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Revista Brasileira de Ensino de Física, vol. 41, nº 2, e20180096 (2019) www.scielo.br/rbef DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1806-9126-RBEF-2018-0096 História da Física e Ciências Afins cb Licença Creative Commons Primeiro modelo matemático da cosmologia: as esferas concêntricas de eudoxo First mathematical model of cosmology: the concentric spheres of eudoxus Alan Miguel Velásquez-Toribio *1 , Marcos Venicios Oliveira 1 1 Universidade Federal do Espirito Santo, Departamento de Física, Vitória, ES, Brasil. Recebido em 05 de Abril, 2018. Revisado em 24 de Agosto, 2018. Aceito em 25 de Agosto, 2018. O modelo cosmológico de Eudoxo de Cnido (408 - 355 a.C.), o modelo das esferas concêntricas, representa o primeiro modelo matemático da cosmologia, o qual tenta explicar o movimento dos corpos celestes. Através dos comentários de Aristóteles (384 - 322 a.C.), dos escritos de Simplício (490 - 560 d.C.) e das abordagens feitas por historiadores e matemáticos do século XIX, será apresentada a reconstrução matemática clássica deste modelo. Também utilizamos um método matemático moderno, o método das matrizes de rotação, para ilustrar os movimentos planetários que resultam do modelo de Eudoxo, e determinar a equação paramétrica da hipópede. Devido à inexistência dos registros históricos originais do modelo, é necessário abordar as principais críticas a esta reconstrução clássica do século XIX, entre elas, a unicidade da reconstrução do modelo. No entanto, mesmo com todas as incertezas na reconstrução, ao longo dos séculos, o modelo de Eudoxo se apresenta como a primeira tentativa de entender, com as observações e as ferramentas da matemática da época, os movimentos do Sol, da Lua e os movimentos retrógrados dos planetas, e este trabalho dedica-se a discutir estas características de forma ampla, esgotando as principais obras apresentadas na literatura. Palavras-chave: Esferas concêntricas. Cosmologia. Planetas. Hipópede de Eudoxo. The cosmological model of Eudoxus of Cnidus (408 - 355 BC), the concentric spheres model, represents the first mathematical model of cosmology, which attempts to explain the motion of celestial bodies. Through the comments of Aristotle (384-322 BC), the writings of Simplicius (490-560 AD) and the approaches made by 19th century historians and mathematicians, the classical mathematical reconstruction of this model will be presented. We also use a modern mathematical method, the rotation matrix method, to illustrate the planetary motions that result from the Eudoxus model, and to determine the parametric equation of the hippopede. Due to the inexistence of the original historical records of the model, it is necessary to consider the main criticisms of this classic reconstruction of the nineteenth century, among them, the uniqueness of the reconstruction of the model. However, even with all the uncertainties in the reconstruction, over the centuries, the Eudoxus model presents itself as the first attempt to understand, with the observations and tools of mathematics of the time, the movements of the Sun, the Moon and the movements retrograde of the planets, and this work is dedicated to discuss these characteristics broadly, exhausting the main works presented in the literature. Keywords: Concentric spheres, Cosmology, Planets, Hippopede of Eudoxus. 1. Introdução Os Gregos no século V a.C., avançaram consideravel- mente em observações astronômicas, pois entre outras razões, tinham fontes importantes e antigas de conhe- cimentos astronômicos das culturas Mesopotâmicas e Egípcias. Fazer um balanço do conjunto de conhecimen- tos astronômicos gregos no século V é muito complicado pois as evidências registradas são muito esparsas. Quando se observam os registros astronômicos antigos nota-se poucas fontes para reconstruir a história astronômica da época, inclusive historiadores como Neugebauer (1899 - 1990) comenta este fato comparando a grande quantidade de registros mesopotâmicos em comparação com os regis- * Endereço de correspondência: [email protected]. tros gregos 1 [1,2]. No entanto, pesquisas recentes como os estudos da máquina de Anticítera [3] tem mostrado como a influência babilônica era forte na antiga Grécia, inclusive no século II a.C. 2 No geral, é possível afirmar que o desenvolvimento inicial da Astronomia estava associada com questões práticas como o trabalho da agricultura, da construção de templos e para marcar datas de rituais religiosos relacionados em muitos casos com mitos cosmológicos, entre outros. Por exemplo, os babilônios construíram grandes registros astronômicos que incluem séculos de 1 Especificamente ver o artigo de Neugebauer, On some aspects of Early Greek Astronomy, incluido na referência mencionada [1,2]. 2 Evans e Carman compararam as predições de eclipses da máquina de Anticítera com a predições babilônicas concluindo que a máquina data de 205 a.C., e se observam fortes evidências que está baseado em astronomia babilônica [3]. Copyright by Sociedade Brasileira de Física. Printed in Brazil.

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Revista Brasileira de Ensino de Física, vol. 41, nº 2, e20180096 (2019)www.scielo.br/rbefDOI: http://dx.doi.org/10.1590/1806-9126-RBEF-2018-0096

História da Física e Ciências Afinscb

Licença Creative Commons

Primeiro modelo matemático da cosmologia: as esferasconcêntricas de eudoxo

First mathematical model of cosmology: the concentric spheres of eudoxus

Alan Miguel Velásquez-Toribio*1, Marcos Venicios Oliveira1

1Universidade Federal do Espirito Santo, Departamento de Física, Vitória, ES, Brasil.

Recebido em 05 de Abril, 2018. Revisado em 24 de Agosto, 2018. Aceito em 25 de Agosto, 2018.

O modelo cosmológico de Eudoxo de Cnido (408 - 355 a.C.), o modelo das esferas concêntricas, representao primeiro modelo matemático da cosmologia, o qual tenta explicar o movimento dos corpos celestes. Atravésdos comentários de Aristóteles (384 - 322 a.C.), dos escritos de Simplício (490 - 560 d.C.) e das abordagensfeitas por historiadores e matemáticos do século XIX, será apresentada a reconstrução matemática clássica destemodelo. Também utilizamos um método matemático moderno, o método das matrizes de rotação, para ilustrar osmovimentos planetários que resultam do modelo de Eudoxo, e determinar a equação paramétrica da hipópede.Devido à inexistência dos registros históricos originais do modelo, é necessário abordar as principais críticas aesta reconstrução clássica do século XIX, entre elas, a unicidade da reconstrução do modelo. No entanto, mesmocom todas as incertezas na reconstrução, ao longo dos séculos, o modelo de Eudoxo se apresenta como a primeiratentativa de entender, com as observações e as ferramentas da matemática da época, os movimentos do Sol, daLua e os movimentos retrógrados dos planetas, e este trabalho dedica-se a discutir estas características de formaampla, esgotando as principais obras apresentadas na literatura.Palavras-chave: Esferas concêntricas. Cosmologia. Planetas. Hipópede de Eudoxo.

The cosmological model of Eudoxus of Cnidus (408 - 355 BC), the concentric spheres model, represents thefirst mathematical model of cosmology, which attempts to explain the motion of celestial bodies. Through thecomments of Aristotle (384-322 BC), the writings of Simplicius (490-560 AD) and the approaches made by 19thcentury historians and mathematicians, the classical mathematical reconstruction of this model will be presented.We also use a modern mathematical method, the rotation matrix method, to illustrate the planetary motionsthat result from the Eudoxus model, and to determine the parametric equation of the hippopede. Due to theinexistence of the original historical records of the model, it is necessary to consider the main criticisms of thisclassic reconstruction of the nineteenth century, among them, the uniqueness of the reconstruction of the model.However, even with all the uncertainties in the reconstruction, over the centuries, the Eudoxus model presents itselfas the first attempt to understand, with the observations and tools of mathematics of the time, the movementsof the Sun, the Moon and the movements retrograde of the planets, and this work is dedicated to discuss thesecharacteristics broadly, exhausting the main works presented in the literature.Keywords: Concentric spheres, Cosmology, Planets, Hippopede of Eudoxus.

1. Introdução

Os Gregos no século V a.C., avançaram consideravel-mente em observações astronômicas, pois entre outrasrazões, tinham fontes importantes e antigas de conhe-cimentos astronômicos das culturas Mesopotâmicas eEgípcias. Fazer um balanço do conjunto de conhecimen-tos astronômicos gregos no século V é muito complicadopois as evidências registradas são muito esparsas. Quandose observam os registros astronômicos antigos nota-sepoucas fontes para reconstruir a história astronômica daépoca, inclusive historiadores como Neugebauer (1899 -1990) comenta este fato comparando a grande quantidadede registros mesopotâmicos em comparação com os regis-

*Endereço de correspondência: [email protected].

tros gregos1 [1, 2]. No entanto, pesquisas recentes comoos estudos da máquina de Anticítera [3] tem mostradocomo a influência babilônica era forte na antiga Grécia,inclusive no século II a.C. 2

No geral, é possível afirmar que o desenvolvimentoinicial da Astronomia estava associada com questõespráticas como o trabalho da agricultura, da construçãode templos e para marcar datas de rituais religiososrelacionados em muitos casos com mitos cosmológicos,entre outros. Por exemplo, os babilônios construíramgrandes registros astronômicos que incluem séculos de1Especificamente ver o artigo de Neugebauer, On some aspects ofEarly Greek Astronomy, incluido na referência mencionada [1,2].2Evans e Carman compararam as predições de eclipses da máquinade Anticítera com a predições babilônicas concluindo que a máquinadata de 205 a.C., e se observam fortes evidências que está baseadoem astronomia babilônica [3].

Copyright by Sociedade Brasileira de Física. Printed in Brazil.

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e20180096-2 Primeiro Modelo Matemático da Cosmologia: As Esferas Concêntricas de Eudoxo

observações com o objetivo de usá-los em astrologia. Aesse respeito os historiadores comumente aceitam queeles usaram estas observações para determinar a posiçãodos corpos celestes, mas não usaram estas observaçõescomo base para construir teorias sobre o Universo. Istofica evidente na compreensão padrão do conhecimentobabilônio expressado por Koyre:

[...]por certo, podemo-nos perguntar se nãodevemos recuar mais longe no tempo e se nãodevemos colocar a origem da astronomia e dacosmologia científica, não na Grécia, mas naBabilônia. Parece-me haver duas razões paranão fazê-lo. Uma está ligada ao fato de que osbabilônios nunca se desembaraçaram da astro-biologia que Masson-Oursel acaba de evocare de que a Grécia consiguiu fazê-lo (aliás, épossível que, na Grécia, a astrobiologia nãotenha sido absolutamente um fenômeno origi-nal, mas pelo contrário, um fenômeno tardio,muito posterior à origem da astronomia). Aoutra razão é menos histórica: está ligada àprópria noção que atríbuimos à ciência e dotrabalho científico. Com efeito, se admitísse-mos uma certa concepção ultrapositivista eultrapragmática da ciência e do trabalho cien-tífico, certamente deveríamos dizer que foramos babilônios que começaram. Realmente, elesobservaram os céus, fixaram as posições dasestrelas e organizaram os respectivos catá-logos, anotando, dia a dia, as posições dosplanetas. Se isso é feito cuidadosamente du-rante séculos, chega-se, no fim das contas, ater catálogos que revelarão a periodicidadedos movimentos planetários e oferecerão apossibilidade de prever, para cada dia do ano,a posição das estrelas e dos planetas que se-rão reencontrados cada vez que se olhar parao céu. O que é muito importante para os ba-bilônios, pois, dessa previsão das posições dosplaneta, depende, pelos caminhos da astro-logia, uma previsão dos acontecimentos quese darão na Terra. Assim, se a previsão e apredição equivalem a ciência, nada é mais ci-entífico do que a astronomia babilônica. Masse vir no trabalho científico, sobretudo, umtrabalho teórico e se se acreditar - como é meucaso - que não há ciência onde não há teoria,rejeitar-se-à a ciência babilônica e dir-se-áque a cosmologia científica dá seus primeirospassos na Grécia, pois foram os gregos que,pela primeira vez, conceberam e formularama exigência intelectual do saber teórico: pre-servar os fenômenos, isto é, formular umateoria explicativa do dado observável, algoque os babilônios jamais fizeram [4, p.84-85].

Este pensamento histórico padrão sobre os babilônicos,apresentado de forma bastante sustentável por muitos his-toriadores da ciência, está atualmente sendo questionado,

recentemente Mathieu Ossendrijver 3 publicou um artigoonde apresenta uma reanálise de uma tábua cuneiformeonde está registrado observações do planeta Júpiter entreos séculos IV e II a.C., mostrando evidências que os an-tigos babilônios não só usavam cálculos aritméticos paradeterminar a posição do planeta, mas também cálculosgeométricos similares ao cálculo do método ”área sobuma curva”combinando conceitos como tempo, distânciae velocidade, este método foi registrado historicamenteno século XIV pelo grupo dos calculadores de Oxford [5].

Todas estas questões trazem reflexões sobre as fonteshistóricas e sobre a evolução dos conceitos para realizara reconstrução do conhecimento astronômico antigo, ede um dado modelo astronômico em uma dada épocada história. É interessante observar que os conceitos atu-almente considerados como padrão podem e devem serrepensados a cada nova descoberta histórica. Com estasconsiderações neste artigo vamos apresentar em formadetalhada o primeiro modelo matemático da história daastronomia, atualmente aceito, isto é, o modelo das esfe-ras concêntricas de Eudoxo, mas sem deixar de mencionaras limitações de fontes escritas para sua reconstrução.

Começamos apresentando um panorama geral da astro-nomia grega nos séculos IV e V a. C. Logo se apresentamas ideias cosmológicas de Platão que influenciaram omodelo de Eudoxo, depois, analisamos as duas principaisfontes escritas do modelo de Eudoxo: os comentários deAristóteles e de Simplício. Na seguinte seção apresenta-mos a reconstrução matemática do modelo de Eudoxoproposta pelos historiadores do século XIX, o chamadoséculo da história, nesta seção seguimos a reconstruçãomostrada por Neugebauer [2] e [1], sendo que ele mesmofaz contribuições originais. Na seguinte seção discutimosuma reconstrução moderna do modelo de Eudoxo usandoo método das matrizes de rotação, desta forma podemosescrever a equação da hipópede em forma paramétricae numa linguagem moderna. Logo discutimos as críti-cas à reconstrução histórica do século XIX e recentesquestões publicadas sobre o modelo de Eudoxo. Nestetrabalho nos restringimos matematicamente ao “modelooriginal de Eudoxo” aplicado aos planetas, sendo que uni-camente comentamos as modificações feitas por Cálipo eAristóteles [6]. 4

2. Astronomia grega dos séculos V e IVa.C. e a influência de Platão nomodelo de Eudoxo

Em torno dos séculos V e IV a.C. os gregos tinhamimportantes conhecimentos astronômicos, por exemplo,conheciam que o Sol se deslocava seguindo uma faixaconhecida como eclíptica. Neste sentido, o movimento do3Para olhar artigos e textos sobre recentes progressos da astronomiababilônica acessar: https://amor.cms.hu-berlin.de/~ossendrm/cuneiform.html4As modificações feitas por Cálipo também podem ser modeladasmatematicamente, ver a respeito a referência [6], no entanto, asmodificações de Aristóteles não tem uma modelagem matemáticaporque são carentes de lógica.

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Velásquez-Toribio e Oliveira e20180096-3

Sol era descrito ao longo do ano por uma faixa chamadade zodíaco, onde uma das principais preocupações dosgregos aqui, foi a de desenvolver um calendário usando omovimento da Lua e do Sol, o chamado ciclo de Menom(475 - 431 a.C.) proposto por Menom de Atenas [7].

Este conhecimento sobre o Sol foi em grande parteconstruído pelo uso do gnômon que segundo Heródoto(485 - 420 a.C.) foi inventado pelos babilônios e introdu-zido na Grécia por Anaximandro de Mileto (610 - 546a.C.), o qual consiste de uma haste colocado em formavertical sobre uma superfície plana, e de modo simples,a posição do Sol no céu era identificada pela sombra dahaste. Com este aparelho os gregos contavam os dias entreum solstício e um equinócio observando que as estaçõesnão têm o mesmo número de dias, isto aparentementefoi feito por Euctêmon (? - 432 a.C.), contemporâneo deSócrates (469 - 399 a.C.). Este fato observacional per-mitiu inferir que o Sol não deveria ter uma velocidadeconstante ao longo da eclíptica, no entanto, isso resultoucontrário as ideias metafísicas de Platão (427 - 347 a.C.),onde os corpos celestes tinham que ter movimentos per-feitos e velocidades constantes, como também trajetóriascirculares [8].

Os gregos também sabiam distinguir e usar as diferen-tes fases da Lua, inclusive menciona-se algumas prediçõesde eclipses solares, como a famosa predição feita por Ta-les de Mileto (624 - 526 a.C.), contada pelo historiadorHeródoto, que permitiu assinar um acordo de paz entreMedos e Lídios, ou a famosa predição do eclipse solarde Hélicon, contado por Plutarco (45 - 127 d.C.). Sobrea predição de Tales pode ser simplesmente uma lenda,pois, não há fontes documentais e precisas sobre estapredição. Mas, por exemplo, na referência [9] são discuti-das algumas evidências em favor da possibilidade de umerudito, da época de Tales, ter as ferramentas e condiçõesnecessárias para poder realizar a mencionada predição.

Outro fato interessante, é o movimento diário das es-trelas do leste a oeste, voltando todos os dias às mesmasposições. Adicionalmente, outra observação de grandeimportância se refere ao movimento dos planetas, quevistos pelos antigos eram estrelas que pareciam ter mo-vimentos contrários em algumas partes de seu percursoao longo de um dado período. O movimento dos plane-tas, cujo termo etimologicamente significa “errantes”, foifundamental para o desenvolvimento da astronomia e damatemática. Por exemplo, Platão no Timeu, um livro deforte inspiração pitagórica, ao respeito menciona,

A partir do raciocínio e do desígnio de umdeus em relação à geração do tempo, paraque ele fosse engendrado, gerou o Sol, a Lua ecinco astros, que têm o nome “planetas”, paradefinirem e guardarem os números do tempo.Tendo construído os corpos de cada um deles– sete ao todo –, o deus estabeleceu-os nasórbitas que o percurso do Outro seguia, emnúmero de sete delas: na primeira a Lua, àvolta da Terra; na segunda o Sol, por cima daTerra; a Estrela da Manhã e o astro que di-

zem ser consagrado a Hermes na rota circularque tem a mesma velocidade que o Sol, aindaque lhes tenha cabido em sorte um ímpetocontrário ao dele. Daí decorre que o Sol e aEstrela da Manhã (o astro de Hermes) su-cessivamente se alcancem e sejam alcançadosmutuamente. [8, p.111]

Este parágrafo do Timeu apresenta de forma resumidaa cosmologia platônica, e menciona explicitamente queMércurio (Hermes) e Vênus (Estrela da manhã) se movi-mentam próximos do Sol (menciona também que ambostêm a mesma velocidade), e que em algum momentoeles têm um ímpeto contrário, que pode ser interpretadocomo um movimento retrógrado. Desta forma, podemosconsiderar que Platão tinha consciência do movimentoretrógrado dos planetas.

Por outro lado, os pitagóricos ensinavam que a Terraera uma esfera, e que cada um dos sete objetos celestes:o Sol a Lua e os cinco planetas tinham uma esfera, e queexistia uma distância harmônica entre cada esfera e aTerra. Surge então a ideia da harmônia das esferas [10], aqual entra na história do pensamento em diversas oportu-nidades, sendo uma das mais importantes a tentativa deKepler (1571 - 1630) de ajustar as distâncias dos planetasa esta suposta harmonia5. Desta forma podemos observarque a ideia do movimento dos astros sobre uma esfera,assim como, a trajetória circular, ficou estabelecido entreos filósofos e astrônomos do século IV a.C. A esfera dasestrelas fixas, com seu movimento repetitivo todas asnoites, representa uma imagem da perfeição intimamenteligada às ideias platônicas.

Dentro deste contexto, Eudoxo de Cnido (408 - 355a.C.), propõe seu modelo astronômico ou cosmológico, 6 oqual é considerado o primeiro modelo matemático (geomé-trico) na história da ciência para explicar os movimentosdos objetos celestes. Com este modelo se deslocam osestudos da pura especulação filosófica, dos pré-socráticos,para a construção de modelos geométricos, que irão seconstituir no método aplicado pelos subsequentes as-trônomos gregos. No entanto, os astrônomos da antigaGrécia substituíram o modelo de Eudoxo pelo modelo dosepiciclos, de Ptolomeu, isto foi feito, em grande parte,pelo fato da procura por um modelo matemático demaior precisão para fazer predições e comparações comas observações.

Tudo o que sabemos sobre Eudoxo é de forma indi-reta, por exemplo, do texto de Diógenes Laércio (180 -240 d.C.) sabemos que Eudoxo deve ter frequentado àacademia de Platão, em Atenas, em torno do ano 380a.C., e como estudante deve ter se familiarizado com asideias cosmológicas de Platão. Também o mesmo Laércioafirma que Eudoxo teve como mestre de matemática a5Para uma revisão detalhada sobre a harmonia das esferas ao longoda história ver a referência menciona [10]6Atualmente é importante diferenciar a astronomia da cosmologia,mas aqui, mencionamos modelo cosmológico como sinônimo de mo-delo astronômico, no sentido que o modelo das esferas concêntricasrepresenta um modelo para todos os objetos celestes conhecidosda época e, portanto, um modelo para todo o Universo.

DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1806-9126-RBEF-2018-0096 Revista Brasileira de Ensino de Física, vol. 41, nº 2, e20180096, 2019

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e20180096-4 Primeiro Modelo Matemático da Cosmologia: As Esferas Concêntricas de Eudoxo

um pitagórico, Arquitas de Tarento (428 - 347 a.C.), oque pode explicar sua proximidade com a ideia da esfe-ricidade da Terra e dos movimentos celestes. Tambémse sabe que visitou o Egito, em particular a cidade deHeliópolis, que na época era um dos principais centros deconhecimentos astronômicos. Sabe-se ainda que voltoua Atenas e teve discordância com Platão, mas outrosrelatos mostram que Platão o tinha em alta estima pelosseus grandes conhecimentos matemáticos. Eudoxo eraum dos poucos que sabia a solução para o problema daduplicação do cubo7.

Eudoxo como um astrônomo de seu tempo ficou forte-mente influênciado por Platão, o qual não era somenteum respeitado erudito, mas também tinha um coletivode pensadores que frequentavam sua Academia, os quaisespalhavam suas principais ideias. Simplício mencionaque foi Platão quem propôs a questão de buscar ummodelo cosmológico para ”Salvar os fenômenos”. Algunshistoriadores da ciência como Koyré estabeleceram queesta frase significa explicar com uma teoria o movimentodos objetos celestes, usando o círculo como trajetória per-feita para os astros, sem inicio e fim, e também a ideia davelocidade constante. Atualmente temos poucas formasde provar que a frase mencionada por Simplício seja defato de Platão. Neste caso, vale lembrar que Simplícioescreveu no século VI d.C. Portanto, depois de muitosséculos do modelo de Eudoxo ter sido proposto, mesmose levarmos em conta que Simplício pode ter lido textosatualmente desconhecidos, esperariamos que citasse suasfontes, como ele fez em outros casos, também poderiater sido um conhecimento comum na época de Simplí-cio, seja como for, a questão de ”Salvar os fenômenos”écompatível com a cosmologia de Platão no Timeu [8].

Os comentadores antigos mencionam que Eudoxo es-creveu dois livros associados com astronomia: Espelhose Fenômenos. No entanto, mesmo não tendo os livrosé possível conhecer indiretamente o conteúdo do livroFenômenos, devido ao poeta Arato (315 - 240 a.C.) queescreveu um poema denominado ”Fenômenos”usandocomo fonte de inspiração o texto de Eudoxo. Neste texto,entre outras coisas, se apresentam informações sobre asconstelações e o uso da esfera para descrever o movi-mento dos objetos celestes. O poema de Arato foi muitoreproduzido na sua época, sendo que o grande astrônomoHiparco (190 - 120 a.C.) menciona tê-lo utilizado.

As duas principais fontes escritas para conhecer o mo-delo astronômico de Eudoxo são os escritos de Aristótelese de Simplício. Aristóteles pode ser considerado uma ge-ração mais jovem que Eudoxo e, portanto, uma fontecontemporânea. Por outro lado, Simplício, como mencio-nado, foi um comentador do século VI d.C., isto é, quase900 anos após o modelo de Eudoxo. Simplício fundamen-tou seus comentários nos escritos de Sosígenes (Séc IIa.C.), que por sua vez, usou o livro “Historia da Astrono-

7A duplicação do cubo ou problema de Delos, é um dos três pro-blemas famosos da antiguidade, é um problema de geometria queconsiste na construção de um cubo com régua e compasso, com odobro do volume de um cubo conhecido, utilizando apenas umaaresta deste.

mia”, escrito por Eudemo de Rodes (370 - 300 a.C.), quefoi estudante na escola peripatética de Aristóteles, escre-vendo vários livros sobre a história das ciências gregas.Além de Simplício há registros do trabalho de Eudemoem escritos de Téon de Esmirna (70 - 135 d.C.), DiógenesLaércio e Clemente de Alexandria (150 - 215 d.C.).

3. Modelo de Eudoxo nos escritos deAristóteles e Simplício

Os argumentos de Aristóteles sobre o modelo de Eudoxosão apresentados em seus tratados de metafísica, espe-cificamente, no livro XII ou Λ8, este texto começa comuma apresentação sobre a questão do primeiro motor domovimento celeste, o qual é definido como uma entidadeeterna e imóvel. Depois se considera o número dos ob-jetos em movimento, para o qual ele menciona que estaquestão deve ser considerada a partir do ponto de vistado conhecimento astronômico. Aristóteles pondera que osestudos da matemática devem incluir além da aritméticae da geometria a astronomia. Depois destas consideraçõespassa a mencionar a teoria das esferas concêntricas, e asmodificações de Cálipo de Cízico (370 - 300 a.C.), quefoi discípulo de Eudoxo, e depois ele passa a fazer suaspróprias modificações. Nesse mesmo texto Aristótelesapresenta como Eudoxo definiu as esferas concêntricas:

Eudoxo supõe que o movimento do Sol ou daLua envolve, em ambos os casos, três esferas,das quais a primeira é a esfera das estrelasfixas, e a segunda se move no círculo ao longodo meio do zodíaco, e a terceira no círculo queestá inclinado com respeito ao zodíaco; mas ocírculo em que a Lua se move está inclinadoem um ângulo maior do que aquele em queo Sol se move. E o movimento dos planetasenvolve, em cada caso, quatro esferas, e que asprimeiras e as segundas são as mesmas que asduas primeiras acima mencionadas ... os polosda terceira esfera de cada planeta estão nocírculo do zodíaco, e o movimento da quartaesfera está no círculo inclinado em um ângulodo equador da terceira esfera, e os polos daterceira esfera são diferentes para cada umdos planetas, mas para Vénus e Mercúrio sãoos mesmos. [11, Livro XII, tradução nossa]

Na explicação sobre o movimento dos planetas ficaclaro a definição das quatro esferas, sendo que as duasprimeiras são usadas de forma similar às esferas do Sol eda Lua para explicar seus movimentos diários (primeiraesfera) e anuais (segunda esfera). Mas o uso das outrasduas esfera não são explicitamente mencionadas nestadescrição, e ainda não menciona o movimento retrógrado.Outra questão interessante, é a afirmação sobre os pla-netas Mércurio e Vênus, os quais têm em comum o eixo8Os livros que formam o tratado da Metafísica de Aristóteles sãoetiquetados mediante letras gregas, por isso, o livro XII é conhecidocomo livro Λ.

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Velásquez-Toribio e Oliveira e20180096-5

da terceira esfera, o que pode ser compreendido atravésdas observações destes planetas, pois, seus movimentosaparentes vistos a partir da Terra não se afasta muito datrajetória do Sol ao longo da eclíptica.

Aristóteles ao mencionar as correções feitas por Cálipode Cízico, menciona que este adicionou duas esferas amais para o Sol e para a Lua, e para os planetas adici-onou uma esfera a mais, salvo para Júpiter e Saturno,que manteveram as mesmas quatro esferas do modelooriginal de Eudoxo. Aristóteles não detalha como seriamcolocadas geometricamente estas outras esferas, em con-junto com as anteriores, e tampouco para que seriamusadas.

Suas próprias modificações parecem ter sido guiadaspela ideia da realidade física das esferas. Para Aristó-teles estas esferas eram reais. Mas se questionar sobrea realidade das esferas implica uma série de questões.Por exemplo, que mecanismos físicos mantém os planetassobre as esferas? Ou como os planetas trocam de esferas?Ou como o movimento é transmitido entre as esferas?Entre outras. Todas estas perguntas ficam sem uma res-posta concreta e as modificações de Aristóteles resultamum tanto confusas, e não permitem formular um modelogeometricamente aceitável [12,13] 9, inclusive pesquisasrecentes de história da ciência mencionam que Aristótelesem diversos escritos sobre astronomia era suscetível aexpressar comentários incoerentes [14,15].

A segunda fonte histórica escrita sobre o modelo deEudoxo são, os comentários de Simplício sobre Aristóteles,os quais comparados com o texto da Metafísica são maisprecisos e extensos. Sobre a terceira e quarta esferas dosplanetas Simplício menciona o seguinte:

A terceira esfera, que tem seus polos no grandecírculo da segunda esfera, que passa pelo meiodos signos do zodíaco, e que gira do sul aonorte e do norte ao sul, se movimenta tam-bém com a quarta esfera, sendo que o planetatambém está ligado à quarta esfera. Alémdisso, será a causa do movimento do planetana latitude. Se consideramos o movimentodo planeta unicamente sobre a terceira es-fera, ele poderia chegar aos polos do círculodo zodíaco, e se aproximaria dos polos douniverso; no entanto, como são as coisas, aquarta esfera gira sobre os polos do círculoinclinado, com respeita à terceira esfera, nosentido oposto, isto é, de leste para o oeste,mas no mesmo período, o que impedirá qual-quer divergência considerável (por parte doplaneta) sobre o círculo do zodíaco e farácom que o planeta descreva sobre este mesmocírculo, do zodíaco, a curva chamada por Eu-doxo de hipópede; de modo que, a amplitudedesta curva será a quantidade (máxima) dodesvio aparente do planeta na latitude, uma

9 também revisar o livro de J.L.E Dreyer [7] History of the planetarySystems from Thales to Kepler para uma explicação detalhada.

visão pela qual Eudoxo foi atacado. [16, p.202,tradução nossa].

Nesta citação observar-se a explicação do movimentocontrário entre a terceira e quarta esferas, também émencionada a figura que se forma: a hipópede, a qualse associa com o movimento retrógrado. No entanto,como mencionado, Simplício escreveu no século VI d.C. emesmo nessa época ele não baseia seus comentários sobreos escritos originais de Eudoxo, mas sobre os escritosde Eudemo e Sosígenes. Outra questão interessante dostextos de Simplício se refere ao questionamento sobre aregularidade das esferas concêntricas. Neste modelo osastros apresentam movimentos uniformes sobre as esferas,com distâncias fixas a partir da Terra, o que notadamentenão era verdade, pois as estrelas observadas desde a Terra,de tempos em tempos, variam sua intensidade, o que jáera associado à distância por alguns filósofos, segundoele:

[...] quero dizer é que as vezes os planetasparecem ficar perto, e outras em que pare-cem ficar longe. E no caso de alguns isso éaparente a simples vista. Pois a estrela quechamamos Vênus e também a que chamamosMarte parecem muitas vezes maiores quandoestão na metade de suas retrogradações, deforma que nas noites sem Lua, Vênus provocaque os corpos projetem sombras. [16, p. 221,tradução nossa].

É interessante notar que Simplício considerava quetodos os planetas tinham luz própria, pois como comentaWeinberg [12], se considerarmos o Sol como fonte lumi-nosa e os planetas como refletindo a luz Solar, mesmono modelo de Eudoxo, os planetas teriam mudanças debrilho como consequência de suas diferentes posiçõesrelativas entre a Terra e o Sol, mas mesmo assim, nãoexplicariam as mudanças observadas.

4. Reconstrução do Modelo de Eudoxo

Uma reconstrução matemática do modelo de Eudoxo fun-damentada nas fontes históricas, anteriormente discuti-das, foi desenvolvida no início do século XIX, começandocom as discussões apresentadas nos trabalhos do alemãoSchaubach (1802) [17], de Ideler (1828) [18] e Apelt [19],sendo que o mecanismo matemático completo foi espe-cificado por Schiaparelli (1874) [20]. Também no séculoXX, Neugebauer(1953) [2] fez importantes contribuições,com discussões originais sobre a reconstrução matemá-tica das esferas concêntricas. O caráter histórico destareconstrução de Neugebauer se nota a partir do momentoem que este busca o contexto matemático da época deEudoxo. Com base nas suas ilustrações e descrições dosmovimentos planetários, exporemos de forma detalhada,o desenvolvimento geométrico para representar o movi-mento aparentes dos cinco planetas conhecidos, a partirdas duas esferas mais internas, pois o movimento do Sol e

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e20180096-6 Primeiro Modelo Matemático da Cosmologia: As Esferas Concêntricas de Eudoxo

da Lua e das estrelas fixas não demandam um mecanismoadicional ao simples mecanismo das esferas concêntricas.Por outro lado, os cinco planetas conhecidos na época,apresentavam o movimento retrógrado o que faz com queo caráter geométrico tenha que ser mais sútil.

Com base nas Figuras 1 e 2, onde se apresentam aterceira e a quarta esfera para um dado planeta, pode-mos observar que os eixos principais das duas esferasformam um ângulo α, e o planeta se encontra inicial-mente no ponto A que representa a interseção entre osequadores das duas esferas. A eclíptica está representadapelo equador da terceira esfera. No modelo de Eudoxo omovimento do planeta está restringido à faixa formadaentre os dois equadores, que por sua vez, depende doângulo de inclinação. Na reconstrução do século XIX selevou em conta o conhecimento de que os planetas emseu movimento aparente ao longo do ano, vistos a partirda Terra, sempre permanecem próximos da eclíptica, por-tanto, a faixa para todos os planetas é estreita, ou ditode outra forma, as variações em latitude e longitude sãopequenas. Em seguida, ao se completar a circunferência,retornando ao ponto A, se forma uma Figura que osgregos denominaram de hipópede10.

Para apresentar a reconstrução geométrica vamos ausar a Figura 2, onde se representa um quarto do movi-mento planetário, ou mais específico, o quadrante entreas retrogradações. Através das rotações iguais e contrá-rias e da inclinação entre as esferas, pode-se levantar osseguintes argumentos geométricos [2]:

• Primeiro, o planeta do ponto A se movimenta naquarta esfera, no sentido horário, até o ponto P1,

Figura 1: Representação do movimento do planetário. Come-çando em A o planeta se move no equador vermelho e depoisde transfere para o equador em preto até o ponto P.

10Segundo consta a hipópede era o nome dado pelo gregos às cordasusadas para amarrar cavalos que tinham o formato de oito. Seu usoé antigo, por exemplo, se menciona nos comentários do primeirolivro de Euclides, escrito por Proclo (410–485 d.C.) [7].

Figura 2: Projeção da quarta esfera sobre o equador da terceiraesfera, construida com base na referência [2].

depois ao longo da terceira esfera, no sentido anti-horário, até o ponto P ;

• Se olharmos perpendicularmente para baixo, a par-tir do polo superior da Figura 1, podemos construira projeção do movimento entre A e P , como ilustraa Figura 2, onde as curvas AB e AC representam1/4 de circunferência. O planeta segue na trajetó-ria inclinada até o ponto P1, mas se ignorarmos ainclinação seguiria até P0.

• Com essas considerações podemos construir umsegmento de reta P1P0 perpendicular ao raio OA eparalelo a PA. Se CB = QP0 = AR e P1Q//OA,construímos dois triângulos retângulos congruentes4P0QP1 e 4ARP de tal forma que seus ângulosem ∠Q e ∠R sejam iguais a α, pois são ânguloscorrespondentes.

• Esta construção geométrica nos garante a simetrianos movimentos de rotação entre as esferas, e aformação da base do cilindro de raio r e diâmetroAR.

Eudoxo foi o primeiro a ir além do mero raciocíniofilosófico sobre a construção do universo, e o primeiro atentar descrever o movimento planetário por meio de umsimples raciocínio geométrico, a descrição geométrica an-terior resulta em concordância com os desenvolvimentosgeométricos da época, comum aos filósofos gregos, dife-rente das demonstrações de Schaubach ou Schiaparelli,que apresentam soluções trigonométricas complexas queainda não eram conhecidas na época de Eudoxo. No quesegue vamos dar detalhes geométricos do modelo paraleitores interessados em aprofundar o desenvolvimento ge-ométrico, no entanto, para vizualizar graficamente comofunciona o modelo, o leitor pode fazer uso das diferentes

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Velásquez-Toribio e Oliveira e20180096-7

ferramentas encontradas na internet11 que facilitam acompreensão geral do modelo.

4.1. Movimento dos planetas nos laços dahipópede

Ao observarmos as Figuras 1 e 2, nota-se que o que de-termina o movimento dos planetas entre as esferas é oângulo α, que pode ser considerado como um grau deliberdade que caracteriza o sistema. Seu valor vária deacordo com o astro que está sendo considerado. Combase no que apresenta Neugebauer [1], utilizando os ar-gumentos geométricos anteriores, é possível encontrar avelocidade do planeta ao percorrer os laços da hipópede.Se associarmos o ângulo α da Figura 2 ao ângulo γ daFigura 3, e considerarmos que qualquer modificação nes-ses ângulos produzirá uma variação no segmento XY ,e ainda que XY = BC ou pela Figura 2 que BC = 2r,podemos facilmente identificar que o grau de liberdadeα pode ser representado também pelo raio r do cilin-dro. Assim, tendo em vista o raio do cilindro, tanto nostriângulos da Figura 2, quanto da Figura 3, e a partirdo triângulo 4ROS e o arco de seguimento OA = 1unitário, podemos escrever,

cos γ = OR

OS(1)

Como OS = OA = 1 fica,

cos γ = OR, (2)

Ainda da Figura 3 vemos que,

OA = OR + RA. (3)E sendo RA = 2r, o raio r será dado por,

1 = cos γ + 2r

r = 12 (1 − cos γ)

(4)

Portanto, fica assim estabelecido a dependência de rdiretamente do ângulo entre os eixos das esferas. Essaequivalência nos garante a formação e o tamanho docilindro, ou pelo menos de sua base como mostra a Figura3.

Agora vamos a desenvolver mais detalhadamente omodelo de Eudoxo determinando a longitude12, que naFigura 3 é representada pelo ângulo β, o qual subtende oarco PPe. Para uma melhor visualização a Figura 4 apre-senta os detalhes, e se observa que devido ao trianguloOPP ′′ é possível definir,

11Por exemplo: https://www.youtube.com/watch?v=_SFzDYSqR_4,onde se apresenta de forma gráfica o modelo de Eudoxopasso a passo. Nos videos: https://www.youtube.com/watch?v=hhikvgDVcGY e https://www.youtube.com/watch?v=I4oOu8wINas,se apresentam uma comparação gráfica entre os modelos de Eu-doxo, Ptolomeu e Copérnico.

12Resulta importante mencionar que este desenvolvimento que vamosa apresentar, usando funções trigonometricas, não era conhecidona época de Eudoxo.

Figura 3: Construção geométrica fundamentada na construçãoproposta por Neugebauer para determinar a velocidade do pla-neta. Interessante notar que a hipópede nesta construção temseus laços na vertical, portanto, quando falamos de longitudefalamos de segmentos de curvas na vertical.

Figura 4: Triângulo mostrando o ângulo β baseada na geometriamostrada na Figura 3.

sin β = PP ′′

OP(5)

onde OP = 1 assim obtemos

sin β = PP ′′ = P ′U (6)

Onde levamos em conta a construção geométrica da Fi-gura 3 que mostra que o segmento PP ′′ = P ′U . De formasimilar escrevemos a função cosseno,

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e20180096-8 Primeiro Modelo Matemático da Cosmologia: As Esferas Concêntricas de Eudoxo

cos β = OP ′′

OP→ OP ′′ = OU (7)

A tangente fornecerá βmax, mas só existe o valor má-ximo se P ′U = r e α = 90. Assim usando as equações(4) e (7) obtemos,

tan β = sin β

cos β= P ′U

OU. (8)

Mas usando o fato que OU = OA − UA = 1 − rquando α = 90 (o ponto U é uma projeção que percorre odiâmetro AR do cilindro na base da Figura 3), a equação(8) se reescreve,

tan β = r

1 − r(9)

Substituindo a equação (4) na equação (9) a tangentefica,

tan β = 1 − cos γ

1 + cos γ(10)

Com este resultado se pode determinar a velocidade doponto P no circulo de diâmetro AR, isto pode ser obtidoanalisando a projeção de P na base da Figura 3, ou sejao ponto P ′. A componente longitudinal do movimento deP atinge velocidade máxima v0 em A. Podemos estimaro valor v0 diretamente desta projeção para um curtointervalo de tempo t0, durante o qual a projeção P ′ deP se move na base do cilindro através de um ângulo α0detalhado na Figura 5 partindo de A até o ponto p′, e seconsiderarmos que a velocidade angular de P ′ é o dobroda velocidade de cada uma das esferas, temos;

t0

∆t= α0

2 · 360 , (11)

onde ∆t é o período sinódico. Agora se λ0 é o segmentode arco APe o qual consideramos uma pequena variaçãolongitudinal para poder fazer a seguinte aproximaçãoAPe ≈ QP e portanto λ0 ≈ h0. Definimos a velocidadeem função destes parâmetros estabelecidos, logo:

v0 = λ0

t0. (12)

Usando a equação (11) a velocidade pode ser escritacomo,

v0 = h0

α0· 720

∆t(13)

Para poder ter uma expressão para a velocidade emfunção do ângulo entre as duas esferas, vamos a calcularh0 como função de α0. Para fazer isto tracemos umsegmento de Pe passando por U até p′, ou seja, a projeçãoP ′ sai do lado esquerdo passa por A até p′ de modo queα0 seja mínimo possível.

Usando o triângulo da Figura 5 podemos calcular umarelação para o ângulo h0 do seguinte modo,

Figura 5: Triângulo mostrando a geometria usada para escreverh0 em função de α0 baseada na geometria mostrada na Figura3.

cosh0 = OU

OPe

(14)

E da geometria da Figura 5 podemos obter,

OU = OA − UA = 1 − UA (15)

Logo definimos o segmento UA e o 4UHp′ com basenas Figuras 3 e 5, e obtemos as equações (16) e (17) quesegue,

cos α0 = HU

r(16)

UA = HA − HU = r − r cos α0 (17)

Com esta relação calculamos a função cos h0 da seguinteforma,

cos h0 = 1 − r + r cos α0 (18)

Para ângulos muito pequenos cos h0 e cos α0 podemser decompostos em série de potência até segunda ordem,ficando;

cosh0 = 1 − r + r cos α0

1 − h20

2 = 1 − r + r(1 − α20

2 )

= 1 − r + r − r

2 · α20

(19)

Colocando h0 como função de α0, veremos que;

h0 =√

r · α0. (20)

Substituindo na equação (13) para v0, definimos avelocidade que o planeta desenvolve passando duas vezesno ponto A formando o loop completo.

v0 = h0

α0· 720

∆t=

√r · α0

α0· 720

∆t. =

√r · 720

∆t(21)

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Velásquez-Toribio e Oliveira e20180096-9

Portanto, o movimento final do planeta resulta a somado movimento sideral, devido ao período sinódico, maisas rotações contrárias das duas esferas mais internas,gerando a interseção do cilindro com a esfera, e o valor doraio do cilindro (ângulo α) depende do planeta analisado.A Figura 6 mostra a ilustração desses resultados devidoa construção da hipópede. É interessante destacar que aequação relaciona o raio do cilindro com a velocidade doplaneta, isto é, relaciona a velocidade do planeta como ângulo α entre as duas esferas internas do modelo deEudoxo.

5. As esferas de Eudoxo usando Matrizesde Rotação

Um método alternativo para demonstrar a trajetória dosplanetas no modelo de Eudoxo, usando uma linguagemmatemática moderna, resulta do uso das matrizes derotação [21]. Esta abordagem é mais clara matematica-mente e permite construir a hipópede na forma de umaequação paramétrica. Antes de mostrar a aplicação destemétodo matricial para o caso do modelo de Eudoxo va-mos lembrar alguns conceitos básicos de um sistema decoordenadas em rotação.

Considere um sistema fixo de coordenadas cartesianasXY , conforme observamos na Figura 7, e então rotacio-namos os eixos por um ângulo θ de modo a encontrar oseixos X ′Y ′. Temos então dois pares de eixos, e assim, po-demos decompor um vetor ~r fazendo projeções ortogonais,escrevendo as componentes do vetor ~r no sistema rotaci-onado em função de suas componentes do sistema fixo.Considerando a geometria da Figura 7 observa-se que;x′

r = OB + BC e y′r = OF − GF . Então OB = xr cos θ.

Figura 6: Interseção do cilindro com a esfera. Esta Figurafoi feita editando um programa livre feito em Mathematicae extraído do sítio Wolfram Demonstration Project (http://demonstrations.wolfram.com/HippopedeOfEudoxus/)

Ainda BC = AD, logo obtemos AD = yr sin θ, entãoBC = yr sin θ, e assim,

x′r = xr cos θ + yr sin θ (22)

De modo semelhante OF = yr cos θ. Os segmentosGF = EH, o que nos permite obter EH = xr sin θ.Sendo que,

y′r = yr cos θ − xr sin θ (23)

Com estas duas equações é possível formar uma matrizpara descrever a rotação dos eixos da seguinte maneira;

R(θ) =ïx′

r

y′r

ò=ï

cos θ sin θ− sin θ cos θ

ò·ïxr

yr

ò(24)

Esta matriz representa uma rotação anti-horária deângulo θ no plano. Ou seja, R(θ) é uma transformaçãoque faz uma rotação de θ. Em geral as rotações tem umaestrutura matemática de grupo, o chamado grupo derotação SO(3)13. Por exemplo, se temos uma rotaçãoR(θ) e outra R(α) a rotação total pode ser representadacomo R(θ) + R(α) = R(θ)R(α).

Para uma correspondência entre o modelo de Eudoxoe os conceitos de matriz de rotação usaremos a Figura 8.Adicionalmente, outras considerações necessárias são asseguintes [21]:

1. Na terceira esfera fixamos um conjunto de vetoresunitários (~i3,~j3,~k3), com ~k3 ao longo do eixo derotação, que por sua vez está no plano da eclíptica eé representada pela esfera externa (conforme Figura8), formando um ângulo α com ~k1 e ~k2;

2. A quarta esfera possui uma inclinação α em re-lação à eclíptica, onde foi introduzido os vetoresunitários (~i1,~j1,~k1), rotacionando ao redor de ~k1,que na Figura 8 é representada pela esfera interna.

Figura 7: Sistema de Coordenadas usado para produzir umarelação matricial no plano.

13Esse grupo se refere a todas as rotações no espaço tridimensionaleuclidiano R3 sob uma propriedade de composição, preservando aorigem, a distância euclidiana e a orientação. Tem muitas aplicaçõesem física teórica, por exemplo em física de partículas.

DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1806-9126-RBEF-2018-0096 Revista Brasileira de Ensino de Física, vol. 41, nº 2, e20180096, 2019

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e20180096-10 Primeiro Modelo Matemático da Cosmologia: As Esferas Concêntricas de Eudoxo

Observamos ainda que ~i1 e ~j1 giram no plano equa-torial da quarta esfera, e a posição do planeta érepresentada a todo momento pelo vetor ~i1;

3. De modo semelhante consideremos o sistema fixo(~i2, ~j2,~k2), que não rotaciona com nenhuma esfera,mas está relacionado com os vetores (~i1,~j1,~k1) pormeio da matriz de rotação.

4. A terceira e quarta esfera rotacionam em direçõesopostas uma em relação a outra com mesmo períodode revolução.

5.1. Equação das matrizes de rotação

Vamos a considerar que a posição do planeta está dadapelo vetor i1, o qual esta rotando no plano equatorialda quarta esfera, assim podemos escrever a matriz derotação entre o sistema ortogonal de vetores da quartaesfera (sistema 1) e o sistema ortogonal de vetores fixo(sistema 2) como,Ñ

~i2~j2~k2

é=

Ñcos ωt − sin ωt 0sin ωt cos ωt 0

0 0 1

é·

Ñ~i1~j1~k1

é(25)

onde consideramos que o sistema da quarta esfera estágirando com uma velocidade angular −ω. Agora vamos adeterminar a relação entre a rotação da terceira e quartaesferas. Pela simetria do sistema apresentado na Figura8, podemos decompor o movimento da terceira esferaem dua rotações, uma no eixo de ~k3, e outra no eixode ~j3, pois podemos afirmar que a inclinação α entreos equadores das esferas é tal que pode ser facilmenteidentificada entre os vetores unitários ~j3 e ~j2 de cada

Figura 8: Representação das esferas do movimento retrógradoao redor da Terra. O planeta esta localizado mediante o vetorunitário i1, e na figura é mostrado o sistema móvel 1 girandoum ângulo θ com respeito ao sistema fixo 2 em torno do eixok1 que coincide com k2. O eixo da terceira esfera esta situadanos polos da eclíptica.

esfera. Assim, podemos escrever a matriz de rotação emum ângulo α ao redor do eixo j3 como:Ñ

cos α 0 sin α0 1 0

− sin α 0 sin α

é(26)

.Logo utilizando a propriedade de multiplicação de

matrizes obtemos o seguinte resultado;Ñcos ωt − sin ωt 0sin ωt cos ωt 0

0 0 1

éÑcos α 0 sin α

0 1 0− sin α 0 sin α

é=

Ñcos ωt cos α − sin ωt cos ωt sin αsin ωt cos α cos ωt sin ωt sin α

− sin α 0 cos α

é (27)

.Portanto, o movimento do planeta pode ser escrito da

seguinte forma, em função dos vetores unitários (~i3,~j3,~k3)da terceira esfera;Ñ

~i3~j3~k3

é=

Ñcos ωt cos α − sin ωt cos ωt sin αsin ωt cos α cos ωt sin ωt sin α

− sin α 0 cos α

éÑ~i2~j2~k2

é.

(28)

Podemos determinar a posição do planeta em funçãodo sistema de coordenadas da terceira esfera, (~i3,~j3,~k3),

multiplicando pela matriz

Ñ100

é, pois o planeta está na

posição i1, assim calculamos,Ñ~i3~j3~k3

é=

Ñcos ωt cos α − sin ωt cos ωt sin αsin ωt cos α cos ωt sin ωt sin α

− sin α 0 cos α

éÑ

cos ωt sin ωt 0− sin ωt cos ωt 0

0 0 1

é·

Ñ100

é (29)

Ñ~i3~j3~k3

é=

Ñcos α cos2 ωt + sin2 ωt(cos α − 1) cos ωt sin ωt

− sin α cos ωt

é, (30)

este resultado representa uma parametrização da hipó-pede, descrevendo as trajetórias de cada planeta apenasvariando o parâmetro α e a velocidade angular definidapelo período sinódico. Na Figura 9 podemos observar acurva paramétrica da hipópede produzida pela equação(30). Também é importante mencionar que a trajetó-ria mostrada na Figura 9 corresponde à trajetória doplaneta com respeito ao sistema de vetores unitários 3,sistema da terceira esfera, conforme a nomenclatura dafigura 8. Adicionalmente, se pode observar que a figura

Revista Brasileira de Ensino de Física, vol. 41, nº 2, e20180096, 2019 DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1806-9126-RBEF-2018-0096

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Velásquez-Toribio e Oliveira e20180096-11

da hipópede tem uma variação de longitude e latitude,a esse respeito Forbes [22] mostrou, usando métodos detrigonometria esférica e expansão em séries, que para omodelo de Eudoxo a variação em latitude é menor que adecima parte da variação em longitude. Na Figura esteresultado de Forbes também pode ser verificado.

6. Discussão e Comentários

O modelo de Eudoxo reconstruído no século XIX, in-cluindo as contribuições de Neugebauer no século XX,representa a reconstrução clássica do modelo das esferasconcêntricas, no entanto, recentemente vários autores têmcriticado esta reconstrução mostrando que outras recons-truções podem também ser feitas, em concordância comas fontes históricas escritas de Aristóteles e Simplício.

Neste respeito foi Mendell [6], quem primeiro mostrou,que respeitando os escritos de Aristóteles e Simplíciopode-se deduzir outra reconstrução matemática alterna-tiva para o movimento da Lua, especificamente, esco-lhendo as velocidades de rotação da segunda e terceiraesferas de forma conveniente pode-se construir um mo-delo alternativo. Neste modelo lunar alternativo se levaem conta que a terceira esfera permite uma explicação domovimento dos nós lunares14. No entanto, temos que lem-brar que esta interpretação, assim como, a interpretaçãodo século XIX, resultam em base a hipóteses adicionaisque temos que assumir em cada caso. Neste sentido ambasreconstruções, a clássica e a alternativa, ficam coerentesquando comparados aos textos históricos. Fica evidenteque não temos uma reconstrução única, sendo a principalcausa a falta de fontes históricas escritas que possamacotar as hipóteses adicionais que possamos fazer.

Por outra parte, Yavetz [23] mostrou que, de forma si-milar à reconstrução lunar de Mendell, se pode construirum modelo alternativo para o movimento dos planetasrespeitando-se os escritos de Aristóteles e Simplício. Por-tanto, deve-se tomar maior cuidado com afirmações detextos clássicos como a escrita por Sir Thomas Heathquem menciona que a reconstrução de Schiparelli deve serconsiderada como a reconstrução por excelência. Salvoque se conheçam as fontes originais do modelo de Eudoxo,esta afirmação de Heath resulta impertinente.

14Para uma explicação resumida do mecanismo geométrico do mo-delo de Mendell revisar a referência [23].

As reconstruções apresentadas, de forma pedagógicaneste artigo, podem ser consideradas como clássicas15,mas de fato não são únicas, e levando em conta a ma-temática moderna das matrizes de rotação resulta maisfácil de apreciar. Ambos modelos permitem calcular emdetalhe a figura da hipópede, especialmente o modelodas matrizes que permitem calcular a hipópede de formaparamétrica.

Uma outra questão, recentemente levantada na litera-tura, em torno do modelo de Eudoxo, se refere a umaafirmação feita por Simplício, na qual afirma que a prin-cipal causa para modificar ou substituir o modelo dasesferas concêntricas, se refere ao fato deste modelo nãopoder explicar o aumento de brilho dos planetas, quandoeles estão na fase de retrogradação. No entanto, recente-mente Carman tem mostrado, do ponto de vista astronô-mico, como do ponto de vista histórico, que não se têmevidências que mostrem que os planetas aumentam seubrilho na retrogradação, para maiores detalhes revisar oartigo [25].

Por outro lado, alguns pesquisadores são mais radicaisnas suas críticas, por exemplo, Bowen [26], tem propostoque a reconstrução clássica do século XIX não pode serconsiderada como correta, pois segundo ele as fontesescritas não mostram que os gregos no século IV a.Ctenham tido conhecimento do movimento retrógrado dosplanetas. Isto mostra que as pesquisas históricas em tornodo primeiro modelo da astronomia ainda está longe deser um tema fechado.16

Neste trabalho foi discutido de forma extensa o mo-delo de Eudoxo mostrando suas implicações históricas,assim como, sua reconstrução matemática organizadapor pesquisadores do século XIX. Este modelo constituio primeiro modelo matemático da história da astronomiae é notável destacar a interação entre a matemática e asobservações como inspiração de formulação do modelo,sendo esta uma característica fundamental das ciênciasaté agora. Pelos documentos históricos não sabemos qualera a proposta matemática original de Eudoxo, tambémnão sabemos quais eram sua ideias sobre a realidade dasesferas, é possível que devido a sua formação matemática

15Usando como fundamento esta reconstrução clássica Riddell [24]discute a construção da hipópede e outras construções matemáticasatribuídas a Eudoxo como, por exemplo, a duplicação do cubo.

16Para uma maior discussão sobre recentes aspectos desta teoriarevisar a referência [15].

Figura 9: Figura construída mediante o programa Mathematica utilizando a equação (30). Adotou-se uma inclinação α de 5 e operíodo sinódico do planeta Júpiter. Na horizontal consideramos a longitude, a qual fazemos coincidir com a eclíptica, isto é, o eixok3, na vertical, latitude, consideramos o eixo j3, a profundidade dada pelo eixo i3 tomamos como desprezível. Também se observaque a escala vertical (latitude) é aproximadamente uma decima da escala horizontal (longitude), isto é, o resultado de Forber [22].

DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1806-9126-RBEF-2018-0096 Revista Brasileira de Ensino de Física, vol. 41, nº 2, e20180096, 2019

Page 12: Primeiromodelomatemáticodacosmologia:asesferas … · 2019-01-04 · Velásquez-ToribioeOliveira e20180096-3 Soleradescritoaolongodoanoporumafaixachamada …Author: Alan Miguel Velásquez-Toribio,

e20180096-12 Primeiro Modelo Matemático da Cosmologia: As Esferas Concêntricas de Eudoxo

Eudoxo ficasse interessado em uma solução matemáticaengenhosa, sem ter preocupações subjacentes associadascom ideias metafísicas. Do ponto de vista da correspon-dência entre as predições do modelo e as observaçõesastronômicas é notável mencionar que para os planetascomo Júpiter e Saturno se consiga mostrar uma corres-pondência qualitativa [1].

Neste artigo tentamos dar uma ideia completa do mo-delo de Eudoxo, tanto na discusão das fontes históricas,como na reconstrução matemática. Esperamos que esteartigo seja de utilidade para todos os que queram se apro-fundar na história da astronomia grega e possa servirde material para introduzir discussões sobre história eevolução da ciência.

Agradecimentos

A.M.V.T. gostaria de agradecer à UFES por permitircoordenar um projeto de pró-ensino da Pró-reitoria degraduação e M.O gostaria de agradecer a bolsa concedidapelo projeto de pró-ensino da UFES. Este trabalho foiiniciado dentro deste programa.

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