revista 49

52

Upload: fapemig

Post on 15-Mar-2016

228 views

Category:

Documents


6 download

DESCRIPTION

Revista da FAPEMIG

TRANSCRIPT

Page 1: Revista 49
Page 2: Revista 49
Page 3: Revista 49

AO

LE

ITO

R

EX

PE

DIE

NT

E

MINAS FAZ CIÊNCIADiretora de redação: Vanessa Fagundes Editor chefe: Fabrício MarquesRedação: Ana Flávia de Oliveira, Ariadne Lima, Juliana Saragá, Marcus Vinícius dos Santos e Maurício Guilherme Silva Jr.Colaboração: Desireé AntonioDiagramação: Beto PaixãoRevisão: Ana Beatriz TeroroProjeto gráfico: Hely Costa Jr.Editoração: Fazenda Comunicação & MarketingMontagem e impressão: Lastro EditoraTiragem: 20.000 exemplaresCapa: Hely Costa Jr. / Manipulação digital da escultura renascentista “Davi” (1504), de Michelangelo Buonarroti

Redação - Rua Raul Pompéia, 101 - 12.º andar, São Pedro - CEP 30330-080Belo Horizonte - MG - BrasilTelefone: +55 (31) 3280-2105Fax: +55 (31) 3227-3864E-mail: [email protected]: http://revista.fapemig.br

Blog: http://fapemig.wordpress.com/Facebook: http://www.facebook.com/FAPEMIGTwitter: @fapemig

GOVERNO DO ESTADODE MINAS GERAISGovernador: Antonio Augusto Junho Anastasia

SECRETARIA DE ESTADO DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA E ENSINO SUPERIORSecretário: Narcio Rodrigues

Fundação de Amparo à Pesquisado Estado de Minas Gerais

Presidente: Mario Neto BorgesDiretor de Ciência, Tecnologia e Inovação: José Policarpo G. de AbreuDiretor de Planejamento, Gestão e Finanças: Paulo Kleber Duarte Pereira

Conselho CuradorPresidente: João Francisco de Abreu Membros: Antônio Carlos de Barros Martins, Dijon Moraes Júnior, Evaldo Ferreira Vilela, Giana Marcellini, José Luiz Resende Pereira, Magno Antônio Patto Ramalho, Paulo César Gonçalves de Almeida, Paulo Sérgio Lacerda Beirão, Ricardo Vinhas Corrêa da Silva, Rodrigo Corrêa de Oliveira

Em abril, o País recebeu, com preocupação, a notícia de que 49% de sua população, ou seja, praticamente metade dos brasileiros, estão com excesso de peso. Os dados são de uma pesquisa encomendada pelo Ministério da Saúde que busca traçar um diagnóstico da saúde da população a partir de questionamentos sobre hábitos, tabagismo, consumo de bebidas alcoólicas, alimentação e atividades físicas. Foram mais de 54 mil pessoas entrevistadas nas 26 capitais brasileiras e no Distrito Federal. Os dados mostram que o percentual de pessoas obesas também cresceu: hoje, 15,8% dos brasileiros convivem com este problema.

Considerando que o excesso de peso está ligado a uma série de doenças como diabetes e cardiopatias, a notícia é também um alerta e um incentivo para a busca de hábitos mais saudáveis. A reportagem de capa da MINAS FAZ CIÊNCIA traz um panorama sobre o tema e mostra pesquisas que estão sendo desenvolvidas no Estado e fora dele com o objetivo de reverter esse cenário. Uma nova droga, a identificação de genes relacionados à obesidade e uma avaliação inédita que ajuda a combatê-la são algumas das iniciativas apresentadas pelo editor Fabrício Mar-ques. Além de ajudar a população, os resultados poderão servir de base para a formulação de políticas públicas de saúde preventiva.

Esta edição adianta pontos de um debate importante que será realizado em junho, na cidade do Rio de Janeiro. A Conferência Rio+20, promovida pela Or-ganização das Nações Unidas (ONU), tem como proposta discutir os rumos do desenvolvimento sustentável no mundo e fazer um balanço dos 20 anos desde a RIO 92. Em uma entrevista concedida ao jornalista Maurício Guilherme Silva Jr., o físico José Goldemberg aponta desafios e também oportunidades que se abrem a partir desse debate mundial. Para ele, o Brasil tem um papel importante no cenário internacional e chances de assumir a liderança em áreas como energia renovável.

Outro destaque é um projeto inovador (e também solidário) desenvolvido por uma equipe de alunos do Centro Universitário de Belo Horizonte. Eles projetaram um equipamento capaz de avisar aos deficientes visuais a cor exibida pelo sinal de trânsito. Os alertas chegam por meio de vibrações do aparelho, que fica preso no braço e recebe o sinal emitido pelos semáforos por radiofrequência. O resultado é maior autonomia para o deslocamento pelas ruas de BH. O grupo está negociando parcerias com empresas de trânsito para estudar a viabilidade da adoção do equi-pamento na cidade.

A inclusão também é o mote de outro projeto conduzido pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), cuja proposta é contribuir para o envelhecimento saudável por meio da inclusão digital. Os alunos, todos com mais de 60 anos, recebem informações sobre o funcionamento dos computadores e são incentivados a contar suas histórias por meio das redes sociais. O resultado é uma lição de vida: vencendo preconceitos, eles descobrem novas formas de fazer amigos e de se expressar.

Por fim, é um prazer para a MINAS FAZ CIÊNCIA publicar reportagem sobre os dois novos critérios de avaliação de pesquisadores que passarão a ser utilizados pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq): ino-vação e divulgação científica. Duas novas abas referentes aos temas serão incluídas na Plataforma Lattes, possibilitando valorizar e conhecer as iniciativas que já vêm sendo desenvolvidas. Esperamos que sirva também como incentivo para novas ações que promovam o debate e a inclusão da população nas matérias relacionadas à ciência, tecnologia e inovação.

Boa leitura!

Vanessa FagundesDiretora de Redação

Page 4: Revista 49

ÍND

ICE

EsPECIALReportagem aborda ações e pesquisas que buscam impedir o avanço da obesidade, doença que já afeta grande parte dos brasileiros

6

COmPORTAmENTOPesquisa traça perfil do consumo de álcool por estudantes de todos os cursos da Universidade Federal de Ouro Preto

36

AmEAçA AmbIENTALArtigo da Nature discute efeitos do desmatamento na floresta Amazônica, cujo colorido pode passar por significativas alterações

16

ACEssIbILIDADEDispositivo criado por estudantes do UniBH auxiliará circulação de deficientes visuais pelas ruas e avenidas das metrópoles

12

ALImENTAçãO sAuDávELIniciativa de extensão da Epamig estimula o cultivo de hortaliças e plantas medicinais em ambientes escolares e domésticos

20

ENTREvIsTAJosé Goldemberg fala de suas expectativas em relação à Conferência Rio+20 e discute os rumos da “economia verde”

28

46 ODONTOPEDIATRIAEstudo da PUC Minas analisa eficiência do óleo da castanha-do-pará (Bertholletia excelsia) no controle da placa bacteriana

LETRAs E NúmEROsTese de doutorado investiga apropriação de regras e conceitos matemáticos pelos escritores Jorge Luis Borges e Georges Perec

32

LEmbRA DEssA?Como anda o projeto interinstitucional responsável pelo primeiro software livre brasileiro de captura de movimentos?

39

TECNOLOgIAInclusão digital na terceira idade é sinônimo de envelhecimento saudável e bom relacionamento entre gerações

40DIvuLgAçãO CIENTÍfICASegundo novas regras do CNPq, publicação de projetos acadêmicos na mídia funcionará como balizador de produtividade acadêmica

24

músICAProjeto busca recuperar e organizar acervo da Banda de Música de Santa Cecília de Barão de Cocais, nascida em 1905

42

5 PERguNTAs PARA...Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Jefferson Cardia Simões comenta o futuro do Programa Antártico Brasileiro, o Proantar

49

Page 5: Revista 49

MINAS FAZ CIÊNCIA • DEZ/FEV 2012 5

CA

RTA

s

MINAS FAZ CIÊNCIA tem por finalidade divulgar a produção científica e tecnológica do Estado para a sociedade. A reprodução do seu conteúdo é

permitida, desde que citada a fonte.

Para receber gratuitamente a revista MINAS FAZ CIÊNCIA, envie seus dados (nome, profissão, instituição/empresa, endereço completo, telefone, fax e e-mail) para o e-mail: [email protected] ou para o seguinte endereço: FAPEMIG / Revista MINAS FAZ CIÊNCIA - Rua Raul Pompéia, 101 - 12.º andar - Bairro São Pedro - Belo Horizonte/MG - Brasil - CEP 30330-080

Nós, Gabriella P. Almeida e Natália C. Cos-ta, alunas do Ensino Médio e BICs Júnior da doutora Andréia Laura Prates Rodrigues, no projeto “Caracterização eletrofisiológica: os canais iônicos nas células MGSO-3 derivadas de tumor de mama primário”, ganhadoras do 1º lugar na categoria BIC Júnior do 3º Seminário Estadual de Iniciação Cientifica, gostaríamos de agradecer a atitude da FAPEMIG de nos oferecer bolsas para continuarmos na pesquisa.Participar deste programa, BIC Junior, não só permitiu o contato com a Ciência, como mudou a nossa vida. O projeto nos possibilitou a con-quista de bolsas no colégio Marista Dom Silvério e a possibilidade de termos um melhor ensino e maiores chances de sucesso no vestibular.Essa oportunidade mudou a nossa vida!Moramos no Aglomerado da Serra (favela de BH). Esse projeto nos mostrou que existe esperança, que existe um MUNDO fora do lugar onde vive-mos, que podemos fazer algo para ajudar as pes-soas, saber mais e transmitir nosso conhecimento.Na Universidade Fumec tivemos a oportunidade de participar, além da pesquisa, de disciplinas como, por exemplo, Metodologia Científica. A partir daí surgiu a oportunidade de participar-mos de um processo seletivo para estudantes

carentes e conseguimos. Foi com pesar que re-cebemos, a seguir, a notícia de que não teríamos mais a bolsa. A entrada no Marista não mudou a nossa situação financeira. A bolsa, apesar de pequena, nos permitia deslocar para a Univer-sidade e muitas vezes fazer lanche em períodos em que a pesquisa era prolongada. Mesmo as-sim, a vontade de participar da construção do conhecimento e sentir que podíamos fazer parte da mudança nos fez pedir à professora que nos aceitasse como voluntárias. Confessamos que não tem sido fácil. As nossas despesas aumen-taram e as receitas continuaram estáveis.No início do ano, início de fevereiro, quando a professora nos ligou dando a notícia do retorno das bolsas, uma mistura de alegria, animação, renovação e fé nos invadiu. Mais ainda, a cer-teza de que estaríamos de novo no laboratório, não só aprendendo, mas fazendo parte da cons-trução do conhecimento. Maravilhoso!Ao agradecermos a professora Andréia Laura fo-mos informadas que o mérito era todo da FAPE-MIG. Portanto, queremos agradecer por mais esta oportunidade e dizer que daremos o nosso melhor.Obrigado por nos dar a possibilidade de ficar mais perto do nosso sonho.Nós sonhamos ser Médicas (Natália: Obstetra; Gabriella: Cirurgia geral).Nós conseguimos passar por todas as dificul-dades, vencer os obstáculos, e estamos avan-çando nas barreiras. A sabedoria, o conheci-mento aprendido, a esperança e a fé são nossas ferramentas para uma grande conquista.Chegamos até aqui graças a nossa luta e às pes-soas que acreditaram na gente e nos ajudaram, e por isso mais uma vez agradecemos por acreditar e fazer parte da construção deste sonho.Guardem nosso nome: Gabriella e Natália! Bri-lharemos mais!Obrigada.

Gabriella P. Almeida e Natália C. CostaAlunas do Ensino MédioBelo Horizonte/MG

Page 6: Revista 49

sAú

DE

6 MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAIO 2012

um país em alerta

Quase a metade dos brasileiros está acima do peso. A boa notícia é que há em andamento ações e pesquisas que podem ajudar no combate à obesidade

Fabrício Marques

La Mona Lisa a los doce años (1958): óleo sobre tela de Fernando Botero

(1932), pintor colombiano

FOTO: Reprodução / MoMA

Page 7: Revista 49

MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAIO 2012 7

Cento e sessenta e quatro quilos. Era o peso do estudante de jornalismo João Luís Chagas Ferreira, de 23 anos e 1,73 metro, de Belo Horizonte, até março deste ano, antes de fazer uma cirurgia de redução de estômago. Ele mesmo pinta o cenário em que vivia: “Eu já tinha tentado todos os métodos possíveis de emagrecimento, remédios, tratamento com nutricionista, nutrólogo, endocrinolo-gista e dietas mirabolantes. Cheguei ao meu limite, e com 164 quilos era praticamente a única solução fazer a cirurgia. Pensei no procedimento durante alguns anos, li e pes-quisei muito antes de tomar a decisão”. Seus hábitos alimentares eram “os piores possí-veis”, segundo ele. Além de comer apenas alimentos muito calóricos e gordurosos, se alimentava poucas vezes por dia.

No último dia 11 de abril, João Luís subiu na balança e comemorou a perda de 20 quilos (“sem roupas, meu peso era 144.3 quilos”). Ele conta que sua família apoiou a sua decisão de operar, mas havia um certo grau de desconfiança. “Precisei estudar muito para explicar e desfazer al-guns mitos. Sinto que estou realizando um sonho meu e de meus familiares”, diz.

O estudante também reconhece que as propagandas de TV sobre alimentos e bebi-das de alguma forma o influenciavam. “Com certeza. Na verdade acho que ainda influen-ciam, mas de uma outra forma. Hoje sou mais controlado do que era antes, penso antes de comer tudo, não como mais por impulso”.

Um dia antes de João Luís constatar que havia perdido 20 quilos, o País recebia a notícia de que quase metade da popula-ção brasileira está acima do peso. Era o principal dado de estudo divulgado pelo Ministério da Saúde, com os resultados da última pesquisa da Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crôni-cas por Inquérito Telefônico (Vigitel 2011), promovida em parceria com o Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da Universidade de São Paulo.

Outras conclusões do estudo: o ex-cesso de peso e a obesidade aumentaram nos últimos seis anos no Brasil. A propor-ção de pessoas acima do peso no Brasil avançou de 42,7%, em 2006, para 48,5%, em 2011. No mesmo período, o percentual de obesos subiu de 11,4% para 15,8%. No Brasil, a proporção de obesos cresceu 38,6% em seis anos em 2011.

Em Belo Horizonte, 45,3% está acima do peso. Há cinco anos, o percentual era de 37,1%. O número de obesos também cresceu: 8,7%, em 2006, para 14,2% em 2011. As causas apontadas pelo Ministério da Saúde são o sedentarismo e os maus hábitos alimentares. A pesquisa é impor-tante fonte para o desenvolvimento de po-líticas públicas de saúde preventiva. Foram entrevistados 54 mil adultos em todas as capitais e também no Distrito Federal, en-tre janeiro e dezembro de 2011.

Para combater a obesidade, algumas pesquisas e ações empreendedoras estão em andamento. Nos Estados Unidos, um casal de cientistas brasileiros pesquisa uma nova droga, o adipodite, que pode inovar na luta pela redução de peso das pessoas. Em Belo Horizonte, uma pesquisadora procura identificar o perfil genético de alguns ge-nes relacionados com a obesidade. Em São Paulo, um nutrólogo apresenta um progra-ma, o Projeto Obesidade Zero, com chances de se tornar lei. Também na capital paulista, uma instituição, por meio de pesquisa e projetos de educação nutricional, cria ava-liação inédita de altura, de crianças e jovens, para combater a desnutrição e a obesidade. Conheça, a partir de agora, um pouco mais dessas iniciativas.

Fórmula inovadoraUma nova droga, chamada adipotide, foi

aplicada durante 28 dias em macacos rhesus (Macaca mulatta) que estavam obesos (pri-matas dessa espécie são muito usados em ex-periências científicas). No final do período, os símios perderam em média 11% de peso. De-talhe: ao mesmo tempo, não abriram mão de maus hábitos de saúde, com vida sedentária e ingestão de sorvetes. A pesquisa foi conduzida por dois brasileiros, o casal de cientistas Wa-dih Arap e Renata Pasqualini, do MD Anderson Cancer Center, ligado à Universidade do Texas em Houston (EUA). Os pesquisadores estive-ram no final do ano passado no Brasil para apresentar os resultados dos estudos. “O úni-co modelo fiel de obesidade em humanos são macacos Rhesus. O estudo foi caro e intenso em termos de demandas de talento e tempo, mas sem dúvida, foi imprescindível validar a ação do adipotídeo nesta espécie”, afirma a médica, em entrevista por e-mail.

Por que podemos dizer que essa pesqui-sa inovou a luta contra a obesidade? Responde

Renata: “Descobrimos um endereço molecular específico para vasos sanguíneos nutrindo o tecido adiposo. Assim sendo, podemos des-truí-lo de forma específica com poucos efeitos colaterais. Estudos clínicos mostrarão o poten-cial do composto chamado adipotídeo, ainda a ser estudado em humanos”

O adipotídeo acumula nos rins e pro-duz uma toxicidade reversível em doses elevadas e administração prolongada. Mas o FDA deu permissão para que testes clíni-cos prossigam em pacientes com câncer de próstata e massa corporal alta. O racional é que a obesidade tem efeito pró-tumoral, e sua reversão ajudaria a desacelerarar o cres-cimento de tumores. “Sem dúvida, precisa-mos de uma versão que não acumula nos rins. Estamos trabalhando nisto, para alterar a estrutura química e obter um composto igualmente efetivo e menos tóxico”, revela.

Ela explica que a tecnologia desen-volvida por sua equipe mapeia o sistema de “endereçamento postal” do corpo hu-mano. “Assim sendo, podemos aplicar o sistema de localização específica para qualquer tecido, normal ou maligno. Todos os tecidos têm assinaturas moleculares específicas. Começamos mapeando os en-dereços em câncer, e também estudamos aqueles associados com o tecido adiposo”.

Normalmente, os tratamentos con-tra obesidade ou suprimem o apetite ou aumentam o metabolismo periférico. No método desenvolvido pelos cientistas brasileiros, ocorre a destruição dos vasos sanguíneos que irrigam o tecido adiposo branco. A pesquisadora descreve como se dá todo o processo: “É simples, os vasos morrem quando internalizam o adipotídeo, e as células gordurosas liberam a gordura vagarosamente”. É como uma “dieta mo-lecular”, diz. E completa: “O processo é vagaroso, portanto não há problemas com aumento massivo de lipídios na circulação, o que seria um problema sério, causaria esteatose, e problemas cardiovasculares”.

Nos Estados Unidos, 27,6% dos adultos são obesos. No Brasil, a pesqui-

FDA, sigla para Food and Drug Admi-nistration, é a agência governamental norte-americana que lida com o con-trole das indústrias alimentícias e de medicamentos naquele país

Page 8: Revista 49

8 MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAIO 2012

sa recém-divulgada pelo Ministério da Saúde sinaliza para um aumento desse contingente. Qual a melhor política pública para tratar do problema? Renata Pasquali-ni considera que este é um debate sério. “Creio que a busca de novos tratamentos é crucial, a pesquisa na área necessita mais atenção e investimento”, pondera. Sua po-sição é bastante clara: quanto a mudanças em estilo de vida e equilíbrio nutricional, é bem estabelecido que perder peso é extre-mamente difícil. A observação de obesida-de em crianças é superagravante porque, com a idade, a massa corporal tende a au-mentar. “Então, a situação fica mais e mais séria, no sentido de que perder muito peso é um desafio monumental”, avalia.

Renata e Wadi começaram este pro-grama por volta de 2001 no MD Anderson Cancer Center. “Lideramos nosso laborató-rio juntamente, e somos casados há quase 20 anos. Trabalhamos muito eficientemente juntos, com grande sinergia e respeito mú-tuo. O time de cientistas e médicos associa-dos a nós, tanto quanto nossos colabora-

dores no mundo todo, apreciam o fato de que o programa é liderado desta maneira. As decisões são feitas baseadas em debates saudáveis e fatos, não só na preferência de um indivíduo liderando isoladamente. Gos-tamos muito deste sistema, funciona bem”.

A genética da obesidade mórbida

A biomédica Cinthia Vila Nova Santa-na, do Laboratório de Neurociência, ligado à Faculdade de Medicina da Universidade Fe-deral de Minas Gerais (UFMG) e ao Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Me-dicina Molecular (INCT-MM), faz pesquisa sobre a genética da obesidade mórbida, orientada pelo professor Marco Aurélio Ro-mano Silva, com coorientação da professora Débora Marques de Miranda.

Sua pesquisa se iniciou ainda no úl-timo ano da graduação, quando foi fazer o estágio curricular no Laboratório de Neu-rociência, em 2010. Em março de 2011 en-trou para o mestrado no programa de pós--graduação em Medicina Molecular e deu

continuidade à pesquisa. No momento ela está na fase de término dos experimentos para posterior análise estatística.

São consideradas causas principais para o excesso de peso a ingestão alimen-tar associada ao estilo de vida sedentário, além da abundância de alimentos calóricos e pouco nutritivos característicos da socie-dade globalizada. “No entanto, apesar da importância do fator ambiental, estudos apontam a forte participação das variantes genéticas, sendo responsáveis por cerca de 30-50% da variação fenotípica observa-da na obesidade”, ressalta Cinthia.

Como lembra a biomédica, pesquisas com gêmeos chegam a considerar a influên-cia genética em torno de 70% no desenvol-vimento da patologia. A Diretriz Brasileira de Obesidade (2009 e 2010) afirma que o risco de se desenvolver a obesidade, quando ne-nhum dos pais é obeso, é de 9%. Quando um dos genitores é obeso, esse índice eleva--se a 50%, atingindo 80% em caso de am-bos os pais estarem acima do peso.

Nesse contexto, sua proposta é reali-zar a determinação do perfil genético para alguns genes (FOXO3A, POMC e AMPK) que estão relacionados com a obesidade, mas ainda não se sabe ao certo como.

O trabalho envolve o recrutamento de indivíduos obesos mórbidos com um termo de consentimento, para posterior realização de exames clínicos e laboratoriais. A pesqui-sadora trabalha diretamente com a amostra de DNA desses indivíduos, realizando a genotipagem deles, ou seja, determinando o perfil genético dos obesos mórbidos para

FórmulA do CrEN pArA CombAtEr dEsNutriçãoE obEsidAdE iNClui AvAliAção iNéditA dE AlturA

Há três índices que podem ser empregados para se interpretar a aferição de peso e estatura de uma criança/adolescente: o peso para idade (P/I); o peso para estatura (P/E) ou índice de massa corporal (IMC) e a estatura para idade (E/I).

De acordo com Gisela Solymos, no Brasil, por muitos anos, foi usado o P/I. Em alguns países, como o Haiti, onde a subnutrição aguda é gravíssima, usa-se o P/E ou IMC, que indica o estado de magreza de uma criança, mostrando se o peso que ela tem naquele momento está adequado para a sua altura. Esse índice é bom para as situações de guerra.

O P/I verifica se o peso da criança está de acordo com o que é esperado para a sua idade. “É um índice fácil de aferir e, de certo modo, contém um pouco da informação da estatura da criança, pois uma criança com um peso adequado para sua idade tem mais chances de contar também com uma estatura adequada”, explica Gisela.

Por muitos anos o Brasil usou esse índice, mas ele ainda não reflete a totali-dade da situação nutricional de crianças brasileiras. Há crianças que têm um peso adequado, mas contam com uma baixa estatura. A diretora-geral do Cren observa: “desde o início de seu trabalho, há 20 anos, o Cren optou por aferir o indicador E/I, para verificar a qualidade da recuperação nutricional que estávamos promovendo, uma vez que uma criança pode engordar, mas não crescer, se a sua dieta não tiver uma adequação às suas necessidades proteicas. Fazendo assim, provamos que era possível recuperar estatura de crianças gravemente desnutridas”.

FOXO3A é um fator de transcrição que, por isso, pode ativar e inibir determi-nados genes alvos. Partindo desse princípio, Cinthia propõe analisar dois genes alvos nos quais FOXO3A esta-ria atuando na condição de obesidade mórbida: POMC e AMPK.POMC (proopiomelanocortina) é um neuropeptídio que inibe o apetite. AMPK (proteína quinase ativada) está intimamente relacionada com o meta-bolismo de glicose e lipídios em res-posta à demanda energética. A relação de FOXO3A com POMC e AMPK ain-da não está bem esclarecida, o que reforça a necessidade da pesquisa.

Page 9: Revista 49

MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAIO 2012 9

os genes de interesse da pesquisa a partir da técnica de PCR (Reação em Cadeia da Poli-merase) em tempo real. O mesmo acontece com o grupo dos controles.

Os pacientes obesos mórbidos são abordados no Hospital Felicio Rocho, em Belo Horizonte, pelo médico Adauto Versiani (Cinthia não participa dessa parte). É coleta-do sangue (5 ml apenas) desses indivíduos e uma bateria de exames clínicos é realiza-da (como a dosagem de glicose no sangue, colesterol, triglicerídios), além de levantar dados como peso, altura e idade.

O sangue coletado é enviado ao Labo-ratório de Genética Molecular na Faculdade de Medicina. Lá será feita a extração do DNA e a partir daí são feitas reações de polimera-se em cadeia (PCR) para a genotipagem dos indivíduos. “A PCR consiste basicamente na cópia do fragmento de DNA de interesse, uma espécie de xerox do DNA. Com os reagentes específicos é possível então determinar esse perfil genético. Com o conjunto de dados clí-nicos mais os dados genéticos é realizada, por fim, a análise estatística e, posteriormente, a interpretação dos resultados”, diz Cinthia.

A relação entre genética e obesidade permite perguntas como essa: homem e mulher que tenham obesidade mórbida e percam peso, chegando a índices “normais” de peso, caso tenham um filho, esse filho terá o risco genético de ter obesidade mór-bida? A pesquisadora da UFMG responde: “Se esse homem e essa mulher possuírem no seu código genético a pré-determinação para a obesidade, grandes são as chances de o filho apresentar excesso de peso tam-bém. O fato de os pais emagrecerem che-

gando aos índices dentro da normalidade implica um fator ambiental e não genético”. Portanto – explica Cinthia –, a prática de exercícios físicos e uma alimentação sau-dável podem contribuir significativamente para a manutenção do peso ideal, no entanto não exclui a influência genética para a ten-dência de ganho de peso.

desnutrição e obesidadeEm 1995, um grupo de pesquisadoras

– dentre elas a psicóloga Gisela Solymos – publicou artigo sobre pesquisa, realizada en-tre 1990 e 1991, que identificou a coexistên-cia da desnutrição e obesidade. A conclusão era que a obesidade na pobreza decorre de desnutrição na infância. “Naquele trabalho encontramos um percentual significativo de meninas adolescentes (mais de 10%) que tinham baixa estatura e apresentavam sobre-peso. Investigando esse grupo, verificamos que 21% dos adolescentes que foram des-nutridos (baixa estatura) apresentam hiper-tensão, contra uma prevalência de 7% na população em geral, bem como deficiências no metabolismo do açúcar”, diz Gisela.

A psicóloga explica que a obesidade é uma forma com a qual o organismo se de-fende da pobreza: em situações adversas, o sistema nervoso central regula o metabolis-mo para reter energia em forma de gordura. “O melhor modo de resolver isso é impe-dindo que ela aconteça, ou seja, evitando e/ou recuperando a desnutrição, permitindo à criança o crescimento esperado para sua idade. Depois que o problema se instala, o tratamento é aquele clássico do obeso, hi-pertenso e/ou diabético”, afirma.

Dois anos antes da publicação dessa pesquisa, em 1993, foi implantada em São Paulo a primeira unidade do Centro de Re-cuperação e Educação Nutricional (Cren). Por seu trabalho à frente do Cren, a direto-ra-geral, Gisela Soylmos, recebeu o Prêmio Empreendedor Social 2011, iniciativa da Folha de S. Paulo e da Fundação Schwab. Dentre outros méritos, o Cren criou uma fór-mula para combater desnutrição com base em avaliação inédita de altura da criança e do adolescente (leia box). E preocupa-se também com a questão do excesso de peso em seu público-alvo: “Atualmente temos um projeto de pesquisa em andamento so-bre métodos educativos na recuperação de crianças e adolescentes obesos”.

A principal preocupação do Cren, diz Gisela, é indicar um método de conheci-mento e de intervenção na realidade. Este método permite ao profissional de saúde olhar para a realidade mais atentamente, bem como lhe oferece instrumentos ade-quados para enfrentar problemas inespera-dos e novas situações.

Educação nutricionalO Cren também tem inovado ao propor

um novo olhar sobre a educação nutricional. Nesse sentido, pode-se perguntar: quais as medidas fundamentais para transformar as práticas de educação nutricional no País, e de que modo elas podem ajudar no combate à obesidade? “Essa é uma pergunta gigante! Bem, podemos começar por usar toda a tec-nologia da publicidade para difundir formas de alimentação saudável; depois poderíamos envolver as escolas nessa batalha, começan-do da educação infantil, com técnicas ade-quadas de educação nutricional. Finalmente, é necessário que os alimentos frescos este-jam disponíveis e sejam acessíveis a todas as camadas da população”, observa a diretora--geral. De acordo com ela, com um modelo contemplando tais elementos avançaríamos muito no combate à desnutrição, entendida como subnutrição e obesidade.

Outro destaque são as oficinas que estimulam o protagonismo de pais e filhos. Isso acontece proporcionando momentos de convivência, em geral, tendo o alimento como tema, coordenados por um profis-sional de Psicologia e de Nutrição. Nesse momento, explica Gisela, trabalham-se as características do alimento, o seu preparo

Foto

: Ren

ato

Stoc

kler /

Divu

lgaç

ão

Gisela Solymos, do Centro de Recuperação e Educação Nutricional

Page 10: Revista 49

10 MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAIO 2012

e o próprio momento da refeição, consi-derando que os aspectos nutricionais, de preparo e higiene sejam relacionais.

Para a diretora-geral do Cren, é preci-so criar um ambiente em que viceje a “cul-tura de responsabilidade”, estimulando os pais a desenvolver essa cultura. “Respon-sabilidade vem de responder, de dar uma resposta a uma determinada situação”, diz Gisela. Para ela, desenvolver a cultura da responsabilidade significa educar com uma capacidade de resposta às diferentes situa-ções que são dadas àquela mãe, criança ou família. Isso significa estar juntos com as famílias e ajudar a entender o que está acon-tecendo e qual o melhor modo de responder a uma circunstância. Significa ir atrás de recursos concretos (auxílios, serviços) e de instrumentos de capacitação que possam auxiliar nesse processo. Gisela completa: “o estímulo para uma cultura da responsabili-dade nasce de um reconhecimento de quem sou eu, de minha dignidade e da tarefa que me é dada, daquilo ao qual eu sou chamada nesse momento (como mãe/pai, esposa(o), trabalhador(a), cidadã(o) etc)”.

Sabemos do apelo que há, entre crianças, da publicidade de alimentos como hambúrguer e batata frita. É possível promo-ver hábitos de vida saudáveis entre esse pú-blico? “Claro! Fazendo um apelo contrário! Como eu disse, se falamos em larga escala, precisaríamos ter a publicidade a nosso fa-vor. Em âmbito clínico, lançamos mão de outras estratégias, como as ações das quais falamos aqui”, esclarece.

Gisela Solymos entende que a me-lhor maneira de inserir a nutrição na escola a fim de que os jovens se envolvam mais com o assunto é adotando um tema trans-versal: “Fizemos um projeto de enorme su-cesso, chamado ‘Eu Aprendi, Eu Ensinei’, que fez exatamente isso”. A realização des-te programa, entre 2004 e 2005, envolveu 53 escolas públicas de ensino médio em 11 localidades do Norte de Minas Gerais, e reuniu 800 professores e 23 mil alunos. A participação desses professores e alunos, dos diretores das escolas, de Superinten-dências Regionais de Ensino e da Secreta-ria de Estado da Educação/MG possibilitou mudanças que muitos céticos não acredi-tavam viáveis, e confirmou a importância da escola como instrumento para a reno-vação de lugares e pessoas.

“Foi um dos projetos mais boni-tos que já fizemos, por sua capacidade de mobilização e valorização da escola, e pe-los resultados que provocou na vida dos alunos”, ressalta. Gisela conta que eles se questionaram profundamente sobre o tema da nutrição, e mudaram conceitos e pré--conceitos, tais como o de que aleitamento materno prejudica a beleza do corpo. Ao invés, descobriram a beleza do aleitamento materno, a importância do cuidado com o corpo e a necessidade que a sociedade tem destes conhecimentos.

Com entusiasmo, Gisela Solymos não deixa pergunta sem resposta: o que deve ser levado em conta na capacitação de agentes de saúde e estudantes de Medicina para combater desnutrição e obesidade? “Uma boa formação em nutrição, além das técnicas de busca ativa. Para enfrentar esse problema, é necessário que o profissional vá à casa da família e esteja disposto a conviver com ela”. Ou então: como lidar com uma criança caren-te que tenha obesidade mórbida? “Da mes-ma forma como com qualquer outra criança: buscando um equilíbrio em sua dieta”.

Em 2002, o Cren participou do se-minário internacional “Nutrición Infantil y Educación em Zonas Urbano Marginales - Propuesta de um nuevo enfoque integral”. Comparando com o que foi apresentado àquela época, dez anos depois, Gisela te-ria mudado a maneira de ver o problema? “Sim e não. Na verdade, o problema mudou: a obesidade cresce a passos largos entre a população infanto-juvenil, e a desnutrição está cada vez mais associada a situações de extrema miséria, e a condições de enorme sofrimento humano, e não somente mate-rial. Contudo, nosso método, que propõe seguir a realidade segundo suas caracterís-ticas, revelou-se e revela-se sempre mais vencedor, pois não se trata de um esquema pré-definido, mas de um caminho para en-trar em real diálogo com a realidade”.

obesidade ZeroEm 8 de novembro do ano passado,

no XIX Congresso Brasileiro de Nutrição Parenteral e Enteral, em Santa Catarina, foi apresentado o Projeto Obesidade Zero, que tem como objetivo erradicar a doença que já é considerada a epidemia do século XXI. Atualmente, o Projeto, uma criação do nutrólogo Daniel Magnoni, é tema de dois

imC• O Índice de Massa Corporal (IMC)

é obtido a partir da razão entre o peso (em kg) e a altura do indiví-duo ao quadrado (m²)

• Quem tem IMC igual ou superior a 25 Kg/m2 é classificado como pré-obeso.

• Quem tem IMC igual ou superior a 40 Kg/m2 é classificado como obe-so nível III (obesidade mórbida).

CombAtE À obEsidAdE • A obesidade é um grande fator de

risco para a saúde e tem forte re-lação com altos níveis de gordura e açúcar no sangue, excesso de colesterol e casos de pré-diabetes.

• Pessoas obesas também têm mais chance de sofrer com doenças car-diovasculares, principalmente isquê-micas (infarto, trombose, embolia e arteriosclerose), além de problemas ortopédicos, asma, apneia do sono, alguns tipos de câncer, esteatose he-pática e distúrbios psicológicos

obEsidAdE mórbidA• O quadro de obeso mórbido se dá

quando a educação alimentar, a prática de exercícios físicos regula-res e o tratamento farmacológico já não são suficientes para o indivíduo perder peso de forma significativa.

• Inúmeros fatores contribuem para o desenvolvimento da obesidade, tais como fatores sociais, com-portamentais, psicológicos, meta-bólicos, celulares e moleculares, tornando-se difícil atribuir apenas uma causa para o excesso de peso.

• Por essa razão, esta patologia é con-siderada uma doença multifatorial com origens genéticas e ambientais, resultante basicamente de um dese-quilíbrio entre a quantidade de calo-rias ingeridas e aquelas consumidas com o metabolismo, associado ao perfil genético do indivíduo.

FONTE: Ministério da Saúde /Cinthia Vila Nova Santana

Page 11: Revista 49

MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAIO 2012 11

projetos de lei que preveem sua aplicabili-dade na cidade de São Paulo. Ambos estão tramitando em comissões parlamentares em níveis municipal e estadual.

O programa Obesidade Zero fechou uma parceria com o exército brasileiro e terá acesso a dados de estatura e peso dos últimos 20 anos de todos os jovens que se alistaram no Sudeste do Brasil quan-do completaram 18 anos. Os dados serão apresentados na Semana Obesidade Zero, de 28 de maio a 1º de junho, no Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, e apon-tarão para o aumento da obesidade, mas principalmente o aumento de jovens dentro do percentil de IMC acima de 25 e acima de

proJEto obEsidAdE ZEroConheça os nove pontos estabelecidos para o programa, seguidos de comentários exclusivos do médico Daniel Magnoni

1Educação em Nutrição Saudável nas escolas básicas e no currículo escolar.

“Por meio da educação teremos crianças aptas a escolhas saudáveis e educadores da família. Sabemos que as crianças podem ser molas condutoras de processos educacionais nas famílias. Vejam o exemplo das lixeiras coloridas, as crianças sempre sabem para que cor deve ser direcionado o lixo classificado”

2Estímulo aos hábitos de vida relacionados ao combate à obesidade.

“Escolha saudável, cuidados de saúde”

3Estímulo a atividade física, esporte e ginástica.

“Incremento de possibilidades em escolas, aglomerados sociais e empresas”

4Efetivação e obrigatoriedade de profissionais de Nutrição nas unidades básicas de saúde, configurando a avaliação nutricional, principalmente de peso e altura, como a porta de entrada do sistema.

“Este item é ncessário para a triagem e os projetos educacionais. Configurar uma porta de entrada, um filtro da obesidade”

5Desenvolvimento de projetos clínicos amplos com pesquisas e enfoques regionais e adaptadas às situações epidemiológicas, econômicas e culturais.

“Projetos de impacto, que motivem a população. Divulgação de resultados impactantes e geradores de mídia. Na sequência a população passa a conhecer as ferramentas de combate à obesidade”

7Envolvimento empresarial do setor alimentício, interagindo com a população em atividades de motivação e mobilização no combate à obesidade.

“Reduzir alimentos obesogênicos, utilizar os rótulos para educação”

8Envolvimento das empresas de comunicação, na divulgação do projeto e no estímulo a atividades relacionadas.

“Parcerias com as universidades, gerando material de promoção e envolvimento com a causa”

9Desoneração fiscal aos produtos alimentícios relacionados ao controle da obesidade.

“O alimento que emagrece está muito mais caro que aquele que engorda”

6Normatização e legislação em alimentação saudável no enfoque que envolve marketing e propaganda.

$

30, projetando um grande e forte aumento na obesidade nacional.

Magnoni tem defendido a necessida-de de que a porta de entrada nos postos de saúde seja o nutricionista, “que deve atender antes mesmo do médico a paciente que vai fazer o pré-natal, quem vai tratar uma hiper-tensão ou mesmo pedir medicação para um problema gastrointestinal”. Em seu ponto de vista, a triagem sempre deve ser completada com peso e altura, seja em qualquer doença ou atendimento. “Na medida que temos es-ses dados, já poderemos colocar o paciente em avaliação nutricional diretamente, inde-pendentemente da doença ou do motivo que levou o paciente à unidade de saúde”.

Foto

: Divu

lgaç

ão

O nutrólogo Daniel Magnoni

Page 12: Revista 49

ENg

ENh

AR

IA

12 MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAIO 2012

sinal verdepara aliberdade

Acionado conforme a cor exibida nos semáforos, dispositivo criado por estudantes do UniBH facilita circulação dos deficientes visuais pelas ruas e avenidas das metrópoles

Maurício Guilherme Silva Jr.

Page 13: Revista 49

MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAIO 2012 13

Dados do Censo Demográfico 2010, publicados pelo Instituto Brasileiro de Geo-grafia e Estatística (IBGE), revelam que cerca de 35,8 milhões de pessoas no País sofrem de deficiência visual – dentre as quais, 528 mil possuem cegueira completa. Imagine o leitor a miríade de desafios enfrentada por tais cidadãos, dia a dia, nos grandes cen-tros urbanos, onde a solidariedade parece escassa e os problemas logísticos multipli-cam-se de forma exponencial, ao ritmo da ampliação do número de carros nas ruas e avenidas. No trânsito das metrópoles, é sempre bom lembrar que, afora os obstácu-los próprios da ausência de visão, os cegos percebem seus direitos civis acachapados, justamente, em função da precariedade das políticas de circulação: em meio a veículos sempre dispostos a acelerar, de que modo atravessar, com segurança, a mais pacata das vias públicas?

Com o inovador (e solidário) auxí-lio de estudantes do Centro Universitário de Belo Horizonte (UniBH), os deficientes visuais ganham nova oportunidade para caminhar com tranquilidade por entre as desafiadoras alamedas das megacidades. Sob orientação do professor Euzébio de Souza, coordenador do curso de Engenha-ria Elétrica da Instituição, oito alunos de-senvolveram o Transponder, equipamen-to individual capaz de avisar às pessoas com cegueira total, no exato instante em que buscam atravessar ruas ou avenidas, a cor exibida pelo sinal de trânsito. Afivelado ao braço do usuário, o dispositivo vibra de modo distinto conforme a luz – amarela, verde ou vermelha – do semáforo.

De acordo com a “tonalidade” da sinaleira, variam o tempo e a intensidade

de vibração do aparelho atado ao corpo do pedestre com deficiência visual: “Os-cilações prolongadas indicam a possi-bilidade de do cidadão atravessar a via pública em segurança, pois o sinal está vermelho para os automóveis”, destaca Souza, ao explicar, ainda, que a troca de “informações” entre o Transponder e o equipamento de tráfego dá-se por meio de radiofrequência. Para que o mecanis-mo funcione, portanto, é necessário ins-talar, nos semáforos, circuitos integrados capazes de enviar ondas eletromagnéti-cas ao aparelho.

Fábrica de empreendedoresO desenvolvimento do Transponder

foi proposto pelos alunos, em agosto de 2011, durante as aulas de Trabalho Interdis-ciplinar de Graduação (TIG), disciplina que, nos diversos cursos do UniBH, busca es-timular, semestre a semestre, a “interação” entre múltiplas áreas do conhecimento. No TIG da Engenharia Elétrica, o corpo discente é convidado a elaborar e aperfeiçoar – ao longo dos períodos letivos – serviços e/ou artefatos inovadores. “Ao longo da gradua-ção, os estudantes têm tempo para criar e sofisticar suas invenções”, ressalta Euzébio de Souza, ao comentar, ainda, a possibilida-de de, antes mesmo da formatura, os estu-dantes investirem em iniciativas como o pa-tenteamento de novas ferramentas e ideias.

“Ao impacto social das inovações, some-se a chance de os alunos finalizarem o curso com ótima oportunidade de negócio nas mãos”, afirma o professor, para quem a busca por novos produtos e serviços revela--se a força-motriz a mobilizar os alunos de Engenharia Elétrica do UniBH: “Entendemos que, em diversas áreas, o Brasil carece de projetos acadêmicos e científicos. Isso nos motiva a mostrar aos estudantes a possibili-dade de investimento em projetos realmente

A equipe responsável pelo desenvol-vimento do Transponder é composta pelos estudantes Guilherme Henrique Camelo, Rafael Zanini, Marcelo Fa-leiro, Lílian de Melo Costa, Jurandir Agostinho, Bruno Vianna, Breno Mon-teiro e Gustavo Almeida de Oliveira.

Batizado oficialmente de Transponder configurável para deficientes visuais, o dispositivo eletrônico (comple-mentar de automação) busca receber, amplificar e retransmitir sinal em fre-quência diferente, ou transmitir men-sagem pré-determinada – a partir de fonte específica – em resposta a outra, também pré-definida por fonte especí-fica. O termo Transponder é a abrevia-ção para Transmitter-Responder.

“Oscilações prolongadas indicam a possibilidade de o cidadão atravessar a via pública em segurança, pois o sinal está vermelho para os automóveis”

Euzébio de SouzaCoordenador do curso de Engenharia Elétrica

Page 14: Revista 49

14 MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAIO 2012

inovadores, capazes, inclusive, de transformar o curso de graduação numa experiência única”.

Bons conceitos e iniciativas, contudo, dizem respeito não apenas à organização acadêmica dos trabalhos, mas também – e principalmente – ao es-forço, ao talento e ao “espírito visionário” dos alu-nos, sempre engajados nos desafios semestrais. No caso do Transponder, a proposta de desenvolvimento do produto nasceria das indagações de um de seus co-autores, o estudante Guilherme Henrique Came-lo, que, certa vez, presenciara a dificuldade de um deficiente visual em atravessar uma movimentada avenida da capital mineira. Da cena urbana viriam as poucas (e férteis) dúvidas do projeto: o que fazer para que indivíduos com problemas de visão possam usu-fruir melhor do espaço público? E de que modo, afi-nal, permitir que “enxerguem” os sinais de trânsito?

“Como em todo trabalho em equipe, no início, não havia consenso quanto à eficácia do projeto. Após uma série de debates no grupo, contudo, resolvemos investir no Transponder. No fundo, sabíamos que tudo poderia dar certo”, recorda-se Guilherme, que, desde o ensino médio, realizado no Serviço Social da Indústria (SESI), cultiva o pendor pelo empreendorismo: “Quan-to tive a ideia do equipamento, pensei ‘lá na frente’. Afi-nal, trata-se de produto que pode emplacar, já que não há nada parecido no mercado”.

Apresentado às questões suscitadas por Gui-lherme, o colega Rafael Zanini – também integrante do grupo de TIG – seria o primeiro a destacar, em contraponto à óbvia impossibilidade de percepção das cores pelos deficientes visuais, a grande capa-cidade tátil de tais indivíduos. Iniciava-se, assim, a construção de respostas práticas aos problemas de pesquisa. Pois a partir de elementos de sua própria rotina, os estudantes buscariam soluções criativas para “as pedras” do caminho.

Ao discutir a habilidade dos deficientes visu-ais em reconhecer “o mundo” pelo tato, os pesqui-sadores lembraram-se, como num divertido passe de mágica, do funcionamento dos joysticks de jo-gos eletrônicos – os quais, em corridas virtuais de carros, por exemplo, são responsáveis, por meio de vibrações no controle acionado pelo jogador, pela simulação das reentrâncias da pista ou da frenética tensão do motor. “O grupo de TIG, então, adaptou o circuito integrado do joystick ao protótipo do Trans-ponder”, elucida Euzébio de Souza.

Na frequênciada solidariedade

Ao longo das etapas de produção, desde me-ados do ano passado, o Transponder passaria por

significativas modificações – a começar pela substituição do “motorzinho” de joystick por mecanismo mais sofisticado, construído pelos estudantes com peças encontradas em lojas especializadas. Trata-se de circuitos eletrônicos que, após manipulados, tornam-se capazes de transmitir ondas eletromagnéticas: “O sistema, no qual fios recebem energia e enviam sinais de rádio, foi todo construí-do pelo grupo”, ressalta o professor.

Para além das questões técnicas, porém, os cuidados com o bem-estar dos usuários tomou a maior parte da atenção dos pesquisadores. Afinal, as metas do projeto diziam respeito à possibilidade de garantir maior autonomia e liberdade aos deficientes visuais. Exatamente por isso, durante as etapas de produção do Trans-ponder, realizaram-se simulações do equi-pamento com o auxílio de um professor de Braille do Instituto São Rafael, entidade especializada no atendimento educacional à pessoas com problemas de visão.

Como resultado de tal colaboração, surgiram os novos desafios e demandas, que, neste primeiro semestre de 2012, prenderão a atenção dos jovens pes-quisadores. Trata-se, em primeira lugar, da tentativa de diminuir o tamanho do Transponder, de modo a que o equipa-mento torne-se cada vez mais bonito e confortável aos usuários. Por outro lado, os estudantes buscarão ampliar, segundo Guilherme Camelo, os níveis de confia-bilidade da ferramenta: “O projeto já é bastante confiável. Apesar disso, quanto mais segurança, melhor! Afinal, o apa-relho será usado, nas ruas, por pessoas com necessidades especiais”, enfatiza.

Neste momento, afora as pesquisas em busca da miniaturização do Trans-ponder, os estudantes negociam parce-rias com instituições como a Empresa de Transportes de Trânsito de Belo Horizonte (BHTrans). Para ampliar as possibilidades da solidária invenção, será fatalmente ne-cessária a ampliação de recursos e infraes-trutura. “Enquanto isso, o grupo aguarda o andamento do processo de patenteamento, já iniciado, de sua ótima invenção”, con-clui o professor Euzébio de Souza.

“Como em todo trabalho em equipe, no início, não havia consenso quanto à eficácia do projeto.

Após uma série de debates no

grupo, contudo, resolvemos investir no Transponder. No

fundo, sabíamos que tudo poderia dar certo”

Guilherme Henrique CameloEstudante

Page 15: Revista 49

MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAIO 2012 15

Cu

RTA

s D

A C

IÊN

CIAFo

to: G

leiss

on M

ateu

s

filhotes raros de cascavelsão atração na funedDora, Aimoré e Caiuá. Esses são os nomes dos filhotes de cascavel recém-nascidos na Fundação Ezequiel Dias (Funed). Eles são fruto do acasalamento de duas subespécies da cascavel Durissus: a fêmea Collili-neatus e o macho Cascavella. “Foi um acasalamento inesperado, pois as cobras estão em idade avançada de reprodução e ainda fomos surpreendidos pela coloração diferenciada e rara dos filhotes”, afirma o chefe do Serviço de Animais Peçonhentos da Funed, Rômulo Righi de Toledo.

Segundo ele, o desenho formado pelas escamas é uma característica genética das serpentes e, no caso da cascavel, é muito específico em todo o corpo, sempre em tons amarronzados, alguns mais claros e outros mais escuros. “Os filhotes nasceram com desenhos e cores

diferentes, com tons amarelados e com losangos apenas nas laterais”, espanta-se Rômulo. Ainda de acordo com ele, essa novidade deve ter ocorrido pelo fato de ser um acasalamento de duas subespécies diferentes. “Esses novos filhotes é como se fossem umas terceira espécie, com desenhos da Collilineatus e da Cascavella em um único corpo”, explica.

Os nomes foram escolhidos por meio de uma enquete no site da Fundação. Dora significa presente; Aimoré vem do tupi-guarani e significa aquele que morde; já Caiuá quer dizer aquele que mora no mato. No site http://funed.mg.gov.br/servicos-e-produtos/animais-peconhen-tos/, os interessados ficam sabendo como agendar uma visita para conhecer os novos habitantes do serpentário da Funed.

Atualmente, a Funed conta com 25 exemplares de cascavel. A maioria é usada na produção do soro indicado para o tratamen-to em caso de acidentes com animais peçonhentos. Por mês, somente as cobras dessa espécie na Funed produzem cerca de 1.400 mg de veneno, o suficiente para abastecer a produção de aproximadamente 10 mil ampo-las de soro anticrotálico por ano.

Cativeiro

Lançado em 2011, o blog do projeto Minas Faz Ciência (http://fapemig.wordpress.com/) é o mais novo componente do programa de comunicação científica da FAPEMIG. Nele, o internauta encontra notícias, novidades e curiosidades sobre Ciência, Tecnologia e Inovação. Além dos podcasts da série Ondas da Ciência e das pílulas de TV do Ciência no Ar, o blog também apresenta conteúdos exclusivos. Um exemplo são as conversas, na íntegra, com pesquisadores entrevistados para as reportagens da revista. Faça uma visita e deixe seu comentário!

Conteúdoexclusivo no blog

O blog de divulgação científica “Viagens da Laura” (http://viagensdalaura.wordpress.com), produzido pelo Laboratório Aberto de Interatividade (LAbI) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), está entre os finalistas do The BOBs, concurso internacional de blogs da emissora alemã Deutsche Welle. O blog relata as aventuras de Laura, adolescente que é a protagonista da radionovela “Verdades Inventadas”, veiculada pelo LAbI em 2011. Nos episódios que estão disponíveis no blog, Laura faz viagens imaginárias a partir de incentivos de seu novo professor de Literatura. Nessas viagens, encontra diversos personagens da Ciência e das Artes, como Einstein e Newton, Clarice Lispector, Júlio Verne, Oswaldo Cruz e César Lattes, Darwin e Mendel, e juntos passam por grandes aventuras e descobertas.

E por falar em blog...

Page 16: Revista 49

mEI

O A

mb

IEN

TE

16 MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAIO 2012

Quase 6 milhões de quilômetros qua-drados, percorrendo nove países da Amé-rica do Sul. Cerca de cinco mil espécies de árvores, mais de 300 mamíferos, 1.300 pássaros, milhões de insetos e três mil pei-xes, vivendo na maior bacia hidrográfica do mundo. Os números servem para mostrar a imponência do ecossistema que forma a Amazônia e ajudam a entender por que seu papel é tão importante para o mundo. A Amazônia tem função essencial na cicla-gem de água, no resfriamento do clima e

Paleta decores ameaçada

Artigo publicado na Nature aponta os perigos, na Amazônia, do desmatamento, que diminui o verde e pode afetar o colorido da Floresta

Processo em que a água se trans-forma, por meio da evaporação e da condensação, de líquida a gasosa e vice-versa, por meio da troca entre elementos como rios, florestas e at-mosfera. É por meio desse processo que se formam as nuvens e as chuvas.

Ariadne Lima

Page 17: Revista 49

MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAIO 2012 17

no sequestro de carbono, ajudando a mi-nimizar os efeitos das mudanças climáticas e do aquecimento global. Além disso, é des-taque no que diz respeito à diversidade cul-tural, com a presença de mais de 370 etnias indígenas, e à economia, que inclui ativida-des pesqueiras e extração de produtos flo-restais, como borracha, madeira, castanha, cupuaçu e açaí. Uma incontestável riqueza ameaçada pela ação do homem. Foi o que mostrou o artigo “A Bacia Amazônica em transição”, publicado em janeiro deste ano na revista científica inglesa Nature, com a participação do pesquisador da Univer-sidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Britaldo Soares Filho.

O artigo tem como primeiro au-tor o cientista e diretor executivo do The Woods Hole Research Center, situado nos Estados Unidos, e como coautores especialistas norte-americanos, de Porto Rico e do Brasil, vindos de instituições como a Universidade de São Paulo (USP), Universidade de Brasília (UnB), Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Em-brapa) e a UFMG. O texto é uma síntese dos resultados do Programa de Pesquisa em Larga Escala da Biosfera-Atmosfera da Amazônia (LBA), com mais de uma década de pesquisas, desenvolvido pelo Governo Brasileiro em conjunto com a Agência Espacial Norte-Americana (Nasa) (http://150.163.158.28/lba/site/#). O Pro-grama financiou vários grupos de pesqui-sa, não só do Brasil, para investigar a inte-ração entre os processos que ocorrem nos ecossistemas amazônicos, especialmente a interação do meio ambiente com o ho-mem, e como isso interfere nos processos atmosféricos e no clima.

A ação do homem foi de fato deter-minante para as mudanças no clima da Amazônia nos últimos anos, especialmen-te pela expansão da agricultura, exploração

madeireira e formação de núcleos urbanos. De acordo com o artigo da Nature, entre 1960 e 2010, a população na região au-mentou de seis milhões para 25 milhões, enquanto a cobertura vegetal diminuiu 20%. As regiões mais afetadas são o Sul e o Leste da Bacia Amazônica, em razão de um intenso desmatamento pela expansão agrícola. Segundo Britaldo Soares Filho, a Amazônia ainda é cobiçada por suas vastas terras, muitas pertencentes à União, que são alvo da expansão da fronteira agrícola. “As terras do Sul da Amazônia têm sofrido uma pressão muito grande devido à expan-são da soja. Ainda que a soja ocupe áreas já abertas de pecuária, ela empurra os pe-cuaristas para dentro das florestas e eles vão, com isso, abrindo novas áreas.”

Segundo o artigo, isso pode afetar o ciclo de carbono, levando a Amazônia da condição de sumidouro de carbono para a de emissora de CO2. “Estudos predizem que, se o desmatamento da Amazônia alcan-çar 40% da sua extensão original, as con-sequências serão muito mais drásticas. A fragmentação da floresta pelo desmatamen-to deixa os remanescentes florestais mais vulneráveis ao fogo que vem das áreas de pastagem. Quando a floresta pega fogo, ela fica mais suscetível a novos incêndios, que são aguçados pelos períodos de secas, como ocorreram em 2005 e 2010. Nesses anos, a floresta emitiu mais CO2 do que con-seguiu sequestrar da atmosfera”.

Na fase de crescimento, as árvores demandam grande quantidade de carbono e retiram esse elemento do ar. Isso diminui a quantidade de CO2 da atmosfera, o que é chamado de se-questro de carbono.

“As terras do Sul da Amazônia têm sofrido uma pressão muito grande devido à expansão da soja. Ainda que a soja ocupe áreas já abertas de pecuária, ela empurra os pecuaristas para dentro das florestas e eles vão, com isso, abrindo novas áreas.”

Britaldo Soares FilhoPesquisador

Page 18: Revista 49

18 MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAIO 2012

Outra proposição é a de que a Amazônia regula o ciclo de chuvas no Sudeste do Brasil, afetando o fenômeno conhecido como Convergência do Atlântico Sul, em que uma faixa de nebulosidade, carrega-da de água, segue rumo ao Atlântico Sul, influenciando na ocorrência de chuvas. “A Amazônia tem esse papel muito im-portante de ciclagem de água, como se fosse um gigantesco ar condicionado. A água que cai na floresta é devolvida à at-mosfera, por meio da evapotranspiração das árvores. Com isso, ela resfria o clima e aumenta a umidade do ar. Assim, muitas regiões, não só da Amazônia, dependem da Floresta para manter o ciclo de umidade”, diz o pesquisador. O aumento das áreas desmatadas,portanto, compromete esta função da Amazônia.

savanizaçãoO estudo publicado na Nature aponta

que algumas áreas da Amazônia já estão sofrendo o efeito de redução de chuvas. Também, o aumento da frequência de se-cas extremas já pode ser uma consequên-cia das mudanças climáticas. “Uma série

políticas públicasUm dos principais objetivos e be-

nefícios das pesquisas é a proposição de políticas públicas que possam contribuir para reverter o ciclo vicioso de degradação da Amazônia. “A ciência feita pelo LBA in-fluenciou o processo de políticas públicas que permitiu ao Brasil reverter a trajetória de desmatamento que vinha ascendendo desde o início da década de 2000 e redu-zir mais de 67% o desmatamento desde 2005”, conta Soares Filho.

Segundo o pesquisador, isso é consequência de uma série de medidas, como a queda do preço das commodities agrícolas em 2005, o que reduziu a ativi-dade agrícola naquela época; a criação de uma cadeia de certificação da produção rural, o reflorestamento de áreas recen-temente desmatadas e a criação de pro-gramas para excluir da cadeia produtiva os pecuaristas que desmataram além do permitido e beneficiar aqueles que atuam de acordo com a legislação ambiental. Também entram na lista de medidas a expansão de áreas protegidas, muitas das quais atuam como barreiras verdes; o sis-tema do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que monitora o desma-tamento, e o aprimoramento do método de fiscalização ambiental do Ibama e dos Institutos estaduais.

Somam-se a isso, medidas de restrição de créditos aos municípios desmatadores, que deixam de receber incentivos agrícolas. Por outro lado, municípios verdes, no estado do Pará, passam a receber benefícios por acabar com o desmatamento e promover o reflo-restamento. “O Protocolo do Clima, pre-visto para 2015 que vai suceder o Proto-colo de Kyoto, prenuncia a inclusão de um programa de pagamento por serviços ambientais. Hoje já temos projetos pilo-tos no Brasil”, diz Soares Filho. No Esta-do do Amazonas, por exemplo, famílias moradoras de Unidades de Conservação do Estado recebem a Bolsa Floresta, uma recompensa econômica pelos esforços de preservação ambiental. Iniciativa se-melhante em Minas Gerais é a Bolsa Ver-de, em que o incentivo financeiro pago

de modelos climáticos apontam que o aquecimento global pode chegar ao ponto de reverter a capacidade de sequestro de carbono da Amazônia e, ao receber um es-tresse muito grande, a floresta seja trans-formada em arbustiva, na forma de uma vegetação mais próxima de uma savana. É o que temos chamado de savanização da Amazônia. Trata-se de um ciclo vicioso entre o desmatamento, a fragmentação flo-restal, a degradação da floresta pelo fogo e a invasão de espécies de gramíneas. Isso aumenta a flamabilidade da floresta, ou seja, ela pega fogo mais facilmente e, por isso, emite mais CO2, contribuindo para o aquecimento global,” explica Soares Filho.

De acordo com o pesquisador, há o risco de que, embora a floresta seja resi-liente (com a capacidade de autorrecupe-ração), haja um ponto em que essa capa-cidade seja rompida, por sofrer mudanças tão drásticas a ponto de não conseguir voltar ao estado original. “O estudo mos-tra que já algumas áreas da Amazônia es-tão sofrendo essas consequências, como o Estado de Rondônia, onde o desmata-mento foi extensivo.”

1.300 pássaros três mil peixes

mais de 300 mamíferos milhões de insetos

cinco mil espécies

Page 19: Revista 49

MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAIO 2012 19

aos produtores rurais que preservam o meio ambiente é proporcional à dimen-são da área preservada.

Para Soares Filho, o artigo da Na-ture foi importante para mostrar que a Ciência faz parte desse processo de con-servação da Amazônia e que, por isso, é

muito importante a inserção da ciência nas políticas públicas. “Embora isso seja novo no Brasil, já se vê uma mudança de postura dos governantes em escutar a Academia. Cada vez mais é importante conclamar nossos governantes e políticos que elaboram as leis.”

No Brasil, o grupo de pesquisa da UFMG foi pioneiro na criação de um laboratório regional na área de sensoriamento remoto. O Centro de Sensoria-mento Remoto (CSR) da Universidade foi criado em 1990, em parceria com o Estado de Minas Gerais e o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. Desde então, uma série de trabalhos ambientais foram realizados, em conjunto com outras instituições, como a Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam) e a Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais (Codemig).

No principio dos anos 2000, teve início o Cenários da Amazônia, um programa de pesquisa interinstitucional, que envolveu diversas instituições sob a liderança da UFMG, do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) e do centro de pesquisa americana Woods Hole Research Center. A proposta do projeto foi a de elaborar modelos para simulação das possíveis trajetórias do desmatamento da Amazônia e seus possíveis impactos para que, assim, pudessem ser propostas políticas públicas, medidas mitigado-ras e estratégias de conservação.

Os estudos geraram diversos artigos, muitos publicados em peri-ódicos científicos internacionais, como as renomadas revistas Nature e Science. A partir da experiência, surgiu o Programa de Pós-Graduação em Análise de Modelagem de Sistemas Ambientais. Nessa linha, muitos trabalhos são desenvolvidos, como, por exemplo, a modelagem ambiental dos processos de fogo, ligando o impacto das mudanças climáticas com o regime do fogo registrado nas florestas. Em Minas Gerais, um projeto fi-nanciado pela FAPEMIG, intitulado SimMinas, busca propor soluções para que o Estado concilie o aumento da produção agrícola com a política de conservação do seu patrimônio ambiental.

O CSR da UFMG é hoje referência mundial em modelagem ambien-tal, recebendo estudantes de diversas partes do mundo. Britaldo Soares Filho explica que a modelagem é um instrumento transdisciplinar, ou seja, envolve e entrelaça diversas áreas do conhecimento. “A primeira coisa para se construir um modelo é ter os dados de experimentos em campo. Nessas pesquisas, nós precisamos de parceiros que estejam medindo, por exemplo, as árvores que crescem sob determinadas condições climáticas, o impacto do fogo na floresta, a capacidade que ela tem de se recuperar ou não dos focos de incêndio. A partir desses experimentos, nós construímos modelos computacionais”, diz o pesquisador. O grupo chegou a desenvol-ver um software para modelagem ambiental que hoje é utilizado internacio-nalmente. Para acessá-lo e conhecer mais sobre o CSR, basta visitar o site www.csr.ufmg.br/dinamica.

rEFErêNCiA EmmodElAgEm AmbiENtAl

Page 20: Revista 49

EDu

CA

çã

O A

mb

IEN

TAL

20 MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAIO 2012

Ouro que

nasceda terra

Projeto de extensão da Epamig busca ensinar e popularizar

o cultivo de saudáveis hortaliças e plantas medicinais

em ambientes escolares e domésticos

Maurício Guilherme Silva Jr.

Page 21: Revista 49

MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAIO 2012 21

Suas mãos, caro leitor, podem lhe garantir ótimas condições de saúde. Basta que, por meio de técnicas e conhecimento científico, você as acostume a cultivar ali-mentos fartos em fibras, nutrientes e ou-tras tantas benesses. Interessado na dica? Mexa-se, pois, à cata de uns poucos “in-gredientes”: mudas de hortaliças e plantas medicinais, singela porção de terra, equi-pamentos básicos de agricultura e – o mais importante – respeito sincero pela natureza. Plantas de ciclo curto e plantio simples, vegetais como alface, repolho, mostarda, couve-flor, brócolis, tomate, pi-mentão, quiabo, cenoura ou beterraba ten-dem a crescer com vitalidade em locais ou recipientes dos mais diversos – daquele pobre vaso abandonado ao mais solitário dos quintais, onde há tempos não brotam quaisquer vestígios de vida.

Ansiosos por transmitir know-how as comunidades interessadas em se de-dicar às riquezas da terra, pesquisadores da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig) constataram que, apesar de habitual em diversas localidades do País, o cultivo de hortaliças (e outras preciosidades do reino vegetal) nem sem-pre se realiza com o auxílio de técnicas e conceitos desenvolvidos pela ciência – conhecimento especializado que, de múl-tiplas maneiras, poderia contribuir com o sucesso de iniciativas tão saudáveis.

Afinal, hortas domésticas “são fun-damentais para a melhoria da alimentação das famílias, com a possibilidade de inclu-são de elementos ricos à dieta”, ressalta o agrônomo e professor Luciano Donizete Gonçalves – hoje docente do Instituto Fe-deral de Educação, Ciência e Tecnologia de Minas Gerais – que, entre 2007 e 2009, coordenou, na Epamig, o projeto Hortas escolares como fonte de difusão de conhecimento e educação ambiental em Prudente de Morais (MG).

De maneira geral, a iniciativa busca-va estimular a prática do cultivo de hortali-ças e plantas medicinais em instituições de ensino, com o intuito não só de transmitir conhecimento a estudantes e professores, mas também – e principalmente – de se efetivar como “laboratório vivo”, por meio do qual os docentes poderiam despertar,

em seus alunos, o interesse pela prática da conservação ambiental. Definido o “ar-gumento” do projeto, restava saber a lo-calidade onde tudo poderia, efetivamente, tornar-se realidade. Pois o município de Prudente de Morais (MG) acabaria por se revelar o ambiente perfeito aos objetivos dos pesquisadores.

Na pequena cidade, onde vivem cerca de dez mil habitantes, muitas são as casas com espaçosos terrenos, propí-cios ao cultivo de vegetais. “Apesar disso, pudemos perceber que a prática não era comum entre as famílias do município. Assim, vislumbrou-se a ideia de usar as escolas como ambiente para difusão de tecnologias e saberes ligados à produção de hortaliças e plantas medicinais”, des-taca Gonçalves, ao explicar que, uma vez disseminado o conhecimento científico entre os estudantes, a experiência poderia ser reproduzida em seus lares.

A partir de tal pressuposto, e para a efetiva execução do projeto, os pesquisa-dores da Epamig e integrantes do Centro Tecnológico do Centro-Oeste selaram oficialmente a parceria com a Prefeitu-ra Municipal de Prudente de Morais. Em seguida, escolheram, como locais para realização dos trabalhos, o Centro de Refe-rência de Assistência Social (Cras) e as es-colas municipais Laerte Fraga, Tia Quinota e Jeliomar Brandão. Nas instituições, além de tecnologia, conhecimento e conscienti-zação ecológica, os estudiosos buscaram discutir o valor nutricional das hortaliças e a importância da alimentação equilibrada. “Dentre nossas metas, estava a melhoria da qualidade de vida da população local de baixa renda, por meio do cultivo de hortali-ças, com a otimização dos espaços escola-res e domésticos”, comenta o coordenador.

Consumo versus CultivoEm Minas Gerais, assim como em

outros pontos do País, as comunidades acostumaram-se ao consumo de hortali-ças. Por outro lado, o cultivo de tais espé-cies revela-se ainda escasso em todas as regiões da Federação. “Na verdade, mesmo no que diz respeito ao consumo, é possível identificar problemas. Embora as hortali-ças estejam presentes na mesa do consu-

Também participaram da iniciativa, que contou com financiamento da FAPEMIG, os pesquisadores Mari-nalva Woods Pedrosa, Cláudio Egon Facion, Francisco Morel Freire, Hor-tência Maria Abranches Purcino, José Francisco Rabelo Lara, Maria Aparecida Nogueira Sediyama, Maria Helena Tabim Mascarenhas e Sanzio Mollica Vidigal e as diretoras Silvana de Souza Martins, Valdirene Clarindo Gaspar Cunha, Adriana Rodrigues da Silva e Júlia Maria Fraga Soares, gestoras das instituições de ensino atendidas pelo projeto.

Page 22: Revista 49

22 MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAIO 2012

midor brasileiro, não existe diversificação de espécies, o que prejudica a ingestão de fontes nutricionais diversas. Além disso, o uso de plantas medicinais é bastante res-trito”, comenta Gonçalves.

Talvez em função da propalada “tra-dição nacional”, na mineira Prudente de Morais, todos os habitantes envolvidos na iniciativa demonstraram imediato inte-resse em adquirir conhecimento sobre as hortaliças e plantas medicinais. Também ao longo das atividades, muitos seriam os fatos (e fatores) a revelar que os pesquisa-dores atingiam, dia a dia, os seus objetivos centrais. Todos pareciam querer participar, cada um a seu modo: “Muitos alunos, principalmente os oriundos do meio rural, passaram a compartilhar, com muito gos-to, as experiências que já possuíam com o cultivo de plantas”.

Outras atividades do projeto busca-vam a reflexão em torno de tais práticas. Os alunos do Cras, por exemplo, eram esti-mulados a levar, à instituição, algumas das mudas medicinais usadas por seus pais no cotidiano. Com as espécies em mãos – e diante dos colegas e professores –, reali-zavam apresentações para que pudessem explicar de que modo os vegetais eram consumidos em casa. Por meio da dinâ-mica, os pesquisadores detectavam – para, em seguida, tentar impedir – o uso inade-quado das plantas no ambiente familiar.

Já na Escola Municipal Laerte Fraga, em parceria com a diretoria da instituição de ensino e a participação de uma nutri-

plantio pode ser feito de maneira simples, com o emprego de enxadas, sachos, pás, rastelos, regadores e mangueiras”, explica o coordenador, ao esclarecer que, quando há limite de espaço, é possível recorrer, até mesmo, a pequeninos recipientes: “Na Es-cola Municipal Tia Quinota, por exemplo, estimulamos o uso de vasos, devido à falta de terreno para construção de canteiros”.

sementes de futuroEm setembro de 2009, assim que fi-

nalizado o prazo de execução do projeto, os pesquisadores interromperam seus trabalhos nas escolas, mas se mantiveram à disposição para orientações necessárias. “Isso ocorreu em função de minha saída da Epamig e, ain-da, porque a ideia inicial era, justamente, que fizéssemos o trabalho inicial de implantação das hortas, para, em seguida, as escolas e o Cras darem continuidade à iniciativas”, conta Luciano Gonçalves.

Infelizmente, observa-se, hoje, que os projetos não tiveram continuidade, em grande parte, devido à inexistência de mão-de-obra para manutenção das hortas. “Esse é um problema comum na realização dos trabalhos. Embora o projeto contemple o envolvimento da comunidade escolar nas atividades das hortas, é sempre fundamen-tal que se tenha profissionais encarregados de serviços gerais, como preparo, limpeza e manutenção dos canteiros”, esclarece.

Outra pesquisadora da Epamig en-volvida no projeto, a engenheira agrônoma Marinalva Woods Pedrosa, também trata a

cionista da Prefeitura, os pesquisadores elaboraram apostila com informações so-bre o projeto, além de receitas de produtos alternativos. “Também realizamos palestra para os pais dos alunos, ocasião em que pudemos falar sobre a importância das hortaliças na alimentação e a viabilidade da construção de hortas nas casas”, conta o coordenador.

Esforço coletivoAo longo das etapas do projeto, as

atividades envolveriam não apenas a par-ticipação de pesquisadores, professores e alunos, mas também de diretores e outros tantos funcionários das instituições de en-sino. A natureza colaborativa da implanta-ção e manutenção das hortas acabaria por se destacar como a principal “ferramenta” de estímulo ao desenvolvimento dos “exer-cícios” práticos – sempre complementados com palestras e visitas dos professores e alunos à unidade da Epamig em Pruden-te de Morais, local onde “todos tinham a oportunidade de adquirir novos conheci-mentos”, segundo afirma Gonçalves.

Importante ressaltar, neste sentido, que o cultivo de hortaliças e demais plantas pode ocorrer de múltiplas formas, e com o auxílio de diferentes tecnologias. No caso dos produtores comerciais, responsáveis por plantações de larga escala, é impres-cindível a adoção de técnicas modernas, como o uso de “cultivares” melhoradas, sistemas de irrigação, insumos, máquinas e implementos. “Já nas pequenas hortas, o

Jovens trabalham na horta do Cras Alunos da escola Jeliomar Brandão participam de atividade na Epamig

Fotos: Luciano Donizete Gonçalves / Divulgação

Page 23: Revista 49

MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAIO 2012 23

questão da mão-de-obra como o “gargalo” a impedir o prosseguimento do projeto: “Além de receber muito bem a iniciativa, as escolas demonstraram interesse em dar continuidade às atividades. Mas as institui-ções não têm estrutura para isto”. No que diz respeito ao Cras, destaca-se ainda um outro inusitado problema: em função do Estatuto da Criança e do Adolescente, os gestores da entidade não podem, nem mesmo, estimu-lar o trabalho daqueles que são atendidos pela instituição: “Se trabalharem nas hortas, a atividade pode ser interpretada como uma forma de exploração”.

Marinalva comenta, porém, que, hoje, muitas escolas mostram-se interes-sadas pela iniciativa em função da diver-sificação da merenda escolar e da possi-bilidade de re-educação alimentar. “Para tais fins, há grande procura por mudas de hortaliças não-convencionais. Ao oferecê-

-las e realizar palestras nas escolas, temos conseguido dar continuidade ao projeto. Nesses encontros, buscamos o resgate do cultivo das espécies e a diversificação dos hábitos alimentares”, conclui.

Conforme se pode perceber, atual-mente, os pesquisadores têm como trunfo o trabalho com as chamadas “hortaliças não-convencionais”. Além de oferecer as mudas, realizam palestras nas instituições de ensino. Mantém-se, desse modo, o es-tímulo à ingestão de tais espécies e à me-lhoria da dieta alimentar das comunidades. Embora não estejam dia a dia nas escolas – ambiente onde o projeto se desenvolveu inicialmente –, os profissionais da Epamig permanecem incentivando a implantação de hortas e a ingestão das saborosas (e saudáveis) riquezas da terra.

PROJETO: Hortas escolares como fonte de difusão de conhecimento e educação ambiental em Prudente de Morais (MG)COORDENADOR: Luciano Donizete GonçalvesMODALIDADE: Apoio à Difusão e Popularização da Ciência e TecnologiaVALOR: R$ 28.526

hORTALIçAs PEDAgOgAs

Popularizar o cultivo de hortaliças em ambientes do-mésticos não foi o único objetivo do projeto desenvolvido pelos pesquisadores da Epamig. Além da difusão de conhe-cimentos e tecnologias ligados à produção das plantas, a implantação de hortas em ambientes escolares e domésticos cumpre papel ainda mais importante na formação da comu-nidade. “A iniciativa também serve como ferramenta didáti-ca para as áreas de conhecimento abordadas nas diferentes disciplinas responsáveis pela formação do aluno”, ressalta Luciano Gonçalves.

O desenvolvimento de hortas que contemplem o manejo adequado de hortaliças e plantas medicinais, portanto, permi-te que os alunos compreendam melhor as atividades peda-gógicas a que são submetidos no dia-a-dia. Neste sentido, a iniciativa da Epamig acabou por realçar-se como uma espécie de “canal” de construção e difusão de conhecimento sobre biologia vegetal (classificação botânica e descrição de órgãos e tecidos das plantas) e fatores do ambiente (água, solo e clima) relacionados à produção dos vegetais.

Por fim, o cultivo de plantas, realizado a partir de pre-ceitos da agricultura orgânica – segundo os quais não se deve usar defensivos agrícolas e é preciso investir no manejo sustentável –, apresentou-se como excelente ferramenta de educação ambiental.

Consciência ecológica é estimulada por meio do cultivo de hortas

Page 24: Revista 49

PLA

TAfO

Rm

A L

AT

TEs

24 MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAIO 2012

Divulgaré precisoCNPq estabelece inovação e divulgação de projetos na mídia como novos critérios de avaliação da produção científica

Fabrício Marques

Page 25: Revista 49

MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAIO 2012 25

“O País precisa de uma Ciência cada vez mais antenada com a sociedade, e para isso, o cientista deve reconhecer o seu papel de engajamento no cotidiano das pessoas”. A afirmação tem sido repetida pelo presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Glaucius Oliva, e ganha concretu-de com a notícia de que, em breve, dois novos critérios de avaliação do pesquisa-dor brasileiro serão incluídos na Platafor-ma Lattes, que traz currículos e atividades de 1,8 milhões de pesquisadores de todo o País (segundo números do Conselho).

A intenção do CNPq é aumentar o conhecimento da sociedade sobre as ati-vidades científicas que ocorrem no País. São duas abas, uma na qual o pesquisador colocará informações sobre a inovação de seus projetos e pesquisa; e, na outra, lis-tará iniciativas de divulgação e educação científica. “Estamos traduzindo uma ideia, que já existe, de valorizar a divulgação científica e a inovação”, observa o diretor de Ciências Agrárias, Biológicas e da Saú-de do CNPq, Paulo Sérgio Lacerda Beirão.

Na aba “Divulgação” será avaliado se os cientistas têm blogs pessoais sobre Ciência, se divulgam em mídia os resul-tados dos seus trabalhos, se proferem pa-lestras ou participam de feiras de Ciência em escolas, por exemplo. Todas essas ações terão o mesmo peso? Por exem-plo, um cientista que mantém um blog há cinco anos, e outro que começou agora, como isso será pontuado?

Beirão explica que existem várias formas de divulgação, e a aba contempla-rá todas elas. A valorização de cada uma das atividades vai depender da natureza das chamadas e do comitê julgador, que vai avaliar a qualidade do trabalho. O importante é que vai tornar visível para o julgamento a atividade do pesquisador na área de divulgação. “Uma entrevista é uma coisa – outra é escrever um trabalho elaborado ou um vídeo – a priori não é o CNPq que dirá o que deve ou não ser valorizado”, diz Beirão.

Os editais podem estabelecer critérios relacionados com a natureza da atividade. O diretor do CNPq exemplifica: “em um edital na área museológica, a experiência em mu-seu vai pesar mais do que uma entrevista ou artigo em jornal. Por outro lado, se for um edital para livro de divulgação, essa expe-riência vai pesar mais do que a de museu. Uma coisa parecida se dará com a aba da ‘Inovação’. Tudo dependerá do propósito do edital: uma patente concedida internacional-mente, ou só um pedido, ou relatório téc-nico que ajudou uma empresa a fazer algo. Nesses casos também haverá mecanismo de verificação (por exemplo, ao informar o número de uma patente, o sistema automa-ticamente emite a comprovação)”.

Os novos critérios podem ajudar na mudança da mentalidade de alguns pesqui-sadores e cientistas que têm certa má vonta-de com a mídia em divulgar suas pesquisas, mesmo sabendo que são financiados com dinheiro público. Na opinião de Paulo Sér-gio Beirão, há duas razões para essa atitude. “A primeira é que existe pesquisador que acha que não deve se ocupar dessa divulga-ção. A criação da aba está sinalizando que o CNPq acha que é importante”, diz, descre-vendo em seguida a segunda razão: “é uma espécie de pudor do pesquisador de que al-guma informação passada ao jornalista seja hipertrofiada mais do que deveria, um receio de que o que está fazendo seja colocado de forma que não corresponda à realidade”.

Outro ponto que se percebe é que muitas empresas deixam de investir em pesquisa, ao mesmo tempo que muitos pesquisadores veem empresários e em-preendedorismo com maus olhos por puro preconceito de ambos os lados. Segundo Beirão, no passado esse conflito era muito forte, mas ainda há resquícios hoje. “Con-tudo, podemos dizer que essa mentalidade está desaparecendo. Predominantemente não existe mais essa suspeição de ambos os lados. A aba da Inovação vai ajudar, pois o CNPq sinaliza que é algo importan-te, o que tende a induzir mudanças cultu-rais nos pesquisadores”.

“A aba da Inovação vai ajudar, pois o CNPq sinaliza que é algo importante, o que tende a induzir mudanças culturais nos pesquisadores”.

Paulo Sérgio Lacerda BeirãoDiretor de Ciências Agrárias,Biológicas e da Saúde do CNPq

Page 26: Revista 49

26 MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAIO 2012

repercussãoMINAS FAZ CIÊNCIA repercutiu a

novidade entre representantes do meio acadêmico, como a diretora de Divul-gação Científica da Universidade Fede-ral de Minas Gerais (UFMG), Silvania Sousa Nascimento. De acordo com ela, o reconhecimento, pelo Ministé-rio da Ciência, Tecnologia e Inovação, do papel da Divulgação Científica no cotidiano do pesquisador é refletido na recente definição de um espaço público e oficial para o registro do investimento neste tipo de atividade. ‘‘O volume do conhecimento científico e tecnológico praticamente dobra a cada dez anos, e as consequências tecnológicas desse crescimento desestabilizam as relações de produção e circulação de conheci-mentos, assim como os valores sociais e culturais’’, ressalta Silvania.

A seu ver, inseridos nesse mundo em transformação, os mecanismos de valida-ção da investigação científica, em muitos paises pós-industriais, já consolidaram a compreensão de que o saber acadêmico não é a única fonte de apropriação do conhecimento, estando toda a sociedade mobilizada em uma cultura do aprender. ‘‘As mídias (imprensa escrita e midiá-tica) e mesmo os equipamentos culturais (plantários, museus, teatro e cinema) parti-cipam desse desafio de divulgar e popula-rizar as Ciências, assim como de promover processos educativos’’, completa.

O ponto de vista que Silvania defende é o da comunicação pública das Ciências, ‘‘não dentro de um modelo de défict onde há uma comunicação no sentido daqueles que produzem para aqueles que conso-mem o conhecimento científico, mas uma visão dialógica de promoção de encontro entre esferas de saberes com sistemas de validação diferenciados’’.

A iniciativa do CNPq de aperfeiçoar os seus critérios de avaliação, ao incluir a divulgação científica e tecnológica, é muito bem-vinda, reconhece Silvania: “Para avançarmos mais no âmbito social, econômico e tecnológico é fundamental conquistarmos as novas gerações e ter-mos a sociedade como aliada da Ciência e da Inovação”.

De acordo com a diretora, no Brasil observamos, nos últimos anos, ‘‘princi-palmente em decorrência de uma política pública de popularização das Ciências, pilotada principalmente pelo MCTI e as FAPs, das quais a FAPEMIG tem um pro-tagonismo importante, a profissionalização dos setores de jornalismo científico e de produção da cultura científica em diver-sos espaços sociais, demonstrando que o modelo fechado de circulação do conheci-mento científico começa a ser rompido’’.

Silvania explica que atualmente temos fontes de financiamentos na fron-teira da produção de conhecimento, mas também de sua socialização via editais de publicações, de extensão com inter-face na pesquisa, de popularização, de produção e designer de dispositivos de popularização das Ciências, entre outros. ‘‘A introdução de campos de registro da produção acadêmica neste setor somente demonstra a necessidade de dar visibili-dade a esta crescente produção e a impor-tância de se pensar que devemos legar às gerações futuras e todas as camadas da sociedade nosso conhecimento cientí-fico’’, pondera.

um motivo a maisO professor Eduardo de Campos

Valadares, do Departamento de Físi-ca da UFMG, coordena, entre outros, o projeto “Física Mais que Divertida”, que já virou livro e exposição, e é premiado por suas ações em prol da popularização da Ciência. De acordo com Valadares, a inserção na plataforma Lattes, das ativi-dades relativas à inovação de projetos, pesquisas, das iniciativas de divulgação e educação científica, permitirá o aporte de significativos dados, “possibilitando uma visão sistêmica das atividades do pesquisador e da relação da sua Ciência com a comunidade”.

Já o pesquisador Luiz Carlos Borges Ribeiro, do Centro de Pesquisas Paleonto-lógicas Llewellyn Ivor Price e Museu dos Dinossauros da Universidade Federal do Triângulo Mineiro, entende que pontuar o currículo com essas ações será um gran-de incentivo à boa parte dos investigado-res que ainda se encontram resistentes a

Page 27: Revista 49

MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAIO 2012 27

socializar o fruto do seu trabalho com a população: “A Ciência deve servir a socie-dade em toda sua plenitude, e a partir de agora, terá um motivo a mais para a demo-cratização dos seus saberes específicos. Com esta nova diretriz do CNPq, Ciência e sociedade se complementam”.

O professor Castor Cartelle Guerra, curador da coleção de Paleontologia da Pontifícia Universidade Católica de Mi-nas Gerais (Puc-MG), reconhece e para-beniza o CNPq pela atitude de valorizar algo que esteve à margem nos organis-mos de fomento: a divulgação da Ciên-cia. “Muito deveria ser feito para que pesquisadores levassem suas desco-bertas ao grande público pelos veículos mais variados: entrevistas, exposições, CD’s, conferências, reportagens, feiras, literatura de divulgação... É um retorno para quem financia as pesquisas, à po-pulação. É democratizar a Ciência. O tra-balho de divulgação deveria ser preocu-pação permanente de quem faz Ciência”.

Outra opinião que vai ao encontro das de Valadares, Ribeiro e Guerra é a de Adlane Vilas Boas Ferreira, do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da UFMG, que desenvolve trabalhos de divulgação científica junto à Rádio UFMG Educativa, com os programas “Na Onda da Vida” e “Ritmos da Ciência”. Para ela, o fato de o CNPq dar a possibilidade de se desta-car no currículo Lattes as atividades de divulgação e popularização da Ciência representa um marco na história da pes-quisa no Brasil: “É um reconhecimento ao trabalho de muitos pesquisadores e ou-tros profissionais que já fazem atividades assim, há muitos anos, sem necessaria-mente serem valorizadas”.

De acordo com Adlane, muitos pes-quisadores acreditam que a difusão do conhecimento para públicos não-especia-lizados seja importante, mas não priorizam esta divulgação, pois outros tipos de pro-dução “contam mais” nos seus currículos. “Assim, ante à grande demanda que o pesquisador tem no trabalho de leituras, produção de artigos em revistas especia-lizadas e na orientação de seus alunos, a popularização da Ciência é deixada para um segundo plano”.

Com a valorização das atividades de divulgação científica pelo CNPq, Adlane acredita que, em princípio, o pesquisador mais consciente dessa importância poderá se envolver mais em atividades como es-crita em blogs de Ciência, organização de exposições, palestras informais, escrita de artigos em revistas de Ciência populares e, inclusive, se abrir para entrevistas e mídia. Em sua opinião, isto ajudará a criar uma política de divulgação científica dentro dos institutos de pesquisa e universidades.

“Mas acredito que este passo será ainda mais importante para o reconheci-mento do trabalho de muitos professores universitários que têm se dedicado priorita-riamente ao ensino de Ciências e à divul-gação científica”, afirma. Segundo Adlane, é um reconhecimento para uma atividade para a qual nem todos têm aptidão: “O trabalho de popularização da Ciência exige conhecer o público com o qual se quer conversar. É necessário se esforçar para comunicar a Ci-ência com criatividade e arte”.

plataforma lattesA Plataforma Lattes está disponível

na internet desde 1999. Passados 13 anos essa inovação trouxe consequências para os pesquisadores e para as agências de fomento federais e estaduais. O diretor do CNPq Paulo Sérgio Lacerda Beirão comen-ta que a Plataforma vem se aperfeiçoando e constitui um instrumento poderoso para conhecimento de nossos pesquisadores, único no mundo: “Vários países querem implementar uma coisa parecida, já saiu até matéria na revista Nature elogiando. Não damos conta da importância que ela tem, de tão comum que é consultá-la. Tor-nou-se um padrão nacional, utilizado para qualquer agência de fomento”.

De acordo com Beirão, “a Plataforma Lattes é um instrumento disponível o tem-po todo na internet e é muito mais confi-ável do que currículos impressos porque é público. São informações autenticadas, verificáveis no próprio currículo, e, na hipótese de falsidade, ela é detectada por qualquer pessoa. Traz, portanto, um nível de confiabilidade muito maior do que o currículo convencional”.

“Mas acredito que este passo será ainda mais importante para o reconhecimento do trabalho de muitos professores universitários que têm se dedicado prioritariamente ao ensino de Ciências e à divulgação científica”

Adlane Vilas Boas FerreiraPesquisadora

Page 28: Revista 49

28 MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAIO 2012

ENT

REv

IsTA

Nas últimas duas décadas, o que efeti-vamente foi feito pelas nações em defesa da saúde do planeta? Passados vinte anos da realização, no Rio de Janeiro, do encontro que reuniu centenas de chefes de Estado in-teressados em problematizar a relação entre progresso e meio ambiente, o que dizer da concretude das convenções do Clima, da Biodiversidade e do programa Agenda 21, iniciativas adotadas, à época, com base no ideal – já emergente – de sustentabilidade? De 20 a 22 de junho de 2012, também na “Cidade Maravilhosa”, respostas a essas e outras inúmeras questões hão de ser de-batidas – e, quem sabe, delineadas – pelos participantes da Conferência Rio+20 (www.rio20.info/2012), evento promovido, pela Organização das Nações Unidas (ONU), com o objetivo de discutir os rumos do desenvol-vimento sustentável no mundo.

Estruturada sob dois focos – A eco-nomia verde no contexto do desenvolvi-mento sustentável e da erradicação da pobreza e O quadro institucional para o desenvolvimento sustentável –, a Confe-rência pretende tornar-se a Ágora propícia ao debate de temáticas caras à sobrevi-vência do homem sobre a Terra. Trata-se, entre outros, de assuntos relacionados a energia, alimentação, desastres naturais, crescimento urbano, recursos hídricos e empregabilidade. Resta saber o que, categoricamente, deverá tornar-se ação concreta. Polêmico, o debate em torno da real eficácia do evento gera múltiplas interpretações.

Pelasobrevivênciadas espéciesProfessor emérito da USP e ex-Secretário Especial do Meio Ambiente, o físico José Goldemberg fala, à MINAS FAZ CIÊNCIA, sobre o que esperar da Conferência Rio+20

Maurício Guilherme Silva Jr.

Para o físico José Goldemberg, pro-fessor emérito da Universidade de São Paulo e ex-secretário especial do meio am-biente da Presidência da República – cargo que ocupou em 1992 –, as perspectivas de sucesso da Conferência são ainda incertas: “Mais esforço é necessário, por parte do go-verno brasileiro, para evitar que ela se torne apenas um palco para declarações retóricas e politicamente corretas”, ressalta. Doutor em Ciências Físicas pela USP, da qual foi reitor entre 1986 e 1990, Goldemberg tam-bém presidiu a Companhia Energética de São Paulo (Cesp), a Sociedade Brasileira de Física e a Sociedade Brasileira para o Pro-gresso da Ciência (SBPC).

No governo federal, atuou como secretário da Ciência e Tecnologia (1990-1991) e ministro da Educação (1991-1992). No estado de São Paulo, foi se-cretário do Meio Ambiente (2002 a 2006). Atualmente, integra a Academia Brasileira de Ciências, a Acadêmia de Ciências do Terceiro Mundo e é co-presidente do Glo-bal Energy Assessment, sediado em Viena.

Condecorado em 2008 com o Prêmio Planeta Azul (Blue Planet Prize) – conce-dido pela Asahi Glass Foundation, uma das mais importantes distinções na área de meio ambiente –, José Goldemberg co-menta, a seguir, os rumos da Conferência Rio+20. Nesta conversa com MINAS FAZ CIÊNCIA, realizada por e-mail, o pesquisa-dor discute, ainda, os ecos do encontro de 1992, os “recados” da natureza e o papel a ser desempenhado pelo Brasil, no cenário

Também conhecida como ECO-92, Rio-92, Cúpula ou Cimeira da Terra, a Conferência das Nações Unidas so-bre o Meio Ambiente e o Desenvolvi-mento (Cnumad), foi realizada entre 3 e 14 de junho de 1992. O principal objetivo do evento foi a busca de conciliação entre desenvolvimento socioeconômico e conservação dos ecossistemas da Terra.

Page 29: Revista 49

MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAIO 2012 29

Foto

: Arq

uivo

pes

soal

Page 30: Revista 49

30 MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAIO 2012

internacional, em defesa do desenvolvi-mento sustentável.

Ações versus retóricas“A Conferência Rio+20, cujo objetivo é promover o balanço do que se conseguiu realizar nos últimos 20 anos, na direção de um desenvolvimento sustentável, recebeu nome apropriado. Eventualmente, também há a possibilidade de que novos caminhos e ações sejam propostas. As perspectivas de seu sucesso, porém, são ainda incer-tas. Mais esforço é necessário, por parte do governo brasileiro, para evitar que ela se torne apenas um palco para declarações retóricas e politicamente corretas. A razão para um certo pessimismo origina-se no documento O futuro que queremos, pre-parado pelas Nações Unidas em janeiro. Este texto, que deverá ser discutido – e, provavelmente, adotado pelos países em junho – possui 128 parágrafos, a grande maioria dos quais não passam de exorta-ções aos países-membros da Organização das Nações Unidas (ONU), para que façam mais na direção do desenvolvimento sus-tentável. Nele, contudo, não são delinea-dos planos de ação concretos. As palavras ‘reafirmar’, ‘reconhecer’, ‘encorajar’ e ‘ape-lar’ aparecem em 118 dos 128 parágrafos. Ainda há esperanças de acordos reais na Rio+20, além dos compromissos retóricos usuais, mas a perspectiva não são boas, em parte, por causa da posição do Governo brasileiro, que não aceitou a transição para uma ‘economia verde’ como meta central.”

Ah, o pão de Açúcar!“Para ser realista, a Rio+20 corre o risco de ser um evento sem maior significado histórico, diferentemente do que foi a RIO 92. Pode ser, inclusive, que não atraia um número significativo de chefes de Estado. É o caso de perguntar a razão por que tais chefes de Estados, enfrentando as turbu-lências da crise econômica em seus países, iriam se deslocar ao Rio de Janeiro para ti-rar belas fotografias do Pão de Açúcar, e não adotar resoluções realmente relevantes para a população de seus países? Os problemas imediatos que eles enfrentam ocupam suas agendas. Portanto, prioridades e preocupa-ções com mudanças climáticas podem pa-

recer menos urgentes. Esta visão, contudo, é completamente equivocada e, se não for alterada a tempo, transformará a Rio+20 num evento medíocre e, possivelmente, em-baraçoso para o governo brasileiro.”

Ecos da ECo-92“Além de intensas negociações, a Confe-rência ECO-92 foi precedida pela prepa-ração das convenções posteriormente as-sinadas. Depois dela, passaram-se cinco anos até a adoção do Protocolo de Kyoto, que fixou metas para a redução das emis-sões de gases responsáveis pelo aqueci-mento da Terra e um calendário para cum-pri-las. O protocolo só entrou em vigor em 2005 e, mesmo assim, os Estados Unidos se mantiveram fora dele. Os progressos alcançados desde 1992 foram modestos e as ameaças à sustentabilidade do desen-volvimento, em 1992, não só não desapa-receram, como se tornaram ainda maiores. O que não significa que nada tenha sido feito, apesar de os Estados Unidos não terem aderido ao Protocolo de Kyoto. Os países da União Europeia cumpriram ra-zoavelmente bem os seus compromissos. Muitos municípios, e até Estados de países federativos, seguiram as recomendações da Agenda 21. Alguns, ainda, adotaram metas para a redução de emissões, como o Estado da Califórnia, nos Estados Unidos, e o de São Paulo, no Brasil.”

E o planeta se rebela“Para citar um exemplo, lembro que cien-tistas dizem claramente, em sua análise, ser inevitável, até 2050, o aumento da tem-peratura em mais de 3 graus centígrados, superando o limite – até agora aceito – de 2 graus centígrados, com todas as suas gra-ves consequências. No caso do Brasil, isto resultará em maior precipitação de chuvas na região Sudeste, e menor na Amazônia, que ficará mais seca. Mais ainda, a preci-pitação será mais intensa em períodos de tempo menores, o que ocorre em São Pau-lo, com as chuvas torrenciais em todas as tardes de verão. Também vale à pena men-cionar o aumento dos eventos climáticos e hidrológicos extremos, como enchentes, secas, cuja frequência anual era de 400, em 1980, e dobrou nos últimos 30 anos.”

“Mais esforço é necessário, por

parte do governo brasileiro, para evitar

que ela se torne apenas um palco para

declarações retóricas e politicamente corretas.”

Page 31: Revista 49

MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAIO 2012 31

Novos compromissos“O que se espera da Rio+20 é que sejam aprofundados os compromissos adotados em 1992. Além disso, trata-se da oportu-nidade para assumir novos pactos. Não é o que transparece, porém, no documento preparado pela ONU, que está em consi-deração pelos Estados-membros. De con-creto mesmo, o que ele propõe é transfor-mar o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) numa agência da ONU – como a Organização Mundial da Saúde ou a Organização Mundial do Co-mércio –, o que lhe daria mais poderes e recursos. A ideia é boa, mas de caráter bu-rocrático. Pensa-se, também, em criar, até 2015, indicadores para medir os progres-sos feitos. Há sugestões de um indicador de desenvolvimento que leve em conside-ração, além do Produto Interno Bruto, os custos causados ao meio ambiente pelo desenvolvimento predatório.”

Não temos tempo!“O documento da ONU também faz pro-postas na área de energia, o que não ocor-reu na Agenda 21. Endossa a proposta do secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, de dobrar, até 2030, a eficiência com que a energia é usada e, o que é mais importante, duplicar no mesmo prazo a fração de energia renovável na matriz ener-gética mundial. Reconhecer a importância da energia como fator fundamental para o desenvolvimento sustentável não é mais do que reconhecer a realidade, mas sua inclusão nas resoluções da Rio-92 foi ve-tada, à época, pelos países produtores de petróleo. Infelizmente, 2030 está longe e até a Conferência de Durban, em 2011, foi mais ambiciosa, ao acertar que, até 2020, deve entrar em vigor um acordo internacio-nal que substitua o Protocolo de Kyoto e fixe os compromissos mandatórios, de to-dos os países, para reduzir suas emissões de gases de efeito estufa. As emissões da China já superam as dos Estados Unidos.”

o papel do brasil“O Brasil tem um papel importante no cenário internacional nesta área, por dois motivos. O primeiro, negativo, deve-se ao desmatamento da Amazônia, que diminuiu,

mas ainda é muito grande, com cerca de 500km2 devastados por ano. O papel po-sitivo refere-se à matriz energética do País, uma das mais limpas do mundo. No total, 47,5% da energia usada no Brasil é reno-vável. Quanto à Rio+20, para salvar o even-to, seria necessária a adoção de protocolos e de prazos para cumpri-los, por meio de instrumentos legais. É isso que não ocor-reu até agora. Em última análise, quem terá de assumir ações concretas são os países--membros ou as associações de países, como fez a União Europeia em relação às emissões de gases de efeito estufa. Por essa razão, o Brasil tem excelentes condi-ções de assumir a liderança de tal proces-so, juntamente à África do Sul, à China e à Índia, com programas que já adotou e teve sucesso, como o ‘Luz para Todos’ ou a pro-dução de etanol da cana-de-açúcar. Outros países têm excelentes programas de ener-gia eólica, como a Espanha, a Dinamarca e até os Estados Unidos.”

A esperança...“Os problemas hoje enfrentados pela hu-manidade são sérios e comprometem efe-tivamente as gerações futuras. A explora-ção predatória dos recursos naturais está levando à exaustão dos combustíveis fós-seis e da biodiversidade dos ecossistemas essenciais à garantia da continuidade da produção de alimentos. A euforia com des-cobertas de petróleo no pré-sal, no Brasil, não muda o fato de que as reservas mun-diais de petróleo e de gás não devem durar muitos anos. E de que seu uso é a principal fonte da poluição global que enfrentamos. A percepção de que preocupações com a proteção ambiental são obstáculos ao de-senvolvimento econômico é equivocada e precisa ser desmitificada. Neste sentido, a Rio+20 oferece ótima oportunidade para fazê-lo. Afinal, o desenvolvimento susten-tável é possível. A União Europeia e os Es-tados Unidos têm dado exemplos de que é possível adotar legislação que conduz a sociedade na direção correta. A Europa de-cidiu que até 2020, 20% da energia usada virá de energias renováveis. Nos Estados Unidos o desempenho dos automóveis em quilômetros por litro é fixado em lei desde 1980 encorajando a eficiência energética.”

O quÊ?Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável

quANDO?De 20 a 22 de junho de 2012

ONDE?Rio de Janeiro

TEmAs CENTRAIs?A economia verde no contexto do desenvolvimento sustentável e da erradicação da pobreza e O quadro institucional para o desenvolvimento sustentável

Page 32: Revista 49

AR

TEs

32 MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAIO 2012

Matematica e Literatura:modos de usar

Na interseção entre dois campos de saber, pesquisa investiga a apropriação de regras e conceitos matemáticos pelos escritores Jorge Luis Borges e Georges Perec

Desirée Antônio

Page 33: Revista 49

MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAIO 2012 33

“O Binômio de Newton é tão belo como a Vênus de Milo. O que há é pou-ca gente para dar por isso.” Os versos de Álvaro de Campos, um dos heterônimos do poeta português Fernando Pessoa, re-metem a uma das crenças mais fortes no imaginário coletivo: a ideia da matemática como um tipo de conhecimento feio, difí-cil e árido; algo reservado a gênios – ou loucos – e apartado de manifestações ar-tísticas. Na visão popular, como dá conta o poeta, uma expressão matemática jamais poderia encerrar tanta beleza quanto a fa-mosa escultura da deusa grega do amor.

Para outras pessoas, no entanto, a matemática pode ser não apenas tão bela quanto qualquer obra de arte, mas também inspirar e colaborar diretamente no proces-so criativo. Essa é a concepção partilhada por escritores que se valem de regras e conceitos matemáticos para explorar novas possibilidades em seus escritos. Um gru-po em especial resolveu levá-la às últimas consequências, permitindo-se toda sorte de experimentações, combinando mate-mática e literatura.

Fundado na França, em 1960, pelo matemático François Le Lionnais e pelo escritor, enciclopedista e matemático bis-sexto Raymond Queneau, o Oulipo, sigla para Ouvroir de Litterature Potentielle, –Oficina de Literatura Potencial, na tradução – defendia o exercício de escrever obser-vando certas restrições autoimpostas, que em francês têm o nome de contraintes. O grupo contou com a participação de nomes como Italo Calvino e outros relativamente menos conhecidos pelo público brasileiro como Georges Perec.

Tais regras teriam o papel de im-pulsionar a escrita, concebida como uma prática que depende de dedicação e mé-todo e não de um conceito vago como a inspiração, como pregava o Surrealismo, movimento ao qual os oulipianos se con-trapunham. As contraintes podem ser tanto temáticas, quando se determina um tema comum a partir do qual se produz, quanto matemáticas ou lógicas, que compreen-dem recursos como a reorganização de elementos, mensagens cifradas e jogos de palavras. Presentes na produção dos es-critos, as contraintes não são dadas a ver

de imediato: faz parte da proposta do Ou-lipo que elas sejam buscadas, procuradas, desvendadas como num jogo de esconde--esconde ou de um quebra-cabeças, em que jogam leitor e escritor.

“Dois leitores, diante de um mesmo texto ou poema, teriam diferentes e poten-ciais tipos de leitura. E se esses textos ain-da pudessem ser permutados, mudados, jogados, falsificados, ludibriados, haveria inúmeras outras possibilidades, além da leitura básica e distinta de cada leitor. A partir de algoritmos, regras, restrições e contraintes, potenciais leituras seriam ca-bíveis”, explica Jacques Fux, autor de Li-teratura e Matemática - Jorge Luis Borges, Georges Perec e o Oulipo, livro em que analisa a apropriação que o escritor argen-tino Jorge Luis Borges e o francês Georges Perec e outros autores fizeram da matemá-tica em seus trabalhos. O título, lançado no ano passado (Ed. Tradição Planalto, 224 p., R$ 45), é baseado em sua tese de doutorado em Literatura Comparada, pela Faculdade de Letras (Fale) da Universida-de Federal de Minas Gerais (UFMG), e em Língua e Literatura Francesa pela Universi-dade Charles-de-Gaulle, na França.

Matemático de formação e profes-sor universitário, com passagem pela Ciência da Computação, onde obteve seu mestrado, Jacques revela que sempre se sentiu incomodado com o abismo que co-mumente se imagina entre matemática e literatura e que sempre foi um apaixonado pelas letras. “Eu costumava levar os livros do Borges para ler nos intervalos das au-las e ficava fascinado por aquelas his-tórias e pensava nelas por horas depois de lê-las”, conta Jacques, revelando a origem de seu interesse pelo autor argen-tino. Já o gosto por Perec veio mais tarde, quando tomou contato com sua obra por meio da professora da Fale, Maria Esther Maciel, que viria a ser sua orientadora no projeto de doutorado.

Duas questões foram centrais em sua investigação, desenvolvida entre 2007 e 2010, a primeira: demonstrar que Borges utiliza os conceitos próprios da matemática e da lógica com o mesmo objetivo dos oulipianos: aumentar as potencialidades de escrita e leitura dos

“Dois leitores, diante de um mesmo texto ou poema, teriam diferentes e potenciais tipos de leitura. E se esses textos ainda pudessem ser permutados, mudados, jogados, falsificados, ludibriados, haveria inúmeras outras possibilidades, além da leitura básica e distinta de cada leitor.”

Jacques FuxPesquisador

Page 34: Revista 49

34 MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAIO 2012

textos; a segunda: mostrar que o domí-nio de técnicas e recursos matemáticos abre novas possibilidades de redação, tanto à estrutura da narrativa, quanto aos temas explorados. Para respondê-las, o pesquisador dedicou quatro anos a dis-secar a obra desses autores, visitando centros de estudos dedicados a eles na Argentina e na França e consumindo, compulsivamente, materiais para apurar suas semelhanças e distinções.

perec e a literatura como jogo O escritor Georges Perec nasceu na

França, em 1936, e morreu em 1982. Fi-lho de judeus poloneses que se fixaram em terras francesas, perdeu ambos ainda criança por circunstâncias da Segunda Guerra Mundial e foi criado por tios. A ex-periência de falta, sofrida tão cedo, mar-caria para sempre sua literatura, atividade a que se dedica a partir de 1965, com o lançamento do romance As Coisas: Uma História dos Anos Sessenta. Em 1967, o escritor é convidado por Raymond Queneau para integrar o Oulipo, quando então passa a adotar as regras do grupo na elaboração de seus livros, onde se encontra todo tipo de jogos de palavras, enigmas e outras estratégias, considera-

dos de natureza matemática pelo rigor e formalismo com que são tratados. Dentre eles, há palíndromos, textos que podem ser lidos da direita para a esquerda ou vice-versa; anagramas, que consistem na formação de outras palavras ou textos a partir do rearranjo de suas letras; lipogra-mas, um tipo de composição que exclui uma ou mais letras do alfabeto. Perec se valia também da lógica, do esforço de classificação e descrição exaustiva dos elementos e da estrutura e dinâmica do xadrez e do go, um jogo de tabuleiro chi-nês, similar ao xadrez, mais complexo e com número de combinações possíveis muito maior.

Com o emprego desses recursos, o autor foi capaz de alguns feitos memorá-veis, como produzir um palíndromo de 5 mil palavras, com o livro Palindrome, de 1973, e outros dois grandes lipogramas: o conto “What a Man!”, em que se permite usar apenas a vogal “a”, e o romance La disparition (O Desaparecimento), no qual que narra a história de um homem que vai desaparecendo, em mais de 300 páginas sem utilizar a letra “e”, a mais usada pelo idioma francês. Sobre o último título, lan-çado em 1969, Jacques pontua a existên-cia de estudos que veem na supressão da vogal uma metáfora para a perda precoce dos pais do francês, as pessoas mais im-portantes de sua vida.

A relação de Perec com as con-traintes seria alçada a outro patamar, com a publicação, em 1978, daquela que é considerada sua maior obra, A vida: modo de usar. O romance, ou “ro-mances”, como o chama o autor, conta a história do milionário Percy Bartlebooth, que escolhe uma curiosa forma de usar sua vida: passar alguns anos aprenden-do a pintar aquarelas, outros tantos vi-sitando marinhas pelo mundo e pintan-do telas, retratando-as. Esses quadros seriam mais tarde transformados em quebra-cabeças, que ele gastaria outros tantos anos montando. Finalmente pron-tos e retransformados em quadros, eles seriam transportados para os locais que inspiraram sua pintura e mergulhados numa solução de detergente, obtendo novamente telas em branco.

A partir desse enredo central, são apresentadas várias outras pequenas histórias dos moradores do prédio em que vive Bartlebooth, todas relacionadas a ele, de alguma forma, e dispostos em 99 capítulos. Tanto a forma de “passear” pelos apartamentos quanto os elementos da trama são determinados por contrain-tes específicas, criadas ou adaptadas por Perec. “O projeto de A vida modo de usar é rigoroso e bem estruturado. A compo-sição do livro explora três principais es-truturas matemáticas: o biquadrado latino ortogonal de ordem 10, a poligrafia do cavalo e o pseudoquenine de ordem 10”, enumera Jacques.

O biquadrado latino é uma espécie de tabela, composta por vários quadrados preenchidos com pares de elementos, que devem ser diferentes entre si. Neste caso, 100 quadrados, já que se trata de um tabuleiro de 10 x 10. Essas combi-nações podem ser associadas a certos tipos de objetos, organizados em listas, estabelecendo-se, assim, quando, como e onde “alocá-los” no texto. Perec propõe em seu romance o uso de 42 contraintes na forma de atributos ligados às perso-nagens: posição, móveis, animais, cores, joias, livros, citações, música, alimento, dentre outras. Essas categorias, para as quais há listas de dez opções possíveis – por exemplo, dez cores, dez canções, dez títulos – são combinadas em 21 pares, que associavam, por exemplo, atividade e posição, citação 1 e citação 2, idade e sexo, livros e música.

Na contrainte “citações”, vale dizer, há referências a Borges, uma importante influência para o Oulipo, seja com a re-produção de trechos de seus contos ou com a referência a seus problemas ou personagens. Para os oulipianos, espe-cialmente Perec, o argentino encanaria um conceito desenvolvido por eles: o de “plagiário por antecipação, noção que já estaria presente num conto do próprio Borges chamado “Os precursores de Ka-fka”. No texto, incluso no Outras Inqui-sições, de 1952, ele faz uma inversão da cronologia e afirma que são os literatos contemporâneos que criam seus precur-sores, e não o contrário. Pelo raciocínio,

Capa do livro Literatura e Matemática; pesquisa recebeu Prêmio de Melhor Tese da

Pós em Estudos Literários da UFMG

Imagem: Reprodução

Page 35: Revista 49

MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAIO 2012 35

explica Jacques, ao usar a matemática e seus conceitos abstratos como instru-mentos para expandir os limites de sua ficção, Borges se tornaria um plagiador das regras oulipianas antes mesmo de sua criação.

As outras duas estruturas d’A Vida Modo de Usar, a pseudoquenine, a adapta-ção de uma regra de permutação, que con-siste na alteração da posição dos elementos de um grupo e a poligrafia do cavalo são usadas, respectivamente, para determinar, do modo mais desordenado possível, qual das dez opções disponíveis para cada par de atributos seria usada em cada capítulo, e definir o “percurso” do romance pelos apar-tamentos do prédio. A poligrafia do cavalo recebe este nome por simular o movimento da peça no jogo de xadrez, cujo desloca-mento é sempre em formato de “L”.

Um traço em especial da literatura de Perec, segundo Jacques, é o tema do esgo-tamento, seja da descrição dos elementos que compõem uma cena, seja da projeção de todas as leituras e movimentos possíveis do seu leitor. O matemático explica que, apesar do esforço, o próprio escritor reco-nhece a inviabilidade de sua empresa.

“Em muitos momentos, Perec escre-ve que a literatura, assim como a arte do puzzle, é um jogo que se joga a dois, na qual cada forma de leitura foi pensada an-teriormente pelo autor, controlando assim todas as suas possibilidades. Porém, ele próprio discorda e refuta, o tempo todo, esse jogo entre autor e leitor. Por mais ma-temático e estruturado que o projeto literá-rio seja, quando a obra alcança o público, leitura e recepção não estão mais nas mãos do construtor de puzzles”, avalia.

Entre labirintos e infinitos Considerado um dos maiores e mais

inovadores escritores de língua espanho-la, Jorge Luis Borges nasceu em Buenos Aires, Argentina, em 1899 e morreu em Genebra, Suíça, em 1986.

Sua obra é marcada pelo fantásti-co, pela quebra das noções de realidade e invenção e da exploração constante de problemas como o infinito, a linearida-de x circularidade do tempo, parado-xos, a existência de outros mundos e

realidades possíveis e de conjuntos que contêm a si próprios. Nelas, são tam-bém recorrentes imagens como as de espelhos, labirintos e bibliotecas sem fim, nas quais haveria livros que conte-riam todos os outros livros do mundo, como a retratada no conto “A Biblioteca de Babel”, encontrado na reunião de contos Ficções, de 1944.

O fascínio de Borges pelos números e suas possibilidades aumenta com a lei-tura de Matemática e Imaginação, de 1940, escrito pelos professores de matemática norte-americanos Edward Kasner e James Newman, uma obra que introduz conceitos matemáticos de forma didática e divertida. De acordo com Jacques, o título seria mais uma ligação entre Borges, Perec e outros oulipianos, que também teriam lido e se inspirado pelo livro.

Antes mesmo da descoberta da obra, Borges já empregava paradoxos matemáti-cos, como o “paradoxo da impossibilidade do movimento”, trabalhado nos textos “A perpétua corrida de Aquiles e da tartaruga” e “Avatares da tartaruga”. Enunciado pelo filósofo grego Zenão de Eleia, (século V a.C), o problema coloca que seria impos-sível um corredor alcançar seu oponente ainda que fosse mais veloz do que ele por-que o espaço que os separa seria divisível infinitamente em partes cada vez menores. Quando o corredor 1 chegava ao ponto em que estava seu oponente, seu oponente já teria se movido mais um pouco, o que se repete infinitamente, de modo que nunca se alcançaria o atleta 2.

A explicação por trás da questão era a crença de que a soma de termos de uma série em que o termo anterior é a metade de seu sucessor, por exemplo, 1/2, 1/4 , 1/8 ..., seria infinita, o que foi refutado no século XIX pelo matemático russo Georg Cantor, que demonstrou que, apesar de os termos serem infinitos, sua soma seria igual a 1. A possibilidade de resolução matemática da questão não lhe diminui o valor como estímulo para ficção, e Borges continuou a explorá-la, como o fez no conto policial “A morte e bússola”, no qual a solução de um assassinato passa pelo problema da impossibilidade do movimento combinado à imagem do labirinto.

Além de explorar a matemática como elemento ficcional, Borges também pensa em sua contribuição para a estruturação do enredo de contos policiais, esboçando um conjunto de regras para esse tipo de narrativa, no texto “Os labirintos policiais e Chesterton”, como a limitação do nú-mero de personagens a não mais que seis e a importância de uma solução que soe mágica, mas ainda coerente com o todo. As histórias de mistérios policiais pedem, além de uma forma mais ou menos fixa, um certo tipo de recepção.

“O leitor do conto policial poderia ser também o leitor oulipiano ou o leitor borgiano: é aquele que busca as soluções dos jogos, das trapaças, dos paradoxos, aquele que laboriosamente tenta desco-brir as contraintes utilizadas por Perec em A Vida modo de usar ou resolver os paradoxos de Russel [o filósofo e mate-mático inglês Bertrand Russel] utilizados por Borges”, esclarece Jacques.

O matemático cita ainda outra seme-lhança entre os escritores: as referências que ambos fazem à Cabala, ciência da in-terpretação de textos judaicos que afirma que cada letra do alfabeto corresponde a um valor numérico e que, combinadas, têm o poder de criar e destruir. Ele ressal-ta que, apesar das aproximações entre os dois autores, ambos, que não tinham es-pecial domínio dos números, concebiam o papel da matemática de maneira muito própria: em Perec, ela surge como uma ferramenta para a estruturação de seus textos, e em Borges, como inspiração para elementos da trama.

Para quem se interessou pela abor-dagem, mas se preocupa com a matemáti-ca envolvida, Jacques avisa que não é pre-ciso possuir conhecimentos matemáticos apurados para compreender – ou apreciar – os livros dos autores. Tê-los, no entanto, favorece uma experiência mais completa da leitura. “Acho interessante os leitores pensarem no está ‘além’ e ‘escondido’ no livro: enigmas, restrições, psicanálise, jogos, referências, intertextualidades e muito mais que ainda não descobrimos, como em qualquer ‘alta literatura’. Há vá-rios níveis de leitura do livro; cabe ao leitor desvendá-los”, afirma.

Page 36: Revista 49

CO

mP

OR

TAm

ENTO

Muito se discute, atualmente, a rela-ção entre bebida e volante. Assunto do mo-mento, a Lei Seca divide opiniões, apesar do consenso em torno da mais óbvia das máximas: automóveis exigem prudência e não podem ser transformados em armas. Também o alcoolismo é tema em perma-nente debate no “espaço público”, dos programas de variedades às telenovelas, das revistas especializadas aos rituais re-ligiosos. Curioso perceber que, mais do que o composto responsável por promover alterações fisiológicas nos indivíduos, em ambos os casos aqui citados, o álcool tor-na-se protagonista devido a outra de suas complexas possibilidades: a capacidade de estimular a redefinição das práticas de sociabilidade daqueles que o consomem – principalmente, em altas dosagens.

Interessados em problematizar, justa-mente, os efeitos da bebida alcoólica sobre as condutas sociais – e também nutricio-nais – de seus consumidores, estudiosos da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) promoveram importante raio-X sobre a ingestão de álcool por estudantes da referida Instituição de ensino. Ao longo

Pesquisa investiga perfil do consumo de álcool por estudantes da Ufop e revela que a bebida prejudica rotina de estudos e redefine padrões de sociabilidade

Maurício Guilherme Silva Jr. de 2008, sob coordenação de Késia Diego Quintaes, professora da Escola de Nutrição, os pesquisadores investigaram os hábitos de alunos de todos os cursos da Ufop, com o intuito de corroborar ou refutar o famoso “mito” de que, na antiga capital das Minas Gerais, os universitários têm costume de, literalmente, exagerar na(s) dose(s) – o que, por diversos motivos, poderia lhes prejudicar a rotina de estudos, a qualidade da alimentação, e, até mesmo, os padrões de convivência e sociabilidade.

“A ideia do estudo surgiu pelas ca-racterísticas da cidade. Buscamos avaliar se o consumo de bebidas alcoólicas, entre os universitários da Ufop, era realmente eleva-do ou se, ao contrário, tudo não passava de mito. Tendo em vista a ausência de investi-gações com esta população”, explica Quin-taes. Neste sentido, a problematização da pesquisa partiu do pressuposto de que, du-rante a adolescência e a juventude, o estilo de vida dos indivíduos apresenta-se como importante “fator modificável”, com impac-tos diretos na saúde do indivíduo. “Nestas etapas da vida, afinal, a ingestão adequada de alimentos, como laticínios, hortaliças e

Page 37: Revista 49

MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAIO 2012 37

frutas, tem efeito benéfico sobre a massa óssea total das pessoas, além de garantir o aporte de compostos essenciais à boa saúde”, completa a coordenadora.

Apesar disso, o consumo alimentar dos jovens nem sempre ocorre de forma a favorecer a saúde. Como exemplo, ressalte-se que preferências e aversões individuais acabam por “direcionar” a natureza do que será ingerido pelos jovens adultos. Além disso, a ausência da família, o ritmo de aulas – ofertadas, por vezes, em período integral –, a publicidade e a convivência em grupo influem no comportamento dos estudantes: “Isso os torna vulne-ráveis tanto ao consumo inadequado de alimentos como à inges-tão de bebidas alcoólicas”, comenta a professora, ao esclarecer, ainda, que a proposta de conhecer o perfil dos universitários des-tacou-se como ótima oportunidade para obtenção de informações “capazes de subsidiar o planejamento e a tomada de medidas de intervenção, com vistas à promoção da saúde dos estudantes”.

Hard drinkers?Ao longo dos meses de trabalho, os pesquisadores da

Ufop entrevistaram 343 estudantes matriculados nos cursos regulares de graduação dessa universidade, cujas aulas realizam--se nos campi de Ouro Preto e Mariana. “A coleta de dados foi feita por bolsistas de Iniciação Científica, devidamente treinados

O estudo investigou a rotina de estudantes ligados a todos os cursos da Ufop. Trata-se de Ciência da Computação; En-genharia de Meio Ambiente; Engenharia Civil; Engenharia de Controle e Automação; Engenharia de Minas; Engenharia de Produção; Engenharia Geológica; Engenharia Metalúrgica; Física; Química Industrial; Sistemas de Informação; Ciências Biológicas; Farmácia; Nutrição; Matemática; Artes Cênicas; Música; Linguagens; História; Direito e Turismo. À época da pesquisa, a Universidade possuía 4.912 alunos. Destes, 427 foram convidados a responder aos questionários desenvolvi-dos pelos pesquisadores, sendo que 84 declinaram do convi-te. Importante ressaltar, ainda, que, por decisão metodológica, as gestantes não foram incluídas no rol dos “entrevistados”.

Page 38: Revista 49

38 MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAIO 2012

para tal. Só participaram do estudo os alu-nos que concordavam em se tornar volun-tários. Além disso, o questionário usado na pesquisa era preenchido pelo próprio participante, sem dados de identificação pessoal, de forma a garantir a ética da in-vestigação”, destaca a coordenadora.

Após a aplicação dos questionários, prontamente respondidos pelos estudan-tes da Universidade, seguiu-se à etapa de tabulação das respostas, com ênfase, con-forme ressaltado, à meta de relacionar a in-gestão de bebidas ao cotidiano de estudos e sociabilidade. Com base em tal objetivo, os pesquisadores dividiram os 343 estu-dantes em três categorias de consumidores de álcool: os que não bebem (“Não-bebe-dores”); os que não apresentam compul-são (“Bebedores não-compulsivos”) e os que, ao contrário, passam da conta (“Be-bedores compulsivos”). Neste último caso, foi também criada uma sub-tipologia: os que “bebem de forma pesada” (ou Heavy Drinkers, na expressão em língua inglesa).

Dentre os entrevistados, a pesquisa identificou 41 alunos “não-bebedores”, 75 “bebedores não-compulsivos”, que ingerem até quatro doses em momentos propícios ao consumo de bebidas alcoólicas, e 227 “be-bedores compulsivos”, já que bebem cinco ou mais doses por ocasião. Desses, 151

ambientes universitários como o de Ouro Preto tendem a ampliar as probabilidades de ingestão exacerbada de bebidas alcoóli-cas pelos alunos, que também passam a dar pouca atenção à própria saúde nutricional: “Verificamos que consumo exagerado de bebidas alcoólicas pelos estudantes não é mito. Além disso, a maior parte do consumo se dá no interior das próprias moradias”, ressalta a coordenadora.

A pesquisa também constatou que alunos mais jovens – com idade entre 17 e 24 anos – ficam duas vezes mais bêbados do que seus colegas acima de 25. Com rela-ção às questões de gênero, identificou-se o que muitas vozes já se acostumaram, no dia a dia, a alardear: mulheres e homens bebem em volume e de forma similares. “A única diferença diz respeito aos problemas orgâ-nicos. Diferentemente dos entrevistados do sexo masculino, as mulheres queixaram-se de problemas de estômago decorrentes do excessivo consumo de bebidas alcoólicas”.

Para além da elucidação do quê e de como bebem os estudantes da UFOP, os re-sultados da pesquisa, coordenada pela pro-fessora Késia Quintaes, poderão contribuir para a elaboração de políticas educacionais focadas no perfil de consumo dos universi-tários. “Trata-se de iniciativas que levem em conta o tipo de bebida ingerida, assim como o local de consumo e suas consequências orgânicas e sociais”, ressalta.

Além do estudo de 2008, outras in-vestigações surgiram a partir da meta de compreensão dos modos de consumo de álcool por alunos da Ufop: “Como desdo-bramento da pesquisa, professores que colaboraram com a investigação realizaram outras pesquisas relacionadas ao tema. Um deles abordou a relação entre o consumo de bebidas alcoólicas, por universitárias, e a adiposidade corporal”, conta Késia.

foram classificados como Heavy Drinkers, posto que repetiam tal conduta duas ou mais vezes por mês. A literatura científi-ca chama de binge à prática do consumo excessivo – quando homens ingerem, no mínimo, cinco, e mulheres, quatro ou mais doses numa mesma ocasião. Tal perfil epi-sódico é bastante comum entre jovens.

“Observamos que os ‘estudantes que bebem de forma pesada’ – ou seja, igual ou mais do que cinco doses por ocasião, em eventos iguais ou superiores a dois ao mês – têm muito mais chance de faltar às aulas e de não se matricular no período ideal do curso de graduação em questão. Isso revela a existência de re-lação bastante negativa entre o consumo de bebida alcoólica e o rendimento estu-dantil”, elucida Késia Quintaes.

lar, perigoso lar Outro curioso dado apresentado pelo

estudo diz respeito aos ambientes preferen-ciais para o consumo de álcool (ver info-gráfico). Ao invés dos bares, são as repú-blicas – lar da maioria dos universitários da cidade – e o Centro Acadêmico da Escola de Minas os lugares prediletos dos estudantes interessados em beber. Por essas e outras, parece possível legitimar o que, há déca-das, o senso comum teimava em repetir:

PROJETO: Avaliação do consumo de alimentos e bebidas alcoólicas de uni-versitários de uma instituição pública de ensino em Minas GeraisCOORDENADOR: Késia Diego QuintaesMODALIDADE: Programa Pesquisador MineiroVALOR: R$ 48.000

Frequência com que estudantes universitários “Não-bebedores”, “Bebedores não-compulsivos”, “Bebedores compulsivos” e “Indivíduos que bebem pesado” permanecem

nos bares, nos centros de estudo ou nas festas das repúblicas por três horas ou mais.

Page 39: Revista 49

MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAIO 2012 39

LEm

bR

A D

EssA

?

Eles saltam, correm, dão bofetões no ar. Em seguida, agacham-se, como que para pensar na vida, e, num só impulso, pulam em direção ao teto, com os braços estendidos ao léu. Por mais birutas que possam parecer os voluntários do Labora-tório de Pesquisa em Computação Gráfica e Jogos Digitais da Universidade Fumec, a verdade é que não importam os signifi-cados de seus movimentos. Vestidos com roupas pretas – e repletos de refletores agarrados ao corpo –, só lhes interessa a certeza de que suas estripulias, uma a uma, serão devidamente “compreendidas”, captadas e processadas por computadores especiais, capazes de reter, em sua me-mória eletrônica, tudo o que se realize no ambiente de pesquisa.

Afinal, os participantes de tal diverti-da “brincadeira” compreendem bem o mo-tivo que os leva a tamanho esforço físico: seus movimentos contribuem diretamente com o aprimoramento do primeiro sistema brasileiro de captura de movimentos para animação. Trata-se do OpenMoCap, sof-tware livre criado por meio de parceria entre pesquisadores da Fumec e da Universida-de Federal de Minas Gerais (UFMG) e que permite a captação de quaisquer gestos hu-manos – os quais, depois de armazenados em bancos de dados, poderão ser usados na produção de filmes e de jogos digitais.

Conduzido pelos professores João Victor Boechat Gomide, coordenador do curso de Jogos Digitais da Fumec, e Ar-naldo de Albuquerque, do Departamento de Ciência da Computação da UFMG, o projeto responsável pelo desenvolvimento

gestosdigitalizadosFruto de parceria entre Fumec e UFMG, projeto é responsável pelo desenvolvimento do primeiro software livre brasileiro de captura de movimentos

No cinema, a captura de movimentos foi usada, pela primeira vez, em 1991, no fil-me O exterminador do futuro II. A técnica também aparece, entre diversos outros, nos longas-metragens O expresso polar, A casa monstro, Senhor dos anéis, Ava-tar e As aventuras de Tintim.

da tecnologia –importantíssima ao ofício dos desenvolvedores brasileiros – tornou--se tema de reportagem da edição nº 30 de MINAS FAZ CIÊNCIA, publicada em 2009. Escrito pela repórter Virgínia Fonseca, o texto revelava não apenas a história das experimentações que culminariam com o OpenMoCap, assim como o processo de funcionamento da software.

O passo inicial da iniciativa remonta aos anos 90, período em que Gomide tra-balhava como finalizador de efeitos da Rede Globo, no Rio de Janeiro. À época, buscou--se a aplicação da técnica na animação dos personagens do seriado Sítio do Picapau Amarelo. Em função da escassez de espe-cialistas na área, contudo, tais “estudos preliminares” acabaram por se desenvolver em Nova Iorque. “Ao voltar a Belo Horizonte e para a vida acadêmica, procurei parcerias na UFMG, de modo a desenvolvermos o projeto, que, inicialmente, era um produto comercial”, ressalta. Com o passar do tem-po, a proposta mercadológica seria substi-tuída pela ideia de “abrir o código” e, con-sequentemente, oferecer a ferramenta como software livre. Hoje, o OpenMocap pode ser acessado em um portal (www.openmocap.org), onde os usuários – muitos dos quais,

desenvolvedores, terão acesso a fóruns de debate, chats, galeria de vídeos e imagens, além de seções de artigos e de ofertas de empregos e serviços.

FuncionamentoAbreviatura da expressão inglesa

Motion Capture, MoCap é a denominação comum aos softwares de captura de movi-mentos do mercado. Por isso, o programa desenvolvido pelos pesquisadores da Fumec e da UFMG recebeu a alcunha de OpenMo-Cap. O programa possibilita desde a captura dos gestos de uma pessoa até sua transmis-são aos personagens virtuais. A técnica mais empregada na atualidade baseia-se na pre-sença de marcadores – ou pontos refletores afixados nos indivíduos –, que servem de “origem” aos movimentos captados.

Os locais específicos para disposição dos marcadores – afixados sobre as roupas pretas usadas pelos atores – são as articu-lações. Para a captura em si, pode-se usar diversos princípios, como o mapeamento do campo magnético. No caso do Open-MoCap, porém, a equipe optou pelo uso de câmeras, que proporcionam mais liberdade de ação ao “gesticulador”. No set de “filma-gem”, instalam-se leds (luzes) de infraver-melho, de modo a iluminar todo o ambiente, enquanto, na frente das lentes, instala-se o filtro para o infravermelho. “Desse modo, o equipamento de filmagem capta apenas os pontos brilhantes no corpo do ator [os mar-cadores]. Em seguida, o software entra em ação, mapeando as coordenadas dos pontos e os seguindo ao longo dos quadros do ví-deo”, explica João Victor.

Luzes no corpo dos atores são captadas pelo OpenMoCap

Foto

: Arq

uivo

pes

soal

Page 40: Revista 49

40 MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAIO 2012

INC

Lusã

O D

IgIT

AL

“Quero iniciar pelo passado. Quando eu nasci fui aquele bebê que meus pais ga-nharam de presente. Este presente é compa-rado àquela semente de uma árvore frutífera que um homem semeia, cuida, molha. Ela germina e cresce. Do meu fruto saiu uma semente que são meus filhos. Uma já tem dois filhos que são os netinhos queridos do vovô. Agora é que eu comecei meu futuro porque se eu posso ir até a UFJF, pegar dois ônibus, sou novo, saudável e faço coisas que muitos com trinta anos não fazem”. O texto é trecho de um post do blog de Se-bastião Hilário Lopes (www.avidadeumfilho.blogspot.com.br/). Seu Sebastião, como ele gosta de ser chamado, tem 65 anos é apo-sentado, blogueiro e foi aluno de um projeto da inclusão digital da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).

“Na época das aulas, minha maior dificuldade era postar as fotos, mas as professoras eram muito pacientes e ca-rinhosas. Me sinto outra pessoa depois deste projeto”, conta. Intitulado “Inclusão

Tempode aprenderProjeto de inclusão digital na terceira idade promove o envelhecimento saudável, fortalece a relação com as outras gerações e prova que é possível aprender em qualquer idade

Juliana Saragá

onde acontece o projeto, são mais de 13% de idosos na população, quase o dobro da média nacional. “Mesmo representando grande parte da população brasileira, o idoso ainda hoje é cercado por um este-reótipo muito negativo. Quanto menor é o seu acesso a recursos midiáticos, como televisão, rádio e internet, e quanto menor sua classe social, maior é o estigma que ele carrega”, explica a psicóloga e pesqui-sadora Natália Nunes Scoralick Lempke.

Natália acompanhou de perto o pro-jeto desde o início. Primeiro, participou como voluntária, depois como bolsista de iniciação em seu mestrado. Agora, segue com o doutorado também sobre o tema. “Primeiro investigamos quais medidas poderíamos tomar para que o processo de aprendizagem fosse adequado aos idosos. Num segundo momento, pesquisamos como poderíamos melhorar a didática, de-senvolvendo material específico para essa faixa etária e preparando os profissionais que ministram as aulas”, relata.

digital para a promoção do envelhecimento saudável”, o projeto teve início em 2004 e continua até os dias de hoje. “No início, era focado somente na aprendizagem em informática. Depois, sistematizamos e de-mos a ele maior rigor científico, focando no desenvolvimento de competências que permitem envelhecer com saúde”, explica o pesquisador Altemir José Gonçalves Barbosa, professor do Departamento de Psicologia da UFJF e coordenador do projeto. Para ele, a informática pode ser considerada uma atividade que promove o envelhecimento saudável, à medida que as novas tecnologias são fundamentais para o exercício da cidadania.

Nos últimos 20 anos, o idoso bra-sileiro teve a sua expectativa de vida au-mentada, reduziu o seu grau de deficiência física ou mental e passou a chefiar famílias. De acordo com o último Censo, (http://www.ibge.gov.br/home/), em 2010, 7,4% da população brasileira possuía 65 anos de idade ou mais. Em Juiz de Fora, cidade

Page 41: Revista 49

MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAIO 2012 41

inclusão para a vidaPara participar do projeto, os alunos

precisavam ter mais de 60 anos e conclu-ído a quarta série do ensino fundamental, já que precisariam ler e escrever. O convite foi feito por meio de uma rádio da cidade, em um programa muito escutado por essa faixa etária. Os interessados entravam em contato com a Universidade e se candida-tavam como voluntários. “Muitos alunos nos relataram que, ao contar para a família que participariam de um projeto de inclusão digital, eles diziam: ‘para quê’? Com essa falta de incentivo dos familiares, muitos chegavam com o pensamento de que não iriam aprender. Tinham medo até de es-barrar no computador dos filhos e netos”, conta a psicóloga. As aulas iniciais tinham o objetivo de aproximá-los do ambiente digital. “Começamos mostrando a CPU de um computador, onde se encaixam os fios, como ligar e desligar e o seu funcionamento básico”, explica. À medida que os alunos iam se adaptando ao ambiente, as aulas iam avançando. A etapa final e a mais esperada era sobre internet, blogs e redes sociais.

Oito turmas de aproximadamente doze alunos já passaram pelo projeto. Os resultados cumpriram a proposta, que é contribuir para o envelhecimento saudável. Os alunos melhora-ram a capacidade de processamento, que, se-gundo a pesquisadora, serve para desmitificar a questão de que o idoso não se desenvolve. “Na velhice pode haver declínios, mas há tam-bém ganhos cognitivos”. Ela ainda destaca os ganhos sociais dos alunos, que melhoraram a intergeratividade, ou seja, as relações inter-pessoais com diferentes gerações. Outro ponto

importante foi a melhora da autoestima. “Cer-cados pelo estereótipo de que não aprendem, os idosos puderam mostrar para os filhos e netos que é possível falar a mesma língua”.

“blogando” na terceira idadeComo parte do projeto, os alunos

desenvolveram blogs que recontavam suas histórias de vida, como a do “Seu” Sebas-tião, citada no início da matéria. “Os idosos gostam muito de contar suas histórias, re-lembrar o passado. O blog é uma maneira de reconstruírem essa biografia no meio digital e fazer com que elas possam ser conhecidas por várias gerações”, pontua a psicóloga. Na etapa do blog eram feitos grupos de discussão, que propunham te-mas da cada fase da vida. Infância, adoles-cência, vida adulta e velhice. Na infância, por exemplo, os alunos relembravam como eram as brincadeiras e traziam fotos da épo-ca. Depois, iam para o computador escre-ver, editar fotos e vídeos e postar nos blogs. Segundo a psicóloga, “Seu” Sebastião foi um dos alunos mais aplicados e interes-sados. Tanto que ele continua firme com o blog e atuante nas redes sociais. Uma prova disto foi a entrevista para a MINAS FAZ CI-ÊNCIA, concedida pelo Facebook.

vovôs e vovós nas redes sociaisDona Maria Aparecida Costa, 68

anos, adora ler notícias e resumos de nove-las online, assistir a palestras de padres no Youtube e interagir com amigos e familiares no Facebook. Ela e o marido, Hely Geraldo Costa, 74 anos, fizeram um curso de infor-mática para a terceira idade. “Na primeira

aula eu não sabia nem ligar o computador. Aprendemos várias coisas, mas eu gostei mesmo foi da internet!”, lembra. O apren-dizado serviu também para a aproximação de familiares distantes. Ela conversa diaria-mente por e-mail com a irmã que mora em Brasília e acompanha todas as notícias dos filhos e netos pelo Facebook. “Antes eu me sentia excluída, agora eu tô dentro!”, brinca.

Dona Heloísa Pinheiro Alves da Silva também não fica para trás. Há um ano e meio a aposentada de 80 anos faz aulas particulares de informática semanalmente, com destaque para a internet e redes sociais. “Tudo eu per-gunto para o Google. Se alguém está doente, por exemplo, pesquiso e me informo sobre aquela doença”, conta. Viúva há dezoito anos, Dona Heloísa diz que a internet preencheu sua vida e substituiu as pinturas em porcelana. “Gosto mesmo é de conversar no Facebook. Se alguém diz alguma coisa lá eu me intrometo e dou opinião”, conta com uma risada e ótimo bom-humor. Dona Heloísa lembra que apren-deu a dirigir com quarenta anos e ainda hoje busca suas netinhas de carro na natação. Para ela, “nunca é tarde para aprender”.

PROJETO: Inclusão digital para a promoção do envelhecimento saudável:Qualidade de Vida, Alfabetização em Informática e Processos CognitivosCOORDENADOR: Maria PeruzziElia da MotaMODALIDADE: Grupos Emergentes de PesquisaVALOR: R$ 45.000

Página no Facebook de dona Heloísa: ela tem mais de 80 amigos e interage com os netos, filhos e amigos por meio da rede social

Seu Hely e dona Maria Aparecida fizeram curso de informática para a terceira idade

Foto

: Hel

y Co

sta

Jr.

Page 42: Revista 49

42 MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAIO 2012

Cu

LTu

RA

De um lado, uma pequena cidade do interior de Minas Gerais que guardava parte de sua história em um acervo com obras de vários compositores da região. De outro, um município histórico, com os olhares voltados para o futuro. E em cada uma das cidades, apaixonados por música, se uniram para resgatar a história de uma das bandas mais tradicionais do Estado. Estamos falando de Barão de Cocais, localizada na região central de Minas, a 100 quilômetros de Belo Horizonte, e de São João Del Rei, situada no Campo das Vertentes e a 190 quilômetros da capital. Nesses municípios vivem músicos profissionais que buscaram uma solução para manter o acervo preservado.

Alexandre Lacerda havia sido aluno de An-tônio Carlos Guimarães na Escola de Música da Universidade Estadual de Minas Gerais (Uemg). Tempos depois cada um seguiu seu rumo: o pri-meiro virou maestro da Banda de Barão de Cocais, e o segundo é professor do curso de Música da Universidade Federal de São João Del Rei (UFSJ). Juntos, eles articularam uma proposta de trabalho de recuperação, catalogação e edição do acervo mu-sical que aliasse o material já existente em Barão de Cocais e uma das linhas de pesquisa desenvolvi-das pelo Departamento de Música da Universidade Federal de São João Del Rey (UFSJ) em parceria com o Laboratório de Documentação (Labdoc), da

Memóriasonora

Projeto busca preservar

o acervo da Banda de

Música de Santa Cecília

de Barão de Cocais,

fundada em 1905

Ana Flávia de Oliveira

Page 43: Revista 49

MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAIO 2012 43

Faculdade de História da mesma instituição. O estudo foi feito em conjunto com o pes-quisador Paulo Castagna, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), especialista na catalogação de acervos históricos mineiros. O trabalho interdisciplinar financiado pela FAPEMIG permite desenvolver as atividades de conservação e restauro de acervos.

A agremiação musical estava com algumas partituras deterioradas e fora de ordem, colocando em risco o patrimônio cul-tural. Por isso, o projeto desenvolvido teve por objetivo preservar o acervo, por meio de organização, tratamento e editoração, pro-porcionando condições para a continuidade das atividades musicais e do ensino musical na Banda de Barão de Cocais. Para que os resultados fossem alcançados, foi feito um tratamento de restauração e preservação de materiais. Em seguida, houve levantamento, organização das obras, arquivamento e digi-talização, além de construção de um catálogo digital para uso interno. A etapa seguinte foi a seleção de obras importantes na prática musical da Banda e editoração eletrônica das músicas usando software específico. Com a digitalização, os músicos podem fazer cópia dos arquivos, mantendo os originais preser-vados. “Nós usamos uma metodologia de arquivamento que facilitasse para o pesqui-sador e também para o usuário, que poderá imprimir as partituras que serão usadas. Ouvimos os músicos e criamos um processo que seja de fácil acesso a eles”, comenta.

O acervo restaurado é composto de obras de gêneros variados como dobrados, marchas de desfile e religiosas, bem como sinfonias de compositores locais e regio-nais. Durante a restauração, que durou dois anos, 8.871 unidades documentais do acervo, compostas por partes e partituras, foram tratadas. De acordo com o coorde-nador da pesquisa, professor Antônio Car-los Guimarães, aproximadamente 20% do acervo necessitou de algum tipo de reparo e restauração, e o restante precisou apenas de higienização. “Este acervo compõe ima-gens sonoras de um século de festividades religiosas, cívicas e profanas da região de Barão de Cocais”, revela.

No decorrer do século XX, as bandas de música incorporaram novos instrumentos e mudaram a notação musical de outros. A tuba, o bombardino, o barítono, o trombone, a trompa, por exemplo, não têm a mesma no-tação usada no final do século XIX e início do século XX. Toda a percussão era tocada “de ouvido”, por isso, raramente encontram--se partituras para esses instrumentos. Além disto, os compositores locais não escreviam para os instrumentos em falta na sua época, o que torna necessárias adaptações para os instrumentos incorporados, como o saxofone soprano, o saxofone tenor, a flauta, e às vezes até o saxofone alto, dentre outros. Por isso, durante o processo de restauração e edição são feitas adaptações na instrumentação para que obras compostas no início do século XX

sejam executadas pela Banda hoje em dia. Segundo Alexandre Lacerda, que atuou como bolsista no projeto, as adaptações não desca-racterizam a música, uma vez que os elemen-tos essenciais são mantidos. “É um trabalho que exige grande conhecimento sobre o as-sunto. Tem que saber com precisão a função de cada instrumento na música, por exemplo, e se nós perdemos parte de uma música te-mos que encontrar uma forma de recriá-la. O musicólogo faz um trabalho semelhante ao de um restaurador de obra de arte”, explica.

O projeto contribui ainda para a manu-tenção desse acervo musical que é parte da identidade cultural do Município de Barão de Cocais. Preservar este acervo significa man-ter essa identidade cultural viva e garantir sua perpetuação. Além disto, o conhecimento produzido neste projeto poderá ser compar-tilhado por outras bandas municipais em Mi-nas, que possuem acervos musicais simila-res e que também têm funções sociais como a banda cocaiense. “Depois da pesquisa, os músicos se sentem mais orgulhosos com o que fazem e são mais valorizados, já que a Banda faz parte da identidade local, é a me-mória sonora do município”, afirma Lacerda.

Etapas do trabalhoControle entomológico: técnica de

congelamento dos documentos devidamente embalados, em um freezer por, no mínimo, quinze dias; devidamente vedados e tendo o ar retirado do seu interior por meio de um aspirador de pó.

Técnica faz o trabalho de higienização das folhas, uma por uma O trabalho de restauração foi realizadoem parceria com o laboratório de documentação da UFSJ

Fotos: acervo Banda Santa Cecília

Page 44: Revista 49

44 MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAIO 2012

Higienização: limpeza das folhas, uma a uma, por meio de trinchas visando a retirada da sujeira presente no papel que ace-lera o processo de degradação;

Tratamento técnico de conserva-ção: é a restauração propriamente dita;

Identificação e Arranjo: depois da identificação, de acordo com gênero musi-cal e instrumentação, os documentos foram agrupados a partir de critérios pré-estabele-cidos de organização;

Catalogação e arquivamento: catalo-gação e arquivamento das obras identificadas;

Digitalização: realizada com câmera fotográfica digital;

Editoração: Seleção de obras que foram editoradas eletronicamente. Foram selecionadas a partir de critérios pré-estabe-lecidos que levaram em conta a importância e a frequência de execução das obras em solenidades civis e religiosas no município;

Impressão: das partes e partituras das obras editoradas para uso nas atividades da Banda Santa Cecília.

Disponibilização em banco de da-dos: os dados obtidos por meio da análise, descrição e digitalização dos documentos fo-ram armazenados no banco de dados e dispo-nibilizados para uso interno da Banda.

sobre a bandaA Banda de Música de Santa Cecília

de Barão de Cocais foi fundada em 15 de abril de 1905 pelo Padre Antônio Maria Telles de Menezes, pároco da matriz de São João Batista, padroeiro local. O vigário li-derava, na época, um grupo de musicistas que tocavam instrumentos nas cerimônias religiosas e cantavam no coro da igreja.

Há quase um século, banda e coro da cidade compõem um núcleo cultural de valor inestimável. Participam das solenida-des civis e religiosas da cidade, preservam

vida social das cidades por meio da parti-cipação na Banda. “Os indivíduos que par-ticipam da Banda e suas famílias se sentem diferenciadas por isso. Eles ganham desta-que na cidade”, destaca Guimarães.

Novo regressoe seus resultados

A Banda de Música Santa Cecília de Barão de Cocais possui em seu acervo obras de compositores da cidade e da região, de composição até mesmo anterior a sua funda-ção, em 1905. É o caso do Dobrado “Novo Regresso”, que dá título à pesquisa, que é de autor desconhecido e datado de 1903. O título desta obra foi escolhido para dar nome ao projeto pelo seu significado, no sentido de ser a primeira obra que originou o acervo em estudo, e que hoje é parte do patrimônio histórico-musical de Barão de Cocais.

Ao final da pesquisa, foi lançada uma publicação que inclui um caderno de par-tituras restauradas no projeto, um artigo descrevendo a pesquisa e um DVD com um documentário assinado pelo jornalista Mar-celo Passos, que serão distribuídos para ou-tras Bandas mineiras, incluindo partituras e gravações, com a Banda Municipal de Santa Cecília, das peças escolhidas. Ao final dos trabalhos a banda teve o patrocínio de uma siderúrgica da cidade para gravar um CD com a edição das obras selecionadas. “Depois da restauração e da edição nós gravamos as músicas e a restauração do acervo incentivou a gravação de um documentário que conta a história da cidade, da Banda e mostra quem são os músicos”, descreve Lacerda.

a prática musical e formam novos músicos que se tornam também seus integrantes.

Além disto, a Banda de Música Santa Cecília ajudou a construir a cidade. Este-ve presente em todos os eventos festivos, como na inauguração do primeiro alto for-no da antiga Companhia Brasileira de Usi-nas Metalúrgicas (CBUM) em 1926. Tocou para os governadores Benedito Valadares e Juscelino Kubitschek, entre outras per-sonalidades que visitaram o município. A agremiação musical é um elemento que compõe a identidade cultural da comuni-dade de Barão de Cocais.

Inicialmente, a banda não tinha sede própria. Os ensaios aconteciam no salão da casa de dona Chiquinha Gonçalves, mãe do então presidente da banda, coronel José Gomes Gonçalves, e depois nas casas dos membros da Banda. Em 1942, o presidente Raimundo Vital, que tocava bombardino e tuba, comprou um terreno onde foi constru-ída a sede atual, inaugurada em 1959.

O atual presidente é o jornalista J. D. Vital, que atua no aprimoramento dos músicos jovens. Alexandre Lacerda, con-tratado em 2005 como maestro da Banda Municipal Santa Cecília, cuida também da educação musical de jovens músicos, treinando-os para fazer parte do quadro de músicos da Banda e para que perpetuem a função social da Banda de Santa Cecília como elemento da cultura e identidade da comunidade de Barão de Cocais.

A maioria dos músicos vem, desde a fundação da Banda, de classes sociais me-nos favorecidas. Eles são amadores, não recebem remuneração, tocam por amor. Assim, pessoas dessas classes passam a tomar parte de momentos importantes da

PROJETO: “Novo Regresso”: Projeto de recuperação, catalogação e edição do acervo musical da Banda de Música Santa Cecília de Barão de CocaisCOORDENADOR: Antônio Carlos GuimarãesMODALIDADE: Edital UniversalVALOR: R$ 83.448

Fotos: acervo Banda Santa Cecília

Diferentes gerações se juntam nas apresentações da Banda Santa Cecília

Assista ao vídeo da série Ciência no Ar que trata da preservação do acervo da Banda. Acesse

http://fapemig.wordpress.com

@

Page 45: Revista 49

O campo universitário reproduz na sua estru-tura o campo do poder cuja ação própria de seleção e de inculcação contribui para reproduzir a estrutura. É na verdade no e por seu funcionamento como espaço de diferenças entre posições (e, da mesma maneira, entre as disposições de seus ocupantes) que se rea-liza, fora de toda intervenção das consciências e das vontades individuais ou coletivas, a reprodução do espaço das posições diferentes que são constitutivas do campo do poder.

MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAIO 2012 45

Muitos foram os pesquisadores estrangei-ros que, em terras brasileiras, buscaram desven-dar as riquezas da flora e da fauna. Até os dias de hoje, grande parte das informações coletadas por tais curiosos e perspicazes cientistas permanece resguardada, em diversos pontos do planeta, por prestigiados museus e instituições acadêmicas. Responsável por vasto volume de conhecimento produzido – e exportado – sobre as especificida-des do Brasil, Peter Wilhelm Lund (1801-1880), um dos mais importantes naturalistas dinamar-queses do século XIX, poria os pés no País, pela primeira vez, em 1832. À época, contava com 31 anos e inominável interesse pelo desnudamento das maravilhas do Novo Mundo.

Ao longo de dez anos de estudos, Lund investigaria, principalmente, as grutas calcárias no entorno de Lagoa Santa, em Minas Gerais. Tais descobertas e análises seriam fundamentais à construção de uma série de teorias acerca dos processos evolutivos de homens, plantas e ani-mais sobre a Terra – ou, mais, especificamente, o Brasil. No livro P.W Lund e as grutas com ossos em Lagoa Santa, de autoria dos historiadores Birgite Holten e Michael Sterll, não apenas os estudos do naturalista dinamarquês revelam-se detalhadamente reconstituídos e comentados,

como também a fascinante personalidade do cientista, homem de muitos ofícios e interesses.

Importante ressaltar, aliás, que Holten e Sterll também trabalharam, ao longo de anos, em escavações arqueológicas na região de Lagoa Santa e, juntos, escreveram outras tantas obras acerca da trajetória do naturalista dinamarquês, a exemplo de O pintor desaparecido – P.W Lund e P.A Brandt no Brasil e A canção das palmeiras: Eugenius Warming, um jovem botânico no Bra-sil. Com impecável produção da Editora UFMG, e financiamento da FAPEMIG, o livro P.W Lund e as grutas com ossos em Lagoa Santa revela--se também esplêndido para os olhos, que, do início ao fim, poderão se deliciar com aquarelas de época ou fotografias de expedições arqueoló-gicas recentemente realizadas no País.

Livro: P. W. Lund e as grutas com ossos em Lagoa SantaAutores: Birgitte Holten e Michael SterillTradução: Luiz Paulo Ribeiro VazEditora: UFMGTítulo original: P.W. Lund og Knnokelhulerne i Lagoa SantaPáginas: 336Ano: 2011

LIVRO: Homo academicusAUTOR: Pierre BourdieuTRADUÇÃO: Ione Ribeiiro Valle e Nilton ValleEDITORA: UFSCPÁGINAS: 312ANO: 2011/2012

Foi a essa terra que Lund chegou em 1825. Ao longo dos seus muitos anos no país, ele desenvolveu um vivo, mas, certamente, não acrítico interesse por sua população e peculiaridades políticas. Quando de-sembarcou, foi, entretanto, a natureza rica e diversifi-cada que o encantou. Durante essa primeira estadia no Brasil, Lund ficou na região do Rio, onde morou em diversos lugares, interrompido por períodos na própria capital e curtas excursões a outros destinos.

LEIT

uR

As

De olho nos passos do desbravador

homo academicus“Ao apreender o mundo universitário

francês como um campo no qual se confron-tam múltiplos poderes, que correspondem às trajetórias sociais e escolares e também às produções culturais dos seus agentes”, Pierre Bourdieu (1930-2002) demonstra que a pro-dução científica está longe de ser o resultado de uma forma de meritocracia que consagra os talentos individuais.

A originalidade de sua tese, publicada inicialmente em 1984, na França, está em mos-trar que as tomadas de posição dos intelectuais ou as políticas educacionais são determinadas pelos mecanismos de reprodução de privilégios herdados. O sociólogo revela conflitos, contra-dições, crises, desilusões, interesses, relações de força, hierarquia de prestígios, ruptura de equilíbrios, tal como assinala a tradutora Ione Ribeiro Valle, na apresentação.

O caráter por vezes polêmico do livro se dá a ver nos títulos de capítulos e anexos, como “O conflito das faculdades”, “Espécies de capital e formas de poder”, “O hit parade dos

intelectuais franceses ou quem julgará a legiti-midade dos examinadores”.

Para Ione Valle, Bourdieu percebeu, desde os primeiros estudos sobre o sistema de ensino (no caso, o francês), “que a cultura escolar in-culca um conjunto de categorias de pensamento graças às quais os indivíduos se comunicam e se relacionam, partilhando uma cultura de classe fundada na primazia de certos modos de refletir, exprimir, julgar e agir que os predispõem a man-ter, com seus iguais, uma relação de cumplicida-de e de comunicação específica”.

Page 46: Revista 49

46 MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAIO 2012

OD

ON

TOLO

gIA

Alguns benefícios da castanha-do-pa-rá (Bertholletia excelsia) já são bem conhe-cidos. O fruto é rico em proteínas e contém elevado nível de selênio, um nutriente que combate os radicais livres e o envelheci-mento celular. A novidade é o seu uso no combate às cáries. Um estudo desenvolvido na Pontifícia Universidade Católica de Mi-nas Gerais (PUC MG) investigou a eficiência do óleo dessa castanha no controle da pla-ca bacteriana, ou biofilme.

A pesquisa foi realizada pela dentista Cintia de Fátima Buldrini Filogônio durante seu mestrado na área de Ciências da Saú-de – Odontopediatria. A ideia surgiu de uma observação no consultório. “Alguns pacientes relatavam que tinham o hábito de escovar os dentes com óleo de soja ou óleo de amêndoas e apresentavam, ao exa-me clínico, o periodonto saudável. Con-versei com meu orientador, Roberval de Almeida Cruz, e ele me disse para procurar bibliografia sobre o tema”, conta.

Em uma revisão da literatura, Cintia encontrou várias referências sobre o uso de óleos essenciais na odontologia. Adi-cionados ao dentifrício, esses óleos de-sempenham papel de agentes antibiofilme e antigengivite. Mas nenhum deles tinha como foco óleos derivados de produtos do Brasil. A ideia de testar a castanha-do-pará surgiu dessa forma. Por ser um alimento gorduroso e oleoso, a hipótese é que seu uso poderia inibir a formação do biofilme

ProteçãoNaturalÓleos de origem vegetal e mineral são aliados no combate às cáries Vanessa Fagundes

dentário, criando uma barreira protetora sobre o esmalte. Além disso, o produto é de fácil aquisição e extração, sendo obtido por processo de prensagem a frio.

Além do óleo da castanha-do-pará, a pesquisadora também testou um óleo de origem mineral, da marca Nujol, que con-siste em uma mistura de hidrocarbonetos líquidos obtidos de petróleo. Ele é normal-mente indicado como laxante, no tratamen-to de constipação intestinal e também para amaciar áreas ásperas e ressecadas da pele. O objetivo era compará-los e verificar qual deles contribuiria de forma mais sig-nificativa para a saúde bucal. Cintia des-taca outro fator importante para a escolha. “Hoje, é crescente a preocupação dos con-sumidores em utilizar produtos naturais, menos agressivos e sem conservantes. Também nesse ponto os óleos de origem vegetal e mineral apresentam vantagem”.

Acompanhamento e controleO trabalho de campo teve início em

2007. Para os testes, foram selecionadas aleatoriamente 30 pessoas (23 mulheres e sete homens) com idade entre 18 e 21 anos. Os voluntários eram alunos da Fa-culdade de Odontologia da PUC MG, já tinham o hábito de escovar os dentes re-gularmente e já haviam sido submetidos anteriormente a algum tipo de tratamento odontológico de rotina. Como critérios de exclusão, não foram aceitas pessoas

O biofilme dentário é o acúmulo de bactérias da microbiota bucal sob a superfície dos dentes. Esse é um fator determinante para que ocorra a cárie e doenças periodontais. O acúmulo é mais intenso nos locais onde a higiene bucal não é feita de maneira adequada.

Page 47: Revista 49

MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAIO 2012 47

que estavam sendo submetidas a tratamentos ortodônticos (usavam aparelhos, por exemplo), que não possuíam algum dente, ou que estavam em tratamento odontológico clínico durante o período da pesquisa.

Os voluntários foram divididos em três grupos de dez pessoas cada. Cada um deles recebeu um tubo de dentifrício marcado apenas por uma cor (prata, dourado e branco). Um deles continha dentifrício original de uma marca disponível no mercado e de boa aceitação. Os outros dois receberam tubos do mesmo dentifrício, mas alterado em sua formulação original pela adição de 10% em volume de óleo mineral e 10% em vo-lume de óleo de castanha-do-pará.

Todos os tubos foram manipulados em farmácia, de for-ma que nem os voluntários nem a pesquisadora sabiam qual era a composição de cada um. Junto com o dentifrício, eles receberam uma escova dentária, para efeito de padronização e para evitar a influência com relação à condição do objeto a ser utilizado. Todos foram orientados a praticar a higienização a que estavam habituados.

Os voluntários passaram por avaliações quinzenais. Em tais ocasiões, os dentes eram coloridos com fucsina (corante de cor magenta) e, seguindo uma tabela simples e pré-defini-da, eram classificados de acordo com as manchas resultantes (ver figura). Durante três meses, Cinthia acompanhou se as manchas diminuíam ou permaneciam iguais em cada um dos dentes selecionados nos três grupos de voluntários.

Os dados coletados foram inseridos em um programa de computador e tratados estatisticamente. A pesquisadora verifi-cou que os grupos que utilizaram o dentifrício acrescido de óleo tiveram redução do biofilme dentário, sendo que não houve di-ferença significativa entre a ação do óleo vegetal e a do óleo mineral. “Os óleos proporcionaram efeito adicional da redução do biofilme, significando uma alternativa para a diminuição

Page 48: Revista 49

48 MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAIO 2012

de incidência de cárie dentária e doenças periodontais”. Cintia enfatiza que os óleos são um complemento, e não substituem o ato de escovar os dentes. “A ação mecâni-ca da escovação e o uso do fio dental são fundamentais para a prevenção de cáries. Os óleos são um fator extra de proteção”.

Novos camposO estudo mostrou o grande poten-

cial dos óleos vegetal e mineral na área da Odontologia e abriu um campo de estudos a ser explorado. Existem, por exemplo, vários outros produtos oleaginosos que podem ser

testados. Para os químicos, um desafio se-ria encontrar formas de estabilizar o sabor do produto. Isso porque o óleo de castanha--do-pará perde o sabor característico após algum tempo e o produto se torna rançoso. Outra dificuldade a ser vencida é a tendência do óleo à separação durante a estocagem.

A pesquisa deu origem ao artigo “Efeito da adição de óleos vegetal e mineral em dentifrício no controle do biofilme den-tário – estudo clínico in vivo”, que ficou classificado em terceiro lugar, categoria pós-graduação, no 6º Prêmio Nacional de Odontologia Preventiva da Colgate. “Isso mostra que há interesse pelo tema, apesar de ainda não haver nenhum lançamento comercial de dentifrício associado ao óleo de castanha-do-pará”. Em sua opinião, como o trabalho é recente, as empresas ainda estão tomando conhecimento dessa possibilidade e serão necessários mais es-tudos antes da chegada ao mercado de um produto com essas características.

Pelo fato de o óleo ser de baixo custo e de fácil aquisição, os resultados também po-dem beneficiar a saúde pública. “A manipula-ção nas pastas não foi difícil de ser realizada e pode ser feita sem o auxílio de equipamentos especiais”, atesta a pesquisadora. Poderia ser um aliado, assim, para manutenção da saúde bucal da população mais carente.

0 = ausência de biofilme dentário ou manchas1 = biofilme cobrindo não mais que 1/3 dasuperfície exposta do dente2 = biofilme cobrindo mais de 1/3 e menos que 2/3 da superfície exposta do dente3 = biofilme cobrindo mais de 2/3 da superfície exposta do dente

Foto

: Dio

go L

opes

Page 49: Revista 49

5 P

ERg

uN

TAs

PAR

A..

.

MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAIO 2012 49

Jefferson Cardia SimõesGeólogo, professor do Instituto de Geociências da Universidade Federal do Rio Grande do

Sul (UFRGS), PhD em Glaciologia, o pesquisador é membro do Comitê Nacional de Pesquisas Antárticas do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, diretor do Centro Polar e Climático da

UFRGS e coordenador do INCT da Criosfera. Nessa entrevista ele analisa a importância e fala do futuro do Programa Antártico Brasileiro (Proantar) no continente gelado. Na madrugada do dia

25 de fevereiro um incêndio destruiu a maior parte da base científica brasileira Estação Antártica Comandante Ferraz. Dois militares da Marinha morreram tentando apagar as chamas.

2

1

34

5

Professor Jefferson, o que acon-teceu? Qual o valor do prejuízo?

Jefferson Simões: O incêndio co-meçou na sala de geradores e se espalhou pela Estação. Tudo foi destruído, incluindo laboratórios biológicos e toda estrutura de apoio. Só de equipamentos científicos, nosso levantamento é de aproximadamente R$ 4 milhões em perdas. Foram preserva-dos módulos científicos e refúgios para emergências, afastados de 50m a 1000m, incluindo o heliporto. Ainda não se sabe qual seria o valor do investimento necessá-rio para reconstruir a estação, mas, algo en-tre R$50 e R$60 milhões de reais, se for uma estação de vanguarda e dedicada à ciência. Esperamos que a comunidade científica seja ouvida em todas as fases de planejamento e construção da nova estação, considerando o que há de mais eficaz em design, material de construção polar e segurança.

Informações iniciais dão conta de que pelo menos dez das 20 pesquisas que estavam sendo desenvolvidas no local foram perdidas, total ou parcial-mente. São esses os números oficiais?

Não. Trata-se de um mito, divulgado pela grande imprensa. Todas as pesquisas realizadas ‘dentro’ da Estação pararam: cer-ca de dez. Os dados de 2012 dessas dez pesquisas, é que foram perdidos. Menos de 40% das pesquisas do Proantar são realizados na Estação. A área mais preju-dicada foi a de biociências, que executa estudos sobre biodiversidade, fisiologia

de peixes, análise de impacto ambiental. Também foi atingido o projeto de moni-toramento do ozônio atmosférico, entre outros. Mas o Proantar também conta com outros centros de pesquisa na região. Duas embarcações, o Navio Polar Almirante Ma-ximiano e o Navio de Apoio Oceanográfico Ary Rongel, apoiam pesquisas oceanográ-ficas. Em acampamentos remotos, num raio de 500 km da Estação, são feitas in-vestigações geológicas e biológicas. Além disso, com apoio logístico de aviões, que aterrissam na neve e no gelo, são feitas pesquisas no interior do continente An-tártico, a 2000/2500 km ao sul da estação. No verão passado foi instalado o módulo Criosfera 1, para pesquisas glaciológicas, geofísicas e da química da atmosfera.

Por que a Antártida é tão impor-tante para a ciência que seria razoável um investimento tão alto, em um lugar tão inóspito e distante do nosso País?

Primeiro, é preciso ter cuidado com os mitos. O continente antártico não é lon-ge. Ele é mais perto da nossa região Sul do que o norte da Amazônia. E por isso, regula mais o clima do Sul do Brasil do que a floresta tropical. A Antártida é parte essencial do sistema ambiental do planeta. Fisicamente, se uma parte do gelo antártico derreter, o nível do mar aumenta. Modifica-ções no gelo antártico alteram todo o pa-drão da circulação atmosférica e oceânica do hemisfério Sul, além de poder modificar a distribuição de chuvas. Portanto, afeta a

agricultura. Em outras palavras, a Antártica é parte essencial do ambiente terrestre. Se a modificarmos muito, afetaremos todo o planeta. Vinte e nove países realizam pes-quisas permanentemente na região.

O que de mais importante foi ob-servado lá ao longo dos últimos 20 anos?

A sensibilidade da região polar aus-tral às mudanças ambientais. A redução da camada protetora de ozônio da atmosfera e a desintegração parcial do gelo na periferia do continente são exemplos. Poucas in-vestigações examinaram especificamente as inter-relações com a América do Sul. Já se sabe que o gelo da Antártica, 90% do gelo da Terra, é um dos principais con-troladores do sistema ambiental planetário. Lá, mínimas mudanças, como um ligeiro aquecimento da atmosfera, têm impacto muito maior do que no caso dos organis-mos dos trópicos ou subtrópicos.

Em reação ao incêndio, muita gente afirmava pelas redes sociais desconhecer que o Brasil tivesse uma estação científica na Antártida. Falta di-vulgar esse programa?

Isso é verdade para a maioria da Ciência feita no Brasil. E o grande públi-co desconhece o que a ciência brasileira representa para o nosso desenvolvimento socioeconômico. O conhecimento, espe-cialmente o produzido pela pesquisa bra-sileira, precisa ser difundido para a socie-dade, com maior eficiência.

Page 50: Revista 49

vA

RA

L

50 MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAIO 2012

Crédito: Raquel Souza Borges

Esta

imag

em fa

z pa

rte

de u

ma s

érie

de d

esen

hos i

ntitu

lada F

ive B

aller

inas

, des

envo

lvida

dur

ante

mes

trado

na U

nive

risty

of R

eadi

ng n

a In

glate

rra, d

e sete

mbr

o 20

09 a

julh

o 20

11. D

iz a a

utor

a: “O

des

enho

e a a

quar

ela fo

ram

par

te ati

va d

a min

ha p

esqu

isa d

e atel

iê e a

pres

entam

-se c

om

trans

form

açõe

s sut

is, q

ue es

tão re

spira

ndo

ali, n

a fra

gilid

ade d

o gr

afite

e na t

rans

parê

ncia

da ag

uada

”.

Page 51: Revista 49
Page 52: Revista 49