revista 3x3_02

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[2] set 12 Pablo Lobato {Jacopo Crivelli Visconti} Paulo Nazareth {Hélio Nunes} Pedro Motta {Eder Chiodetto}

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Entrevistas com Pablo Lobato, Paulo Nazareth e Pedro Motta, por Eder Chiodetto, Hélio Nunes e Jacopo Crivelli Visconti

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[2] set 12

Pablo Lobato{Jacopo CrivelliVisconti}

Paulo Nazareth {Hélio Nunes}

Pedro Motta {Eder Chiodetto}

Pablo Lobato{Jacopo Crivelli Visconti}

Paulo Nazareth {Hélio Nunes}

Pedro Motta {Eder Chiodetto}

expediente3X3 #02 revista eletrônica / setembro de 2012

ediçãoJosué Mattos

colaboradores desta ediçãoEder Chiodetto, Hélio Nunes, Jacopo Crivelli Visconti, Pablo Lobato, Paulo Nazareth, Pedro Motta. design gráficoMoysés Lavagnoli

produçãoSuzy Araújo revisãoDenize Gonzaga

capaPablo, Lobato, Castell, 2012.videoinstalação, 7’21”

A segunda edição da revista eletrônica 3X3 recebeu o apoio do Programa de Múltiplos do 3C http://www.3c.art.br/programa-de-multiplos

A segunda edição da 3X3 anuncia um percurso sendo traçado. E assim como o dito popular, estamos seguros da continuidade desse trajeto, pois o comum é que não haja dois sem três. Sua continuidade também parece assegurada pela possibilidade que temos de vislumbrar o dia em que um grupo considerável de artistas for entrevistado, permitindo, assim, o registro de pensamentos simbólicos heterogêneos, os quais constituirão um fragmento da futura história da arte produzida no Brasil.

Para a segunda edição, resolvemos nos dirigir ao fértil circuito mineiro. Sem considerar qualquer particula-ridade geográfica que condicione a produção dessa região, as conversas de Eder Chiodetto com Pedro Motta, Jacopo Crivelli Visconti com Pablo Lobato e Hélio Nunes com Paulo Na-zareth reforçam alguns pontos de grande importância para o debate levantado sobre a relação do artista com a sua biografia, com a paisagem que o circunda e com o mercado de arte. Também é relevante considerar nas entrevistas a maneira transver-

sal com que o sistema universitário participa da formação de suas lin-guagens poéticas. A figura do artista errante, daquele cujas práticas dia-lógicas transformam o porvir da obra através da mediação de uma rede de interlocutores, ou a figura daquele que se opõe aos valores que consti-tuem os princípios da “marca de regis-tro”, são alguns assuntos abordados pelos críticos e artistas. Ainda que o encontro dos três artistas tenha sido uma construção ao longo dos meses que separam a segunda da primeira edição da 3X3, a prática em “cadeia” de Paulo Nazareth, os “caminhos de comunicação” de Pedro Motta ou o uso do arquivo na produção de Pablo Lobato, tanto quanto o embate com a paisagem apresentado por eles por diferentes meios, pode ser um cru-zamento possível entre a produção desses artistas. De fato, ao final, todos parecem se situar no que Pablo Loba-to define como as “zonas incertas”, as quais podem definir os procedimen-tos, o modo de circular e conceber um corpo coeso de obras.

Josué Mattos

Não há dois sem três

Pablo Lobato, estudo para a série Um a zero, 2012impressão mineral sobre papel de algodão80x80 cm

por Jacopo Crivelli Visconti

Pablo Lobato

Jacopo Crivelli Visconti - Desde a pri-meira montagem da obra Expiração, você convida colaboradores a escrever sobre a obra - ou simplesmente a partir das refle-xões que ela pode suscitar - e os textos re-sultantes passam a ser considerados parte do trabalho. A obra O que exatamente vocês fazem, quando fazem ou esperam fazer cura-doria?, que você concebeu e realizou com Yuri Firmeza, consistia também numa série de depoimentos de curadores nacionais sobre suas práticas. Além disso, você já re-alizou trabalhos em colaboração com ou-tros artistas, e sei que, durante a produção de um novo filme, gosta de discutir com outros diretores. Gostaria que você falasse desse caráter “dialógico” do seu trabalho, se é que ele de fato existe.

Pablo Lobato - Sim, ele existe como vocação, mas não chega a definir uma maneira de organizar o sensível. Foi no ci-nema onde mais pratiquei a relação com o outro, durante e depois da criação. Mas cada situação impulsiona um modo cons-trutivo, e é por aí que procuro me orientar. A experiência solitária sempre vai existir; é impossível levar alguém para o lugar onde a coisa pega, quando os sentidos ainda fo-gem numa velocidade indescritível. O que muda de uma pesquisa para outra é quan-to tempo esse momento solitário dura. Em alguns dos meus trabalhos, ele é mais pre-sente, como em Front Light e Repouso, por exemplo, mas uma hora ou outra surge a provocação e o diálogo. Ninguém faz nada sozinho.

Nos exemplos que você traz, existem boas diferenças pra considerar. No caso da obra Expiração, eu precisei ficar mais de um ano diante do arquivo pra encontrar o tipo de corte ali proposto. Só depois desse perí-odo de concepção, quando procedimentos já se firmaram, é que os colaboradores dos textos chegam. Para a instalação com os curadores, eu e Yuri trabalhamos juntos du-rante todas as etapas. Desde a concepção, passando pela gravação – quando entram em cena as vozes dos curadores – edição, finalização e montagem. Já em Ventos de Valls, meu novo filme, as trocas e os diá-logos se estendem mais. Trata-se de um investimento que teve início em 2005, que gerou uma ação na Espanha, em 2009, e dessa ação, o filme.

Muitos trabalhos em artes visuais são concebidos a partir de discussões, trocas e colaborações entre diversos criadores. Mas quase sempre temos um só nome as-sinando ao final, concentrando valores e atendendo melhor a lógica dessa econo-mia. No cinema, isso é um pouco diferente.

JCV - Você poderia falar um pouco desse filme? Pelo que entendi está em fase final de realização; a previsão é que ele seja exi-bido em canais convencionais de cinema, como festivais e o próprio circuito de salas, ou num âmbito artístico, ou em ambos?

PL - Fase finalíssima. Trilha sonora pron-ta; fiquei acertando algumas cores para em breve estar com as cópias na mão. Fiquei possuído por uma vontade de criar algo desde a primeira vez que escutei a saga

dos Panadés, família emigrante que deixou a Espanha para viver no Brasil, em 1957. O mergulho começou mais objetivamente em 2005, quando viajei a cidades da Cata-lunha, entre elas Barcelona, Valls, Cerviá e Pla de Santa María. Em 2009, fui agraciado pela bolsa da Fundação John Simon Gu-ggenheim (New York), que custeou uma ação, entendida como o primeiro resultado da pesquisa. Tal ação, em suma, consistiu em criar para a família Panadés um campo de experiências sensíveis – pela primeira vez em mais de cinquenta anos. Seis ir-mãos, acompanhados de alguns descen-dentes, incluindo Ana (minha filha, uma criança de três anos de idade), viveram na cidade de Valls durante 15 dias, entre ou-tubro e novembro de 2009.

Instalados numa casa rural próxima a que passaram a infância do pós-guerra espa-nhol, os irmãos experimentaram paisagens e tempos propícios à ativação de um “devir--criança”. Contaminada pela presença de Ana, uma memória inaugural atuou no cor-po coletivo. O filme Ventos de Valls, segundo resultado da pesquisa, deriva dessa ação e pode ser visto como um ensaio dedicado à memória e à infância. A ideia é inscrevê-lo em alguns festivais para depois lançá-lo em salas de cinema, internet e DVD. Os museus e galerias no Brasil não oferecem boas con-dições para a experiência do cinema, mas não quero fechar possibilidades. O meu pri-meiro longa-metragem, Acidente, ficou mais vinculado aos festivais de cinema no ano do seu lançamento e hoje é mais exibido no circuito das artes visuais.

Pablo Lobato, Ventos de Valls, em fase de finalização. vídeo, 88’. foto de André Baumecker

Pablo Lobato, Front light #1, 2012.impressão de tinta mineralem papel de algodão60×60cm

JCV - Lygia Pape falava em Espaços Iman-tados para descrever espaços teoricamen-te banais, afirmando que aglomerações de pessoas, reunidas, por exemplo, ao redor de um contador de histórias ou um saltim-banco, carregavam de uma aura especial. As “imagensons” de Expiração funcionam de maneira quase análoga: aparentemente banais, tornam-se imantadas, cintilantes, pelo simples fato de colocar nelas um prazo, um término.

PL - Sensibilizar e imantar coisas – muitas vezes ordinárias, dadas – se tornou um ges-to recorrente no meu trabalho. Não busquei dar ênfase a isso, como num programa, mas o tempo deixou esse gosto mais evidente. Muitas vezes procuro chegar a esses resulta-dos de forma econômica, mudando pontos de vista, aproximando ou subtraindo con-teúdos. Um dos procedimentos que herdei do cinema documentário e que faço migrar para outras linguagens é essa economia do gesto. Às vezes um corte é suficiente para acionar forças antes inativas. Front Light é quase emblemático nesse sentido. No caso de Expiração, a forma que encontrei pra imantar trechos de um arquivo esquecido acaba por promover também uma espécie de corpo a corpo com as noções que temos do universo digital. Surgem aí outras impli-cações que extrapolam a sensibilização de algo. Mas, pensando em retrospecto, fica claro que o desejo de partilhar um tipo de força disponível, que estava apenas esboça-da nessas “imagensons”, foi o que me levou a inventar a máquina de expirar.

JCV - Para além de qualquer outra im-plicação, essa sua operação recupera a

Pablo Lobato, Front light #2, 2012.

impressão de tinta mineral em papel de algodão

60×60cm

Pablo Lobato,Front light #3, 2012.

impressão de tinta mineralem papel de algodão

60×60cm

precariedade e o valor que o filme e a foto-grafia (principalmente “caseiros” como os de Expiração) tinham antes do advento do digital, quando as imagens iam desbotando, amarelavam, expiravam; e mesmo antes de filmar ou fotografar, pelo custo e a finitude dos rolos de filme, era normal parar para pensar, escolher, decidir ações que o digital tornou sem dúvida mais raras. Você já pen-sou nisso, essa é em absoluto uma questão para você?

PL - Sim, isso me motiva. A imagem que você traz nos é bastante comum. O amarelar da imagem passa em nós, nos roçando. O desbotar da memória é a sua persistência. A sensibilização de algo está vinculada ao toque e assim o afeto se torna possível. O mundo digital opera mudanças em nossa ideia de finitude, trazendo a impressão de que esta será sempre um traço contorná-vel. O corte da expiração cria outro relevo pra esse ambiente, como uma nova zona de toque, que modifica a densidade das “imagensons”.

JCV - Num e-mail que você me enviou faz algum tempo, quando estava escreven-do sobre Bronze Revirado, você dizia: “Uma vontade, que não deixa de ser também uma necessidade, está cada vez mais presente no meu modo de trabalhar. A vontade de fazer ver. / Não se trata de algo que irá, a princípio, trazer singularidades ao meu trabalho. A grosso modo, trata-se de uma necessidade inerente a qualquer processo artístico. / A diferença que talvez exista, também não tão relevante, é que procuro pensar essa necessidade.” De alguma ma-neira, me parece que essa “necessidade de

Pablo Lobato, Front light #4, 2012. impressão de tinta mineral em papel de algodão, 60×60cm

Pablo Lobato, Front light #5, 2012.impressão de tinta mineral

em papel de algodão60×60cm

Pablo Lobato e Cao Guimarães, Acidente, 2006.vídeo, 72’, HDV

fazer ver” poderia ser relacionada ao que dizíamos antes, de mostrar o que tem de único em (imagens de) momentos e luga-res familiares.

PL – Sim, mas hoje já procuro separar a “necessidade de fazer ver” do “fazer ver”. Algumas experiências nos inquietam so-bremaneira. Diante delas, passamos a ter de servir a uma força que não está apenas em nós. Sabemos disso e só mesmo a von-tade realizadora que vai nos mostrando o quanto os métodos e a vontade de “fazer ver” conduzem menos uma determinada experiência e situação do que os sentidos que estes “únicos” já informam. A ideia de tradução, que por um tempo me pareceu dar conta da criação, hoje me parece presa a vetores que não interessam tanto. Tenho pensado em outros modos de construção, como a construção pelo corte, por exemplo.

JCV - Uma questão central em seu trabalho é a necessidade de expandir a

Pablo Lobato e Cao Guimarães,Acidente, 2006.vídeo, 72’, HDV

Pablo Lobato, Ventos de Valls, em fase de finalização. vídeo 88’foto de André Baumecker

experiência cinematográfica. Você co-mentou uma vez que começou a produzir trabalhos que fossem além do universo cinematográfico, por sentir que a sala de cinema, com sua rigidez, não lhe permitiria experimentar a construção de ambientes especiais como os que você imaginou para Bronze Revirado, ou ainda uma instalação complexa e aberta, no sentido que conti-nua crescendo e refletindo sobre si mes-ma, como Expiração. Por outro lado, você está agora finalizando um longa-metragem que requer, para ser fruído de maneira ideal, uma sala de cinema mais ou menos conven-cional. Como você vê esse trânsito?

PL - É natural e sinto que tende a ficar mais rico, pois sempre saio de uma pesquisa em artes plásticas mais instigado a retornar ao cinema e vice-versa. Apesar de o sistema das artes visuais ser mais aberto a diferentes proposições, sigo tendo ideias em cinema que não acham lugar nesse campo. A “ri-gidez” da sala de cinema muitas vezes é bem-vinda. Vejo a sala escura antes como um dispositivo para participações do que como um lugar para contemplação. É sabi-do que para além da visão e da audição, as imagens e os sons nos chegam pelo sistema háptico, que está ligado também ao nosso campo perceptivo tátil. Ao considerar esses alcances, algumas noções sobre arte parti-cipativa ou interativa entram em parafuso, por estarem presas a concepções motoras em que o corpo é visto de forma isolada, por perspectivas monistas do ser ou dualistas da coisa.

Vista da instalação Expiração, Pablo acionando as máquinas no momento da abertura. Casa das Onze Janelas, Belém, 2012. foto de João Castilho.

JCV - Quais são, a seu ver, as vantagens e, se tiver, as desvantagens, de transitar constantemente entre estes campos, artes plásticas e cinema?

PL - A vantagem é dar mais condições de expressão aos sentidos que cada expe-riência em questão traz. A desvantagem é ter, às vezes, de ir na contramão de lógicas que precisam de um maior grau de estabi-

lidade. Encaixar as coisas em seus lugares é mais cômodo e gera um melhor ritmo para o mercado. Mas não funciono assim. Penso que se o artista não consegue forjar novos modos sensíveis para que algo, a princípio inviável, exista, quem é que vai cuidar disso? A ciência e a filosofia seriam uma resposta, mas não acho uma boa ideia abrir mão dessa empreitada. Procuro não

negar o esforço quando estou vendo algu-ma coisa que preciso partilhar. A alegria de criar não nega o esforço de criar. Às vezes as respostas demoram, mas você sabe que o que realmente interessa está posto em jogo. Ficar em zonas incertas diminui as garantias, mas nos deixa mais acordados, além de aumentar as linhas de fuga.

JCV - Este número da revista 3X3 foca

a produção artística mineira e, a partir do que você acabou de dizer, sinto-me quase na obrigação de perguntar se você se sente parte de um contexto mineiro. Digo que me sinto nessa obrigação porque a qualidade e quantidade de videoartistas mineiros é única no contexto nacional, e vários des-ses videoartistas, por exemplo Cao Guima-rães, com quem você já colaborou, e Eder

Pablo Lobato, Queda, 2010.vídeo , 14’35’’

Vista da instalação Coroa, Terminal Rodoviário de Belo Horizonte, 2008.

Santos, têm transitado por essas duas áre-as, produzindo tanto instalações quanto longas-metragens. Você também foi um dos fundadores da Teia, que é um agente importante desse setor...

PL - Faço parte de um contexto minei-ro, pois nasci e cresci nesse estado, nessa paisagem. É inegável que o meio, cidade ou estado interfira no seu modo de criar. Mas hoje em dia as pessoas colaboram à distância com bastante facilidade. Os limi-tes geográficos definem menos as possibi-lidades de troca. Apesar de num primeiro momento ter me concentrado no cinema, nunca senti que minha pesquisa em arte estava aderida a uma linguagem. Talvez por isso tenha trocado menos com as primeiras gerações de videoartistas, mais vinculadas a questões específicas deste meio. A Teia faz 10 anos este ano e é hoje uma referência quando se fala em audiovisual e até mesmo em experiências coletivas dentro da arte. Criamos um centro para seguir fazendo aquilo que queríamos muito realizar. Pro-curamos trabalhar com bastante liberdade, sozinhos, em duplas, alternando funções ou com pessoas de fora.

JCV - Vários dos seus trabalhos surgem da dinâmica entre a dispersão e a aglome-ração. Penso em trabalhos como Repouso e Troca de Papéis, em que flores e panfle-tos, respectivamente, são reunidos apenas o tempo necessário a tirar uma fotografia, ou traçar seu contorno no chão, mas lembro também das folhas de papel que voam em Queda, e até nos nomes de cidades mineiras que você e Cao Guimarães aproximaram, poeticamente, em Acidente. Até Expiração,

Vista da instalação Expiração 04, Itaú Cultural, São Paulo, 2012.foto de Eduardo Fraipont

Vista da instalação Expiração 05, Casa das onze janelas, Belém, 2012.

Foto do artista

de certa forma, funciona de maneira análo-ga, ao selecionar e juntar algumas “imagen-sons”, como num buquê de flores, já saben-do que essa composição não durará muito. Você concorda com essa interpretação? E, se concordar, é algo consciente e/ou que lhe parece relevante?

PL - Sim, depois de um tempo passei a perceber melhor essa dinâmica, que não deixa de ser uma forma de desviar das mi-nhas patologias. Existe uma necessidade, não rara para quem cria, que é libertar-se de si mesmo. Procuro me esquivar de uma atenção seletiva e experimentar cada vez mais uma “atenção flutuante”. Durante as filmagens de Acidente, esse exercício era muito claro e também prazeroso. Estávamos viajando por cidades desconhecidas, tínha-mos muito pouco tempo em cada lugar. Era preciso ficar num estado de suspensão, pres-tando atenção em tudo, aberto ao encontro sem muito procurar. Isso está claro no filme, ao lado de toda a sorte que nos acometeu. Nas fotografias que documentam a ação Repouso, para aceitar a concentração que existe naquelas formas geométricas, a con-cebo como uma pausa no movimento, que continua. Por isso as flores são deixadas ao tempo. A densidade que procuro construir em meus trabalhos não visa à estabilidade, e sim à propagação de forças. As palavras que você traz, dispersão e aglomeração, podem ressoar aí. Quando meditamos, por exemplo, a concentração inicial, contida, é necessária como passagem para um estado de extrema liberdade. Algumas obras de arte me parecem funcionar de modo aná-logo a esse lugar de passagem.

Vista da instalação Expiração 01, Museu Inimá de Paula, Belo Horizonte, 2010.Foto de Gabriel Caram

Pablo Lobato, Bronze Revirado, 2011, videoinstalação, 4’52”.

Paulo Nazareth, sem título, da série Aqui é Arte, 2006.

por hélio nunes

Paulo Nazareth

Propus ao Paulo Nazareth primeiro con-versarmos, definirmos uma linha; poste-riormente, faríamos a entrevista. Mas o papo foi tão produtivo, nas diversas linhas e entrelinhas, que optei pela transcrição: traduzi nosso “mineirês” e deixei de lado as inúmeras risadas – de graça e sem graça –, bem como as interjeições e o excesso de reticências. Ainda assim, é uma interlocu-ção picotada; bem adequada, acredito, aos trabalhos, mesmo não os abordando deti-damente. Confio que as imagens salvarão o leitor caso ele se canse, já que minha ca-pacidade de recriar está muito aquém do tom original desta conversa entre amigos.

Hélio Nunes - Você gostaria de ter uma linha de entrevista?

Paulo Nazareth - Não. Na verdade, você é o entrevistador e eu sou...

HN - Como foi a viagem [por terra, aos Estados Unidos, passando por toda a Amé-rica Latina]?

PN - Foi boa... Acho que ficou meio es-quisito na volta. Esquisito, não: deu um sentimento meio que de aborto. Quando eu estava voltando, parei no México e tive

que vir de avião. Teve a mudança da língua e o trajeto de volta para o Sul para a fron-teira. E o português, em alguns lugares, vai ganhando uma gramática misturada com o espanhol: a maneira de falar... E mesmo entrando na Argentina, nessas fronteiras, também, há um espanhol que é mesclado.

[HN - O aborto, me parece, foi por não ha-ver oportunidade de repetir esse processo.]

HN - Pois é, você foi a pé daqui para os Estados Unidos...

PN - A pé, de carona e de ônibus.HN - Chegando lá, você fez o quê?PN - Cruzei a fronteira...HN - Lavou o pé...PN - Lavei o pé e voltei para a Guatemala

para levar as bananas.HN - Você não chegou a Nova Iorque?PN - Cheguei e passei dois dias: em um

deles fiquei andando, divagando, e acabei chegando à praça, em Wall Street, onde es-tava o acampamento dos Ocupa [Occupy Wall Street]; passei a noite. Então, foram dois dias em Nova Iorque e depois eu voltei.

HN - Veio descendo...PN - Para a Guatemala; passei do México

para a Guatemala, para o projeto das bana-nas. Eu estava contando com: tirar o visto para o Pedro Calel, que ia dirigir a Combi, os papéis da Combi e também com uma licença sanitária para as bananas. Negaram o visto para o Pedro, negaram a licença das bananas...

HN - E o carro já não adiantava nada...PN - E o carro também. Como era carro

velho, carro velho não entra nos Estados Unidos, só carro novo ou antigo.

HN - Mas, você não veio do México para cá?PN - Guatemala, México, Miami, para a

feira de arte [Miami Art Basel] e lá eu conse-gui a Combi com um cubano que tinha ido para Miami, e as bananas no porto. E depois disso eu fui para San Diego, Tijuana e Cidade do México. Aí eu perdi o passaporte. Foi isso.

HN - Quais as dificuldades? Você dormia onde estivesse? Chegava e conversava com as pessoas?

PN - Eu dormi em vários lugares: em ho-téis baratos...

HN - Você morou na casa de uma família...PN - Na Guatemala, eu fiquei dois meses

com o Pedro, que iria levar a Combi; ele era

o pai dessa família. No Golfo de Santa Clara, Norte do México, eu fiquei com os pescado-res uns nove dias.

HN - As pessoas te acolhiam, assim, tran-quilamente?

PN - Sim... Essa estória foi o seguinte: em alguns lugares eu conheci pessoas... Em Miami, por exemplo, na feira, eu conheci um judeu que me chamou para fazer umas gravuras em seu ateliê; ele tem uma prensa, e acabei passando uns dias lá. Em San Die-go, eles me chamaram. Tinha uma menina que eu conheci na Cidade do México que me chamou para ficar na residência dela, em um projeto de residência artística. Quando eu fui para Tijuana, foi um ex-aluno dela que me recebeu.

HN - Então, a maior parte foram artistas?PN - No final, a maior parte era artista,

estudante de arte... Por exemplo, o amigo desse cara que me recebeu em Ensenada. A maior parte era artista sim. No Golfo de Guerrero Negro, era um casal de estudantes de turismo alternativo: eu fiquei na casa dos pais de um deles; em albergue, em La Paz, e depois na casa de outras pessoas.

Paulo Nazareth, sem título, 2011. impressão fotografica

69x92cm

Paulo Nazareth, sem título, 2011/2012.impressão fotográfica

69x92cm

HN - A viagem durou quantos meses?PN - Foram 13 meses e sete dias: um ano,

um mês e uma semana. Sete meses daqui até pisar na Cidade de Nova Iorque e depois foi esse trânsito, até o dia que tive que sair do México de avião.

HN - De que modo pode-se dizer que essa viagem faz parte de seu trabalho? Ou de que modo as várias coisas que você fez

durante a viagem seriam ações individuais, deslocadas de seu conjunto de trabalhos?

PN - Há um eixo que é esse deslocamento da América do Sul à América do Norte. E penso nessas ramificações, nesses fragmen-tos, como coisas que funcionam em partes, mas que fazem partes desse...

HN - É um trabalho com vários trabalhos?PN - É uma cadeia.

HN - E a barreira da língua? Você não fala espanhol, nem inglês, não é?

PN - Espanhol eu falo bem pra caramba! Espanhol e português...

HN - É tudo igual?PN - Igual com as suas diferenças, de

acento, de sotaque. Eu até voltei falando...HN - E sua teoria de que todas as línguas

são iguais?

PN - A língua universal? Isso é verdade: a Gramática Universal!

HN - Na Índia você a usou, não é? E nessa viagem? Ou não precisava, por ser América Latina?

PN - A América Latina, para mim, é muito perto. É o que te falei do português no Sul do Brasil. Por exemplo, “dois com cinquenta” e não “dois e cinquenta”, e alguns nomes,

Paulo Nazareth, sem título, da série Notícias da América, 2011.

impressão fotográfica30x40cm

Paulo Nazareth, Pão e Circo, 2012. impressão fotográfica

93x70cm

como “sinaleira”...HN - E como essa questão da língua re-

fletiu no seu trabalho? Antes seus panfletos eram bilíngues, português e inglês, traduzi-dos no Google...

PN - No meu tradutor: eu tenho uma maquininha de traduzir, que tem 29 línguas.

HN - Precisou da maquininha na viagem?PN - Não.

HN - Os seus panfletos vão ser trilín-gues agora?

PN - Não, para o espanhol, não tem ne-cessidade... Principalmente na leitura, há a possibilidade de entendimento. Então, eu escrevi algumas coisas em espanhol que não preciso traduzir.

HN - E agora que decidiu realizar a via-gem para África, o que você tem planejado?

PN - Vou tentar conseguir um barco do Rio de Janeiro para a África do Sul. Aí eu vou até Argélia ou Marrocos, atravesso o Mediterrâneo para Portugal ou Espanha.

HN - Você já montou uma rede lá? Ou vai na cara e na coragem?

PN - Eu vou montando a rede no cami-nho. Ainda tenho que entrar em contato com algumas pessoas, mas é possível mon-

tar uma rede a partir da África do Sul e ir seguindo...

HN - Lá é bem mais complicado, não? É mais longe, as culturas são mais distintas...

PN - Não sei, acho isso tudo muito tran-quilo. Vou viver, eu não vou morrer, não! O pessoal fala muito: – Olha, você não é bran-co, nem é preto! Você vai morrer na África!

HN - E tem um sangue indígena, vai fazer sucesso...

Paulo Nazareth, sem título, da série Notícias da América, 2011. impressão fotográfica

30x40cm

PN - O pessoal fala que o povo lá é bravo, sanguinário, bruto!... não: eu acho que são muito amáveis. Disseram-me que as mu-lheres são mais amáveis que os homens...

HN - Voltando um pouco. Esta estória do pé, de não lavar o pé. Parece muito com penitência, promessa...

PN - Na verdade, eu ia para os Estados Unidos... Sempre que me perguntam de onde sou - e eu sou de Governador Vala-dares -, há dois comentários: primeiro que lá é quente demais; depois me perguntam por que eu não quis ir para os Estados Uni-dos. Eu nunca tive esse desejo de ir para os Estados Unidos, tinha até uma...

HN - Ojeriza?PN - Ah... Tem muitos outros lugares! Não

era meu objetivo ir para os Estados Unidos. Mas entrando nesse jogo da arte, nesse cir-cuito e tudo, uma coisa levou à outra, me levou para lá. Aí era um pouco disso: – Não, eu não posso ir lá sem passar pela América Latina, e negar tudo; então, antes de chegar aos Estados Unidos, eu tenho que passar por outros lugares...

HN - A proposta original era que você fosse para lá, diretamente?

PN - Foi durante a residência no JA.CA [Jardim Canadá Centro de Arte e Tecnolo-gia] que um curador da Bienal de Harlem me convidou. Ele queria se encontrar comigo e eu o chamei para ir ao Palmital [conjunto habitacional popular, em Santa Luzia, região metropolitana de Belo Horizonte]. Mas não sei o que aconteceu; sei que a gente nunca se encontrou. Aí, vendo o trabalho lá, ele me convidou para uma residência no Brooklyn, numa parceria entre o JA.CA e a Residency

Unlimited. Eu ficaria dois meses na residên-cia, produziria algo e, então, participaria da Bienal. Aí eu falei: – O negócio é o seguinte: eu quero ir por terra, não só tomar um avião aqui e descer no Brooklyn. E aí começaram as negociações... Eu iria... mas então a Chi-ca [Francisca Caporali] me chamou. Estava planejando ir por terra, mas disse: – Eu vou! e tal. Aí ela me chamou e falou: – Oh, Paulo, fala a verdade. O que é que você está tra-mando? Se a gente acertar, você vai por ter-ra, não é? Respondi que não ia de avião. Por isso, eles não puderam manter, pois quem pagaria a passagem seria o MinC e daria problema etc. Aí o Pedro [Motta] foi para lá. Então, o pessoal da Mendes Wood estava me namorando, queriam que eu fizesse a exposição lá, em maio. Eu disse que tinha a tal residência e propus que me dessem R$ 4.000,00 para financiar a viagem...

HN - Você foi daqui para lá com R$ 4.000,00?!

PN - Teve esse dinheiro e eu fui, dessa maneira: por terra. A princípio, a proposta seria chegar em 15 dias, mas seria correria. Acharam que não dava tempo; daí 30 dias, 40. E desses 40, já que vou 40, pensei, posso gastar mais tempo, 60 dias. Aí acabou...

HN - Um ano, um mês e uma semana...PN - Marcaram uma data para que eu

chegasse a Nova Iorque e acabei não che-gando... Aí desandou a coisa e eu nunca me encontrei com o tal do curador.

HN - Mas você tinha intenção de encon-trar com o tal curador?

PN - Tinha! Tinha sim, eu ia me encontrar com ele.

HN - Pois é, fiquei pensando quais as

chaves para abordar o seu trabalho. No ar-tigo para o seu livro Paulo Nazareth: Arte Contemporânea/LTDA. Rio de Janeiro: Co-bogó, 2012, tentei ligar você à crítica insti-tucional... Você não viajou para fazer uma introspecção na América Latina. Era uma viagem de conhecimento, de certa forma, mas de conhecimento da instituição arte, não? Você concordaria comigo?

PN - Sim... [Entenda-se: “Não.”]HN - Você foi conhecer a América Latina?

Tal como um Che? Ou, então, vamos pen-sar em On The Road, do Kerouac? Você está longe disso, não?

PN - É...HN - É uma viagem porra loca? Não. É

uma viagem já pensando na arte, certo?PN - Sim. É um objeto de arte. É essa arte

da viagem, tal como me disse o menino em El Salvador: arte de conduta, que é a manei-ra que escolho para viajar, meu comporta-mento, como vou me conduzir.

HN - Naquela conversa sua com a Janaína Melo, você já fala dessa questão da conduta...

PN - Por exemplo: eu vou, mas não levarei mala, vou viajar com meus sacos, de chinelo, de que forma vou passar a fronteira...

HN - O pé, já era para carregar terra, já era pensado assim, aqui? Ou chegou lá e pensou outra coisa?

PN - Eu não queria chegar aos Estados Unidos sem passar pela América Latina, essa extensão de terra. Então, eu queria me impregnar de alguma maneira dessa terra, dessa cultura, com essa relação: saí de Valadares e cheguei aos Estados Unidos, mas tem uma extensão de terra, de gente, de cultura entre esses dois lugares, dando importância a essa terra, sem aquele ne-gócio de Nova Iorque como Meca, “I love NY” etc. Não.

HN - Na verdade, de Nova Iorque você não trouxe nada, só uma impressão super-ficial, certo?

PN - O dia que eu fiquei andando, no pri-meiro dia, à deriva, me perdendo, era o dia de vagar pela Nova Iorque desse imaginário que eu tenho, que todo mundo tem, que a

Paulo Nazareth, sem título, da série Notícias de América, 2011.impressão fotográfica

18x24cm

gente vê nos filmes, nas músicas. Foi um pouco de me perder pela cidade desse ima-ginário. Então, eu não tive uma residência, foram dois dias. E aí, por coincidência, eu fui parar em Wall Street, com o movimento dos Ocupa, que me receberam: – Ah, chegou mais um! Daí, me mostraram uma barraca...

HN - E qual foi a impressão desse mo-vimento?

PN - Foi um dia importante. Eu passei a noite e de manhã veio a polícia. E nessa coi-sa da língua... eu fico com o meu imaginário: – O que está acontecendo? A polícia veio de manhã, revistando todas as barracas, e eu saí pelos fundos... Fiquei pensando no que aconteceria, porque meu visto era de turismo e negócios. E se eles me pegassem?

HN - Turismo, ora!PN - O que que eu estou fazendo ali,

não é?!HN - Seus trabalhos sempre foram po-

litizados...PN - Um politizado mais ou menos...HN - Pois é, com a Janaína você fala que

é manso... mas o seu trabalho não é man-so. Lembro-me no Dente de Elefante, de uma frase aparentemente desconexa, algo como: “Continuam matando os elefantes e continuam escravizando os negros”. É polí-tico. Pode não ser militante, mas é político. Nessa viagem, há frases como: “Nós temos direito a essa paisagem” ou “Eu também sou americano”. Você acha que essa viagem fez com que seu trabalho ficasse mais explícito?

PN - Talvez.Paulo Nazareth, sem título, da série Para Venda, 2011.

impressão fotográfica90x67cm

HN - Você estava na fronteira do Arizona. O que foi vendido foi...? [Tentávamos nos lembrar da Compra Gadsden, depois da Guerra Mexicano-Americana.]

PN - Novo México, Califórnia...HN - Pois é, você acha que voltou menos

manso?PN - Acho que eu continuo manso.HN - Ok. O que significa esse “manso”?PN - Não sei! Na verdade, têm aqueles

cachorros que mordem o calcanhar. Talvez seja um pouco disso: aqueles pequeninhos que ficam escondidos, e quando você fica distraído, vêm, mordem seu calcanhar e correm...

HN - Vamos voltar à questão da linha. Sua biografia é muito importante para o seu trabalho. É biografia ou são fatos abertos, como os biografemas do Barthes? Pois é ruim determinar a obra de um artista se-gundo sua biografia, não?

PN - É um pouco de biografia, mas é uma biografia que eu vou escrevendo. É uma es-colha: eu fico pensando em uma história que eu quero escrever, como essa de passar antes pela América Latina... A história que eu quero contar e fazer.

HN - Mas, por exemplo, o fato de você ter vindo de Governador Valadares e de morar hoje no Palmital; essas coisas são realmente importantes no seu trabalho ou são só mo-tes que você usa?

Paulo Nazareth, sem título, da série Notícias da América, 2011. impressão fotográfica30x40cm

PN - Eu acho que são importantes, sim. E são escolhas também, porque eu escolhi ficar no Palmital; é uma escolha voltar para o Palmital.

HN - É uma escolha por causa do seu trabalho de arte ou uma escolha pessoal? Ou não há separação?

PN - Meu trabalho vai tendo essa relação e eu vou cada vez mais alinhavando isso.

HN - Você tem uma vida fora da arte?PN - Eu tenho. Há coisas que eu não co-

loco aí, não é? Nem tudo eu vou expor. Na verdade, eu não quero fazer um Big Brother.

HN - Esse entrelaçamento arte e vida faz parte do seu trabalho.

PN - Eu penso muito nisso, o tempo todo nessa relação, e no que eu exponho ou não: porque algumas coisas não são para expor, pois eu não quero uma banalização da vida.

HN - Uma pergunta que quero lhe fazer há muito tempo: existe um Paulo fora da arte e outro Paulo que é, como dizem, uma “persona”? Não sei se essa é a melhor pala-vra: há artista que, no momento da ação, incorpora algo que não é necessariamente ele mesmo. Não é uma atuação, não é um personagem, mas é uma separação. Você faz esse tipo de separação?

PN - Não, não tenho isso não. Mas, como diz meu pai, eu tenho dois nomes: um da firma e outro de batismo. O de batismo é Paulo da Silva, que é importante para mim também. Tem alguns panfletos onde eu coloco isso: “ser da Silva... da selva.” E “Na-

Paulo Nazareth, sem título, da série Notícia da América, 2011. impressão fotográfica

30x40cm.

Vista da instalação Mercado de bananas, Art Basel Beach, Miami, 2011.

zareth” vem da minha avó, e também é im-portante: Nazareth de Jesus... No Brasil não tem, mas no México eu vi muito “Jesús”; as pessoas se chamam assim, mas aqui não é popular e dizem até que é pecado...

HN - Antigamente era comum...PN - Não, você pode se chamar “de Jesus”,

mas como primeiro nome é pecado, pois não se é digno desse nome... E minha avó era Nazareth de Jesus, apesar de ela ser indí-gena, filha de Krenaks, cujos pais deixaram a aldeia naquele período de perseguição, indo alguns para a cidade, outros para tra-balhar nas fazendas. Ela tem essa origem e é praticante de Candomblé, mas tem um nome cristão: Nazareth de Jesus.

HN - Biografia...PN - Vou traçando essa minha biografia,

mas que é também a daquele anônimo; a bio-grafia da minha avó, da minha família cruzan-do com outras biografias e outras histórias.

HN - Você se lembra da proposta do Bourriaud, no Radicante? Pensando em figuras vegetais, como a do rizoma – mas vamos deixar de lado o rizoma –, a figura do modernismo seria aquela árvore de raiz pivotante, em que os galhos que são desim-portantes vão sendo cortados até sobrar o pivô, a origem. Ele propõe uma outra figura para o sujeito no “altermodernismo”, saltan-do a ideia do rizoma: seria a da hera, aquela trepadeira que é um mesmo indivíduo, mas com várias raízes, sem uma origem única; por onde ela vai passando, faz raízes. Daí, Bourriaud propõe que o mais importante na arte contemporânea não é a origem, não é de onde se veio, mas para onde se vai. Você se encaixaria nisso? Porque sua origem é

muito importante para você...PN - É. Eu costumo pensar nesse ponto:

eu nasci em 1977; divido minha história, a história antes e depois de 77, mas existe 77 e depois, e vou fazendo essa ligação. Então eu sou um ponto nessa história que é a minha história também.

HN - Pois é. As obras que o Bourriaud procura analisar se assemelham ao que você faz: a questão da viagem, do percurso, da caminhada, conhecer o exótico etc. Todas, segundo ele, negam essa origem única. Enquanto você faz isso tudo, sempre co-letando experiências, mas sem deixar de lado aquela sua raiz. Então, de certa forma, a análise dele não se encaixa no seu caso. Mas você também não é um artista “radi-cal”, naquele sentido da raiz: os galhos tam-bém são importantes... Recorrentemente eu penso em você como uma espécie de etnógrafo, apesar de isso não se encaixar bem também... Às vezes eu acho que você está gozando da nossa cara...

PN - Pode ser... Na verdade, eles até escreveram isso num jornalzinho de Wa-shington: “Esse cara está rindo da gente!”, em inglês, não sei se entendi, e “O cara tem esse monte de banana podre, e sai andando rindo, com o pé sujo, na feira, está rindo da gente!”, está na internet.

HN - Você tem uma visão crítica do mun-do da arte. O que motivou isso?

PN - Tenho. Na verdade, tem também essa relação comigo mesmo, de entrar... é o caso de pensar também em uma autocrítica. Eu entrei para a escola de arte, falei: – Vou ser artista. E estou entrando no mercado de arte, então, eu vou vender.

Paulo Nazareth, sem título, da série Aqui é Arte, 2006.impressão sobre papel12x22cm

Paulo Nazareth, sem título, da série Aqui é Arte, 2006.impressão sobre papel

12x22cm

HN - Seus panfletos, “Isso é arte”, “Aqui é arte”, “Lá é arte”... Alguns trabalhos tinham até um carimbo demarcando que aquilo era arte; depois você fez uns panfletos que vendia a R$ 0,50, com variações até R$ 1,00, não é?

PN - Ainda vendo.HN - Isso é metalinguística. Será que o

Paulo está saindo da metalinguagem, en-trando na crítica social, mesmo?

PN - Eu estou misturando. Esses pan-fletos vêm quando eu começo a pensar na relação da firma, da assinatura, como marca, como produto. O primeiro trabalho que eu fiz com essa ideia, eu mandei para o Salão de Jataí; isso foi em 2004, quando eu comecei a criar a firma Paulo Nazareth Arte Contemporânea Ltda. Foi um vidro de saliva de homem brasileiro...

HN - Nesse vidro de saliva tinha lá o ca-rimbo “isso é arte”?

PN - Não, tinha uma etiqueta: “Saliva de homem brasileiro etc.”

HN - Ainda não havia a ideia de delimitar o que é arte e o que não é? Quando isso começa?

PN - Mais ou menos nessa época. Pri-meiro a Paulo Nazareth Arte Contemporânea Ltda., depois a Paulo Nazareth Edições... É isso: criar essa quase instituição...

HN - O que essa instituição mimetiza? Uma galeria, um museu?

PN - Uma produção de arte, uma empre-sa mesmo...

Paulo Nazareth, sem título, da série Notícias da América, 2011.impressão fotográfica

30x40cm

HN - Um laboratório?PN - Eu chamo de “firma”.HN - Depois da Fábrica do Warhol...PN - Isso? Mas na precariedade... Por isso

eu chamo de “firma” mesmo, que é coisa de fundo de quintal.

HN - E a “firma” é o “firmar”, da assinatura, conferir ao objeto um status... Ou isso não é importante?

PN - Eu penso na relação da marca mes-mo, que agora está se tornando... [ganhan-do visibilidade, importância etc.]

HN - Tenho lá meus panfletos guardados...

PN - É o Paulo Nazareth que vira a firma, a marca: – Isso é Paulo Nazareth: vale! – Isso é Paulo da Silva: não vale. – Nazareth: vale!

HN - É para destacar a ironia disso?PN - Tem... Na verdade, meu trabalho tem

essa ironia, esse jogo com o próprio nome: Paulo da Silva não vende, porque “da Silva” é qualquer Zé. Eu gosto de ser eu, Paulo da Silva. Você me perguntou se existe uma se-paração: de alguma maneira sim, mas essa separação faz parte do trabalho. Pode pen-sar no Paulo da Silva, porque eu fico pensan-do nisso também. Já aconteceu várias vezes:

Paulo Nazareth, Cabeça, 2011.videoperformance

eu estou lá no Palácio das Artes... Aconteceu também na feira de arte de São Paulo. Estou no Palácio das Artes e quero entrar no lan-çamento de um livro; tinha um segurança que, por acaso, era lá do Palmital. Ele não me deixava entrar: – Ah, não! – É lançamen-to de livro..., eu retrucava. – Não, não pode entrar! – Só vou dar uma olhada... Deixa eu entrar aí... É lançamento, eles estão queren-do vender livro, quanto mais gente entrar, melhor! – Ah, não! Eu insistindo para entrar e o cara: – Vou chamar reforço! Não pode não! Aí eu fiquei naquela vergonha: porque o cara é lá do Palmital, ele não vai me deixar entrar. Então, uma das responsáveis chega lá e fala: – Ah! É o Paulo Nazareth! E vem... Aí eu fiquei com duas vergonhas: porque eu não podia entrar, então era o Paulo da Silva; mas o Paulo Nazareth pode entrar...

Mas é a mesma pessoa! A mesma cara, o mesmo pé sujo, chinelo e tal, o cabeludo, cabelo crespo, cabelo de preto! É o mesmo! E tinha isso: o cara é lá do Palmital, igual a mim, preto do mesmo jeito...

HN - A ideia dele é: “Ele não pode entrar porque eu não posso entrar”. Então você ficou com vergonha dele.

PN - No segundo momento eu fiquei com vergonha disso: porque eu posso en-trar? Por que o Paulo Nazareth pode en-trar e eu, como qualquer um, não posso? Eu como artista... E o mesmo aconteceu agora na SP-Arte: acabo de voltar da via-gem, notícias de América... saiu o nome do Paulo Nazareth em todos os jornais, prati-camente, dos Estados Unidos, porque saiu no New York Times, sai em todos, Miami, Washington, tudo... Aqui, Estado de Minas,

São Paulo, Rio etc. Fica a cara do Paulo es-palhada por aí... Dentro da feira, o trabalho que eu estava apresentando era Pão e Circo, que é a minha cara com um pão na boca, nos olhos, no ouvido... Essas fotos grandes com minha cara lá... E todo mundo: – Você é o Paulo Nazareth! Sei lá o quê... Acaba a feira, aí o Paulo Nazareth vai embora, fica o Paulo da Silva, andando lá, descalço. E aí o Paulo da Silva vai mexendo – o Paulo da Silva trabalha para o Paulo Nazareth – nos lixos lá, olhando o que tem. Aí o segurança vem porque é esquisito. E junta um mon-tão! – Você está trabalhando em algum estande? – Estou sim, na Mendes Wood. – Você se importa de nos acompanhar até lá? Já com certa agressividade. – Vou sim... espera aí, vou só pegar os negócios aqui. E vai juntando segurança. Nisso vem um cara

que me reconhece: – Ah! Paulo Nazareth! Daí vem um gringo, de outra galeria: – Ah! Paulo Nazareth! E nesses reconhecimentos, os seguranças começaram a sair fora. Então eu digo para o cara que sobrou: – Então va-mos lá na Mendes Wood? Cadê os outros? Vamos reunir... E vou descendo. – Não, não, ele responde. – É o cabelo de preto, que fica preto dentro de um espaço de arte voltado para esses granfinos aí, não é? – Não, não, eu não falei nada disso... A gente estava pre-ocupado com a sua segurança... Pensamos que você estivesse perdido... O seu estande é para aquele lado de lá... ok? etc. E nesse momento eu fiquei com vergonha também, mas nesse momento é o Paulo da Silva e não importa que minha cara esteja lá de todo tamanho na galeria; é o Paulo da Silva, que é estranho estar ali.

Pedro Motta, Reação Natural, 2008/2010.impressão de tinta mineral em papel algodão100x100cm

por Eder Chiodetto

Pedro Motta

Eder Chiodetto - Pedro, vamos come-çar a falar um pouco da sua formação, sei que você veio do desenho...

Pedro Motta - Formei-me em 2002 pela Escola de Belas Artes da Universidade Fe-deral de Minas Gerais (UFMG), em desenho mesmo. Lá na universidade, a gente tinha cinco cadeiras e nenhuma delas contem-

plava a fotografia. Mas optei pelo desenho porque era o único ateliê que me permitia usar fotografia, com a qual eu já trabalhava.

EC - E o caminho para ir estudar Artes Plásticas?

PM - Meu pai é professor de cinema da UFMG. Ele é formado em música, estudou cinema e ocupou a cadeira de professor de

cinema, semiótica, lá da Belas Artes. Minha mãe é professora universitária da faculdade de educação.

EC - Qual o nome deles?PM - José Adolfo Moura e Cecília Mot-

ta. O meio das artes, e das universidades principalmente, sempre me foi familiar. Na verdade meu pai é músico; eu cheguei a

estudar música por um bom tempo. Agora, se você me perguntar alguma coisa, eu não sei nada mais, é uma coisa absurda.

EC - Mas isso foi na adolescência?PM - Isso foi na infância e no começo da

adolescência. EC - Então ter um filho artista não foi um

trauma na família? (risos)

Pedro Motta, sem título, da série Arquipélago #2, 2008/2010.impressão

101x101cm

PM - (risos) Não, nada assim. Na verda-de, eu queria fazer comunicação e sempre desenhei, desde a infância, a adolescência inteira. Fiz escolinha de arte na minha in-fância toda e aí eu comecei a namorar um pouco a fotografia. Meu pai fotografava um pouco, conhecia processos alternativos de fotografia, e isso foi natural, recorrente. Eu tenho até um tio-bisavô, Eugênio Nardi, que é fotógrafo, um cara importante.

Pedro Motta, sem título, da série Arquipélago #2, 2008/2010.impressão101x101cm

EC - Quando você começou a trabalhar com fotografia?

PM – Em 1996, num projeto que meu pai coordenava, de música, chamado música na escola.

EC - Você documentava esse projeto?

PM - Sim, se tratava da implantação de música no ensino fundamental, nas esco-las estaduais. E foi a melhor escolha prática que tive, porque eles não faziam exigência técnica e eu tinha até liberdade poética, de criar. As aulas eram meio paradas e eu ficava

esperando alguma coisa acontecer. E isso durou bastante tempo, um ano e meio, dois. Nessa época, pensando em que faculda-de fazer, optei pela Belas Artes. Não tinha uma cadeira de fotografia, mas na Comu-nicação Social eu não tinha interesse pelo

jornalismo, muito menos pela publicidade.EC – Mas desenho e fotografia... você ti-

nha que optar por um ou outro... ou você achava que ambos poderiam andar juntos?

PM – Não, a fotografia realmente abafou o desenho. A partir do momento em que

Pedro Motta, sem título, da série Arquipélago #2, 2008/2010.impressão101x101cm

Pedro Motta, sem título, da série Caixa d’água, 2006. impressão, 53x80cm

Pedro Motta, Iceberg, 2012.impressão de tinta mineral em papel algodão49x57cm

Pedro Motta, Estatuto da divisão territorial, 2012. impressão de tinta mineral em papel algodão, 33x33cm.

eu comecei a me interessar por fotografia, o desenho foi exterminado praticamente.

EC - Você acha que essa sua habilidade com o desenho lhe ajudou, por exemplo, a pensar a composição na fotografia?

PM - Ah, sem dúvida foi fundamental. Ele é o divisor de águas. Sobretudo agora que

eu estou voltando com ele na série “Estatuto da Divisão Territorial” (2012). Fiquei muito tempo trabalhando a partir da fotografia e percebo que agora estou me libertando um pouco, e mais livre para pensar meu trabalho em outras linguagens dentro das artes plásticas.

EC - Você começou com a fotografia de caráter bem documental e aos poucos ela foi migrando para outra dimensão. Quando se deu essa passagem?

PM - Foi mesmo dentro da universidade. Meus orientadores eram o Roberto Bethôni-co e a Wanda Tofani. Eu chegava com a foto-

grafia e eles vinham com o aporte das artes plásticas. Meu trabalho surge desse embate. Foi fundamental para a parte técnica da foto-grafia; eu busquei em outros lugares, como nos Festivais de Inverno da UFMG.

EC - Sua fotografia começa marcada-mente de caráter documental. Em que mo-

Pedro Motta, Estatuto da divisão territorial, 2012.impressão de tinta mineral em papel algodão

33x33cm

Pedro Motta, Estatuto da divisão territorial, 2012. impressão de tinta mineral em papel algodão

33x33cm

mento você achou que ela poderia servir como uma linguagem que transcendesse essa plataforma?

PM - Foi na escola mesmo. Desde sem-pre me interessei por fotografar a inserção da natureza no meio urbano e vice-versa. Sempre me interessei em ver detidamente

o local por onde passo no meu dia a dia. Nessa época, eu morava em Lagoa Santa, onde havia um lixão próximo. Foi uma das minhas primeiras fontes de criação. Como quase todo fotógrafo, tive a fase de fotogra-far bicho morto, sangue, a transformação da matéria orgânica... Logo depois comecei a

me interessar por land art e surgiram mi-nhas primeiras intervenções na natureza. Muitas delas já uniam fotografia e desenho.

EC - Sua produção é bastante centrada no seu território, aos redores de Belo Hori-zonte. Fale um pouco disso.

PM - Em 2010, comecei a morar em duas

cidades simultaneamente: Belo Horizonte e São João Del-Rei, onde construí uma casa com minha mulher. Em função desse des-locamento recorrente, sempre dirigindo - gosto muito de dirigir em estrada; é quan-do consigo um alto grau de reflexão para pensar no meu trabalho, é como um gesto

Pedro Motta, Paisagem Suspensa, 2010/2012.impressão

100x100cm

Pedro Motta, Paisagem Suspensa, 2010/2012.impressão

100x100cm

Pedro Motta, Paisagem Suspensa, 2010/2012.impressão100x100cm

meditativo para mim -, consegui observar as mudanças rápidas que ocorrem na pai-sagem. Diversas séries minhas aconteceram a partir desse deslocamento: a primeira foi Espera (2005), dos pontos de ônibus à mar-gem da estrada. Depois surgiu a série Arqui-pélago (2008-2010) - selecionada para o 32.º Panorama da Arte Brasileira do MAM-SP e finalmente o Estatuto da Divisão Territorial (2012).

EC - Se tivermos que nomear, o que seria o grande eixo conceitual da sua obra. Eu me arriscaria a dizer que é o embate entre natureza e cultura. Você concorda?

Pedro Motta, Paisagem Suspensa, 2010/2012.impressão

100x100cm

PM - Acho que é claramente isso... E sem dúvida o meio onde nasci e fui criado, entre o campo e a cidade, ajudou a determinar isso. Minha tia morava no interior e eu pas-sava as férias lá na roça. A natureza, o conví-vio com animais, andar na trilha se conectou à afetividade que remonta a esse tempo. A primeira foto marcante que fiz, para mim, foi lá no curral da minha tia. Tinha na pa-rede da casa uma pintura de uma pastoral europeia que me intrigava. Levei-a para o curral e fiz a foto dela. Hoje percebo que essa inquietação que me levou a ser artista já estava nesse gesto do garoto de 15 anos que fez isso intuitivamente. Nunca usei essa imagem num trabalho, mas até hoje ela é enigmática e um ponto de referência para mim nessa questão de intervir no espaço para ativá-lo de alguma forma.

EC - Quando você fala dessas reminis-cências de infância, me lembra muito uma dedicatória que o Mario Cravo Neto fez para mim num catálogo de uma mostra dele. Ele escreveu: “Eder, tantos anos passam e nós

inevitavelmente somos os mesmos que éra-mos quando criança!”...

PM - É verdade... Utimamente comecei a colocar moedas no trilho do trem para vê--las amassadas. Quando criança diziam que

se fizéssemos isso o trem iria descarrilhar... Era o máximo imaginar isso...

EC - Fale um pouco sobre a intervenção com os canos desenhados sobre as fotogra-fias dos cupinzeiros que você fotografou na

estrada entre BH e São João Del-Rei.PM - Eu fotografei esses cupinzeiros na

época em que minha casa estava sendo construída, mas eu já estava louco por morar nela, resgatar meu espaço de ateliê

Pedro Motta, sem título, da série Reação Natural, 2008/2010. impressão em papel algodão, 100x100cm.

num lugar mais sossegado que uma me-trópole. Comecei a imaginar esses canos subterrâneos como caminhos de comuni-cação e contato entre os cupinzeiros. Essa série integra um projeto maior que estou chamando de Campo fértil. Ele pretende ser um mapeamento de toda essa região, com interferências da paisagem e pesqui-sa dessa transformação. O cupinzeiro é o sintoma de uma paisagem infértil, um descontrole ambiental. Essa paisagem da região do Campo das Vertentes é muito destruída, com grandes erosões pelo uso extensivo da terra.

EC - Trabalhar nesse eixo de natureza contraposta à cultura fica no limiar de um discurso que pode resvalar para um certo romantismo ou um engajamento panfle-tário, não?

Pedro Motta, sem título, da série Reação Natural, 2008/2010.impressão em papel algodão100x100cm

PM - E também para uma certa melan-colia... mas esse é um traço de mineiridade que acho inevitável. Mas eu não falo desse tema com questões universais, mas sim do microcosmo do meu pequeno quintal, do meu entorno.

EC - Mas para mim fica claro que, em-bora esse seja um eixo fundamental da sua produção, fica fácil perceber que em nenhum momento você está preocupa-do com uma relação de causa e efeito do ponto de vista sociopolítico, mas sim como esse embate entre o natural e o artificial podem gerar questões estéticas e refle-xivas por caminhos mais labirínticos. Há, para mim, a percepção de uma certa sen-sualidade nesse atrito... E isso fica notório quando suas fotografias parecem a con-templação de esculturas, ready-mades...

Pedro Motta, sem título, da série Reação Natural, 2008/2010.impressão em papel algodão100x100cm

PM - É isso... e hoje em dia me interessa muito também conseguir o efeito da dúvi-da. Deixar as pessoas em suspenso quando elas querem saber se interferi ou não na paisagem, se aquilo já estava assim ou não. É um site specific e a fotografia apenas re-gistrou? Ou o artista produziu tudo? Gosto dessa dualidade que já estava na fotografia do curral que fiz na adolescência.

EC - Não estaria na busca dessa duali-dade sua opção pela fotografia mais que pelo desenho?

PM - É verdade. No desenho a gente pode tudo e a fotografia sempre desliza entre um testemunho e uma criação. É uma areia movediça.

EC - Fale-me um pouco das sua referên-cias. Quais são suas antropofagias pessoais?

PM - A fotografia americana dos anos 1960 é bem importante, sobretudo a fo-tografia do Robert Frank, que é suíço, mas sua obra “The Americans” é super importan-te para mim, por conta do deslocamento territorial que ele percorre. Depois disso vem a linha de caráter mais construtivo, capitaneado pelo casal Becher. O fotógra-fo japonês, [Hiroshi] Sugimoto, é outro cara que sempre me alimenta também. Tem os cineastas: Andrei Tarkovsky, Werner Herzog e o Peter Greenaway, por exemplo. Mas hoje em dia quem me influencia mais são os ar-tistas plásticos brasileiros com Nuno Ramos e Cildo Meirelles à frente.

Pedro Motta, sem título, da série Reação Natural, 2008/2010.impressão em papel algodão100x100cm

EC - Vamos falar da série Paisagem Sus-pensa (2010/2012), que está exposta no Paço das Artes atualmente.

PM - Eu estava interessado em trabalhar com escultura, com volumes em grandes escalas. De novo vem a memória infantil e chego na imagem desses balões, signo de leveza, carregando o peso da terra, do minério. Parte dessa série foi realizada numa região em MG (com residência viabilizada pelo JA.CA - Jardim Canadá Centro de Arte e Tecnologi), rica em minério, portanto bas-tante explorada e alterada ao longo do tem-po. Foi um trabalho bem árduo; tive que ter uma equipe estudando a meteorologia para controlar o vento, outra equipe para perfu-rar o solo exatamente como eu precisava. O mais incrível foi ver ao vivo esse momento dos balões flutuando. Foi um êxtase que só eu e mais duas pessoas que estavam me assistindo conseguiram ver como um site specific. A fotografia é outra experiência. Depois em Nova Iorque continuei a série no espaço urbano, mas ali trabalhei com construção digital.

EC - São uns quinze anos de carreira, não?PM - É, é mais ou menos isso...EC - E agora? Onde você quer chegar?PM - Ué, não quero chegar a lugar ne-

nhum. Eu quero é chegar em casa (risos). Meu lugar é minha casa, meu cupinzeiro. Mineiro é assim, gosta de ir pra dentro de casa como o cupim.

Pedro Motta, sem título, da série Reação Natural, 2008/2010. impressão em papel algodão, 100x100cm.

bios:

EDERCHIODETTO

Eder Chiodetto (São Paulo, 1965) é mestre em Comunicação e Artes pela Universidade de São Paulo (USP), jor-nalista, fotógrafo, curador indepen-dente e crítico de fotografia. É autor do livro O Lugar do Escritor (Cosac Naify), um dos vencedores do Prêmio Jabuti 2004 e coordenador editorial da cole-ção “Fotoportátil” (Cosac Naify), entre outros títulos. Atua como curador do Clube de Colecionadores de Fotogra-fia do MAM-SP e realiza, desde 2004, projetos autorais de curadoria para diversas instituições no Brasil e no exterior. Atuou como repórter-foto-gráfico (1991-1995), editor (1995-2004) e crítico de fotografia (1996-2010) no jornal Folha de S. Paulo. Como docen-te, ministrou aulas na Universidade Metodista de São Paulo (UMESP) e na Faculdade de Fotografia do Senac-SP. Atualmente coordena os Grupos de Estudo e Criação em Fotografia em São Paulo. Em 2009, foi eleito o me-lhor curador de fotografia do país, em eleição realizada pela revista Clix/Fotosite. Em outubro deste ano rea-lizará a mostra “Mitologias - Fotografia Contemporânea Brasileira”, na galeria Shiseido, em Tóquio, Japão.

HÉLIONUNES

Hélio Nunes (Belo Horizonte, 1974) é artista e pesquisador (e burocrata das artes). Trabalha principalmente com o que já foi conhecido como “crítica institucional”. Doutorando em Artes na Escola de Belas Artes (EBA), da UFMG, bolsa CAPES, com o projeto Fotografia do museu, pretende abordar o quiasma museu/espaço/visibilidade/expectativa/espectador e verificar o postulado do museu como pan-óptico. Mestre em Artes pela EBA-UFMG, bolsa FAPEMIG, com a dissertação Pintura para catálogos: notas sobre o arquivamento da arte, defendida e indicada para publicação em 2009. Graduado também pela EBA-UFMG, habilitação em pintura, em 2005. Integra o grupo de estudos e pesquisa “Estratégias da arte numa era das catástrofes”, liderado pela Prof.ª Dr.ª Maria Angélica Melendi de Biasizzo.

JACOPOCRIVELLI VISCONTI

Jacopo Crivelli Visconti é crítico e curador independente. Nascido em Nápoles (Itália), em 1973, é doutor em Arquitetura pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU-USP). Como curador da Fundação Bienal de São Paulo (2007-2009), foi responsável pela participação oficial brasileira na 52ª Biennale di Venezia (2007) e na Bienal de Cuenca (Equador, 2007 e 2009), entre outras exposições. Foi, entre 2009 e 2011, um dos curadores da feira de arte contemporânea Volta, que acontece em junho na Basiléia (Suíça). Escreve regularmente para revistas de arte contemporânea, ar-quitetura e design, além de catálo-gos de exposições e monografias de artistas. Entre os trabalhos recentes mais representativos como curador de arte contemporânea, estão: A re-volução tem que ser feita pouco a pou-co, Galeria Raquel Arnaud, São Paulo (2012); Solo Projects da feira Pinta, Nova Iorque (EUA) (2011 e 2012); Li-ções da linha, Sesc Bom Retiro, São Paulo (2011); Sismógrafo, Palácio das Artes, Belo Horizonte (2011); Ponto de equilíbrio, Instituto Tomie Ohtake, São Paulo (2010); Feijão com arroz, Museo Municipal, Guayaquil (Equador) e Trendy, Miami (EUA) (2010); Sandra

PAULO NAZARETH

Governador Valadares, Minas Ge-rais (1977). Vive e trabalha ao redor do mundo. Participou de inúmeras exposições coletivas, incluindo Il va se passer quelque chose, Maison de l’Amérique Latine, Paris (2012); MYTHOLOGIES, Cité Internationale des Arts, Paris (2011); Caos e Efeito, Itaú Cultural, São Paulo (2011); Por aqui formas tornam-se atitudes, SESC Vila Mariana, São Paulo (2010). Teve mostras individuais no Museu de Arte da Pampulha, Belo Horizon-te (2007) e no Centro Cultural São Paulo, São Paulo (2009). Participou também de uma grande variedade de programas de residência artística em Buenos Aires, Argentina (Taller Imaginario, 2010); Belo Horizonte, Brasil (JA.CA, 2010); Jacarta, Indoné-sia (RuangRupa, 2009 e The Galeri Nasional, 2008), Jatiwangi, Indonésia (Jatiwangi Art Factory, 2008) e Nova Déli, Índia (Khoj Studios, 2006), entre outros. Seu trabalho integra a coleção permanente da Pinacoteca do Esta-do de São Paulo; do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro - Coleção Gilberto Chateaubriand; Astrup Fear-nley Museum of Modern Art, Oslo e do Thyssen-Bornemisza Art Contem-porary, Viena.

PABLOLOBATO

Nasceu em Bom Despacho, Minas Gerais (1976), e vive em Belo Hori-zonte. Antes de ter as artes visuais como principal campo de atuação, sua prática artística concentrou-se no cinema. Com um interesse con-tinuado pela produção audiovisual, seu trabalho hoje se desenvolve em uma zona indeterminada entre essas disciplinas. Em 2011, foi vencedor do Prêmio Sergio Motta de Arte e Tec-nologia e selecionado para o Progra-ma Rumos Artes Visuais. Integrou a mostra Panorama da Arte Brasileira, no MAM-SP, e o 17º Festival Interna-cional de Arte Contemporânea SESC--Videobrasil, no SESC Belenzinho, SP. Em 2012 realizou a exposição indivi-dual Do Corte, na Luciana Brito Gale-ria, SP, e participou de exposições na Noruega, França, EUA, China, Argen-tina e Chile. Atualmente dedica-se a finalização do filme Ventos de Valls, que deriva de uma ação realizada na Espanha em 2009, financiada pela Fundação John Simon Guggenheim, NY. Seu trabalho integra as coleções do Museu de Arte da Pampulha, Belo Horizonte, do Museu de Arte do Rio Grande do Sul, Porto Alegre e do Mu-seu de Arte Contemporânea do Para-ná, Curitiba.

PEDROMOTTA

Belo Horizonte, 1977. Vive e trabalha entre Belo Horizonte e São João Del--Rei, Minas Gerais. Formado em 2002 pela Escola de Belas Artes, UFMG. Entre suas principais exposições, destacam-se: Museu da Pampulha (2004), 32.º Panorama da Arte Bra-sileira (2011), MAM-SP (2011), What Now?, Bendana-Pinel Art Contem-porain, Paris (2012), 2.ª Bucharest Biennale, Romênia (2006), 5.ª Bienal Internacional de Fotografia e Artes Visuais de Liège (2006), Fotografia Contemporânea Brasileira, Neue Ber-liner Kunstverein, Berlim (2006), 14.ª Coleção Pirelli/Masp de Fotografias (2006). Livros publicados: Temprano, Funarte, 2010 e Paisagem Submersa, Cosac Naify, 2008. www.pedromotta.net

Cinto: Imitação da água, Instituto To-mie Ohtake, São Paulo (2010); Solo Projects da feira Arco, Madrid (Espa-nha) (2009 e 2010); Paisagem Incomple-ta, Palácio das Artes (Belo Horizonte, MG) (2009).

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