por dentro do jihad

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Ornar Na siri Por dentro do i I Uma historia de espionagem "Extraordinário/' The Washington Post

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"Um retrato assustadoramente detalhado da vida noscampos de treinamento afegãos.

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OrnarNa siriPor dentro doiIUmahistoriadeespionagem"Extraordi nrio/' The Washington Post"Umretratoassustadoramentedetalhadodavidanos camposdetreinamentoafegos.AsmemriasdeOmar Nasirioferecemumaperspectivanica,feitaporuma pessoa de dentro, sobre os anos cruciais em que um grupo de movimentos islmicos regionais com laos vagos uniu- seno jihad globaldaal-Qaeda."AHMEDRASHID, autor de Taliban, primeiro lugar na lista dos livros mais vendidos do Nezo York Times"Umlivrosensacional.OmarNasiriofereceumrelato pioneiro do processo por meio do qual jovens tornam-se mujahidin.Suadescriodavidanoscamposde treinamentoafegosmaiscompletadoquequaisquer informaes de inteligncia disponveis nos anos 1990. Ela indicaumnveldeprofissionalismonoscamposques podamos presumir a partir dos relatos fragmentados aos quaistnhamosacessoequeospolticos,napoca, desprezaramcomoalarmistas.Comoumadescrio minuciosa de todo o processo de treinamento nos campos, creioqueorelatodeNasirinotemequivalentesnas publicaesdacomunidadeamericanadeinteligncia."MICHAELSCHEUER,ex-chefedaUnidadeOsamabin Laden da CIA e autor de ImperialHubris:WhytheWestis Losing the Waron TerrorEntre1994e2000,OmarNasiri trabalhoucomoagentesecretoparaos principais servios externos de inteligncia da Europa incluindo a DGSE (Direction GnraledelaScuritExtrieure),da Frana, e o MI5 e o MI6, da Gr-Bretanha. Dosubmundodasclulasislmicasna Blgica at os campos de treinamento no Afeganistoeasmesquitasradicaisde Londres, ele arriscou a vida para derrotar a emergente rede global que o Ocidente viriaaconhecer comoal-Qaeda.Agora,pelaprimeiravez,Nasiri compartilhaahistriadesuavida precariamente equilibrada entre o mundo dos jihadistas islmicos e o dos espies que os perseguem. Como rabe e muulmano, elepdeseinfiltrarnosrigidamente controladoscamposdetreinamento afegos, onde encontrou homens que mais tardesetornariamosterroristasmais procurados da Terra: Ibn al-Sheikh al-Libi, AbuZubaydaeAbuKhababal-Masri. Enviado de volta Europa, Nasiri tornou- seumintermediriodemensagens trocadasentreorecrutador-chefedaal- Qaeda no Paquisto e o clrigo radical de Londres, AbuQatada.Um envolvente e provocativo relato de um ntimo conhecedor tanto das redes de terrorislmicascomodosserviosde inteligncia que as espionam, Por dentro do Jihad oferece uma perspectiva inteiramente originaldabatalhaquesedesenvolve contra a al-Qaeda.OMARNASIRI(nomefictcio)nasceuno Marrocos e atualmente vive na Alemanha comsuaesposa.Imagem de capa: Reuters/CorbisO m a r M a s i r iPor dentro doJ IHADTraduode VITORPAOLOZZI1 ______________E D I T O R A R E C O R DRI ODEJ ANEI RO SOPAULOCIP-Brasil.Catalogao-na-fonte SindicatoNacionaldosEditoresdeLivros,Rj.Nasiri,OmarN211pPordentrodoJihad/OmarNasiri;traduodeVitorPaolozzi.- RiodeJaneiro:Record,2007.Traduode:InsidetheJihad Contmglossrio ISBN978-85-01-07923-71.Nasiri,Omar.2.Espies- Biografia.3.Al-Qaeda (Organizao).4.Jihad.5.ServiosdeInteligncia.I.Paolozzi, Vitor.II.Ttulo.07-3437CDD- 920.932712CDU -929:341.326Ttulo original em ingls: INSIDE THE JIHADCopyright 2006 by Omar NasiriTodos os direitos reservados. Proibida a reproduo, armazenamento ou transmisso de partes deste livro atravs de quaisquer meios, semprvia autorizao por escrito. Proibida a venda desta edio emPortugal e resto da Europa.Direitos exclusivos de publicao emlngua portuguesa somente para o Brasil adquiridos pela EDITORA RECORD LTDA.Rua Argentina 171-Rio de Janeiro, RJ -20921-380 -Tel.: 2585-2000 que se reserva a propriedade literria desta traduoImpresso no Brasil ISBN 978-85-01-07923-7PEDIDOS PELO REEMBOLSO POSTALMiOCRC COnpTORCPROQCUrCMCaixa Postal 23.052onottn0Rio de Janeiro, RJ 20922-970edit or a af il iadaSumrioIntroduo1 Prlogo27Br u x el a s31Personagens32 Cronologia dos acontecimentos33 Mapa da Europa34Omar Buck Danny douard Marrocos Hakim Blgica Laurent Balas Uzis Tarek Consulado Gilles Fotos Vo Air France 8969 Semtex Audi Tnger Cinema Thierry Febre Id al-Fitra Nouvelles Aventures Dolmabahe;iAf eg a n i st o 149Personagens150 Cronologia dos acontecimentos151 Mapa de Paquisto/Afeganisto152Paquisto Tabligh Abu Anas Peshawar Ibn Sheikh Interrogatrio Qumicos Lamparina Fronteira Khaldan Abu Hamam Abu Suhail Noite Al-Jurra Abdul KerimAbu Bakr Explosivos Tticas Emir Tadjiquisto 6 POR DENTRO DO J IHADrabes Chechnia Guarda Noturna Espio Lanterna Talib Enfermaria Osama Passagem de Khyber Darunta Pescaria Abu Jihad Sarowbi Afego, Afego Assad Allah Gs Mostarda Abu Khabab Guerra Psicolgica Propaganda A Terra do Jihad Vasta A Travessia Cidade-FantasmaLONDRESTO325Personagens326 Cronologia dos acontecimentos327Ponte Gaiata Reencontro Paris Londres Daniel Abu Qatada Four Feathers Dinheiro Mensagem Abu Hamza Peixe Grande Tomada de Controle O Lder Espiritual Fatima Caderno de Anotaes Imen Fuga Afeganisto GIA Copa do Mundo Amin fricaAl ema n h a 397 Dacar Alemanha Vida Aps a MorteAgradecimentos415 Gbssrio417 ndice Onomstico429IntroduoOs ataques de 11 de setembro de 2001 no vieram do nada. Durante os anos 1990 uma srie de movimentos islmicos violentos comeou a se congregar, desviando seu foco dos conflitos locais para o inimigo distante dos Estados Unidos e do Ocidente. A organizao emergente ficaria conhecida como al-Qaeda. O relato de Omar Nasiri apresenta uma percepo particular deste perodo crucial que permanece pouco compreendido. Sua histria nica especialmente porque ele fornece a perspectiva incomum de algum que infiltrou-se nessas redes terroristas. A noo freqentemente repetida de que a derrota do terrorismoexige um bom serviodeinteligncia mascara a realidade de que a coleta de dados de inteligncia exige indivduos dispostos a arriscar suas vidas para se transformar em espies. Suas histriasraramente so contadas.Nasiri oferece um ponto de observao raramente vislumbrado: um trato da fora crescente dos grupos terroristas islmicos nos anos 1990, que necessrio para se infiltrar nesses grupos e de como as autoridades compreenderam inadequadamente a ameaa emergente. Circunstncias de famlia colocaram Nasiri em contato com uma rede terrorista e a sua educao incomum, dividida entre o Norte da frica e a Blgica, deu-lhe meios para exercer uma vida dupla.Tendo passado mais de sete anos trabalhando para os servios de inteligncia franceses, britnicos e alemes, Nasiri apresenta-nos a visode algum que est por dentro de como essas agncias funcionam. Seu relato de reunies, conversas e tcnicas de espionagem dos vrios servios de um raro detalhamento. Nasiri tambm escapa do comum por ter sido coorden re- )>do8POR DENTRO DO J IHADnado por franceses e britnicos enquanto tinha base no Reino Unido, jogando luz sobre como os dois pases cooperavam apesar das atitudes diferentes em relao ameaa do terrorismo. E ele revela a complexidade de suas prprias motivaes e as concesses ticas feitas tanto pelos espies como por aqueles que os comandam. As decises moralmente ambguas tomadas por Nasiri e seus superiores acabam com as noes simplistas em relao espionagemcontraterrorista. A prpria confusoaparentede Nasiri sobre os limites de sua lealdade em momentos diversos sublinha as dificuldadesde se levar uma vida dupla comoespioe jihadista,assim como aquelas com que se defrontam os servios de inteligncia ao trabalhar com tais indivduos.Embora sejaimpossvelconfirmar todososdetalhesda histria de Nasiri,nohdvidasquanto veracidadedesua atpicacarreira:o envolvimentocom uma importante rede terrorista argelina na Europa, o trabalho para o servio secreto francs, a viagem aos campos de treinamento no Afeganisto e depois a infiltrao em crculos islmicos radicais em Londres. Observe-se que esses registros pessoais refletem o ponto de vista do narrador e fornecem um retrato altamente pessoal, por vezes incompleto, dos eventos. Mas o que fica claro deste relato que a rede emergente era muito mais organizada e determinada do que se supunha. Os campos de treinamento afegos foram a incubadora da atual ameaa terrorista, e Nasiri oferece o quadro mais detalhado at agora da vida dentro desses campos um quadro bem mais rico e preocupante do que qualquer outro j visto.Embora nascidonoMarrocos, osargelinosdesempenham umpapel central no relato de Nasiri, j que eles constituam o ncleo da rede terrorista islmica da Europa antes do11de setembro. A Arglia mergulhou em uma sangrenta guerra civil aps o exrcito ter cancelado as eleies de janeiro de 1992 para impedir que a Frente Islmica de Salvao (FIS) conquistasseopoder. A violnciaeclodiueumconjuntodegruposinsurgentes apareceu. O mais violento desses era o Grupo Islmico Armado (GIA). Acredita-seque at 3mil argelinos tenham combatidoos soviticos no Afeganisto nos anos 1980 e a Arglia foi o primeiro pas a sentir o impacto do retorno dos veteranos da guerra afeg. O GIA era liderado por centenas de homens endurecidos pela guerra que voltaram radicalizados e dispostos aINTRODUO 9empregar tticas cada vez mais brutais. Ele atraiu o apoio de redes dentro das comunidades de imigrantes da Europa. A princpio essas redes de apoio lidavam principalmente com propaganda, mas logo passaram a fornecer dinheiro, auxlio logstico, como passaportes falsos, e, por fim, armas ao GLA.Quando regressou Blgica em 1994, Nasiri descobriu que a casa de sua me havia se tornado um importante centro de operaes do GIA. Como a Blgica tinha uma fraca legislao antiterrorista, os grupos eram menos vigiados e perturbados pela ao da polcia e dos servios de segurana do que na vizinha Frana. De acordo com seu relato, Nasiri inicialmente se envolveu com oGIA no por motivosideolgicos, mas pelodesejode ganhar dinheiro com o fornecimento de armas. Contudo, ele logo viu-se profundamente envolvido em suas atividades.Umenfrentamentocom membros doGLA, provocadopeloroubo.de uma soma de dinheiro, conduziu Nasiri a uma deciso crucial. Como tantos outros que adotaram este caminho, ele foi levado a transformar-se em um espio por convenincia, e no por escolha moral, oferecendo-se ao servio de inteligncia francs no exterior, a DGSE, para safar-se de uma situaro difcil. Nessa poca, a Frana comeava a trabalhar de perto com a Blgica, realizandouma srie de demoradasoperaesconjuntasdeespionagem, particularmente aps os franceses terem se dado conta da escala das redes e da ameaa que elas apresentavam.Um verdadeiro quem quem de militantes e ativistas argelinos passou pela casa de Nasiri. No apenas isso, mas a mais importante publicao do GLA o boletim informativo Al Ansar tambm era feito e distribiido ali. A prpria evoluo do Al Ansar indica a transformao pela qual as redes islmicas passaram durante os anos1990. Ele emergiu como a publicao oficial do GIA, embora com o passar do tempo artigos de outras fontes! comeassemaserdivulgados,inclusivedeoutrasorganizaesislmicas, comoo Grupo Combatente Islmico lbio, grupos marroquinos e griipos egpciosligadosa Almanal-Zawahiri.Oseucontedotambmfi crescentemente violento, justificando o assassinato de quaisquer civis no apoiassem a atividade do GLA. O Al Ansar foi um pioneiro na uni redes militantes islmicas nacionais em um movimento global e seus textos eram um alerta s autoridades do que vinha pela frente.cou que 3de10 POR DENTRODO J IHADNo demorou muito para que o sangrento conflito na Arglia comeasse a se alastrar para a Europa. A Frana, o antigo senhor colonial da Arglia, na viso dos jihadistas havia apoiado o golpe e, desse modo, tornou-se um alvo. A primeira ilustrao dramtica da ameaa veio quando um grupo de agentes do GIA dominou um jato da Air France na pista do aeroporto de Argel em 24 de dezembro de1994. O GIA pode tambm ter tido a inteno de jogar o aviocontra a torre Eiffel, um dos primeiros exemplos do possvel uso de aeronaves como armas. No fim, o jato foi levado a Marselha, onde uma unidade antiterrorista francesa o invadiu, matando os quatro seqestradores.Em maro de 1995, as autoridades belgas conduziram uma srie de aes descritas por Nasiri. Esta foi uma das primeiras grandes operaes policiais contra as redes argelinas na Europa. A casa da famlia de Nasiri foi invadida e armas, munies e documentos falsos foram encontrados em outras residncias, garagens e carros. Durante uma busca em um veculo tambm foi encontrado um pacote contendo um manual de treinamento terrorista de 8 mil pginas, cujofrontispcio o dedicava a Osama bin Ladene Abdullah Azzam,omentordebinLaden.Segundo AlainGrignard,umdetetive antiterrorista belga envolvido nas aes, o manual revelou-se um verdadeiro tesouro de informaes e uma das primeiras indicaes da extenso da rede e do papel de bin Laden em suas operaes.As operaes acentuaram a preocupao crescente de que a rede estava considerando o incio de campanhas dentro da prpria Europa. Isso confirmou-se poucos meses depois, no vero de 1995, quando uma onda de atentadosa bomba atingiu a Frana, inclusive ometrdeParis. Alguns dos envolvidos nesses atentados foram vinculados rede descoberta nas aes de maro. Essa seqncia de atentados mudou a atitude da Frana em relao a redes terroristas, tornando-a uma das primeiras naes ocidentais a considerar os perigos potenciais envolvidos, embora o pas tenha vistoo problema como um efeito de seu envolvimento no conflito argelino, em vez de como parte de um jihad internacional mais amplo.Uma das pessoas que freqentavam a casa de Nasiri, mas que escaparam da priso nas aes de maro de 1995, era um alto membro do GIA chamado AH Touchent. Touchent um exemplo da fronteira nebulosa entre terrorismoecontraterrorismoduranteesseperodoeaprofundidadedaINTRODUO 11confuso quanto s lealdades das pessoas. Uma corrente de pensamento sustenta que o GIA desde o comeo estava tomado por espies do servio secretoargelino. E, mais, que estes incluam agentes provocadores que, por volta de 1995, estavam deliberadamente direcionando a campanha de! violncia para a Frana, para tentar atrair Paris para o conflito, opondo-s aos islmicoseapoiandooEstadoargelino. Muitassuspeitasenvolvem Ali Touchent, que alguns acreditam ter trabalhado o tempo inteiro para o governo argelino e que conseguiu escapar de ser preso em algumas ocasies. Essa tese recebe algum crdito de autoridades francesas que dizem ter perseguido Touchent at encontrar evidncias de que ele retornara Arglia e que, na verdade, ele era filho de um comissrio da polcia.Quando os franceses disseram aos argelinos que acreditavam que Touchent havia regressado Arglia, estes responderam afirmando que tinham se esquecido de mencionar que ele fora morto durante um confronto armdo em Argel, em maio de 1997. Ns no sabemos se ele est vivo ou morto, se um agente ou no, disse um ex-oficial da inteligncia francesa. Nasiri tm- bm acredita ter visto Touchent em Londres, embora Touchent no tenha sido preso, apesar de identificado, o que novamente provocou dvidas. H poucas respostas sobre quem ele realmente era e para quem trabalhava.Aps as aes belgas, Nasiri embarcou em uma nova misso: infiltrar-se nos campos de treinamento afegos. Autoridades francesas aparentemente tinham conhecimento de que inmeros residentes franceses estavam desaparecendo e retornando meses mais tarde. De acordo com um ex-oficial de inteligncia, cerca de cem a duzentos residentes franceses viajaram para o Afeganistoparareceber treinamentodurante a dcada de1990. Alguns filiaram-se ao jihad internacional; outros simplesmente queriam poder vl- tar para casa e apregoar que sabiam manejar um AK-47.1Nasiri mostrou-se capaz de cumprir sua misso. O relato de suas viagens ofereceumretratopessoal,masextremamenterevelador,decomo jse infiltrou em crculos jihadistas e abriu caminho at o ncleo da al-Qaeda. Viajando atravs da Turquia, e depois Paquisto, ele infiltrou-se em grupos islmicosradicais.Passoualgumtempoemumcomplexodirigidopelo J amaat al-Tabligh, um grupo proselitista que rejeita a violncia embora alguns crticos afirmem que seus centros recentemente tornaram-se local de12 POR DENTRO DO J IHADrecrutamento para envolvidos no jihad violento. Por meio de um contato ali, Nasiri seguiu do Paquisto para o Afeganisto, para a movimentada cidade de Peshawar, um local de espies, militantes e segredos. Tambm servia de base para muitos dos afegos rabes que lutaram no jihad dos anos 1980 e permaneceram na regio.Em Peshawar, Nasiri conheceu o palestino Abu Zubayda, coordenador e controlador do acesso a vrios campos de treinamento afegos. Ele era um homem que fazia as coisas acontecerem, no sentido administrativo, explica Mike Scheuer, chefe da unidade bin Ladenda CIA de1996 a1999. Abu Zubayda era um lder na mecnica de recrutar pessoas para os campos, tir- las dos campos, aliment-las e conseguir-lhes documentos, armas e treinamento. Abu Zubayda acabou sendo preso em maro de 2002 (uma captura que provocou um acirrado debate em Washington sobre a severidade do tratamento a ser dispensado a ele). Assim como no caso de muitas pessoas mais tarde descritas como lideranas da al-Qaeda, a exata relao de Abu Zubayda com a al-Qaeda e bin Laden parece ser mais complexa porque ele trabalhava nos campos como recrutador e organizador antes de bin Laden chegar e no est claro quando, ou se, ele fez um juramento formal de lealdade a bin Laden.Nasiri entocruzou a fronteira e entrou no Afeganistopara receber treinamento. Cerca de duas dzias de campos de treinamento foram montados no pas, a maior parte deles herana dos conflitos com a Unio Sovitica.Oscampostiveramum papelfundamentalna transiodo jihad original dos anos 1980, com formao e base no Afeganisto, para o jihad de mltiplas naes dos anos 1990, bem como na emergncia no final da dcada de1990 de um jihad global sob a al-Qaeda. Eles foram o caldeiro nos quais diferentes grupos comearam a trabalhar juntos, forjando uma identidade comum.Noexistia uma nica fonte derecursosoucontrole doscampos. O Afeganisto estava mergulhado no caos em meados dos anos 1990. Os soviticos tinham sido expulsos em 1989, mas a pequena unidade que havia nos combates logo dissipou-se. Um governo submisso, liderado por Mohammad Najibullah, durou at 1992, quando foi finalmente derrubado pelas faces mujahidin, que comearam a lutar entre si pelo poder, sendo que os chefes tribais locais ficaram com o controle de bolses pelo pas.INTRODUO 13O ambiente de um Estado em runas era perfeito para a manuteno de campos de treinamento internacionais. Alguns eram comandados por chefes tribais locais, como Gulbuddin Hekmatyar e Abd al-Rabb al-Rasul Sayyaf, e freqentemente financiados por patrocinadores do jihad noGolfoPCsico. Embora bin Laden tenha deixado o Afeganisto aps o trmino da guerra com os soviticos (em parte pela frustrao com disputas internas entre faces) e residisse no Sudo durante o comeo dos anos 1990, ele continuou a financiar alojamentos e instalaes de treinamento dentro do Afeganisto, inclusive, segundo Nasiri, a alimentao no campo que freqentou.O servio secreto paquistans (ISI) tambm estava envolvido no apoio a alguns campos afegos. Em 1993, os Estados Unidos comearam a pressionar o Paquisto na questo dos campos de treinamento devido crescente preocupao em relao s atividades jihadistas na Caxemira. Washington chegou a ameaar colocar o Paquisto na sua lista de Estados patrocinadores do terrorismo. Muitos desses campos ficavam na parte da Caxemira controlada pelo Paquisto, mas parecem ter sido fechados aps as reclamaes dos EUA. As instalaes de treinamento foram levadas para o Afeganisto aps 1993. Pouco depois, o ISI comeou a apoiar o Talib como uma fora preposta para estabilizar o Afeganisto e fortalecer os interesses de segurana do Paquisto.O perodo de Nasiri no campo, entre 1995 e 1996, coincidiu com a rpida ascenso do Talib. Segundo diz ele, as relaes eram extremamente tensas entre os rabes que administravam o campo e os afegos em geral, particularmente o Talib. Suspeitava-se que o Talib queria fechar os campos e tomar suas armas. Eles tambm eram vistos como perigosos inovadores religiosos; A aliana de convenincia entre os dois lados s viria mais tarde.1Khaldan,umcampoparanovatos,foioprimeirofreqentadopor Nasiri. De acordo com seu relato, mesmo em meados dos anos 1990 o nmero de nacionalidades representadas e a disciplina de treinamento eram notveis e muito maiores do que anteriormente se suspeitava. Grupos jia Arglia, Chechnia, Caxemira, Quirguisto, Filipinas, Tadjiquisto e Uzbie- quistorecebiam treinamento militar, que colocariam em prtica quanilo retornassem a seus pases para combater. Grande nmero de rabes, esple- cialmente da Arbia Saudita, Egito, J ordnia e Imen, tambm passaram por14 POR DENTRO DO J IHADl, assim como indivduos da Europa, frica do Norte e outras regies que desejavam participar do jihad. O conflito bsnio, no qual muitos haviam combatidonoinciodosanos1990,estavachegandoaofim,masa Chechnia continuava sendo uma causa popular. Esses dois conflitos-chave dos anos1990forneceram um foco para a radicalizao, treinamentode combate e estabelecimento de redes entre militantes que no foi inteiramente percebido na poca. Assim como o conflito afego nos anos1980, eles ofereceram os meios pelos quais diferentes grupos e indivduos se encontravam e formavam alianas.O treinamento que Nasiri recebeu em Khaldan era altamente organizado e extensivo. A disciplina nos campos era rgida, mas tambm se desenvolvia um sentido de camaradagem entre os participantes. Os recrutas aprendiam a usar uma ampla variedade de armas e explosivos, bem como realizar operaes especficas, como assassinatos, atentados a bomba, seqestros e guerrilhaurbana boa partedoaprendizadobaseava-seemmanuaisde treinamento dos EUA obtidos durante a luta contra os soviticos.Os participantes tambm passavam quase o mesmo tempo em treinamento religioso. A preparao espiritual era considerada um aspecto central do jihad, maisimportantequeotreinamentofsico.Oscamposeram cruciais para o desenvolvimento e disseminao de uma ampla justificativa, teologicamente fundamentada, para o uso da violncia extrema, at mesmo contra civis. Os preceitos teolgicos elaborados no apenas no Afeganisto mas tambm na Europa durante os anos 1990 foram essenciais para influenciar dezenas de milhares de pessoas. Essas idias norteadoras serviram para apoiar a ideologia jihadista ps-11 de Setembro, que no apenas sobreviveu como cresceu desde a priorizao da liderana da al-Qaeda como alvo.A primeira parada de Nasiri, o campo de Khaldan, foi originariamente criada pelo mentor de bin Laden, Abdullah Azzam, na dcada de 1980. Entre os que passaram por Khaldan havia pessoas envolvidas nos dois ataques, de 1993 e 2001, ao World Trade Center (inclusive Muhammad Atta, lder dos ataques do 11 de Setembro); pessoas envolvidas nos atentados a bomba de 1998 contra embaixadas dos EUA; Ahmed Ressam, o fracassado bombar- deador do milnio; os dois britnicos dos sapatos-bombas, Richard Reid e Sajid Badat; e Zacarias Moussaoui, sentenciado em 2006 priso perptuaINTRODUO15pelo envolvimento no compl do11 de Setembro. Mas o lder de Khaldan em meados dos anos 1990 era um homem chamado Ibn al-Sheikh al-Libi, com quem Nasiri passou um tempo considervel. Al-Libi havia combatido no Afeganisto na dcada de1980; como outros, ele no necessariamente fazia parte da al-Qaeda nos anos 1990, sendo um agente independente icujo trabalho e campo por fim ficariam sob a esfera da al-Qaeda.Al-Libi mais tarde tornou-se uma figura vital no debate envolvendo a inteligncia pr-guerra no Iraque. Preso em novembro de 2001, o instrutor lbio foi o primeiro membro do alto escalo da al-Qaeda a ser capturado pelos Estados Unidos aps os ataques. Depois de uma disputa entre o FBI e a CIA, a CIA prevaleceu e entregou-o ao Egito, onde ele pode ter sido submetido a maus-tratos ou tortura. Informaes extradas de seu interrogatrio foram usadas por altas autoridades dos EUA para declarar a existhcia de vnculos entre Iraque e al-Qaeda, com base na alegao de al-Libi de 'que o Iraque oferecera treinamento al-Qaeda a partir de dezembro de 2000. Isso foi citado pelo vice-presidente, Cheney, pelo secretrio de Estado, Colin Powell, em seu decisivo discurso na ONU em fevereiro de 2003, e pelo presidente, George W. Bush, em Cincinnati em outubro de 2002, quando declarou que ficamos sabendo que o Iraque treinou membros da al-Qaeda na produo de bombas, venenos e gases.O problema era que al-Libi mentiu. J em fevereiro de 2002, um relatrio da Agncia de Inteligncia da Defesa argumentava ser provvel que ele estivesse intencionalmente enganando os interrogadores porque no conseguia dar detalhes especficos do treinamento que supostamente ocorrera.Emjaneirode2004,al-Libidesmentiusuasdeclaraessobro Iraque, forando a CIA a cancelar relatrios de inteligncia baseados em suas informaes.Especulou-se que ele poderia estar deliberadamente fornecendo informaes falsas para fazer os Estados Unidos atacarem o Iraque. O relato 'de Nasiri parece apoiar essa hiptese, j que ele afirma que al-Libi expressava seu desagrado pelo regime secular de Saddam Hussein no Iraque e era um homem altamente treinadopara resistir a interrogatrios. Documento^e manuaisde treinamentoencontradosno Afeganistoaps2001tambm mostraram que membros da al-Qaeda foram ensinados a pensar no jihad16POR DENTRO DO J IHADnosomente comoum fenmeno limitadoaos camposde batalha, mas como uma batalha que poderia ser travada aps a captura por meio do fornecimento de informaes falsas. Na primavera de 2006, de acordo com alguns relatos, al-Libi foi entregue s autoridades lbias.Em Khaldan, a formao de Nasiri parece t-lo diferenciado dos demais recrutas. Assim como as agncias de inteligncia descobriram que a sua educaoincomum faria dele um bom espio, os lderes docampo tambm acreditaram que ele poderia ser til, em parte porque podia circular entre os ocidentais com mais facilidade e em parte devido sua mente independente, que contrastava com a da maioria no campo. Como resultado, ele foi um dos poucos selecionados para seguir ao campo de Darunta, mais avanado.Enquanto Khaldan se concentrava no treinamento de combate, em geral para grupos, Darunta fornecia um treinamentomaisindividualizadoem explosivos e terrorismo para aqueles aprovados na fase inicial. Em Khaldan, os recrutas aprendiam a detonar explosivos; em Darunta, eles aprendiam a fazer explosivos e detonadores a partir do zero. Os soldados de Darunta no eram treinados para o combate militar em seu pas, mas para serem indivduos solitrios que agiriam como os clssicos agentes terroristas que ficam na espera at chegar a hora da ao, necessitando assim de um conjunto diferente de habilidades.O complexo de Darunta foi erguido ao redor de uma antiga base militar sovitica a oeste de J alalabad. Ele inclua algumas construes e campos para diferentes grupos militantes. Entre os que se formaram em Darunta antes da sua destruio por ataques areos dos EUA no fim de outubro de 2001 est Ahmed Ressam, maistarde condenadoporenvolvimentonocompldo atentado a bomba contra o Aeroporto Internacional de Los Angeles.Foi ali que a al-Qaeda envolveu-se em experincias com armas qumicas conduzidas por Abu Khabab al-Masri, que Nasiri tambm afirma ter conhecido. O servio de inteligncia americano comeou a saber das pesquisas de al-Masri com armas qumicas por volta de 1998-1999 e isso foi confirmado aps a queda do Talib em 2001, quando reprteres descobriram um laboratrio com compostos qumicos e documentos com instrues sobre como fazer o gs nervoso sarin. Acorrentados a postes metlicos em frente ao laboratrio havia restos de animais mortos usados nos experimentos. O relatoINTRODUO17de Nasiri d conta de experincias cora armas qumicas feitas j em mados dos anos 1990, mais cedo do que o relatado.At que ponto os Estados Unidos sabiam da existncia dos campos e da natureza do treinamento que ali acontecia? Embora os polticos americanos tenham dado as costas ao Afeganisto aps a retirada das tropas soviticas em1989, oserviodeinteligncia e osespecialistasem contraterrorismo estavam ficando cada vez mais atentos ao papel dos campos e ao perig que representavam.Quandoinvestigadoresapuraramoatentadode1993ao World Trade Center, bem como outras atividades relacionadas, descobriram um fio comum nessas operaes iniciais: o Afeganisto.Ramzi Yousef,queplanejouoataquede1993,haviatreinadoem Khaldaneconheceu lseucmplicenaconspirao.UmNationalInte- lligence Estimate publicado em1995 e intitulado A ameaa terroristajaos Estados Unidos afirma que a maior ameaa terrorista aos Estados Unidos provinha de muulmanos radicais com ligaes com o Afeganisto.Mas as informaes continuavam sendo fragmentadas e parciais. Havia agentesda inteligncia noscampos pertoda fronteira paquistanesa, mas outroscampos, comoodeDarunta,eram muitomaisdifceis de serem infiltrados. Os Estados Unidos dependiam em grande parte de imagens de satlites at que a CIA criou a Estao Alec em1996, uma unidade com a misso de rastrear as atividades de Osama bin Laden. Algumas estimativas afirmam que, entre 1996 e os ataques do 11 de Setembro, de dez a vinte mil pessoas passaram pelos campos para serem treinadas. Outros acreditam 4ue onmero pode ser muitomaior,chegandoa cem mil. Ningum apurou para onde essas pessoas foram, ou quem elas, por sua vez, foram treinar, jNo momento em que Nasiri saiu do Afeganisto, na primavera de 1996, bin Laden retornou. Ele chegou do Sudo em 19 de maio de 1996, a bordo deumaviofretadode12lugares,tendorecebidoautorizaodoISI paquistans para aterrissar em Jalalabad. A presso sobre seus antigos anfitries no Sudo tornara-se extremamente intensa e foi enviada a mensagem de que ele no mais desfrutaria da proteo que recebera nos anos anteriores.Bin Laden chegou num momento crucial, em que o Talib estava conquistando o poder. Inicialmente, ele manteve-se distncia, mas, no vero de1996, o Talib claramente estava em ascenso. Num encontro possivel18POR DENTRO DO J IHADmentearranjadopeloISI, binLadenencontrou-secomomul Omare importantes lderes do Talib para oferecer-lhes apoio, incluindo financiamentoe soldados para ajudar a assegurar a vitria nas violentas batalhas entre faces dos mujahidin.Em setembro, o Talib j havia tomado J alalabad. O Talib forneceria a bin Laden e al-Qaeda um porto seguro no qual comeariam a planejar operaes mais drsticas. O Talib tinha pouco interesse nos campos de treinamento, especialmente aqueles freqentados por rabes e estrangeiros, mas com certeza bin Laden persuadiu-os de que ele deveria assumir sua operao.Aps a volta do Afeganistoe um longo perodosem contato, Nasiri encontrou-se com a DGSE e recebeu uma nova misso. Depois dos ataques de maro de1995 e da campanha de atentados a bomba daquele vero, a estrutura de apoio ao GIA inclusive a edio e publicao do Al Ansar deslocou-se de Frana e Blgica em direo ao Reino Unido. Com a represso de Frana e Blgica, foi para o ambiente mais tolerante de Londres que muitos dos jihadistas comearam a se mudar. Londres era o foco, explica Alain Grignard, um oficial antiterrorista belga que acredita que o local serviu de trampolim passagem da era de extremistas islmicos nacionais para a rede global fundada no caldeiro afego.A segunda metade da dcada de1990 foi o perodoem que a capital britnica ganhou a alcunha de Londresto, um ttulo dado por autoridades francesas enfurecidas com a crescente presena de radicais islmicos em Londrese com a omissodas autoridades britnicas frente ao problema. Historicamente, Londres sempre foi um lar para os dissidentes e desde os anos1980 cada vez mais se tornou refugio para extremistas islmicos que ganhavam asilo de autoridades pouco conscientes de suas atividades.Como revela o relato de Nasiri, as relaes entre as agncias de inteligncia francesas e britnicas eram cordiais, mas os franceses comeavam a expressar sua frustrao. Operaes na Frana e na Blgica haviam resultado em nmeros de telefones e fax vinculados ao Reino Unido e nomes de suspeitos foram passados. Algumas autoridades francesas acreditam que, se a Gr-Bretanha tivesse agido mais na poca, a rede por trs dos atentados a bomba no vero de 1995 poderia ter sido desfeita e os ataques, impedidos.INTRODUO 19Pouco depois de chegar, Nasiri mais uma vez travou contato com 0 Al Ansar, agora impresso em Londres. Entre aqueles que haviam se envolvido como Al Ansar emLondresantesdachegadadeNasiriestavaRachid Ramda, que fora visto na Frana e na Blgica freqentando os crculos do GIA. Quando o juiz contraterrorista francs J ean-Louis Bruguire pediu Gr-Bretanha que prendesse Ramda, que era procurado por conexes om o financiamento dos atentados a bomba no metr de Paris, a reao britnica inicial foi dizer que no podia prend-lo pois ele no fizera nada de errado no Reino Unido, um problema citado com freqncia por autoridades britnicas. Ramda foi detido, mas lutou contra a extradio por dez anos, para crescente irritao dos franceses. Seu caso tornou-se emblemtico das tenses entre os dois pases na luta contra o terrorismo. Foi somente; em dezembro de 2005 que a Gr-Bretanha finalmente transferiu-o para a custdia francesa. Ele foi condenado em Paris em maro de 2006 pelos atentdos a bomba em meados dos anos 1990.Em Londres, Nasiri foi comandado pelos servios de inteligncia franceses e britnicos, recebendo a misso de se infiltrar na comunidade de radicais. Nodemorou muitopara Nasiri aparecer na mesquita deFinsbury Park, situada no norte de Londres, em um momento decisivo de sua histria. Um novo pregador, um homem em ascenso chamado Abu Hamza, havia acabado de chegar. Ele no tinha um olho e ambas as mos uma delas substituda por um gancho. Sendo um egpcio que freqentara os campos afegos, ele conseguiu ocultar suas opiniesextremistas dosresponsveis por sua indicao para a mesquita. Mas rapidamente comearam os atritos entre os seguidores de Abu Hamza, majoritariamente do Norte da frica, e a velha guarda da mesquita, em que predominavam membros das comunidades paquistanesa e bengali. A tenso em pouco tempo descambou em intimidaoe ficouclaroque umnovogrupo, mais jovemeradical, estava assumindo o controle.jBretanha, mas de toda a Europa, para aqueles comprometidos com o jifiad internacional. Cerca de duzentas pessoas dormiam no subsolo da mesqita. Entre aqueles que passaram por suas portas estavam Zacarias Moussaoui eAbu Hamza e seus seguidores transformaram a mesquita de Park noprincipalsanturioecentrodeconexes,noapenasdaGr-20 POR DENTRO DO J IHADtambmoex-jogador de futebol Nizar Trabelsieofrancsconvertido J erome Courtailler, ambos condenados por planejar atacar alvos americanos na Europa. Uma recente estimativa calcula que cinqenta homens da mesquita morreram em operaes terroristas e ataques insurgentes em doze ou mais conflitos no exterior.Inicialmente, Abu Hamza definiu-se como conselheiro espiritual do GIA e editor do AlAnsar. Mas, por volta de 1997, o GIA tornara-se bastante controverso, at mesmo dentro de crculos islmicos, devido extrema violncia. Massacres de civis faziam inclusive jihadistas questionarem se oGIA estava fora de controle e o grupo comeou a se fragmentar. Nasiri testemunhou de perto os debates entre islmicos europeus sobre permanecer ou sair do GIA. Abu Hamza distanciou-se das atividades do GIA em outubro de 1997, assim como fizeram outros ao longo do tempo.Abu Hamza pregava sermes de dio e violncia que afetavam incontveis jovens. Ele aumentava sua credibilidade espalhando boatos sobre como teria perdido o olho e as mos em combates do jihad. Nasiri sabia que a histria verdadeira era que os ferimentos foram resultado de um acidente durante experincias em um campo de treinamento. Quando disse isso a Abu Hamza, o clrigo pediu-lhe que mantivesse segredo para no minar sua reputao.A mesquita funcionava como um centro de recrutamento para grupos aliados al-Qaeda. Pessoas eram mandadas ao Afeganisto com passagens areas, dinheiro e cartas de apresentao de Abu Hamza. J erome Courtailler afirmou que tinha referncias de Abu Hamza para entrar em Khaldan e recebeu 2 mil dlares para despesas. Acredita-se que investigadores americanos tm informaes de que Abu Hamza tambm financiava diretamente os campos de treinamento no Afeganisto, inclusive Darunta e o trabalho de al-Masri. Alguns dos principais recrutadores jihadistas da Europa operavam a partir da mesquita, buscando potenciais talentos para transformarem-se em jihadistas.Entreosmaisimportantesestava umargelinochamado Djamel Beghal. Ele mudou-se de Paris para Londres em 1997. Ele, por fim, foi presoemDubai, detonandouma onda de prisespela Europae o desmantelamento de um suposto compl contra a embaixada dos EUA em Paris. Beghal, a certa altura, admitiu ter sido recrutado por Abu Zubayda, porm mais tarde desmentiu. Atualmente, ele espera julgamento na Frana.INTRODUO 21O servio secreto britnico (conhecido como MI5) e a polcia tiveram encontros secretos com Hamza pouco depois de ele assumir a mesquita em 1997, mas parecem t-lo subestimado. As autoridades sabiam no s| pelas informaes de Nasiri como pelas de outros espies que Abu Hamza no mnimo era um agitador. Mas acreditavam que ele estava evitando colocar a Gr-Bretanha como alvo e, desse modo, no podia ser tocado. Crticos do Reino Unido sustentam que, efetivamente, tratava-se de um acordo com os militantes: faam o que quiserem no exterior e, desde que no coloqem o Reino Unido na mira, vocs sero deixados em paz. Autoridades britnicas afirmam que isso jamais foi um acordo formal, sendo simplesmente resultadodaestrutura legaldentrodaqualoperavam;elesnopodiam processar ningum por atividades no exterior e, em lugar disso, alertavam indivduos a no planejar nada contra o Reino Unido.A tolerncia dos britnicos, assim comosua tradiode liberdade de expresso, multiculturalismoeconcessode asilos, foram exploradas. As autoridades britnicas, no desejando interferir na liberdade de expresso, no conseguiram compreender o tipo de retrica inflamada que emanava da mesquita de Finsbury Park e tampouco suas atividades.Muitos pasesalm da Franareclamaramda mesquita deFinsbury Park, mas nada foi feito. Somente em janeiro de 2003 que as autoridades britnicastomarammedidasenrgicas.Informaessobreumpossvel compl para desenvolver o veneno ricina levou a uma invaso da mesquita nas primeiras horas do dia e descoberta de alguns itens incriminadoreis.Mas Abu Hamza continuou livre, pregando na rua em frente mesqita (cujos discursos eram acompanhados por alguns daqueles que realizariam os atentados a bomba de 7 de julho de 2005 em Londres). Somente quando os Estados Unidos emitiram um pedido de extradio baseado em alegaes de planos para a criao de um campo de treinamento no Oregon que as autoridades britnicas agiram, em parte pelo constrangimento causado pela presso americana. Em outubro de 2004, Abu Hamza foi acusado e por fim condenado por ser o mentor de assassinato e outros crimes.Outra figura-chave espionada por Nasiri foi Abu Qatada, um palestino- jordaniano. Ele entrou no Reino Unido em 1993 com um passaporte falso dos Emirados rabes Unidos. A J ordnia exigiu a sua extradio aps eleser22 POR DENTRO DO J IHADcondenado iti absentia por crimes terroristas, mas a Gr-Bretanha no concedeu e ofereceu-lhe status de refugiado em 1994. Diferentemente de Abu Hamza, Qatada era um intelectual srio. No era lder de nenhum grupo em particular, nem um organizador, mas algo muito mais significativo era idelogo e mentor espiritual.Para os militantes islmicos, a necessidade de autoridade religiosa de grande importncia. Muitos militantes procuravam Abu Qatada em busca de orientao e justificativas religiosas para os seus atos. Os nomes daqueles que se acredita terem recebido treinamentoreligiosode Qatada formam um quem quem dos militantes islmicos baseados na Europa, entreeles Zacarias Moussaoui, Nizar Trabelsi e Kamal Daoudi. Djamel Beghal a princpio foi para Londres especificamente para estudar com Abu Qatada. Fitas com os sermes de Abu Qatada tambm foram encontradas no apartamento de Hamburgo usado por Muhammad Atta, ligado aos ataques do 11 de Setembro. O principal investigador antiterrorista da Espanha certa vez descreveu Abu Qatada como o lder espiritual dos militantes islmicos na Europa.A base de operaes de Abu Qatada ficava no Four Feathers Club, um ponto de encontro de jovens perto da Baker Street, em Londres. Nasiri lembra que os sermes de Abu Qatada eram bem mais perigosos do que os de Abu Hamza precisamente por serem mais disciplinados e focados na preparao espiritual para a ao, em vez de retricos. Nasiri tambm cr que os ensinamentos de Abu Qatada eram quase idnticos queles que recebeu nos campos de treinamento afegos como parte do processo de doutrinao e instilao de disciplina entre jihadistas. Ainda assim, Nasiri diz que autoridades britnicas mandaram-lhe deixar Abu Qatada em paz e centrar sua espionagem em Hamza. No se sabe ao certo os motivos. Como no caso de Abu Hamza, acredita-se que Qatada tambm tivesse contatos com o MI5, mas quem manipulava quem no est claro.Em fevereiro de 2001, Abu Qatada foi interrogado pela polcia, que encontrou 170 mil libras, em dinheiro, em sua casa, parte dessa quantia dentro de um envelope onde se lia para os mujahidin da Chechnia. Ele supostamente deveria estar vivendo de benefcios do Estado, mas no foi acusado. Para constrangimento das autoridades, em dezembro de 2001, pouco antes da entrada em vigor de novas leis antiterroristas, Abu Qatada subitamenteINTRODUO23sumiu de sua casa no oeste de Londres e conseguiu ficar solto por quase um ano at ser capturado na cidade. Desde ento, uma srie de batalhas legais se desenvolve enquanto o governo procura extradit-lo para a J ordnia.De olhoem Abu Qatada e Abu Hamza, os franceses preocupavam-se com a influncia dos dois sobre os jovens dos subrbios da Frana. Ms ao pressionarem seus colegas britnicos, autoridades da inteligncia francesa afirmaram que receberam a habitual resposta de que a Gr-Bretanha er um pas que tolerava a liberdade deexpresso. Mesmoquandoapresentaram provas do perigo, as autoridades francesas afirmaram que s conseguiram serouvidasapso11deSetembro.ElasachamqueadecisodaGr- Bretanha de no agir era poltica, baseada em uma relutncia em perturbar pregadoresislmicose marginalizar aimensa comunidademuulmana. Tambm se acredita que os franceses consideraram a possibilidade de seqestrar Hamza uma verso francesa da atual prtica americana de rendio extraordinria. Segundo um ex-oficial da inteligncia, a DGSE enviou uma equipe a Londres para examinar a possibilidade e acreditava que os servios de segurana britnicos poderiam fechar os olhos, embora a polcia pudesse ser menos receptiva.Autoridades britnicas afirmam que trabalharam de perto com os franceses para tentar lidar com as redes de apoio e levantamento de fundos do GIA dentro do Reino Unido, procurando rastrear as fontes de dinheiro. Elas citam a estrutura legislativa como um problema. Em meados dos anos lSj90, conspirar dentro da Gr-Bretanha para cometer atos terroristas no exterior no era crime. Assim, grupos como o Hamas e os Tamil Tigers, bem comjo o GIA, comearam a usar oReinoUnido como um plocentral. A polcia investigava um problema apenas se existissem evidncias de que leis tiyes- sem sido desobedecidas. A polcia e os servios secretos no priorizavam a coleta de informaes sobre esses grupos. Se ns tnhamos boa cobertura? Noera uma prioridade, afirma uma autoridade britnica envolvida | na busca de informaes em meados da dcada de1990. Por que voc iria querer saber o que os escoteiros esto fazendo?, ele pergunta, dando uma idia de como a ameaa era vista.Os especialistas em contraterrorismo britnicos continuavam focados? na ameaa do terrorismo republicano irlands, em vez de no terrorismo islmico.24POR DENTRO DO J IHADA primeira ameaa parecia muito mais real. Em fevereiro de 1996, uma bomba de meia tonelada explodiu na regio porturia de Londres, sinalizando uma nova fase de atividades aps um cessar-fogo. O MI5 e a polcia tambm estavam envolvidos em uma disputa burocrtica sobre quem comandaria a poltica contraterrorista na Irlanda do Norte por fim, vencida pelo MI5 , que tambm canalizava recursos e energia nessa direo.Foi somente no incio de 1998 que as autoridades britnicas comearam a ouvir mais sobre a al-Qaeda. Na poca, ningum se preocupava com Abu Qatada, Abu Hamza ou as redes do Norte da frica. A preocupao girava em torno de grupos de rabes que haviam chegado por volta de 1998, predominantemente doEgito, bem comode outros rabes associados a bin Laden, como Khalid al-Fawwaz. Acreditava-se que al-Fawwaz vinha administrando o escritrio de mdia de bin Laden em Londres, organizando entrevistas para jornalistas ocidentais e publicando declaraes em seu nome.Alguns meses antes dos atentados a bomba nas embaixadas africanas, o chefe de contraterrorismodoFBI, J ohn 0Neill, que morreria no World Trade Center no11 de Setembro, foi a Londres procurar provas contra bin Laden. Uma investigao tinha sido aberta pelo FBI em seguida publicao de uma fatwa (decreto religioso) de bin Laden em um jornal em rabe sediado em Londres. Os atentados s embaixadas em agosto de 1998 criaram um rastro de evidncias ainda mais claro levando a Londres. Incurses foram feitas em endereos que receberam um fax reivindicando a autoria dos ataques. Supostamente, o cabealho e o rodap do fax original foram encontrados intactos, provando ter sidoenviado a um escritrio ligado a Khalid al-Fawwaz e a dois outros homens antes de os ataques acontecerem. Fawwaz atualmente est sob custdia britnica, espera de extradio para os Estados Unidos.Embora as relaes entre os servios de inteligncia dos Estados Unidos e da Gr-Bretanha tenham permanecido fortes, uma relao bem mais pobre prevaleceu no ladoresponsvel pelo cumprimentodas leis, especialmente quanto ao contraterrorismo. 0Neill e seus colegas do FBI tambm tiveram dificuldades com seus colegas britnicos porque estes acreditavam que o IRA usava os Estados Unidos como base segura para suas atividades, de maneira bem parecida com a convico dos franceses de que a Gr-Bretanha ofereciaINTRODUO 25uma base segura para o terrorismo argelino. Assim, ambos os lados achavam que pedidos por uma providncia em geral no davam em nada.Embora asautoridades britnicastenhamcomeadoa considerar a ameaa da al-Qaeda a partir do comeo de1998, ela era percebida como distinta de figuras como Abu Qatada, Abu Hamza e os argelinos operando no Reino Unido. Abu Hamza e Abu Qatada estavam no radar das autoridades britnicas, mas muito na periferia, junto com veteranos da guerra afeg que estavam ganhando asilo no Reino Unido, de acordo com autoridades da poca. Em resumo, os britnicos tinham outras prioridades. O terrorismointernacional,eparticularmenteoterrorismoligadoaos islmicos, noera vistocomoalgoque ameaavadiretamenteopas. A Frana poderia ser um alvo primrio, devido ao seu envolvimento na Arglia, mas no o Reino Unido.A Gr-Bretanha est sentindo agora o impacto de longo prazo de sua poltica de tolerncia para com esses elementos radicais nos anos19901 A radicalizao que espalhou-se em algumas comunidades britnicas no1se estabeleceu da noite para o dia. o resultado de um longo processo no qiial indivduos e grupos estabeleceram metodicamente os jovens como alvos;Enquanto isso, esses diferentes elementos de atividade jihadista estavam sendo reunidos. Em 1998, um novo conjunto de aes da polcia na Blgicaresultouemmaisprovasdanaturezainternacionaldasredes jihadistas e da ameaa que representavam. Os detidos vinham de Argljia, Marrocos,SriaeTunsiaetinhamconexescominmerosgrupos islmicos diferentes, bem como com Abu Zubayda, Afeganisto, Bsnia e Paquisto. Foram descobertos detonadores e materiais para a fabricao de explosivos e havia suspeitas (nunca inteiramente confirmadas) de que a Copa do Mundo, que se realizaria na Frana no meio daquele ano, seria um alvo. Uma onda de prises pela Europa se seguiu. Os franceses acreditavamque Londresera ocentroda organizao.Os contornosde redes terroristas mais complexas estavam emergindo.A Europa sempre foi uma base central de operaes para a al-Qaeda, um lugar no qual diferentes grupos islmicos radicais forjaram suas alianas. s sinais de alerta estavam ali, mas s uns poucos os compreenderam. Muitos na Europa e em outras partes concentraram suas energias em outras ques26POR DENTRO DO J IHADtes e agora esto pagando o preo. Cinco anos aps os ataques do11de Setembro, a Europa e o Reino Unido em particular , no os Estados Unidos, que se defronta com o maior desafio do terrorismo.Foi uma conquista de bin Laden a globalizao da noo de jihad. Reunir grupos que antes se concentravam unicamente em seus prprios conflitoslocais na Arglia, sia central,Chechniaeoutrasregies e convenc-los de que faziam parte de uma luta maior. Uma luta contra o inimigo distante dos Estados Unidos, que apoiava os governos aos quais se opunham. Uma luta que devia ser travada sob a bandeira da al-Qaeda. Em fevereiro de 1998, bin Laden divulgou uma nota declarando a formao da FrenteIslmica Mundial para oJ ihad contra J udeuseCruzados.Ele anunciou uma fatwa de que matar os americanos e seus aliados civis e militares um dever pessoal de cada muulmano que puder faz-lo, em qualquer pas em que for possvel faz-lo. Pouco depois, em agosto de 1998, veio a primeira operao de grande escala bem-sucedida da al-Qaeda contra os Estados Unidos, atacando suas embaixadas na Tanznia e no Qunia.A histria de Nasiri termina quando ele se muda para a Alemanha. L, sua relao com os servios secretos alemes entra em colapso. Na sua viso, eles o abandonaram sem jamais fornecer a proteo e a nova identidade que os franceses haviam prometidoinicialmente. Tentou restabelecer contato com autoridades aps os ataques do11de Setembro, mas foi rechaado. Quase quatroanos depois, enquantoassistia aos atentadosa bomba em Londres, em 7 de julho de 2005, ele decidiu que queria contar sua histria. Isso o fez procurar a BBC e a escrever o relato dos sete anos que viveu como espio no emergente movimento jihadista.Gordon Corera, correspondente da BBC para Assuntos de SeguranaLondres, setembro de 2006PrlogoEu soube dos ataques do 11 de Setembro pelo rdio. Eu estava no meu carro, indo buscar a minha mulher no trabalho. Os reprteres achavam que um avio tinha atingido a primeira torre por acidente. Minha mulher entro uno carro. Ela tambm achava que o choque tinha sido um acidente.Mas eu sabia que no era acidente nenhum. Antes mesmo de o segundo avio bater, eu sabia. E eu sabia quem tinha feito isso. Quando chegamos em casa,eu liguei a TV na CNN. As duas torres estavam pegandofogoe as pessoas gritavam nas ruas.Eu fiz a nica coisa que poderia fazer: peguei o telefone para ligar para meu contato no servio de inteligncia alemo. Eu j no falava com ele h um ano e meio e detestava-o. Mas milhares de pessoas estavam morrendo e eu no tinha escolha.Ele atendeu no primeiro toque. Quando me identifiquei, ele mostrou- se surpreso.jEu estou ligando para oferecer minha ajuda eu disse.Voc sabe quem fez isso? Voc conhece algum dos seqestradores?No eu respondi. Mas sei quem est por trs disso. Eu sei por que eles fizeram isso. Eu sei quem essa gente e como eles pensam.Eu sabia essas coisas porque eu conhecia a al-Qaeda. Na Blgica, eu convivi com membros da al-Qaeda durante anos, embora eles ainda no tivessem esse nome. Eu comprei armas, que eles despachavam para o mundo inteiro. Eu transportei seus explosivos para a frica, onde foram usados na guerra civil da Arglia. Eu distribu seus panfletos. Eu conheci seus principais lide-28POR DENTRO DO J IHADres na Europa. Um deles organizou os letais atentados a bomba em Paris em 1995. Outros tinham conexes com um seqestrador feroz. Esses homens viviam na minha casa.Mais tarde, fui para o Afeganisto, onde comi, dormi e rezei com a al- Qaeda nos campos de treinamento. Cheguei o mais prximo possvel deles. Compartilhei sua fria e dor; compartilhei minhas armas e meu suor com eles. Ofereci meu sangue por eles e, mais de uma vez, a minha vida. Eles eram meus irmos e eu daria a eles com alegria tudo o que tivesse.Com eles, tornei-me um mujahid, dominando quase todos os tipos dearmasexistentesnomundo,defuzisKalashnikovsamsseisantiareos. Eu aprendi a dirigir um tanque e a explodi-lo. Aprendi a minar um campo e a arremessar uma granada para infligir o mximo de danos. Aprendi a combater na cidade, a cometer assassinatos e seqestros, a resistir tortura. Aprendi a fazer bombas mortferas com os ingredientes mais simples caf, vaselina. Aprendi como matar um homem com as minhas prprias mos.Aprendi sobre armas, Coro e poltica internacional com Ibn Al-Sheikh al-Libi, que dirigia os campos de treinamento de Osama bin Laden e que maistardementiria CIA arespeitodos vnculosdestecomSaddam Hussein. Eu conheci Abu Khabab al-Masri, o principal especialista de bin Laden em explosivos, que tentou me recrutar para um atentado a bomba contra uma embaixada. Eu conheci Abu Zubayda, o principal recrutador da al-Qaeda, que me mandou de volta Europa para trabalhar como um agente fornecendo know-how em explosivos para ataques.Mas nenhum desses homens sabia a verdade: que eu me voltara contra eles e contra sua matana de inocentes. Eu era um espio. Eu me infiltrei nos campos comoum agente para a DGSE, o serviode contra-espionagem francs. Eu ainda trabalhava para a DGSE, e depois tambm para o MI5, quando voltei do Afeganisto para a Europa, apesar de Abu Zubayda ter continuadoa pensar que eu trabalhava para ele. Para os servios, eu me infiltrei nas mesquitas radicais de Abu Qatada e Abu Hamza em Londres. Para Abu Zubayda, eu transmitia mensagens e at mesmo mandava dinheiro de volta ao Paquisto para apoiar o jihad dinheiro dado a mim por oficiais da inteligncia britnica.PRLOGO 29Durante o curso da minha jornada, conheci centenas de homens exatamente iguais aos seqestradores do11de Setembro. Homens que no tinham um lar. Homens aviltados no Ocidente porque no eram brancos e cristos e aviltadosem casa porque no mais se vestiam e falavam como muulmanos. Sua fria compartilhada era anica ncoraque tinham, a nica coisa que os ligava sua f, sua famlia, ao mundo.Eu compreendia tudo isso porque eu era um desses homens.Voc sabe quem fez isso? Voc conhece algum dos seqestradores?No. Mas sei quem est por trs disso. Eu sei por que eles fizeram isso. Eu sei quem essa gente e como eles pensam. Fiz uma pausa. Eu quero ajudar.Houve um breve silncio no outro lado da linha e ento uma nica frase:Ns ligaremos de volta se precisarmos de voc.Depois um clique. Eu nunca mais o ouvi novamente.Bru x e l a sPersonagensHakimIrmo mais velho de OmarRochdiIrmo mais novo de OmardouardPai adotivo de Omar na Blgica-AdilO mais jovem dos irmos de OmarNabilIrmo mais novo de Omar; vive em Bruxelas com a me de Omar e HakimAminAmigo de Hakim e visita freqente na casa de Omar em BruxelasYasinAmigo de Hakim; tambm uma visita freqenteTarekAmigo de Hakim, Yasin e Amin; editor do Al AnsarKamalTradutor de Tarek no Al AnsarLaurentFornecedor de armas de OmarGillesOficial da DGSE; responsvel por OmarJamalVai com Omar para a Espanha de carroThierryContato de Gilles no servio secreto belgaCronologia dosacontecimentos24 de dezembro de 1979: URSS manda tropas para o Afeganisto, iniciando a Guerra Sovitica-Afeg.15 de fevereiro de 1989: URSS anuncia que todas as tropas soviticas retiraram-se do Afeganisto.J aneiro de 1992: comea a guerra civil na Arglia aps o governo cancelar eleies democrticas.Primavera de 1992: comea a guerra na Bsnia-Herzegovina (data exata controversa).11 de dezembro de 1994: tropas russas entram na Chechnia para impedir sua separao da Federao Russa.24 de dezembro de 1994: vo 8969 da Air France seqestrado em Argel.26 de dezembro de 1994: seqestro termina quando um comando da elitecontraterrorista da gendarmerie francesa invade o avio na pista em Marselha.30 de janeiro de 1995: carro-bomba explode em frente delegacia em Argel, matando 42 pessoas e ferindo 286.2 de maro de 1995: polcia belga realiza srie de operaes pelo pas com o objetivo de desmantelar uma rede europia do GIA.!' '" ''''........IS/U-J5 s,.. "v''' ^- v tf& fc?..' *i 3P * r/suci a0&MI_______L250 500 750 1000kmJ___ I-----1500milhasM as Shtlandj'-v f '?-'crRSSIArCAZAQUISTO: ^:0CMN Tl Nt l CO'-..' '' :.;' -"%V"'' V' ,*...... '""": V' ESPANHASTOu&oMadriCasablancaMARROCOSjsaiearesAigelTURQUIAIRSRIAARGLIA^,-.r-k >V i ^v ^',^v :'':'"'">caiTBs:/LteANa*'' '''*~,v;., ^K?FIRAQUELBIAJORDNIAJ ARBIASAUDITAOmarMieu nome Omar Nasiri. Eu sou marroquino. Eu nasci em 1967. Eu sou muulmano.Perdo. Quase nada disso verdade.Meu nome no Omar Nasiri, ou pelo menos este no o nome que meus pais me deram. o nome que estou usando para escrever este livro, mas apenas um de uma longa lista de nomes que usei durante a minha vidaJ Ou talvez eu devesse dizer minhas vidas como filho, irmo, estudante, traficante de armas, mujahid, agente secreto, civil, marido e, agora, escritor.jEu nonasci em1967. Tenhoque proteger minha identidade porque parte da minha famlia ainda vive no Marrocos e suas vidas ficariam em perigo se o meu nome fosse conhecido. Mas, de qualquer forma, o que estou dizendo bastante prximo. Eu nasci nos anos 1960.Eusou marroquino, masissotambmcomplicado. Meuspais so marroquinos, claro, e eu passei muitos anos da minha vida l. Eu adoro a paisagem, o povo, o sorriso largo das crianas e o cheiro da comida. Adoro as mulheres com suas roupas de seda brilhante em rosa e verde. O Marropos mora no meu corao. Embora tenha viajado por todo o mundo, o Marrocos ainda o pas mais lindo do mundo para mim. Eu sinto uma desespe- radora falta dele, mas sei que jamais poderei retornar.Mas se o meu corao est no Marrocos, a minha cabea est na Europa, onde fui educado, onde cresci, onde passei a maior parte da minha vida. Eu leio Le Monde, livros americanos e ingleses. Minha mente foi formada pelo Ocidente, pelos seus padres de pensamento, pelo individualismo agitado, arrogante e excitante do Ocidente.Como sou em parte rabe e em parte europeu, meu lar no fica em lugar algum. Quando voltei para o Marrocos ainda adolescente, meu rabe era sofrvel e os outros garotos zombavam de mim como europeu e estrangeiro.36POR DENTRO DO J IHADQuando o visitei pela ltima vez, mais de uma dcada atrs, eu viajei como um forasteiro, um turista de longe. Eu bebi usque no convs da barca, fumei cigarros e olhei para as moas. Mas tambm no tenho lar na Europa. Eu vivo na Alemanha com minha mulher j h seis anos e trabalhei em muitos empregos, mas no sou um cidado. Sou classificado como refugiado e tratado como qualquer outro rabe convidado a trabalhar l.Ento, talvez apenas uma coisa seja verdade: eu sou muulmano.Buck DannyM inha vida terminou quando eu tinha oito anos. Eu estava no quarto, sentado mesa, montando um avio em miniatura. Meu irmo mais velho, Hakim, brincava de luta no beliche com Rochdi, um dos meus irmos mais novos. Eu estava irritado porque no conseguia me concentrar, ento dei um tempo e fui at o banheiro pegar um cotonete. Quando voltei ao quarto, eles continuavam lutando, eu sentei no cho e comecei a limpar meus ouvidos. Segundos depois, meus irmos caram do beliche sobre mim.Eu senti o cotonete forando o tmpano e uma dor lancinante correu pelo meu corpo. Eu quase desmaiei, mas ainda conseguia me ouvir gritando. Quando meus irmos saram de cima de mim, vi que estava coberto de sangue. Tinha sangue por todos os lados.Poderia ter sido apenas um pequeno acidente, meninos brincando com violncia, como sempre fazem. Mas foi muito mais do que isso. Mudaria minha vida para sempre, privando-me da coisa que mais me importava. Eu jamais me recuperei realmente.Mas deixe-me comear bem do princpio. Eu nasci em uma grande famlia seis meninos, trs meninas. Eu sou o segundo mais velho.Quandocriana, eu era cheio de energia, energia demais s vezes. Eu respondia aos meus pais e, como todos os meninos, brigava com meus irBRUXELAS37mos. Eu brigava, principalmente, com Hakim, que era maior e mais velho. Ele tentava me colocar no meu lugar, mas eu sempre resistia.jEu era malcomportado e me metia em tudo. Eu roubava manteiga da geladeira eu adorava o sabor da manteiga , subia numa rvore e a comia. Um dia comi tanto que acabei no hospital e minha me me fez prometer que nunca mais repetiria isso. Mas, claro, eu fiz de novo e, quando minha me descobriu, ela ficou to brava que me puniu queimando minha mocom uma colher escaldante. Mesmo isso no me deteve por muito tempo.Quando eu tinha trs anos, meu pai mudou-se para a Blgica. Ele arrumou um emprego em Bruxelas e deixou todos ns para trs no Marrocos com nossa me. Dois anos mais tarde, ns o seguimos. Pouco depois de chegarmos, nossa me levou todos ns para um check-up no mdico. A assistncia mdica no Marrocos era muito cara, de forma que s vamos um mdico quando havia uma emergncia. Mas, na Blgica, a assistncia mdic era gratuita e, ento, fomos todos juntos. Foi quando meus pais descobriram que eu tinha tuberculose.Por causa da tuberculose, eu no podia morar na cidade com a minha famlia. Fui, ento, colocado em um sanatrio no campo, a cerca de setenta quilmetros de Bruxelas. Da noite para o dia, eu, um norte-africano educado na tradio do Coro, me vi numa escola de freiras catlicas. Na poca havia cerca de duzentas outras crianas l, todas elas europias e brancas. Eu era o nico rabe.;Era bvio para mim e todos os outros que eu era diferente. Ningum! era cruel comigo; as outras crianas brincavam comigo e eu, com elas. s vezes, elas zombavam de mim um pouco, como fazem as crianas, mas eu apenas devolvia a zombaria. No era nada demais.Mas aos domingos era diferente. Ns todos amos juntos igreja e as missas pareciam incrivelmente estranhas para mim. As oraes, a comunho, o incenso; tudo era to diferente das mesquitas que eu freqentjava durante o vero ou quando ia para casa de frias. E havia msica, um homem que tocava violo. No Isl, no h msica na casa de Deus; eu tinha crescido considerando isso um grande sacrilgio. Mas eu achava aquilo tudo38 POR DENTRO DO J IHADengraado e s vezes ria escancaradamente. Acho que isso deixava algumas das outras crianas nervosas.Eu no vi minha famlia muito nessa poca. Nos veres, todos amos para casa no Marrocos e de vez em quando eu voltava a Bruxelas para v-los durante um longo fim de semana ou num feriado. s vezes raramente, talvez duas ou trs vezes por ano , meus pais me visitavam e ficavam durante algumas horas. Mas a minha verdadeira vida era no sanatrio.Foi durante esse perodo que eu me apaixonei por avies. Meu pai tinha um amigo que trabalhava na indstria area e s vezes ele me ensinava sobre avies e me dava modelos para montar. Quando eu visitava minha famlia emBruxelas,euiaincontveis vezesaoMuseudoExrcitonoparque Cinquantenaire. Havia um salo imenso cheio de avies da Segunda Guerra Mundial eeu passava horas devorandocada detalhe. Euera inacreditavelmente curioso; quando viajvamos do Marrocos Blgica, sempre corria at a cabine e pedia aos pilotos para me mostrarem o equipamento.No entanto, eu aprendi mesmo sobre avies com Buck Danny. Buck Danny era um heri das histrias em quadrinhos belgas e eu lia todas as histrias de Buck Danny de cabo a rabo. Bonito, forto e louro, Buck era um corajoso piloto que brigava pela Amrica e voava em todos os tipos de misses perigosas com seus amigos J erry Tumbler e Sonny Tuckson. As histrias eram bastante realistas; eu aprendi o nome de todos os avies e um monte de informaes sobre como pilot-los. Eu lia e relia todos os livros e, noite, sonhava em tomar-me piloto de um caa, como Buck Danny. Era o que eu mais queria.E, ento, o meu tmpano foi destrudo. Os mdicos na Blgica tentaram dar um jeito passei por trs cirurgias , mas no conseguiram. Ainda hoje sou quase totalmente surdo do ouvido esquerdo. Eu sabia que jamais poderia ir para o exrcito, que jamais pilotaria um avio. Eu no tinha mais motivo para viver. Eu perdi tudo o que importava.Todos os meninos tm um sonho ser bombeiro, astronauta ou presidente, ser algo fantstico. Naturalmente, a maioria dos meninos jamais vai realizar o sonho da infncia, mas no esse o problema. Enquanto cresce e vira um homem, o menino gradualmente se afasta do sonho, embora ainda possa existir como uma nostalgia. Mas se esse sonho destrudo em idade muiBRUXELAS39to precoce, o menino ou ser totalmente destrudo com ele ou ficar forlte. Ele ficar forte porque no ter mais nada a perder. Ele desistir do futuro. Um menino sem um sonho perigoso.douardOi. Meu nome Sonny Tuckson. Eu sou amigo do Buck Danny.Estvamos no fim da primavera e eu estava abandonando o dormitrio no sanatrio. Eu tinha dez anos e era hora de ir para uma nova escola. Eu iria viver na mesma cidade, mas agora com pais adotivos.jEusabiadisso, masnada havia me preparadopara oencontrocom douard. Eu estava na frente do dormitrio quando ele apareceu em um Volvo amarelo. Ele saiu do carro e caminhou na minha direo. Ele era um homem grande, alto e atltico. Tinha um nariz aquilino, bastante gauls, e cabelos negros que estavamficandogrisalhos. Ele pegou minha mochila, colocou no porta-malas do carro e apresentou-se como Sonny Tuckson. Eu jamais esquecerei esse momento. Agora, claro, percebo que ele havia lido minha ficha e sabia que eu adorava Buck Danny e avies. Mas, na poca, parecia mgica: um adulto que era parte do meu mundo. Eu fiquei encantado.Eu fiquei com douard por cinco anos num castelo no campo. Ele tinha cerca de quarenta anos e vivia numa velha e labirntica propriedade com seus pais e o irmo. Eles eram suos. Por fim, fiquei sabendo que douard fora funcionrio pblico por muitos anos, mas que deixara esse emprego e agora recebia dinheiro do Estado para criar crianas adotivas e ajud-lals a concluir a escola. Em qualquer poca, havia cerca de 25 de ns na casa.douard era bastante intenso e sentia as coisas profundamente. Ele queria que todos ns vencssemos e, quando fracassvamos, ele sentia muito mais do que ns. Ele era extremamente honesto e nos ensinou a sermos honestos tambm.40 POR DENTRO DO J IHAD medida que crescia, eu passava mais e mais tempo sozinho. Quando me mudei para a casa de douard, eu no brincava muito com as outras crianas. Eu gostava de fazer as coisas sozinho. Aprendi a tocar piano e passava horas nadando na piscina atrs do castelo. Eu adorava nadar me sentia muito livre na gua. Meu corpo ficava leve e eu podia fazer qualquer coisa com ele. Eu podia virar, mergulhar e me mover em qualquer direo. No havia nada para me deter.Eu tambm passava muito tempo vendo televiso. Havia uma TV na sala de estar e freqentemente, aps as aulas, eu sentava l sozinho por horas. Eu vi muitos, muitos filmes. Centenas de filmes sobre a Segunda Guerra Mundial: Tora,Tora,Tora, Abatalhade Midway, Trintasegundos sobreTquio. Eu ficava hipnotizado por esses filmes. Apesar dofato de saber que jamais poderia ser um piloto ou talvez porque sabia disso , esses filmes eram incrivelmente intensos para mim. Eu me imaginava como o piloto de um caa americano sobre o Pacfico; minha imaginao era to forte que eu sentia no meu corpo que era um deles, voando sobre as ondas.Eu odiava os alemes e os japoneses porque eram meus inimigos. Via centenas de filmes e documentrios sobre os campos de concentrao. Eles eram horrveis e assustadores. Hitler, os corpos emaciados, as pilhas e pilhas de cadveres aquilo era o prprio mal.Os japoneses eram diferentes. Eu ficava fascinado pelos camicases, pelas imagens deles colidindo contra porta-avies americanos e explodindo em chamas. Eles eram o inimigo, claro, mas eu tambm os admirava e compreendia. Diante de uma potncia muito maior, eles fizeram a nica coisa possvel para salvar o pas e a honra.Eu tambm gostava de fico cientfica. Adorava Guerradosmundos e era viciado em Jornada nas estrelas. Ns no tnhamos televiso em casa em Bruxelas, ento, quando ia para l nos feriados, eu saa noite e assistia a Jornada nas estrelas nas televises das vitrines das lojas de eletrnicos.Bem cedo, eu at mesmo me imaginava como um extraterrestre. s vezes, eu ouvia um zumbido no ouvido e imaginava que era uma mensagem doespao. Com freqncia, quandoos outros meninos ficavam jogando futebol, eu ia at um dos campos vazios. L, eu erguia os braos no ar, fechava os olhos e imaginava uma grande fora me sugando para o espao.BRUXELAS41douard me via com olhos especiais, talvez porque eu me destacasse dos outros. Ele era muito gentil comigo e habitualmente vinha e sentava-se ao meu lado quando via que eu estava sozinho. Eu era fascinado por todos os tipos de assuntos cientficos e ele passava horas falando comigo sobre estrelas, energia e energia nuclear. Eu ficava encantado com ele; ele foi o primeiro homem que se interessou por mim, que tentou ensinar-me coisas. E eu queria aprender porque sabia que iria agrad-lo.Mas, acima de tudo, eu queria aprender sobre armas. Desde o dia em que cheguei, eu soube que havia armas no castelo. Eu podia ouvi-las disparando noite havia uma sala de tiros no poro que no era prova de som.Uma tarde, douard encontrou-me sozinho e pediu-me para segui-lo. Ele levou-me para o poro. Era impressionante ele tinha todos os tipos imaginveisde armas.Pistolas, fuzis, tudo. Ele mostrou todooarsenal e ensinou-meonomedecadauma,explicandoparaoqueservia:umaMagnum 44, uma Smith & Wesson 45, um fuzil 22, um Marlin 44, e da|emdiante. Eu me apaixonei na hora.Durante os meses, e depois anos, seguintes, douard me ensinaria a usar cada uma dessas armas. Ele tambm ensinou a outras crianas, mas eu tinha um interesse maior. E, assim, tornou-se algo especial que douard e eu fazamos juntos. Ele me levaria para o poro ou para um campo e ns atiraramos em alvos. s vezes, as armas eram to grandes que eu caa por causa do coice e ele ria. Eu adorava a disciplina de trabalhar com armas. Eu adorava estar progredindo o tempo inteiro. E adorava quando douard me elogiava.Eu tambm aprendi na poca a fazer balas. Munio bastante cara e ns usvamos muita. Ento, ns recolhamos os cartuchos aps cada exerccio de tiroe osguardvamosparareutiliz-los.Ns vasculhvamostudooque podamos em busca de pedaos de chumbo calotas, canos de casas velhas. douard ensinou-me a derreter o chumbo para fazer a ponta de novas balas e a encher os cartuchos com plvora. No fcil fazer uma bala; uma arte muito precisa. Se voc usa plvora demais no cartucho, a bala pode explodir dentro da arma e estourar no seu rosto. Eu aprendi a ter muito cuidad.IPor fim, percebi que douard usava as armas para me ensinar disciplina. Eu era uma criana teimosa, muito independente, e no ligava para a esdola. Mas douard no me deixava usar as armas a menos que terminasse o dever42 POR DENTRO DO J IHADde casa e, assim, comecei a fazer os deveres na maior parte das noites. Eu estava melhorando nos estudos e douard tambm elogiou-me por isso.Mas eu no era um anjinho. Quando eu tinha 15 anos, tive uma terrvel briga com douard. Eu queria passar a noite com ele, exercitando tiro ao alvo e confeccionando novas balas. Ele perguntou se eu tinha terminado a lio de casa e eu disse que sim. Eu passei a noite inteira no poro com as armas. Mas mentira a respeito da lio e no dia seguinte douard descobriu. Ele ficou furioso.Por que voc mentiu para mim? ele gritou. Voc pensa que pode se safar de tudo, no ?Seu rosto estava ficando vermelho. Eu nunca o vira assim antes. Ele gritava comigo e havia um ar de repulsa em seu rosto.Voc tem tudo. Voc inteligente, pode fazer qualquer coisa que quiser neste mundo. Mas, em vez disso, voc mente para mim. Voc no tem conscincia.E, ento, antes de virar-se, ele disse algo que jamais esqueci:Eu acho que voc no vai dar em nada.Eu fiquei no meu lar adotivo por mais alguns meses depois da briga, mas essa foi a ltima conversa de verdade que tive com douard. Depois disso criou-se um abismo entre ns, uma frieza. Eu acho que voc no vai dar em nada. Durante anos e anos eu ouviria as palavras de douard metade insulto, metade desafio ricocheteando na minha cabea. No comeo eu achei que ele estava certo. Depois eu tentaria desesperadamente provar que ele estava enganado.M arrocosQuando tinha 15 anos, voltei a Tnger com a minha famlia. Meus problemas de sade haviam acabado e meu pai no trabalhava mais em Bruxelas. No incio, eu pensei que seria um retorno maravilhoso. Eu jamais me sentira em casa na Blgica e, assim, eu ansiava pelo meu verdadeiro lar no Marrocos.BRUXELAS 43Quanto mais distante eu estava do Marrocos, mais esplndido ele se tornava. Acabou por me definir. Enquanto crescia, as coisas que me faziam sentir diferente na Blgica tornaram-se as coisas das quais me orgulhava. Eu era um rabe, um muulmano. Eu era melhor do que esses europeus brancos.Mas quando finalmente regressei ao Marrocos, logo percebi que ele no era mais o meu lar. Eu me sentia um estrangeiro l tanto quanto na Blgica. Eu falava quase que exclusivamente francs desde os cinco anos e meus sotaque e vocabulrio eram muito mais refinados do que os dos rapazes marroquinos. Eles me sacaneavam por causa disso e por eu saber muito pouco rabe. Na verdade, eles riam de tudo: das roupas que usava, at mesmo do meu cheiro. Minha me tinha comeado a usar amaciante de roupas na Blgica, o que era desconhecido no Marrocos. Os rapazes disseram que eu cheirava como um gaouri, um cristo.Eu me senti endurecendo. O pas que eu amava no mais me amava ;e, assim, em retribuio, eu o amava cada vez menos. Em pouco tempo, a Blgica parecia ser um lugar muito melhor e o Marrocos ficou, por comparao, sendo muito mais fraco, mais atrasado. Eu sentia falta da liberdade da Europa, do modo como as pessoas podiam conversar entre si abertamente, do modo como um homem e uma mulher podiam ficar juntos sem medo. O modo como as pessoas discutiam to vivamente sobre tudo.O Marrocos, em contraste, era corrupto e repressor. Tudo era suborno uma graninha aqui, outra ali. No havia outro jeito de conseguir que as coisas fossem feitas. O governo estava corrompido com subornos, propinas e favores, e, como resultado, o pas era um desastre. No havia programas de bem-estar social dos quais se falar. As estradas eram completamente esburacadas, quando havia estradas. Os trens e os nibus, uma catstrofe total. A polcia estava por toda parte e todos viviam com medo. As paredes sempre tinham ouvidos: vizinhosespionavam vizinhose, assim, ningum falava nada importante. E tudoera a classe social, quem tinha oqu e quanto. Quem no tinha dinheiro era tratado como lixo. Eu odiava isso.jEu tambm me afastei da minha famlia. Na minha ausncia, ela desmoronara. J tinha percebido sinais disso na poca em que passvamos os veres juntos no Marrocos. Marroquino tpico, meu pai era um verdadeiro auto44 POR DENTRO DO J IHADritrio e tratava minha me muito mal. Ele tinha vrias amantes, mas ficava furioso com ela ao menor sinal de independncia. s vezes, ele batia nela, quase sempre com brutalidade. Meus irmos e irms sabiam disso, mas era algo que nunca discutamos.Minha me era um anjo. Uma vez, quando eu tinha cerca de dez anos, ela e eu estvamos olhando um lbum de fotografias. Eram fotos da famlia dela e, ao apontar para cada pessoa, ela dizia seu nome. Havia muitas moas lindas no lbum (eu tinha comeado h pouco tempo a prestar ateno nas garotas). Eu pedia minha me para me contar sobre cada uma e, ao ouvir os detalhes, perguntava se poderia casar com ela quando crescesse. Minha me ria todas as vezes e explicava que parentes no podem casar entre si.Quando chegamos ao fim do lbum, havia uma foto de uma garota especialmente linda, mas a minha me fechou o lbum antes de eu poder examin-la.Mamati, voc esqueceu de contar sobre a ltima! eu reclamei. Eu tirei o lbum de suas mos e abri-o novamente na ltima pgina. Eu apontei para o retrato, uma menina de 13 ou 14 anos com longos cabelos negros.Minha me sorriu:Voc no precisa saber dela. Ela no sua parente.Eu estava em xtase:Ento eu posso casar com ela!Talvez, se voc for bem na escolaminha me riu, mas ainda assim no me disse seu nome.A imagem ficou na minha memria e alguns anos depois eu perguntei minha me sobre a garota. Ela pareceu surpresa.Voc no reconhece ela?No eu disse. uma foto de mim quando criana! Sou eu, a sua mamar Ento ela riu mais uma vez; seus olhos brilharam e eu reconheci a menina da foto.Alguns meses aps eu voltar da Blgica, meu pai conseguiu um emprego em Sidi Kacem, no centro do Marrocos. Ele desejava que todos ns fssemos com ele, mas ningum quis ir. Tnger era uma cidade agitada, cosmopolita,BRUXELAS45mais parecida com a Europa do que qualquer outra coisa no Marrocos. E Sidi Kacem era um lugar isolado em uma parte subdesenvolvida do pas.Meus pais brigavam por causa disso o tempo inteiro.Um dia meu pai chegou em casa ainda irritado com uma discusso da noite anterior. Eu estava em casa com minha me e meu irmo mais velho, Hakim, quando ele entrou. Ele imediatamente comeou a berrar com a minha me e ela gritou de volta. Ns j estvamos acostumados com a gritaria. Mas, ento, meu pai comeou a chut-la e ela caiu no cho.Eu olhei para o meu irmo para ver se ns devamos fazer alguma coisa. Euestava acostumadocomHakimme dizendooquefazer;eleera meu irmo mais velho e ele nunca me deixava esquecer disso. Ele era um valento, mas eu tinha orgulho de t-lo como irmo porque ele protegia a mim e a meus irmos e irms. Quando tinha dinheiro, ele nos levava ao cinema ou nos dava alguns francos para gastarmos sozinhos.Mas agora Hakimsequer meencarava;ele sficava olhando para o cho. Ele estava certo, claro. Como muulmanos, ns sabamos quejnun- ca devamos desafiar a autoridade paterna. Mas minha me estava chorando e gritando e eu podia ver que ela estava com medo. Eu no conseguia suportar isso.A essa altura, eu j era maior do que meu pai e ele no me assustava. Eu me adiantei e o tirei de perto da minha me. Eu o peguei, levei-o para fora da casa e o fiz sentar-se no cho. Eu olhei dentro de seus olhos e pude ver que estava furioso comigo, mas tambm com medo. Mas eu no ligava mais para o que ele pensava.Nunca mais faa isso eu disse a ele. Depois entrei de novo em casa e fechei a porta atrs de mim. Minha me estava em silncio. Eu podia ver que ela ainda estava assustada, mas tambm chocada com o que eu acabara de fazer. Eu olhei para Hakim, mas ele no ergueu os olhos. Apenas ficou olhando para o cho.Naturalmente, meu pai voltou a fazer isso muitas vezes. Mas eu no estava por perto para testemunhar. Alguns meses aps a briga, arrumei um emprego em um navio e fui correr mundo. Eu estava contente por ir embora do Marrocos, da minha famlia, de tudo.46POR DENTRO DO J IHADQuando retornei, minha me havia partido. Ela finalmente se divorciou do meu pai e voltou para a Blgica com alguns dos meus irmos e irms. Mas eu me desligara tanto da minha famlia que isso no me incomodou.Pelos prximos dez anos, eu morei no Marrocos sozinho, s vezes nas ruas, s vezes em hotis, dependendo de eu ter dinheiro ou no. Eu bebia bastante e fumava haxixe todos os dias, ouvia reggae e dormia com muitas garotas. Eu nunca pensava no futuro. Se tinha dinheiro, eu gastava. Se no tinha, no me preocupava muito.Cheguei a trabalhar como guia e encaminhava turistas para os vendedores de tapetes. Eu era bom nisso. Eu passara tanto tempo sozinho quando criana olhandooutras pessoas que havia aprendido a analis-las. Eu era capaz de saber a personalidade de algum a partir de pequenos detalhes: o jeito de arquear uma sobrancelha, o gesto de uma mo, o jeito de caminhar. Eu sabia instintivamente como pegar os estrangeiros mais vulnerveis, aqueles que podiam ser facilmente pressionados. Em poucos segundos, eu podia dizer se conseguiria tirar dinheiro de algum ou no.Entretanto, vinham mais turistas para o Marrocos atrs de haxixe do que de tapetes e logo eu estava trabalhando comointermedirio entre os produtores nas montanhas e os turistas nas cidades. Em pouco tempo, eu estava fechando negcios envolvendo centenas de quilos de haxixe, no mais somente para turistas mas tambm para clientes no exterior. Dava bastante dinheiro e isso tudo o que importava.As ruas de Tnger eram coalhadas de policiais. Eles estavam ali para proteger os turistas de malandros como eu. Havia muitos tiras disfarados e eu logo aprendi a identific-los na multido. Eu os observava prendendooscarasqueespalhavamseusprodutoscontrabandeados perfumes,eletrnicosecosmticosbaratosdaEuropa sobrepanos nas praas.Euestudava os policiaisquandoeles vinhamfurtivamente por trs parafazer as prises.Euestudavaomodocomose moviam. Aprendi a identificar os policiais pelas expresses do rosto intensas, muito srias. Depois de pouco tempo, eu podia reconhec-los instintivamente e, assim, conseguia evit-los.BRUXELAS 47Eu era um bom negociante e logo meu nome ganhou fama. As pessoas comearam a me procurar para servios difceis. Dois jornalistas do El Pas vieram atrs de mim quando quiseram escrever uma matria sobre trfico de imigrantes na costa entre Tnger e Ceuta. Era um negcio perigoso no Marrocos e ficava bastante oculto no submundo. Mas eu descobri parajeles a histria e eles tiraram centenas de fotos. Mais tarde, outro jornalista pediu-me para lev-lo universidade em Fez durante alguns distrbios. A universidade estava fortemente policiada durante odia; os tumultos havjiam ficadoextremamente violentos, de forma que ningumconseguia entrar. Mas, noite, eu consegui dar um jeito de colocar o jornalista l dentro. Eu persuadi alguns dos alunos a falar com ele e fiquei ali a noite inteira servindo de intrprete.Mas algumascoisaseram muitoperigosas, atmesmopara mim.Um dia doisalemesparaosquaiseuvendia haxixemeprocuraramcom uma oferta.Elesqueriam comprar haxixe dandoarmas em troca.Eles vieramamimcomuma lista detudooque tinhampara vender. jEra inacreditvel:Kalashnikovs, tanques,lana-foguetes,msseis,avies;de combate. Isso foi no fim dos anos1980, quando o imprio sovitico estavaentrandoemcolapso.Osgeneraissoviticosestavam vendendo tudo o que tinham para conseguir dinheiro vivo antes de os equipamien- tos serem tirados deles. Choviam armas na Europa, disposio de quem quisesse comprar.Vocs esto malucos? eu perguntei aos alemes aps olhar a lista. Vocs tm sorte de terem vindo a mim. Qualquer outra pessoa venderia vocs polcia e vocs passariam o resto de suas vidas aqui na priso,jNingum negocia armas assim num pas muulmano, e certamente no no Marrocos. Os alemes seriam jogados na priso se fossem pegos. Seriam torturados ali e jamais sairiam. Eu queimei rapidamente o papel e ns jamais falamos no assunto novamente.48 POR DENTRO DO J IHADHakimEu tinha 26 anos quando o meu irmo mais moo, Adil, foi morto. Ele levou um tiro na escola, na Blgica. Foi um acidente: um amigo levou uma pistola escola e os dois estavam brincando com a arma quando ela disparou. A bala atravessou o corao do meu irmo e ele morreu em trs minutos. Ele tinha 14 anos.Eu estava em Tnger quando isso aconteceu. Fiquei sabendo por um amigo da famlia, J awad, que trabalhava numa farmcia da cidade. Eu passava na farmcia a intervalos de poucas semanas, porque s vezes a minha me enviava algum dinheiro para mim por intermdio dele e eu ia l para fazer o saque. Nesse dia, quando entrei, um dos funcionrios me chamou de lado. Ele tinha a expresso sria e me levou at o escritrio de Jawad. Quando atravessei a porta, J awad disse que tinha uma notcia e pediu-me que sentasse.Seu irmo Adil morreu h dois dias ele disse, dando-me os detalhes.Eu no fiquei surpreso ou sequer abalado. A morte jamais havia me abalado. Eu sempre acreditara que Deus faz tudo por uma razo. Quem sou eu para questionar Sua vontade? Se algum sofre na minha frente, eu sinto isso de maneira profunda. Isso me destri. Mas quando uma pessoa morre, acabou. No h mais sofrimento.Alguns anos antes meu av havia morrido. Ele encontrava-se muito doente e muitos membros da famlia estavam ao seu redor quando ele deixou o mundo. Todos gemiam e choravam, mas eu no sentia nada. Eu amava o meu av, mas ele nunca fora meu. Ele pertencia a Deus e Deus o levara de volta.Algumassemanasdepoiseumeencontreipor acasocommeuirmo mais velho, Hakim, na rua. Eu no esperava v-lo, mas ele cntou que voltara a Tnger para enterrar nosso irmo e que permaneceria por um tempo.Eufiqueicompletamentechocadocomasuaaparncia.Fazia mais de sete anos que no o via e lembrava-me dele como um homemBRUXELAS 49bonito, bastante elegante e vaidoso. Ele fumava, bebia, ia a festas e sempre estava cercado de mulheres.Agora tudo mudara. Ele tinha uma barba longa e usava uma djellaba. Em toda a minha vida jamais o vira usando uma tnica. E ele tinha um siwak entre os dentes. O siwak uma espcie de galho do Oriente Mdio que o Profeta Maom mandou que seus seguidores mastigassem para perfumar o hlito antes de rezar. Somente os muulmanos mais devotos fazem isso.Todavia, Hakim ainda era metido a valento; isso no mudara. Ns caminhamos at a casa de uma das minhas irms e, quando chegamos , ele mandou-me fazer minhas ablues.Porqu? eu perguntei.Para podermos ir mesquita rezar ele respondeu.Eu no vou rezar disse. Eu no ia a uma mesquita h muitos anos e a idia pareceu-me ridcula.Oseuirmomorreu retrucouHakim. Temosquefazera nossa salat.No fim, acabei indo. No por causa de Adil, mas porque estava cojme- ando a perceber que talvez eu tirasse alguma vantagem disso. Nessa poca, eu estava cansado do Marrocos, cansado da vida que levava. Eu queria voltar Blgica. Eu pensei que Hakim poderia ajudar-me a comear de novo l, a encontrar um trabalho. Ento fiz minhas ablues e fui com ele at a mesquita orar.Ns passamosessa noite na casa da nossa irm e na manh seguinte Hakimdisse-me queiramospara Casablanca. Eunoqueria ir a Csa- blanca. Eu tinha outras coisas a fazer e disse-lhe que no iria.Voc tem que vir comigo ele falou. Voc tem que mudar a sua vida. Eu quero te ajudar.jAssim,deixei-meserpersuadidoefuicomHakimdecarropara Casablanca. No caminho, perguntei-lhe o que iramos fazer quando chegssemos l.Temum grupode irmos em Casablanca queeuqueroque voc conhea ele respondeu. Quero que voc passe algumas semanas cjomeles. Queroque aprenda com eles, porque voc precisa voltar para Deus. Agora voc taghut.II50POR DENTRO DO J IHADImpuro.Voc tem que voltar para Deus.Eu no tinha idia do que ele estava falando, de quem eram esses irmos. Mas como mais do que tudo eu queria sair do Marrocos, fingi estar interessado e agradeci.Em Casablanca, nosencontramos com osirmos em uma mesquita. Aps rezarmos, voltamos juntos para Tnger. Hakim iria deixar-me ali por um ms; ele disse ter outras coisas para fazer enquanto estava no Marrocos.Durante esse ms, os amigos de Hakim me acompanharam, para assegurar-se de que eu estava levando uma vida devota. Eu fazia a salat cinco vezes por dia; foi fcil retornar ao hbito que aprendera quando criana. Ele nunca sara de mim. Mas eu tambm tinha que parar de fumar e beber e isso era bem mais difcil. Eu estava disposto a suportar, porm, porque via toda essa pantomima como um meio para atingir um fim.Aps o retorno de Hakim, ns moramos durante seis semanas com a minha irm. Nesse perodo, falvamos constantemente sobre o Isl. Hakim ensinou-mecomocomportar-mecomoum verdadeiromuulmano:o modo de andar, o modo de rezar, o modo de vestir-se. Eu aprendi a andar com os olhos para baixo, sempre no mesmo ngulo. A nunca olhar no olho de ningum na rua, nunca olhar para uma mulher acima de seu queixo. Eu aprendi como vestir-me. Nenhuma roupa jamais deveria ficar abaixo dos tornozelos um sinal de arrogncia. A cabea deve estar coberta o tempo inteiro para repelir o demnio.Eu tambm aprendi a maneira correta de orar. Aprendi a ficar com os ps juntos e o ombro encostado ao do irmo ao lado. Aprendi a no olhar para os meus ps quando me ajoelhasse, a manter os olhos sempre focalizadosnolugar emque pousaria a testa quandobaixasse minha cabea, diante de Deus.Hakim ensinou-me tudo isso. Ele tambm falou sobre o jihad, a batalha que todosos muulmanosdevotosconstantemente travam dentrodesi mesmos para mostrar devoo a Deus. Ele me disse que eu tenho que dar tudo a Deus, confiar totalmente Nele e no guardar nada para mim. Mas, mesmo que eu d tudo a Deus, ainda no o suficiente; eu preciso dar ainda mais. No suficiente fazer a salat cinco vezes por dia. Eu tenho que rezarBRUXELAS 51constantemente, sentindoremorsoem todos os momentospor tudoem mim que impuro.Eu comecei a notar que os lbios de Hakim estavam sempre se mexendo ligeiramente. Quase no dava para perceber, at o dia em que compreendi o que estava vendo.iHakim e eu passvamos bastante tempo falando de poltica, das injustias infligidas aos muulmanos em todo o mundo. Estvamos no final de 1993 e a guerra na Bsnia se desenrolava havia quase dois anos, como a guerra na Arglia. Eu sabia disso muito antes de Hakim regressar ao Marrocos. Todos os muulmanos sabiam.Mas era sobre a guerra no Afeganisto que eu mais tinha conhecimento. Como todo jovem no Marrocos e no mundo muulmano, eu assistira invasodoExrcito Vermelhoao Afeganistoem1979.E, comotodos[ eu odiava os russos. Ns os teramos odiado de qualquer modo eles tinham invadido terra muulmana , mas era o fim da Guerra Fria e o Marrocos era aliado dos Estados Unidos. A televiso, os jornais todoseles eram controlados pela Amrica por intermdio doregime ttere do Marrocos e derramavampropaganda anti-sovitica.Elesnosirritavamdemais. Eu, como qualquer homem jovem, sonhava em combater lado a lado com os mujahidin no Afeganisto.Mas eu aprendi muito mais sobre a guerra no comeo dos anos1990,iaps os russos se retirarem. Num vero, eu viajei pela Europa por uns dois meses com uma garota que tinha conhecido no Marrocos. Eu logo me secarei dela. Antes de voltar para casa, fui para Paris sozinho. Era veroe; eu fiquei muito tempo apenas andando pela cidade. Um dia eu passei em frente ao Centro Pompidou. Eu nunca tinha ouvido falar nele e no sabia o que havia dentro, mas vi uma grande fila de gente esperando do lado de fora e, por curiosidade, entrei nela.jEu acabei passandotrs mesesem Paris, a maior parte dotempo |no Centro Pompidou. Ele tinha uma biblioteca impressionante e eu devorva tudo que via: histria, religio, cincia. Mas eu me detinha mais no material sobre a invaso sovitica do Afeganisto. Eles tinham uma coleo extraordinria de filmes e documentrios sobre os soviticos e sobre os mujahidin.52POR DENTRO DO J IHADEsses homens eram surpreendentes, diferentes de tudo o que eu j tinha visto. Eu assisti a um filme vezes sem fim, de um homem com uma longa barba de p em um tanque. Mais tarde, fiquei sabendo que ele fora morto em uma batalha em Cabul, mas no filme ele parecia glorioso. Em seu rosto eu podia ver a intensidade doseu comprometimento, de sua f. Takbir! Allahu akbar!, ele