Universidade Federal de Juiz de For a seem to be motivated and Willing to collaborate with the measures proposed by the new curricular lines of direction. However, they feel uninformed about the implementation process, unsatisfied the measures taken so far and insecure about the results to be achieved with the curricular changes. KEY WORDS: Students, Medical; Education, Medical; Curriculum.
INTRODUÇÃO
A partir dos alunos matriculados no primeiro semestre do ano de 2001, iniciou-se a
implementação do novo currículo na graduação da Faculdade de Medicina (FM) da
Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), visando melhorar a formação dos futuros
profissionais. A cada semestre que se seguiu, foi sendo aplicado o novo currículo, atualmente
no 6o semestre letivo.
Algumas diretrizes da reforma curricular, propostas pelas Faculdades de Medicina do
país e pelo Ministério da Educação, incluem a inserção do acadêmico na prática médica desde
o início do curso, o desenvolvimento do lado humanístico do ensino médico, o estreitamento
da relação médico-paciente, ênfase a que o aluno seja participativo em sua formação e busque
ativamente o conhecimento.Têm como objetivo formar médicos generalistas e melhorar o
ensino, a pesquisa e a forma de avaliar o conteúdo.
Desde o início da aplicação do novo currículo não foi realizada nenhuma avaliação
sobre a percepção dos alunos sobre a reforma em vigor em nossa faculdade. Também não
encontramos freqüentes relatos de pesquisas referindo-se sobre outras experiências nessa
questão.
Analisamos a divulgação das pesquisas sobre a percepção de docentes e discentes da
Faculdade de Medicina da UFJF, como fundamentais para o aprimoramento e o avanço das
atividades de implementação das novas diretrizes curriculares em todo o país. Todas as
experiências no campo da educação, principalmente agora estando envolvidos com a reforma
do currículo, como também os anseios, as dificuldades pessoais e de relacionamento, as metas
de trabalho, os obstáculos na deficiência de logística, o nível de satisfação, os recursos
financeiros necessários, entre outros, são fatores comuns a todas as Faculdades de Medicina
do país.
Este trabalho, realizado com a efetiva participação dos alunos da Disciplina de
Metodologia Científica, reforça o desejo de uma formação acadêmica voltada para um
comportamento pró-ativo do aluno, na busca do conhecimento e de informações sobre seu
meio social, entre outros aspectos tão importantes, incentivando-o a divulgar suas descobertas
relevantes.
Assim, esperamos contribuir com os trabalhos da implementação da reforma curricular
na FM da UFJF, bem como em tantas outras instituições envolvidas com esse processo, visto
que relevantes informações foram obtidas dos alunos.
Propomos, então, obter a percepção dos alunos da FM sobre a implementação do novo
currículo e avaliar se o comportamento do aluno condiz com as novas diretrizes curriculares.
MÉTODO
Alunos do 4o período da Disciplina de Metodologia Científica da FM da UFJF
aplicaram um questionário contendo quinze perguntas aos discentes do 3o ao 9o períodos, nos
meses de setembro a novembro de 2003.
Após ampla explanação do tema, cada aluno respondeu ao questionário de forma
voluntária, sem necessidade de identificação. De um total de 539 alunos matriculados do 3o ao
9o períodos, 468 alunos responderam, representando 86,83% do total. Os demais ou não se
encontravam em sala de aula ou se negaram a responder.
Os 468 alunos foram divididos em 2 grupos distintos: grupo A, formado por alunos
matriculados do 3o ao 7o períodos, já incluídos no novo currículo, que totalizaram 277 alunos,
correspondendo a 59,19% do total de entrevistados; grupo B, formado por alunos
matriculados do 7o ao 9o períodos, não incluídos no novo currículo, que totalizaram 191
alunos, correspondendo a 40,81% do total de entrevistados.
Os dados colhidos foram submetidos à análise através do programa Epi info 6.04,
construindo-se tabelas comparativas entre os grupos A (discentes incluídos na reforma
curricular) e B (discentes do currículo tradicional), com exceção da 5ª questão, já que a
mesma é exclusiva aos alunos do grupo A. Excluímos os alunos do 1º e 2º períodos por não
terem participado dos momentos referentes às mudanças, desconhecendo o currículo
tradicional que, no momento da pesquisa, vigora até o 6o período do curso; e os alunos do
Estágio -10º ao 12º períodos- pela dificuldade de localização e por também não terem se
envolvido no processo da reforma curricular.
RESULTADOS e DISCUSSÃO
O ensino médico no Brasil passou por profundas mudanças nos últimos anos devido
ao novo perfil do profissional requisitado pela sociedade: um médico com boa formação
generalista, humanizado e capaz de sensibilizar-se com as questões sociais. As instituições
públicas de ensino pretendem elevar a consciência do estudante de medicina em relação aos
indicadores sanitários do Brasil, construir um ensino voltado para as necessidades de saúde da
população e em sintonia com o sistema público de saúde (SUS: Sistema Único de Saúde)
(FERREIRA, 2000).
A implementação das novas diretrizes voltadas à formação médica requer,
inevitavelmente, um processo contínuo de organização capaz de informar e integrar a
comunidade envolvida, possibilitando participação ativa de todas as representações. Para
tanto, é indispensável um profundo conhecimento por parte dos alunos e professores sobre os
motivos que levam à implantação dessas diretrizes.
Os dados da Tabela 1 mostram que 34,3% dos alunos que estão submetidos ao novo
currículo (Grupo A) e 21,2% dos que ainda cursam o método tradicional (Grupo B) conhecem
claramente os motivos da RC. Os alunos diretamente envolvidos na reforma estão mais
esclarecidos, porém entendemos que em número insuficiente e não tranqüilizador. Em recente
estudo realizado com os docentes da FM da UFJF, constata-se uma importante discrepância
entre o grau de esclarecimento que ocorre entre os alunos e os professores: apenas 5,08% do
total de docentes da FM da UFJF dizem não conhecer claramente os motivos de estar
ocorrendo a RC. (CHEHUEN, 2004).
A maioria dos entrevistados demonstra-se parcialmente esclarecida, conforme Tabela
1, já que alguns dos diversos motivos que levaram à implementação do novo currículo, como
aulas teóricas excessivas e um curso voltado para as especialidades médicas são vivenciados
por todos os alunos. A porcentagem de alunos não esclarecidos é bem mais significativa no
Grupo B (currículo tradicional). Entretanto, apesar de inseridos no processo da reforma
(Grupo A), é considerável o número de alunos desinformados (não participativos) quanto aos
motivos da RC (11,2 %). Os dados demonstram a necessidade de maior divulgação dos
trabalhos realizados e da importância das diretrizes a serem implementadas para que se eleve
o interesse dos acadêmicos pelo próprio curso.
Tabela 1: Dados referentes se o aluno conhece claramente os motivos de estar ocorrendo a reforma do currículo médico.
GRUPO A GRUPO B TOTAL
Sim. 34,3% 21,2% 30,0%
Não 11,2% 30,3% 17,4%
Parcialmente 54,5% 48,5% 52,6%
A mudança, para ser legitimada, deve ser percebida pela sociedade como progresso.
(MACHADO, 1995). O verdadeiro progresso científico é descontínuo e só se produz quando
um paradigma é substituído por outro, que supera o primeiro.(KHUN, 1996) Assim,
questionamos aos alunos se eles concordam com as novas diretrizes curriculares propostas
pela RC: 95% dos alunos que estão vivendo as mudanças propostas (Grupo A) e 97% dos que
não estão vivendo estas mudanças (Grupo B) concordaram total ou parcialmente com as
transformações ocorridas, conforme Tabela 2. Percebe-se uma preocupação quase unânime
entre os discentes em relação às mudanças curriculares no ensino médico, apesar destes
números não corresponderem diretamente àqueles realmente envolvidos com o processo, bem
inferior, conforme Tabela 1.
Tabela 2: Dados referentes sobre a necessidade divulgada de que deve haver a reforma curricular.
GRUPO A GRUPO B TOTAL
Sim, concordo totalmente 47,3% 53,0% 49,1%
Não, discordo totalmente 5,0% 3,0% 4,4%
Concordo parcialmente 47,7% 44,0% 46,5%
Kuhn (1996) referiu que a ciência é construída a partir de modelos e paradigmas,
havendo resistência tenaz às mudanças dos mesmos. Como observamos na Tabela 3, o
andamento dos trabalhos e as medidas tomadas até o momento só têm total concordância de
uma pequena parcela dos alunos (4,4%). Evidencia-se, assim, certa resistividade de alguns
acadêmicos. Porém, a maioria dos alunos já envolvidos com as mudanças (59,9%) concorda
parcialmente com as mesmas (Grupo A). Os acadêmicos que ainda atuam no currículo
tradicional (Grupo B), se dividem entre os que não concordam (25,7%), os que concordam
parcialmente (37,9%) e os que desconhecem as medidas que foram tomadas (30,3%). Estes
resultados demonstram que o processo de implementação das novas diretrizes tem evoluído
satisfatoriamente, visto que número expressivo de alunos está aprovando as alterações,
mesmo que parcialmente e eventualmente não envolvidos ativamente com o processo.
Tabela 3: Dados referentes em relação à concordância sobre o andamento dos trabalhos e, conseqüentemente, com as medidas tomadas até agora referentes à reforma do currículo.
GRUPO A GRUPO B TOTAL
Sim 3,6% 6,1% 4,4%
Não 32,1% 25,7% 30,1%
Parcialmente 59,9% 37,9% 52,8%
Desconheço as medidas 4,4% 30,3% 12,7%
Mas como Chaves (2000) salientou, “não se pense que a transição paradigmática será
tarefa fácil. Trata-se de uma desconstrução e reconstrução a serem feitas sincronicamente. É
como reformar uma casa que continua sendo habitada”.
As opiniões individuais e sua posterior discussão dependem da oportunidade oferecida
aos interessados, mas também do interesse e da mobilização para participar ativamente de um
longo e trabalhoso processo de discussão. A Tabela 4 denota uma nítida maioria queixando-se
de que não foi ouvida por falta de oportunidade (59,6 %), enquanto a minoria (5,4%) afirma
ter sido ouvida a contento. Estes importantes dados denotam insatisfação dos discentes quanto
à sua opinião objetivando o processo da reforma. Os alunos entendem, que em algumas
situações, são os que mais podem contribuir em relação às qualidades e deficiências existentes
durante sua formação e poderiam colaborar com sugestões para aprimorar o projeto de
reforma. Levando-se em conta que segmento importante de professores (33,05%) refere não
ter tido chance de opinar na implantação da RC (Chehuen, 2003), constata-se a necessidade
de constante abertura à participação, aumentando e sistematizando encontros e reuniões sobre
as diversas pautas de discussão, para assim ampliar o interesse e a motivação discente.Porém,
ressaltamos que, até o momento, houve quatro seminários amplamente divulgados sobre esse
tema nas dependências da UFJF, bem como várias reuniões abertas aos interessados, e que o
processo de implementação está em plena execução.
Tabela 4: Dados referentes se o aluno é ou foi ouvido a contento, ou seja, pôde opinar de forma satisfatória.
GRUPO A GRUPO B TOTAL
Sim 6,5% 3,0% 5,4%
Não. Eu não tive oportunidade 57,0% 65,1% 59,6%
Não. Mas tive oportunidade 19,1% 27,3% 21,8%
Fui ouvido de forma parcial 17,4% 4,6% 13,2%
Durante qualquer tipo de processo de implementação de novas medidas é importante
saber qual o nível de satisfação dos envolvidos com as alterações. Analisando apenas os
alunos envolvidos com o novo currículo (Grupo A) quanto à satisfação com o andamento da
RC, fica claro um grande índice de insatisfeitos (67,9%), conforme Tabela 5. Interessante é a
redução significativa e gradual do índice de insatisfação total, que foi de 22,7% no sexto
período, que decai completamente (0,0%) no terceiro período (composto por alunos que
ingressaram na universidade com a reforma já instituída), e aumento considerável do nível de
satisfação. Informamos, de maneira ainda mais específica, que os alunos do terceiro semestre
desconhecem o currículo tradicional, e não podem compará-lo com o que recebem
atualmente.
Tabela 5: Dados referentes sobre a avaliação dos alunos do Grupo A (3º ao 6º períodos, envolvidos com as novas diretrizes) em relação à reforma curricular que ocorreu até agora.
3º Período 4º Período 5º Período 6º Período TOTAL
Totalmente satisfeito 6,1% 1,4% 1,4% 1,5% 2,5%
Satisfeito 36,4% 43,7% 21,6% 9,1% 27,8%
Insatisfeito 57,5% 46,5% 68,9% 65,2% 59,6%
Totalmente insatisfeito 0,0% 2,8% 8,1% 22,7% 8,3%
Desinformado sobre o tema 0,0% 5,6% 0,0% 1,5% 1,8%
As propostas de transformação do ensino, para alcançar a profundidade e a eficácia
esperadas, deverão dar cada vez mais atenção aos pré-conceitos, às aspirações do estudante e
bagagem de que ele é portador.
A deficiência de logística é questão importante que impede o desenvolvimento
concreto de qualquer transformação no ensino, realidade que consiste numa das maiores
dificuldades atuais na manutenção da qualidade do ensino público. Analisando a Tabela 6, vê-
se que, dentre o grupo de alunos já enquadrados na RC (Grupo A), a maioria (62,1%)
reconhece as dificuldades existentes e se mostra otimista com a superação dessas ao longo do
tempo. Porém, uma parcela muito pequena se mostra apta a executar e colaborar de forma
rápida com as medidas propostas (4,3%). Assim, indagamos: essa constatação pode sugerir o
receio dos discentes em se tornarem componentes ativos de um processo de mudança, sem
que haja um respaldo institucional consistente? As opiniões de acadêmicos que cursam o
método tradicional (Grupo B) se dividem entre “pessimismo absoluto” (25,8%) e a idéia de
“superação ao longo do tempo” (21,2%). Neste momento há de se lembrar e considerar o grau
de esclarecimento quanto às novas diretrizes a serem implementadas, que não é satisfatório,
principalmente no Grupo B (50,0%). Certamente que a aquisição de materiais e equipamentos
que otimizem as atividades didáticas, como o recente “Laboratório de Informática” e
Equipamentos de multimídia, dando melhores condições de trabalho, em muito contribuirão
para o efetivo avanço dos trabalhos.
Tabela 6: Dados referentes sobre a condição pessoal de aluno, segundo a estrutura física e de material da FM da UFJF, frente às novas diretrizes que estão sendo propostas. GRUPO A GRUPO B TOTAL
Avalio dificuldades até insuperáveis 24,9% 25,8% 25,2%
Avalio dificuldades superáveis 62,1% 21,2% 48,9%
Tenho plenas condições 4,3% 3,0% 3,9%
Desinformado sobre o tema 8,7% 50,0% 22,0%
Como fator colaborador, a FM da UFJF foi contemplada com o PROMED∗, após
exaustivos trabalhos de elaboração. A verba destinada tem sido utilizada para implementar
projetos inéditos envolvendo alunos, docentes, pesquisa e extensão, como o 1o Projeto de
Pesquisa Extensionista, atualmente em execução.
Quanto ao comportamento sobre a presença do aluno em sala de aula, a Tabela 7
mostra que os acadêmicos que estão no novo modelo, 51,0% assistem às aulas, sendo que
grande parte falta voluntariamente para realizar outras tarefas. Já entre aqueles que estão no
método flexneriano, há algum repúdio às aulas teóricas, consideradas em boa parte
∗ Programa de incentivo do Ministério da Educação para escolas médicas que passaram por reforma curricular.
dispensáveis e pré-fabricadas (31,4%). É preciso evidenciar que o conjunto de alunos que
cursam com as novas diretrizes (Grupo A) é composto por um número expressivo de
estudantes do ciclo básico, em que há maior necessidade de direcionamento para um conteúdo
teórico, muitas vezes informativo, enquanto que no grupo composto por alunos do ciclo
profissionalizante (Grupo B), não envolvidos com a reforma, há maior necessidade de
métodos mais ligados e aplicáveis à prática médica.
Tabela 7: Dados referentes sobre o comportamento do aluno frente às aulas teóricas.
GRUPO A GRUPO B TOTAL
Procuro nunca faltar às aulas 21,7% 13,6% 19,1%
Gosto parcialmente de aulas e aprovo as chamadas 31,8% 21,2% 28,4%
Aulas teóricas são dispensáveis 23,5% 36,4% 27,6%
Aula teórica apenas complementar e desaprovo
chamadas
14,8% 22,7% 17,3%
Outros comportamentos 8,3% 6,1% 3,6%
Uma das características do novo currículo se refere ao processo ensino-aprendizagem,
que deve estar mais centralizado no aluno e em seu papel ativo na própria formação, o que
entra em choque com o excesso de aulas expositivas do modelo flexneriano, no qual o
acadêmico é um mero coadjuvante. Assim, uma das formas de o aluno ter um comportamento
mais ativo é através da realização de trabalhos de atualização científica, de iniciação
científica, de extensão e participar de grupos de discussão, seminários e oficinas a serem
oferecidas pelos docentes. É interessante observar que quando os discentes foram indagados
quanto ao método didático que sugeririam ao seu professor, a Tabela 8 mostra que aqueles
que ainda recebem o modelo tradicional de aprendizagem (Grupo B) manifestaram vontade de
terem tarefas nas quais eles participassem mais (34,8% optaram por aula e trabalho e 30,4%
por trabalho); porém os que estão no novo modelo mostraram-se carentes de aulas teóricas
(51,0 %)- surpreendentemente, a preferência pelo esquema tradicional de aulas expositivas se
mostrou superior no Grupo A. Então, perguntamos: isso se faz em conseqüência de um ensino
médio conservador, que condiciona o aluno a um comportamento passivo, dependente e
incapaz da busca ativa de informações, já que tem como meta exclusiva “passar” no
vestibular? Isto ainda está prejudicando os discentes da FM na aguardada iniciativa para o
aprendizado, a busca do conhecimento, a voluntariedade para aprender e participar de
atividades em grupo de forma colaborativa? Nos Grupos A e B, uma parcela significativa
opina a favor da interação simultânea entre aulas expositivas e trabalhos (35,2%), o que
tornaria compatível a divisão das funções e responsabilidades entre discentes e docentes.
Tabela 8: Dados referentes sobre que recurso didático o aluno sugere, como preferencial, para seus professores ministrarem os conteúdos.
GRUPO A GRUPO B TOTAL
Aula 51,0% 34,8% 45,7%
Aula/ Trabalho 35,2% 34,8% 35,2%
Trabalho 13,7% 30,4% 19,1%
A experiência da Disciplina de Metodologia Científica em Medicina, implementada no
currículo nuclear no 2o semestre de 2002, pode exemplificar a prática do comportamento do
aluno segundo as diretrizes curriculares gerais. Em relação a ser pró-ativo, a motivação é
extremamente heterogênea. Mesmo recebendo condições para executar tarefas individuais ou
em grupo, há alunos que têm grandes dificuldades. Alguns se constituem em obstáculos para a
difusão desta mentalidade, fazendo valer os aspectos negativos pessoais, que acabam tendo
influência em outros alunos. À diminuição de aulas teóricas corresponde proporcional
desinteresse pelo conteúdo da matéria, com um descompromisso importante sobre os estudos.
O desconhecimento das reais necessidades da futura profissão, como a atualização constante
e o relacionamento interpessoal (trabalho em grupo), bem como a imaturidade frente aos
objetivos imediatos (quer “continuar” a ter “notas de aprovação”, desatento ao “saber”, que é
sua necessidade básica), traz importantes obstáculos à implementação do currículo proposto.
Felizmente, na sua maioria, encontramos discentes amadurecidos, que se contrapõem à
passividade não mais aguardada no aluno e no exercício da medicina, participativos,
construtivos, que já vislumbram seu futuro como agora, colocando objetivos e metas a serem
alcançados, preocupados com sua formação desde agora.
Lembrando uma sábia definição de futuro, que “é onde a pessoa coloca seus
objetivos”, se o aluno não tiver objetivos concretos, visíveis, a serem realizados, não terá o
seu futuro exposto de forma clara em sua mente. Se os objetivos a serem alcançados não
forem breves, seu comportamento será descompromissado com o presente, com atitudes
imaturas que em nada beneficiam os trabalhos de implementação das novas diretrizes
curriculares.
A preferência dos alunos pelo método pedagógico da problematização, ligado ou não à
transmissão do conhecimento -comumente utilizada- é demonstrada na Tabela 9. Isso prova
que os alunos não querem apenas ouvir, mas também discutir e questionar sobre o que estão
aprendendo. Reflete-se a preocupação discente de estudar os conteúdos de forma integrada,
fato que se tornaria mais possível com a interdisciplinaridade no ciclo básico. Ressaltamos,
entretanto, o grande desconhecimento sobre o tema entre os alunos.
Tabela 9: Dados referentes sobre qual opção pedagógica o aluno sugere para seu professor utilizar para ministrar os conteúdos.
GRUPO A GRUPO B TOTAL
Pedagogia de transmissão 11,9% 9,0% 11,0%
Pedagogia de condicionamento 6,5% 3,0% 5,4%
Pedagogia da problematização. 28,5% 36,4% 31,0%
Não conheço esse tema. 35,0% 39,4% 36,4%
Outros 1,4% 4,6% 2,5%
Transmissão / condicionamento 2,9% 0,0% 2,0%
Transmissão / problematização 7,6% 1,5% 5,6%
Condicionamento / problematização 4,8% 1,5% 3,6%
Transmissão/condicionamento/problematização 1,4% 4,6% 2,0%
A dinâmica de substituição de um modelo acontece como uma prática nova, que
envolve legitimação e retórica, período no qual se faz a sua socialização. Para haver essa
socialização faz-se necessária uma boa divulgação do que a nova estrutura propõe e por que
ela está ocorrendo. Ao avaliarem as informações recebidas dos setores administrativos
competentes sobre o processo de RC, a grande maioria demonstra-se insatisfeita com as
informações fornecidas (45,7%), como demonstrado na Tabela 10. Isso se torna fator
importante para o nível de aceitação e mobilização frente ao processo, pois a desinformação e
a falta de programas que visem à melhor integração e inclusão do aluno geram descrédito e
hostilidade para colaborar com as mudanças. Comparando os grupos, percebe-se com nitidez
uma maior informação por parte dos alunos do 3º ao 6º períodos (Grupo A) – 49,0%- em
relação ao Grupo B (6,0%). Talvez o motivo principal gire em torno da falta de integração
aluno-professor-reforma, necessitando de esclarecimentos sobre o tema, das diretrizes já
implantadas e do sucesso alcançado. Entretanto, deve ser ressaltado que a falta de informação
nem sempre é alguma deficiência e exclusiva dos dirigentes do processo, já que muitas vezes
os alunos não se preocupam em obter informações, nem mesmo quando lhes é oferecida essa
oportunidade.
Tabela 10: Dados referentes à avaliação do aluno sobre as informações fornecidas pelos setores administrativos competentes, sobre o processo de reforma curricular da FM da UFJF.
GRUPO A GRUPO B TOTAL
Plenamente informado. 1,6% 0,0% 0,7%
Informado a contento; muito satisfeito. 8,7% 0,0% 5,6%
Informado de forma apenas satisfatória;
satisfeito.
38,7% 6,0% 28,0%
Não informado a contento; insatisfeito. 41,0% 57,6% 45,7%
Nunca fui informado; totalmente
insatisfeito.
10,0% 36,4% 20,0%
Ao observar seus professores, o aluno entende que ser especialista dá mais prestígio.
(FERREIRA, 2000) No entanto, um novo paradigma denominado “integralidade”, tem por
objetivo uma formação médica mais contextualizada, que leva em conta as dimensões sociais,
econômicas e culturais da vida da população, vindo de encontro ao tradicional método
flexneriano, essencialmente individualista, hospitalocêntrico e enfatizado nas especializações.
Dessa forma, o aluno passa a ser incorporado ao processo acadêmico não como um simples
resultado do ensino, mas como parte integrante e ativa que, amparado ao trabalho do docente,
torna-se agente de sua própria formação.
A atual política de saúde, embasada nas recomendações de organismos internacionais
como a OMS (Organização Mundial de Saúde) e a OPAS (Organização Pan-Americana de
Saúde), visa ao recrudescimento da atenção primária como forma de instituir um modelo
preventivo eficaz, menos oneroso para o Estado e que seja capaz de desafogar o contingente
nos já colapsados setores secundários e terciários. Para o êxito dessa política, torna-se
imprescindível a atuação do médico generalista, implantado nos campos da medicina
preventiva e social, através das equipes de Programa de Saúde da Família, por exemplo.
Neste contexto, a Tabela 11 mostra que a maioria dos alunos (72,6%) concorda com a
formação do médico generalista preconizada pela RC, porém, mais da metade dos que
concordam não apóia esse direcionamento, demonstrando ainda insegurança. Com relação à
opinião do docente sobre este tema, seu comportamento se contrapõe à opinião dos discentes,
visto que 68,24% do corpo docente concordam e apóiam a formação do generalista.
(CHEHUEN, 2003) Tal insegurança dos alunos provém do conservadorismo da formação
tradicional e das influências do mercado vigente, já que médicos não especialistas são vistos
como profissionais estagnados e obsoletos, que não possuem a mesma perspectiva de
remuneração financeira quanto a existente no âmbito das especialidades. Isso reflete que,
além das questões de mercado, a especialização está naturalmente relacionada à imagem do
médico, ao seu prestígio e poder, inerentes à sociedade e que conduzem o pensamento dos
acadêmicos. Estes aspectos se traduzem em muito na prévia influência de uma imagem
estereotipada, criada e imposta pelos meios de comunicação de massa, em que a ótica em
relação ao médico se dá no âmbito do sucesso pessoal, do poder e na detenção do saber,
aspectos fundamentados no extenso currículo e na aparência pessoal. Porém, estes fatos
encobrem a real e urgente necessidade da saúde da população e da verdadeira atuação do
médico nos países subdesenvolvidos, num contexto árduo em recursos e de difíceis condições
de trabalho.
Tabela 11: Dados referentes sobre a opinião do discente especificamente sobre a diretriz curricular que aborda a necessidade da formação de médicos generalistas.
GRUPO A GRUPO B TOTAL
Concordo e apóio 33,6% 36,4% 34,5%
Concordo, mas não apóio 34,7% 45,4% 38,1%
Não concordo, mas apóio 20,9% 12,1% 18,1%
Não concordo e não apóio 10,8% 6,1% 9,3%
Não tenho opinião formada 0,0% 0,0% 0,0%
Estudo interessante demonstra que o estudante entra na faculdade com preferência
pela atenção primária, mas que esta escolha se perde com o tempo, à medida que se
conscientizam da realidade da prática profissional, passando a se interessar pelas
subespecialidades. (FERREIRA 2000)
Em recente pesquisa envolvendo os médicos residentes do Hospital Universitário da
UFJF número expressivo manifestou vontade de tornar-se especialista e exercer a medicina
em grandes centros.(CHEHUEN, 2003) A maioria deles egressos da FM da UFJF, formados
no currículo tradicional. No futuro, novas pesquisas envolvendo médicos residentes serão
necessárias para avaliar o comportamento de alunos formados no novo currículo.
A “formação” e o “currículo” a serem seguidos pelo acadêmico podem ter início bem
antes deste estudante ingressar na faculdade de medicina, em virtude de cada pessoa trazer
consigo uma visão de médico e do exercício profissional, através de vivências e de fatores
culturais. O aluno não pode ser reduzido a objeto ou produto do ensino, mas, assim como o
professor, é também agente da sua formação.(FERREIRA, 2000) De acordo com a Tabela
12, a maioria dos alunos (82,4%) concorda com o desenvolvimento do comportamento pró-
ativo, porém grande parte (57,2%) se mostra insegura devido à imaturidade e à falta de
infraestrutura da faculdade. Esses dados podem demonstrar mais uma vez a influência de um
ensino básico passivo, em que não há estímulos à busca de conhecimentos que não sejam
facilitados pela figura do professor ou com ampla e reconhecida logística.Causou-nos alguma
surpresa uma maior predisposição ao comportamento pró-ativo nos integrantes do Grupo B -
que ainda não adota as novas diretrizes curriculares - mas que, eventualmente devido à
proximidade de concursos de residência e com a prática médica, estão mais amadurecidos e
naturalmente pressionados a buscar novos conhecimentos.
Tabela 12: Dados referentes sobre a opinião do discente especificamente sobre a diretriz curricular que se refere a que o aluno tenha um comportamento pró-ativo, ou seja, busque o conhecimento.
GRUPO A GRUPO B TOTAL
Concordo totalmente 22,0% 31,8% 25,2%
Concordo parcialmente 56,3% 59,1% 57,2%
Discordo totalmente 20,6% 6,1% 15,9%
Não tenho opinião formada 1,1% 3,0% 1,7%
A avaliação do aluno durante o curso médico poderia representar apenas a
consolidação de um aprendizado contínuo e gradativo ao longo dos períodos, buscando tirar
do aluno não só conhecimentos específicos ou tópicos previamente memorizados de forma
mecânica, mas sim promover a indução de raciocínios mais genéricos e condutas que possam
ser realmente aplicados ao futuro profissional. A Tabela 13 mostra com nitidez a grande
preferência dos entrevistados por um método de avaliação que possa acompanhar o
rendimento do aluno durante todo o semestre letivo (59,4%). Resultado semelhante foi obtido
em entrevista realizada com professores, visto que 42,86% compartilham da mesma opinião.
(CHEHUEN, 2003) Se número expressivo de professores e alunos concorda que a avaliação
mais adequada seria através de um processo contínuo, questionamos então quais seriam os
principais motivos que promovem a atual manutenção quase generalizada de realizar-se
provas convencionais. Por que não mudaram? Compactuamos que é um método no mínimo
mais trabalhoso. Há vantagens e desvantagens reconhecidas por todos. Um percentual ainda
relevante dos acadêmicos se diz favorável aos métodos convencionais de avaliação (23,7%),
possivelmente pelo hábito de sempre terem sido avaliados desta forma desde o ensino
fundamental. Mesmo que o estudante conseguisse se adequar a esse sistema de avaliação,
posteriormente será submetido à prova no concurso de residência médica. Sendo assim, é
mais interessante para alguns alunos manter as provas e continuar condicionados à aprovação
através de testes formais, que também lhes parece mais palpável. Entendemos que o
documento formal (teste), aplicado uniformemente a todos os alunos, passível de revisão e
que pode ser arquivado, ainda traz mais segurança para docentes e discentes e talvez menos
trabalho.
Tabela 13: Dados referentes à opinião do aluno sobre como deve ser avaliado no transcorrer de cada disciplina.
GRUPO A GRUPO B TOTAL
Testes convencionais e provas. 22,7% 25,8% 23,7%
Sem testes convencionais. Seminários, trabalhos
escritos, etc.
14,7% 9,1% 12,9%
Acompanhamento do aluno durante o semestre letivo 58,2% 62,1% 59,4%
Não tenho qualquer opinião sobre o tema. 4,4% 3,0% 4,0%
Uma qualidade discutível do método convencional de avaliação (teste) é a intensidade
com que o estudante se dedica ao estudo para realizar um prova, mesmo que demande
conhecimento abrangente do conteúdo a ser avaliado. Pode, por exemplo, se preparar às
vésperas da avaliação, objetivando uma memorização temporária. Talvez uma sugestão inicial
seria avaliar o aluno das duas maneiras, acompanhando o progresso do estudante durante o
semestre letivo e aplicando algum teste que mantenha a concentração e responsabilidade do
aluno para com os marcos teóricos da disciplina, o que inicialmente contemplaria o desejo da
maioria dos discentes.
O principal tripé da RC é a melhoria no ensino, da pesquisa e a formação de médicos
generalistas, salientando que toda a mudança tem em vista a formação de médicos que
promovam a saúde e que evitem a doença, até mesmo porque uma medicina voltada à
prevenção é mais barata do que a curativa. Porém, conforme a Tabela 14, dados importantes
entre os discentes entrevistados inseridos no novo currículo (Grupo A) apontam que os
resultados alcançados pela RC serão a formação de profissionais com baixo conteúdo
teórico/prático e queda no nível de formação (34,6%); 29,9% manifestaram a certeza de que
os profissionais serão mais capacitados, com melhor desempenho profissional e tendo o
aspecto humanístico aprimorado. O Grupo B - alunos não envolvidos pela RC - se divide
naqueles que não estão informados sobre o tema (24,2%), os que acreditam que não haverá
alteração substancial na formação acadêmica e profissional (27,3%) e os que têm receio deste
tipo de formação, acreditando na piora da capacitação profissional (24,2%). Denota-se que,
como em todas as mudanças que ocorrem na sociedade, o fruto das mesmas é algo que traz
dúvida e receio. Porém, este descrédito parcial dos discentes pode se constituir em mais um
obstáculo para a total e efetiva implantação da reforma curricular, atuando intimamente e nos
bastidores da formação.Passos decisivos, firmes e embasados devem ser tomados à medida
que avancem os trabalhos da reforma do currículo médico, de modo a trazer segurança e
eficácia, realçando os aspectos positivos e os aprimoramentos em andamento.
Tabela 14: Dados referentes sobre a avaliação discente em relação aos prováveis resultados a serem alcançados com a reforma do curso médico.
GRUPO A GRUPO B TOTAL
FM formará profissionais capacitados, com melhor
desempenho e mais humanizados.
29,9% 16,7% 27,1%
FM formará profissionais com baixo conteúdo
teórico/prático, com queda no nível de formação.
34,8% 24,2% 32,8%
FM formará profissionais sem grandes alterações
substanciais.
16,6% 27,3% 24,0%
FM formará profissionais de pior nível por falta de
conteúdo teórico sem complementação prática.
15,5% 7,6% 6,3%
Não estou informado sobre o tema. 3,2% 24,2% 9,8%
A RC não é plenamente viável sem a motivação e participação dos alunos. Na Tabela
15 verificamos que 62,1% dos estudantes integrados no processo (Grupo A) estão confiantes e
motivados, embora muitos avaliem que é necessário um maior esclarecimento para que os
principais interessados, os próprios alunos, possam amadurecer ao longo do tempo com a
reformulação curricular. Entre os discentes que não cursam sob as novas diretrizes (Grupo B),
37,9% também se mostram motivados; 21,2% alegam que, por mais que tentassem, não
conseguiram obter informações sobre a RC, estando inseguros e totalmente desmotivados.
Estes dados refletem novamente a necessidade de que é preciso incrementar as atividades que
permitam ao aluno se informar e opinar sobre as mudanças a serem instituídas, servindo como
novos e constantes impulsos positivos à implementação das medidas.
Tabela 15: Dados referentes sobre a análise do aluno quanto ao seu comportamento frente às propostas gerais da reforma curricular.
GRUPO A GRUPO B TOTAL
Plenamente motivado 4,3% 4,5% 4,4%
Motivado 62,1% 37,9% 54,3%
Desmotivado 8,7% 9,1% 8,8%
Totalmente desmotivado 23,8% 21,2% 23,0%
Desinteressado 1,1% 27,3% 9,5%
A partir do estudo e discussão dos diversos aspectos que envolvem o processo de
implementação da RC, constata-se real necessidade e vontade urgente de mudanças nos
parâmetros curriculares do ensino médico. Mudanças que permitam uma formação dinâmica,
calcada em aprendizado mais harmonizado entre respaldo e direcionamento docente, apoio e
condições logísticas da instituição e busca pelo aluno de conhecimentos e fundamentos
teóricos, através da estimulação pelo contato precoce com a futura atividade profissional. O
sucesso na aplicação dos diversos preceitos depende da participação efetiva e integrada de
comissões organizadoras, docentes e discentes, além de pesquisas para articulação de novos
vínculos formais entre a universidade e os diversos níveis de atenção da saúde na região,
contribuindo para a inserção acadêmica no âmbito de trabalho e para a interação social dos
discentes com as diversas comunidades.
CONCLUSÃO Os alunos da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora se
mostram motivados e dispostos a colaborar com as medidas propostas pelas novas diretrizes
curriculares, porém sentem-se desinformados quanto ao processo de implementação,
insatisfeitos quanto às medidas tomadas até agora e inseguros quanto aos resultados a serem
obtidos. Para ampliar o interesse e a motivação discente, faz-se necessária uma maior
participação dos alunos em encontros e reuniões em que a pauta seja a discussão da RC.
REFERÊNCIAS
CHAVES, M.M. Educação médica: uma mudança de paradigma. Boletim ABEM, n.28, p.10-11, 2000.
CHEHUEN NETO, J.A. et al. Percepção dos docentes da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora sobre a reforma curricular. Revista de APS, Juiz de Fora, v.7, n.1, p.24-33, jan./jun. 2004.
CHEHUEN NETO, J. A et al. Perfil dos residentes da Universidade Federal de Juiz de Fora. 2003. (No prelo)
FERREIRA, R.A. et al. O estudante de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais: perfil e tendências. Rev. Assoc. Med. Bras., n. 46, p. 224-231, 2000.
KHUN, T. S. A estrutura das revoluções científicas. 3. ed. São Paulo: Perspectiva, 1996.
MACHADO, M.H. Profissões de saúde: uma abordagem sociológica. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 1995.
Submissão: julho de 2004 Aprovação: outubro de 2004
Questionário
1) Você conhece claramente os motivos de estar ocorrendo a reforma do currículo médico?
A) Sim.
B) Não.
C) Parcialmente.
2) Concorda com a necessidade divulgada de que deve haver a reforma curricular?
A)Sim, concordo totalmente.
B)Não, discordo totalmente.
C)Concordo parcialmente.
3) Concorda com o andamento dos trabalhos e, conseqüentemente, com as medidas tomadas
até agora referentes à reforma do currículo?
A)Sim.
B)Não.
C)Parcialmente.
D)Desconheço as medidas tomadas até agora.
4) Você é ou foi ouvido a contento, ou seja, pôde opinar de forma satisfatória?
A) Sim.
B) Não. Eu não tive oportunidade.
C) Não. Mas tive oportunidade.
D) Fui ouvido de forma parcial.
5)Como avalia, pessoalmente, a reforma curricular que ocorreu até agora? (do 3º ao 6º
períodos).
A)Totalmente satisfeito.
B) Satisfeito.
C) Insatisfeito.
D) Totalmente insatisfeito.
E) Desinformado sobre o tema.
6) Como avalia sua condição pessoal de aluno, segundo a estrutura física e de material da FM
da UFJF, frente às novas diretrizes que estão sendo propostas?
A)Avalio muitas dificuldades de implementação, penso que são até insuperáveis.
B)Avalio algumas dificuldades, porém todas superáveis ao longo do tempo.
C)Tenho plenas condições de executar e colaborar com as medidas propostas de forma
rápida.
D)Não estou informado sobre as novas diretrizes da reforma curricular.
7) Atualmente se discute sobre a presença do aluno em sala de aula. Qual seu comportamento
frente a esse tema?
A) Assisto a todas aulas, teóricas ou práticas, independente de chamada. Sou
interessado e gosto de receber os conhecimentos. Procuro nunca faltar às aulas.
B) Assisto às aulas, mas se possível falto voluntariamente para realizar outras tarefas.
Gosto parcialmente de aulas. Em geral, aprovo as chamadas.
C) Não gosto de aulas teóricas. Algumas são até boas, mas dispensáveis. A maioria é
“pré-fabricada”. Prefiro outro (s) método (s) para aprender. Não deveria haver tantas aulas
teóricas, nem mesmo chamada.
D) A aula teórica deveria existir apenas para complementar meus estudos iniciais. O
aluno deveria inicialmente procurar informar-se sobre o tema na literatura ou através de
outros meios didáticos corretos, orientado pelo professor. Não concordo com a chamada.
E)Outros comportamentos.
8) Que recurso didático você sugere, como preferencial, para seus professores ministrarem os
conteúdos? Assinale mais de uma opção, se for o caso.
A) Aulas expositivas com o uso do quadro.
B) Aulas expositivas com o uso de transparências.
C) Aulas expositivas com o uso de diapositivos.
D) Aulas expositivas com o uso de projetor multimídia.
E) Seminários e/ou mesa-redonda coordenados pelo docente.
F) Trabalhos escritos pelos alunos.
G) Trabalhos apresentados em sala de aula pelos alunos.
H) Outros.
9) Qual opção pedagógica você sugeriria, atualmente, para seu professor utilizar parra
ministrar os conteúdos? Assinale mais de uma opção, se for o caso.
A) Pedagogia de transmissão.
B)Pedagogia de condicionamento.
C)Pedagogia da problematização.
D) Não conheço esse tema.
E) Outros.
10) Como avalia as informações fornecidas a você, pelos setores administrativos competentes,
sobre o processo de reforma curricular da FM da UFJF?
A) Sou plenamente informado.
B) Sou informado a contento; estou muito satisfeito.
C) Sou informado de forma apenas satisfatória; estou satisfeito.
D) Não sou informado a contento; estou insatisfeito.
E) Nunca fui informado; estou totalmente insatisfeito.
11) Uma diretriz curricular em implantação na FM da UFJF refere-se a formar médicos
generalistas. Qual sua opinião sobre este tema?
A) Concordo e apóio. O Brasil precisa de generalistas. Sinto-me seguro nesta formação. A
UFJF tem condições para realizar esse projeto.
B) Concordo, mas não apóio. A idéia da formação generalista é boa, mas não há
recursos nem interesse dos docentes para realização desse projeto. Estou inseguro.
C) Não concordo, mas apóio. O mercado de trabalho não valoriza o generalista. Vou
me especializar posteriormente.
D) Não concordo e não apóio. Manipulação do governo por interesses do SUS já que
não há apoio às instituições para outros projetos. Estou sendo prejudicado.
E) Não tenho opinião formada sobre o assunto.
12) Uma diretriz curricular em implantação na FM da UFJF refere-se a que o aluno tenha um
comportamento pró-ativo, ou seja, busque o conhecimento. Qual a sua opinião sobre este
tema?
A)Concordo totalmente. Necessita-se de orientação do professor.
B)Concordo parcialmente. Imaturidade dos alunos e pouca infra-estrutura.
C)Discordo totalmente. Aulas para informações básicas. Tempo livre para demais
atividades (pesquisa, optativas etc).
D) Não tenho opinião formada sobre o assunto.
13) Atualmente se discute como se deve avaliar o aluno. Qual a sua opinião sobre este tema?
A) Testes convencionais e provas.
B) Sem testes convencionais. Seminários, trabalhos escritos, etc.
C) Acompanhamento do aluno durante todo o semestre letivo.
D) Não tenho qualquer opinião sobre o tema.
14) Como você avalia os prováveis resultados a serem alcançados pela reforma curricular
como, por exemplo, a melhoria no ensino, da pesquisa, a formação de médicos generalistas,
etc?
A) FM formará profissionais capacitados, com melhor desempenho e mais
humanizados.
B) FM formará profissionais com baixo conteúdo teórico/prático, com queda no nível
de formação.
C) FM formará profissionais sem grandes alterações substanciais.
D) FM formará profissionais de pior nível por causa da retirada de conteúdo teórico
sem complementação prática.
E) Não estou informado sobre o tema.
15) Como avalia seu comportamento frente às propostas da reforma curricular? Assinale mais
de uma opção, se for o caso.
A) Estou com condição de me adaptar e de me integrar à reforma com motivação.
B) É preciso reforçar o esclarecimento e a motivação do aluno.
C) Comportamento desfavorável à implantação da reforma. Estou desmotivado.
D) Estou desinformado sobre a reforma, desmotivado e inseguro.
D) Estou desinformado sobre a reforma, desmotivado e inseguro.
PREVENÇÃO DO CÂNCER DE COLO UTERINO EM UMA ÁREA DO PROGRAMA DE SAÚDE DA FAMÍLIA EM RIBEIRÃO PRETO THE PREVENTION OF CERVICAL CANCER IN ONE AREA OF THE FAMILY HEALTH PROGRAM IN RIBEIRÃO PRETO
Leonardo Pinho Ribeiro1
Camila Malta Maradei2
Cristina Lopes da Silva3
Ricardo Manfrim Tombolato4
Elisabeth Meloni Vieira5
1 Médico de Família e Comunidade da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte. Residente em Medicina de Família e Comunidade no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – USP (2002/2003).
2 Médica de Família e Comunidade. Residente em Medicina de Família e Comunidade
no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – USP (2002/2003).
3 Residente em Medicina de Família e Comunidade do Hospital da Clínicas da
Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – USP. 4 Residente em Medicina de Família e Comunidade do Hospital da Clínicas da
Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – USP. 5 Professora Doutora Elisabeth Meloni Vieira do Departamento de Medicina Social da
Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – USP. Endereço:Departamento de Medicina Social, FMRP-USP Av dos Bandeirantes 3900 CEP 14490-900 Ribeirão Preto-São Paulo-Brasil Telefone: (016)602-2433/ 602-25-38 FAX (016)633-1386 E-mail:[email protected]
RESUMO: Este estudo diagnosticou a situação da cobertura do exame citopatológico do colo uterino em uma comunidade e avaliou a estratégia de intervenção, utilizando como parâmetros os fatores de risco. Analisou-se, retrospectivamente, 681 prontuários de mulheres com pelo menos 20 anos de idade e verificou-se o atraso ou não do exame citológico. Foi utilizado um roteiro para registrar as variáveis usadas no estudo: identificação da família, idade, data de registro no programa, situação do exame citológico na data do cadastro, data do último exame citológico, área de residência, consultas de saúde no programa. Os dados foram digitados em Epi-info 6.0 e a análise estatística utilizada foi realizada através do teste do qui-quadrado, sendo a hipótese de associação aceita quando se encontrou p menor ou igual a 0,05. Constatou-se que 33,5% estavam atrasadas no cadastramento, 39,4% realizaram o exame no período e, destas, 57,8% apresentaram resultado classe II. Encontrou-se associação entre residir na área mais pobre e estar com o exame atrasado (p=0,03); ser mais velha (65 a 98 anos) e estar em atraso com o exame (p=0,0007); residir na micro-área 2 e ter realizado o exame preventivo no Serviço (p<0,02). Finalmente, conclui-se que o programa melhorou a cobertura do Papanicolaou no grupo de mulheres do estrato socioeconômico mais baixo e possibilitou um planejamento de ação mais claro e organizado. Palavras-chave: Neoplasias do Colo Uterino/ Prevenção & Controle; Saúde da Família.
ABSTRACT
This investigation studied the situation of the coverage of the Pap smear test in a
community, assessing a strategy of intervention focusing on risk factors. A total of 681
medical records of women aged at least 20 years old were examined to identify the last
test. A guideline was used to register the variables of the study: identification of the
family, age, date of register in the program, situation of pap smear when she was
registered in the program, date of last pap smear test, area of residence, visits to the
clinic. Data were typed and analyzed by Epi-info 6.0, statistical analysis was performed
using the chi-square test; and the hypothesis of association was accepted when p was
smaller or equal to 0.05. As a result, we found that 33.5% were not up-to-date with the
Pap smear test when they were registered in the program, and 39.4% went for a Pap
smear test after the program was implemented in the area. Among those, 57.8% had a
class II result. To live in the poorest area and to have the Pap smear test not up-to-date
was found associated (p=0.03), as well as to be older (65 to 98 years old) and to have
the Pap smear test not up-to-date (p=0.0007) and to live in the micro area 2 and having
gone to the test in the Family Health clinic (p<0,02). Finally, it was concluded that the
program has improved the coverage of the lower socioeconomic status group and made
feasible an organized and clear plan of action.
Key-Words: Prevention, Cervical Cancer, Family Health Program.
INTRODUÇÃO
O câncer de colo uterino é um problema de saúde pública mundial,
configurando-se como a segunda ou terceira causa mais comum de câncer na mulher.
Cerca de 400.000 novos casos são diagnosticados por ano no mundo, em sua maioria
nos países em desenvolvimento.(CAMARGOS; MELO, 2001) Nestes, o índice de
mortalidade pela doença chega a 80%, principalmente em mulheres com baixo nível
educacional e com pouco acesso aos serviços de saúde. (BRASIL, 2002)
Segundo a Organização Mundial de Saúde, a detecção precoce e o tratamento
imediato dos tumores em estágio inicial, quando conjugados, reduzem em 80% a
incidência do câncer invasivo.(BRASIL, 2002)
As taxas de mortalidade dos últimos vinte anos mostram um pequeno aumento
do número de casos de câncer de colo uterino no Brasil. O Ministério da Saúde estimou
que, em 2001, o Brasil teria 16.000 mil novos casos e 4.000 mortes causadas por esta
2
neoplasia. Em 2003 a estimativa ministerial mostrava um aumento na mortalidade e na
incidência para esta doença: 4.110 e 16.480, respectivamente. (BRASIL, 2003) Segundo
o Ministério da Saúde, o que ocorre no Brasil como um todo é que não há priorização de
ações preventivas para o grupo etário de maior risco para o desenvolvimento desta
patologia, que seriam as mulheres de 35 a 49 anos, mas, sim, a realização do exame
principalmente em mulheres abaixo dos 35 anos, atendendo a uma demanda espontânea.
Em vista disso, iniciou-se em 1998 a implementação de programas, rotinas e planos, a
fim de organizar, otimizar e racionalizar a prevenção do câncer de colo uterino. O
rastreamento para câncer de colo uterino, pelo exame de papanicolaou, deve ser
realizado a cada 3 anos após dois exames anuais consecutivos normais. (BRASIL,
2002).
Ribeirão Preto, apesar da sua situação de pólo de desenvolvimento de uma das regiões mais ricas do país, não tem uma cobertura do exame preventivo do câncer de colo abrangente; em 2002, menos da metade (49%) de 75% da população de mulheres em idade reprodutiva havia realizado o exame, segundo informação verbal da Coordenação da Área de Saúde da Mulher da Secretaria Municipal de Saúde.
Em 2001 a Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto iniciou a implantação de
cinco Núcleos de Saúde da Família, com o objetivo de expandir o campo de estágio dos
alunos em atenção primária e de implementar a residência médica em Saúde da Família
e Comunidade.
O presente estudo foi realizado com a população de abrangência do Núcleo de
Saúde da Família 4 (NSF-4), formado por quatro micro-áreas. Parte dessa população
mora em favelas e possui baixo nível de instrução, sendo muitos imigrantes vindos de
locais como o Norte de Minas Gerais e o Sertão do Nordeste. Parte desse território
representa uma das áreas menos desenvolvidas da cidade. A equipe de saúde do NSF-4
adotou, durante um ano, uma estratégia (de prevenção do câncer de colo uterino através
da coleta de exames quinzenalmente), na qual deveria ser dada prioridade para mulheres
que nunca houvessem realizado o exame citopatológico de colo uterino. Porém, estaria
essa estratégia atingindo o grupo mais vulnerável? Foi com essa finalidade - avaliar a
estratégia de coleta dos exames - que foi realizado este estudo.
OBJETIVOS
Conhecer a situação das mulheres residentes na área do NSF-4 em relação à
prevenção do câncer de colo uterino, avaliando a estratégia prévia elaborada para
3
aumentar a cobertura do exame citológico e fornecer subsídios para a reformulação
dessa estratégia enfocando fatores de risco.
MATERIAL E MÉTODOS
Trata-se de um estudo retrospectivo, realizado por meio de levantamento de
prontuários. Foram incluídos os prontuários de todas as mulheres residentes na área do
NSF-4, que tiveram pelo menos 20 anos de idade e fossem sexualmente ativas,
totalizando 681 mulheres. Excluiu–se 5 pacientes do estudo por terem dados de registro
incompletos. Considerou-se “em atraso com o Papanicolaou” a mulher que não havia
realizado o exame há mais de dois anos, tendo como referência a data do cadastramento
familiar. Entretanto, como não seria possível saber, em todos os casos, se as mulheres
eram sexualmente ativas, optou-se por considerar todas as mulheres com mais de 20
anos como sexualmente ativas, levando-se em conta que 26,6% das mulheres brasileiras
com idade entre 20 a 24 anos e 9,9% com idade entre 25 a 29 anos nunca tiveram
relação sexual (BEMFAM, 1997).
Para testar o instrumento, realizou-se um estudo piloto com 20 formulários. A
coleta de dados foi feita diretamente dos prontuários familiares (ficha A-do Sistema de
Informação de Atenção Básica-SIAB – modificada pela Prefeitura Municipal de
Ribeirão Preto) e desenvolvida no período de setembro de 2002 a setembro de 2003 por
quatro médicos residentes em Saúde da Família e Comunidade. Foram coletadas as
seguintes variáveis: existência de mulheres com idade igual ou maior que 20 anos,
situação em relação à realização do exame citológico de colo uterino na data do
cadastro, data do cadastro familiar, idade da paciente e data de nascimento, microárea
de residência (variável considerada também sócio-econômica) e o número da família a
que pertence a paciente. Também foi verificado se essas mulheres haviam sido
atendidas no NSF-4 e, em caso afirmativo, subseqüentemente, foram examinados os
prontuários individuais na busca da data da coleta deste exame e o seu resultado,
considerando o período de tempo entre julho de 2001 a julho de 2003.
Os dados foram digitados no programa Epi-Info 6.0 e a versão 2002 usada para
verificar a consistência dos dados e realizar a análise.
Para verificar associação entre variáveis, utilizou-se o teste do qui-quadrado de
Pearson, sendo a hipótese de associação aceita quando p< ou igual 0,05.
4
RESULTADOS
O estudo permitiu a elaboração de uma lista de mulheres por idade e condição de
realização do exame citológico na data do cadastramento familiar.
A análise dos prontuários mostra que na época do cadastro familiar 410
mulheres (60,2%) estavam em dia em relação ao exame, 228 (33,5%) estavam com o
exame atrasado e, no caso de 43 mulheres (6,3%), a informação não foi encontrada.
A idade média encontrada entre as mulheres foi de 39 anos, sendo a mediana 36.
A maioria das mulheres (46,8%) tinha até 34 anos e era residente da micro-área 1
(Tabela 1).
Da população estudada, 39,4% realizaram o exame no NSF-4 e 60,6% não o
haviam realizado, no período de julho de 2001 a julho de 2003 (Tabela 1). Das mulheres
que realizaram o exame de Papanicolaou no NSF-4, a maioria (57,8%) teve como
resultado a classe II, e os restantes 42,2%, a classe I.
Encontrou-se associação estatística entre residir na microárea 2 e estar com o
exame preventivo atrasado na época do cadastro familiar. Esta foi a microárea que
apresentou o menor percentual de cobertura (52,9%) e a microárea 3 foi a que
apresentou a melhor cobertura, 65,9% (Tabela 2). Estas diferenças foram
estatisticamente significantes (p= 0,03).
Houve associação estatística entre pertencer à faixa etária dos 65 aos 98 anos e
estar atrasada com o exame na data do cadastro familiar (63% estavam em atraso).
Todas as demais faixas apresentaram aproximadamente 2 mulheres em dia para cada
mulher em atraso (Tabela 3). Essas diferenças tiveram significância estatística (p=
0,0007).
Também foi encontrada associação entre as que realizaram a coleta do exame no
NSF-4 e pertencer à faixa etária mais jovem. Na faixa etária de maior risco, dos 35 aos
49 anos, apenas 38,5% das mulheres realizaram o exame no NSF-4. O grupo de
mulheres dos 20 aos 34 anos foi o que apresentou a melhor cobertura (48,9%) e o de 50
a 64, a pior (19,4%), tendo significância estatística tal associação (p< 0,001)
Encontramos associação entre pertencer à microárea 2 e ter realizado o exame
no NSF-4. Oitenta e cinco (50%) mulheres da microárea 2 realizaram o exame no
Núcleo entre julho de 2001 e julho de 2003, enquanto apenas 35,7%; 36,7%; 35,1% das
mulheres das microáreas 1, 3 e 4 o realizaram, respectivamente. Estas diferenças foram
estatisticamente significativas (p< 0,02).
5
DISCUSSÃO
Baseando-se nos dados de cadastramento da área do NSF-4 registrados pelo
SIAB, estimou-se que a população máxima estudada seria de 608 mulheres. No entanto,
foram encontradas 681 mulheres acima dos 20 anos. Alguns fatores podem ter
contribuído para isso: erro no cadastro familiar, não atualização do mesmo, migração e
imigração na área, apesar dos esforços para o cadastramento contínuo.
Optou-se por estudar toda população, pois assim seria possível identificar
mulheres com o exame em situação irregular, realizar busca ativa e convidá-las a
atualizá-lo.O estudo permitiu elaborar uma listagem de mulheres em atraso com este
exame citológico identificadas por idade e microárea de residência.
A cobertura do exame de Papanicolaou na área de abrangência do NSF-4, 60,2%
na época do cadastro familiar, encontrava-se inferior ao recomendado pelo Ministério
da Saúde, 80 a 85%, para uma ação efetiva.(COSTA et al., 2003)
A microárea 2 era a que apresentava o maior percentual de mulheres com o
exame em atraso na época do cadastro. Por ser a área com menor desenvolvimento
sócio econômico, o achado se justifica e é concordante com a literatura, como citado por
Alves (1995), que demonstrou, em uma população carente na região do Alto São
Francisco em Minas gerais, que 57,6% de mulheres nunca haviam realizado o exame
preventivo. Outro estudo realizado por Costa et al. (2003) também foi concordante.
Embora na época do cadastramento familiar houvesse maior número de mulheres com o
exame atrasado na microárea 2, mais mulheres dessa microárea realizaram o exame
(50%) após a implantação do NSF-4, contrariando a tendência do grupo de menor status
sócio-econômico em não aderir ao programa preventivo. Essa diferença pode ser
explicada pela implantação do Programa de Saúde da Família (PSF) na área, o que
facilitou o acesso dessa população ao exame. Evidentemente, esse acesso é
acompanhado da criação de vínculos e da comunicação com a população local. Seria um
engano atribuir à estratégia do programa de coleta quinzenal este aumento, pois não
houve o enfoque de grupo de risco no planejamento.
A menor procura para a realização do exame pelas mulheres de faixa etária mais
elevada (maior que 50 anos), tanto na época do cadastro, quanto pelos exames
realizados no próprio Núcleo, foi um resultado esperado. No estudo realizado por Costa
et al. (2003) demonstrou-se uma menor cobertura das mulheres com mais de 60 anos.
6
A faixa etária mais jovem, dos 20 aos 34 anos, procurou mais o serviço para a
realização do exame, sendo este dado concordante com a literatura (Brasil, 2002). Neste
último caso, a maior procura pelas mulheres mais jovens resultou em uma restrição de
vagas para a realização da coleta do exame preventivo nas mulheres mais velhas e no
grupo etário de maior risco. O maior número de exames classe II demonstrou o
predomínio do caráter inflamatório do exame em relação ao não inflamatório. Este dado
era esperado, tendo em vista o grande número de mulheres com queixa de corrimento
vaginal que temos encontrado na prática clínica diária; entretanto é preocupante, pois
pode estar relacionado à maior vulnerabilidade dessas mulheres em relação às DST/aids.
CONCLUSÃO
Concluímos que o programa de coleta dos exames de Papanicolaou realizado
pela equipe do NSF-4, quinzenalmente, não levou em conta em seu planejamento os
fatores de risco, tais como faixa-etária e condições sócio-econômicas para o
desenvolvimento do câncer de colo uterino. No entanto, a implantação do Programa de
Saúde da Família na área de abrangência do NSF-4 melhorou o acesso ao exame para as
mulheres de pior condição sócio-econômica.
A listagem das mulheres, elaborada a partir deste estudo, permitiu organizar uma
rotina no serviço, objetivando atender às necessidades de prevenção (em relação ao
câncer de colo uterino), desta vez com planejamento e priorização de necessidades.
Usando-se o princípio da eqüidade e levando-se em conta os fatores de risco
idade e exclusão social, definiu-se que em um primeiro estágio iniciar-se-ia a
convocação das usuárias com idade de 35 a 50 anos, residentes na microárea 2 e assim
gradativamente, obedecendo aos mesmos critérios, faixa etária e microáreas (tendo
preferência as mais pobres).
É fundamental que um programa de saúde possa atingir aqueles que dele mais
necessitem, e que ações simples, tais como captar as mulheres de maior risco para a
coleta do exame preventivo do câncer de colo possam ser abrangidas pelo programa,
adequando as necessidades às ações e recursos disponíveis.
REFERÊNCIAS
ALVES, L.L.G. Estudo Epidemiológico das vulvovaginites e das displasias e carcinomas do colo uterino na Região Docente-Assistencial do Alto São Francisco e demais municípios assistidos pela Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais. Revista Médica de Minas Gerais, Belo Horizonte, v. 5, n.1, p.2-5, 1995.
7
BARROS, F.C.; VICTORA C.G. Epidemiologia para a saúde infantil. 3. ed. São Paulo: Hucitec, 1998. 176 p.
BEMFAM. Macro Brasil -Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde-1996. Rio de Janeiro, 1997.
BRASIL. Ministério da Saúde. Instituto Nacional do Câncer. Estimativas da incidência e mortalidade por câncer no Brasil. Rio de Janeiro, 2003. Disponível em:< http://www.inca.gov.br/ estimativas/2003>. Acesso em: 15 Dez. 2003.
BRASIL. Ministério da Saúde. Instituto Nacional do Câncer. Viva Mulher-Programa Nacional de Controle do Câncer do Colo do Útero: 2a Fase de Intensificação. Rio de Janeiro, 2002. Disponível em: <http://www.inca.gov.br/ prevencao/ programas/ viva mulher> . Acesso em: 12 Dez. 2002.
CAMARGOS A.F.; MELO V.H. Ginecologia ambulatorial. Belo Horizonte: Coopmed, 2001. cap 59, p.569-576.
COSTA, J.S.D. et al. Cobertura do exame citopatológico na cidade de Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, v.19, n.1, p.191-197, 2003.
NAUD, P. et al. Avaliação dos programas de screening para o câncer de colo uterino no Estado do Rio Grande do Sul. Revista HCPA, v.20, n.2: p.108-113, 2000.
PEREIRA, M.G. Epidemiologia teoria e prática. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1995. 596p.
SANTIAGO, S.M.; ANDRADE, M.G.G. Avaliaçäo de um programa de controle do câncer cérvico-uterino em rede local de saúde da Regiäo Sudeste do Brasil Cadernos de Saúde Pública, v.19, n.2, p.571-578, 2003.
VAUGHAN JP, MORROW RH; Epidemiologia para os Municípios. 2. ed. São Paulo: Hucitec, 1997. 180p.
Submissão: junho de 2004 Aprovação: agosto de 2004
8
Tabela 1 Distribuição das mulheres residentes na área do NSF-4 por idade, local de
residência e realização da coleta do exame de Papanicolaou
Faixas etárias N %
20-34 319 46,8
35- 49 208 30,5
50-64 108 15,9
65-98 46 6,8
Total 681 100
Micro-áreas
1 199 29,2
2 170 25
3 158 23,2
4 154 22,6
Total 681 100
Realizaram a coleta do
exame no NSF-4
Sim 268 39,4
Não 413 60,6
Total 681 100
9
Tabela 2– Número de mulheres do NSF-4 atrasadas e em dia em relação ao
exame de Papanicolaou, de acordo com a microárea, na data do cadastro.
Micro-área
Atrasadas
Em dia
Não é possível
dizer
Total
(nº) % (nº) % (nº) % (nº) %
1 61 30,7 119 59,8 19 9,5 199 100
2 71 41,8 90 52,9 9 5,3 170 100
3 50 31,6 103 65,2 5 3,2 158 100
4 46 29,9 98 63,6 10 6,5 154 100
Total 228 33,5 410 60,2 43 6,3 681 100
x2=13,2324 p= 0,0395
10
Tabela 3 – Situação das mulheres do NSF-4 em relação ao exame de Papanicolaou, de
acordo com a faixa etária, na data do cadastramento familiar.
Idade
Atrasadas Em dia Não é possível dizer
Total
(anos) (nº) % (nº) % (nº) % (nº) %
20 – 34 101 31,7 203 63,6 15 4,7 319 100
35 – 49 63 30,3 129 62,0 16 7,7 208 100
50 – 64 35 32,4 64 59,3 9 8,3 108 100
65 – 98 29 63 14 30,4 3 6,5 46 100
Total 228 33,5 410 60,2 43 6,3 681 100
x2=23,1573 p=0,0007
11
A ESPIRITUALIDADE NA EDUCAÇÃO POPULAR EM SAÚDE
SPIRITUALITY IN POPULAR HEALTH EDUCATION
Eymard Mourão Vasconcelos, Doutor em Medicina Tropical UFMG, professor da Fa-culdade de Medicina da UFPB, Endereço: Rua Gilvan Muribeca, 215/301, Bairro: Cabo Branco, João Pessoa, Paraíba, CEP: 58045-220 E-mail: [email protected]
RESUMO
A superação dos principais problemas de saúde exige modificações profundas do modo de vida, que só acontecem se é mobilizada uma grande "garra" nos pacientes e nos gru-pos. Encontra-se aí a força da espiritualidade como instrumento de promoção da saúde, na medida em que lida com as dimensões pouco conscientes do ser em que se assentam os valores, motivações profundas e sentidos últimos da existência individual e coletiva. Os portadores de doenças importantes vivem crises subjetivas intensas e mergulham com profundidade em dimensões inconscientes da subjetividade. Este trabalho estuda a espiritualidade na relação educativa entre profissionais e usuários dos serviços de saúde capaz de elaborar as motivações profundas que dão sustento aos redirecionamentos da vida necessários à superação da doença, expressão de uma crise de determinado modo de viver. PALAVRAS-CHAVES: Espiritualidade; Educação em Saúde; Promoção da Saúde; Terapias Espirituais.
ABSTRACT
Overcoming serious health problems requires profound changes in lifestyle that only
occur when a strong desire is aroused in the patient and in groups. This is where we
find the force of spirituality as an instrument to promote health, inasmuch as it deals
with the less conscious dimensions of our beings where values, deep motivations and
ultimate feelings of individual and group existence lie. Those who suffer from serious
illness undergo intense subjective crises and dive deeply into unconscious dimensions
of subjectivity. This paper studies spirituality in the educational relation between
professionals and users of Health Services, capable of elaborating the deep motivations
that sustain the life changes necessary to overcome illness, the expression of a crisis of a
given way of life.
KEY-WORDS: Spirituality. Popular Health Education. Humanization of Health Care.
1- INTRODUÇÃO
O trabalho em saúde sempre esteve ligado às práticas religiosas. Mesmo com o
advento da modernidade e o surgimento da medicina científica, estudos antropológicos
2
atuais têm mostrado que a consideração de dimensões religiosas continua presente em
todos estratos sociais como parte importante da compreensão do processo de adoeci-
mento e cura. (IBÁNEZ; MARSIGLIA, 2000, p.50) Mas a visão dualista inerente ao
paradigama newtoniano e cartesiano de ciência, que separa o mundo da matéria do
mundo do espírito, tornou ilegítima a consideração das dimensões religiosas da vida
humana na investigação da gênese das doenças e na busca de medidas terapêuticas. Por
causa da suspeita do modelo newtoniano-cartesiano de ciência em relação à religião,
profissionais, professores e pesquisadores do setor saúde se envergonham de trazer, para
o debate científico e para a discussão aberta nos espaços de formação dos recursos hu-
manos em saúde, os saberes e vivências religiosas tão importantes em suas vidas priva-
das. Desta forma, as práticas religiosas têm estado presentes no trabalho de saúde de
forma pouco crítica e elaborada, na medida em que nele se infiltram de modo silencioso
e não debatido.
A crescente manifestação de insatisfações ao modelo da biomedicina, o fortale-
cimento da crítica aos pressupostos filosóficos da racionalidade científica, a partir da
segunda metade do século XX, e o surpreendente aumento dos movimentos religiosos,
no final do século XX, criaram condições para o florescimento de uma extensa literatura
de auto-ajuda, proclamando idéias e estratégias de saúde integradas a uma visão religio-
sa. Essas publicações passam a ser consumidas amplamente, tanto pela população como
pelos profissionais de saúde. Apesar desta mudança cultural, os estudos acadêmicos em
saúde continuam extremamente fechados à incorporação de aspectos religiosos no en-
tendimento do processo de adoecimento e cura.
O avanço das ciências da religião, na medida em que possibilitou a criação de
conceitos e análises desvinculados de uma tradição religiosa específica e, assim de uma
linguagem comum, está possibilitando a discussão mais ampla deste tema de uma forma
que supera parcialmente as usuais e tensas competições entre os vários grupos religio-
sos.
O atual predomínio epidemiológico das doenças crônico-degenerativas indica
que a superação dos principais problemas de saúde exige modificações profundas do
modo de vida que só acontecem se é mobilizada uma grande "garra" nos pacientes e nos
grupos, algo que a educação em saúde tradicional, centrada no repasse de informações,
pouco acrescenta. Encontra-se aí a força da espiritualidade como instrumento de promo-
ção da saúde, na medida em que lida com as dimensões pouco conscientes do ser em
que se assentam os valores, motivações profundas e sentidos últimos da existência indi-
3
vidual e coletiva. Os portadores de doenças importantes vivem crises subjetivas intensas
e mergulham com profundidade em dimensões inconscientes da subjetividade. É nessa
elaboração subjetiva profunda que são construídos novos sentidos e significados para
suas vidas capazes de mobilizá-los na difícil tarefa de reorganização do viver exigida
para a conquista da saúde. Há uma milenar tradição do uso da espiritualidade no enfren-
tamento dos problemas de saúde que pode ser resgatada, mas que necessita ser atualiza-
da para as atuais características da sociedade.
Este trabalho estuda a espiritualidade como instrumento e espaço de relação e-
ducativa entre profissionais e usuários dos serviços de saúde capaz de elaborar as moti-
vações profundas que dão sustento aos redirecionamentos da vida necessários à supera-
ção da doença, expressão de uma crise de determinado modo de viver. Utiliza princi-
palmente o instrumental teórico da psicologia junguiana e da educação popular.
2. Intuição, emoção e sensibilidade no trabalho em saúde.
O trabalho em saúde enfrenta problemas complexos, carregados de múltiplas
dimensões, em que o conhecimento científico da biomedicina tem respostas apenas para
alguns aspectos. A descrição de uma situação clínica usual nos serviços de saúde pode
ajudar a evidenciar isto com mais clareza. Trata-se do caso de Pedrinho, que está numa
crise persistente e grave de asma. Mas ele é muito mais do que este diagnóstico médico
que o classifica. É filho de dona Marta, recém separada do marido e muito deprimida. A
doença do filho reacendeu o ressentimento pelo abandono do marido. Ela está extrema-
mente dispersa e inquieta, dificultando a organização dos cuidados do filho. A agitação
da mãe está deixando o filho ainda mais angustiado e inseguro. Sua irritação criou gran-
de conflito com os avós paternos de Pedrinho que moram próximos e poderiam ser im-
portantes suportes em seu cuidado neste momento, uma vez que dona Marta trabalha
fora de casa, em horário integral, e não pode acompanhar o filho durante o dia. Estudos
estatísticos bem feitos e precisos podem ajudar o profissional de saúde a analisar o sig-
nificado dos exames laboratoriais, a escolher os medicamentos para o Pedrinho e a iden-
tificar os fatores físicos presentes no ambiente doméstico mais prováveis de terem de-
sencadeado a crise. Mas o restante da abordagem desta situação (a intervenção na famí-
lia, o tipo de apoio à dona Marta e ao Pedrinho, a forma de buscar a mudança no ambi-
ente doméstico para evitar novas crises, etc) não conta com orientações técnicas bem
definidas orientadas pelas ciências médicas. Dependerá da capacidade de escuta dos
4
sentimentos presentes, de uma discussão conjunta das possibilidades de organização do
cuidado, da enunciação de palavras que acalmem e orientem, além do envolvimento da
participação de outros profissionais, como a agente comunitária de saúde daquela rua. A
consideração do tipo de cuidado doméstico que se conseguirá, após este diálogo, será
importante, inclusive, para redefinir os medicamentos a serem prescritos, de forma a se
adequarem aos horários disponíveis dos cuidadores e à disponibilidade de gastos finan-
ceiros. Estas condutas profissionais não encontram suporte claro e preciso nos grandes
livros técnicos da biomedicina. E há, no serviço de saúde, uma fila de outras pessoas
esperando serem atendidas, obrigando o profissional de saúde a ter pressa e impedindo a
construção de um raciocínio lógico e cuidadoso sobre a abordagem do caso. Assim, nas
condições usuais de funcionamento dos serviços de saúde, grande parte do comporta-
mento profissional é intuitivo, ou seja, é orientado pela capacidade de perceber, discer-
nir ou pressentir coisas, independentemente de raciocínio ou de análise. (INSTITUTO
ANTÔNIO HOUAISS, 2001, p.1640) O que orienta a intuição dos profissionais de saú-
de? Que espaços de formação têm se dedicado à discussão e elaboração destas condutas
não definidas claramente pela ciência biomédica?
Ciências como a antropologia, a sociologia, a educação e a psicologia têm muito
o que contribuir no esclarecimento das situações complexas em que os problemas de
saúde se situam. Suas utilizações no setor saúde, apesar de serem tradicionalmente mar-
cadas por muitas resistências, vêm sendo expandidas. Mas mesmo estas ciências huma-
nas vêm passando por uma crise em que seus limites têm sido ressaltados. Um exemplo
significativo é o da educação em saúde, que é o campo de prática e conhecimento do
setor saúde que se tem ocupado mais diretamente com a criação de vínculos entre a ação
médica e o pensar e fazer cotidiano da população. Na tradição teórica da educação em
saúde, e mesmo da educação popular em saúde, a intervenção pedagógica e os aconte-
cimentos sociais tendem a ser analisados, valorizando aspectos relativos às trocas de
saber, à incorporação de conhecimentos e ao jogo de poder presente nas relações estabe-
lecidas. Ao deparar com a teia de significados simbólicos presente nos comportamentos,
sentimentos, reações, rituais e discursos do dia-a-dia da população, o educador em saú-
de tende a interpretá-los para orientar um agir centrado no conhecimento. Nessa pers-
pectiva, os símbolos e rituais utilizados pelo educador valem enquanto transmitem de-
terminado conhecimento ou visão da realidade. Mas vem ficando cada vez mais eviden-
te como que, na reorientação dos cuidados de saúde, a presença, o olhar e o afeto dos
5
agentes de saúde são muito mais importantes do que a dimensão racional e lógica da
palavra. A palavra parece repercutir muito mais quando expressa sentimentos e valores
do que como elemento de transmissão de conhecimentos. A ampla expansão da rede
escolar e dos meios de comunicação de massa nas últimas décadas fez superar a situa-
ção anterior em que a maioria da população não tinha acesso a informações básicas de
saúde, fazendo com que a difusão de alguns conhecimentos tivesse grande impacto nas
condições de saúde. Hoje, a carência de informações técnicas tornou-se relativamente
menos importante, tornando mais significativas as práticas educativas que lidam com as
motivações e os sentimentos envolvidos nos problemas de saúde. Mas neste campo de
intervenção, as ciências humanas avançaram pouco para contribuir de forma mais preci-
sa.
A crise de vida trazida pela doença significativa fragiliza o paciente e sua famí-
lia, podendo quebrar as barreiras que protegem sua intimidade mais profunda, princi-
palmente em relação às pessoas que lhe estão cuidando. A intimidade desarrumada, po-
voada de precariedades, é então exposta como nunca. Na vida agitada e competitiva da
modernidade, a doença importante é uma das poucas situações que justifica e obriga a
um repouso e a um isolamento prolongado. Nesta situação de silêncio, dor, dependência
do cuidado de outros e encontro com a possibilidade de morte, sentimentos fortes de
raiva, inveja, ressentimento, auto-piedade, vulnerabilidade, medo, desespero, bem como
fantasias e desejos confusos são evocados e parecem tomar a mente por períodos pro-
longados. Estas vivências emocionadas e dolorosas criam um estado de sensibilidade
em que gestos pequenos dos cuidadores passam a ter um significado profundo. É um
momento de intensa elaboração mental com questionamento dos valores que vinham
norteando a sua vida. Neste sentido, o profissional de saúde, na medida em que trabalha
com os momentos de crise mais intensa das pessoas, tem acesso e é envolvido num tur-
bilhão nebuloso de sentimentos e pensamentos, em que elementos inconscientes da sub-
jetividade se tornam poderosos. Pode-se dizer, em uma linguagem figurada, que o pro-
fissional de saúde, como poucos outros profissionais, se envolve com o “olho do fura-
cão” da vida humana. Lida com situações de crise que podem levar a uma desorganiza-
ção ainda maior da vida do paciente pela prisão às redes de mágoas, ressentimentos,
perda da energia vital, confusão e destruição dos laços afetivos. Ou levar a uma reorga-
nização da existência em direção a uma vida plena e saudável.
6
Jung (1994, p.123) afirmava: o médico só age onde é tocado. Só o ferido cura.
Ou seja, quando o paciente perturba o profissional de saúde para além de sua mente
consciente, mobilizando emoções e insights (compreensão de um problema pela súbita
captação mental dos elementos adequados à sua solução) vindos do seu inconsciente,
são despertados saberes, emoções e gestos com uma poderosa capacidade de esclareci-
mento e com grande potencial terapêutico. O profissional de saúde que tem uma másca-
ra (couraça para tornar sua alma insensível e, assim, não ameaçada, pela realidade emo-
cional do paciente) tem pouca eficácia na transformação subjetiva de seu paciente.
Se as ações espontâneas, intuitivas e emocionadas já fazem parte da rotina dos
serviços de saúde e podem ter um impacto positivo na implementação do cuidado em
saúde, a solução passaria então por um incentivo à sua expansão? A análise deste tipo
de ação espontânea dos profissionais de saúde mostra, no entanto, como em muitas situ-
ações ela tem gerado efeitos extremamente perversos. É freqüente a referência pela po-
pulação de casos de grosseria de que foram vítimas nestes acessos de espontaneidade
dos profissionais de saúde. Grosserias, preconceitos, agressões físicas, humilhações,
afirmações deturpadoras da realidade, medidas terapêuticas intempestivas e erradas têm
causado medo em relação à utilização dos serviços de saúde. A agressividade pode ter
efeitos muito destrutivos, principalmente para as pessoas mais fragilizadas. Fecha canais
de relacionamento, impedindo o desenvolvimento institucional e a construção coletiva
de ações mais complexas.
O matemático, físico e filósofo francês, Blaise Pascal, já no século XVII, enfati-
zava a necessidade de se valorizar o desenvolvimento do espírito de fineza (esprit de
finesse), cultivando uma atitude de sensibilidade aos outros e à natureza e de valoriza-
ção da intuição, de forma a alimentar a ternura e o cuidado. Contrapunha-o à tendência,
que já percebia forte em seu tempo, de predomínio do esprit de géometrie que prioriza o
cálculo, a análise racional, o interesse e a vontade de poder.(BOFF, 1996, p.146) Mas
como desenvolver este espírito de fineza, esta capacidade de perceber as dimensões
sutis da realidade de saúde e doença?
3. Espiritualidade e educação popular A Educação Popular, desde a sua origem nos meados do século XX, esteve mui-
to ligada ao campo religioso, seja pela origem cristã de muitos de seus pioneiros, seja
7
pela estreita ligação de suas práticas com as pastorais, principalmente da Igreja Católica,
após o Golpe Militar de 1964. A partir dos anos 70, as igrejas cristãs, que conseguiram
resistir à repressão política da ditadura, se tornaram espaços privilegiados de apoio às
iniciativas de Educação Popular e, conseqüentemente, de delineamento de suas caracte-
rísticas. No entanto, a produção acadêmica sobre Educação Popular, refletindo o dua-
lismo da ciência que divide o mundo em dois (o empírico e o espiritual ou, no dizer de
Descartes, a natureza, de um lado, e a graça em teologia do outro (DUROZOI;
ROUSSEL, 1996, p.141)), tendeu a ver a associação com o religioso como circunstanci-
al. A religiosidade presente na maioria das práticas de Educação Popular seria apenas a
linguagem de expressão possível, naquela cultura e naquele contexto político repressivo.
A religiosidade presente em autores, como Paulo Freire, também foi percebida como
peculiaridade de suas personalidades não aplicáveis à estrutura do pensamento e prática
pedagógica da Educação Popular.
Não se quer, com isto, afirmar o caráter religioso da Educação Popular, mas,
sim, que a forte presença da dimensão religiosa em suas práticas e na formulação de
alguns dos pioneiros de sua sistematização teórica indica uma característica epistemoló-
gica de suas práticas que grande parte da reflexão sociológica e pedagógica não conse-
guiu captar. Se entendemos a religiosidade como a forma mais utilizada pela população
para expressar e elaborar a integração das dimensões racional, emocional, sensitiva e
intuitiva ou a articulação das dimensões conscientes e inconscientes de sua subjetivida-
de e de seu imaginário coletivo, esta sua forte presença significa um avanço em seu mé-
todo de perceber e tratar as interações entre educador e educando em relação ao pensa-
mento sociológico e pedagógico, ainda preso ao paradigma modernista que continuava
dominante no final do século XX. Significa que a centralidade do diálogo, no método da
Educação Popular, não se referia, nas suas práticas pedagógicas, apenas à dimensão do
conhecimento e dos afetos e sensações conscientes, mas também às dimensões simbóli-
cas do inconsciente presentes nas relações sociais. Nas práticas de Educação Popular
conduzidas numa linguagem religiosa, dimensões inconscientes participam explicita-
mente de forma central dos diálogos que se estabelecem, através das metáforas da histó-
rias míticas e dos símbolos da liturgia. Assim, o questionamento maior do saber popu-
lar, tão valorizado nas práticas de Educação Popular, ao pensamento moderno não está
nos conhecimentos inusitados e surpreendentes que expressa sobre as estratégias da
população adaptar-se à realidade onde vive, mas na sua maneira de estruturar o conhe-
cimento de uma forma que integra dimensões racionais, intuitivas e emocionais. Seu
8
maior ensinamento para os profissionais de formação científica, que com ele interagem,
é epistêmico, ou seja, questiona o paradigma ou o modelo geral como o pensamento tem
sido processado na produção e estruturação do conhecimento considerado válido pela
sociedade moderna. Ele não está submetido à ditadura do saber aprendido consciente-
mente e logicamente estruturado. Inclui e se articula com o saber que brota do corpo e
que utiliza estados de inebriamento e excitação para se estruturar. Isto não foi captado
pela maior parte da reflexão teórica sobre Educação Popular que se construiu.
O sociólogo chileno Cristian Parker afirma (VALLA, 2001) que o processo de
modernização industrial, comandada pela lógica da ciência e da racionalidade técnica
nos Estados Unidos e na Europa Ocidental, resultou no que se pode chamar de um con-
forto mínimo para a maioria da população destas regiões do mundo. O relativo sucesso
deste processo de modernização gerou o fenômeno da secularização, afastando o imagi-
nário social da forma religiosa de organizar a subjetividade. Nestes locais, o discurso da
modernidade foi incorporado fortemente até mesmo entre as classes populares. Já o pro-
cesso de modernização na América Latina não teve um efeito claramente positivo para a
maioria da população. Pelo contrário, aumentou enormemente a desigualdade e a per-
cepção de subalternidade. Por esta razão o processo de substituição da mentalidade reli-
giosa por uma visão centrada na razão e na lógica científica foi muito menor. Apesar
das intensas mudanças econômicas e sociais em países como o Brasil, a população con-
tinua com uma visão religiosa muito profunda. Para ele e outros pesquisadores, a religi-
ão popular é uma das características mais importantes da cultura das classes populares
latino-americanas. Ela é a forma particular e espontânea de expressar os caminhos que
as classes populares escolhem para enfrentar suas dificuldades no cotidiano. A religião
popular é um saber e uma linguagem de elaboração e expressão da dinâmica subjetiva,
parte da cultura popular, em que a população se baseia para buscar o sentido de sua vi-
da. Cria uma identidade mais coesa entre os grupos sociais, ajuda a enfrentar as ameaças
e a ganhar novas energias para encarar a luta pela sobrevivência e pela alegria. Assim, a
questão religiosa das classes populares não pode ser vista como uma questão tradicional
e arcaica. O importante não seria constatar a importância da religião para as classes po-
pulares, mas a sua dinâmica de transformação, que a faz uma resposta atualizada e re-
novada às intensas transformações sociais que estão acontecendo. É um instrumento de
protesto à lógica da modernidade que ampliou a desigualdade e a injustiça. Uma estra-
tégia de sobrevivência, em que a busca do sobrenatural tem a ver com a solução de pro-
blemas imediatos e cruciais e não com o investimento na vida após a morte.
9
Muitas das resistências dos intelectuais progressistas em valorizar a dimensão
religiosa da população se devem à percepção de tratar-se de um campo marcado pela
dominação de uma hierarquia religiosa que tem se mostrado historicamente bastante
autoritária e dogmática, bem como vinculada freqüentemente ao poder político e eco-
nômico. Mas a importância da religiosidade na vida da população parece se dar não por
uma identificação com estas hierarquias religiosas, mas pelo papel que ela assume na
sua vida cotidiana. E há grandes diferenças entre a religiosidade popular e aquela difun-
dida oficialmente. A religiosidade popular, como toda prática humana, é povoada de
contradições e ambigüidades, de conformismo e resistência. A superação de suas di-
mensões negativas é um desafio a uma Educação Popular que a problematize. Mas, para
isto, é preciso que se entenda a complexidade simbólica de suas práticas.
Neste sentido, a ênfase no conceito de espiritualidade, ao invés de religiosidade,
pode ajudar a desbloquear resistências, uma vez que se refere a práticas não necessaria-
mente ligadas às religiões. É um conceito que ressalta principalmente a dinâmica de
aproximação com o eu profundo que não corresponde necessariamente aos caminhos
padronizados difundidos pelas hierarquias religiosas tradicionais.
Desde 1974, estou envolvido com o movimento da Educação Popular no Brasil.
Algumas destas reflexões começaram a ser feitas por mim, a partir de uma conversa, em
1981, com o padre Celestino Grilo, que trabalhava comigo na pastoral dos direitos hu-
manos, no interior da Paraíba. Ele afirmava que muitos intelectuais colaboradores das
iniciativas educacionais da Diocese de Guarabira desvalorizavam a religiosidade pre-
sente nos grupos. Aceitavam-na apenas como estratégia de inserção no meio popular,
pois a Igreja era ali a única instituição que dava suporte ao trabalho educativo junto às
classes populares daquela região rural. Recorriam à linguagem religiosa de forma utili-
tarista apenas para terem acesso à população e serem ouvidos. Sonhavam com o dia em
que poderiam assumir a problematização das questões sociais de forma direta, objetiva e
racional, sem ter que recorrer aos “volteios” da religiosidade. Ele notava, no entanto,
que quando estes intelectuais organizavam iniciativas educativas, discutindo os proble-
mas da população sem deixar espaço para ritos, comemorações, orações e dinâmicas
reflexivas feitas de forma afetiva, os trabalhos não prosperavam.
Na luta pela cidadania, é usual utilizar a expressão tomada de consciência, refe-
rindo-se à apropriação da capacidade da consciência de conhecer os direitos e deveres
que todos devem ter, principalmente por parte daqueles que não têm acesso a estes di-
reitos. Esta conscientização sobre os direitos e os caminhos de luta para conquistá-los
10
no jogo político é, de fato, fundamental. Mas Rolnik (1992) chama a atenção para sua
insuficiência a partir de observação da realidade dos países mais avançados da Europa,
onde há um sólido reconhecimento social dos direitos de cada cidadão que se traduz
num grande respeito ao outro e, ao mesmo tempo, um distanciamento entre as pessoas,
no que ela denominou de uma anestesia à interação afetiva, que se expressa por um co-
tidiano de solidão, apatia e sensação difusa de rejeição social. Há, então, um máximo
reconhecimento do outro em sua condição de cidadania e um mínimo acolhimento do
outro em sua totalidade. Na medida em que o inconsciente é o modo de apreensão e
elaboração das dimensões invisíveis e misteriosas do ser humano integral, na construção
de uma sociedade solidária, justa e saudável seria então também importante a tomada
da inconsciência, no sentido do cultivo na sociedade da capacidade de acolhimento
afetivo e espiritual ao outro pelo aprendizado subjetivo da habilidade de lidar com as
transformações e perturbações interiores que este encontro com a subjetividade profun-
da, de quem é diferente, desencadeia, em uma sociedade de massa em que as pessoas
estão continuamente se cruzando. A valorização da tomada da inconsciência, integrada
à tomada de consciência, aponta para um imaginário ético que vai além da luta pelo
respeito aos direitos formais de todos. Orienta-se por uma ética que inclui também uma
situação social de amplo acolhimento de cada cidadão em sua inteireza e, portanto, de
extrema abertura ao processo de recriação subjetiva e de novos modos de existência.
Uma sociedade que, além da justiça e direitos sociais reconhecidos, seja marcada pela
intensa interação amorosa. Onde a abertura e entrega à processualidade da vida e às suas
criativas e surpreendentes conseqüências sejam o valor maior.
O acréscimo da valorização da tomada da inconsciência à já bastante ressaltada
tomada de consciência significa a incorporação do aprendizado de que, mais que respei-
tar o outro, é importante abrir-se ao outro, dispondo-se a viver a experiência de desape-
go aos arranjos subjetivos estabelecidos e consolidados em cada um, aceitando a im-
permanência da vida de forma mais radical.
Assim, pode-se dizer que uma Educação Popular restrita aos aspectos conscien-
tes do problema humano é insuficiente porque não aborda as dimensões intuitiva, senso-
rial e emocional de forma integrada à razão. Na América Latina, as relações sociais no
meio das classes populares não são marcadas por este distanciamento afetivo, pois elas
não estão tão subjugadas ao modo racionalista e utilitarista de manejo da subjetividade
trazida pela modernidade. O processo de tomada da inconsciência está muito mais pre-
cário entre os intelectuais e técnicos educadores que, com seu poder, têm grande capa-
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cidade de moldar as relações educativas em que participam. As suas práticas pedagógi-
cas, que impõem abordagens restritas aos aspectos conscientes do problema humano,
acabam tolhendo a entrada na cena educativa desta vivacidade intuitiva presente no po-
pular. Acabam esvaziadas, como notava o padre Celestino Grilo, já em 1981.
A espiritualidade é um instrumento importante para a formação de sujeitos capa-
zes de trabalhar pedagogicamente o problema humano em sua inteireza, levando tanto a
uma tomada de consciência como a uma tomada da inconsciência. Esta Educação Popu-
lar mais integral é fundamental para as classes populares que, se ainda estão bastante
conectadas com as dimensões da intuição, da emoção e da percepção sensorial na vida
humana, carecem de maior integração com a dimensão da objetividade racional. Ela é
também fundamental para os agentes eruditos envolvidos nas práticas educativas que
podem aprender muito com a população sobre a valorização da intuição, sentidos e e-
moções no enfrentamento da vida. Talvez seja este o significado mais profundo da afir-
mação de Paulo Freire de que, na relação entre educador e educando, o aprendizado
acontece nos dois sentidos. Nesta perspectiva, o aprendizado nos dois sentidos se refere
também ao intercâmbio de emoções que resultam em transformações subjetivas profun-
das e imprevisíveis pela lógica racional. O aprendizado mais importante entre os técni-
cos e a população não é o de conhecimentos, mas aquele que se estabelece no diálogo
entre os diferentes modos de processamento do ato de conhecer e de dar sentido à exis-
tência.
4. Uma educação em saúde para além da consciência. No trabalho em saúde, a necessidade deste diálogo mais profundo é enorme. Os
doentes e os grupos submetidos a situações de risco e sofrimento tendem estar muito
conectados com as dimensões inconscientes da existência. Costumam estar passando
por um intenso processo de tomada da inconsciência. Em conseqüência, estão muito
carentes de orientações objetivas que não os deixem se perder nas tempestades emocio-
nais interiores. O profissional, aberto para importância destas dimensões inconscientes
do existir, pode usufruir do aprendizado que torna o trabalho em saúde tão fascinante e
humanizador: o contato com a intensa vitalidade e o formidável dinamismo de proces-
samento de sentidos e estratégias presentes na interioridade profunda do ser humano.
Para isto, precisa se aproximar dos doentes não apenas como conselheiro, mas também
como aprendiz. A experiência do outro, exposta e desnudada tão radicalmente pela cri-
se, questiona e mobiliza. O desamparo do paciente fala dos desamparos interiores do
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próprio profissional, ajudando a evidenciá-los e, posteriormente, a entendê-los. Os mis-
térios do outro evocam a percepção dos próprios mistérios. O trabalho em saúde expõe
o profissional a um fluxo de perturbações que exige uma grande capacidade de elabora-
ção. A espiritualidade prepara para esta exposição e elaboração, evitando que as pertur-
bações resultem em fechamentos e criação de mecanismos de defesa capazes de impedir
novas relações profundas. Ao mesmo tempo, o trabalho em saúde pode ser um instru-
mento de fortalecimento da espiritualidade.
Nesta perspectiva de valorização dos aprendizados não intencionais, é importan-
te ressaltar que os doentes e grupos em situação de risco e sofrimento ensinam não só
aos profissionais, mas a toda comunidade. A doença é uma crise que manifesta as con-
seqüências de um determinado modo de viver individual ou da sociedade. A simples
convivência com o doente gera reflexões e reações, principalmente se o profissional de
saúde souber ajudar na compreensão mais clara dos fatores envolvidos na sua gênese e
enfrentamento. O sofrimento trazido pela doença pode mobilizar poderosas energias
coletivas de transformação, possibilitando rupturas e a implementação de iniciativas
custosas e difíceis que muitas vezes vinham sendo adiadas, apesar de se saber a sua
conveniência. Elas poderão ser ampliadas se o profissional de saúde reforçar os senti-
mentos solidários e contribuir na articulação de iniciativas já presentes de forma espar-
sa. A crise trazida por um problema de saúde importante desinstala o grupo social de
comodismos e rotinas estabelecidas, abrindo o campo para transformações. A presença
e participação de “doutores”, mais do que os conhecimentos que transmitem, têm uma
grande força simbólica para a população, dando visibilidade a vontades e reforçando
iniciativas consideradas secundárias. Assim, a experiência do enfrentamento de um pro-
blema específico de saúde pode contribuir para a formação de atores sociais ativos e de
uma sociedade mais participativa e solidária.
Os doentes ensinam às pessoas a serem realistas, lembrando, para uma sociedade
que vive das aparências e de costas para o sofrimento e para a morte, que o ser humano
é limitado, frágil e mortal. Mesmo com todos os recursos tecnológicos e materiais de-
senvolvidos pela modernidade, todos vão morrer por meio de doenças e com algum so-
frimento. O consumo individualista de todo o aparato de medicamentos, técnicas tera-
pêuticas e cuidados de saúde não afasta o ser humano do enfrentamento do problema
existencial que tem angustiado a humanidade desde os seus primórdios: o confronto
com o sofrimento e a morte. Este velho confronto continua atual, apesar de todo esforço
para escamoteá-lo. Os doentes ensinam, assim, que saúde é também uma adaptação e-
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quilibrada e habilidosa ao sofrimento, deficiência, doença, envelhecimento e morte que
atingem a vida de todos. A convivência com a morte e a aceitação das precariedades
físicas, psicológicas e morais que cada um carrega abre a pessoa para o outro, forman-
do-o para a solidariedade, na medida em que quebra a ilusão, difundida pelo individua-
lismo do capitalismo, da pretensão de uma vida autônoma e fechada nos próprios inte-
resses. Fica evidente que não se pode sobreviver com saúde sem uma intensa relação
solidária com os outros. Assim, a doença, na medida em que pode fortalecer a interação
solidária e a amorosidade, contribui para a saúde da sociedade.
Doentes que, com garra e sabedoria, mantêm a ternura, a generosidade, a capa-
cidade de apoiar as pessoas e até a alegria, ensinam que o bom funcionamento físico do
corpo, embora importante, não é o valor mais fundamental. Ao conseguirem manter
uma vida cheia de trocas afetivas e ações solidárias, ajudam a relativizar valores e pa-
drões da sociedade atual: a eficiência a qualquer custo, a competitividade e a ambição
por dinheiro, poder e sucesso. Demonstram socialmente a existência no ser humano de
forças interiores capazes de suplantar as mais duras adversidades. Ao receberem com
gratidão o apoio de familiares e amigos, criam oportunidades para as pessoas treinarem
e ampliarem sua capacidade amorosa.
Todos estes aprendizados e ensinamentos na relação entre profissionais de saú-
de, doentes, grupos submetidos a situações de risco e a sociedade podem ser ampliados
e difundidos com a contribuição de educadores capazes de compreendê-los, explicitá-
los e criar espaços de diálogo profundo onde as dimensões racional, emocional, intuitiva
e sensorial possam ser compartilhadas e elaboradas. Na linguagem poética de Rolnik
(1993), as palavras e gestos nascidos desta elaboração mais profunda são sementes car-
regadas de densa força de proliferação capazes de germinarem e alastrarem, de forma
surpreendente, na subjetividade das pessoas envolvidas. São palavras e gestos que atu-
am não apenas no nível da consciência, mas também em estruturas mentais inconscien-
tes com grande repercussão subjetiva. O que vem do inconsciente atinge mais incisiva-
mente o inconsciente do interlocutor. A surpresa de muitos com o poder das iniciativas
que surgem desta conexão com o eu profundo faz com que freqüentemente sejam refe-
ridas como milagrosas. O entusiasmo com as transformações que desencadeiam torna
freqüente afirmações cheias de convicção do tipo: a fé remove montanhas.
Desse diálogo, denso de dimensões não facilmente reconhecidas pela razão, e-
mergem não apenas transformações subjetivas e reorganizações familiares, mas também
iniciativas políticas e novas formas de organização social que ajudam a criar uma socie-
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dade mais justa, fraterna e amorosa. Uma sociedade mais saudável. A importância do
que usualmente se denomina de força carismática de lideranças políticas na mobilização
de iniciativas coletivas está correlacionada à capacidade de conectarem as suas atitudes
com dimensões profundas da subjetividade, o que pode ser ilustrado por exemplos re-
centes, como Gandhi, Martin Luther King, Dalai Lama e Betinho.
A superação do dualismo entre racionalidade objetiva, de um lado, e a emoção, a
intuição e a valorização da capacidade de percepção sensorial, de outro, vem sendo fre-
qüentemente evocada em muitos discursos dos profissionais do campo da saúde e da
educação. Mas não basta querer integrar. Seus caminhos são difíceis. Essa separação
que, desde os gregos da Antiguidade, foi se consolidando no pensamento ocidental, tem
justificativas legítimas. A emoção freqüentemente obscurece a razão. Nesse sentido, a
integração, que agora se busca, não é um simples retorno a formas antigas de organiza-
ção do pensamento e fazer humano, mas uma nova forma de articulação entre essas di-
mensões, que incorpore o surpreendente avanço da racionalidade conquistado pela mo-
dernidade.
Para isso, os profissionais do campo da saúde e da educação necessitam enfatizar
uma dimensão de sua formação que foi desvalorizada na academia, buscando um apren-
dizado que acontecerá, em grande parte, através da jornada de autoconhecimento nos
porões da interioridade. Uma jornada longa, cheia de encruzilhadas, armadilhas e possi-
bilidades, necessitando, por isso, de apoio e orientação através de grupos de reflexão,
alguns tipos de psicoterapia, envolvimento em atividades artísticas, leituras, criação
sistemática de espaços de recolhimento e do contato com a experiência acumulada por
séculos nas tradições espirituais da humanidade. Uma jornada difícil, mas também sim-
ples, pois não depende tanto do aprendizado de saberes rebuscados e, sim, da abertura a
capacidades, motivações, imagens e estruturas de pensamento que já habitam a parte
pouco conhecida da mente humana, herdadas geneticamente, e da cultura. Ao invés de
aprendizados sofisticados, exige mais é o reconhecimento e o afastamento de muitas
atitudes de vida e expectativas aprendidas e incutidas, no complexo processo de forma-
ção técnica, que preenchem a mente do profissional com um turbilhão de exigências,
tomando o espaço e a energia para o encontro com suas motivações mais profundas e
para a percepção atenta de sinais sutis emanados da realidade próxima. Exige mais si-
lêncio do que estudos e treinamentos. É preciso não se perturbar tanto com as ansiosas
exigências de eficácia e consumo da sociedade moderna por acreditar na potência de
sabedoria e transformação presente na transcendência que habita a alma humana quando
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se cria, com tranqüilidade, condições para sua manifestação ampliada. Esse é o sentido
último da palavra fé, tão ressaltada nas várias tradições religiosas: ter coragem de deixar
o caminho que parece ser o mais evidente e lógico para se chegar ao sucesso e dedicar
ao caminho pouco claro (por não ser plenamente compreendido pela razão) da espiritua-
lidade. É por isto que a metáfora religiosa insiste: a fé é cega. Esse caminho leva à sim-
plicidade e ao desapego da pretensão de ostentação, pois relativiza a importância de
tantos bens materiais e culturais anunciados como imperdíveis.
Nessa perspectiva, o saber da Educação Popular, ampliado com o instrumental
da psicologia junguiana, das tradições espirituais e das ciências da religião, pode ajudar
a resgatar, de uma forma mais elaborada e renovada, a milenar tradição de associação
do trabalho em saúde com a espiritualidade, incorporando a dimensão de emancipação
política, antes pouco enfatizada. Uma integração de saberes que muito contribuirá na
incorporação de dimensões não cognitivas nas práticas educativas de uma forma explí-
cita e assumida.
Durante toda a modernidade, sempre existiram profissionais de saúde que, ape-
sar de formados dentro de uma racionalidade instrumental centrada na ação sobre o cor-
po biológico, souberam encontrar seus caminhos para uma ação ampliada sobre a dinâ-
mica de luta pela vida diante das doenças. Educaram-se nas situações mais imprevistas
em que a pulsação da vida diante da crise do viver se manifestou de forma tão intensa a
ponto de romper com as viseiras de seu olhar treinado. O trabalho em saúde, como pou-
cos, cria essas oportunidades. Foram profissionais muito respeitados em seu tempo e em
sua comunidade e, muitas vezes, considerados heróis pela sociedade de seu tempo. Al-
guns, anônimos, foram heróis apenas para pacientes e familiares por eles atendidos.
Outros foram enaltecidos em filmes, romances, poesias e na imprensa. Mas essa litera-
tura não faz parte das referências bibliográficas legitimadas das disciplinas nas escolas
de formação profissional em saúde. Nesses locais, se clama continuamente pela huma-
nização do trabalho em saúde, sem discutir seus caminhos, nem criar oportunidades de
treinamento das habilidades necessárias. Apenas alguns professores, nos intervalos das
disciplinas centradas na pesada carga de conhecimento técnico exigida, lançam refle-
xões esporádicas. Não basta termos alguns heróis anônimos ou reconhecidos. Basta o
tempo em que esse tipo de postura diante dos problemas de saúde seja considerada uma
prática alternativa. Algo enaltecido e admirado, até por ser raro. Basta o tempo em que
essa busca é apenas o desafio de alguns. É preciso que esse tipo de preocupação se des-
dobrem, em estudos bem estruturados que desvende de forma mais clara os caminhos da
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intervenção profunda sobre os problemas de saúde. E que esses estudos encontrem es-
paços planejados e amplos na formação de todos os profissionais de saúde.
Referências BOFF, L. Ecologia - mundialização – espiritualidade: a emergência de um novo paradigma. 2. ed. São Paulo: Ática, 1996. DUROZOI, G.; ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. 2. ed. Campinas: Papirus, 1996. 511p. FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 6.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. IBÁNEZ, N.; MARSIGLIA, R. Medicina e Saúde: um enfoque histórico. In: CANESQUI, Ana Maria (Org.). Ciências sociais e saúde para o ensino médico. São Paulo: Hucitec, 2000. p.49-74. INSTITUTO ANTÔNIO HOUAISS. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. JUNG, C.G. Memórias, sonhos e reflexões. 16. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1994. ROLNIK, S. Cidadania e alteridade. In: ______. A sombra das cidades. São Paulo: Escuta, 1992. ROLNIK, S. Pensamento, corpo e devir: uma perspectiva ético/estético/política no trabalho acadêmico. In: Cadernos de Subjetividade. São Paulo: PUC-SP, 1993. p. 241-251. VALLA, V. V. O que a saúde tem a ver com a religião. In: VALLA, Victor Vincent (Org..) Religião e cultura popular. Rio de Janeiro: DP&A, 2001. p.113-139. Submissão: agosto de 2004 Aprovação: setembro de 2004
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Educação Popular e Saúde : elogio à comunidade
Popular Education and Health : a Eulogy to the Community
Lúcia Ozório, Psicóloga, socioanalista, professora, pesquisadora UERJ-FAPERJ, Endereço: Avenida Edson Passos, nº 400 apto 403. Alto da Boa Vista, Rio de Janeiro. CEP 20351-070 E-mail: [email protected] Resumo O artigo traz reflexões sobre as antigas e persistentes atrações que o centralismo exerce sobre as propostas de descentralização na educação em saúde. As idéias de Paulo Freire sobre a importância da experiência como matriz do saber democrático, sobre o ato dialógico como organizador do processo educativo, bem como as contradições que enfrentam ao buscar entender as contradições deste processo, fornecem elementos para as discussões aqui apresentadas. Aporta-se a problemática da comunidade enquanto práxis na educação em saúde. Com base na análise do processo, torna-se visível o que impede que a saúde esteja ao alcance de todos, como também a falta de operacionalidade dos diversos saberes que envolvem a saúde. A comunidade traz a importância do compartilhar experimentações de vida, que explicitam modos de ser, estar e agir, inclusive modos de fazer saúde em comum. A saúde é assim problematizada em termos de atores sociais, e evita possíveis atrelamentos aos modelos biomédicos. O cotidiano nos seus diferentes momentos, assume sua importância na prática social, como lugar de manifestações da comunidade. E os sujeitos, os coletivos em diferentes momentos, podem vir a afirmar sua condição de transitividade, e a realização de um querer comum. Palavras chaves: Educação em Saúde; Processo Saúde-Doença ; Avaliação de Processos (Cuidados de Saúde); Participação Comunitária Abstract This article reflects on the old and persistent attraction that centralism holds over decentralization proposals in the area of health education. The ideas of Paulo Freire about the importance of experience as a matrix of democratic thought, about the act of dialogue as an organizer of the educational process, as well as the contradictions faced in attempting to understand the contradictions of this process all furnish elements for the discussions presented herein. The article also touches on the question of the community as praxis in health education. Based on an analysis of the process, it becomes clear what it is that prevents health from being within everyone’s reach, as well as the lack of operationality of the various fields of knowledge that involve health. The community brings with it the importance of sharing life experiments, that explain ways of being, feeling and acting, including ways to make common health work. Health is thus seen in terms of social actors, and possible binding to biomedical models is avoided. Day-to-day life in its different moments assumes its importance in social practice, as a place for community manifestations. And the subjects, the collective entities in different moments, can affirm their condition of transitivity, and the achievement of a common desire. Key-words: Health Education; Health-disease Process; Process Assessment (Health Care); Community Participation Introdução
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Como aportar a comunidade na produção social, num momento em que há, como diz
Hobsbawm (1997), um uso indiscriminado e vazio do termo comunidade? Aliás sabe-se que
quanto mais pulverização, menos chance da ação em comum. Se este autor nos remete às
vicissitudes da comunidade, no sentido sociológico, ao capitalismo ou a uma modernidade
líquida, como chama Bauman (2001), capitalista que tudo busca subsumir, acho importante
também termos como referência a assertiva de Nancy (2001), quando afirma que comunidade
serve a múltiplos sentidos, mas a apropriação deste sentido só pode acontecer na comunidade e
como comunidade. Neste sentido, comunidade, assim entendemos, é práxis, está sempre em vias
de se constituir. (OZÓRIO, 2004 a, 2004b). Os autores já nos apontam para a presença de
contradições na problemática da comunidade, o que nos leva a questionar a mítica da “boa
comunidade” e nos convida a examiná-la enquanto processualidade. Atualmente, a inflação
semântica do termo comunidade mostra uma tendência a esvaziá-lo de sua abordagem política
pelas ciências do homem. Comunidade é, para nós, um conceito político e, como tal, buscamos
ter acesso à sua complexidade histórica.
Como aportar a comunidade numa proposta de educação em saúde ? A saúde e a educação
têm uma história cheia de autoritarismos referendados por ideologias que tomam idéias e práticas
como seus suportes. A educação em saúde, com alianças que já vêm se constituindo em
movimento, o movimento de educação popular e saúde tem histórias de intervenções nesses
autoritarismos, buscando críticas que possam construir na saúde um pensamento-ação da/na
diversidade, ocupando-se sobremaneira do que chamo a matéria prima da saúde, ou seja, a
imanência e contingência das práticas no campo social. (VALLA e STOTZ, 1994 ; VALLA,
1998; VASCONCELOS, 1998; OZÓRIO, 2004 a ou b) Assim, busca-se um aprofundamento da
problemática da saúde em termos de atores sociais, na qual com-porta a problemática
comunitária. Trata-se de uma temática da ordem da batalha e exige uma entrega, uma implicação
na processualidade comunitária.
Assumo imediatamente minhas implicações enquanto trabalhadora social. A respeito do
conceito de implicação para a análise institucional, Lourau (1997) coloca a questão: nós e o
mundo, mostrando a importância das relações estabelecidas serem analisadas em situação, no
vivido. Falamos em análise institucional de coletivização das análises das nossas implicações,
que podem acontecer através da escritura de um texto, como o faço, bem como nas mais
diferentes situações de vida como o trabalho/pesquisa. Refiro-me, também, a um compromisso
3
afetivo indispensável a quem se ocupa da comunidade na saúde. Enquanto trabalhadora social
que se propõe à com-vivência na diversidade da saúde, lembro que com-portamento quer dizer
aquilo que se porta com, o que supõe alianças imediatas com a cotidianidade do homem.
Quantas vezes acabamos propondo modelos, incentivando cópias, convivendo
tranqüilamente com uma teoria crítica e uma prática adaptacionista, não nos faltando a denúncia,
o que, aliás, não nos diferencia de muitos os quais criticamos.
A comunidade na educação em saúde porta o devir, que tem na diversidade um aliado
importante. Como todo devir, vaga, se movimenta, faz alianças entre diferentes, aqui e ali,
construindo singulares cartografias. O devir, um constante vir a ser, e o controle como forma de
tentar aprisionar o devir desenham as linhas destas cartografias.
Nesse tema, estão explícitas as vozes das margens, das minorias. As maiorias e as minorias
não se definem por números. As minorias são um processo, um devir. A maioria, ao contrário,
funciona por controle contínuo segundo modelos e representações aos quais se deve estar
conforme. Daí gostar de falar, como Deleuze e Guattari (1980), de um devir minoritário que
busca outras formas de expressão, de conteúdo, que não sejam hegemônicos. São outras
evoluções entre heterogêneos com potência de fazer bons encontros. As minorias estão abertas
para as multiplicidades que as percorrem e enfrentam as contradições do processo vivido, mas
tecem suas linhas de fuga, peculiar maneira de inventar novas relações sociais.
Paulo Freire : Educação e Atualidade Brasileira
Nas discussões aqui apresentadas, o SUS - Sistema Único de Saúde - legitimado pela
Constituição de 1988, não é perdido de vista. A previsão da participação popular em saúde já é
proposta no relatório da VIII Conferência Nacional de Saúde, que serviu de subsídio à
elaboração do SUS, que dizia:
“A saúde define-se no contexto histórico de determinada sociedade (…) devendo ser
conquistada pela população em suas lutas quotidianas.” . ( MINAYO, 1986).
Valla (1998) diz que a discussão mais sistemática sobre participação popular em saúde no
Brasil remonta aos idos de 1930. O autor lembra que o termo participação popular na América
Latina tem um significado peculiar: ele vem funcionando como controle de grupos conservadores
4
e até mesmo de certos grupos de intelectuais que acham que têm que apontar “o caminho
‘correto’ para as classes populares”. (VALLA,1998, p.8). São grupos que querem determinar
suas concepções para a sociedade brasileira.
Vasconcelos (1998, p.45), que faz parte do movimento de educação popular e saúde,
trabalha com a idéia de educação em saúde como “... estratégia de intervenção...” e colabora na
compreensão da relação trabalhador social e classes populares, sujeita a identificações, as mais
sutis, com propostas impositivas, cuja análise crítica pode instaurar pensamentos-ações na saúde
mais comprometidos com a transformação social. Sobre estas implicações dos trabalhadores
sociais com estas propostas, René Lourau (1978) apresenta uma interessante análise crítica do
Estado capitalista, referindo-se ao Estado em nós, já que o reproduzimos através de diferentes
formas de dominação cotidianamente.
Este movimento de educação popular e saúde tem como um de seus fundamentos a
pedagogia libertária de Paulo Freire, que nos faz ficar atentos para os riscos reguladores
presentes em qualquer situação pedagógica.
O livro Educação e Atualidade Brasileira, de Paulo Freire, um mestre-aprendiz de tantos
que labutam com a educação em saúde, editado por Cortez e pelo Instituto Paulo Freire, em
2001, contribuirá para as reflexões aqui apresentadas. Este livro de Paulo Reglus Neves Freire é
composto a partir da sua "Tese de Concurso para a Cadeira de História e Filosofia da
Educação na Escola de Belas-Artes de Pernambuco", em 1959. Ao ser publicado, muito tempo
após a morte de seu autor, permite que se acompanhe seu pensamento que segue o ritmo da re-
criação. Trata-se de obra que pode enriquecer as leituras que se têm de suas obras posteriores, à
maneira de um après-coup, não apenas do ponto de vista teórico, em que Freire apresenta muitas
de suas alianças epistemológicas, mas também porque reitera a perspectiva da educação
contextualizada. Os editores levam em conta o princípio freireano de que “não existe um texto
sem contexto”, aproveitando então para incluir no livro artigos de outros autores que tratam da
contextualização do período de produção desta obra, isto é, o fim da década de 1950.
Paulo Freire dá importância singular à experiência, matriz do “... saber democrático"
(FREIRE, 2001,p.15), mostrando que é preciso levar em conta as experiências relacionadas com
a cultura do povo. A experiência ocupa o lugar que ela tem na prática social através da relação
dialógica. O homem "…eminentemente relacional " (FREIRE, 2001, p.10) é um ser transitivo.
Esta compreensão do homem como ser ativo, que faz a afirmação do seu devir, aberto às
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transformações, vai servir de base para a sua pedagogia libertária. Quando critica a verticalidade
e o autoritarismo da educação brasileira, faz parcerias com o pensamento de Anísio Teixeira,
educador que dá importância ao local e ao regional num projeto educativo esquecidos pelo
centralismo na educação brasileira.
Freire critica o assistencialismo, versão autoritária do processo pedagógico. Propõe o
diálogo, buscando que o homem tenha "… uma postura conscientemente crítica diante de seus
problemas e dos da comunidade". A gênese do conceito de consciência transitiva crítica a qual o
homem acede num “...movimento...”, dá o entendimento de educação como processo (FREIRE,
2001, p.116). A gênese deste conceito é transversalizada pela atualidade e realidade brasileira da
época, daí o título do livro. Seu pensamento se enriquece com diferentes experiências que tem com
os operários de Recife e de outros centros brasileiros durante uns dez anos. Nós podemos dizer de
uma gênese social que acompanha a gênese teórica de seus conceitos.
Sua tese trata da problemática da educação brasileira nesta época, transversalizada pelo
peso do autoritarismo, mas também pelos movimentos sociais que buscavam contribuir para a
construção de um saber democrático. Paulo Freire estava à época em Recife, quando Miguel
Arraes, governador, buscava dar força às bases populares, aos movimentos sociais. A pedagogia de
Freire busca a transformação social. Seu conceito de consciência transitiva crítica afirma a
importância da relação dialógica que vai dar um suporte à ação.
Sobre esta problemática da conscientização, há que se ficar atento também aos seus riscos
reguladores. Pensando neste devir comunidade, lembro de Deleuze (1990), quando diz que agora
a imagem de um proletário, a quem bastaria tomar consciência, não a temos mais. Não podemos
deixar de nos dar conta da indignidade de falarmos pelos outros. E Valla (1998) afirma que o
erro de interpretação é nosso, ou seja, dos intelectuais ou classes que se julgam a excelência da
sociedade. Alguns pensadores de esquerda criticaram este trabalho de Paulo Freire, achando-o
marcado por um certo grau de ingenuidade, um certo otimismo democrático. José Eustáquio
Romão, em artigo Contextualização: Paulo Freire e o Pacto Populista, no mesmo livro,
contextualizando a produção de Freire, comenta que esta ingenuidade provinha da contradição
estrutural do pacto populista, em vigor na época.(ROMÃO, 2001) Acho que esta produção de
Paulo Freire atualiza discussões necessárias sobre a presença dos mais diferentes matizes de
poder no processo pedagógico. Dá elementos aos que se interessam pela importância da práxis
em saúde, particularmente aos que se interessam por nosso tema: educação em saúde e
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comunidade. Se há pistas neste livro de Paulo Freire para certos cuidados com os riscos
reguladores no processo de conscientização que propõe, há também, me parece, uma atenção às
contradições que lhe são inerentes. A consciência transitiva crítica, trabalhada por Paulo Freire,
supõe um movimento, um processo que inclui a indispensável leitura crítica da realidade. Propor
aberturas para as vozes populares, para as margens, estabelecer um diálogo existencial através da
palavra é buscar modos de exprimir e elaborar o mundo. Aliás, essa obra marcou o início de uma
obra vasta que traz contribuições para a construção de um processo educativo em ruptura com a
pedagogia hegemônica, e dá ao homem ferramentas para a transformação social.
Paulo Freire admite fragilidades nos seus primeiros escritos. De fato, diz que sua obra passa
por “ ...uma longa e lenta evolução...” (BEISIEGEL, 1989, p.22). Sua análise crítica baseia-se
numa lógica dialética de conhecimento da realidade, na qual a sociedade e suas produções
possuem uma virtualidade contraditória permanente. A análise dialética, como diz Lefebvre
(1947), pressupõe a forma lógica que permite colocar em evidência as contradições de um
processo, desvelando-as. Freire se depara com contradições ao tentar desvelá-las no processo
educativo. Mas, como assinala, seu pensamento se constrói e se nutre de muitos momentos, de
muitos contextos como o processo educativo que busca compreender. E esta obra foi
transversalizada pelo momento por ele vivido durante sua produção. Utilizo aqui momento, no
sentido de Lefebvre (1962), como uma tentativa que quer a realização total de uma possibilidade.
Seu depoimento à Beisiegel (1989) mostra que tem consciência da finitude dos momentos, o que
lhe garantiu a liberdade de criar outros possíveis.
Comunidade e educação em saúde: elogio ao múltiplo
Os mestres-aprendizes, aliados, que contribuem para este texto, vão sendo aqui apresentados.
São aliados que têm interferido na arrogância dos especialismos que querem dissolver o convívio,
a diversidade, contribuindo mais do que pela construção de uma epistemologia comunitária, por
um devir comunitário na saúde. Quando falo de tentar é no sentido montaigneano de experimentar
uma força. (MONTAIGNE, 1981)
A importância da práxis no campo social assume um lugar importante na cena da saúde. Há
que se fazer apostas mais dialéticas na consideração das tensões presentes na sociedade, afirmando
a presença de resistências cotidianas aos sistemas constituídos. É preciso intervir nos dispositivos
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que servem a uma ideologia que visa, se aceitamos a definição marxista de ideologia, a uma
apresentação do real que o inverte, que dissimula suas contradições. (LEFEBVRE, 1977)
Como tratar deste cotidiano numa proposta de educação em saúde, que apresenta, em muitos
momentos, as formas mais sutis de resistência à dominação? É preciso lembrar que muitos atores
sociais que participam neste processo, também considerados mestres-aprendizes da saúde, são os
assim chamados irredutíveis ao sistema capitalista. (LEFEBVRE, 2000)
A educação em saúde precisa considerar uma leitura dialética da realidade na qual podemos
tanto dissociar os aspectos da vida cotidiana portadores de uma falsa evidência em determinado
espaço e tempo, como associar experiências, práticas sociais até então consideradas exteriores ao
processo. (LEFEBVRE, 1947) Na educação em saúde devemos dar ao cotidiano a importância
que tem na prática social. Como espaço-tempo de movimentos criadores, instituintes que buscam o
novo, é também atravessado pelo poder do Estado capitalista que tende, através dos mais variados
dispositivos, a fagocitar as mais embrionárias forças e formas sociais que buscam a mudança.
(LOURAU,1978) Sobre esta presença de Estado capitalista, Milton Santos, em 12/07/2000, numa
conferência na FIOCRUZ, no Seminário Nacional Saúde e Ambiente, criticava o dogmatismo
cartesiano da academia a serviço do que chamava uma universidade de resultados, cujo enfoque
tecnicista direciona as pesquisas para resultados desejados de antemão, tendo um controle suicida,
mas também assassino dos cientistas, e dando prevalência à elaboração de textos, ao poder e ao
mercado. (SANTOS, 2000)
O cotidiano, segundo Lefebvre (1962), é entendido como o lugar de encontros e transições, de
conflitos, de contradições, o que é fundamental para nossas reflexões. Admiti-lo pleno de
contradições e de conflitos faz com que seja compreendido de modo dialético. Como tal, nele se
aponta a reiteração, os dogmas, a busca das verdades impositivas, dos claustros ; mas também as
aberturas, as manifestações, a afirmação da poiesis, das verdades transitórias, aliás, presenças do
diverso numa proposta de educação em saúde.
No dia-a-dia, o homem tem a possibilidade de realizar sua condição, como diz Freire (2001),
de ser transitivo, de ir produzindo análises – ações críticas diante de seus problemas e dos da
comunidade. Lefebvre (1962) considera as relações entre a vida cotidiana e seus momentos. Assim
favorece uma compreensão desta transitividade do homem e deste na história. O momento se
forma no seio da vida cotidiana; desalienando-a em relação à sua trivialidade e em relação a outras
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atividades, o momento, no entanto, devém alienação. Nessa compreensão dialética dos momentos,
o papel do negativo é importante na desalienação, que supõe, no entanto, uma nova alienação, mas
também sua superação pela negação da negação. Nesse processo, os momentos criticam a vida
cotidiana em ato e são criticados por ela ... em certos momentos, os momentos paroxísticos. O
cotidiano não define o momento, mas lhe dá uma forma; forma esta que cria um espaço-tempo
objetivo (socialmente regulado), mas também subjetivo (individual e inter-individual). O momento
inscreve o homem num espaço-tempo, possui uma duração, um limite, uma intensidade, uma
memória, um conteúdo. A teoria do momento abre a perspectiva do devir, da superação; contribui
para o entendimento do conflito, da contradição, da tragédia, da trivialidade e da festa. Se é
tentativa de realização de uma possibilidade, apresenta uma virtualidade que aponta para outras
vias possíveis. No momento há o entusiasmo, como os gregos o entendiam, forma de possessão e
delírio divinos e que pode ser considerado como um comum dos momentos.
Um processo educativo em saúde é transversalizado por momentos que também são
transversalizados pelo contexto no qual acontecem, bem como precisa estar aberto para os
momentos vividos pelos atores sociais que neles aportam suas experiências de vida. Porque um
processo educativo em saúde trata de experimentações de vida, que se singularizam através dos
modos de agir diversos, cotidianos. Falamos então de modos dos atores sociais «fazerem saúde».
Modo, modus operandi, modo de agir : os modos são experimentações de vida na sua
diversidade, explicitam singularidades, implicam ações. São práxis que afirmam uma potência, são
a afirmação do devir. Enquanto modos de agir, com-portam as tensões da processualidade da qual
participam. (OZORIO, 2004a, p.37-40)
Ao se dar visibilidade a diferentes modos de agir dos grupos, dos coletivos, dos sujeitos,
busca-se não só intervir no confinamento da saúde nos modelos biomédicos, como também
favorecer a visibilidade de forças e formas embrionárias, tipo de produção de micro-políticas do
tecido social que provocam os mais diversos agenciamentos e mutações. Busca-se este “quê” de
irredutibilidade dessas forças e formas residuais (do ponto de vista de uma potência constituída no
mundo), na modernidade líquida (BAUMAN, 2001), capitalista que encontram brechas no
cotidiano para fazer acontecer sua “irredutibilidade” ao sistema. Os resíduos do sistema capitalista,
estes irredutíveis, buscam se re-juntar, estabelecer estratégias, provocar alianças para criar
poiéticamente, na práxis “ ...um mundo mais real e mais verdadeiro que o das potências
especializadas” (LEFEBVRE, 2000, p. 31).
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Hussain Agah, filósofo iraquiano, outro aliado, mestre-aprendiz, pode ajudar na compreensão
do tema aqui proposto. Neste sentido, diz que comunidade "… está sempre em vias de se
compreender, de constituir seu conceito, mas que procura, se esforça ao mesmo tempo para
ultrapassar o conceito dado ou fixado já nele mesmo, de seu real e de sua realidade. (...) Isto quer
dizer que comunidade é um processo que não se fixa numa imagem qualquer que se dá a ele. É um
real, privado talvez de sua verdade, segundo uma realidade abstrata que não sabe nada mais do
que fixar sobre suas costas um conceito vazio ou cadavérico. É por isso que comunidade é o nome
exato de luta comum ou existência em comum. Luta de um povo sem conceito, sem nada de
material (...). Luta então de um povo como manifestação de seu querer comum. Seu querer comum
é o fazer vir, justamente, o comum de uma reivindicação e declará-la num espaço aberto, sem
qualidade particular, comum. Manifestá-la ou deixá-la se manifestar. (...) mas realizar esta
reivindicação. Realizar o querer comum (...).
Comunidade é uma luta real, se eu ouso dizer, contra uma realidade pretensamente dada ou
mais ainda e muito mais dolorosamente separadora" (AGAH, 2001, p.1).
Hussain Agah cria este belo texto num gesto que mostra um modo comunitário de pensar-agir.
É um pensador oriental que busca compreender um querer comum: a comunidade no mundo. Neste
momento civilizatório em que se estimula a propriedade privada, o autor propõe a idéia de
civilização em benefício da humanidade-comunidade. O Oriente faz trocas com o Ocidente,
intervindo nos temas de horror à la Bush, o violento presidente dos Estados Unidos da América do
Norte. Seu gesto, um testemunho que abre um povo para um outro povo, mostra que a comunidade
não aceita os fechamentos. Aliás, como ele disse, "…comunidade é um povo qualquer. (...) E
porque ela é o qualquer, como uma luta comum, ela é então todos os povos (…)" (AGAH, 2001,
p.2)
Agah nos mostra que a comunidade pode intervir numa realidade que substantifica tudo, que
não tem nenhum real, que separa antes de tudo o privado do comum, o individual do coletivo. Se a
comunidade é, como no sentido que damos aqui, identificável ao real, ela será então também
identificável à práxis comum e aberta da existência. "É importante dizer que a luta comum ou a
comunidade, porque esta não tem outra definição ou outra "significação" que a luta comum…"
(AGAH, 2001, p.2).
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A comunidade vai, então, processualmente se manifestando nos mais diferentes momentos, nas
mais diferentes situações ou deixa ou faz com que estes se manifestem. É um analisador da nossa
proposta da educação em saúde. Os analisadores (segundo um conceito da análise institucional)
são acontecimentos micro ou macro sociais ou mesmo concepções, idéias e ações que propõem ou
provocam efeitos, em determinado processo, que instauram um tempo crítico de combate ao não
saber social, no qual posições contraditórias podem se atualizar, rupturas, novos sentidos e ações
podem acontecer. (LOURAU, 1978) Costumo dizer que os analisadores costumam interferir,
provocando análises ou muitos desarranjos na divisão social de nossa sociedade.
A comunidade, enquanto processo, vai se constituindo e nos depara com o que resiste aos
modos do trabalho em comum, do fazer saúde em comum, buscando instaurar um tempo crítico
que possa intervir em propostas de educação em saúde que denotem a presença de modelos
impositivos de ser/estar no mundo.
Nas nossas experimentações em educação em saúde, como trabalhadora social / pesquisadora
nas periferias do Rio de Janeiro, os moradores desses lugares, nossos mestres-aprendizes, mostram
que têm práticas, modos de agir como experimentações de vida que são verdadeiros ensinamentos
para a saúde. O que de melhor se pode propor para a saúde que não a vida que pulsa nestas
experimentações?
Então a comunidade faz com que se compreenda que ela não é uma substância ou uma
estrutura. É talvez efeito de um movimento que se manifesta num espaço-tempo, momento
formado a partir da / na convivência com a diversidade, com multiplicidades infinitas, de relações
infinitas que ampliam o compartilhar ou sua possibilidade de acontecer. Comunidade porta, então,
uma designação liberadora, não substancial. Ela é qualquer coisa que resta em aberto.
Como tal, em se dando, ao de-vir, ao se fazer, a comunidade tem uma chance comum, a de
sair dela mesma, de não se fechar como uma substância, de se fechar no seu ser, como privada ou
como uma estrutura fechada e dominada por seu estado, ou por uma razão-Estado, despótica,
bastante presente nas propostas educativas ao gosto dos especialocratas-burocratas da saúde. A
saúde mais necessita é de idéias generosas que intervenham na divisão instituída de saberes, de
técnicas, das políticas de saúde hegemônicas, e que proponham a comunidade cujo elo central é o
mundo. Colocar a saúde à disposição de todos, tornar os saberes que dela participam os mais
diversos, mais operacionais, eis um desafio para a educação em saúde. (GOLDEMBERG et al,
2003)
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Quando se considera a comunidade como analisador do processo de educação em saúde,
sabe-se das contradições a serem enfrentadas. Vasconcelos (1998), citado no início deste texto,
fala de intervenção como proposta educativa na saúde. Neste texto fala-se em com-partilhar a
diversidade, na qual os atores envolvidos, inclusive o trabalhador de saúde com sua diferença,
buscam a comunidade. Intervir? Sabe-se das propostas identitárias na saúde que consideram
qualquer saber que não seja o saber científico como um saber menor. Sabe-se, outrossim, do
utilitarismo das práticas de saúde a serviço da reprodução e dominação sociais. Se intervir quer
uma desconstrução destas propostas, correm-se riscos também de regular. Mas tudo é perigoso. No
entanto, sabe-se das antigas e persistentes atrações que o centralismo exerce sobre as propostas
contemporâneas de descentralização. E o com-partilhar problematiza a educação em saúde desde a
perspectiva do em comum que, ao invés de querer restaurar a possível centralidade perdida, busca
colocar o homem na comunidade. Comunidade processo é mais descentralização que tenta dar
mais luz às procuras dos que se defrontam com questões que atravessam a problemática
comunitária na educação em saúde, quais sejam: centro e periferia, controle e liberdade,
representação e autonomia, comunidade e sociedade, institucionalizações e práticas, instituídos e
instituintes, poder e saber, cultura e sociedade, diferença e repetição, espaço e tempo, historicidade
e devir, essência e processo, identidades e singularidades, desconstruções e reproduções, vida e
morte. Tentamos nos situar menos no contraponto intervir versus compartilhar, ressaltando as
interferências nesse/desse encontro no âmbito das propostas de educação em saúde, e contribuindo
assim para uma concepção da saúde que processualmente se funda na história, tendo uma história
construída por atores os mais diversos na comunidade. Com isso pretendemos dar pistas, provocar
aberturas para a construção de um comum, afirmando as multiplicidades, bem como a importância
do compartilhar experiências.
Milton Santos, em 1994, numa conferência no “ Instituto de Medicina Social ” da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, ao se referir a melhores modos de conduzir a vida
desconhecidos pela démarche científica propunha “que a experiência de prazer seja maior que a
dor humana". Santos criticava as propostas cientificistas que têm uma tendência a construir um
saber absoluto, separado da vida. Com isso tenta achar modos de dar força e formas ao comum.
De qualquer modo, o ato educativo também na saúde explicita contradições. Mas o que se
quer compartilhar na educação em saúde? Uma potência existencial, ou melhor, a própria
12
existência (OZÓRIO, 2004a). Daí a importância da força da práxis buscando realizar um comum,
que se nutre do compartilhar as vissicitudes da diversidade, este múltiplo dos múltiplos,
parafraseando Alain Badiou .(BADIOU, 1999)
REFERÊNCIAS
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13
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Submissão: setembro de 2004 Aprovação: novembro de 2004
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O DESAFIO DA CLÍNICA NA SAÚDE DA FAMÍLIA 1The challenge of the clinic in the health of the family
Maria Ângela Alves do Nascimento, Professora Titular da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) – BA. Pesquisadora do Núcleo de Pesquisa Integrado em Saúde Coletiva (NUPISC) da UEFS. Doutora em Enfermagem – EERP/USP. Primeira Secretaria da Associação Brasileira de Enfermagem (ABEn Nacional) / Gestão 2001 – 2004. Endereço: Av. Cardeal da Silva, 43/45- Ed vale do Lucaia apto. 202- Rio vermelho- Salvador/BA. CEP: 40.223-223 E-mail: [email protected] RESUMO Estudo teórico numa abordagem crítico-analítica sobre a clínica na saúde da família, embasado nos referenciais de Campos (2003 a; 2003 b) e Merhy (2003; 2002), com o objetivo de discutir a possibilidade da resignificação da clínica no programa saúde da família. Apesar dos desafios, o estudo aponta caminhos sobre um novo modo de pensar e produzir saúde através de um trabalho multidisciplinar da equipe de saúde direcionado a uma clínica ampliada, de relações, também denominada clínica do sujeito. Palavras chave: Saúde da Família; Equipe de Assistência ao Paciente; Medicina de Família ABSTRACT Theoretical study with a critical-analytical approach on the Clinic in family health, based on the references of Campos (2003 a; 2003 b) and Merhy (2003; 2002), with the objective of discussing the possibility of re-signification of the clinic in the family health program. In spite of the challenges, the study shows the paths to a new way of thinking and of ways to health via multi-disciplinary work by the health team aimed at an enlarged clinic of relationships, also known as the subject clinic.
Key words: Family Health; Patient Care Team; Family Practice. INTRODUÇÃO
Discutir o tema “O desafio da clínica na saúde da família” neste VII Encontro de
Atualização em Atenção Primária à Saúde é uma instigante oportunidade e, de certa forma,
representa um pionerismo no contexto atual de reorganização da atenção básica à saúde.
Contudo, a Associação Brasileira de Enfermagem (ABEn), aqui por mim representada,
aceitou o desafio para discutir a resignificação da clínica, diante da possibilidade de construir
uma nova forma de pensar e de produzir saúde no Programa Saúde da família, numa
perspectiva individual e coletiva.
Não nos deteremos neste momento a fazer uma análise crítica e histórica sobre a
organização do Sistema de Saúde e, particularmente, do Programa de Saúde da Família frente
às mudanças sócio-econômicas, políticas e culturais que marcam a sociedade contemporânea.
Porém, antes de iniciar o tema propriamente dito desta mesa redonda é preciso que nos
reportemos ao Sistema de Saúde Brasileiro, a partir das últimas três décadas, em que a vida
real dos serviços de saúde tem mostrado que, conforme os modelos de atenção adotados, nem
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sempre a produção do cuidado em saúde está comprometida com a cura e a promoção da
saúde. Para Merhy (2002), esta realidade é um nó a ser trabalhado pelos gestores e
trabalhadores de saúde na medida em que é um problema de gestão de processos produtivos
em saúde, e estão presentes em qualquer modelo predominante, demarcados não só por
algumas tensões básicas mas, também pelos atos produtivos, tais como:
a lógica da produção dos atos de saúde como procedimentos e a produção dos
procedimentos como cuidar (modelos médicos centrados em procedimentos, sem
compromisso com a produção da cura);
a lógica da produção dos atos de saúde como resultado das ações de distintas
categorias de trabalhadores para a produção e o gerenciamento do cuidado e as
intervenções mais restritas e exclusivamente presas às competências específicas de
alguns deles.
Além do mais, estudos de Campos (2003a; 2003b) Merhy (2002; 2003) e Franco e Merhy
(2003) têm mostrado que o modelo tradicional de prestar assistência à saúde está esgotado, ao
apresentar limites de eficácia (baixo impacto) e de eficiência (custos elevados). Portanto, a
reformulação de conhecimentos e práticas em saúde direcionadas à valorização da atenção
básica com capacidade para dar resolubilidade aos problemas individuais e coletivos, a
ampliação de ações de promoção à saúde e prevenção de doenças, a rearticulação dos serviços
especializados e de alta complexidade segundo diretrizes de humanização e de adoção de
práticas alternativas “têm se espraiado por todo o mundo, indicando a necessidade de
proceder-se a uma verdadeira reengenharia humanizada dos serviços de saúde”. (CAMPOS,
2003b, p. 8)
Nesta perspectiva, no sentido de reorganizar a prática assistencial, foi criado em 1994, no
Brasil, o Programa Saúde da Família, em substituição ao modelo médico hegemônico – o
liberal privatista.
Contudo, os projetos neoliberais em nome de uma cidadania negativa de uma cesta básica
de saúde têm ofertado quase que como uma panacéia um médico de família, que a tudo vem
resolver, como um milagreiro, desprezando a complexidade do atuar em saúde e a
necessidade de uma multidisciplinariedade desse agir. (MERHY, 2002)
Não há dúvidas de que precisamos romper com as limitações e subalternidades do
modelo médico hegemônico e garantir a qualidade de vida da população, de uma nova
interpretação mais complexa dos fenômenos da saúde e da doença pela interdisciplinariedade
do conhecimento, intersetorialidade das práticas e integralidade da atenção à saúde.
3
Os desafios são muitos, pois o trabalho em saúde da família é complexo e difícil, isto
porque exige uma constante articulação das ações clínicas e das ações da saúde coletiva, para
se produzir saúde.
Mas de que clínica estamos falando?
De acordo com Campos (2003b), a medicina imagina uma única clínica, uma clínica
totalizante: a clínica científica e ética. No entanto, trata-se de uma declaração ideológica,
talvez assentada na preocupação de vender a imagem de uma instituição racional e humana.
Mas, na realidade, na prática, há inúmeras clínicas que, de acordo com Campos(2003)
apresenta os seguintes semblantes: a Clínica degradada, a Clínica clínica e a Clínica do
sujeito/ ampliada.
A Clínica degradada é aquela que tem sua potencialidade para resolver problemas de
saúde limitada. A degradação existente resulta da mescla de uma política de saúde inadequada
com o comportamento alienado dos [trabalhadores de saúde] que a praticam. Atendem de
forma padronizada, quase que independente da gravidade e das necessidades de cada um dos
usuários. Portanto, há uma clínica degradada por interesses econômicos ou por desequilíbrios
pronunciados de poder.
A Clínica oficial (Clínica clínica) também considerada limitada por trabalhar com um
objeto de estudo e de trabalho reduzidos, o que traria implicações tanto no campo de saberes
quanto para seus métodos e técnicas de intervenção. Além do mais poder-se-ia, constatar hoje
que essa redução autorizaria a clínica oficial a se desresponsabilizar pela integralidade do
sujeito ou seja, essa clínica “somente se responsabiliza pela enfermidade, nunca pela pessoa
do enfermo”. (CAMPOS, 2003b, p. 61). Este objeto de estudo e de intervenção estaria
reduzido em múltiplas dimensões: por um lado, um enfoque desequilibrado para o lado
biológico, esquecendo das dimensões subjetiva e social das pessoas. O que, segundo Campos
(2003b, p. 61), “acarretaria em saberes e práticas marcadas pelo mecanismo e pela
unilateralidade de abordagem”. Por outro lado, aborda-se mais a doença que o indivíduo, e
mesmo quando este é considerado, pensa-se em um indivíduo fragmentado, um ser composto
de partes que, apenas teoricamente guardaria alguma noção de interdependência. Tal
reducionismo traz conseqüências negativas como a abordagem terapêutica excessivamente
voltada para a noção de cura – confundida na maioria das vezes com a eliminação dos
sintomas, em alguns casos com a correção de lesões anatômicas ou funcionais - não
priorizando as possibilidades de promoção da saúde ou de prevenção das doenças e até
mesmo as de reabilitação. Além do mais, esse objeto reduzido autorizaria a diversidade de
4
especialidades, que terminariam em fragmentar o processo de trabalho em saúde.
Conseqüentemente, vem reduzindo-se a capacidade operacional de cada clínico,
estabelecendo-se uma cadeia de dependência quase impossível de ser integrada em projetos
terapêuticos coerentes.
Tal realidade vem produzindo relações paradoxais com a sociedade. De um lado
observamos que a medicina nunca perdeu sua capacidade de exercer o controle social sobre a
maioria das pessoas. Segundo Campos (2003a), seu papel de árbitro e seu discurso
“competente” sobre temas ligados à vida continuam. Por outro lado, percebemos uma
alienação dos trabalhadores de saúde na sua relação cotidiana com os usuários dependentes de
seus cuidados.
A clínica do sujeito é aquela ampliada, revista. Essa clínica, segundo Campos (2003b),
teria de enfrentar e derrotar os nós críticos que a Clínica oficial não tem conseguido sequer
analisar e muito menos resolver.
O objeto da clínica do sujeito inclui a doença, senão não seria clínica. E não há como
abordar a doença sem enquadrá-la dentro de uma certa ontologia. Tratar a doença como um
Ser com identidade própria é a base que autoriza os trabalhadores de saúde a intervirem em
casos concretos. “O problema ocorre quando este Ser da doença substitui completamente o
Ser realmente existente e perde-se a capacidade de se operar com a singularidade de cada caso
(CAMPOS, 2003 b, p. 64).
Nesse “novo” paradigma – clínica ampliada / clínica do sujeito, a relação trabalhador de
saúde – usuário é essencial, pois nesta relação um não existe sem o outro (NASCIMENTO;
MISHIMA, 2004).
Portanto, na medida em que há uma aproximação nas relações dos usuários dos serviços e
trabalhadores de saúde, haverá, segundo Franco e Merhy (2003), uma dimensão individual do
trabalho em saúde, realizado por qualquer trabalhador que comporta um conjunto de “ações
clínicas” – aqui entendidas no sentido “do encontro das necessidades com processos de
intervenção tecnologicamente orientado, que visam ‘operar’ sobre o campo das necessidades
que se faz presente neste encontro na busca da perseguição de fins implicados com a
manutenção e/ou recuperação de um certo modo de andar a vida” (FRANCO; MERHY, 2003,
p.37).
Para os respectivos autores, esses encontros interindividuais, a dois, se produzem em um
espaço intercessor no qual uma dimensão tecnológica do trabalho em saúde, clinicamente
evidente, sustenta-se na tecnologia das relações, território próprio das tecnologias leves,
definidas como tecnologias de ações que se configuram em processo de intenção em ato, em
5
um processo de relação de interação, de vínculo, de escuta, de intersubjetividade, gestão como
forma de governar o processo de trabalho, humanização dentre outras (MERHY, 1997).
A partir do momento que ocorre uma relação enquanto trabalho de saúde - entre um
trabalhador e um usuário, operam-se processos tecnológicos (trabalho vivo em ato) que visam
à produção de relações de escutas e responsabilização, que se articulam com a constituição de
vínculos e dos compromissos em projetos de intervenções. Estes processos intercessores são
atributos de uma prática clínica realizada por qualquer trabalhador de saúde.
Enfim, a Clínica do modelo clínico tem algumas características particulares que a
diferenciam da Saúde Coletiva. Ela depende de profissionais com formação específica. Já a
Saúde Coletiva defende, segundo Campos (2003b), uma clínica ampliada – aquela do trabalho
integrado em equipe e, particularmente da interação interdisciplinar entre diferentes formas do
exercício clínico existentes. Por outro lado não há clínica sem singularidade, sem a construção
de referência estável ou de vínculo.
Na clínica a avaliação do risco é individual, caso a caso, ainda quando sejam considerados
os elementos sociais, econômicos e culturais para se estabelecer a vulnerabilidade e o projeto
terapêutico singular. A prática clínica depende de um certo conhecimento prévio sobre o risco
e a doença; nesse sentido, ela suporta a existência de protocolos ou de diretrizes clínicas que
orientam a atuação das equipes, dando um certo grau de previsibilidade à prática.
Já na Clínica ampliada, Campos (2003b) destaca que esta, ao incorporar o sujeito e o seu
contexto à prática, introduz uma gama imensa de variações no desenvolvimento de cada
equipe, uma dose de criatividade para responder a variabilidade biológica, psíquica e social
dos casos. Esse paradoxo aparente exige um sistema de gestão que, ao mesmo tempo, ofereça
formas de controle, diretrizes e critérios, e estimule a autonomia relativa das equipes. Na
saúde da família isto implica em combinar a lógica de programas de saúde, destinados a
grupos específicos.
A CLÍNICA NO PROGRAMA SAÚDE DA FAMÍLIA
Considerações sobre a concepção do PSF versus vigilância à saúde
O PSF propõe um modelo assistencial para a saúde que tem como referência básica o
“território processo”, considerando-o território social, econômico, político, epidemiológico,
porque estão presentes e atuam variáveis sobre os quais ocorrem o processo de adoecimento
da população.
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Nesse sentido, na última década, o Ministério da Saúde (BRASIL, 1996) tem proposto que
a intervenção nas dinâmicas locais se dêem a partir de tecnologias de planejamento território
– centradas (territorização), articuladas aos instrumentais da epidemiologia e da vigilância da
saúde.
Sem dúvida, o conhecimento articulado em torno da idéia de “território processo”, sobre
qual operam modelos assistenciais com base exclusiva na vigilância à saúde é importante e
essencial nas estratégias da produção do cuidado.
No entanto, comungamos com Franco e Merhy (2003) que é limitante considerar que este
conhecimento por si só seja suficiente para responder à complexidade dos problemas de
saúde, pois é necessário resgatarmos os conhecimentos e práticas acumuladas na preservação
de saúde para conseguirmos responder às demandas da assistência que se colocam para os
serviços.
Nessa perspectiva os autores afirmam que a Epidemiologia oferece um instrumental
importante para compor a “caixa de ferramentas” das equipes de saúde como um todo, mas,
com certeza, a ele deve se agregar o conhecimento inscrito na clínica (destaque nosso),
sociologia, psicanálise, teorias gerenciais, planejamento em saúde dentre outros.
Por ter o PSF uma matriz teórica circunscrita prioritariamente no campo da vigilância da
saúde, ou seja, seu trabalho quase restritamente centrado no território, de acordo com as
concepções da OPAS, isto significa que, em grande medida, “a normalização do programa
inspira-se nos cuidados a serem oferecidos para ações no ambiente, definindo o processo de
trabalho como centrado em atos de saúde de cunho “higienistas”, dando pouca importância a
própria constitucionalidade de uma rede básica assistencial, integrada a um sistema local de
saúde”. (FRANCO; MERHY, 2003, p.100) Outrossim, não dá muito valor ao conjunto de
prática clínica, nem toma como desafio a necessidade de sua ampliação na abordagem
individual nela inerente no que se refere a sua atenção singular, essencial para os casos em
que os processos mórbidos já se instalaram, diminuindo “as autonomias nos modos de andar a
vida” (MERHY, 1998).
Desta forma, vemos que o PSF desarticula sua potência transformadora, aprisionando o
trabalho vivo em ato em saúde, em normas e regulamentos definidos conforme o ideal da
vigilância à saúde, transformando suas práticas em “trabalho morto” dependente. Assim, a
vigilância da saúde, ao não se dispor a atuar na direção da clínica, dando-lhe um real valor
com propostas ousadas como a da “clínica ampliada”, age como linha auxiliar do modelo
médico hegemônico.
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Na realidade, “é como se o PSF estivesse delimitando os terrenos de competência entre ele
e a corporação médica: ‘da saúde coletiva cuidamos nós, o PSF; da saúde individual, cuidam
vocês, a corporação médica’. E nada é melhor para o projeto neoliberal privativista do que
isto, pois deixa-se um dos cenários de lutas vital para a conformação dos modelos de atenção
sem disputa anti-hegemônica” (MERHY, 1998, p.100).
A concretude da Clínica no programa saúde da família
Estudo de Franco e Merhy (2003) apontam que a clínica no PSF assume função
subsidiária, como se ela não tivesse competência para atuar na saúde pública, e fosse
necessário contaminá-la pela Epidemiologia. Porém, percebemos que prevalece no âmbito da
discussão do programa a dúbia dicotomia entre Epidemiologia e Clínica, “como se a primeira
fosse parte nobre do sistema de saúde e a segunda incorporasse o mundo liberal, individualista
e, neste sentido, merecesse a rejeição das propostas assistenciais formuladas no âmbito de
saúde coletiva” (FRANCO; MERHY, 2003, p.58).
Esta contraposição, entre a Epidemiologia e a Clínica, segundo Merhy (1998), poderá
levar à percepção de que a Clínica no PSF deve ser subsumida pela Epidemiologia, criando
muitas restrições para que seja utilizada em todo o seu potencial como forma do trabalho em
saúde, tomando-se certas modelagens do trabalho clínico médico pelo conjunto da clínica.
Diante do exposto até então, ousamos fazer alguns questionamentos, parafraseando Merhy
(2002):
Será possível o PSF superar o atual paradigma clínico de intervenção médica por
outro centrado no usuário, modelado em um processo de trabalho que reconheça a
prática clínica dos outros trabalhadores de saúde?
Será que só os médicos são portadores de autonomia em saúde? E as práticas
clínicas dos outros profissionais desse setor no PSF?
No sentido de refletirmos o nosso modo de pensar e produzir ações de saúde na atenção
básica, especificamente no PSF, ousamos, mais uma vez, expor o nosso entendimento com
um olhar diferenciado embasado nos estudos de Campos (2003a, 2003b), Merhy (2003; 2002)
e Franco e Merhy (2003) sobre o DESAFIO DA CLÍNICA NA SAÚDE DA FAMÍLIA, em
prol da defesa de uma clínica do sujeito.
Entretanto, queremos deixar claro que não é uma receita, um modelo funcionalista, pois,
segundo Nascimento (2002), é preciso que vislumbremos um horizonte onde a produção da
saúde deve associar o sonho e a ciência, o racional e a intuição, o emocional e os sentimentos,
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o real e o virtual, a imaginação e a criação, o espírito e o conhecimento, o visível e o
indivisível, o cotidiano e a subjetividade, o individual e o coletivo e, também, considerar as
particularidades e as singularidades.
Portanto, traduzimos aqui o outro modo de fazer a clínica na saúde da família, apesar dos
desafios, por acreditarmos não somente na utopia, mas nas possibilidades de um sonho torna-
se realidade.
CLÍNICA DO SUJEITO NA SAÚDE COLETIVA
Perspectivas
Ampliação da prática clínica Máxima eficácia (menor custo e menor grau de iatrogenia)
1. Clínica do sujeito: reconhecimento do usuário/família como pessoa com direitos:
cidadania ativa, protagonista.
Ampliação da atenção básica para resolver os problemas de saúde (ações
promoção, preventivas, clínicas e reabilitação).
Qualificação das ESF para intervirem tanto nos problemas coletivos quanto
individuais.
Trabalho em equipe multidisciplinar integralidade das ações.
Capacidade de ouvir o usuário e acolher a sua demanda, cabendo a ESF ter
sensibilidade e preparo para decodificar e saber atender tais demandas.
Acesso do usuário aos serviços e poder consumir toda tecnologia de saúde, capaz
de melhorar e prolongar a vida.
Autonomia do usuário “no seu modo de andar a vida”, frente o aumento da
capacidade de auto-cuidado.
Humanização personalização do atendimento.
Acolhimento.
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Responsabilização pelo processo saúde-doença e não somente pela realização de
procedimentos.
2.Fortalecimento de vínculos entre o indivíduo, família, grupos da comunidade com a ESF, a
USF e com trabalhadores específicos que lhes sirvam de referência.
Interdependência.
Compromisso dos trabalhadores de saúde com os usuários e vice-versa.
Responsabilização pela saúde de uma dada população adscrita.
Envolvimento dos trabalhadores com a saúde coletiva de uma comunidade e com a
saúde individual, particularmente dos mais vulneráveis.
Acolhimento.
Respeito e solidariedade.
Humanização da assistência.
3. Construção de projetos terapêuticos e de acompanhamento sistemático de casos
singulares.
Relações de acolhimento e vínculo.
Interrelação dentre pessoas que necessitam de ajuda e a equipe com recursos para
intervir.
Processo de fala e escuta.
Autonomização do outro, no sentido de enfrentar o problema de saúde.
Estímulo ao auto-cuidado: educação em saúde.
Responsabilização da equipe saúde da família pela saúde de uma comunidade, e ao
mesmo tempo destacar dentro dessa comunidade situações que necessitam de atenção
individual (avaliação de riscos e, em decorrência, concentrar atenção às famílias e
pessoas com maiores vulnerabilidades).
Desmedicalização, ampliação da clínica.
Utilização de outros recursos terapêuticos: educação em saúde, práticas de vida saudáveis,
atenção interdisciplinar, construção de cuidadores da própria comunidade (...)
Posicionamento ético usuário centrado.
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Articulação de saberes para compor projetos terapêuticos.
Compromisso radical com a defesa da vida individual e coletiva.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para concluir, o desafio está posto, convidamos todos vocês para refletirem / debaterem
os aspectos aqui referidos à “clínica na saúde da família” pois, segundo Nascimento e
Mishima (2004, p. 15), “além das palavras é preciso ação transformadora, a qual tem como
ponto de partida o ser humano, e por isso, além da inteligência (...), é preciso ser gente”.
Obrigada!
NOTA
1. Trabalho apresentado no VII Encontro de Atualização em Atenção Primária à Saúde – Juiz de Fora – MG – 01 a 02 de dezembro de 2004.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Ministério da Saúde. Saúde da família: uma estratégia de organização dos serviços de saúde. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 1996. CAMPOS, G. W. de S. Paidéia e modelo de atenção: um ensaio sobre a reformulação do mundo de produzir saúde. Olho Mágico, Londrina, v. 20, n. 2, p. 7-14, abr./jun. 2003a. CAMPOS, G. W. de S. Saúde Paidéia. São Paulo: Hucitec, 2003b. FRANCO, T. B.; MERHY, E. E. Programa Saúde da Família (PSF): contradições de um programa destinado à mudança do modelo tecnoassistencial. IN: MERHY, E.E. et al. O trabalho em saúde: olhando e experienciando o SUS no cotidiano. São Paulo: HUCITEC, 2003. MERHY, E. E. Em busca do tempo perdido: a micropolítica do trabalho vivo em saúde. IN: MERHY, E.E.; ONOCKO, R. (Org.). Agir em saúde: um desafio para o público. São Paulo: HUCITEC, 1997. MERHY, E. E. A perda da dimensão cuidadora na produção da saúde. IN: CAMPOS, R.C. et al. (Org.). Sistema Único de Saúde em Belo Horizonte: reescrevendo o público. São Paulo: Xamã, 1998. MERHY, E. E. Saúde: a cartografia do trabalho vivo. São Paulo: HUCITEC, 2002. MERHY, E. E. Um dos grandes desafios para os gestores do SUS: apostar em novos modelos dede atenção. IN: MERHY, E. E. et al. O trabalho em saúde: olhando e experienciando o SUS no cotidiano. São Paulo: HUCITEC, 2003.
11
NASCIMENTO, M. A. A. do. Humanização e trabalho: razão e sentido da Enfermagem. Feira de Santana, BA: UEFS, 2002. Mimeografado. NASCIMENTO, M. A. A. do. O ensino da saúde coletiva na formação dos profissionais de Enfermagem. ABEn – Jornal da Associação Brasileira de Enfermagem, Brasília,DF, v.45, n. 4, p. 14-15, out./dez. 2003. NASCIMENTO, M. A. A. do. Enfermagem e o cuidar – construindo uma prática de relações. ABEn – Jornal da Associação Brasileira de Enfermagem, Brasília, DF, v.46, n.2, p.14-15, abr./jun. 2004.
A Leishmaniose Visceral como doença oportunista em um geronte portador da
Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (SIDA) Visceral Leishmaniasis as an Opportunistic Infection in an Elderly Patient with AIDS
Leonardo Leitão Batista1
José Araújo Sobrinho2 Andréa de Amorim Pereira Barros3
Joacilda da Conceição Nunes4 Walber Leite de Almeida5
1- Médico residente de Clínica Médica da Universidade Federal de Campina Grande, especialista em Saúde da Família pelo Núcleo de Estudos em Saúde Coletiva da Universidade Federal da Paraíba-PB; 2- Médico, professor adjunto IV da disciplina de Doenças Infecciosas e Parasitárias do Departamento de Medicina Interna, Social e Preventiva da Universidade Federal de Campina Grande-PB; 3 Médica, professora assistente IV da disciplina de Doenças Infecciosas e Parasitárias do Departamento de Medicina Interna, Social e Preventiva da Universidade Federal de Campina Grande-PB; 4 Professora Assistente de Hematologia do Departamento de Medicina Interna, Social e Preventiva da Universidade Federal de Campina Grande; 5 Hematologista do Hospital Universitário Alcides Carneiro da Universidade Federal de Campina Grande-PB. Endereço: R. Coronel Barata, 53- Jardim 13 de maio, CEP: 58025-300, João Pessoa – PB. Fone: (83) 2443050. E-mail: [email protected]
RESUMO Paciente de 68 anos de idade, casado, masculino, agricultor, procedente da zona rural do município de Gado Bravo-PB admitido na Enfermaria de Infectologia do Hospital Universitário Alcides Carneiro da Universidade Federal de Campina Grande, apresentando perda ponderal progressiva (10Kg/12 meses), diarréia aquosa há 05 meses, anorexia, disfagia, principalmente com alimentos sólidos, sonolência, palidez cutâneo-mucosa (++/4+), dispnéia aos médios esforços, lesões “tipo placas” em cavidade oral e queda importante do estado geral. A endoscopia digestiva alta evidenciou candidíase esofágica. Realizou dois testes ELISA anti-HIV 1, cujos resultados reagentes foram confirmados pelo Western Blot. Familiares relataram morte de três cães domésticos acometidos de leishmaniose tegumentar. A ultra-sonografia abdominal evidenciou ascite discreta, hepatomegalia, nódulo hiperecóico, homogêneo, medindo 2,0 cm situado no lobo direito do fígado e esplenomegalia. A imunofluorescência para Calazar mostrou-se reagente e o mielograma evidenciou a presença de leishmânias na medula óssea. Palavras-chaves: Leishmaniose Visceral; Infecções por HIV; Doenças Transmissíveis Emergentes
ABSTRACT
A 68-year-old married male farmer, from the rural area of Gado Bravo, PB, northeastern Brazil, was admitted to the University Hospital of Universidade Federal de Campina Grande, Brazil, with a chronic picture of weight loss, watery diarrhea, anorexia, dysphagia (mainly to solid foods), drowsiness, paleness, exertional dyspnoea, and plaque-shaped lesios of the oral cavity. Endoscopy revealed oesophageal candidiasis. Two Elisa tests were positive for HIV-1 and confirmed with a positive Western Blot. Three domestic dogs were reported to have died of cutaneous leishmaniasis. Abdominal ultrasonography revealed ascites, an increased
liver with a hyperechoic nodule in the right lobe, and splenomegaly. Immunofluorescence for visceral leishmaniasis was reagent and leishmania parasites were found in the bone marrow. Key words: Leishmaniasis; Visceral; HIV Infections; Communicable Diseases, Emerging
INTRODUÇÃO
A Leishmaniose Visceral (LV) é uma doença causada pela Leishmania donovani,
protozoário encontrado praticamente em todo mundo. Também conhecida como calazar,
nome derivado da palavra hindu Kala-Azar, que significa febre negra, pois alguns doentes
podem desenvolver intensa hiperpigmentação da pele, embora tal fenômeno não ocorra no
Brasil. Atualmente pode manifestar-se como doença oportunista em pacientes
imunocomprometidos, em decorrência da SIDA, na qual não são incomuns, além do
envolvimento sistêmico, as lesões cutâneas. (LEITÃO de SÁ, 2004)
A LV é uma doença grave, atingindo crianças, adultos jovens ou pessoas
imunodeprimidas e, quando não tratada, pode apresentar letalidade de 95%. Ela tem sido
apontada como uma doença re-emergente, caracterizando nítido processo de transição
epidemiológica, apresentando incidência crescente nos últimos anos nas áreas onde ocorria
tradicionalmente: expansão geográfica para os estados mais ao sul do país e um franco
processo de urbanização em cidades localizadas em regiões distintas, como o Nordeste e o
Sudeste. (ALVES, 2004)
Nas Américas, o parasita é encontrado desde os Estados Unidos da América do
Norte (só um foco canino) até o norte da Argentina.. No Brasil, essa parasitose é uma
doença endêmica, mas ocorrem surtos com alguma freqüência. Está distribuída em 17 dos
27 estados da federação, atingindo quatro das 5 regiões brasileiras. Sua maior incidência
encontra-se no Nordeste com 92% do total de casos, seguido pela região Sudeste (4%), a
região Norte (3%), e, finalmente, a região Centro-Oeste (1%). A leishmaniose era,
inicialmente, de distribuição rural e em pequenos centros urbanos, encontra-se em franca
expansão para focos urbanos no Brasil. Assim, observou-se no início da década de 80
surtos epidêmicos em Teresina e, de lá para cá, já se diagnosticaram casos autóctones em
São Luís do Maranhão, Fortaleza, Natal, Aracaju, Belo Horizonte, Santarém e Corumbá.
Têm-se registrado em média cerca de 1.980 casos por ano. O coeficiente de incidência da
leishmaniose tem alcançado 20,4 casos/100.000 habitantes em algumas localidades de
estados nordestinos, como Piauí, Maranhão e Bahia. As taxas de letalidade, que vêm sendo
anotadas, chegam a 10% em alguns locais. (FUNASA, 2004)
De acordo com essa mesma autora, admite-se que a leishmânia influencie o padrão
de resposta dos linfócitos T, deprimindo a ativação macrofágica. Assim, linfócitos T-CD4
parasita-específicos, da subclasse th1, secretam interferon-gama, que estimula os
macrófagos a produzirem fator de necrose tumoral alfa. Este, por sua vez, ativa os fagócitos
para eliminarem parasitas via metabólitos tóxicos (peróxido de hidrogênio e ácido nítrico).
Por outro lado, os linfócitos T-CD4, subclasse th2 parasita-específicos, secretam
interleucina-4, que inibe a ativação dos macrófagos, via interferon-gama, com conseqüente
inibição do fator de necrose tumoral alfa. Em função disso, só uma pequena parcela de
indivíduos infectados desenvolve sintomas da doença. A infecção, que regride
espontaneamente, é seguida de uma imunidade duradoura que requer a presença de
antígenos, de onde se conclui que as leishmânias ou alguns de seus antígenos estão
presentes no organismo infectado durante longo tempo de sua vida, depois da infecção
inicial. Tal hipótese está apoiada no fato de que indivíduos imunossuprimidos, como os
portadores do HIV (vírus da imunodeficiência humana) podem apresentar quadro de
Leishmaniose Visceral muito além do período habitual de incubação.
Nos estudos conduzidos por Silveira (1997), os anticorpos são capazes de promover
lise das formas amastigotas por ativação do complemento, sugerindo um mecanismo de
escape para que a Leishmania chegue a invadir e se multiplicar nos macrófagos. A
imunidade adquirida após a recuperação do paciente parece ser do tipo concomitante,
levantando a possibilidade de manutenção da Leishmania viável no organismo.
Campanili (2003), mostrou que nos últimos dez anos, o Brasil registrou uma média
anual de 30 a 40 mil novos casos de leishmaniose cutânea e de 3 a 4 mil da visceral, que é
mais grave e pode ser letal. A autora destaca a preocupação do Ministério da Saúde com a
leishmaniose, citando-a como doença emergente, cuja disseminação nos centros urbanos é
recente e está ligada a desequilíbrios ambientais, principalmente o desmatamento, o avanço
de fronteiras agrícolas e a urbanização. Tal fato foi observado no Pontal do Paranapanema,
nos municípios de Teodoro Sampaio e Euclides da Cunha Paulista onde houve
desmatamento para implantação da barragem de Porto Primavera e que trouxe, como
conseqüência, um grande número de pessoas contaminadas pela Leishmania braziliensis,
que causa infecção de pele.
A Leishmaniose Visceral (calazar) era uma doença praticamente silvestre, que tem
tido uma mudança de comportamento, fundamentalmente, por modificações sócio-
ambientais, como o desmatamento que reduziu a disponibilidade de animais para servir de
fonte de alimentação para o mosquito transmissor, colocando-lhe o cão e o homem como
alternativas mais acessíveis. Acresce que o processo migratório trouxe para a periferia das
cidades, populações humana e canina originárias de áreas rurais onde a doença era
endêmica. O comportamento epidemiológico da Leishmaniose Visceral é cíclico, com
elevação dos casos em períodos médios de cada cinco anos, além de uma tendência
crescente, se considerarmos o período de 1980 até agora. A estratégia de controle está
centrada na identificação e eliminação dos reservatórios, principalmente o cão, o combate
ao vetor e o diagnóstico e tratamento adequados dos casos registrados. (BRASIL, 2003)
Por ser uma das doenças mais negligenciadas, em função da sua subnotificação, a
Organização Mundial de Saúde (OMS) tem destinado especial atenção à leishmaniose,
sobretudo por tratar-se de doença que afeta populações mais pobres, nas quais 80% das
pessoas acometidas ganham, em média, dois dólares por dia.(LEITÃO DE SÁ, 2004) De
acordo com a OMS, estima-se que mais de 30 milhões de pessoas espalhadas por todo
mundo estejam infectadas com o HIV, e que, pelo menos, um terço desta população viva
em áreas de leishmaniose.(BORGES et al., 1999) Dados do Ministério da Saúde publicados
no Jornal Diário da Borborema registraram 33 mil casos de leishmaniose em sua forma
tegumentar e 2.700 casos na forma visceral, e que dos mais de 1.500 municípios que são
considerados áreas de transmissão da doença no país, 307 são de transmissão moderada ou
intensa para leishmaniose visceral. (CARVALHO, 2004)
Miranda Filho (2004) relata que a LV vem emergindo como doença oportunista em
pessoas infectadas com o HIV, bem como em pessoas submetidas a transplantes e em
associação com outras condições em que há comprometimento da imunidade mediada por
células, particularmente nos portadores do HIV, situação em que a LV usualmente ocorre
quando o número de células CD4+ é menor que 200.
A partir da década de 80, casos de coinfecção HIV e leishmaniose visceral passaram
a ser descrito na Europa, principalmente, na Espanha, Itália e sul da França onde se
concentravam mais de 1.000 casos. Calcula-se que entre 25 e 70% dos adultos com
leishmaniose visceral estejam infectados pelo HIV, de modo que alguns autores têm
defendido a sua inclusão como doença disseminada, na lista de infecções oportunistas,
sugestivas do diagnóstico de AIDS. A maioria dos estudos descritos na literatura refere-se à
associação HIV e leishmaniose visceral, havendo poucas publicações relatando casos de
coinfecção HIV e leishmaniose tegumentar. Em publicação na Revista da Sociedade
Brasileira de Medicina Tropical de novembro de 1999, Borges et al. (1999) publicaram
quatro casos de leishmaniose em pacientes com AIDS, sendo dois de leishmaniose visceral
e dois com forma cutâneo-mucosa.
O número de casos de infecção concomitante por HIV e Leishmania têm crescido
fazendo com que a co-infecção entre HIV-Leishmania seja considerada como doença
infecciosa emergente. Este quadro é bastante significativo nos países do sul europeu, onde
mais de 70% dos casos de LV em adultos estão relacionados com HIV/AIDS e 9% de todos
os pacientes com AIDS sofrem de LV recém-adquirida ou que foi reativada de uma
infecção antiga. A sobreposição das áreas geográficas de ocorrência de leishmanioses e
HIV/AIDS tem sido recentemente acentuada pelo processo de urbanização vivenciado pela
primeira e pela ruralização da segunda. O significado epidemiológico desta expansão
simultânea, demonstrado por vários estudos, reside no fato de que os pacientes com
HIV/AIDS, que vivem em áreas endêmicas de leishmanioses, apresentam maior risco de
manifestá-las e que a co-infecção entre HIV-Leishmania acelera o curso clínico da infecção
por HIV. Dessa forma, as leishmanioses têm ganhado importância como infecção
oportunista entre pacientes com infecção por HIV, que vivem ou viveram em áreas
consideradas endêmicas para essas parasitoses. (ALVES, 2004)
RELATO DO CASO
Paciente de 68 anos de idade, casado, masculino, agricultor, procedente da zona
rural do município de Gado Bravo-PB foi admitido dia 21 de julho de 2004 na Enfermaria
de Infectologia do Hospital Universitário Alcides Carneiro (HUAC) da Universidade
Federal de Campina Grande (UFCG), apresentando perda ponderal progressiva (10Kg/12
meses), diarréia aquosa crônica há 05 meses, anorexia, disfagia, principalmente com
alimentos sólidos, sonolência, palidez cutâneo-mucosa (++/4+), dispnéia aos médios
esforços, lesões “tipo placas” em cavidade oral e queda importante do estado geral.
Trazia consigo uma endoscopia digestiva alta, que havia realizado há quinze dias,
evidenciando candidíase esofágica. Relatou que havia se submetido a dois testes ELISA
anti-HIV 1 e 2 com resultados reagentes, sendo confirmados pelo Western Blot , mas que
não havia iniciado o tratamento com os antiretrovirais.
Havia se submetido a duas cirurgias para revascularização miocárdica, sendo a
última em março de 2003, fazendo uso, desde então, dos seguintes medicamentos: captopril
25mg 3x/d, AAS 100mg 1x/d, propatilnitrato 10mg 3x/d e carvedilol 3,125mg 1x/d.
De acordo com familiares, três cães domésticos acometidos de leishmaniose
tegumentar haviam morrido.
Foram solicitados exames iniciais para investigação diagnóstica cujos resultados
foram os seguintes: Erotrócitos Hb Hto VCM HCM CHCM RDW Leucócitos Mielócitos Eosinófilos
3.430.000/mm3 10,6g% 34% 99u3 31pg 31% 17,4% 3.700 0 1%
Neutrófilos Basófilos Linfócitos Monócitos Plaquetas Glicose Uréia Creatinina DHL
*Metamielócitos:0,0
*Bastonetes: 16%
*Segmentados: 42%
0,0 *Típicos:29%
*Atípicos:3%
9% 82.000/mm3 102mg/dl 23mg/dl 0,6mg/dl 713U/L
Proteína
total
Albumina Globulina GGT Fosfatase
alcalina
TGO TGP Sódio Potássio Magnésio
6,9g/dl 3,0g/dl 3,9g/dl 58U/L 108 U/L 52U/L 40U/L 12mEq/l 3,0mEq/l 2,3mg/dl
Ultra-sonografia abdominal: evidenciou ascite discreta, hepatomegalia (fígado aumentado de volume, contornos regulares e
ecogenicidade homogênea); nódulo hiperecóico, homogêneo, medindo 2,0cm situado no lobo direito do fígado; esplenomegalia
(volume aumentado, contornos regulares e ecogenicidade homogênea).
Imunofluorescência para Calazar: reagente
Mielograma: presença de leishmânias na medula óssea
Fonte: Hospital Universitário Alcides Carneiro, 2004. UFCG. Prontuário nº 199111.
O paciente evoluiu com distúrbio hidroeletrolítico, com níveis séricos baixos de
sódio, potássio e magnésio, alterações cardiopulmonares como taquicardia, dispnéia em
repouso, cianose de extremidades e três episódios de edemas agudos de pulmão (EAP).
Após a elucidação diagnóstica foi iniciado o tratamento que constou dos
antiretrovirais, do antimonial pentavalente, do antifúngico sistêmico, da quimioprofilaxia
para enterocolopatias e da hidratação parenteral.
Os antiretrovirais indicados foram a zidovudina 300mg + lamivudina 150mg- 1 cp
de 12/12h associada lopinavir 400mg + ritonavir 100mg- 3cp 12/12h. O tratamento foi
iniciado em 23 de julho de 2004.
O antimonial pentavalente foi o antimoniato de N-metilglucamina (Glucantime®)
iniciado em 20 de agosto de 2004.
O antifúngico sistêmico utilizado foi o fluconazol 100mg- 1 cp 12/12h. Para
quimioprofilaxia para a enterocolopatia utilizou-se a sulfametoxazol 800mg + trimetoprim
160mg -1 cp ao dia. Tais medicamentos tiveram início em 21 de julho de 2004.
O paciente evoluiu com desidratação, diarréia aquosa freqüente, anorexia, perda
ponderal, tendo sido utilizado oxigenoterapia por várias vezes, além de cuidados intensivos,
com reposição dos eletrólitos, dieta hipercalórica e hiperproteica.
Durante o último EAP, o paciente foi transferido para Unidade de Terapia Intensiva,
não tendo respondido, satisfatoriamente, à terapêutica instituída, falecendo dia 08 de
setembro de 2004.
CONCLUSÃO
Em função do exposto, é importante chamarmos a atenção dos médicos e outros
profissionais de saúde, particularmente daqueles que trabalham em áreas endêmicas de
leishmaniose, para a ocorrência de casos de co-infecção HIV-leishmaniose, uma vez que
nos próximos anos é possível que haja um aumento progressivo do número de casos
desta associação, à medida que a SIDA atinja as pequenas localidades e as zonas rurais
do nosso país. (BORGES et al., 1999).
Os antimoniais pentavalentes têm permanecido como drogas de eleição nas
leishmanioses, mesmo naqueles infectados pelo HIV, na dose de 20mg/Kg/dia por um
tempo de 20 a 30 dias, havendo registros na literatura pertinente de falha terapêutica de
até 50% dos casos. (BORGES et al., 1999) A resposta terapêutica à anfotericina B tem
sido eficaz em até 100%, em algumas séries, embora recidivas possam ocorrer após
suspensão da mesma. A mortalidade desses doentes, mesmo adequadamente tratados, é
elevada, podendo chegar a até 25% dos casos (BORGES et al., 1999).
Fotografias a-d: apresentam o esfregaço de medula óssea do paciente portador da Síndrome da
Imunodeficiência Adquirida e de Leishmaniose Visceral.
Fotografia a: esfregaço de medula óssea (ampliação) mostrando Leishmânia donovani, na forma amastigota,
em citoplasma de macrófagos (setas). Coloração Pan-óptica.
Fotografia b: esfregaço de medula óssea evidenciando inúmeras Leishmânia donovani, na forma amastigota,
em citoplasma de macrófagos (setas). Coloração Pan-óptica.
Fotografia c: esfregaço de medula óssea evidenciando inúmeras Leishmânia donovani, na forma amastigota,
em citoplasma de macrófagos (setas). Coloração Pan-óptica.
Fotografia d: esfregaço de medula óssea evidenciando inúmeras leishmânias em citoplasma de macrófagos (setas). Coloração Pan-óptica.
REFERÊNCIAS
1. ALVES, W. A. Reflexões sobre a qualidade do diagnóstico da leishmaniose visceral canina em inquéritos epidemiológicos: o caso da epidemia de Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, 1993-1997. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 20, n. 1, p. 259 -265 , fev. 2004
2. BORGES, A. S. et al. Concomitância de leishmanioses e infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV): estudo de quatro casos. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, São Paulo, v. 32, n.6, p.713-719, dez. 1999.
3. BRASIL. Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Decreto Lei nº 10.683 de 28 de maio de 2003. Brasília, DF. 2003. Disponível em: <http//www.gov.br/sedh/CEDES>. Acesso em: 05 set. 2004.
4. CAMPANILI, M. Leishmaniose preocupa população de Campo Grande. Ciência e meio ambiente. Jornal Estadão, São Paulo, 03 jul. 2003. Caderno Ciência e Meio Ambiente. Disponível em: < http://www.estadao.com.br/ciencia/noticias/2003/jul/03/131.htm >. Acesso em: 05 set 2004.
5. CARVALHO, L. Conscientização no combate à leishmaniose. Jornal Diário da Borborema, Campina Grande, 29 ago. 2004. Caderno A, Geral A6.
6. FUNASA. Fundação Nacional de Saúde. Leishmaniose Visceral. Brasília, DF; 2003. Disponível em: <http//www.ambientebrasil.com.br/composer.php3?base>. Acesso em: 05 set. 2004.
7. HOSPITAL Universitário Alcides Carneiro. Prontuário nº 199111. Campina Grande: UFCG; 2004.
8. LEITÃO DE SÁ, C. C. Leishmaniose visceral. In: FILGUEIRA, N. A. et al. Condutas em clínica médica. 3. ed. Rio de Janeiro: Medsi, 2004. Cap. 46, p.706-712.
9. MIRANDA FILHO, D. B. Leishmaniose visceral e tegumentar. In: MELO, H. R. et al. Condutas em doenças infecciosas. Rio de Janeiro: Medsi,; 2004. Cap. 51. p. 569-577.
10. SILVEIRA, F. T. et al. Leishmaniose visceral americana. In: LEÃO, R.N.Q. Doenças infecciosas e parasitárias-enfoque amazônico Belém: CEJUP, 1997. Cap. 40, p. 631-644.
Submissão: outubro de 2004 Aprovação: novembro de 2004
AGENTE COMUNITÁRIO DE SAÚDE: PERFIL SOCIAL X PERFIL
PROFISSIONAL
Maria Ruth dos Santos
Farmacêutica – Bioquímica, Mestre em Saúde Pública- FIOCRUZ/ENSP, doutoranda em Saúde Coletiva -
IMS/UERJ. Analista em Saúde da Secretaria de Estado da Saúde em Minas Gerais.
E-mail: [email protected]
Desde a institucionalização inicial dos ACSs, a partir de um projeto emergencial de
calamidade no Ceará nos anos 80, até os dias atuais, o seu número no Brasil chegou a 170
mil, dos quais 115 mil trabalham na área urbana e 57 mil na área rural , sendo a profissão
reconhecida oficialmente pela Lei 10507. (BRASIL, 2002)
De acordo com o documento legal, o ACS é um profissional da área de saúde
integrante da equipe de saúde da família, com exclusividade de exercício no âmbito do
Sistema Único de Saúde (SUS). Realiza, sob supervisão do gestor local, atividades de
prevenção de doenças e promoção da saúde, mediante ações domiciliares ou comunitárias,
individuais ou coletivas, desenvolvidas em conformidade com as diretrizes incorporadas
por esse sistema.
A profissão tem alguns condicionantes restritivos censitários – residência no local
onde irá atuar – e de formação – conclusão de curso de qualificação básica. O seu perfil
profissional, antes intensivo em ações voltadas para o foco materno-infantil, atualmente
envolve competências para atuação no apoio às famílias e coletivos sociais, além de
concentrar atividades na promoção da saúde, seja pela prevenção de doenças, seja pela
mobilização de recursos e práticas sociais para intervenção no campo político e social numa
micro-área de ação.
O perfil do ACS, residência na comunidade, o que pressupõe compartilhamento de
valores e interesses sedimentadores de uma identidade coletiva, tem reflexo no seu perfil
profissional, já que o território é o âmbito de validade da profissão e de sua atuação. A
matriz da figura do ACS assenta-se, conforme preconizado pelas instituições oficiais, em
dois aspectos: identidade com a comunidade e pendor para a ajuda solidária.
Esses traços identificadores, incomuns em outros profissionais de saúde, permitem
que o ACS possa cumprir a missão básica de execução de atividades de prevenção de
doenças e promoção da saúde no âmbito da comunidade em que resida e na qual tenha
liderança, manifestando solidariedade entre os seus pares; sendo que a garantia da
legitimidade e da eficácia humana ou cultural do seu perfil profissional é assegurada pelo
papel social que o ACS desenvolve junto às comunidades.
Entretanto, para alguns, partidários de uma visão comunitarista, o ACS não deveria,
como os demais profissionais de saúde, possuir um perfil ocupacional pré-definido. O tipo
de orientação dado ao seu trabalho dependerá das próprias necessidades do público a ser
atendido nas comunidades em que irá intervir.
Outros entendem que o ACS necessita de definições técnicas claras, estruturadas e
uniformizadas em seu perfil para o alcance de metas assistenciais unificadas nacionalmente
pelo sistema de saúde oficial, decorrentes de uma visão oposta à primeira, a concepção
universalista. Ao se colocar entre o serviço de saúde e a população, o trabalho do ACS
reflete essas duas dimensões: auto-organização comunitária e os sistemas oficiais de saúde.
A inserção dos ACSs nas equipes do PSF tem como pressuposto a idéia de que as
atividades e o processo de trabalho são por natureza múltiplos. Os caracteres de identidade
com a comunidade e de pendor para a ajuda solidária entre iguais, pré-requisitos formais da
profissão, quando presentes, acabam por influenciar no desenho do seu perfil ocupacional.
Sendo o perfil do ACS complexo, permeável, com fronteiras não bem definidas, fluidas,
situado na interface entre as obrigações do Estado para com os seus cidadãos e o
protagonismo político da população, é de esperar que o ACS execute um conjunto de ações
mais extensivas do que as prescritas em seu perfil oficial e com características distintas, em
função de necessidades diferentes, das especificidades locais de distintos contextos sociais
e no que no seu perfil profissional predominem preocupações e ações voltadas para as
necessidades e prioridades da comunidade.
Referência
BRASIL. Presidência da República. Casa Civil, Subchefia para Assuntos Jurídicos.
Norma Técnica. Lei N° 10.507, de 10 de julho de 2002. Cria a Profissão de Agente
Comunitário de Saúde e dá outras providências. Brasília, DF, 2002.
ATUALIZAÇÃO BIBLIOGRÁFICA Livro AMORIM, Ana Cristina Couto; ARAÚJO, Maria Rizoneide Negreiros de. Legislação Básica Saúde da Família. Montes Claros: Unimontes, 2004.
Essa publicação da editora Unimontes apresenta uma sistematização da legislação relacionada à Estratégia de Saúde da Família, Agentes Comunitários de Saúde, Saúde Bucal e Assistência Farmacêutica, com portarias do Ministério da Saúde e deliberações da CIB- Comissão Intergestores Bipartite de Minas Gerais. Material importante para estudos e operacionalização dessa estratégia, que ganha cada dia mais a adesão de novos municípios do país.
Periódicos
Interface: Comunicação, Saúde, Educação - V8, n.15, mar/ago 2004 Esse periódico “é uma publicação interdisciplinar da Fundação Uni e do Laboratório de Educação e Comunicação em Saúde do Departamento de Saúde Pública da Faculdade de Medicina de Botucatu/Unesp voltada à articulação das Ciências da Saúde com as Humanidades, especialmente com a Comunicação, a Educação e a formação universitária”. Este número comemora os sete anos de existência desta revista e a sua inclusão no acervo SciELO Brasil. Com um dossiê sobre o Tempo e artigos que tratam de temas variados, essa publicação contribui para a reflexão e discussão de assuntos importantes para o ensino e a prática na saúde. Contato: Interface: comunicação, saúde, educação - Distrito de Rubião Jr, s/n – Campus da UNESP. Caixa Postal: 529 Botucatu – SP Cep: 18.618-000 Fone: (14) 6802-6232 Fax: (14) 6821-3133 E-mail: [email protected] Site: www.interface.org.br Revista Baiana de Saúde Pública – v.28, n.1, jan/jun. 2004 Comemorando 30 anos de existência, essa revista, que foi criada em 1974 como órgão da Secretaria Estadual da Saúde, traz artigos diversos de temas variados na área de saúde pública, sendo que destacamos o que trata de uma pesquisa que contou com a utilização da geotecnologia para identificação de áreas de risco para Leishmaniose Visceral Americana. Contato: Revista Baiana de Saúde Pública – Rua Conselheiro Pedro Luiz, 171 – Rio Vermelho Caixa Postal 631 Cep: 41950-610 Salvador – Bahia Fone: (71) 334-1888/334-0428 Fax: (71) 334-2230 e-mail: [email protected] Trabalho, Educação e Saúde – v.2, n.1, mar.2004 Revista da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio – EPSJV, com apoio da Fundação Oswaldo Cruz e Ministério da Saúde. Nesse número, estão sendo abordadas as temáticas: “a precarização e o sofrimento no trabalho; o conceito de atividade de trabalho; o financiamento do ensino médio e da educação profissional; a formação profissional em saúde e as políticas públicas em saúde”. Contato: Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, Fiocruz – Avenida Brasil, 4365, Manguinhos – RJ Cep: 21045-900 Fone: (21) 2560-8279 e-mail: [email protected]
Revista de Saúde Pública – v.38, n.2 abr.2004 Periódico da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, criada em 1967, publica bimestralmente, tendo como finalidade a publicação de contribuições originais de pesquisa sobre temas de interesse e relevância para a saúde pública, para o País ou de interesse internacional. Nesse número, destacamos o artigo sobre a adaptação para o português da versão resumida do “jobs stress scale” , o qual conclui que o processo de adaptação da escala foi bem sucedido. Contato: Revista de Saúde Pública – Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, Av. Doutor Arnaldo, 715 – Cep: 01246-904 – São Paulo Fax/fone: (11) 3068-0539 e-mail: [email protected] e www.fsp.usp.br/rsp
INSTRUÇÕES PARA COLABORADORES
1. A Revista de Atenção Primária à Saúde (APS) é uma publicação semestral do Núcleo de Assessoria, Treinamento e Estudos em Saúde (NATES) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), que tem por finalidades: sensibilizar profissionais e autoridades da área de saúde em APS; estimular e divulgar temas e pesquisas em APS; criar rede de discussão que permita consolidação e valorização da APS; possibi-litar o intercâmbio academia e serviço; promover a abordagem interdisciplinar e servir como veículo de educação continuada e permanente.
2. A revista está estruturada com as seguintes seções: Artigos originais; Artigos de Revisão; Artigos de Atualização; Relato de Casos e experiências; Entrevista; Tribuna; Atualização Bibliográfica; Serviço; Notícias e Cartas.
A seção “Artigos Originais” é composta por artigos resultantes de pesquisa científica, apresentando dados originais de descobertas com relação a aspectos experimentais ou observacionais, voltados para investigações qualitativas ou quantitativas em áreas de interesse da APS. “Artigos originais” são trabalhos que desenvolvem critica e criação sobre a ciência, tecnologia e arte das ciências da saúde que contribuam para a evolução do conhecimento humano sobre o homem e a natureza e sua inserção social e cultural. (Devem ter até 25 páginas com o texto na seguinte estrutura: introdução; material ou casuística e métodos, resultados, discussão e conclusão). A seção “Artigos de Revisão” é compostas por artigos nas áreas de “Gerência, Clínica, Educação em Saúde”. Os “artigos de revisão” são trabalhos que apresentam síntese atualizada do conhecimento disponível sobre matérias das ciências da saúde buscando esclarecer, organizar, normatizar, simplificar abordagem dos vários problemas que afetam o conhecimento humano sobre o homem e a natureza e sua inserção social e cultural. Têm por objetivo resumir, analisar, avaliar ou sintetizar trabalhos de investigação já publicados em revistas científicas. (Devem ter até 20 páginas com texto estruturado em introdução, desenvolvimento e conclusão). A seção de “Artigos de Atualização” é composta por artigos que relatam informações atuais ou novas técnicas das áreas cobertas pela publicação. (Devem ter até 15 páginas com texto estruturado em introdução, desenvolvimento e conclusão). A seção de “Relato de Casos e Experiência” é composta de artigos que relatam casos ou experiências explorando um método ou problema através do exemplo. Os relatos de caso apresentam as características do indivíduo estudado, com indicação de sexo, idade e pode ser realizado em humano ou animal, ressaltam sua importância na atuação prática e mostram caminhos, condutas e comportamento para sua solução. (Devem ter até 8 páginas com a seguinte estrutura: introdução, desenvolvimento, conclusão). As demais seções são de responsabilidade dos Editores para definição do tema e convidados: Entrevista - envolvendo atores da APS; Tribuna – debate sobre tema polêmico na APS, com opinião de especialistas (2 páginas); Atualização bibliográfica - seção onde são divulgados lançamentos de publicações, resenhas (1 página) e resumos de dissertações ou teses (2 páginas), de interesse na APS; Serviço contempla a divulgação de eventos e endereços úteis; Notícias - eventos ocorridos, portarias ministeriais, relatórios de grupos de trabalho, leis de interesse na APS; Cartas - opiniões de leitores e sugestões sobre a revista são bem recebidas.
3. Os trabalhos devem ser encaminhados em disquete, acompanhado de 2 cópias impressas ou pela internet, programa “Word for Windows”, versão 6.0 ou superior, letra “Times New Roman” tamanho 12, espaço entre linhas um e meio, com o limite de páginas descrito entre parênteses em cada seção acima citada. Devem vir acompanhados de ofício de encaminhamento contendo nome dos autores e endereço para correspondência, e-mail, telefone, fax e serem endereçados à revista. Os trabalhos que envolverem pesquisas com seres humanos deverão vir acompanhados da devida autorização do Comitê de Ética da Instituição.
4. Os trabalhos devem obedecer à seguinte seqüência de apresentação: a) Título em português e inglês; b) nome completo (nomes seguido(s) do(s) sobrenome(s) do(s) autor(es) e, no rodapé a
indicação da Instituição a qual está vinculado, cargo e titulação; c) resumo do trabalho em português em que fiquem claros a síntese dos propósitos, os
métodos empregados e as principais conclusões do trabalho; d) palavras-chave – mínimo de 3 e máximo de 5 palavras-chave ou descritores do
conteúdo do trabalho, apresentadas em português de acordo com o DeCS – Descritores em Ciências da Saúde da BIREME- Centro Latino Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde – URL: www.bireme.br
e) abstract – versão do resumo em inglês; f) Key words – palavras chave em inglês, de acordo com DeCS; g) artigo propriamente dito, de acordo com a seguinte estrutura recomendada para cada
tipo de artigo, citados no item 2; h) as figuras (gráficos, desenhos, tabelas) devem ser enviadas em separado, com
indicação na margem do local de inserção no texto; as fotografias em preto e branco devem ser apresentadas em papel brilhante;
i) referências: Em conformidade com a última versão da NB 6023 da ABNT, disponível em: www.ufjf.edu.br/biblioteca (Normalização - ABNT)
Citações no texto: no corpo do texto citar apenas o sobrenome do autor e ano de publicação: Ex: 1 autor: Vasconcelos (2000), fazendo parte do texto- ou (VASCONCELOS, 2000) no final da frase ou parágrafo; 2 autores: Bruschini e Holanda (1998) ou (BRUSCHINI; HOLANDA, 1998). No caso de citações de documentos elaborados por 3 ou mais autores só deverá ser citado o primeiro autor seguido da expressão et al. Ex. Sampaio et al. (1998) ou (SAMPAIO et al., 1998). Em citações na íntegra, colocar também o número da página. Ex.: A educação em saúde é o campo de prática e conhecimento do setor saúde que se tem ocupado mais diretamente com a criação de vínculos entre a ação médica e o pensar cotidiano da população. (VASCONCELOS, 2000, p.25). Todas as referências citadas no texto, incluindo as de quadros, tabelas e gráficos deverão fazer parte das referências, apresentadas em ordem alfabética, no final do artigo.
A seguir apresenta-se alguns exemplos de referências bibliográficas:
Livro Autoria própria BIRMAN, J. Pensamento freudiano. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994. 204p. Sem autoria ANÁLISE do desempenho hospitalar: III Trimestre. Rio de Janeiro: CEPESC, 1987. 295p. Capítulo de Livro VASCONCELOS, E.M. Atividades coletivas dentro do Centro de Saúde. In: ________. Educação popular nos serviços de saúde. 3. ed. São Paulo: HUCITEC, 1997. cap.9, p.65-69. Dissertação CALDAS, C.P. Memória dos velhos trabalhadores. 1993. 245f. Dissertação (Mestrado em Saúde Coletiva) - Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1993. Tese TEIXEIRA, M.T.B. Sobrevida de pacientes com câncer de estômago em Campinas, SP. 2000. 114f. Tese (Doutorado em Saúde Coletiva) - Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2000. Trabalhos de Congressos, Seminários, Simpósios, etc. MAUAD, N.M.; CAMPOS, E.M. Avaliação da implantação das ações de assistência integral à saúde da mulher no PIES/UFJF. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE SAÚDE COLETIVA, 6, 2000, Salvador. Resumos... Salvador: Associação Brasileira de Pós-graduação em Saúde Coletiva, 2000. p.328, ref.1101. Artigo de Periódico Com um autor:
VALLA, V. V. Educação popular e saúde diante das formas de se lidar com a saúde. Revista APS, Juiz de Fora, n. 5, p. 46-53, 2000.
Com dois autores: WALKER, Z.; TOWNSEBD, J. Promoting adolescent mental health in primary care: a review of literature. Jornal of Adolescence, v. 21, n. 5, p.621-634, 1998.
Com três ou mais autores:. LEVAV, I. et al. A reestruturação da atenção psiquiátrica na América Latina: uma nova política para os serviços de saúde mental. Jornal Brasileiro de Psiquiatria, Rio de Janeiro, v. 43, n. 2, p. 63-69, fev. 1994.
Artigo de Jornal SÁ, F. Praias resistem ao esgoto: correntes dispersam sujeiras mas campanha de informação a turistas começa domingo. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 15 abr. 1999. Primeiro Caderno, Cidade, p.25. Referência de documentos de acesso exclusivo em meio eletrônico A. Banco de Dados ÁCAROS no Estado de São Paulo (Enseios concordis): banco de dados preparado por Carlos H.W. Flechtman. In: FUNDAÇÃO TROPICAL DE PESQUISAS E TECNOLOGIA “ANDRÉ TOSELLO”. Base de Dados Tropical: no ar desde 1985. Disponível em: <http://www.bdt.org/bdt/acarosp>. Acesso em: 28 nov. 1998. B. Lista de discussão BIOLINE Discussion List. List maintained by the Bases de Dados Tropical, BDT in Brasil. Disponível em: <[email protected]>. Acesso em: 25 nov. 1998. C. Homepage Institucional CIVITAS. Coordenação de Simão Pedro P. Marinho. Desenvolvido pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, 1995-1998. Apresenta textos sobre urbanismo e desenvolvimento de cidades. Disponível em: <http//www.gcsnet.com.br/oamis/civitas>. Acesso em: 27 nov. 1998. D. Arquivo em disquete UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ. Biblioteca Central. Normas.doc. normas para apresentação de trabalhos. Curitiba, 7 mar. 1998. 5 disquetes, 3 1/2 pol. Word for Windows 7.0. E. Base de Dados UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ. Biblioteca de Ciências e Tecnologia. Mapas. Curitiba, 1997. Base de Dados em Microlsis, versão 3.7. F. Software Educativo CD- ROM PAU no gato! Por quê? Rio de Janeiro: Sony Music Book Case Multimídia Educacional, [1990]. 1 CD-ROM. Windows 3.1.
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6. Os artigos recebidos são protocolados na secretaria da revista e encaminhados ao Editor Geral para distribuição ao Conselho Editorial em conformidade com as áreas de atuação e especialização dos membros e o assunto tratado no artigo. Todos os artigos são submetidos à avaliação de dois consultores que os analisam em relação aos seguintes aspectos: adequação do título ao conteúdo; estrutura da publicação; clareza e pertinência dos objetivos; metodologia; clareza das informações; citações e referências adequadas às normas técnicas adotadas pela revista e pertinência aos objetivos da revista. Os consultores preenchem o “formulário de parecer”, aceitando, recusando ou recomendando correções e/ou adequações necessárias. Nesses casos, os artigos serão devolvidos ao(s) autor(es) para os ajustes e re-envio; e aos consultores para nova avaliação. Resultado da avaliação é comunicado ao(s) autor(es) e artigos ficam disponíveis para publicação em ordem de protocolo. Não serão admitidos acréscimos ou modificações após a aprovação.
7. Os artigos devem ser enviados para:
Núcleo de Assessoria Treinamento e Estudos em Saúde (NATES) Revista de APS Campus da UFJF - CEP: 36016-970 Martelos Juiz de Fora – Minas Gerais Ou via internet através do E-mail: [email protected].