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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-Graduação em Direito PARTICIPAÇÃO POPULAR COMO INSTRUMENTO DE CONCRETIZAÇÃO DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO: a gestão orçamentária participativa Anaximandro Lourenço Azevedo Feres Belo Horizonte 2008

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAISPrograma de Pós-Graduação em Direito

PARTICIPAÇÃO POPULAR COMO INSTRUMENTO DE CONCRETIZAÇÃO DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO:

a gestão orçamentária participativa

Anaximandro Lourenço Azevedo Feres

Belo Horizonte

2008

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Anaximandro Lourenço Azevedo Feres

PARTICIPAÇÃO POPULAR COMO INSTRUMENTO DE CONCRETIZAÇÃO DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO:

a gestão orçamentária participativa

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito, da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Direito.

Orientadora: Profa. Dra. Marinella Machado Araújo

Belo Horizonte

2008

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FICHA CATALOGRÁFICA Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Feres, Anaximandro Lourenço Azevedo

F349p Participação popular como instrumento de concretização do Estado Democrático de Direito: a gestão orçamentária participativa / Anaximandro Lourenço Azevedo Feres. - Belo Horizonte, 2008. 111f. Orientadora: Marinella Machado Araújo.

Dissertação (mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Programa de Pós-Graduação em Direito. 1. Democracia . 2. Participação política. 3. Administração pública. 4. Políticas públicas. 5. I. Araújo, Marinella Machado. II. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Direito. III. Título.

CDU: 321.7

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Anaximandro Lourenço Azevedo Feres

Participação Popular como Instrumento de Concretização do Estado

Democrático de Direito: a gestão orçamentária participativa.

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito

da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

Belo Horizonte, 2008.

__________________________________________________

Profa. Dra. Marinella Machado Araújo (Orientadora)

PUC Minas

__________________________________________________

Profa. Dra. Maria Paula Dallari Bucci

UNISANTOS

__________________________________________________

Prof. Dr. José Adércio Leite Sampaio

PUC Minas

__________________________________________________

Profa. Dra. Cristiana Fortini

UNIPAC

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A Deus, norte e porto.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, por sempre iluminar meu caminho;

À minha família por todo o apoio recebido ao longo desta jornada;

No âmbito da PUC Minas, são muitos:

- Ao professor Marcelo Leite Metzker, pela confiança e amizade constantes;

- À todos da PUC Minas em Arcos, pela convivência diuturna e fraterna;

- Aos professores do Programa de Pós Graduação em Direito pela

oportunidade de convívio e convite à reflexão;

- Aos funcionários do Programa de Pós Graduação em Direito, pela

presteza e solicitude;

- Aos colegas do NUJUP e do OPUR pela contribuição no amadurecimento

das idéias aqui contidas;

- A todos os que foram meus alunos ou ouvintes, pela possibilidade de

compartilhar destas reflexões e anseios;

- E, especialmente, à minha orientadora, Profa. Dra Marinella Machado

Araújo, pela acolhida e estímulo ao crescimento intelectual e acadêmico,

muito obrigado por tudo!

E a todos que de alguma forma contribuíram na realização deste trabalho.

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“Uma coisa é por idéias arranjadas, outra é lidar com país de

pessoas, de carne e sangue, de mil-e-tantas misérias... Tanta

gente – dá susto se saber – e nenhum se sossega: todos

nascendo, crescendo, se casando, querendo colocação de

emprego, comida, saúde, riqueza, ser importante, querendo

chuva e negócios bons...”

“viver é muito perigoso”

João Guimarães Rosa

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RESUMO

Esta dissertação objetiva discutir como a administração pública dialógica pode

funcionar como um instrumento eficiente de garantia da efetividade de direitos

sociais no Estado de direito democrático. Tomando a definição de Estado de direito

sustentada por Jürgen Habermas, este trabalho analisa (i) como o princípio do

discurso apresentado pela teoria do discurso de Habermas pode reforçar a

legitimidade de decisões políticas sobre planejamento urbano ou proteção

ambiental; e (ii) qual lugar ocupa o orçamento participativo no processo de

construção de cidades sustentáveis e na garantia de direitos fundamentais sociais.

Tudo isso respaldado pela teoria da interpretação jurídica de Friedrich Muller, que

considera não apenas o contexto da lei, mas também o âmbito da lei em que ela se

insere como pré-requisitos para alcançar o significado que mais efetiva o direito que

ela regula.

Palavras-chave: Estado democrático de direito, orçamento participativo,

administração pública dialógica.

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ABSTRACT

This dissertation aims to discuss how the participatory governance can work as an

efficient tool of social fundamental rights’ effectiveness guarantee in the Democratic

Rule of Law. Taking the definition of Rule of Law stated by Jürgen Habermas, this

paper analyzes (i) how the application of the discourse principle, presented by

Habermas’ Discourse Theory, can emphasizes the legitimacy of political decisions

about urban planning or environmental protection; and (ii) which place the

participatory budged takes in the process of building sustainable cities and

guarantying fundamental social rights. All these will be supported by the Friedrich

Müller law interpretation theory, which considers not only the text of law, but also the

law context, which it is inside, as prerequisites to achieve the meaning which more

effective the right it (the law) regulates.

Keywords: Democratic Rule of Law, Participatory Budget, participatory governance

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LISTA DE ABREVIATURAS

Art. – ArtigoCap. – CapítuloEd. – EdiçãoInc. – IncisoLC- Lei ComplementarNº – NúmeroOrg. – OrganizadorP. – PáginaP.ex. – Por exemplorev. – revistaVol. – volume

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LISTA DE SIGLAS

COMFORÇA - Comissões Regionais de Acompanhamento e fiscalização do

Orçamento Participativo CRFB/88 – Constituição da República Federativa do Brasil de 1988FMI – Fundo Monetário InternacionalIBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e EstatísticaIQVU - Índice de Qualidade de Vida UrbanaLDO – Lei de Diretrizes OrçamentáriasLOA – Lei Orçamentária AnualLRF – Lei de Responsabilidade FiscalNUJUP – Núcleo Jurídico de Políticas PúblicasONU - Organização das Nações UnidasOP - Orçamento Participativo OPUR – Observatório de Políticas UrbanasPBH - Prefeitura de Belo Horizonte PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de DomicíliosPPA – Plano PlurianualPROEX – Pro-Reitoria de ExtensãoPUC Minas – Pontifícia Universidade Católica de Minas GeraisTRE - Tribunal Regional Eleitoral

SUMÁRIO

a gestão orçamentária participativa............................................................................. 2AGRADECIMENTOS................................................................................................... 2RESUMO..................................................................................................................... 2ABSTRACT.................................................................................................................. 3LISTA DE ABREVIATURAS........................................................................................ 1LISTA DE SIGLAS..................................................................................................... 112 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E A BAIXA EFETIVIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NA ORDEM JURÍDICA BRASILEIRA.........................17

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3 A RECONSTRUÇÃO DO INTERESSE PÚBLICO A PARTIR DA IDÉIA DE DEMOCRACIA PROCEDIMENTAL HABERMASIANA E DA TEORIA CONCRETISTA DE FRIEDERICH MÜLLER COMO FORMAS DE CONCRETIZAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS AO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO E À CIDADE SUSTENTÁVEL ...................... 31

3.1 A teoria do discurso de Jürgen Habermas.......................................................................373.2 A teoria concretista de Friederich Muller e a participação local.................................... 47

4 O PAPEL ESTRATÉGICO DO ORÇAMENTO PÚBLICO PARA A EFICIÊNCIA DAS POLÍTICAS PÚBLICAS E GARANTIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NO ESTADO BRASILEIRO.............................................................................................. 56

4.1 Aspecto Político do Orçamento Público......................................................................... 584.2 Princípios Constitucionais Orçamentários...................................................................... 624.3 A Legislação infraconstitucional.................................................................................... 634.4 Gestão Orçamentária Participativa – O Estatuto da Cidade........................................... 644.5 A Gestão Orçamentária Participativa como instrumento de efetividade de políticas públicas e dos direitos fundamentais à cidade sustentável e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.................................................................................................. 65

5 O ORÇAMENTO PARTICIPATIVO DE BELO HORIZONTE - MG......................... 795.1 O Orçamento Participativo e a Transformação na Relação Estado Sociedade...............895.2 Os limites das transformações promovidas pelo Orçamento Participativo.....................95

6 CONCLUSÃO....................................................................................................... 1007 REFERÊNCIAS.................................................................................................... 1051 INTRODUÇÃO

A Constituição de 1988 definiu o Brasil como um Estado Democrático de

Direito, assegurando o exercício de poder pelo povo através de seus representantes

ou diretamente, nos termos do texto constitucional.

A conformação de um Estado dito Democrático de Direito seria uma evolução

natural do Estado Social – ou Welfare State, este já evoluído do chamado Estado

Liberal.

Na construção teórica acerca do Estado Democrático de Direito, a teoria

discursiva de Habermas dá traços para a sua definição, como um espaço que

propicie um diálogo livre e construtivo entre governantes e governados,

possibilitando a construção dos significados normativos através de processos

dialógicos, em que a esfera de atuação do Poder Público estará permanentemente

imbricada com a sociedade civil. Nesta perspectiva, os destinatários das normas

jurídicas seriam também os seus co-autores, contribuindo sobremaneira para a

efetivação de todo o arcabouço normativo-institucional.

Porém, como efetivar direitos num país assolado por mazelas de toda a

ordem? Exclusão, desigualdade econômica e social, distribuição de renda altamente

discrepante, corrupção, falta de compromisso dos governantes com os interesses da

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população. No Brasil não temos sequer a efetivação do Estado Liberal, sem a

possibilidade de assegurar as garantias mínimas previstas no texto da Constituição,

como o próprio direito à vida. Como então assegurar os direitos sociais preconizados

no Estado de Bem-Estar social e finalmente chegar à garantia e implantação dos

direitos coletivos, como, p.ex., os direitos ao Meio Ambiente Ecologicamente

Equilibrado e à Cidade Sustentável?

A justificativa sempre esbarra na falta de recursos disponíveis por parte do

Poder Público para o atendimento das necessidades sociais. A limitação financeira é

a resposta constantemente enumerada para a falta de solução dos inúmeros

problemas que afligem a população. Mas será que existia – ou existe - um meio de

melhorar a aplicação dos recursos públicos para garantir ou pelo menos tentar

efetivar estes direitos previstos na Constituição?

Em meados de 2004, enquanto o país se esquecia temporariamente de suas

mazelas para acompanhar as Olimpíadas de Sydney na Austrália, assumi a cadeira

da disciplina “Direito Financeiro e Finanças Públicas” na Faculdade Mineira de

Direito da PUC Minas em Arcos - MG, disciplina esta do 10º período do curso de

graduação em Direito.

Diante de uma ementa demasiadamente teórica e, por que não dizer,

maçante, me vi às voltas com o desafio de aproximar o conteúdo da disciplina, que

versa sobre o “Estudo da base constitucional das despesas, orçamento, crédito e

finanças públicas.” para a realidade experimentada pelos alunos, de modo a tornar o

seu estudo mais prazeroso, inserindo a disciplina na realidade por eles vivenciada.

Vale ressaltar aqui que a PUC Minas em Arcos encontra-se inserida na

mesorregião do Oeste de Minas e na microrregião do Alto São Francisco, cuja

macrorregião (num raio de 130 km) compõe-se de 37 (trinta e sete) municípios. O

campus recebe alunos oriundos de todas estas 37 cidades, bem como de outras

localidades de Minas Gerais e do Brasil.

Diante desta realidade, passei a propor a realização de um trabalho de

análise orçamentária das cidades de origem dos alunos, em que um dos temas

discutidos é a existência ou não de gestão orçamentária participativa em cada

município, e o papel deste processo na formação da consciência cívica e cidadã da

população local.

Tenho reiteradamente notado que os alunos não possuem conhecimento da

importância que o orçamento público adquire na vida cotidiana dos cidadãos,

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passando com a elaboração do trabalho a concluir acerca da necessidade de trazer

a população para dentro do processo de elaboração das leis orçamentárias, dada a

importância que elas diretamente adquirem na vida de cada um, e do potencial que

este mecanismo adquire para impulsionar a participação e a conscientização política

dos munícipes.

Esta importância assume especial conotação nos pequenos municípios

brasileiros, em que os gastos públicos representam em muitos casos a principal ou

mesmo única fonte de recursos da economia local.

Diante de tais fatos, entendi de grande importância uma análise da

importância dos instrumentos de participação popular na gestão democrática como

instrumento de materialização do Estado Democrático de Direito e efetividade dos

direitos fundamentais à Cidade Sustentável e ao Meio Ambiente Ecologicamente

Sustentável, em especial com uma análise da gestão orçamentária participativa.

Vinculado à linha de pesquisa “Estado, Constituição e Sociedade no

Paradigma do Estado Democrático de Direito”, especificamente ao projeto

institucional “Participação Popular” e à sublinha “Cidadania e Políticas Públicas”, o

tema aborda a temática da participação popular no âmbito do Poder Executivo,

quando da elaboração do projeto de lei orçamentária, operando-se no contexto

democrático-participativo como forma complementar do modelo de democracia

representativa, em busca de soluções que atendam às demandas dos grupos

sociais. Nesses esforços, o trabalho é resultado de atividades de pesquisas do

Núcleo Jurídico de Políticas Públicas (Nujup/PUC Minas), integrado ao Programa de

Pós-Graduação em Direito da PUC Minas, área de concentração em Direito Público.

Também resulta das pesquisas do Observatório de Políticas Urbanas (OPUR)/Pró-

reitoria de Extensão da PUC Minas (PROEX), integrando o Projeto Milênio/CNPQ

desenvolvido pelo Observatório das Metrópoles em Minas Gerais. Para subsídio das

pesquisas o estudo também contou com o apoio do PPCD (Programa Permanente

de Capacitação Docente) e do FIP (Fundo de Incentivo à Pesquisa), ambos da PUC

Minas.

Os assuntos abordados no trabalho foram objeto de amplas discussões

acadêmicas, difundidas da seguinte forma: i) aprovação e apresentação do trabalho

“Gestão Orçamentária Participativa: o papel do Estatuto da Cidade na construção do

paradigma de justiça urbano-ambiental intergeracional”, no XV Encontro

Preparatório para o Congresso Nacional do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-

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Graduação em Direito (CONPEDI), em Recife, em co-autoria com a mestranda e

pesquisadora do NUJUP Betina Günther Silva e com a orientadora do trabalho,

profa. Dra. Marinella Machado Araújo obtendo publicação nos anais do evento; ii)

aprovação e apresentação do trabalho “Conselhos Municipais de Saúde e a

Construção Dialógica do Orçamento Público”, no XVI Encontro Preparatório para o

Congresso Nacional do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em

Direito (CONPEDI), em Campos dos Goytacazes - RJ, em co-autoria com a

mestranda e pesquisadora do NUJUP Simone Reissinger e com a orientadora do

trabalho, profa. Dra. Marinella Machado Araújo obtendo publicação nos anais do

evento; iii) apresentação e aprovação dos artigos “A concretização do princípio da

Função Social da Propriedade Urbana pelos atores municipais: Possibilidade de

efetivação do direito pela construção de normas adequadas à realidade” em co-

autoria com a pesquisadora do PIBIC/CNPQ Leda Lúcia Soares e a orientadora do

trabalho, profa. Dra. Marinella Machado Araújo e “Os princípios constitucionais da

Publicidade e da Eficiência e os relatórios de execução orçamentária - a

necessidade de simplificação técnica: um estudo à luz da teoria discursiva do Direito

de Jürgen Habermas” em co-autoria com a orientadora do trabalho, profa. Dra.

Marinella Machado Araújo, ambos no XVI Congresso Nacional do Conselho

Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito (CONPEDI), em Belo Horizonte;

iv) participação no “Programa Interdisciplinar Políticas Públicas e Gestão Local –

Curso de Capacitação de Agentes Sociais e Conselheiros Municipais”, promovido

pela parceria entre Observatório das Metrópoles em Minas Gerais, Instituto FASE,

Nujup e PROEX/PUC Minas, financiado pelo “Programa Reconhecer” do MEC, com

divulgação através da palestra “Estatuto da Cidade: as conquistas pelo Direito à

Cidade”, ministrada na PUC Minas em Arcos – MG (2006) e no auditório do SESC

em Poços de Caldas – MG (2007); v) apresentação do trabalho “Práxis Educativa

Interdisciplinar: A experiência do Curso de Capacitação de Agentes Sociais e

Conselheiros Municipais” no III FOREXT realizado em Itanhaém – SP (2007); vi)

minicurso sobre orçamento participativo ministrado durante a I Semana de Ciência e

Cultura da PUC Minas em Arcos em 2007, além das reflexões com os discentes

sobre o tema ao longo das disciplinas ministradas no âmbito do Curso de Direito da

PUC Minas, onde leciono desde 2003.

O que se espera com o presente trabalho é demonstrar que a efetividade dos

Direitos Fundamentais e a própria materialização do Estado Democrático de Direito

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podem ter como aliado indispensável a gestão orçamentária participativa, como

forma de tornar a administração pública mais próxima da população, fazendo

também com que a população sinta-se legitimada como co-autora e partícipe do

processo de tomada de decisões políticas, aumentando a probabilidade de

efetivação das políticas pública.

Falaremos sobre a baixa efetivação dos direitos fundamentais previstos na

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, mormente em virtude da

perspectiva de gastos públicos dentro da chamada “reserva do possível” para a

concretização destes direitos dentro das previsões orçamentárias do Poder Público.

Demonstraremos que os direitos fundamentais ao Meio Ambiente

Ecologicamente Equilibrado e à Cidade Sustentável podem efetivar-se

materialmente a partir da participação popular nos processos de produção e

execução das leis orçamentárias. A falta de participação da população na

elaboração dos planos de gastos públicos nestas áreas compromete a legitimidade

das ações estatais de concretização de políticas públicas e conseqüentemente a

efetividade dos direitos fundamentais.

Tendo como pano de fundo a teoria do discurso de Habermas, defenderemos

que a reconstrução do interesse público a partir da idéia de democracia

procedimental do mesmo Habermas, em que o interesse público será legítimo se

manifestado diretamente por aqueles atingidos pelas decisões estatais.

Ainda com base na mesma teoria do discurso habermasiana combinada com

a teoria concretista de Müller, demonstraremos o papel estratégico da gestão

orçamentária participativa como instrumento de concretização do Estado

Democrático de Direito e concretização e efetivação – com eficiência, das políticas

públicas.

Demonstrando a importância do orçamento como peça fundamental de

gestão pública, analisaremos parcialmente a sistemática do orçamento participativo

de Belo Horizonte – MG, como forma de alteração na relação entre o Estado e a

Sociedade, extraindo também desta experiência as conclusões para o trabalho.

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2 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E A BAIXA EFETIVIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NA ORDEM JURÍDICA BRASILEIRA

Neste capítulo faremos um breve histórico dos modelos de regulamentação

estatal dos direitos fundamentais e da noção de cidadania, passando pela própria

definição dos direitos fundamentais e das possíveis formas de sua efetivação, para

chegarmos ao modelo atual adotado de Estado Democrático de Direito adotado no

Brasil, e trataremos da baixa efetividade dos direitos fundamentais que se verifica

hoje no país, demonstrando que em muitos casos os índices de qualidade de vida

da população contribuem de maneira significativa para a manutenção deste quadro.

Não podemos falar em paradigmas, ou, como preferem alguns, modelo de

regulamentação constitucional, sem fazer uma breve retrospectiva acerca da

evolução experimentada pelo estamento dirigente dos Estados, também dentro da

perspectiva do Direito Moderno-Racional, desde o Estado Liberal até a chegada ao

Estado Democrático de Direito.

O modelo de Estado Liberal exigia que o Estado se abstivesse de qualquer

ação de agressão ao indivíduo, entendida como liberdades negativas do indivíduo

frente ao Estado. Passou o cidadão a ter, portanto, direito a esta não atuação da

máquina estatal de modo a prejudicar-lhe, positivando-se o que convencionou

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chamar de direitos fundamentais de 1ª geração, como o direito à vida, à liberdade,

ao contraditório, à ampla defesa.

Nos dizeres de SAMPAIO (2004, p. 260), inicia-se uma perspectiva de direitos

contratuais, separando o estado e a sociedade, em que o “Estado desempenha um

papel de polícia administrativa por meio do Poder Executivo e de controle,

prevenção e repressão pelo Judiciário de ameaça ou lesão. Internamente, dividem-

se em (1) direitos civis e (2) direitos políticos”.

Neste paradigma, a regulamentação legislativa deixava marginalizados os

anseios da população, sendo, muitas das vezes, a tradução rígida da vontade do

grupo que detinha o poder. A pretensa vontade geral – dita do povo – somente se

manifestava através das eleições gerais, em que a maioria – ou aquele grupo que a

controlasse, regia os destinos do Estado. Nas palavras de Mário Lúcio Quintão:

Estado de direito que volatilizava os fatores políticos e sociais, mediante favorecimentos às minorias cultas e detentoras dos meios de produção, bem como pelo uso de instrumentos jurídicos formais e Constituições rígidas. O direito no Estado Liberal, pretendia traduzir a vontade geral, sendo legítimo por ser expressão do povo. O direito, que vinculava e submetia o cidadão ao Estado e regulava as instituições e a relação, entre estas instituições, era fruto da vontade geral, que se manifestava em eleições livres e concretizava-se no parlamento. (SOARES, 2001. p.128).

Para caracterizar este paradigma, imprescindíveis as palavras de Menelick de

Carvalho Netto:

O Direito Público, no entanto, deveria assegurar, ainda que de distintos modos, o não retorno ao absolutismo, precisamente para que aquelas idéias abstratas pudessem ter livre curso na sociedade, mediante a limitação do Estado à lei e a adoção do princípio da separação de poderes que, ainda que lido de distintos modos, sempre requer, no mínimo, também a aprovação da representação censitária da “melhor sociedade” no processo de elaboração dessas mesmas leis. (CARVALHO NETO, 1999, p. 474)

E complementa:

Em linhas gerais, a imagem de sociedade implícita ao paradigma liberal de Direito e de Estado é caracterizada pela divisão em sociedade civil e em sociedade política, representados respectivamente, pela esfera privada, ou seja, vida individual, família e mercado (trabalho e empresa capitalista) e esfera publica, cidadania política, representação política e negócios de Estado. Sob o paradigma liberal, cabe ao Estado, através do Direito Positivo, garantir certeza das relações, através da compatibilização dos

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interesses privados de cada um com o interesse de todos, mas deixar a felicidade nas mãos de cada indivíduo. (CARVALHO NETO, 1999, p. 475).

Pela leitura do quadro acima transcrito, podemos perceber que muito embora

o modelo de Estado Liberal tenha sofrido várias críticas e questionamentos acerca

da materialização das conquistas propaladas pelo Direito, teve fundamental

importância para sedimentar a idéia democrática – eleições livres e periódicas - e

garantir a mínima ingerência estatal na vida privada, dando um passo primordial na

construção de um arcabouço jurídico que abarcasse os desejos da maioria.

Após a Primeira Guerra Mundial esse modelo de Estado entra em crise. Já

não era bem aceita a idéia de um Estado abstencionista. O continente europeu

arrasado por ter sido o palco dos confrontos clama pela intervenção estatal para

alavancar a reconstrução da economia e assegurar a todos os cidadãos direitos de

inserirem-se plenamente na sociedade. Dessa forma surge um novo modelo de

Estado, o Estado Social, que deixa de assumir uma forma inerte para assumir uma

posição atuante, intervencionista. Nas palavras de OLIVEIRA:

Com a crise da sociedade liberal, com o surgimento de um capitalismo monopolista, com o aumento das demandas sociais e políticas, além da Primeira Guerra Mundial, uma verdadeira guerra entre as potencias imperialistas européias de impacto mundial, tem início a fase da história do constitucionalismo que se convencionou chamar de Constitucionalismo Social, cujo marco inicial teria sido a Constituição da Alemanha de Weimar, embora a primeira Constituição Social tivesse sido a de Queretano, México. (OLIVEIRA, 2002. p. 58).

Menelick de Carvalho Netto também descreve o período:

Após a I Guerra Mundial, vamos poder verificar quase que a ‘ressaca desse modelo. Aquela idéia de que o Estado mínimo deveria garantir o máximo de liberdade aos indivíduos, do livre curso da sociedade civil, levou a conseqüências bastante radicais. A exploração do homem pelo homem que ocorreu, conduziu a uma riqueza e a uma miséria sem precedentes na história da humanidade, a toda a reação que já conhecemos bastante e a muita luta social. Enfim, após, a I Guerra Mundial, o que vamos encontrar nas Constituições é a configuração de um novo tipo de constitucionalismo. É o constitucionalismo social. (CARVALHO NETO, 1999, p. 476)

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Neste diapasão, ao longo de todo o século XX as constituições ocidentais

foram abarcando em seus textos ideais de repartição de vantagens sociais a toda a

comunidade, fazendo surgir o modelo de Estado Social e com ele os chamados

direitos fundamentais de segunda geração, que seriam os direitos sociais,

econômicos e culturais, cabendo ao Estado assegurar o seu gozo por todos os

cidadãos.

No Estado Social não se trata apenas da soma dos denominados direitos de

segunda geração, mas inclusive a redefinição dos direitos de primeira geração. Os

direitos de primeira geração são os direitos civis e políticos, compreendendo as

liberdades clássicas, negativas e formais; os direitos de segunda geração são os

direitos econômicos, sociais e culturais, que se identificam com as liberdades

positivas, reais ou concretas. Os direitos de primeira geração realçam o princípio da

liberdade, enquanto os de segunda geração realçam o princípio da isonomia. No

Estado Social o direito cria uma ampliação no âmbito de atuação estatal, a fim de

abranger tarefas vinculadas às novas exigências econômicas e sociais.

Para José Alfredo de Oliveira Baracho Júnior, a legitimidade do poder estatal

seria aferida em razão dos serviços que presta, da sua capacidade de controlar as

relações sociais de forma a reduzir as desigualdades econômicas. Para o professor

“temos em tal paradigma a consolidação do Estado como agente econômico, voltado

para realizações materiais. O que importa no Estado Social são as realizações e não

o fundamento de suas ações”. (BARACHO JÚNIOR, 2000, p. 99)

Consoante Vilani (2002), o Estado Social é uma variação do modelo liberal,

em que a luta dos trabalhadores por justiça social deu uma configuração ao

chamado Estado Democrático Ocidental – entendido na sua configuração de estado

liberal – transformando este em um Estado ativo, provedor de bens e serviços

sociais para minimizar os efeitos perversos da lógica liberal de mercado, em que a

perspectiva democrática era basicamente alcançada com o adágio “um homem, um

voto”. Respondia-se à ameaça do perigo representado pelas lutas socialistas que

expunham as feridas de uma sociedade marcada por desigualdades sociais

extremas, onde as garantias de direitos previstas nos diplomas legislativos não

podiam ser desfrutadas pela imensa maioria da população.

Neste papel de Estado ativo, o modelo de Estado Social tenta garantir a

fruição do maior número de direitos às mais distintas camadas da população,

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tentando redistribuir a riqueza gerada pela economia e assegurar o mínimo

existencial para todos os cidadãos.

No Estado Social a esfera pública ganha grande destaque, muitas vezes

sujeitando os anseios individuais à sua conformação com os interesses da

coletividade. O Estado toma a frente de várias esferas de atuação, tornando-se, nos

dizeres de Carvalho Netto (1999) uma empresa acima das outras empresas, visando

garantir melhores condições de vida a todos.

Já o marco do Estado Democrático de Direito correlaciona-se intimamente

com o modelo de sociedade atualmente existente: uma sociedade complexa,

descentralizada e por que não dizer, globalizada.

Nesta sociedade, o Estado não ocupa mais a posição central, já que a tônica

do Estado Democrático de Direito é buscar um equilíbrio que nenhum dos dois

paradigmas anteriores de Estado – o Liberal e o Social – foram capazes de alcançar:

a equiprimordialidade entre a esfera pública e privada (BARACHO JÚNIOR, 2000).

Além disso, esse Estado tem correlação com um modelo democrático no qual

os indivíduos não sejam somente os meros destinatários das decisões tomadas por

seus representantes, mas possam reconhecer-se como autores das normas

produzidas por estes representantes, buscando uma forma de auto-compreensão

onde estes podem se tornar refletidamente conscientes dos acordos mais profundos

pela forma de vida partilhada (BARACHO JÚNIOR, 2000).

O paradigma jurídico do Estado Democrático de Direito, adotado no artigo 1º

da atual Constituição, exige a efetiva garantia dos direitos previstos no ordenamento

jurídico. Por outro lado os direitos constitucionais estão, em grande parte previstos

em normas jurídicas com ampla abertura semântica, que exigem um árduo trabalho

interpretativo para a definição de seu conteúdo.

Menelick de Carvalho Netto descreve o paradigma do Estado Democrático de

Direito:

No paradigma do Estado Democrático de Direito é de se requerer que as decisões retrabalhem construtivamente os princípios e regras constitutivos do direito vigente, satisfaçam a um só tempo a exigência de dar curso e reforçar a crença tanto na legalidade, entendida como segurança jurídica, como certeza do direito, quanto ao sentimento de justiça realizada que deflui da adequabilidade da decisão às particularidades do caso concreto (CARVALHO NETTO, 1999, p. 482).

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Estas características fazem com que o conteúdo de um direito somente possa

ser definido diante de situações realmente postas. Para Canotilho (1993, p 224), “em

face do caráter aberto, indeterminado e polissêmico das normas constitucionais,

torna-se necessário que, a diferentes níveis de realização ou de concretização –

legislativo, judicial, administrativo - se aproxime norma constitucional da realidade”.

Nestes três paradigmas descritos, percebe-se uma multiplicidade de aspectos

de valorização dos direitos dos cidadãos e mesmo de contornos distintos da noção

de cidadania. Esta cidadania parte de uma idéia de um simples direito ao voto,

passando pela melhoria das condições de vida da população para gerar uma

suposta qualidade no voto até a criação de espaços de participação política direta do

cidadão na esfera do poder público.

Da mesma forma acumulam-se os direitos da população. Da idéia de não

ingerência estatal na esfera privada, passando pelo Estado provedor chegamos aos

direitos ditos coletivos e difusos, garantindo também a sociedade enquanto esfera

de manifestação múltipla e metaindividual. O cidadão pode agir para, além de

garantir sua esfera de interesse privado, alcançar o bem coletivo.

Por certo, conforme Vilani (2002), este acúmulo de vários direitos de

cidadania – ditos direitos fundamentais – conforma um conjunto de elementos

diferenciados e muitas vezes contraditórios entre si.

Como pensarmos em garantia de direitos fundamentais, ou mesmo, quais

direitos devem ser garantidos primordialmente?

Já se disse que vivemos em uma sociedade multifacetada, plural, globalizada.

Para definir o conteúdo e a efetividade de direitos, mormente os direitos

fundamentais, temos que entender, ou pelo menos tentar, a realidade vivida por

cada esfera social.

Por certo definir quais são os direitos fundamentais em uma sociedade é

tarefa árdua. Dizer o que deve ser atendido prontamente e o que pode ser deixado

para depois exige uma reflexão que muitos sequer imaginam fazer. Nos dizeres de

José Adércio Leite Sampaio:

“Por que são diferentes as visões que temos sobre o que é mais “importante” ou fundamental” para nós. Podemos imaginar que algo é relevante porque possui um “valor intrínseco” ou um “valor instrumental” ou uma relação imediata com a “vida boa”. Mas quem entre nós decide quais são esses valores ou o que é relevante: todos nós? De que forma? Serão, como postulavam os jusnaturalistas, auto-evidentes? Não devem ser,

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porque não teríamos tanta divergência sobre o significado deles.” (SAMPAIO, 2004, p. 25)

Assegurar direitos a uma comunidade vai depender – sempre – dos anseios

trazidos por aquela sociedade e pela vivência experimentada pelos seus membros.

A concretização de direitos fundamentais é um aspecto que estará sempre ligado à

perspectiva histórica e econômica da população.

Para Alarcón (2004, p.315) “o problema da efetividade dos direitos humanos

liga-se às condições materiais de existência, à forma na qual os homens produzem

os bens materiais e as relações sociais em que realizem essa atividade produtiva.”

No mesmo sentido, ao tratar da definição de Direitos Humanos, Perez Luño,

citado por Sampaio (2004, p.26) assevera que os direitos humanos seriam “um

conjunto de faculdades e instituições que, em cada momento histórico, realizam as

exigências da dignidade, da liberdade e da igualdade humanas, as quais devem ser

reconhecidas positivamente pelos ordenamentos jurídicos em nível nacional e

internacional”.

Esta perspectiva histórica, sempre presente quando falamos em

concretização e efetividade dos direitos fundamentais, mostra-se mais desafiadora

quanto falamos do Brasil, país assolado por toda a sorte de problemas, com uma

população que se sente à mercê da classe política e que busca alcançar o mínimo

existencial.

O Brasil é um país cuja disparidade social aponta a contradição entre dois

universos que convivem paralelamente: a fartura e a miséria. As vantagens

climáticas e a extensão territorial são indicadores de seu potencial produtivo,

favorecendo o cultivo da agricultura (de produtos de primeira necessidade em geral)

suficiente para suprir as necessidades alimentares de todo o seu povo. Não

obstante, milhares de brasileiros sobrevivem em meio a um genocídio silencioso por

causa da extrema pobreza de grande parcela da população mais vulnerável à fome.

Nesse percalço social, identificamos em nossos sertões nordestinos muito mais do

que Guimarães Rosa descreveu em “Grande Sertão: Veredas”. O sertão de Rosa

por certo é muito bem representado pelas favelas da atualidade, onde não existe a

atuação do Estado como garantidor do mínimo existencial, deixando a população à

própria sorte.

No ano de 2003, um estudo realizado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-

SP), revelou que 50 milhões de brasileiros eram miseráveis, vivendo com menos de

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R$ 80,00 por mês (o equivalente a 29,26% da população brasileira nesse mesmo

ano). A pesquisa ainda mostrou que se cada brasileiro cedesse R$ 14,00 mensais

para um indigente, a fome no Brasil poderia ser totalmente erradicada. (Pesquisa

feita com base nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnads)

do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) – disponível em

<http://www.fgv.org.br>Acesso em: 25. jan.2007.

Com base no documento SÍNTESE DE INDICADORES SOCIAIS, elaborado

também com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio - PNAD realizada

em 2006, o IBGE nos traz alguns dados da realidade brasileira, aqui apontados:

i. O país já conta com 83,3 % de sua população residindo em áreas

urbanas. A taxa de mortalidade infantil de 25,1%, número ainda alarmante

mas que, segundo relatório do IBGE vem caindo em virtude do aumento

do número de domicílios com saneamento básico.

ii. Mais da metade dos estudantes que freqüentam a rede de ensino superior

pertencem à faixa das famílias 20% mais ricas da população. A taxa de

analfabetismo é de 10,5 % da população com mais de 15 anos de idade,

afirmando ainda que o analfabetismo está concentrado nas camadas mais

pobres, nos mais idosos, entre aqueles de cor preta e parda, e nas

localidades menos desenvolvidas. A quarta parte dos alunos do ensino

fundamental está defasada na correspondência entre a idade do aluno e a

série cursada.

iii. A média de anos de estudo da população com mais de 15 anos de idade é

de somente 7,2 anos. Aponta ainda que a quantidade de anos de estudo

está diretamente ligada à renda familiar, evidenciando uma clara situação

de desigualdade de oportunidades, mostrando a necessidade de políticas

de distribuição de renda mais efetivas que venham a proporcionar

melhores oportunidades educacionais para a população de baixa renda.

iv. Em relação aos domicílios, a PNAD demonstrou que em 2006, em 20,6%

dos domicílios brasileiros a faixa de renda da população era de até ½

salário mínimo per capita, 93,2% dos municípios possuem serviço de

abastecimento de água, mas somente 66,8% dos domicílios brasileiros

eram atendidos por este serviço. A situação mais preocupante foi

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encontrada na Região Norte: em apenas 12,6% dos seus domicílios foi

possível verificar a existência deste serviço.

Diante desta situação, como definir quais são os direitos fundamentais que se

deve priorizar, vez que está demonstrado que o Brasil possui níveis baixíssimos de

garantia de condições de existência digna para sua população.

Para Sarlet (2007, p. 83) “...os direitos fundamentais são, em verdade, a

concretização do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana,

consagrado expressamente em nossa lei fundamental.” Como podemos afirmar

neste contexto que temos conseguido proporcionar dignidade de vida para a

população brasileira?

Por certo o conceito de dignidade da pessoa humana é algo que deve ser

contextualizado, posto que suscetível de valorização determinada de maneira

diferente pela realidade social e cultural de uma sociedade. A nossa Constituição,

enquanto consagradora do Estado Democrático de Direito, e também à luz do §2º do

art. 5º que determina um conceito materialmente aberto de direitos fundamentais,

deve tornar-se um mecanismo para a permanente aquisição e ampliação de direitos

fundamentais, no intuito de assegurar condições de vida digna para a totalidade da

população.

O grande embate, por um lado, está na dificuldade de se estabelecer

pragmaticamente o conteúdo mínimo universal e indivisível que seja real e factível

que atente a favor do ideário democrático. Por outro lado, Cittadino destaca que

diante do pluralismo razoável instaurado na sociedade democrática é impossível se

enfeixar um padrão único do que seja o ideal de vida digna, em detrimento da

existência de várias formas de vida moralmente válidas e, ao mesmo tempo,

incompatíveis umas com as outras. Para a autora “A multiplicidade de [...]

concepções de vida digna, enfim, isso que designamos por pluralismo, a configura

de tal maneira que não nos resta outra alternativa senão buscar o consenso em

meio da heterogeneidade, do conflito e da diferença.” (CITTADINO, 2004, p. 78).

Diante dessa multiplicidade de interesses às vezes divergentes, esboçar o

conteúdo mínimo dos direitos fundamentais torna-se uma tarefa praticamente

hercúlea. Não pode significar redução quantitativa de direitos para não ensejar em

renúncia dos mesmos, ou, em se tratando de direitos e garantias individuais, lesão

às cláusulas pétreas (art. 60, §4º, inc. IV, da CRFB/88). Deve referir-se à

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rediscussão qualitativa de tais direitos, sob o aspecto de se vislumbrar as formas

coerentes de instrumentação dos direitos fundamentais no Brasil nos níveis

possíveis de sua efetividade.

A democracia, como processo contínuo, precisa funcionar como um

mecanismo de luta em prol da efetividade e da releitura dos direitos fundamentais.

Efetividade no sentido de possibilitar a execução desses direitos, de maneira que

sejam concretos na vivência de seus destinatários, afastando-se do estigma de

simples “folha de papel”. Releitura no sentido de que, para que esses direitos sejam

próximos da realidade social brasileira, carecem ser reinterpretados, atualizando-se

sua interpretação à luz das demandas que a sociedade seja capaz de ditar, dentro

das condições suportadas pelo Estado Democrático de Direito.

Sarlet (2007, p. 172) afirma conterem os direitos fundamentais uma ordem

dirigida ao Estado no sentido de que a este incumbe a obrigação permanente de

concretização e realização dos direitos fundamentais. Para o autor “direitos

fundamentais (ao menos em princípio e com intensidade variável) constituem

explicitações da dignidade da pessoa humana, de tal sorte que em cada direito

fundamental se faz presente um conteúdo ou, pelo menos, alguma projeção da

dignidade da pessoa.” (2004, p. 244).

Ainda com Sarlet (2001, p. 134), podemos dizer que a dignidade da pessoa

humana como princípio absoluto dependerá “da vontade do intérprete e de uma

construção de sentido cultural e socialmente vinculada” a esse princípio, e que esta

pode ser definida:

como a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos (SARLET, 2004, p. 244, grifos nossos)

Por certo o conteúdo da existência em comunhão tem papel primordial dentro

do Estado Democrático de Direito, posto que a garantia do direito à participação e no

procedimento de estruturas organizacionais pode ser considerado um direito

fundamental que legitima o Estado, mas isto será visto mais adiante neste trabalho.

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Outro grande entrave – ou obstáculo – para a materialização e efetivação dos

direito fundamentais dentro da sociedade brasileira é a falta de recursos financeiros

disponíveis. Uma imensa população clamando por prestações e serviços do Poder

Público que muitas vezes não possui numerário suficiente para atender a todos.

Com efeito, o Estado sempre se vê na real dependência de meios para

cumprir as obrigações que lhe são impostas pela ordem constitucional. Não

podemos negar que os direitos fundamentais por certo implicam em custos, que

assumirão especial relevância em sua efetivação. Fala-se, portanto, em uma

“reserva do possível” para a concretização dos direitos fundamentais, que encontra

seu limite na capacidade de efetivação de despesas pelo Estado, estando

intimamente ligada à conjuntura econômica em que o país encontrar-se-ia inserido.

Dentro desta idéia de reserva do possível para a efetivação dos direitos

fundamentais, mostra-se muitas vezes ineficaz a forma de aplicação dos recursos

disponíveis para a consecução do bem-estar da população. O processo político

tradicionalmente adotado pelas democracias modernas de cunho meramente

deliberativo não tem conseguido responder a contento este desafio de maximizar os

resultados da aplicação das receitas públicas para a consecução e materialização

dos direitos fundamentais.

Impende um rearranjo das formas de destinação dos recursos de que dispõe

o Estado, modificando a forma de participação dos cidadãos, de modo a torná-los

parte ativa neste processo no intuito de viabilizar esta maior efetividade da

concretização destes direitos fundamentais.

Esta idéia ganha especial conotação quando analisamos o texto

constitucional brasileiro sob a ótica dos direitos fundamentais. Além da extensa lista

de direitos e garantias fundamentais arrolada nos incisos do art. 5º, o § 2º do

referido artigo assegura que os direitos e garantias expressos no texto não excluem

aqueles decorrentes do regime e dos princípios adotados pela Constituição ou dos

tratados internacionais de que o país faça parte.

Este dispositivo nos remete, apoiados em SARLET (2007, p.85), ao conceito

materialmente aberto de direitos fundamentais, em que o referido §2º do art. 5º

aponta para a existência de direitos fundamentais consagrados em outras partes do

texto constitucional, prevendo expressamente a possibilidade de se reconhecer

direitos fundamentais não escritos, implícitos nas normas do catálogo, bem como

decorrentes do regime e dos demais princípios constitucionais.

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Ainda com Sarlet (2007, p. 91) ao definir direitos fundamentais como aqueles

que, “do ponto de vista do direito constitucional positivo, foram por seu conteúdo e

importância (fundamentalidade em sentido material), integrados ao texto da

Constituição e, portanto, retiradas da esfera de disponibilidade dos poderes

constituídos (fundamentalidade formal), bem como as que, por seu conteúdo e

significado, possam lhes ser equiparadas, agregando-se à Constituição material,

tendo ou não assento na constituição formal (aqui considerada a abertura material

do catálogo).”

Percebe-se que existem direitos que são considerados fundamentais devido à

importância que lhes é assegurada ao longo do texto constitucional e da leitura de

seus princípios, ainda que estes não constem da lista do art. 5º.

Dentro desta idéia de conceito material de direitos fundamentais, que

pertencem ao corpo da constituição em virtude da importância de seu conteúdo,

podemos elencar como direitos fundamentais positivados em nosso texto

constitucional o Direito ao Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado e o Direito à

Cidade Sustentável, haja vista o tratamento dispensado ao longo da carta política a

estes dois direitos.

O Direito ao Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado, direito de todos

previsto no caput do art. 225 da Constituição, abre o capítulo constitucional do meio

ambiente, com determinação para o poder público e para a coletividade no sentido

de assegurar a sua fruição como verdadeiramente uma qualificadora do direito à

vida, assegura punições para aqueles que agirem em desacordo com a gestão

ambiental e degradarem o meio ambiente.

A proteção ambiental, um dos ícones da modernidade que ganha força no

mundo a partir do final da II Guerra Mundial, começa a despertar na consciência do

legislador brasileiro a partir das décadas de 60 e 70 do século XX – em que

podemos tomar e Lei de Ação Civil Pública e a Lei da Política Nacional do Meio

Ambiente como marcos – mas ganha status constitucional a partir de 1988, com

capítulo próprio no texto constitucional, bem como permeando vários outros

dispositivos, como na questão das repartições de competência e na definição de

função social da propriedade rural.

Ao seu lado, o capítulo da Política Urbana, oriundo de emenda popular,

assegura o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade como garantia do

bem-estar de seus habitantes, determinando ainda que o critério para o

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cumprimento da função social da propriedade urbana é a sua adequação aos

dispositivos do plano diretor. Determina também a promoção pelo Poder Público da

política de desenvolvimento urbano.

Conforme já afirmamos, a vida da esmagadora maioria da população está

concentrada na cidade. A cidade é o palco onde se desenrolam todas as facetas da

vida do cidadão comum. Portanto, podemos dizer sem medo que inúmeros

dispositivos que garantem a qualidade e a dignidade da vida humana espalhados

pelo texto constitucional somente poderiam ser materializados alcançando o ser

humano. A própria idéia de dignidade da pessoa humana, justiça social, amplo

acesso à saúde e à educação, direito à vida, à liberdade, à identidade, concretizam-

se primordialmente no cidadão da cidade, pois é na cidade que se concentra a

população.

Partindo da idéia de que rol do art. 5º do texto constitucional é meramente

exemplificativo, e não taxativo, com a idéia de um conceito material de direitos

fundamentais que, por seu conteúdo, pertencem ao corpo fundamental da

Constituição de um estado, mesmo não estando num catálogo, o § 2º do referido

artigo é norma geral inclusiva, como uma moldura de um processo de permanente

aquisição de novos direitos fundamentais, possibilitando sejam considerados direitos

fundamentais outros direitos que não sejam aqueles enumerados em determinado

artigo ou inciso do texto.

Diante desta premissa, perfeitamente plausível considerar-se o Meio

Ambiente Ecologicamente Equilibrado – definido como direito de todos no texto

constitucional – e a Cidade Sustentável – que deve assegurar o bem-estar de seus

habitantes e cumprir suas funções sociais, também determinados no texto da

constituição – como direitos fundamentais da sociedade brasileira, especialmente se

levarmos em conta que é a Constituição que determina a ação do Poder Público

para promover e assegurar a garantia de ambos os direitos. Direitos de cunho

coletivo, cujo destinatário é a sociedade em geral, mas que afetam individualmente o

cidadão na medida em que não lhe são assegurados como qualificadores do direito

à vida, ambos os direitos podem ser chamadas de direitos difusos (ou de 3ª

geração), e característicos de um Estado Democrático de Direito.

A materialização de tais direitos está intimamente ligada com a materialização

de todos os outros, pois somente através da atuação harmônica do Estado com a

sociedade em várias frentes poderemos garantir a sua fruição, visto que complexa é

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a sua definição e também difícil sua materialização, vez que dependente da atuação

tanto do Poder Público como da Sociedade em verdadeiro processo simbiótico e

inter-relacionado.

Assistimos a um descaso total com a preservação ambiental, degradações de

toda ordem, com o comprometimento da qualidade ecológica e da inclusão social

em prol do desenvolvimento econômico. Os indicadores ambientais são alarmantes

em várias regiões do país, com a freqüente divulgação de dados e relatórios

diversos demonstrando as agressões diárias à natureza. Ao lado deste quadro,

percebemos cidade mal planejadas, mal distribuídas geograficamente, com

população excluída, favelização, insegurança, poluição, trânsito caótico, alto custo

de vida, dentre outros problemas. Certamente a qualidade de vida destes habitantes

é afetada pela falta de sustentabilidade urbana e ambiental experimentada nas

grandes cidades. Aqui também se aplica nossa argumentação de efetivar os direitos

fundamentais da melhor maneira possível, numa equação CUSTO-TEMPO-

BENEFÍCIO em que é necessário otimizar estas variáveis como forma de garantir a

materialização de um modelo de Estado que tem como característica a idéia de

fruição coletiva.

Visto como a noção de Estado e de cidadania modificou-se ao longo da

modernidade e analisados alguns aspectos do quadro de efetividade dos direitos

fundamentais no Brasil, bem como da dificuldade de definição de como concretizar

estes direitos, passaremos agora à discussão da forma de definição do que pode ser

realmente considerado como interesse público para concretizarmos direitos

fundamentais, em especial o direito à Cidade Sustentável e ao Meio Ambiente

Ecologicamente Equilibrado.

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3 A RECONSTRUÇÃO DO INTERESSE PÚBLICO A PARTIR DA IDÉIA DE DEMOCRACIA PROCEDIMENTAL HABERMASIANA E DA TEORIA CONCRETISTA DE FRIEDERICH MÜLLER COMO FORMAS DE CONCRETIZAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS AO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO E À CIDADE SUSTENTÁVEL 1

Segundo análise realizada por Habermas (1997), o Direito Moderno,

entendido com aquele calcado na racionalidade humana, ao estabelecer como

paradigma um Estado Democrático de Direto, desloca as expectativas dos

1 Parte da argumentação deste capítulo foi desenvolvida nos artigos (i) “Gestão Orçamentária Participativa: o papel do Estatuto da Cidade na construção do paradigma de justiça urbano-ambiental intergeracional”, no XV Encontro Preparatório para o Congresso Nacional do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito (CONPEDI), em Recife, em co-autoria com a mestranda e pesquisadora do NUJUP Betina Günther Silva e com a orientadora do trabalho, profa. Dra. Marinella Machado Araújo obtendo publicação nos anais do evento; (ii) “Conselhos Municipais de Saúde e a Construção Dialógica do Orçamento Público”, apresentado no XVI Encontro Preparatório para o Congresso Nacional do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito (CONPEDI), em Campos dos Goytacazes - RJ, em co-autoria com a mestranda e pesquisadora do NUJUP Simone Reissinger e com a orientadora do trabalho, profa. Dra. Marinella Machado Araújo obtendo publicação nos anais do evento; (iii) “A concretização do princípio da Função Social da Propriedade Urbana pelos atores municipais: Possibilidade de efetivação do direito pela construção de normas adequadas à realidade” em co-autoria com a pesquisadora do PIBIC/CNPQ Leda Lúcia Soares e a orientadora do trabalho, profa. Dra. Marinella Machado Araújo e (iv) “Os princípios constitucionais da Publicidade e da Eficiência e os relatórios de execução orçamentária - a necessidade de simplificação técnica: um estudo à luz da teoria discursiva do Direito de Jürgen Habermas” em co-autoria com a orientadora do trabalho, profa. Dra. Marinella Machado Araújo, ambos apresentados no XVI Congresso Nacional do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito (CONPEDI), em Belo Horizonte - MG;

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indivíduos no que concerne à produção legislativa para regulamentação da

sociedade para leis que sejam capazes de assegurar a compatibilidade das

liberdades subjetivas, legitimando-se através de um processo legislativo pautado no

princípio da soberania popular. Para tanto, o Direito deve manter-se conectado

internamente com a garantia de um processo democrático, através do qual os

cidadãos alcancem entendimento acerca das normas de convivência social, ou seja,

através de procedimentos de elaboração e aplicação normativa em que as questões

morais, éticas e pragmáticas devam ser respondidas da melhor maneira para todos,

ainda que comportem distintas abordagens individuais.

É nesse sentido que Habermas (1997) preconiza uma ação comunicativa

socialmente integradora, isto é, aquela que realize uma integração social através da

institucionalização de um processo político em que os cidadãos se reconheçam

mutuamente como titulares de direitos fundamentais, garantidores de sua autonomia

pública e privada. É esse o entendimento que o enunciado abaixo nos propicia:

A teoria do Direito fundada no discurso entende o Estado Democrático de Direito como a institucionalização de processos e pressupostos comunicacionais necessários a uma formação discursiva da opinião e da vontade, a qual possibilita, por seu turno, o exercício da autonomia política e a criação legítima do direito (HABERMAS, 1997, p. 181).

E, para cumprir tal desiderato, Habermas (1997) assevera que somente as

condições de vivência democrática para a criação das leis asseguram a legitimidade

do Direito. Normas válidas, portanto, são aquelas que possuem a concordância de

todos os possíveis afetados participantes em discursos racionais, pois quem melhor

que os próprios envolvidos para saber qual argumento conta para a solução de um

determinado caso? Ou, quem melhor que os próprios potenciais envolvidos para

decidir quem é ou não envolvido em cada situação.

Da sucinta exposição, observa-se que a introdução do paradigma do Estado

Democrático de Direito nos ordenamentos constitucionais acarreta mudanças

profundas tanto na gênese do direito (discurso de fundamentação) quanto na

aplicação do mesmo (discurso de aplicação).

Os discursos de fundamentação, que se referem à validade das normas, “e se

desenvolvem com o aporte de razões e formas de argumentação de um amplo

espectro (morais, éticas e pragmáticas), através das condições de

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institucionalização de um processo legislativo estruturado constitucionalmente, à luz

do princípio democrático.” (OLIVEIRA, 2001, p. 146)

No que tange aos discursos de aplicação, também nos socorre Marcelo

Cattoni:

Os discursos de aplicação não se referem à validade de uma norma, mas à adequabilidade de sua referência a uma situação. Já que cada norma registra somente aspectos específicos de um caso individual, situado no mundo da vida, o discurso de aplicação deve determinar quais são as descrições de fatos relevantes para a interpretação da situação em um caso controverso, bem como determinar qual dentre as normas prima facie é a adequada, uma vez que todas as características significativas da situação tenham sido registradas de forma tão completa quanto possível. (OLIVEIRA, 2001, p. 148)

Não se pode falar em democracia direta ou participativa, conforme já

especificamos no capítulo anterior, sem se reconhecer eficácia na soberania

popular, a qual deve gerar o poder de participação direta do povo na escolha dos

rumos a serem tomados pelos administradores.

No Brasil, a Constituição assegura a participação popular já no seu art. 1º,

parágrafo único, ao instituir que todo o poder emana do povo que o exerce por meio

de representantes eleitos ou diretamente, nos termos da Constituição.

Se em momentos históricos anteriores o Estado já assumiu deliberadamente

as responsabilidades sobre interesses maiores, gerenciando e distribuindo o poder,

com a assunção da CRFB/88 translada para uma nova acepção de postura perante

os seus sujeitos, onde se pode perceber uma co-responsabilidade agora presente

entre o próprio Estado e os cidadãos (BARACHO JÚNIOR, 2000).

Porém, esta participação concede ao povo, no âmbito da esfera pública, a

faculdade de articular sua soberania, de maneira cada vez mais direta, através de

diversos instrumentos, como o referendo, o plebiscito, os projetos de lei de iniciativa

popular, as audiências públicas e, conforme será trabalhado, a gestão orçamentária

participativa.

No que concerne aos direitos políticos, a Constituição de 1988 explicitamente

confere como garantia à instrumentalidade da soberania popular – sustentada pelo

sufrágio universal e pelo voto direto e secreto – o plebiscito e o referendo (arrolados

no art. 14, incs. I e II, respectivamente), seguidos da iniciativa popular de leis

(também prevista no cerne do art. 14, inc. III c/c o art. 61, § 2º, da CRFB/88). Esses

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mecanismos permitem aos cidadãos uma integração em processos legislativos, o

que, indubitavelmente, representa uma imensa abertura democrática.

Já no que concerne à participação do cidadão na condução da máquina

administrativa pública, temos um arcabouço distinto, posto que, a atividade estatal,

por mais enxuto que seja o seu aparato, movimenta-se ao sabor das decisões

políticas dos administradores.

Numa sociedade plural e multifacetada, os variados interesses e o

crescimento das necessidades dos cidadãos inúmeras vezes – para não dizer em

quase todas elas – impedem que o administrador, ao gerir este movimento do

estado, atenda a todos os anseios.

O Poder emana do povo e em seu nome deve ser exercido, por meio de

representantes eleitos ou diretamente, nos termos da Constituição.

Para tanto, na afirmação de Habermas (1997), a Constituição, sob tal

paradigma democrático, deve ser compreendida fundamentalmente como a

interpretação e a prefiguração de um sistema de direitos fundamentais, que

apresenta as condições procedimentais de institucionalização jurídica das formas de

comunicação necessárias para uma legislação política autônoma. Reconstruindo o

conceito de esfera pública que não se reduza ao Estado quanto o conceito de

sociedade civil que não se reduza ao mercado e à família.

Então, o direito deve se fundar tão somente no princípio democrático, não

mais compreendido como mecanismo liberal de decisão majoritária ou a partir de

uma pretensa “vontade geral” republicana, mas como institucionalização de

processos estruturados por normas que garantam a possibilidade de participação

discursiva dos cidadãos no processo de tomada de decisões (HABERMAS, 1997).

Para que o direito mantenha sua legitimidade, é necessário que os cidadãos

troquem seu papel de sujeitos privados do direito e assumam a perspectiva de

participantes em processos de entendimento que versam sobre as regras de sua

convivência, identificando-se como autores das decisões que eles próprios se

propõe a respeitar.

Na afirmação de Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira:

O Direito, justificado no princípio democrático, assume, então, o lugar deixado pela eticidade, pelas tradições imemoriais e pelas ‘leis divinas’: além de corresponder às exigências funcionais de uma sociedade complexa, ao Direito também cumpre satisfazer as precárias condições de uma integração social que, em última análise, se dá através de aquisições

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de entendimento mútuo entre sujeitos comunicativamente atuantes. (OLIVEIRA, 2002, p. 66)

Assim, é que a Teoria da Constituição, enquanto Teoria Discursiva da

Constituição poderá oferecer, em termos constitucionalmente adequados, a chave

interpretativa do Direito Constitucional, com vista precisamente à compreensão do

sentido especificamente democrático dos direitos fundamentais no estado brasileiro.

A teoria do discurso reveste o processo democrático de conotações

normativas mais fortes que as encontradas no modelo liberal, entretanto mais fracas

que as do modelo republicano. Uma vez mais ela retira elementos de ambos,

combinando-os de uma maneira nova. Em consonância com o republicanismo, em

que a política é concebida como a forma em que se reflete a vida real, isto é, o meio

pelo qual os membros de comunidades se tornam conscientes de que dependem

uns dos outros (HABERMAS, 1995, p.108), a teoria do discurso dá destaque ao

processo de formação política da vontade e da opinião, sem, no entanto, considerar

a Constituição como elemento secundário. Ao contrário, recebe os princípios do

Estado constitucional como resposta consistente à questão de como podem ser

institucionalizadas as exigentes formas comunicativas de uma formação democrática

da vontade e da opinião. A teoria do discurso sustenta que o êxito da política

deliberativa depende não da ação coletiva dos cidadãos, mas da institucionalização

dos procedimentos e das condições de comunicação correspondentes. Uma

soberania popular procedimentalizada e um sistema político ligado às redes

periféricas da esfera público-política andam de mãos dadas com a imagem de uma

sociedade descentrada. Esse conceito de democracia não mais necessita trabalhar

com a noção de um todo social centrado no Estado e imaginando como um sujeito

teleologicamente orientado, numa escala mais ampla. Tampouco representa a

totalidade num sistema de normas constitucionais que regulam mecanicamente a

disputa de poderes e interesses em conformidade com o modelo de mercado

(HABERMAS, 1995, p. 117).

A partir do momento em que se supera tanto a concepção republicana,

quanto a concepção liberal de processo político, a Constituição, para articular-se

com uma visão discursiva da Democracia, deverá ser compreendida,

fundamentalmente, como a interpretação e a prefiguração de um sistema de direitos

fundamentais, que apresenta as condições procedimentais de institucionalização

jurídica das formas de comunicação necessárias para uma legislação política

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autônoma, que deverá estabelecer, em termos constitucionais, as condições para

um processo democrático.

No art. 1o. da Constituição brasileira de 1988, o legislador constitucional fez a

opção pelo paradigma democrático de direito, prescrevendo que a República

Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do

Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito.

Esta opção do legislador deve ser entendida no sentido de que Estado

Democrático de Direito se constitui de um espaço discursivo que busca garantir a

legitimidade das decisões através das garantias atribuídas aos cidadãos de

participação na esfera pública.

Lembra Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira que:

A Constituição brasileira pretendeu superar as desigualdades sociais e regionais através do progressivo aprofundamento da democracia participativa, social, econômica e cultural, no sentido de realizar um ideal de justiça social processual e consensualmente construído, só possível com o fortalecimento da esfera pública política, de uma opinião pública livre e de uma sociedade civil organizada e atuante. (OLIVEIRA, 2002, p. 63.)

Estado Democrático de Direito é a qualificação do Estado com duas idéias

indissociáveis: a prévia regulamentação legal e a democracia. Constituindo uma

organização política na qual a vontade popular é soberana e onde são verificáveis a

dignidade da pessoa humana e a eficácia dos direitos e liberdades fundamentais,

perfazendo uma sociedade justa, solidária e igualitária, o estado democrático de

direito assim o é em virtude da unificação daquelas duas citadas componentes, que

constituem, respectivamente, o Estado de direito e o Estado democrático.

Sabendo-se que a implementação dos direitos individuais, os direitos de

liberdade, apenas será concretizada se tiver como pressupostos a democracia

política, social e econômica, todo estudo que envolver a busca de alternativas ou de

soluções para algum problema deve chamar a população, envolvendo-a na tomada

de decisões, constantemente, conferindo-lhe a oportunidade de emitir sua opinião.

Diante da já demonstrada baixa efetividade dos direitos fundamentais,

necessário se faz questionar quando os direitos fundamentais poderiam ser

considerados efetivos? Qual o parâmetro para se afirmar categoricamente que os

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direitos fundamentais no Brasil ou em algum outro país do globo estariam em níveis

satisfatórios?

Certamente existem indicativos sociais que permitem, a partir de dados

comparativos, demonstrar posições e ranqueamentos que supostamente

possibilitariam inferir que determinado país possui índices de garantia de direitos

fundamentais melhores que outros. Porém, será que os cidadãos daquele ou deste

país sentem-se desta forma com seus direitos fundamentais assegurados?

3.1 A teoria do discurso de Jürgen Habermas

Em sua teoria discursiva, Jürgen Habermas introduz um princípio do discurso

na tentativa de contribuir, de modo efetivo, ao esclarecimento e à compreensão das

atuais possibilidades de associação política no âmbito do Estado democrático.

Segundo Habermas, esse princípio deve assumir a figura de um princípio da

democracia, conferindo força legitimadora ao processo de normatização. Logo, o

princípio da democracia defluiu de um verdadeiro liame existente entre o princípio do

discurso e a forma jurídica, que o aludido autor entende como uma gênese lógica de

direitos, que pode ser reconstruída gradativamente.

Neste sentido, Habermas (1997, p. 145) preconiza que “O princípio da

democracia explica [...] o sentido performativo da prática de autodeterminação de

membros do direito que se reconhecem mutuamente como membros iguais e livres

de uma associação estabelecida livremente”.

Em Habermas, o princípio do discurso explicita que todos os cidadãos têm um

direito à maior medida possível de iguais liberdades de ação subjetivas. São

legítimas somente as regulamentações que fazem jus a esta condição da

compatibilidade dos direitos de cada um com os iguais direitos de todos. Da

aplicação do princípio do discurso resulta que cada um deve ser protegido contra a

subtração unilateral dos direitos de pertença.

Dessa maneira, os sujeitos do direito são capazes de exprimir a sua

autonomia como a sua única linguagem. Logo, os sujeitos do direito só conseguirão

autonomia caso se entenderem e agirem como autores dos direitos aos quais

desejam submeterem-se como destinatários. Isso resulta na idéia de Habermas

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sobre a chamada autolegislação, que exige que os que estão submetidos ao direito,

na qualidade de destinatários, possam entender-se também enquanto autores do

direito.

Diante disso floresce-nos o entendimento que, somente através do princípio

do discurso, assumindo a conotação de um princípio da democracia, enfatizando a

participação de todos no processo de constituição do próprio direito e, portanto, dos

assuntos do Estado (participando das diretrizes da gestão pública), com o devido

respeito preliminar do que se erigiu, é que se pode garantir a criação de um direito

revestido de legitimidade, cuja forma jurídica de finalização (exteriorização no mundo

jurídico) é o processo de formação da opinião (pré-constituída pela sociedade) e da

vontade do legislador.

Neste sentido, a afirmação incisiva de Jürgen Habermas, a qual explicita

Por isso, têm que ser garantidas pelo direito as condições sob as quais os cidadãos podem avaliar, à luz do princípio do discurso, se o direito que estão criando é legítimo. Para isso servem os direitos fundamentais legítimos à participação nos processos de formação da opinião e da vontade do legislador.Após essa mudança de perspectiva, nós não podemos mais fundamentar iguais direitos de comunicação e de participação a partir de nossa visão. Ora, são os próprios civis que refletem e decidem - no papel de um legislador constitucional - como devem ser os direitos que conferem ao princípio do discurso a figura jurídica de um princípio da democracia. (HABERMAS, 1997, p. 164)

Nesse prisma, Habermas complementa que o princípio do discurso só poderá

se assumir como um princípio de democracia caso haja a sua interligação com o

medium do direito, de maneira a constituir um sistema de direitos capaz de por a

autonomia pública numa relação de pressuposição recíproca.

Por isso é que a alegação principiológica de que todo o poder do Estado

emana do povo, como previsto em nossa Carta Constitucional de 1988, em seu art.

1º, Parágrafo Único, deve se especificar através do reconhecimento pelo próprio

Estado dos direitos fundamentais, tais como exemplifica Habermas, a saber, as

liberdades de opinião e de informação, de reunião e de associação, de fé, de

consciência e de confissão, de autorizações à participação em eleições e votações

políticas, para a participação em partidos políticos ou movimentos civis, o que

achega às preocupações centrais da análise de instrumentos de participação

popular como aferição de democracia, objeto da pesquisa em baila.

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A partir de então, surge a indispensabilidade de se ressaltar características,

percepções e descrições sobre a natureza desse poder do povo e sua relação com o

Estado Democrático de Direito abrindo-se caminho a investigações mais profundas

ou a hipóteses mais precisas, a exemplo da questão do papel que realmente deve

ser assumido pelos cidadãos e os possíveis choques com a discricionariedade do

Poder Executivo, no possível impacto gerado para a afirmação da democracia direta

e participativa.

Destaca-se, também, a necessidade de se decompor o problema da

participação popular no Poder Executivo em virtude da sistemática imposta pela

gestão orçamentária participativa nos locais onde já existe esta prática.

O constituinte de 1988 optou por adotar o Estado Democrático de Direito

como modelo de Estado para o Brasil. Uma das formas de implantação deste

modelo escolhido pelo legislador é a participação popular através do exercício da

democracia direta ou participativa.

A democracia participativa se destaca como um processo de

instrumentalização do poder político, ativando a autonomia privada da sociedade

civil (povo ativo) diante do Poder Público. Ora, essa expressão de política

deliberativa ressaltada por Habermas recorre à instituição dos procedimentos e das

condições de comunicação correspondentes geradoras do discurso. Portanto, deriva

de uma “soberania popular procedimentalizada” (1995, p. 117) que valoriza a

autonomia entre o público e o privado, da mesma forma em que incentiva o diálogo

entre eles. Tal concepção democrática permite a realocação da forma de execução

do poder do povo e do Estado, um em relação ao outro. Desse modo, a “democracia

deliberativa” recupera o poder do povo através do diálogo com o Estado,

pressupondo a existência de uma política descentralizada. Ela tonifica o poder

político dos cidadãos no Estado de Direito brasileiro ao favorecer o pluralismo de

grupos, de interesses e de iniciativas.

A democracia participativa fornece substrato para a busca de um direito

legítimo, respaldado no discurso entre os integrantes da comunidade jurídica. Com

efeito, fomenta como complemento do modelo representativo a delegação e

participação direta no poder através do discurso e da abertura de canais de

comunicação entre os interessados da sociedade civil e do Poder Público. Essa

sistemática contribui à instrumentalização do poder do povo.

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A democracia participativa, então, envolve um outro momento relativo à

determinação da soberania popular em face do Estado. Ela se reveste da

participação direta (ou semidireta, na expressão mais precisa do termo) e mais

pessoal da cidadania, pressupondo a colaboração ativa no tocante à constituição

dos atos governamentais. Afinal, a soberania popular deve ser trabalhada como

participação política, na perspectiva de reconhecimento dos direitos fundamentais,

onde os modelos democráticos servem como processos que devem funcionar nesse

sentido.

A chamada “Constituição Cidadã” elencou uma séria de direitos

fundamentais, cuja efetivação tem-se tornado cada vez mais difícil no Brasil, em

especial os direitos ao Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado e à Cidade

Sustentável.

A falta de participação popular nos processos de produção e execução das

leis orçamentárias no Estado Brasileiro seria um dos fatores que comprometeriam a

legitimidade das ações estatais de concretização das políticas públicas garantidoras

da efetividade dos direito fundamentais. A gestão orçamentária participativa mostra-

se como um caminho de melhoria da efetividade destes direitos fundamentais e

concretização do Estado Democrático de Direito, numa perspectiva Habermasiana.

Nos dizeres de Marcelo Campos Galuppo:

“Os Direitos Humanos transformam-se em Direitos Fundamentais somente no momento em que o Princípio do discurso se transforma em Princípio Democrático, ou seja, quando a argumentação prática dos discursos morais se converte em argumentação jurídica limitada pela faticidade do direito, que implica sua positividade e coercibilidade, sem, no entanto, abrir mão de sua pretensão de legitimidade. Isso significa, antes de qualquer coisa, que os Direitos Fundamentais representam a constitucionalização daqueles Direitos Humanos que gozaram de alto grau de justificação ao longo da história dos discursos morais, que são, por isso, reconhecidos como condições para a construção e o exercício dos demais direitos.” (GALLUPO, 2003, p. 233)

Nas sociedades modernas, uma norma unicamente pode ser considerada

válida se tiver o assentimento de todos, sem coerção, tanto em relação às suas

conseqüências, como em relação aos seus efeitos colaterais. Ou, nas palavras de

Tercio Sampaio Ferraz Jr., “o reconhecimento do caráter jurídico de uma norma

depende do grau de institucionalização da relação de autoridade manifesta em seu

cometimento” (FERRAZ JR., 1994, p. 110). Daí decorre que, nas sociedades

contemporâneas, o fundamento de validade do direito não está na força:

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Isto não quer dizer que o direito nada tenha a ver com a força, base para o ato de coação que executa [...]. Embora o ato de coação (força) faça parte do direito, isto não quer dizer que ele seja responsável por sua existência. Um assaltante que, de arma na mão, exige a entrega de dinheiro de sua vítima, tem desta entrega uma expectativa normativa (expressa na prescrição: passe-me o dinheiro!). Por medo de sua violência, a vítima pode até entregar-lhe o dinheiro. Mas, mesmo nesse caso, o fundamento de sua prescrição não é a força, mas o grau de institucionalização da relação de sujeição que sua ordem manifesta. Só que este grau é inferior ao grau de institucionalização da norma que proíbe o roubo, isto é, o consenso social suposto para esta norma é superior ao de sua ordem. (FERRAZ JR, 1994, p. 110)

Desse modo, podemos considerar uma norma como válida, ou seja, encontrar

consentimento “se as conseqüências e efeitos colaterais, que previsivelmente

resultarem de uma obediência geral da regra controversa para a satisfação dos

interesses de cada indivíduo, puderem ser aceitos sem coerção por todos”

(HABERMAS, 1989, p. 116).

Esse é o princípio da universalização “U”, que parte do pressuposto de que

todas as hipóteses de aplicação da norma podem ser antecipadas pelo legislador.

Se isso realmente pudesse acontecer teríamos uma norma perfeita, pois os

resultados de sua aplicação em cada caso singular já teriam sido objeto de

deliberação e já teriam encontrado a concordância de todos os afetados. Além disso,

o simples fato de uma norma ser válida já estaria a indicar sua adequação em

relação ao caso particular. Assim, “U” seria não só um princípio de fundamentação,

como também um princípio de aplicação. No entanto, o legislador, como os demais

seres humanos, não pode prever todas as situações em que uma norma possa ser

aplicada, uma vez que isso exigiria tempo ilimitado e conhecimento infinito dos

participantes em discursos racionais, então, seria inaplicável, por exigir um requisito

impraticável. Daí a necessidade da formulação de uma versão mais fraca do

princípio da universalização.

Nessa versão mais fraca, o princípio da universalização não parte do

pressuposto de conhecer de antemão todas as situações nas quais uma norma

possa ser aplicada, mas de quais sejam as características situacionais relevantes

para os interesses de todos os afetados. “De tal modo, o princípio da

universalização, em sua versão mais fraca, (u’) designa que ”uma norma é válida se

as conseqüências e os efeitos colaterais de sua observância puderem ser aceitos

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por todos, sob as mesmas circunstâncias, conforme os interesses de cada um,

individualmente”. (GÜNTHER, 2004, p. 67).

Destarte, o que importa para o princípio da universalização, adotando essa

versão fraca, é, exclusivamente, a própria norma, sua validade, independente de sua

aplicação em cada uma das situações. Assim, exige-se apenas que os indivíduos

aquiesçam sobre os resultados e os efeitos colaterais provenientes do seguimento

geral de uma norma, desde que mantidas as mesmas circunstâncias que possam

ser antecipadas no momento da discussão da norma pelo legislador.

Entretanto, a validade da norma não implica sua adequabilidade a qualquer

situação particular, esta será avaliada em um momento posterior, diante da situação

fática na qual se pretende aplicar a norma. Como diz Galuppo:

nessa versão fraca do princípio da universalização, ‘nós abandonamos a pretensão de saber precisa e previamente, e relativamente a toda situação à qual a norma é aplicável, que aspectos da situação são relevantes para os interesses de todos os envolvidos’”. E continua: “Essa situação já coloca para nós outro problema: é que, muitas vezes, esses aspectos não se revelam plenamente nos contextos de justificação da norma, mas somente nos contextos de sua aplicação, e portanto as normas jurídicas exigem, para se densificarem, discursos de aplicação. (GALUPPO, 2002. p. 143-144).

Os discursos de aplicação somente se realizam em um momento posterior à

validade da norma, diante dos casos concretos nos quais se pretende aplicar o

direito. Desse modo, o juiz, quando da aplicação da norma, deve, primeiramente,

verificar se a norma a aplicar é válida, e, se válida, ele deve verificar se ela é

adequada para um caso singular.

A validade normativa pode ser tratada em dois sentidos: em relação a todos

os afetados, com a presunção de sua observância em todas as circunstâncias; bem

como, em relação a cada uma delas, com uma suposição complementar a isso, mas

carecedora de fundamentação, a saber: se a norma adequada nessa situação puder

ser aceita por todos os afetados em todas as diferentes circunstâncias. De tal modo,

uma norma pode ser tida como válida se for reconhecida como tal por todos os

participantes do discurso.

A aplicação, por sua vez, fica encarregada da adequação da norma válida a

um caso fático, a partir da análise de toda a situação concreta. Aqui a observação da

situação concreta se mostra relevante, independente de se a observância geral

atende ao interesse de todos. A aplicação, de tal modo, refere-se à questão de se e

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como uma norma é aplicável a uma situação singular tendo em vista todas as

circunstâncias particulares.

Para Günther, regras e princípios têm dois tipos diferentes de razões para se

fundamentar a ação, que podem ser razões prima facie e razões comparativas,

respectivamente. As razões prima facie:

apenas fundamentam a suposição de que uma ação deve ou não ser executada: “... a circunstância de que eu tenha uma razão a favor ou contra o pretendido modo de agir não acarreta que eu deva ou não agir desse modo – ‘implica apenas a suposição’; trata-se de ‘razões sob a pressuposição de circunstâncias que, no mais, permanecem inalteradas’.” (GÜNTHER. 2004, p. 307).

As razões comparativas, por sua vez, são

aquelas razões que impõem imperiosamente uma ação ou não-ação em vista de todas as circunstâncias. Com isso, o proponente expressa a sua convicção de que “não poderá ser alegada outra razão em contrário cujo peso seja maior, ou as razões, sobre a qual, ou sobre as quais, baseia-se o seu juízo”. (GÜNTHER. 2004. p. 307).

Isso repercute no tipo de validade vinculada a cada um dos dois tipos de

normas, tendo em vista os tipos de razões que lhes dizem respeito, porque “uma

norma, cuja razão é prima facie, tem, correspondentemente, apenas o caráter de um

‘dever prima facie’, enquanto que o predicado da ponderação designa um ‘dever

ponderado’” (GÜNTHER. 2004. p. 307), uma vez que não seleciona previamente as

condições, bem como os limites de sua aplicação. Portanto, os princípios, que

designam razões comparativas, precisam apresentar maior quantidade de

informações da situação “para o justificar como razão para a ação do que no caso

de um dever prima facie” (GALUPPO. 2002. p. 191), enquanto que as regras são

válidas para todas as circunstâncias (em princípio), desde que reproduzam todas as

mesmas circunstâncias previstas no tipo.

Ademais, os princípios também são fluidos e abstratos e devem ser

densificados frente a um caso singular por meio de um esforço discursivo-

interpretativo, bem como não podem ser aplicados em quaisquer situações que

reproduzam suas circunstâncias de aplicação, como ocorre com as regras

(GALUPPO. 2002. p. 189-190). Nas palavras de Galuppo:

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Apesar de permanecerem abstratamente válidos, os princípios não valem incondicionalmente no caso concreto, uma vez que nem sempre se verificam todas as condições necessárias à sua aplicação. Exatamente por isso Günther entende que a diferença entre princípio e regra não diz respeito propriamente à sua estrutura, mas à forma de sua aplicação, ou melhor, “às pressuposições da ação com a qual as normas são aplicadas”. A diferença, portanto, não é de morfologia, como pretendia Alexy, mas de aplicação. (GALUPPO. 2002. p. 191).

Nas sociedades moralmente desenvolvidas, a aplicação de princípios exige

que se considerem todas as características de um caso, bem como pela análise de

todas as normas que possam se remeter a ele, pois quando falamos da aplicação de

princípios não temos um rol hierarquizado a aplicar, o que pode permitir que em

algumas situações de aplicação haja vários princípios concorrentes.

Galuppo, interpretando Günther, diz que o “termo adequabilidade [...] significa

que o juiz, quando excepciona concretamente a aplicação de princípios concorrentes

em determinado caso, apenas reconhece que estes são ou não adequados para

realizar a exigência de Integridade e de justiça naquela situação.” (GALUPPO. 2002.

p. 195).

De tal modo, os princípios se distinguem das regras devido à sua maior

indeterminação quanto às condições de aplicação. Para evitar o relativismo e o

subjetivismo no momento de aplicar os princípios, Günther diz que a aplicação

dessa norma somente poderá ser feita por meio da coerência, que tem por objetivo a

constituição de um sentido de imparcialidade à aplicação (GALUPPO. 2002).

Quando falamos de coerência não estamos nos referindo a uma coerência

abstrata ou ilimitada, mas, sim, pressupondo que os discursos de aplicação, no caso

do direito, são limitados pela faticidade e pela contingência da comunicação do

homem (GALUPPO. 2002. p. 145).

Por isso, ele [Günther] pode elaborar um critério de coerência consistente com esse pressuposto, dizendo: ‘A norma (Nx) é apropriadamente aplicável em [uma situação] (Sx) se é compatível com todas as outras normas (NFL) aplicáveis em (Sx) que pertencem a uma forma de vida (FLx) e que possam ser justificadas em um discurso de justificação’. Esse critério, que consubstancia um verdadeiro Princípio da Adequabilidade, deve informar os discursos de aplicação no direito. (GALUPPO. 2002. p. 145)

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A aplicação, segundo Günther, somente poderá ser considerada imparcial

quando realizar coerentemente a adequabilidade2 entre a todas as características da

situação e todas as normas estiverem evolvidas em cada situação. Nesse sentido,

Günther diz:

Os sinais característicos de uma situação não são relevantes por si mesmos. Essa condição somente é adquirida à luz de diversas interpretações, avaliações, interesses, planos de vida ou da fixação de metas. Conforme o grau de diferenciação destes modos de experiência, cada circunstância será percebida por nós de modo diferente, assim como será diferente a forma de cada um percebê-la. Além disso, modelos de experiência desse tipo podem mudar, de modo que, em situações parecidas, percebamos sinais característicos semelhantes de modo diferentes ou que possamos descobrir novos sinais característicos. A exigência de imparcialidade, no sentido aplicativo, não significa senão que as diferentes interpretações de uma situação devem ser tematizadas, pois teríamos de orientar nossas ações por uma norma que pode não apenas ser considerada válida, mas justificadamente também adequada. Durante o processo é que nos envolveremos com essas interpretações, comparando entre si interesses que concorrem e colidem com expectativas normativas, a fim de formar aquela norma em vista das circunstâncias especiais do caso isolado, da qual podemos reivindicar como a adequada. Só após darmos este passo, poderemos sair do horizonte da situação especial e examinarmos se, em vista das circunstâncias, a norma adequada realmente válida, isto é, se as conseqüências e os efeitos colaterais da observância geral podem ser aceitos por todos e cada um individualmente (GÜNTHER. 2004. p. 71-72).

Portanto, a aplicação de uma norma não pode ser um evento isolado de um

único indivíduo, porque existiria o risco de uma seletividade em relação aos fatos,

que redundaria em uma aplicação unilateral da norma. Desse modo, o princípio da

imparcialidade exige a interação dos argumentos dos sujeitos atingidos pela

aplicação da norma.

2Adequação é uma mera restrição da versão forte do princípio da universalização a uma única situação, pois, nas palavras de Günther, “a exigência absoluta de que, em algum momento, sejam consideradas todas as situações é elevada à exigência de que, em uma única situação, examinem-se todas as características. É só dessa forma que conseguiremos amortecer o risco que surge, na versão mais fraca, a partir da desistência de um juízo absoluto de adequação. A decisão a respeito da validade de uma norma não implica qualquer decisão a respeito de sua adequação em uma situação, e vice-versa. Contudo, ambas representam respectivamente um determinado aspecto da idéia de imparcialidade: a exigência das conseqüências e dos efeitos colaterais, previsivelmente resultantes da observância geral de uma norma, para que os interesses de cada um individualmente possam ser aceitos por todos em conjunto, operacionaliza o sentido universal-recíproco da imparcialidade, enquanto que, complementarmente a isto, a necessidade de que, em cada uma das situações de aplicação, considerem-se todas as características, operacionaliza o sentido aplicativo. Ao combinar ambos os aspectos entre si, aproximamo-nos de sentido completo da imparcialidade, como se fosse por caminhos bifurcados” (GÜNTHER. 2004. p. 70-71).

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Consoante a lição do prof. Alexandre Travessoni Gomes (2007, p. 68), para

Habermas são válidas as normas que podem ser aceitas pelos participantes de um

discurso racional, em que o melhor argumento prevalece. Um argumento racional

seria aquele que todos podem aceitar ou mesmo aqueles que poderiam ser

acatados por todos os participantes do discurso. Para o autor, se o consenso ideal

proposto por Habermas não existe no mundo real, asseverando ainda que “esse

consenso perfeito não existe em nenhum país do mundo”, (GOMES, 2007, p. 69), a

situação ideal de discurso possui a força de uma idéia reguladora, que além de

servir como guia para discursos empíricos, torna possível criticar os resultados neles

obtidos. Só poderíamos buscar um discurso empírico próximo das condições ideais

porque pressupomos estas condições e, após participar de um processo discursivo

empírico, podemos criticar o modelo nele obtido porque temos as condições ideais

como modelo.

Ainda com o prof. Alexandre Travessoni Gomes (2007, p.71), para Habermas,

uma das categorias de direito que geram o código jurídico são os direitos à

participação na formação da opinião e da vontade (autonomia política). Se existe

uma grande distância das condições empíricas e a situação ideal do discurso, vez

que é difícil falar em acordo racional discursivo com alguém que se encontra em

condições precárias de sobrevivência, esta disparidade reforça a idéia de uma teoria

também idealista como situação reguladora.

Diante deste quadro, necessário trazer a população para participar da

construção de discursos racionais empiricamente, demonstrando a elas a situação

ideal com um modelo regulador das condições de vida para, a partir desta

participação, confrontarem-se os argumentos racionais de todos os envolvidos nos

processo de construção normativa possibilitando uma evolução gradual e constante

da cultura cívica da população, aproximando as condições empíricas das condições

ideais.

A partir desta idéia, podemos entender que uma construção legislativa

orçamentária baseada num processo dialógico poderá revestir-se de maior

legitimidade na medida em que os atores envolvidos, dentro de um processo

discursivo na busca pelo melhor argumento racional, podem perceber-se como co-

autores das normas das quais são destinatários, chegando a uma decisão dentro de

um consenso comum que pode ser aceita e tornada legítima neste procedimento de

participação direta.

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3.2 A teoria concretista de Friederich Muller e a participação local

Consoante a teoria concretista de Friederich Müller (2005), ao operador do

direito cabe decidir de forma criativa sobre a melhor maneira de solucionar os

conflitos. O texto da norma não pode ser compreendido senão em razão do modelo

de realidade a que se refere, cabendo ao operador do direito concretizá-lo.

No paradigma jurídico atual, a mera previsão legal não mais satisfaz a

pretensão de validade de um direito, faz-se necessária sua efetivação no plano

concreto. Há uma exigência de aproximação entre texto e realidade constitucional.

A decisão adequada, considerada como aquela capaz de efetivar um direito

dando a resposta que oferece a melhor solução do ordenamento jurídico vigente

para aquele caso específico, somente pode ser encontrada consideradas as

características fáticas relevantes presentes em cada caso decidendo.

Tal decisão, para concretizar direitos, solucionando de forma satisfatória o

conflito, tem que conseguir buscar uma fundamentação jurídica que vá alem do texto

legal.

Ao operador do direito não mais cabe apenas a realização de uma subsunção

lógica entre a norma (premissa maior) e caso concreto (premissa menor), por meio

de uma operação eminentemente abstrata, é sua tarefa realizar uma concretização,

incluindo no processo decisório a análise do âmbito material da norma na mesma

proporção em que se atém ao seu texto.

Segundo Müller (2005), para o positivismo jusconstitucionalista a Constituição

é um sistema formal de leis constitucionais (assim como a lei é um ato de vontade

do Estado sob a forma de lei), sem lacunas, sendo que suas normas não podem

conter um nexo material com dados da história ou da sociedade que regulamenta.

Não é negada a existência de tais nexos, mas são considerados como irrelevantes

para a ciência jurídica. Como, para os positivistas, o ordenamento jurídico não tem

lacunas, qualquer caso concreto que surgir já está previamente solucionado pelo

sistema. Todos os casos imagináveis já estão pré-decididos.

O sentido da norma não pode ser definido previamente porque ela possui um

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núcleo materialmente circunscrito, o qual se torna claro, diferenciado e enriquecido

na norma de decisão de cada caso individual, respeitadas as limitações impostas

pelo texto da norma.

A validade é aferida a partir de uma dimensão material da norma, seu

conteúdo passa a ser entendido como dependente da realidade social a qual ela se

refere. A norma não preexiste à realidade, é constituída a partir dela.

Reconhecida a dimensão material da validade da norma, o intérprete, para

realizar uma concretização e não mera aplicação de texto legal, tem de conhecer a

realidade social que co-constitui a norma, o que inclui os aspectos sociais,

econômicos, ambientais e culturais de uma determinada comunidade.

A possibilidade de uma decisão adequada é tanto maior quanto mais clara for

a visão do intérprete acerca das características da realidade social regulada. O

sucesso na concretização de um direito depende em grande parte da capacidade do

intérprete de compreender a realidade social na qual se insere o conflito a ser

solucionado.

Nos dizeres de FREITAS (2002, p. 32) “O Brasil era um país tipicamente

rural. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 36,2%

da população achava-se nos centros urbanos e 63,8% na zona rural, no ano de

1950. No entanto, no censo de 1996 a taxa de população urbana passou a ser de

78,36%.”. Consoante a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio - PNAD

(INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2007), em 2006

83,3% da população brasileira vive em área urbana.

A vida desenvolve-se, então, nas cidades, que passam a responder pela

totalidade de anseios da população por qualidade de vida.

Verificamos, porém, que esta qualidade de vida não tem sido concretizada na

maioria dos municípios brasileiros, que apresentam baixíssima pontuação nos

Índices de Desenvolvimento Humano - IDH’s. Os municípios não possuem

condições de oferecer dignidade de vida à maioria de seus habitantes. Favelas, falta

de infra-estrutura viária, trânsito caótico, poluição sonora, poluição atmosférica,

incorreta disposição do lixo, dentre outros, são fatores que gritam por soluções

urgentes para assegurar mínimas condições de bem estar aos habitantes das

cidades do Brasil.

Cabe então a pergunta: como assegurar esta sustentabilidade urbana

resolvendo os problemas acima apontados e propiciando aos brasileiros uma cidade

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sustentável?

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 estabelece, em seu

art. 182, que o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e a garantia de

bem-estar de seus habitantes deverá efetivada pelo Poder Público Municipal. Esta

tarefa deve ser realizada de acordo com diretrizes gerais estabelecidas em lei

federal, e com as leis municipais necessárias, dentre elas o plano diretor. Temos aí

as diretrizes para a efetivação do direito fundamental à cidade sustentável.

Todo o arcabouço normativo, formado a partir do que prevê a Constituição da

República de 1988, composto pela lei federal denominada Estatuto das Cidades,

bem como pelas leis municipais constitucionalmente previstas, coloca o Município

como principal efetivador da função social da propriedade urbana.

O Poder Público municipal passa a ser o principal responsável pelo adequado

aproveitamento da propriedade imóvel urbana, dispondo, para tanto, de vários

instrumentos, sendo os principais o parcelamento ou edificação compulsórios,

imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo e a

desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública.

Este quadro possibilita a definição do conteúdo do princípio da cidade

sustentável a partir do contexto social no qual os conflitos sociais a serem

solucionados ocorrem, ou seja, do espaço de cada cidade.

O princípio da cidade sustentável encontra-se em situação privilegiada no que

diz respeito às possibilidades de um processo efetivo de concretização.

Isto se deve ao fato de que a Constituição de 1988, ao incumbir o Município

de efetivar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e a garantia de

bem-estar de seus habitantes, acabou por definir como principais intérpretes deste

princípio, no âmbito da cidade, pessoas e instituições cuja proximidade com a

realidade social lhes permite uma visão mais clara e apurada das reais

circunstâncias fáticas que permeiam a existência dos conflitos a serem

solucionados.

As instituições locais, no que se refere à concretização da cidade sustentável,

passam a ter um espaço de atuação na definição do significado de sustentabilidade.

Da mesma forma, o art. 225 da Constituição da República assegura ser

direito de todos o meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do

povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à

coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras

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gerações.

Percebemos que também o dispositivo em questão encerra conceitos

jurídicos indeterminados, como meio ambiente ecologicamente equilibrado e sadia

qualidade de vida.

Como definir estes direitos é outra tarefa que se propõe ao operador do

direito para concretizar estes direitos fundamentais definidos genericamente no texto

constitucional.

A própria constituição assegura aos municípios – em competência comum

com a União e os Estados definida no art. 23 – proteger o meio ambiente e combater

a poluição em qualquer de suas formas. Também assegura ao Município o direito de

suplementar a legislação estadual e federal no que couber bem como de legislar

sobre assuntos de interesse local, e ainda promover, no que couber, adequado

ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento

e da ocupação do solo urbano por força do art. 30 do seu texto.

Garantia de equilíbrio do meio ambiente como forma de propiciar sadia

qualidade de vida à população, titular deste direito, soa como algo poético para

alguns, ou mesmo como um obstáculo ao desenvolvimento econômico para outros.

A definição de meio ambiente ecologicamente equilibrado e sadia qualidade

de vida enquanto direitos fundamentais torna-se necessariamente uma tarefa a ser

cumprida localmente, posto que somente a população diretamente envolvida pode

definir qual a medida de equilíbrio a ser alcançado pela gestão ambiental e ainda

qual o parâmetro de qualidade de vida deve ser buscado pelo grupo social. Em

suma, quais os valores devem prevalecer e quais podem ser flexibilizados na

concretização destes direitos, posto que abertamente definidos no texto

constitucional e passíveis, assim como o direito à cidade sustentável, de inúmeras

interpretações.

Percebe-se aqui a interface entre os direitos fundamentais aqui mencionados.

Certamente no âmbito do direito fundamental à cidade sustentável também se

encontra inserido o direito dos habitantes daquele espaço ao meio ambiente

ecologicamente equilibrado como qualificador do direito à vida. A gestão do

município, ao definir os parâmetros de sustentabilidade urbano-ambiental, define de

maneira inequívoca a qualidade de vida dos cidadãos que ali residem.

Por certo o poder local – municipal ou metropolitano – tem o papel de

primazia na busca e definição da efetividade destes direitos fundamentais, tornando

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a perspectiva de atuação nesta esfera, consoante define Müller (2005), naquela

mais qualificada para a concretização de seu conteúdo.

Atores locais se tornam os principais operadores jurídicos responsáveis por

concretizar tais direitos. Sua prática interpretativa é que vai determinar, em grau

bastante elevado, a efetivação ou inocuidade dos direitos fundamentais à cidade

sustentável e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

A cada caso concreto o trabalho interpretativo do operador jurídico leva-o a

construção da norma adequada. A proximidade entre o intérprete e o contexto social

possibilita uma construção mais segura da decisão adequada à concretização dos

direitos.

Estes intérpretes terão maiores possibilidades de vislumbrar adequadamente

a dimensão material da norma, definindo o conteúdo dos referidos direitos de forma

a responder satisfatoriamente à demanda do caso concreto.

A efetivação de um direito constitucionalmente garantido pode ser feita de

acordo com as peculiaridades locais, sem a imposição de um conteúdo

predeterminado por intérpretes que desconheçam as características específicas do

espaço urbano a ser ordenado pelas intervenções estatais, sejam elas realizadas a

partir de um ato legislativo, de uma ação judicial ou de uma política pública

municipal.

A solução do conflito construída no âmbito local propicia um trabalho

hermenêutico mais racional, em razão da possibilidade de considerar de forma

detalhada as duas dimensões da norma: o texto e o contexto.

A importância deste aspecto do processo de concretização das normas

manifesta-se de forma latente se considerarmos, a título de exemplo, as diferenças

culturais e econômicas entre municípios de regiões diferentes, até mesmo dentro de

um único Estado da Federação.

Ordenação e realidade devem ser consideradas em sua relação, em seu

contexto e em seu condicionamento recíproco. Para Hesse (1991) quem apenas

contempla a ordenação jurídica, a norma ou está em vigor, ou derrogada. Já para

quem só leva em conta a realidade política e social, ou não consegue perceber o

problema em sua totalidade, ou será levado a ignorar o significado da ordenação

jurídica.

Tal constatação não implica, porém, atribuir um aspecto decisionista à

atuação do intérprete, em reconhecer uma normatividade do fático construída pela

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escolha subjetiva do decisor. A decisão adequada deve resultar de um processo

decisório, no qual o texto constitucional tem uma função limitadora, e cuja

racionalidade deve ser demonstrada pela exposição clara e honesta dos

fundamentos da solução encontrada, bem como dos métodos de interpretação

utilizados para tal.

Cabe ressaltar que, para Müller (2005), esta função limitadora não se dá a

partir do texto, enquanto significado das palavras como um sentido isolado e definido

previamente. O texto escrito não possui uma unidade, um centro de sentido, ele

participa de processos em razão de sua relação com outros textos. O limite do teor

literal é um dado a ser produzido pelo trabalho jurídico que trate o texto em sua

correlação com outros textos do ordenamento que co-determinem seu sentido.

Ainda segundo Müller (2005) o intérprete tem que fornecer representações

logicamente estruturadas de seus processos decisórios. A fundamentação

necessária no contexto de uma democracia e de um Estado de Direito encontra-se

no processo de concretização apresentado inteiramente.

Paulo Bonavides (2002), referindo-se a hermenêutica concretista afirma que

todo o esforço de Müller se concentra em estruturar e racionalizar o processo de

concretização da norma, de modo que a atividade interpretativa, deixada aberta pela

tópica, possa com a racionalização metodológica ficar vinculada, não se

dissolvendo, assim, o teor de obrigatoriedade ou normatividade da regra

constitucional.

A atividade interpretativa é aberta porque se orienta pela solução de

problemas, mas, por outro lado, é vinculada porque se dá por meio de um processo

racional, por isso a consideração do âmbito material não implica em dissolução da

normatividade da regra constitucional.

Isto constitui exigência essencial no contexto de um Estado de Direito

Democrático, em especial em razão da necessidade de decisões que se mostrem

juridicamente embasadas e passíveis de serem contestadas. O trabalho jurídico é

objetivo na medida em que for um processo estruturável, comunicável e controlável

de trabalho com a linguagem, consoante Müller (2005).

Necessário se faz reconhecer que a aplicação do direito decorrente deste

processo tem natureza criadora. Ao realizá-lo, o intérprete não se limita a efetuar a

atuação da lei ao caso concreto, ele constrói o sentido da norma considerando a

realidade que perpassa sua produção.

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Dentre os juristas que afirmam a dimensão construtiva da atuação do

intérprete encontra-se Ronald Dworkin (1999), segundo o qual a atividade do

intérprete na construção da decisão adequada é limitada pelo direito que já está

posto, ao mesmo tempo em que reconstrói e cria o direito para o futuro,

expressando esta idéia através da metáfora do direito como um livro escrito de

forma coerente por vários autores, de forma que cada autor continue o romance do

ponto em que parou o autor anterior (metáfora do direito como um romance em

cadeia).

Para Canotilho (1993), a dimensão criadora da concretização se confirma

inclusive pela idéia de que a leitura de um texto normativo se inicia pela pré-

compreensão do seu sentido através do intérprete.

Este aspecto não restringe, pelo contrário, amplia a dimensão da

responsabilidade do intérprete pelos resultados da decisão tomada. A mudança do

contexto social, de forma a aproximar a realidade do texto constitucional,

satisfazendo a pretensão de efetividade dos direitos garantidos, depende, em

grande medida da atuação construtiva destes intérpretes.

Para Hesse (1991):

Finalmente, a interpretação tem significado decisivo para a consolidação e preservação da força normativa da Constituição. A interpretação constitucional está submetida ao princípio da ótima concretização da norma ("Gebot optimaler Verklichung der Norm"). Evidentemente, esse princípio não pode ser aplicado com base nos meios fornecidos pela subsunção lógica e pela construção conceitual. Se o Direito e, sobretudo a Constituição, têm a sua eficácia condicionada pelos fatos concretos da vida, não se afigura possível que a interpretação faça desta tábula rasa. Ela há de contemplar essas condicionantes, correlacionando-as com as proposições normativas da Constituição. A interpretação adequada é aquela que consegue concretizar, de forma excelente, o sentido da proposição normativa dentro das condições reais dominantes numa determinada situação. (HESSE, 1991. p. 22).

A dimensão construtiva da atividade concretizadora não constitui em uma

atuação arbitrária do intérprete, uma vez que, respeitados os limites já referidos,

esta atuação não se faz somente necessária, como também inevitável, dado o

caráter dinâmico da realidade social dentro da qual se situam os conflitos, cujas

respostas devem ser dadas pelo ordenamento jurídico de forma efetiva.

Os intérpretes e, conseqüentemente construtores da norma, encontram-se

inseridos no contexto de aplicação, são conhecedores e atores da realidade social

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urbana que co-determina o significado adequado dos direitos fundamentais ao meio

ambiente ecologicamente equilibrado e à cidade sustentável em sua comunidade.

A possibilidade de construção do significado da norma em seu contexto de

aplicação, oferece a oportunidade de mudança e reconstrução da realidade social

por aqueles que a compõem.

Assim, a reorganização do espaço urbano e a gestão ambiental, de forma a

propiciar a sustentabilidade urbana e ambiental, realizando inclusão social e

aproveitamento adequado da propriedade privada, poderá se dar, gradual e

progressivamente, pela atuação de seus habitantes.

Portanto, mostra-se de extrema relevância a atuação dos operadores

jurídicos para a realização de direito constitucionalmente garantidos, uma vez que o

trabalho interpretativo envolve não só o trabalho com textos, mas também o trabalho

com dados fáticos.

O sucesso de um trabalho de concretização depende da visão que se tem da

dimensão material da norma, o intérprete deve ser capaz de extrair o que é

relevante na realidade social para co-determinar o sentido do conteúdo da norma.

O resultado satisfatório do trabalho interpretativo não depende apenas da

competência do jurista para lidar com textos, é essencial que ele seja capaz de

compreender os aspectos concretos envolvidos no processo de efetivação dos

direitos.

A proximidade entre o intérprete e o contexto social do caso concreto permite

uma visão mais clara e apurada de tais aspectos.

Assim, é necessário concluir que decisões tomadas no âmbito local têm maior

possibilidade de efetivar direitos, devendo ser preferidas em face de decisões

uniformes tomadas por esferas de poder estatais de poder que desconheçam a

realidade social da cidade.

A perspectiva de sustentabilidade urbana e equilíbrio ambiental constituem

princípios constitucionais erigidos à categoria de direitos fundamentais cuja

efetivação é delegada pela própria Constituição às esferas locais de poder. A

ordenação do espaço urbano e efetivação do direito ao meio ambiente

ecologicamente equilibrado no contexto da cidade constituem um campo fértil para

esta mudança de perspectiva em relação ao trabalho interpretativo.

Tal mudança é essencial para construir uma prática interpretativa que atenda

às exigências de concretização, superando as concepções, ainda muito difundidas

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no meio jurídico, de interpretação e aplicação de normas como trabalho meramente

abstrato e semântico.

Esta concretização se dará a partir da capilarização das perspectivas de

tomadas de decisão na esfera local, delegando à população a capacidade de definir

e decidir sobre como os seus direitos serão consolidados, posto que ninguém

conhece melhor a realidade existente e aquele que se pretende atingir que as

próprias pessoas envolvidas.

Cabe ao Estado – através dos operadores jurídicos - assegurar meios de

participação popular como instrumento de soberania de forma a conformar de

maneira concreta as perspectivas asseguradas como direitos fundamentais no texto

constitucional.

O direito contemporâneo deve se assentar apenas no princípio democrático,

não entendido mais como um mecanismo de decisão, a partir de uma pretensa

vontade geral republicana, mas compreendido como institucionalização de

procedimentos estruturados por normas democraticamente justificadas que

garantam a participação discursiva dos cidadãos no processo de tomada de

decisões. Destarte, sem incorrer no erro de reduzir a dimensão de aplicação

normativa à dimensão da validade, pois a norma a aplicar apenas se determina

tendo-se em vista o caso concreto específico, uma vez que nenhuma norma é capaz

de reger sua própria aplicação.

Neste capítulo, demonstramos a importância das teorias discursiva de Jürgen

Habermas e concretista de Friederich Muller para a reconstrução da idéia de

interesse público na materialização dos direitos fundamentais e na validade de

políticas públicas adotadas pelo Estado face à sociedade multifacetada, plural e

globalizada da atualidade.

Neste diapasão, observamos que no âmbito local a validade do ordenamento

pode ser demonstrada e concretizada através de processos discursivos que

refletirão a opinião da população diretamente interessada no processo decisório

legitimando a atuação estatal com a participação social.

Estas reflexões servirão de base para o estudo do papel do orçamento

público e em especial na gestão participativa como forma de legitimação local de

poder na busca da eficiência das políticas públicas e da concretização dos direitos

fundamentais.

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4 O PAPEL ESTRATÉGICO DO ORÇAMENTO PÚBLICO PARA A EFICIÊNCIA DAS POLÍTICAS PÚBLICAS E GARANTIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NO ESTADO BRASILEIRO3

Após discorrermos acerca da importância da materialização local do

significado normativo e da concretização dos direitos fundamentais a partir de uma

3 Parte da argumentação deste capítulo também foi desenvolvida nos artigos (i) “Gestão Orçamentária Participativa: o papel do Estatuto da Cidade na construção do paradigma de justiça urbano-ambiental intergeracional”, no XV Encontro Preparatório para o Congresso Nacional do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito (CONPEDI), em Recife, em co-autoria com a mestranda e pesquisadora do NUJUP Betina Günther Silva e com a orientadora do trabalho, profa. Dra. Marinella Machado Araújo obtendo publicação nos anais do evento; (ii) “Conselhos Municipais de Saúde e a Construção Dialógica do Orçamento Público”, apresentado no XVI Encontro Preparatório para o Congresso Nacional do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito (CONPEDI), em Campos dos Goytacazes - RJ, em co-autoria com a mestranda e pesquisadora do NUJUP Simone Reissinger e com a orientadora do trabalho, profa. Dra. Marinella Machado Araújo obtendo publicação nos anais do evento; e (iii) “Os princípios constitucionais da Publicidade e da Eficiência e os relatórios de execução orçamentária - a necessidade de simplificação técnica: um estudo à luz da teoria discursiva do Direito de Jürgen Habermas” em co-autoria com a orientadora do trabalho, profa. Dra. Marinella Machado Araújo, apresentado no XVI Congresso Nacional do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito (CONPEDI), em Belo Horizonte – MG.

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perspectiva do discurso, falaremos sobre o orçamento público nos Estados

modernos, sua função na condução da política estatal e ainda sobre a importância

do desdobramento do princípio da publicidade consubstanciado na Constituição

brasileira de 1988 em relação aos gastos públicos.

Trataremos ainda do relevante instrumento da gestão orçamentária

participativa, como manifestação da democracia participativa – ou direta – previsto

no Estatuto das cidades e de sua importância na eficiência das políticas públicas e

na materialização dos direitos fundamentais, aumentando a legitimidade das ações

estatais porquanto permeadas pela decisão da população interessada.

Pretendemos com isso demonstrar que uma publicidade e uma participação

popular em todo o processo de gasto público pode fazer com que se atinja uma

maior legitimidade da atuação do Estado, promovendo a eficiência das políticas

públicas e concretizando os direitos fundamentais à Cidade Sustentável e ao Meio

Ambiente Ecologicamente Equilibrado pela atuação conjunta do Estado e do

cidadão.

Neste sentido, a despeito de inúmeras teorias acerca da formação e da

finalidade do Estado moderno, podemos vê-lo como grande associação, que existiria

para o cumprimento de certos fins, dentre os quais o bem comum e o interesse da

coletividade.

Porém, estamos diante de um quadro em que é impossível atingir a todos os

fins simultaneamente, em razão da escassez de meios financeiros. O Estado dispõe

daquilo que arrecada da sociedade – na maioria das vezes de forma coercitiva – ou

então explorando o seu próprio patrimônio, para atingir aos objetivos a que se

propõe.

Daí, a atividade política é que determinará quais destes objetivos serão

prioritariamente perseguidos.

A partir da decisão política, o Estado concentrará esforços para cumprir

aquelas metas estabelecidas. Para tanto, empregará meios e pessoal, contratará

empresas, enfim, movimentará seu aparato para tanto. Tudo isto necessitará do

emprego de dinheiro, especificamente, do dinheiro público.

Para isto, exige o ordenamento jurídico que este gasto esteja previsto dentro

de uma autorização legislativa específica, em que o poder legislativo autoriza o

executivo a proceder àquele dispêndio monetário para atingir aquela finalidade

politicamente eleita.

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Todas as autorizações legislativas para quaisquer gastos do Estado devem

estar contidas numa peça legal, o Orçamento Público.

O orçamento não se prende a elucubrações de técnicos, nem a preocupações

de racionalizar a máquina financeira; ele tem origem em uma penosa e multissecular

cadeia de lutas políticas, que veio tornar a elaboração orçamentária indispensável

ao equilíbrio dos interesses antagônicos em volta do poder.

A doutrina de um modo geral sustenta que, no séc. XII, os barões e senhores

feudais pressionaram politicamente o Rei João Sem Terra no sentido de condicionar

a cobrança de tributos ao consentimento do Conselho do Reino. A participação do

conselho não significa em si o nascimento do orçamento, mas um componente que

suscitou o aprimoramento das relações entre Estado e cidadão.

Atualmente no Brasil, como resultado destas lutas seculares em todo o

Ocidente, a Constituição de 1988 prevê todo um capítulo destinado às Finanças

Públicas, dos artigos 163 a 169, bem como institui em uma seção mecanismos de

fiscalização, nos artigos 70 a 75, levando a alguns autores a dizer que existe uma

verdadeira “Constituição Orçamentária” dentro da nossa Constituição.

Na regulamentação infraconstitucional, destacamos a Lei n.º 4.320/64,

chamada “Lei de Contabilidade Pública”, que estatui normas gerais de Direito

Financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos

Estados, dos Municípios e do Distrito Federal, bem como a novel Lei Complementar

n.º 101, de 2000 – chamada “Lei de Responsabilidade Fiscal”, que estabelece

normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal e dá

outras previdências.

Todo este arcabouço normativo reafirma, em nosso direito pátrio, como

atribuição precípua dos parlamentos da federação a votação e aprovação do

orçamento público.

4.1 Aspecto Político do Orçamento Público

Já dissemos que o orçamento contém a autorização para a realização de

gastos públicos. Diante deste fato, concentra-se naquela peça contábil aprovada

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pelo Legislador toda a área de atuação do aparato público a partir do montante de

dinheiro que será gasto pelo Estado durante determinado período.

O orçamento, portanto, revela-nos em proveito de qual parte da população

será direcionado o aparato estatal e quais problemas serão solucionados pela

máquina pública, bem como nos mostra, diante da inexistência de previsões, quais

necessidades serão deixadas à própria sorte.

O instrumento que autoriza as receitas e controla as despesas deve ser

formado por demonstrações específicas, com finalidades e limites, a fim de impor ao

governante a vontade do povo representado no parlamento, inclusive contendo

perspectivas de impactos dos gastos ao longo do tempo, contemplando os

benefícios e sacrifícios que serão experimentados pelas presentes e futuras

gerações a partir da tomada daquelas decisões em matéria orçamentária.

Quanto mais um regime se afasta do ideal do Estado Democrático de Direito,

tanto menos o parlamento decide acerca do conteúdo do orçamento, da tributação e

das despesas, bem como se reduz a possibilidade de decisão da população

diretamente afetada acerca do que ela quer de benefícios e quais as concessões

que pode fazer, no presente e no futuro, em prol de determinada decisão política.

Na concepção do orçamento moderno, os representantes dos contribuintes

condicionam sua aprovação ao emprego dos recursos consoante as necessidades

da população ali representada. Mostra-se portanto coerente com uma idéia de

garantia de acesso a direitos fundamentais e construção de um espaço de diálogo

entre a administração e a sociedade civil a possibilidade de ouvir-se a população e

franquear a todos, de maneira inteligível, a forma como será e está sendo efetuada a

gestão dos recursos comuns.

Todas as constituições dos séc. XIX e XX mencionam a votação do

orçamento como atribuição precípua dos parlamentos. O orçamento passou a ser

inicialmente um escudo de defesa dos contribuintes da sanha arrecadatória do

Estado, freando a tributação desregrada, passando gradualmente a assumir o papel

de instrumento de equilíbrio político entre os poderes executivo e legislativo.

Cresceu como bastião de fiscalização financeira e cerceamento das

tendências perdulárias dos governantes dissociados dos interesses gerais. Daí, com

o sufrágio universal, outras classes passam a ter condições de chegar ao Poder e,

quando isso acontece, muda-se o foco dos gastos para atender às necessidades da

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classe agora dominante, invertendo-se a alocação de despesas, como verdadeiro

plano de governo da classe que alça o poder.

Porém, esta autorização legislativa para a consecução de finalidades com o

dinheiro público ocorria somente no âmbito dos parlamentos, em que os

representantes eleitos decidiam acerca de que programas e gastos seriam

autorizados, deixando a população à mercê da sua vontade, muitas vezes

dissociadas das reais necessidades da população, permeada por conchavos e

mesmo pela total ignorância acerca do instrumento.

No Brasil, o nosso modelo de federação deixou nas mãos do poder central a

maior gama de impostos, cuja arrecadação financiará o funcionamento da máquina

estatal. Por outro lado, condicionou que a União entregará aos Estados e aos

Municípios parcela da arrecadação, condicionando ainda que parcela deste

montante seja gasta em setores específicos, como educação e saúde.

Ao lado deste quadro, constatamos que a federação possui uma infinidade de

municípios, todos dotados de administração executiva e parlamentos que, sem

qualquer perspectiva de desenvolvimento econômico, sobrevivem muitas vezes

somente dos repasses obrigatórios realizados pela União. Nestas localidades, o

gasto público representa muitas das vezes a totalidade do dinheiro circulante na

economia.

É exatamente nestes locais que a necessidade de uma sintonia com os

interesses da população faz do orçamento público uma peça da maior importância,

exigindo dos representantes do povo uma acuidade e um compromisso com a sua

elaboração, votação e execução.

Tristemente não é este o quadro que encontramos. Um parlamento

subserviente à vontade do Executivo, ignorante do seu papel e de sua importância

social, e invariavelmente descompromissado com a população e buscando

realização pessoal, fazem das peças orçamentárias simples estórias de faz de

conta, para atender à exigência da Lei Maior.

A população fica ao talante do grupo político eleito, que governa muitas vezes

afastado do anseio popular e manipula o orçamento, visando somente os interesses

de apadrinhados e correligionários, sem qualquer visão de planejamento e

ordenação.

A democracia representativa tradicionalmente concebida passa a servir de

muralha para conluios e manipulações do dinheiro público de modo a atender

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somente aos interesses pessoais do grupo político eleito que, como já dissemos,

após a assunção do poder esquece-se da população que os elegeu.

Tal prática ocorre muitas vezes acobertada pela ignorância que assola a

população sobre o instrumento orçamentário, e muitas vezes os próprios incumbidos

da votação e execução das peças orçamentárias desconhecem sua importância e

seu real papel de condução das políticas públicas, o que se dá muitas vezes em

função do elevado grau de tecnicismo presente nas formas de gestão das finanças

públicas.

Este quadro mostra-se muitas vezes desolador, mas uma prática inovadora já

vem ajudando a mudá-lo, chamando a população para decidir diretamente acerca de

que prioridades serão atingidas pela máquina estatal. É a chamada Gestão

Orçamentária Participativa, possibilitando que a população opine e até mesmo

decida acerca dos gastos públicos e seus impactos sociais decorrentes. Esta forma

de gestão, que supera o modelo de democracia representativa na elaboração da lei

orçamentária, numa perspectiva de democracia participativa, será analisada com

maior profundidade ainda no decorrer deste trabalho

Outra forma é a publicização da execução dos gastos, de modo a permitir que

toda a população tenha acesso à forma como estão sendo empregados os recursos

destinados a garantir o bem comum.

A própria Constituição de 1988 previu a participação direta da população no

poder, dentro de um ideal de Estado Democrático de Direito. Porém, é necessário

que se traduza para a população todo o procedimento técnico que permeia a

legislação orçamentária, trazendo a gestão das finanças públicas para a realidade

da população.

Para tanto o ato de decidir é, no direito democrático, construído a partir da

legalidade procedimental aberta a todos os indivíduos e se legitima pelos

fundamentos técnico-jurídicos do discurso democrático nela contidos.

No artigo 1o. da Constituição Federal brasileira de 1988, o legislador

constitucional fez a opção pelo paradigma democrático de direito, prescrevendo em

seu artigo 1o que a República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel

dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático

de Direito.

Esta opção do legislador deve ser entendida no sentido de que o Estado

Democrático de Direito se constitui de um espaço discursivo que busca garantir a

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legitimidade das decisões através das garantias fundamentais à participação em

procedimentos ou estruturas organizacionais existentes no na estrutura estatal.

Diante deste quadro, necessário se mostra inserir a população para a

participação política na elaboração dos planos de gestão das finanças públicas, para

que a decisão sobre como gastar os recursos disponíveis, dentro das limitações

impostas pelo próprio montante de recursos, possa estar politicamente revestida da

vontade geral da população, e passe a atender da melhor forma possível – a partir

desta decisão política – aos anseios do grupo social para o qual a ação estatal deve

ser dirigida.

4.2 Princípios Constitucionais Orçamentários

A nossa constituição inspirada no modelo de Estado Democrático de Direito

traz alguns princípios, importantes do ponto de vista orçamentário, e que irão refletir

e influenciar a Gestão Orçamentária Participativa.

O principal deste é o da Publicidade, insculpido no artigo 37, como requisito

de eficácia e moralidade administrativas.

Uma evolução do princípio da publicidade é o da transparência, que

verificamos no artigo 165, §3º da Constituição, que determina ao poder executivo a

publicação, até trinta dias após o encerramento do bimestre, o relatório resumido da

execução orçamentária.

Outrossim, todo o processo de elaboração da legislação orçamentária deve

ser publicizado. Como corolário do princípio da publicidade pode a população

acompanhar tanto o trâmite da legislação orçamentária nas respectivas casas

legislativas como verificar a execução do orçamento após a sua aprovação. Porém

este modelo contempla uma passividade em relação à população, que delega

completamente aos seus representantes as decisões acerca de como serão

utilizados os recursos públicos.

Este poder de controle a posteriori também se consubstancia no artigo 74, §

2º - Qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato é parte legítima para,

na forma da lei, denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o Tribunal de

Contas da União.

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Ao lado destes princípios, está o princípio da eficiência, que determina sejam

alcançados da melhor maneira possível os fins a que se destina a atuação estatal.

4.3 A Legislação infraconstitucional

O artigo 48 da Lei Complementar nº 101/2000 – Lei de Responsabilidade

Fiscal - assegura a transparência da gestão orçamentária, que é estabelecido como

a pedra de toque do Direito Financeiro, posto que fornece subsídios para o debate

acerca das finanças públicas, possibilitando uma maior fiscalização das contas

públicas por parte dos órgãos competentes e da própria sociedade.

Neste sentido, o acesso às informações governamentais que proporciona o

princípio da transparência fortalece a democracia do mesmo modo que o

fortalecimento da democracia estimula um maior acesso àquelas informações.

O caput do artigo 48 estabelece que se dará ampla divulgação, inclusive pela

internet, aos planos, orçamentos e leis de diretrizes orçamentárias; às prestações e

contas e todos os outros documentos ali mencionados. A internet seria então uma

ferramenta de publicização das informações, fortalecendo os laços entre o Poder

público e a sociedade.

Podemos dizer que ao menos sob o novo regime de responsabilidade fiscal a

publicidade de informações, inclusive pela internet, fortalece e legitima o Estado,

tornando as decisões governamentais cada vez mais próximas dos cidadãos,

propiciando a fiscalização e dando acesso a sugestões para aperfeiçoamento do

regime fiscal.

O parágrafo único do art. 48 estabelece ser a transparência assegurada

através da participação popular e a realização de audiências públicas os processos

de elaboração dos PPA’s, LDO e do Orçamento Anual. Esta participação popular é

salutar, pois dá maior legitimidade aos instrumentos legais - confecção feita com o

respaldo da sociedade.

Os documentos devem ser também maximizados em sua interação entre a

sociedade e o Poder Público, pois este não possui a acuidade para perceber as

carências sociais. O art. 49 da LRF fala que as contas apresentadas pelo Chefe do

Executivo ficarão disponíveis para o Legislativo e no órgão que as elaboraram para

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a consulta dos cidadãos e instituições da sociedade. Isto aprofunda o conceito de

transparência como corolário do regime de responsabilidade fiscal.

Deve o governante prever as repercussões para o fisco de determinadas

políticas públicas. O agente não pode gastar sem antes ter a noção do impacto de

tais gastos para o patrimônio Público. Brota aí uma idéia de preocupação com o

futuro, ao exigir-se a previsão de impacto das decisões nas contas públicas

subseqüentes, bem como o ônus a ser transmitido para os que estão por vir e que,

de alguma forma, serão afetados pela decisão.

A repercussão da política de gastos públicos nas diversas regiões e nos

diversos setores do país deve ser levada em conta, respeitando a população, que

deve ser contemplada com políticas públicas, sendo ouvida na tomada de decisões

acerca da forma de alocação destes recursos, num estreitamento dialógico entre a

administração e a sociedade civil.

Tem-se, portanto, que ninguém melhor do que o próprio cidadão para indicar

as prioridades em cada área social, e para verificar o efetivo cumprimento pelos

seus governantes das questões decididas acerca do uso dos recursos geridos pelo

Estado.

4.4 Gestão Orçamentária Participativa – O Estatuto da Cidade

No mesmo caminho, a Lei nº 10.257/2001 – o chamado “Estatuto das

Cidades” – veio regulamentar os artigos 182 e 183 da Constituição, estabelecendo

diretrizes gerais da política urbana.

Referido diploma estabeleceu em seu art. 4º, inciso III, alínea f, c/c o art. 44 a

obrigatoriedade de debates, audiências e consultas públicas como condição

obrigatória para a aprovação das legislações orçamentárias pela Câmara Municipal.

O Estatuto da Cidade traz como inovação a participação popular na definição

dos instrumentos normativos orçamentários públicos ao estabelecer que nenhum

dos instrumentos poderá ser aprovado sem os debates, audiências e consultas

públicas, tornando a participação popular uma exigência para a aprovação da

legislação autorizadora dos gastos públicos.

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A participação torna-se compulsória, vedando-se ao poder legislativo

municipal aprová-los sem que com eles anua a população local, segundo critérios

legalmente previstos.

Supera-se a visão ortodoxa do orçamento - somente prevê receitas e delimita

despesas – como estrangulador da ação administrativa, por uma perspectiva mais

heterodoxa e progressista - realidade da gestão pública – e instrumento a serviço da

sociedade, atendendo aos interesses desta.

Traz o orçamento instrumentos correlatos da esfera da mera ficção para uma

realidade exeqüível e democrática, transformando-o de simples designação de

despesas e receitas em plano de governo, com a indicação de problemas

fundamentais articulados, em um instrumento de participação popular e

reverberação dos anseios sociais, com possibilidade real de diminuição das

desigualdades sociais através dos gastos públicos diretamente escolhidos pelos

interessados.

As leis e planos previstos na constituição passam a ser meios de satisfação

dos interesses coletivos, e não simples cumprimento de formalidades burocráticas e

contábeis. O Orçamento público vislumbra-se como um canal de viabilização de

políticas públicas e satisfação dos interesses da coletividade, consubstanciando

planos de governo e permitindo sua execução de forma equilibrada e flexível.

Esta perspectiva faz crescer a importância da participação popular na gestão

orçamentária, posto que as grandes assembléias populares consignarão as grandes

demandas sociais, atribuindo maior legitimidade às decisões discutidas

democraticamente.

Daí que a gestão orçamentária participativa é a evolução do princípio da

transparência, determinando que o povo exerça diretamente a democracia, o poder,

e escolha livremente onde serão aplicados os recursos públicos. É forma da

democracia direta, com a participação direta do cidadão na elaboração de uma

proposta orçamentária que será destinada a ele próprio.

4.5 A Gestão Orçamentária Participativa como instrumento de efetividade de políticas públicas e dos direitos fundamentais à cidade sustentável e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

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No modelo de Estado Democrático de Direito, em que a ação do Estado deve

permear-se constantemente da esfera privada visando a consecução dos interesses

coletivos, a figura das políticas públicas toma importância ímpar como meio para a

consecução deste interesse coletivo, ou público.

Consoante definição de Maria Paula Dallari Bucci (2002, p. 241) políticas

públicas são “programas de ação governamental visando a coordenar os meios à

disposição do Estado e as atividades privadas, para realização de objetivos

socialmente relevantes e politicamente determinados”. Seriam, para a autora, metas

coletivas conscientes, a serem buscadas pelo poder público – constituindo-se aí um

problema correlato ao direito público – mas sempre em consonância com o

particular, entendido como sociedade civil organizada e com o conjunto de cidadãos.

Para a autora, quando adotamos a concepção das políticas públicas no direito

estamos aceitando um maior grau de interpenetração entre as esferas jurídica e

política, na medida em que a interpenetração desta esfera política no campo do

direito confere validade à legislação que os governantes tentam colocar em prática.

Com Lassale (1998) afirma que as políticas públicas seriam o espaço

institucional para a explicitação dos “fatores reais de poder” ativos na sociedade num

dado momento histórico, em relação a um objeto de interesse do público. A política,

dentro do contexto de políticas públicas, seria uma atividade de reconhecimento e

organização de poder.

Porém, quando se torna o sistema jurídico administrativo mais permeável às

decisões de cunho eminentemente político, em que o Parlamento torna-se a

principal instância como órgão representativo do Povo – corre-se o risco de

aumentar também a vulnerabilidade do sistema às más decisões destes atores

políticos.

Dois itens que contribuem para este risco no Brasil, a título de exemplos

sobre os quais não se aprofundará, seriam (i) as discrepâncias na representação,

em que o art. 45, §1º da Constituição cria super-representações nos Estados menos

populosos e sub-representações em Estados com maior população, como Minas

Gerais e São Paulo, e também (ii) a limitação do sistema representativo, que nem

sempre seleciona os representantes mais aptos a buscar o bem coletivo, com risco

iminente para a demagogia e, especialmente no Brasil, em que os grandes centros

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urbanos podem ser comparados aos sertões de Guimarães Rosa, os mandonismos

locais e a dominação das oligarquias como riscos acessórios.

Neste mesmo sentido, José Reinaldo Lima Lopes (1994) cita José Afonso da

Silva para quem “a incapacidade do Estado brasileiro de formular políticas públicas,

devido à sua privatização por grupos sociais determinados e ao sistema de

representação congressual que transforma os legisladores em agenciadores de

verbas públicas”, demonstra o quão falido historicamente se encontra o sistema

representativo no tocante à formulação das políticas públicas.

Dentro desta idéia de falência do sistema representativo para a possibilitar a

formulação e execução de políticas públicas voltadas para o interesse geral, não

podemos afirmar que soluções exclusivamente políticas seriam a solução. Ainda

com BUCCI (2002), mesmo ser percebemos que o problema jurídico-administrativo

do Brasil, embora tenha elementos gerenciais, não é exclusivamente de gestão; é

primordialmente um problema político, quando um resultado eleitoral que

teoricamente expresse uma nova correlação de forças na sociedade se estabelece,

a conformação institucional para que esta força possa imprimir ao processo de

tomada de decisões no funcionamento do aparelho do Estado no intuito de melhorar

a qualidade de vida da população, será necessário um aparato jurídico com

procedimentos de tomada de decisão para tornar esta ação política dotada de

validade e eficácia.

Daí a importância da superação das barreiras impostas pelo sistema

representativo e a consulta direta à sociedade para as tomadas das decisões.

Existindo o sistema jurídico constitucional e infraconstitucional que assegurem

mecanismo de participação social, necessário se faz a utilização destes

instrumentos para garantir uma estrutura procedimentalizada de consulta aos

diversos setores envolvidos, nos moldes propostos por Habermas, para garantir

validade e por certo eficiência às políticas levadas a efeito pela administração

pública.

Este processo de diálogo procedimentalizado entre a administração pública e

a sociedade mostra uma forma de convalidação de qualquer instrumento de gestão

pública, posto que num Estado Democrático de Direito, dentro da perspectiva

Habermasiana, o processo político social se pretende marcado não mais pela

subordinação de indivíduos e organizações ao Estado, mas pela coordenação das

ações privadas e estatais sob a orientação do Estado.

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Neste contexto, algumas atividades do Estado necessitam da utilização desta

espécie da atuação de políticas públicas, marcadamente pelo contexto

indeterminado – ou princípiológico – de seu conteúdo, cuja definição da ação deve

ser concretizada pela atuação dos agentes públicos e privados através de

procedimentos democráticos participativos institucionalizados. Maria Paula Dallari

Bucci (2002, p. 247) já cita a “disseminação dos programas finalísticos nas áreas do

direito urbanístico e ambiental, por exemplo, com grande difusão de instrumentos de

planejamento”.

Notadamente na definição do conteúdo do Meio Ambiente Ecologicamente

Equilibrado e da Cidade Sustentável para concretização deste dois direitos

fundamentais previstos em nossa ordem constitucional a idéia de políticas públicas

enquanto diretrizes e planejamento traçado pelo poder público com a participação

dos cidadãos merece destaque no contexto atual do estado brasileiro, como forma

contundente de materialização da idéia de Estado Democrático de Direito.

Estes dois conteúdos, qualificadores do direito à vida, devem ser

materializados no âmbito de cada segmento social, conforme já explanado

anteriormente. Para sua concretização, necessário se faz portanto uma ação do

estado – conforme expressa previsão constitucional nos caputs dos art. 182 e 225 –

mas sempre tendo em vista os destinatários da norma, que serão a razão única

destas ações, pois usufruirão os benefícios assegurados pelas mesmas.

Portanto, a idéia a ser buscada passa necessariamente pelos destinatários da

norma, posto que serão eles os beneficiados – ou em alguns casos até

prejudicados, falando-se em eventuais supressões de direitos de exploração de

determinada atividade econômica – pela sua eventual concretização. Neste sentido,

Maria Paula Dallari Bucci assevera que:

“a noção de política pública é valida no esquema do Estado social de direito4, que absorve algumas das figuras criadas com o Estado de bem-estar, dando a elas um novo sentido, agora não de intervenção sobre a atividade privada, mas de diretriz geral, tanto para a ação de indivíduos e organizações, como do próprio Estado.” BUCCI (2002, p. 247)

Para Maria Sylvia Zanella di Pietro, (2002, p.50) os atos políticos para a

concretização e efetividade destes direitos fundamentais, dentro de uma idéia de

4 A autora refere-se ao Estado social de direito, que, em nosso entendimento, é o Estado Democrático de Direito definido na ordem constitucional de 1988.

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políticas públicas, seriam os atos decisórios que implicariam a fixação de metas,

diretrizes ou planos governamentais que se inserem na função política do governo e

serão executados pela Administração Pública no exercício de sua função

administrativa propriamente dita.

A inserção do elemento popular na definição destas políticas certamente trará

maiores benefícios para todos, seja para população, seja para o governo, vez que,

consoante BUCCI (2002, p.249) “quanto mais se conhece o objeto da política

pública, maior é a possibilidade de efetividade de um programa de ação

governamental; a eficácia de políticas públicas consistentes depende diretamente do

grau de articulação entre os poderes e agentes públicos envolvidos.” A participação

da população na definição das políticas poderá aumentar significativamente o grau

de eficiência de qualquer ação governamental, vez que delimitação das fronteiras

desta ação governamental envolve sempre atores sociais pertencentes a

organizações múltiplas, sejam elas de origem privada ou pública, que vão intervir em

diversos níveis na definição dos resultados a serem alcançados.

Enquanto programa de ação governamental para um setor da sociedade ou

um espaço geográfico, a própria omissão do Estado, deixando à própria sorte

alguma reivindicação ou carência de determinando grupo social ou localidade, pode

constituir uma espécie de política pública – por certo maléfica para as “vítimas” da

omissão – que pode ser revertida com a oitiva dos envolvidos.

Enquanto programa de ação de um governo, por certo a eficiência de

qualquer política pública poderá ser medida pelos resultados alcançados com os

recursos disponíveis. Desta forma, a aplicação dos valores financeiros terá um papel

fundamental no alcance dos objetivos perseguidos pelo governo. Assim, somente

com a correta utilização destes recursos, num sentido de aplicação responsável e

consciente por parte dos agentes públicos na busca da concretização da política

proposta poderá se dizer que existe a eficiência do trabalho desenvolvido.

Ainda com BUCCI (2002), um fator que demonstra a íntima ligação das

políticas públicas com a viabilidade de recursos a serem utilizados como despesas

públicas para atender suas finalidades, é a freqüente exteriorização destas através

de planos, que podem ter caráter geral, como Plano Nacional de Saúde, Plano de

Educação, etc. Nestes casos, o instrumento normativo do plano é a lei do plano. A

política pública, mais ampla que o plano, encampa outros meios acessórios de para

sua implantação, dentre os quais os recursos disponíveis para serem utilizados ou

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uma parcela da arrecadação que será renunciada para tal mister. Neste caso, a

política pública define-se como o processo de escolha dos meios para a realização

dos objetivos do governo, com a participação dos agentes públicos e privados. Para

José Reinaldo de Lima Lopes

... para a compreensão das políticas públicas é essencial compreender-se o regime das finanças públicas. E para compreender estas últimas é preciso inseri-las nos princípios constitucionais que estão além dos limites ao poder de tributar. Elas precisam estar inseridas no direito que o Estado recebeu de planejar não apenas suas contas mas de planejar o desenvolvimento nacional, que inclui e exige a efetivação de condições de exercício dos direitos sociais pelos cidadãos brasileiros. Assim, o Estado não só deve planejar seu orçamento anual mas também suas despesas de capital e programas de duração continuada. (LOPES, 1994, p. 132-133)

Portanto, podemos também definir políticas públicas, ainda com Maria Paula

Dallari Bucci, como “...processo ou conjunto de processos que culmina na escolha

racional e coletiva de prioridades, para a definição dos interesses públicos

reconhecidos pelo direito.” A disponibilidade de verba orçamentária faz parte deste

processo – ou de um conjunto de processos para viabilizar esta escolha racional e

coletiva deste interesse público.

O processo de definição do interesse público – a forma de concretização dos

direitos fundamentais ao Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado e à Cidade

Sustentável – está intimamente ligado à questão da discricionariedade do

administrador, cujo momento essencial seria aquele em que se individualizam e se

confrontam os vários interesses concorrentes e conflitantes. Portanto, um interesse

público reconhecido pela lei pode ser definido no processo de formação de uma

política pública no intuito de sancionar determinados objetivos e finalidades a serem

alcançados através desta ação coordenada entre a administração e a sociedade.

Portanto, a consulta da população na definição da política pode ser

perfeitamente entendida como forma de controle da discricionariedade, na medida

em que são apresentados todos os argumentos racionais e pressupostos materiais

que informarão a decisão que calcará a ação administrativa. Este processo

participativo tornaria a política uma obra coletiva de autoria dos administradores e

dos administrados, cuja execução seria recebida certamente de melhor grado por

todos, mormente pelos seus destinatários, que, em virtude da participação, tornam-

se agora co-autores.

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Neste sentido, a ação administrativa ganha um novo contorno, para dar vida,

através da participação e do confronto de todos os interesses envolvidos, a uma

justa composição que embasará a atuação da administração. A escolha de diretrizes

de ação e dos meios necessários para a consecução das finalidades norteadas pelo

interesse público são os vetores para a implementação concreta de formas de

atuação do Poder Público, materializando o ideal de Estado Democrático de Direito,

e exprimindo não mais a decisão isolada e pessoal do agente político, mas escolhas

politicamente informada através de processo institucionalizados de participação

democrática direta que por essa via poderão mostrar os interesses públicos que

tencionam realizar.

A atividade política é antes de tudo a administração da máquina pública a

serviço da coletividade. Através das decisões políticas – traduzidas na legislação – o

estado vai movimentar-se para atingir os fins coletivamente buscados. Uma

característica da atividade administrativa é o planejamento, em que se traçam

diretrizes para se alcançar metas também estabelecidas. O planejamento é

essencial na atividade administrativa, mormente quando se fala na equação

CUSTO-TEMPO-BENEFÍCIO. Para Idalberto Chiovenato (2001, p. 221) o

planejamento é a primeira função administrativa de uma organização, determinando

os objetivos a serem atingidos e os planos necessários para alcançá-los da melhor

maneira. Planejar é definir os objetivos e escolher antecipadamente o melhor curso

de ação para atingi-los. Seria uma técnica para absorver a incerteza sobre o futuro e

permitir maior consistência no desempenho das organizações (CHIOVENATO, 2001,

p. 222).

O trabalho deste planejamento na administração pública é tornar o estado – e

seus cidadãos – da maneira que a classe política a deseja no futuro. Com

Chiovenato (2001, p. 244) como é um curso de ação escolhido dentre algumas

alternativas potenciais, vai definir a alocação de recursos humanos e não humanos

(inclusive financeiros) da organização, de forma antecipadamente organizada e

decidida. É também uma técnica de integração e coordenação ao permitir o

entrosamento de várias atividades envolvidas no intuito da realização dos objetivos

desejados.

Quando se fala em atuação do administrador público e em execução de

políticas públicas, a efetividade e a eficiência destas políticas vão requerer o

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planejamento, com a determinação de algumas metas a serem atingidas e o

caminho que se vai percorrer – através de ações concretas – para atingi-las.

Alia-se a esta idéia a necessidade de dispêndio financeiro que, quando se

trata de gastos públicos, devem sempre ser planejados. A dinâmica das finanças

públicas com a elaboração de toda a legislação orçamentária, como o Plano

Plurianual – por excelência um instrumento de planejamento de despesas de capital

– a Lei de Diretrizes Orçamentárias e a Lei Orçamentária Anual, é permeada da

atividade planejadora para a definição das metas e dos montantes de recursos

necessários para alcançá-las, através de autorização legislativa. Administrar as

finanças públicas é basicamente planejar o gasto do dinheiro público, direcionando-o

para os objetivos politicamente escolhidos.

Mas o sucesso na função de planejamento requer o reconhecimento do

ambiente das decisões. Para isso, deve envolver o maior número de pessoas que

estejam envolvidas com a execução, sendo, de alguma forma, constante e

participativo (CHIOVENATO, 1999, p. 218). O planejamento ainda melhora a

possibilidade de controle dos objetivos alcançados e das ações tomadas para tanto,

bem como o seu custo e o tempo despendido até a sua realização, melhorando a

administração deste tempo gasto pelo administrador.

Estando então a definição dos objetivos como a função primária da atividade

de planejamento, tanto maior será a eficácia dos caminhos escolhidos para a

efetividade de direitos fundamentais através de políticas públicas quanto maior for o

processo de participação dos envolvidos-destinatários na definição destes objetivos

e do montante de recursos aplicados para a sua materialização. As políticas

públicas, na qualidade de execução de objetivos pré-determinados a partir desta

atividade planificante, terão por certo maior eficácia se contemplarem a oitiva dos

interessados na sua execução para a definição dos objetivos e caminhos a serem

traçados, bem como dos recursos disponíveis.

Uma política somente poderá se dizer pública quando contempla os

interesses públicos, da coletividade, especialmente quando se pretende concretizar

uma dimensão de direitos coletivos como os Direitos Fundamentais ao Meio

Ambiente Ecologicamente Equilibrado e à Cidade Sustentável que, na perspectiva

de Muller, conforme já explicitado, necessitam de materialização concreta para

atingirem níveis satisfatórios de legitimidade. Deve portanto a política pública ser a

expressão de um processo público, procedimentalmente assegurado, com abertura

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à participação de todos os interessados, diretos e indiretos, para que todos

manifestem seus argumentos de forma clara e transparente. Neste sentido, este

jogo político depende do amadurecimento da qualidade decisória dos envolvidos,

que ocorre a partir da garantia de reiterada participação democrática assegurada

tanto quando da formulação da política quanto no momento de sua execução.

A abertura do processo de definição das verbas orçamentárias à participação

direta da população é importante instrumento de amadurecimento político da

população como também para a eficiência da política pública.

A eficiência, alçada a princípio constitucional da Administração Pública com a

Emenda 19/98, pode ser definida, no âmbito da atuação estatal, nas palavras do

prof. Edimur Ferreira de Faria (2005, p.37) como a atuação do administrador no

intuito de “planejar a atividade do órgão ou entidade que dirige de forma a gastar

menos e obter o máximo de resultado social e econômico, quando for o caso”. Para

o prof. Diógenes Gasparini (2006, p.22) deve ser a atuação estatal praticada “com

rendimentos, isto é, com resultados positivos para o serviço público e satisfatórios

para o interesse da coletividade. (...) Procura-se maximizar os resultados em toda e

qualquer intervenção da alçada da Administração Pública.”

Já para a profa. Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2002, p.83), o princípio da

eficiência pode ser desdobrado em “relação ao modo de organizar, estruturar,

disciplinar a Administração Pública, também com o mesmo objetivo de alcançar os

melhores resultados na prestação do serviço público.”

A despeito desta idéia de eficiência a partir da do mínimo custo para obtenção

do máximo resultado, à luz da idéia de planejamento já defendida, diante de uma

equação de CUSTO-TEMPO-BENEFÍCIO, muitas vezes a eficiência e eficácia de

uma política pública poderá, a partir da consulta à população interessada, flexibilizar

uma destas variáveis para atingir os objetivos propostos de maneira duradoura. Por

vezes o menor gasto não representará uma maior durabilidade do resultado a ser

atingido, tornando-se necessário um dispêndio maior de recursos financeiros. Outras

vezes será necessário aguardar uma maior parcela de tempo para a obtenção do

resultado. A idéia de planejamento como a definição de metas e a escolha de um

caminho para alcançá-las, pode rearranjar esta idéia de eficiência de várias

maneiras, maximizando todas as variáveis ou flexibilizando a aplicação de uma ou

de todas elas. A partir de uma consulta aos interessados, num processo de escolha

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racional, poderá a administração pública realizar sua atividade de planejamento para

escolher o melhor caminho a ser traçado para alcançar determinada meta.

Quando se trata de uma política pública, os melhores resultando sempre

serão alcançados quando os destinatários do programa de governo, sentindo-se co-

autores da mesma, empenharem-se no seu cumprindo, maximizando os gastos

disponíveis para a consecução dos objetivos pretendidos. Neste aspecto, é

fundamental que os cidadãos participem da formatação do montante a ser

despendido pelo ente estatal para legitimar o gasto e atender a todos os interesses

concorrentes. Portanto, a participação popular na elaboração do orçamento e na

priorização dos gastos toma papel de destaque neste processo.

No modelo de Estado moderno, o Orçamento Público é elaborado de forma a

atender prioritariamente os programas políticos levados a cabo pelo grupo que

alcança o poder, deixando excluída uma parcela da população das benesses

proporcionadas pelo gasto público.

Esta concepção do orçamento, como peça técnico contábil de gestão dos

gastos públicos, que deve ser elaborada nos gabinetes sem a participação daqueles

diretamente afetados pela forma de condução dos gastos estatais passa a mudar

gradativamente, quando se verifica que, no modelo de Estado Social em que o

Estado é o responsável pela distribuição das conquistas sociais e garante daquela

série de direitos econômicos e sociais, a atuação estatal através de dispêndios de

natureza orçamentária tem grande importância na economia local, influenciando o

seu desenvolvimento.

Contudo, num contexto de releitura da democracia em que o Brasil se inseriu

como Estado Democrático de Direito, em que os cidadãos passam a não ser

somente os destinatários das normas, mas a reconhecerem-se também autores dos

comandos normativos, até mesmo a decisão acerca da forma de aplicação dos

recursos públicos passa a ser franqueada ao cidadão.

Neste contexto, a Lei Complementar 101/2000 – Lei de Responsabilidade

Fiscal, traz em seu art. 49, parágrafo único que a transparência da gestão fiscal será

assegurada também mediante o incentivo à participação popular e realização de

audiências públicas, durante os processos de elaboração e discussão dos planos, lei

de diretrizes orçamentárias e orçamentos.

Malgrado elencar somente um incentivo à participação popular na elaboração

orçamentária, a LC 101/2000 já tratava da importância da participação do cidadão

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na gestão das finanças públicas. A LC foi complementada neste aspecto pela Lei

10.257/2001, o chamado “Estatuto das Cidades”, que regulamenta os arts.182 e 183

da CRFB/88 e estabelece diretrizes gerais da política urbana.

A Lei 10.257/2001 estabeleceu em seu art. 2º, II, a obrigatoriedade da “gestão

democrática por meio da participação da população e de associações

representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e

acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano;”

consagrando o direito à participação popular na gestão urbana dos municípios.

O Estatuto das Cidades estabeleceu ainda em seu art. 4º, inciso III, alínea f, a

gestão orçamentária participativa como um instrumento da política urbana,

prescrevendo em seu art. 44 que esta gestão orçamentária participação no âmbito

municipal, deverá incluir a realização de debates, audiências e consultas públicas

sobre as propostas do plano plurianual, da lei de diretrizes orçamentárias e do

orçamento anual, como condição obrigatória para a sua aprovação.

Passou, então, o legislador ordinário a positivar a obrigatoriedade da gestão

orçamentária participativa.

Com isto, a elaboração das peças financeiras do Estado – o Plano Plurianual,

a Lei de Diretrizes Orçamentárias e o Orçamento Anual – deve ser submetida à

participação popular como condição para sua aprovação.

Ao retirar das mãos dos representantes eleitos e passar a decisão acerca dos

aspectos orçamentários do ente estatal para os próprios cidadãos, apesar de

inúmeras facetas problematizadas que esta prática pode acarretar, o legislador

contribui para que o povo decida diretamente acerca de como será utilizado o

dinheiro de todos que é recolhido aos cofres públicos através da atuação do Estado.

Esta decisão certamente contribui para que o cidadão não se sinta somente

um destinatário da norma jurídica – in casu a norma orçamentária – como também

um co-autor, um partícipe nesta elaboração legislativa, com o diferencial de muitas

vezes poder fiscalizar e ser beneficiado por aquela norma/decisão que ajudou a

construir.

Noutro aspecto, ao participar da elaboração dos orçamentos e perceber que é

dada importância à sua voz e à sua vontade, se desperta a consciência política do

cidadão, ao perceber-se ator dentro do mundo político, com atitudes que geram

conseqüências sérias para si e para a comunidade, estimulando também a sua

participação, informação e aprimoramento de suas decisões.

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A gestão orçamentária participativa orçamentária obrigatória no âmbito dos

municípios constitui-se num desdobramento de inúmeros outros instrumentos

legislativos previstos principalmente após o marco constitucional de 1988, como o

plebiscito, o referendo e as audiências públicas.

No caso das audiências públicas a função primordial seria a de informação à

sociedade bem como da coleta das reivindicações da comunidade em relação a

determinado assunto. Na maioria das vezes, as audiências públicas não possuem

caráter deliberativo, servindo somente para informar a população e dela colher

demandas e sugestões.

A gestão orçamentária participativa prevista na legislação também não

condiciona o respeito às demandas e sugestões da população, sendo portanto

também informativa. Porém, nos moldes em que foi implantada em alguns

municípios, ao contrário, nestas audiências públicas com a participação da

população as deliberações tendem a ser sempre respeitadas pelos administradores,

mormente pelo risco político de não atenderem aos anseios da população após

chamá-la a opinar.

Desta forma, a população insere-se no contexto jurídico para a tomada de

decisões acerca da utilização dos recursos públicos.

Fortalece-se com isso a democracia participativa, em virtude do gradual

enfraquecimento da democracia representativa, onde o mandato tem sido exercido

para o bem somente daquele grupo de representados, e não para o bem da

sociedade por ele influenciada.

Com este mecanismo, permeia-se o poder do Estado, criando um canal direto

de participação popular, que resulta em decisão, mais democracia e controle social,

num processo de descentralização do poder, posto que o povo é chamado a opinar

diretamente sobre o seu destino.

O Orçamento, quando elaborado de forma participativa pelos cidadãos, torna-

se um instrumento de defesa dos direitos fundamentais, pois pode assegurar que o

Poder Público gaste na melhoria das condições de vida das populações diretamente

interessadas.

Por outro lado, ao participar de uma forma de democracia direta, o cidadão

percebe que é parte atuante do jogo político, e que suas decisões, sua opinião, sua

atitude, são importantes e podem mudar o contexto em que o mesmo encontra-se

inserido.

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O poder que estas percepções possuem de fazer mudar o indivíduo e de

atuar no inconsciente coletivo dos grupos sociais certamente pode trazer mudanças

em toda a sociedade. Daí a enorme importância do instrumento.

Frise-se ainda que, dentro de um jogo de valores e anseios a serem

atendidos e respeitados dentro do jogo democrático, caberá ao próprio cidadão

escolher quais prioridades pretende atender e quais pode e entende pertinente

deixar de lado.

No âmbito do Município, local de convivência, trabalho e lazer, os recursos

públicos empregado na gestão deste espaço terão papel fundamental na percepção

da qualidade de vida a ser experimentada pelo cidadão.

Diante deste quadro, a própria população afetada poderá decidir quais são os

seus parâmetros para se atingir o chamando desenvolvimento sustentável – repita-

se, desenvolvimento econômico, preservação ambiental e inclusão social, como

forma de garantir a efetividade aos direitos fundamentais ao meio ambiente

ecologicamente equilibrado e à cidade sustentável.

O cidadão poderá opinar sobre como será gerido seu espaço de convivência,

e como ele deseja transmitir este espaço para as futuras gerações.

Aqui, os limites da “reserva do possível” serão diretamente decididos pela

população afetada, em que a própria comunidade tomará ciência do montante

disponível e de que maneira estes valores poderão e deverão ser aplicados de modo

a satisfazer suas necessidades.

Num jogo democrático, em que o consenso deve ser buscado através do

discurso racional, a gestão participativa do orçamento possibilita aos atores sociais

locais atingirem os melhores argumentos para chegarem à uma decisão racional

com base nas discussões a partir da realidade fática enfrentada por todos com base

na disponibilidade financeira do ente federado.

Neste aspecto, a perspectiva local é de suma importância para a

concretização da idéia de Cidade Sustentável e de Meio Ambiente Ecologicamente

Equilibrado. Afinal, os moradores poderão decidir diretamente como aplicar os

recursos disponíveis na gestão do espaço municipal e na busca do equilíbrio

ambiental de modo a propiciar melhores condições de vida para todos. A

participação direta da população aqui legitimará as ações do poder público e definirá

como aplicar os meios financeiros estatais. Aqui, podemos afirmar, a reserva do

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possível não existirá, posto que o que é possível será decidido coletivamente e

tenderá a atender aos anseios de todos.

Os conflitos na gestão do espaço urbano e na gestão do meio ambiente

poderão ser solucionados de forma a alcançar um ponto de otimização dos

interesses que sempre estão em jogo na concretização destes direitos. Uma decisão

alcançada através da participação popular abarcará os anseios da maioria da

população que diretamente participou e está consciente de seu papel. A decisão

será dotada de maior eficiência na busca de seus objetivos.

Assim, poderemos perceber com maior eficiência a concretização dos

objetivos políticos propostos, pontuando a discricionariedade da definição de

interesse público na concretização dos Direito Fundamentais ao Meio Ambiente

Ecologicamente Equilibrado e à Cidade Sustentável através de um processo

instrumentalizado de decisão, tornando esta mais permeável ao entendimento e

cumprimento pelos seus destinatários (agora co-autores), e tornando a política

pública um instrumento eficiente de concretização destes direitos.

Demonstramos aqui a importância do orçamento como objeto de decisão

política do grupo que alcança o poder e a importância de publicizar-se todas as

etapas de elaboração, discussão e execução dos gastos públicos, convocando a

população a opinar e garantindo à sociedade o acesso e o respeito às suas decisões

como forma de maximizar os resultados da ação estatal, entendida esta ação como

uma política pública que permeia a decisão dos administradores da vontade popular

e garante a eficácia das mesmas, restringindo a discricionariedade administrativa na

definição do interesse público como forma de efetivar os direitos fundamentais

previstos na ordem constitucional, em especial no que tange aos direitos ao meio

ambiente ecologicamente equilibrado e à cidade sustentável.

Passaremos agora a analisar parcialmente a experiência do orçamento

participativo OP – nome que se cunhou em sede de execução da gestão

orçamentária participativa no âmbito dos municípios – para ilustrarmos um pouco a

sistemática empírica do processo de consulta popular na gestão do dinheiro público,

de onde retiraremos embasamento para a conclusão do trabalho.

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5 O ORÇAMENTO PARTICIPATIVO DE BELO HORIZONTE - MG

Apresentando o livro “Experiências de Orçamento Participativo no Brasil -

período de 1997 a 2000”, Avritzer (2003) afirma que o Orçamento Participativo é a

experiência mais bem-sucedida de política participativa no Brasil. Em outra obra, o

autor, ao fazer um balanço crítico, afirma que o orçamento participativo é a

experiência de participação local mais discutida no Brasil.

A partir do marco constitucional de 1988, alçado à categoria de ente federado

com a possibilidade de elaborar e votar seus próprios orçamentos, passaram alguns

municípios a praticar uma prática inovadora, inédita na consecução de políticas

públicas, das quais uma das novidades é o Orçamento Participativo (OP), que, em

linhas gerais, que permite a participação da população no processo de definição dos

recursos disponíveis para o município na consecução das finalidades perseguidas

pelo administrador.

Criação ligada intimamente às administrações levadas a efeito pelo Partido

dos Trabalhadores, o nome Orçamento Participativo causa muitas vezes ojeriza aos

opositores do PT, que enxergam na prática da Gestão Orçamentária Participativa -

definido na legislação - uma marca indelével da política petista, fazendo, em alguns

casos, com que sua implantação ou continuidade seja dificultada exatamente para

não dar seguimento ao programa político de seus opositores.

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O Orçamento Participativo, no modelo conhecido hoje, surgiu formalmente em

1989, primeiramente em Porto Alegre, na administração do prefeito Olívio Dutra

(PT). Entre 1989 e 1997, outras cidades brasileiras iniciaram experiências nesse

sentido, entre elas Belo Horizonte, em 1993, com o prefeito Patrus Ananias (PT).

Entre 1997 e 2000, essa experiência expandiu-se pelo Brasil, contabilizando-se

cerca de 130 administrações municipais que a implantaram. A partir de 2000, o OP

estendeu-se para fora do Brasil. Segundo levantamento do Centro Internacional de

Gestão Urbana (CIGU), atualmente 300 localidades adotam essa prática de gestão

pública. Além do Brasil, Peru, Equador e, mais recentemente, Bolívia e Colômbia

constituem o grande foco de experiências de Orçamento Participativo, seguidos por

outros países da América, como Argentina, Paraguai, Uruguai, Chile, República

Dominicana, Nicarágua, El Salvador e México. Algumas cidades européias iniciaram

práticas afins, sobretudo na Espanha, Itália, Alemanha e França5. Em Belo

Horizonte, assim como em outras cidades administradas pelo Partido dos

trabalhadores (PT), o OP tem sido uma das bandeiras da administração petista,

como exemplo de administração participativa. A iniciativa, que começou com o

prefeito Patrus Ananias, em 1993, passou para os prefeitos que o seguiram: Célio de

Castro (1997/2000 e 2001/2002) e Fernando Pimentel (2002/2004 e 2005/2008). As

administrações municipais de Belo Horizonte foram aprimorando o processo do OP,

no sentido de apresentá-lo como um diferencial de administração pública, voltado

para o atendimento das demandas da população, incluindo-a no processo de

decisão, como parte da ideologia do Partido dos Trabalhadores (PT) em todo o

Brasil.

Mas, o que é o Orçamento Participativo? Como definí-lo? Avritzer responde a

estas questões afirmando que

o orçamento participativo é uma política participativa em nível local que responde a demandas de setores desfavorecidos por uma distribuição mais justa dos bens públicos nas cidades brasileiras. Ele inclui atores sociais, membros de associações de pais e cidadãos comuns em processo de negociação e deliberação. (AVRITZER, 2002, p. 576).

Para Fedozzi (2001, p. 97), o orçamento participativo é uma modalidade de

gestão pública, baseada na participação direta da população, nas diversas fases que

compõem em elaboração e execução do orçamento público municipal,

5 Disponível no síatio www.pbh.gov.br. Consulta feita em 15/02/2007.

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especialmente, na indicação das prioridades, para alocação dos recursos de

investimento. Segundo Grazia de Grazia (2003, p.19), o que caracteriza, de forma

concreta, uma experiência do orçamento participativo é a gestão pública orientada

para a participação direta da população e / ou por meio de sua representação

organizada (entidades) nas diversas fases de elaboração e execução do orçamento.

Essa característica tem gerado, desde o surgimento em Porto Alegre e

posterior implantação em Belo Horizonte a partir de 1993, grande interesse sobre

esse novo modelo de governo e de fazer políticas públicas e fomentando inúmeros

debates e estudos, sejam nos movimentos sociais e políticos, sejam nos meios

acadêmicos, e mesmo no interior das administrações públicas.

Para Avritzer (2002, p. 575), esta criação do chamado orçamento participativo

como uma instância de deliberação sobre orçamento está ligado à ação de múltiplos

atores e à superposição de dois elementos, que seriam (i) a existência de elementos

culturais novos nas comunidades, em associação à pré-existência de um forte

movimento comunitário, e (ii) a incorporação, na constituição da idéia de cidadania,

de um ideal voltado para a participação de associações e atores comunitários que

proporcionariam, desta forma, as condições ideais para a uma inovação institucional.

Percebe-se com isso a fundamental importância do associativismo comunitário para

a gestão orçamentário participativa, podendo afirmar que “O orçamento participativo

decorre das reivindicações de movimentos populares frente aos limites da

democracia representativa no país” (GRAZIA, 2003, p. 17).

Em Belo Horizonte, a forma adotada para a gestão orçamentária participativa

– o Orçamento Participativo – tem especial conotação pela característica de

combinar a participação das associações populares, que indicam tanto as obras a

serem submetidas à apreciação popular como os conselheiros natos para as

instâncias deliberativas com a participação dos cidadãos não organizados. A

sistemática das discussões e deliberações do OP ocorre da seguinte forma6:

i. A cada dois anos, a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) e lideranças

comunitárias convocam população dos bairros para a Abertura Municipal do

Orçamento Participativo e para as Rodadas de Assembléias Populares em

cada Regional;

6 Fonte: Plano Regional de Empreendimentos do Orçamento Participativo 2007/2008 Prefeitura Municipal de Belo Horizonte – www.pbh.gov.br - Acesso em 21/12/2007.

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ii. Nestas Assembléias, a PBH explica a Metodologia do Orçamento

Participativo (OP) e entrega um formulário para o levantamento das

reivindicações de empreendimento para o representante de cada bairro;

iii. O representante reúne a comunidade, que vai indicar, no formulário, a obra

prioritária do bairro como construção/reforma de escolas municipais, centros

de saúde, urbanização de vias, entre outros. O formulário é enviado para a

regional com a ata da reunião e assinatura dos presentes;

iv. A PBH recebe o formulário, analisa a reivindicação e o devolve à comunidade

com um parecer técnico dizendo se a obra é viável ou se será necessária a

substituição do mesmo;

v. A 2ª Rodada de Assembléias é realizada por sub-região. Cada uma das nove

regionais é dividida de 3 a 6 sub-regiões, que englobam vários bairros. A PBH

apresenta o recurso disponível para cada sub-região. Quanto mais carente e

mais populosa a área , maior é o recurso que ela irá receber, segundo o IQVU

- Índice de Qualidade de Vida Urbana.

vi. As sub-regiões pré-selecionam até 25 empreendimentos por regional, dos

quais até 14 serão aprovados nos Fóruns Regionais, de acordo com o

recurso disponível. Nesta Assembléia, cada sub-região elege seus delegados,

proporcionais ao número de presentes. Daí a importância da participação

popular.

vii. Nas Caravanas de Prioridades, os delegados eleitos na 2ª Rodada para o

Fórum Regional visitam os locais das demandas pré-selecionadas . As

Caravanas possibilitam aos delegados(as) conhecerem melhor a realidade de

cada empreendimento.

viii. A seguir, acontece o Fórum Regional, última etapa deliberativa do OP

Regional, quando a PBH apresenta a planilha com os custos de cada

empreendimento . A plenária de delegados seleciona 14 entre os 25

empreendimentos pré-selecionados para cada regional de acordo com as

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normas e elegem os representantes da COMFORÇA, comissão que vai

acompanhar e fiscalizar a realização dos empreendimentos aprovados .

ix. O encerramento do processo se dá com a realização do Encontro Municipal

de Prioridades Orçamentárias, envolvendo todas as regionais, onde o Prefeito

recebe da COMFORÇA eleita o Plano de Empreendimentos definido pelo OP,

a ser executado pela PBH.

Este encerramento do processo do OP acontece no Fórum Municipal, instância

de grande importância política e é apresentado para todos o conjunto de obras

aprovadas durante todo o processo de discussão e deliberação. A partir daí, o

conjunto de obras é inserido na proposta orçamentária municipal – de iniciativa do

chefe do poder executivo – e encaminhada para a Câmara Municipal.

Dessa forma, segundo Avritzer (2002, p. 26):

o que parece ser mais relevante na estrutura do OP é precisamente o elemento que se repete, ou seja, as assembléias por região. A importância dessas assembléias deriva do fato de que elas criam um método público de decisão acerca das obras pela população, fornecendo uma resposta ao particularismo e à forma obscura de decisão que costuma ser prática corrente nas administrações municipais no Brasil.

Uma outra faceta na constituição do OP em Belo Horizonte que, na opinião de

Avritzer merece destaque, é a idéia de constante monitoramento exercido pela

população das decisões tomadas. O autor demonstra seu convencimento de que tal

monitoramento tem a capacidade de garantir que a sociedade influencie na

execução daquilo que foi decidido. Para ele, a participação e a discussão com

critérios claros subsistem a forma particularista de distribuição de recursos

existentes anteriormente. (AVRITZER, 2002, p. 26).

Percebemos portanto a perspectiva habermasiana de decisões tomadas a

partir de um procedimento institucionalizado e garantido, de forma a propiciar um

lócus privilegiado de discussões a partir de argumentos claros e racionalmente

construídos como forma de chegar-se a um consenso que será objeto inclusive de

fiscalização pelos interessados, para garantia de que aquele processo discursivo de

chegada à uma decisão tenha seus frutos assegurados.

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O OP enquanto modelo de gestão orçamentária participativa em Belo

Horizonte tem sido tema de estudos que o apontam na maioria das vezes como um

exemplo de experiência de um bom governo (BOSCHI, P.199). Dentre as inúmeras

vantagens apontadas, destacamos o fomento à participação da sociedade – como

forma de exercício de democracia participativa ou semidireta – e a promoção de

accountability.

A palavra accountability não tem uma tradução para o português no sentido

que se usa em política, mas pode ser entendida como possibilidade de exercer a

prestação de contas ou responsabilização por parte de pessoas que exerçam cargos

públicos. Tem também o sentido de transparência das ações governamentais. Sua

noções embasam o modelo de Lei de Responsabilidade Fiscal australiano que foi

adotado pelo Fundo Monetário Internacional – FMI, para implantação nos países em

desenvolvimento como garantia para a tomada de empréstimos concedidos pelo

Fundo, inclusive no Brasil onde, como já dito alhures, a LRF – Lei Complementar

101/2000 – pode ser considerada o embrião da regulamentação da participação

popular na gestão orçamentária, através da positivação de mecanismos de incentivo

à participação popular e determinando a transparência das contas públicas, com

ampla divulgação dos relatórios de execução orçamentária, inclusive pela internet.

O Poder Executivo municipal de Belo Horizonte tem promovido a democracia

participativa por meio do OP. Uma parcela significativa da população tem acesso ao

processo de administração pública municipal no que se refere à execução de obras,

mesmo aquelas de pequeno e médio porte. Com esta participação aberta a qualquer

cidadão, configura-se a tentativa de promoção da democracia participativa na gestão

municipal. De acordo com o Plano Regional de Empreendimentos do Orçamento

Participativo 2007/2008, entre 1994 e 2006 mais de 300 mil pessoas já haviam

participado do processo de escolha e fiscalização de obras cujo montante estima-se

em mais de 470 milhões de reais.

Atualmente, o OP está subdividido em três modalidades: OP Regional, que

existe desde 1993, que segundo informações obtidas no sítio da Prefeitura Municipal

de Belo Horizonte foi o responsável pela aprovação de 1.193 obras em todas as

regiões da cidade, das quais 808 já foram concluídas; o OP Habitação, criado em

1996 para atender às crescentes necessidades de moradia; o OP Digital, novidade

criada pela Prefeitura de Belo Horizonte em 2006.

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A implantação do OP Digital em 2006 ampliou o leque de participação ao

permitir a escolha direta, através da internet, de uma obra por regional da cidade.

Assim, pela primeira vez na história, a população teve a oportunidade de participar,

fazendo suas escolhas via computador, sem sair de casa. E para quem não tem

acesso ao computador doméstico, a Prefeitura disponibilizou terminais em diversos

locais da cidade, assegurando a possibilidade de votar a todos os que quisessem.

As obras do OP Digital foram previamente selecionadas pela COMFORÇA, e

tiveram uma verba extra de R$ 20 milhões e 250 mil, valor que não interferiu no

volume de recursos destinados ao OP tradicional, que foi de R$ 80 milhões.

Consoante o Plano Regional de Empreendimentos do Orçamento

Participativo 2007/2008 a Para assegurar a lisura do processo, em que cada cidadão

poderia votar em uma obra por regional, a Prefeitura exigiu que o votante fosse

eleitor do município de Belo Horizonte, utilizando a base de dados do Tribunal

Regional Eleitora de Minas Gerais, como forma de impedir, por exemplo, que uma

obra obtivesse mais de um voto de uma mesma pessoa.

Com a oferta de 158 pontos de votação pública espalhados pela cidade, como

no Mercado Central, na Santa Casa, em shoppings, escolas e em órgãos

administrativos, com a presença de monitores para auxiliar o cidadão que não tinha

o hábito de usar o computador, a votação despertou o interesse da população e

diferentes setores da comunidade implementaram iniciativas de mobilização, como

reuniões de avaliação e de metas, eventos para coleta de fundos, divulgação

através de boletins, panfletos, sítio da internet, carros de som, faixas. Independente

da ação do poder público, a comunidade instalou pontos de votação, criou grupos de

pressão e de defesa de obras, angariou simpatias, colheu votos. Durante o

processo, puderam ser observada viradas espetaculares na preferência popular em

cada regional, como o caso da Reforma da Praça Raul Soares, que pulou do terceiro

lugar para a vitória na Regional Centro-Sul.

Além disso, o OP Digital despertou o interesse internacional e nacional. A

página do OP Digital recebeu acesso de 23 países dos cinco continentes e de todas

as regiões do Brasil e de Minas Gerais, num total de 192.229 visitas.

Porém percebe-se o grau de mobilização do eleitorado quando visualizamos o

número de total de votos registrados. Lembremos que cada eleitor poderia votar em

até 9 obras – uma por regional do município. O OP Digital contabilizou um total de

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503.266 votos, de 172.938 votantes. A média foi de 2,83 votos por pessoa, com

52,1% dos votantes votando apenas em 01 obra.

Segundo dados do TRE-MG, Belo Horizonte possuía 1.742.843 eleitores

aptos para votar nas eleições de 2006. Considerando que o período de votação do

OP Digital estendeu-se de 1º de novembro a 12 de dezembro – aniversário da

cidade – daquele ano, percebemos que aproximadamente 10% da população do

município participou – espontaneamente – da escolha das obras em cada regional.

A título de ilustração, se contabilizarmos o total de votos obtidos, as obras do OP

digital obtiveram cerca de ¼ de votos do montante da população apta a votar.

Observando-se tanto as obras escolhidas para submeterem-se à consulta

popular quanto aquelas vitoriosas no referido processo de escolha do OP Digital e

também as demais obras do OP Regional em Belo Horizonte, percebemos uma

preocupação da população com obras de melhoria da qualidade de vida urbana e

com a criação de espaços de proteção ambiental, como p. ex. implantação de

complexo esportivo, reforma de praças, urbanização e revitalização de áreas,

construção de praças de esportes, reformas de centros de saúde, construção de

albergues para moradores de rua, construção de centros culturais e de convivência

e também de parques ecológicos.

Percebe-se aqui a materialização da idéia de participação popular dialógica

com a administração pública, com a concretização material da política de despesas

de capital no município, através da participação de parcela significativa da

população na definição da política de obras públicas – representada por

aproximadamente 10% do eleitorado apto a votar.

Ainda que pareça pouco, devemos frisar que um país em desenvolvimento

em que o voto é obrigatório e encontra nesta obrigatoriedade um obstáculo à

participação democrática nas eleições e ainda que o computador com acesso à

internet não está ao alcance de parcela significativa da população, este índice pode

ser entendido como um grande salto na participação da sociedade. Consoante os

próprios dados da PBH, durante 13 anos de OP (1994-2006) 300 mil pessoas

participaram do processo, e somente em um único ano de OP Digital, mais de 174

mil pessoas participaram. Não há como negar um aumento expressivo nestes

índices de participação.

Observamos também que a própria escolha das obras que participariam da

votação do OP Digital como das demais obras de todo o OP em Belo Horizonte

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contemplam várias intervenções que denotam uma preocupação com a revitalização

e melhoria do espaço urbano e com questões ecológicas e ambientais, que tentam

aprimorar a qualidade de vida no município resgatando espaços para a utilização

das comunidades e que indiretamente impactam a sustentabilidade urbana e

ambiental da cidade.

O processo de gestão orçamentária participativa, especialmente com a

metodologia do OP Digital em que o cidadão pode votar em obras por toda a área do

município possibilita ainda o conhecimento, por parte da população, das

necessidades da cidade como um todo e também da sua comunidade, inserindo o

cidadão na gestão local e municipal, como apontam Azevedo e Mares Guia:

Apesar de configurar-se numa arena potencialmente caracterizada por intenso conflito, o formato do Orçamento Participativo joga papel fundamental nos resultados alcançados. Partindo-se de uma participação restrita, motivada por interesses concretos e imediatos do bairro, chega-se a uma participação ampliada onde se discute a cidade. Através de alianças, negociações e barganhas sucessivas parte-se de demandas setoriais de bens públicos negociáveis de primeiro nível e chega-se a uma discussão ampla sobre a cidade como um todo, sobre a Prefeitura e sobre o próprio Poder Legislativo.A participação direta da população na gestão dos recursos municipais, tal como ocorre no OP, favorece ainda a diferenciação entre o público e o privado, desempenhando papel fundamental no enfrentamento do clientelismo e do corporativismo (AZEVEDO e MARES GUIA, 2005, p. 84).

O fortalecimento da idéia de democracia participativa ou semidireta criou até

mesmo conflitos com o legislativo municipal. Antes da implantação da gestão

orçamentária participativa as obras eram definidas somente na esfera

governamental de debates entre o Legislativo e o Executivo. Os vereadores

utilizavam-se destas obras solicitadas pela comunidade como uma conquista

pessoal em prol da população que os elegeu. O vereador tinha a oportunidade de

demonstrar seu “trabalho” na base eleitoral negociando com o Poder Executivo para

que esta ou aquela obra de interesse local fosse negociada.

Com a gestão orçamentária participativa esta relação mudou. Valores

reservados anteriormente pelo Executivo para que os vereadores indicassem obras

que seriam realizadas nas comunidades onde estes mantinham suas bases

eleitorais passaram a ser destinadas ao OP, definindo-se sua aplicação através das

discussões e deliberações diretas entre o Executivo e a Comunidade. Fortalecendo

a democracia participativa enfraquece-se o papel dos membros do Poder Legislativo

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como simples arrebatadores de recursos para suas bases eleitorais, com isso, os

vereadores deixam de contar com um valioso instrumento de barganha clientelista

na sua relação com sua base eleitoral.

Belo Horizonte não é a única capital a experimentar esta mudança. Estudos

recentes demonstram o conflito originado pela prática com a perda de espaço dos

vereadores na elaboração de políticas públicas, mormente no que se refere à

execução de obras e manipulação do Orçamento.

A gestão orçamentária participativa potencializa um conflito que já existia

entre o Legislativo e o Executivo, que decorre do fato de a constituição de 1988 ter

conferido ao Executivo maiores poderes na proposta orçamentária (FIGUEIREDO e

LIMONGI, 1999). Apesar de todas as matérias no âmbito orçamentário terem de

passar pelo Legislativo nos níveis federal, estadual e municipal, é de competência

exclusiva do chefe do Poder Executivo a proposta orçamentária, cabendo aos

legislativo até mesmo emendar o projeto original, mas sem a possibilidade de criar

novos gastos. Eventual destinação diversa de recursos daquelas previstas na

proposta original devem demonstrar a origem dos recursos, especialmente através

da anulação de outros gastos. Neste sentido, a lição de Márcia Ribeiro Dias:

A partir da Constituição de 1988, os Legislativos em todas as unidades da Federação foram autorizados a alterar autonomamente a previsão orçamentária dos Executivos através de emendas, mas sob a condição de indicar a origem dos recursos necessários à provisão de gastos conseqüentes das emendas. Isto significa dizer que ficou vedado ao poder Legislativo a criação de despesas, podendo apenas transferir recursos dentro da própria planilha orçamentária já definida pelo Executivo. Assim, para que um investimento fosse criado, outro de igual valor deveria ser anulado (DIAS, 2002, p.126).

As deliberações do OP, como todas as outras, devem constar da proposta

orçamentária enviada pelo Executivo ao Legislativo. Eventuais emendas propostas

pelos vereadores devem apresentar uma fonte de recursos, anulando-se outra.

Quando se trata de um processo de participação popular para escolha prévia dos

valores a serem despendidos em determinada obra, qualquer mudança por parte do

legislativo pode acarretar um custo político elevado dentro de suas bases eleitorais

que não valeria a pena desrespeitar a decisão da população. Nesta situação, o

vereador deve medir as conseqüências de qualquer intervenção naquilo que foi

decidido diretamente pela população, para não se indispor com determinada

comunidade.

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O que se percebe é que, aliado ao alto grau de complexidade técnica da peça

orçamentária, o respeito à participação popular tem prevalecido na tramitação do

Projeto de Lei Orçamentária Anual enviado pelo Poder Executivo à Câmara

Municipal de Belo Horizonte, com a aprovação sem qualquer alteração das verbas

destinadas às obras definidas na metodologia do OP.

A partir desta constatação, podemos demonstrar o fortalecimento da

democracia participativa através de processos de consulta popular com base em

argumentos racionais e práticas discursivas, que diminuem a força da representação

política tradicionalmente concebida para garantir o procedimento de consulta e o

respeito à decisão popular para a formulação e execução das políticas públicas no

município.

5.1 O Orçamento Participativo e a Transformação na Relação Estado Sociedade

Para Fedozzi (2001), a política realizada pelo Orçamento Participativo, por

meio das regras e do método de definição dos recursos de investimentos,

estabelece um novo padrão de interação estado/sociedade que cria obstáculos às

formas tradicionalmente convencionadas de utilização privada e clientelista dos

recursos públicos, favorecendo, desta forma, a conscientização popular e a

qualificação política do cidadão através da participação neste processo.

Para o autor, três fatores podem ser identificados como obstáculos, como (i) o

controle público sobre os governantes, cuja prática do OP legitima os pleitos da

sociedade civil constituindo-se na mediação entre critérios transparentes

(conhecidos) de justiça que tendem, no confronto entre as demandas particulares

entre si e entre essas e as de sentido mais universal, a preservar os interesses

públicos enquanto conteúdo da gestão sócio-estatal e o princípio definidor da res-

pública (FEDOZZI, 2001, p. 149). Também (ii) os critérios objetivos e dinâmicos

internos à cada região, na medida em que estão vinculados à forma com que cada

organização comunitária resolve os seus diferentes problemas no processo de

tomada de decisões, e ainda (iii) a alteração da relação dos vereadores com a

comunidade. Para o autor:

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A desconstrução de barreiras burocráticas tradicionalmente interpostas entre o Poder Público e a sociedade civil parece ter gerado um efeito em que a população passou a prescindir da função do agenciador de demandas ou mesmo do papel de desbravador dos meandros burocráticos do Estado comumente prestado pela atividade parlamentar. (FEDOZZI, 2001, p. 153).

O OP em Belo Horizonte, da mesma forma que em outros municípios,

possibilitou um recrudescimento da participação popular na definição das obras

demandadas pela comunidade. Por ser um instrumento de promoção da democracia

participativa, a iniciativa tornou-se tema de vários trabalhos elogiosos à

administração municipal.

Antes de sua implantação, a atuação dos vereadores era basicamente a

requisição de obras ao Executivo Municipal para atendimento de suas bases. Tal

fato persiste até hoje no âmbito da maioria dos municípios mineiros, especialmente

no interior de Minas Gerais. Tal fato ocorria especialmente com vereadores cuja

votação era geograficamente concentrada dentro da cidade, cujo contato direto com

a população os incita à conseguir algum retorno para os votos recebidos através de

obras demandadas pelos eleitores.

Para Odilon Araújo Gonçalves (2006), a criação de um canal da população

com o Poder Executivo, escolhendo diretamente as obras consideradas prioritárias

sem a intermediação dos membros do Poder Legislativo, é um fato que enfraquece o

poder político do vereador.

Como alternativa, ainda segundo GONÇAVES (2006), alguns vereadores

passaram a participar do processo do OP em Belo Horizonte tentando contabilizar

como conquista de sua atuação determinadas obras ali escolhidas, mas também

não são raros os casos em que o vereador se incorpora ao processo do OP com a

convicção de que o mecanismo auxilia o Executivo e o Legislativo no atendimento

das demandas da população, legitimando a atuação dos gestores públicos do

município. Para o autor:

A relação entre os vereadores e o Orçamento Participativo de Belo Horizonte está longe de ser tranqüila, pelo menos no que se refere àqueles que têm votação concentrada em regiões geograficamente bem demarcadas. O conflito entre os vereadores e o OP manifestou-se pelo fato de o OP retirar recursos de poder dos vereadores - entendidos como recursos que se configuram como poder do vereador de agir de maneira a dar retorno às reivindicações feitas pelos seus eleitores. Antes do OP, os vereadores tinham a possibilidade de conseguir o repasse de verbas para

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obras reivindicadas pelo seu eleitorado, mediante a solicitação ao Executivo Municipal ou a elaboração de emendas ao Orçamento do Município. Com a implantação do OP, as obras passaram a ser conquistadas pela população, mediante votação direta, em reuniões promovidas pelo Executivo Municipal. Isto criou um conflito entre os vereadores, o Orçamento Participativo, que se replica na já conflituosa relação com o Executivo, pela diferença, em favor do Executivo, em relação ao poder decisório. (Gonçalves, 2006, p.15)

Tal quadro demonstra o fortalecimento da democracia participativa como

forma de legitimar as políticas públicas em âmbito local, fortalecendo os processos

institucionalizados de participação popular na definição do conteúdo do interesse

público e dos direitos que o grupo social pretende ver atendido, superando os velhos

conceitos de democracia representativa para configurar-se num instrumento de

permeabilidade social dos mecanismos de poder como forma de concretizar os

anseios da população na promoção dos direito fundamentais.

No âmbito local, como já asseveramos, a idéia de concretização do conteúdo

dos direitos fundamentais à Cidade Sustentável e ao Meio Ambiente Ecologicamente

Equilibrado toma forma com a participação da sociedade na definição do conteúdo

material de cada um destes direitos, trabalhando processos de escolha dialógica e

racional dentro de uma praxis argumentativa geral, que insere o cidadão no

processo administrativo, aumenta a qualidade da participação popular e constrói

uma decisão conjunta entre administradores e administrados, cuja discricionariedade

foi delimitada e decidida de comum acordo, tornando todos os partícipes

destinatários e co-autores dos comandos normativos exarados dentro da peça

orçamentária.

Para o prof. José Luiz Quadros de Magalhães (2003), a crise da democracia

representativa se agrava cada vez mais com a maior influência do poder econômico

nas campanhas eleitorais, em que:

Hoje, em várias democracias representativas vende-se um candidato como se vende um sabão em pó. Quem fabricar melhor o seu representante, tiver mais dinheiro para contratar uma boa empresa de marketing e conseguir muito tempo de mídia, conquista e mantém o poder. Nos Eua, um senador democrata gastou 60 milhões de dólares para se eleger nas eleições de 2000. Nos EUA, o salário de um Senador é de 150.000 dólares/ano, para um mandato de 6 (seis) anos (informação disponível em www.cnnenespanol.com, em dezembro de 2000). (MAGALHÃES, 2003, p. 93)

Pergunta ainda o professor:

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Quais interesses sustentam esse Senador? Quem ele representa? O Povo? Hoje se sabe na “grande democracia do norte” só tem chance de chegar ao poder quem tem atrás de si os milhões de dólares das megacorporações da indústria armamentista, da indústria de tabaco, da indústria farmacêutica e outras. (MAGALHÃES, 2003, p. 93)

A falta de mecanismos que possam obrigar os representantes a cumprirem o

que foi prometido nas campanhas eleitorais faz do representante um ator autônomo

dentro do sistema de democracia representativa. Depois de eleito, caso não deseje,

não precisa seguir os compromisso assumidos com aqueles que o elegeram. Isto faz

com que o modelo de sistema representativo sucumba à idéia de democracia

participativa ou semidireta para garantir a legitimidade das decisões na esfera

pública.

Consoante as lições de Orlando Alves dos Santos Júnior:

Nessa perspectiva, em contradição às críticas à democracia participativa em grandes comunidades, o sistema representativo mostra-se cada vez mais ineficiente à medida que aumenta o número do eleitorado. Isso porque o número de representantes se torna, proporcionalmente menor em relação aos representados. Com isso, numa sociedade cada vez mais complexa o volume de interesses que chegam a ser atendidos fica cada vez menor. As decisões que são tomadas com o objetivo de agradar a maioria acabam desagradando a um número cada vez maior de pessoas que representam a minoria. Apoiados neste raciocínio é que começam a surgir as propostas de descentralização das decisões e de implementação de organizações intermediárias entre os representantes e representados (SANTOS JUNIOR, 2001, p. 80).

A partir da segunda metade do século XX começa a acontecer lentamente

aumentando de intensidade na década de 1980 a defesa dos sistemas mais

participativos, com o surgimento de estudos que apontam novos caminhos bem

como experiências práticas, revelando que não existe uma única forma de fazer

democracia, conforme explicam Santos e Avritzer (2003).

Argumenta-se a favor da democracia participativa superando os moldes da

democracia direta grega, buscando-se uma mescla de representação com

participação, não excluindo nem uma nem outra, mas de complementação. Como

também argumentam Santos e Avritzer (2003) é possível manter a representação e

criar formas de promover uma maior participação política dos cidadãos, através

desta coexistência e complementaridade.

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Ainda com Santos e Avritzer (2003), as diferentes formas de

procedimentalismo, organização administrativa e variação de desenho institucional

podem conviver em diversos níveis, em que a democracia representativa em nível

nacional coexiste com a democracia participativa em nível local, complementando

com uma articulação entre ambas em que se pressupõe o reconhecimento pelo

governo de que este procedimentalismo participativo, as formas públicas de

monitoramento do governo e os processo de deliberação pública podem substituir

parte do processo de representação e deliberação tais como concebidos no modelo

hegemônico de democracia, a democracia representativa. Nas palavras dos autores:

Ao contrário do que pretende este modelo, o objetivo é associar ao processo de fortalecimento da democracia local formas de renovação cultural ligadas a uma nova institucionalidade política que recoloca na pauta democrática as questões da pluralidade cultural e da necessidade da inclusão social (SANTOS e AVRITZER, 2003, p. 75-76).

Agrega-se a esta idéia o argumento da dinamicidade do jogo político, passível

de alterações e evoluções constantes, seguindo as mudanças da própria sociedade.

Pensarmos num conceito estanque de democracia por certo não é a melhor das

opções, pois cada Estado pode experimentar modificações e adequações nas suas

atividades no âmbito político, tornando o jogo democrático extremamente dinâmico.

Nesta linha, podemos afirmar que a democracia não deve ser reservada a uma

pequena elite privilegiada que tome decisões em nome de um grande contingente de

pessoas, mas que a se permeie as decisões de poder outorgando o direito de

participação nos processos de tomada de decisão como forma de aprimoramento do

jogo democrático.

Consoante MAGALHÃES (2003, P. 93) a força dos fóruns populares

dialógicos e democráticos, onde, a partir de organizações que surgem em torno de

questões locais, ganha-se a perspectiva de indissociabilidade dos níveis territoriais

de soluções, ou seja, a construção de um novo ser humano, que perceba a

precariedade do materialismo, do consumismo e do desenvolvimentismo capitalista

frente às necessidades ambientais, ecológicas e espirituais.

A criação de possibilidade de participação em conselhos, associações,

assembléias ou reuniões que resultem em atendimento das demandas dos cidadãos

estimula a uma maior participação, na medida em que este cidadão percebe os

resultados positivos desta forma de conduta, esta participação tende a tornar-se

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cada vez mais efetiva e qualificada. Como assevera Tarso Genro, o

desenvolvimento da democracia vai sendo construído e os custos da participação

amenizados:

Não é desconhecido que “a democracia direta caracteriza-se por elevados custos internos” (mas) “tais custos diminuem progressivamente à medida que a própria participação desenvolve e incorpora qualidades ético-cognitivas que melhoram as decisões e produzem uma menor necessidade de tomar outras”. As experiências participativas com o “retorno” das decisões que se integram como conquistas da vida cotidiana, o aprimoramento das técnicas decisórias, a incorporação das novas tecnologias informacionais e a formação de novas elites dirigentes (de extração popular direta) vão, paulatinamente, impondo-se como um aprendizado de longo curso. É um outro estágio do que ocorreu no longo período de formação das atuais elites profissionais que nos governam.Deverá ser um longo aprendizado e um desenvolvimento que permita “uma combinação de estruturas em que as instituições da vida cotidiana sejam organizadas de maneira participativa, os meios de coordenação econômica e política o mais estreita e transparentemente associados a essas instituições, tanto quanto possível, e em que a estrutura legal seja decidida por um organismo o mais representativo possível”. Trata-se de abrir a possibilidade de um futuro indeterminado, que combine a previsibilidade da representação política, com a indeterminação originária da democracia direta. É um futuro paulatinamente constituído pela evolução e por saltos, com formas experimentais e regulações combinantes (GENRO, 2003, p. 20-21).

A construção deste futuro a que se refere Genro (2003), passa por esta

participação que tem início na esfera local. A CRFB/88 prevê possibilidades de

participação das decisões em nível nacional aos estabelecer os instrumentos de

Iniciativa Popular, Plebiscito e Referendo, ainda que estes não sejam muito

utilizados. Porém, é no nível local que esta participação possibilita o aprendizado

para a democracia, posto que o cidadão pode verificar in loco os resultados de seus

esforços e, além de legitimar as decisões políticas dos governantes, atuar com

partícipe direto na sua execução.

Nas palavras de Santos Júnior (2001), ainda que um governo local

democrático dependa de um governo nacional democrático, o nível de autonomia, -

especialmente a autonomia orçamentária - de que dispõe os municípios garante a

possibilidade do desenvolvimento de programas de promoção da cidadania através

da democracia participativa. Isto pode variar de acordo com o município, consoante

os recursos disponíveis, as opções dos dirigentes e a idéia de cultura cívica disposta

a participar nos assuntos da comunidade como instrumento de aprimoramento do

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processo democrático, construindo-se fóruns de discussão institucionalizados para a

promoção desta cidadania.

Ainda que a organização da sociedade civil seja fundamental para o

desenvolvimento da democracia local, a institucionalização de uma cultura cívica

através da ação governamental contribui decisiva e positivamente neste processo,

especialmente na esfera municipal.

Este quadro de participação obteve grande contribuição com a criação

constitucional a partir de 1988 dos Conselhos Gestores municipais, alguns deles e

implantação obrigatória, como Saúde, Educação, Criança e Adolescente,

Assistência Social e Trabalho (SANTOS JÚNIOR,2001). Ademais, a CRFB/88

reorganizou o pacto federativo ao conceder novos poderes aos municípios, que

passaram a elaborar suas leis orgânicas e planos diretores – em alguns casos – e

administrar suas próprias receitas, inclusive com novos instrumentos para

arrecadação. Neste contexto aumenta-se a participação popular numa perspectiva

de administração pública dialógica, possibilitando a garantia de oitiva da população

afetada, com a conseqüente institucionalização dos procedimentos de consulta que

possibilitam a qualificação desta participação e o crescimento do interesse dos

diversos grupos sociais em tomar parte das deliberações.

5.2 Os limites das transformações promovidas pelo Orçamento Participativo

Os limites enfrentados pelo Orçamento Participativo na substituição das

práticas particularistas por práticas universalistas já é apontado na bibliografia. Em

Porto Alegre, Navarro (2002, p.119) demonstra que nas regiões em que a prática

associativa é mais fraca, a presença do OP foi captada pela ação política que se

assemelha a um tipo de “clientelismo de quadros (ou partidário)”. Segundo o autor

os espaços de mobilização social do OP,

passaram gradualmente a ser vistos como espaços privilegiados de reprodução política, aproveitando-se da intensa imbricação de operadores partidários-governamentais com as líderanças comunitárias e por extensão, com os cidadãos (e eleitores) (...) Quebrando os padrões do clientelismo típicos do passado, o OP aos poucos reinstituiu, contudo, outro tipo de clientelismo, desta vez de quadros (ou partidário), que, infelizmente, vem bloqueando a potenciação do processo. A magnitude e os impactos desse clientelismo de novo tipo são de difícil aferição, em virtude da inexistência de pesquisas específicas, sendo mesmo provável que ainda permaneçam

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predominantemente, variadas intencionalidades de outras ordens para justificar a participação e o interesse no processo (como, por exemplo, o aberto pragmatismo que orienta a maioria, buscando soluções para seus problemas mais imediatos e locais). Entretanto, a inexistência de uma isenção de cunho partidário tira sua potencialidade universalizante e ao, mesmo tempo, impede que outros interesses adentrem tais espaços, disputem suas demandas e arranjos societários e, também estabeleçam formas procedimentais que efetivamente possam alcançar representatividade social e portanto, irrepreensível legitimação social. (NAVARRO, 2002, p. 119).

O autor adverte-nos ainda que o processo do OP tem sido minado por um

viés eleitoreiro, maculando toda a sua potencialidade e vitalidade. Em suas palavras:

a mecânica de funcionamento, as formas de recrutamento de operadores comunitários, as escolhas realizadas nas reuniões, com inquietante freqüência, expressam menos uma potencialidade universal inscrita nas regras e procedimentos, e mais os interesses políticos em jogo, (...) torna-se problemática se circunscrita a apenas uma visão política da sociedade. (...) (NAVARRO, 2002 , p.121).

Neste viés destacamos também o trabalho de Andrade (2005) analisando os

Orçamentos Participativos de Porto Alegre e Blumenal no que toca à presença do

clientelismo a partir da presença de três variáveis analíticas, que são (i) a

escolaridade dos participantes, a (ii) identidade partidária destes e (iii) o tempo de

participação no processo do OP.

Analisando a escolaridade relacionada à identificação partidária, a autora

afirma que quanto maior a escolaridade (e conseqüentemente a identificação

partidária) menor é a possibilidade de o sujeito concordar com a prevalência do

interesse de alguns em detrimento da coletividade, só que isso não ocorre com

sujeitos de média capacidade cognitiva – que, para a autora, parece indicar nível de

escolaridade. (ANDRADE, 205, p. 212). A autora conclui também que a escolaridade

influencia na percepção pelos delegados daquelas questões que envolvem o

funcionamento prático dos delegados.

Concluindo sua análise, partindo da identidade partidária como variável, a

autora afirma existir uma relação entre esta identidade e avaliação do processo do

OP pelos delegados, que os leva a proceder a uma avaliação plebiscitária do

mecanismo de forma politizada, que criaria impedimentos para sua credibilidade

plena. (ANDRADE, 2005, p. 220). Isto significa dizer, em última análise, que a

orientação do partido ao qual pertencem influenciaria a decisão dos delegados.

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Finalmente, ao analisar o tempo de participação dos delegados no orçamento

participativo, a autora formula duas hipóteses, a de que (i) quanto maior o tempo de

participação, maior a confiança deste delegado nos mecanismos democráticos e do

próprio OP, percebendo-se como sujeito ativo nestes processos, confiando no teor

democrático das deliberações e a exclusão dos interesses particulares ou de

tentativa de dominação e concentração de poder, e a de que (ii) quanto maior o

tempo desta participação, maior o envolvimento do delegado com o partido que dá

sustentação às propostas e com isso, isenta-se de qualquer avaliação negativa, com

medo de que isso forneça argumentos aos adversários do processo.

Mesmo sem conseguir comprovar nenhuma das hipóteses em seu estudo, a

autora aponta indícios de que a segunda aproxima-se mais da realidade, diante da

existências de evidências empíricas em seu trabalho das assertivas ali contidas, que

demonstram aumentar proporcionalmente a identidade partidária dos delegados

conforme o tempo de participação destes no processo.

De acordo com a autora, os depoimentos colhidos em seu trabalho

evidenciam que no processo do OP:

existe espaço para manobras e lutas por direitos particulares ainda , é o que não sejam de indivíduos, mas de grupos o que comprova a o caráter do clientelismo de massas, pois, ao contrário do tradicional (ou de quadros), exibe tanto aspectos relacionais e hierárquicos quanto elementos de identidade e organização coletiva. (ANDRADE, 2005, p. 227).

No mesmo sentido, estudos já demonstram manifestações clientelistas dentro

do Orçamento Participativo da Habitação em Belo Horizonte. Ribeiro (2005)

identifica comportamentos caracterizados como “práticas predatórias” dentro do OP

da Habitação.

Criado em 1996, Orçamento Participativo da Habitação constituiu-se uma

parceria entre a PBH e o Movimento de Luta pela Moradia para enfrentar o problema

habitacional em Belo Horizonte. Por não ser uma questão de envolvimento apenas

municipal, a Prefeitura de Belo Horizonte, juntamente com o movimento social,

buscou a participação dos governos estadual e federal. Houve então a implantação

e implementação de um processo democrático e participativo, no qual há

deliberação entre associações e núcleos de sem-casa sobre a produção de novas

famílias a serem beneficiadas. OPH, que diferentemente do OP Regional, tem na

sua apropriação um caráter individual.

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Ao discorrer sobre tais práticas predatórias, o autor afirma que:

foi constatado que parcela significativa dos coordenadores de núcleos, revestidos do papel de líderança política e detentores exclusivos do processo de indicação, estavam reproduzindo com muita destreza a cultura política tradicional, cujo projeto de exercício de poder as administrações democrático populares pretendem justamente combater: o clientelismo político, o mandonismo e a política do favor. Nesse processo constatam-se as primeiras evidencias de que os coordenadores não seriam tão somente mediadores privilegiados, na intrincada rede do movimento dos sem casa entre as famílias e o espaço público de negociação gerado pelo OPH, mas também agentes políticos com interesses particularistas. Esses, reconhecendo as possibilidades do cargo que lhes dão oportunidade de acesso, utilizam-se de códigos de autoridade e poder, visando ampliar seu prestigio como liderança comunitária e/ou angariar benefícios pessoais. (RIBEIRO, 2005, p. 142).

Apontando ainda a impermeabilidade ou movimento de resistência por parte

do movimento comunitário às gestões (ou intervenções) do executivo para romper

com este processo perverso. As associações (ou lideranças) comunitárias

mobilizam-se para garantir a continuidade destas relações clientelistas ao

argumento da independência do movimento.

É inegável que no início da implantação do processo ocorre a recriação nos

novos espaços de atuação política proporcionados de eventuais relações de

clientelismo entre os grupos populares participantes do processo e

vereadores/candidatos de alguns partidos políticos no intuito de tirar algum proveito

eleitoral do processo.

Porém, em sentido contrário, Azevedo e Mares Guia entendem que o

processo de orçamento participativo derruba a tradição clientelista. Para eles, em

Belo Horizonte, o OP

atinge frontalmente as práticas clientelistas de alocação de recursos. De fato, considera-se o maior mérito do OP consiste em combinar as características democráticas e progressistas com a capacidade de competir vantajosamente com as práticas clientelistas. Tanto assim que, naquelas municipalidades onde o orçamento participativo tem sido adotado regularmente, mesmo políticos de tradição clientelista vêm percebendo contrapor-se a ele tem resultado em expressivo ônus político. (AZEVEDO e MARES GUIA, 2005, p. 81)

Ainda assim existem tentativas por parte dos grupos e partidos políticos

tradicionais de:

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capturar o OP, pois o novo sempre vem em maior ou menor grau misturado com o velho. Os políticos de corte clientelista e grupos que possuem controle sobre algum tipo de recurso estratégico procuram, por vezes, atuar no sentido de adaptar práticas clientelistas aos novos procedimentos do Orçamento Participativo. (AZEVEDO E MARES GUIA, 2005, p. 81).

Por fim, Azevedo e Mares Guia (2005) reconhecem que alguns dos “novos

atores” (associações e lideranças comunitárias) em Belo Horizonte, que emergiram

com o Orçamento Participativo, utilizam-se de práticas que poderiam ser

denominados neoclientelistas.

Na tentativa de formar um contraponto favorável à prática do OP, autores

como Silva (2002) defendem a existência de uma tradição associativa prévia como

um fator de contribuição para o sucesso da experiência.

Diante deste quadro, podemos perceber a dificuldade e até mesmo algumas

armadilhas a que o processo de gestão orçamentária participativa pode encontrar

em seu processo de gestão e de tentativa de modificação de práticas arraigadas de

tradição clientelista, para forjar uma nova concepção de democracia, com

participação e engajamento, estimulando a qualificação cívica da população para a

construção de soluções conjuntas com o poder público.

Neste capítulo, fizemos uma análise parcial da experiência do Orçamento

Participativo na Cidade de Belo Horizonte – MG, confrontando as experiências

positivas do estímulo à participação da população e no redesenho da relação entre o

Estado e a Sociedade, bem como trouxemos algumas críticas levantadas por alguns

autores estudando o processo.

Passaremos agora à conclusão do trabalho, analisando todos os argumentos

desenvolvidos ao longo do seu texto, tentando confrontá-los com o que se analisou

neste último capítulo.

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6 CONCLUSÃO

Tentamos ao longo deste trabalho demonstrar que a novel experiência da

Gestão Orçamentária Participativa, em que a população é chamada a decidir sobre

a forma de emprego dos recursos públicos pode ser uma das formas de

materialização do Estado Democrático de Direito, garantindo ainda a efetividade dos

direitos fundamentais ao Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado e à Cidade

Sustentável.

Para isso, discorremos sobre os modelos de organização do estado na

Modernidade, as idéias de direitos fundamentais e a baixa efetividade destes direitos

em nosso país, num contexto de sociedade plural e historicamente carente que

esbarra nos limites financeiros disponíveis para a execução de políticas públicas de

inclusão e garantia de melhores condições à população, asseverando ser necessária

a abertura de outros espaços democráticos para a inclusão da população, como

verdadeiro direito fundamental para a garantia de todos os outros.

Socorreu-nos nesta tarefa e certamente poderá ser utilizada para embasar

esta conclusão a idéia de Ingo Sarlet (2007, p. 226), que advoga a existência de

“direitos subjetivos (fundamentais) de proteção por meio da (e participação na)

organização e do procedimento”. Para o autor, a fruição de diversos direitos

fundamentais não se revela possível ou, no mínimo, perde a efetividade, sem que

sejam colocadas à disposição prestações estatais na esfera organizacional e

procedimental e que os direitos fundamentais, além de outorgarem legitimidade ao

Estado Democrático de Direito, possuem um caráter democrático que, no contexto

da dimensão organizatória e procedimental, se manifesta justamente no

reconhecimento de uma democracia com elementos participativos.

Partindo da idéia de democracia procedimental de Habermas

consubstanciada na teoria do discurso e passando pela teoria concretista de

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Friederich Müller para definirmos os conteúdos materiais dos direitos fundamentais,

traçamos a importância da esfera local como ponto crucial na definição do conteúdo

dos direitos, em especial para a definição e materialização, numa perspectiva

democrática, dos direitos fundamentais ao Meio Ambiente Ecologicamente

Equilibrado e à Cidade Sustentável, direitos cuja fruição ocorre principalmente em

nível local, e dependem da definição de parâmetros que será mais bem conduzida

se contar com a garantia de participação de todos os interessados, numa idéia de

administração pública dialógica através da superação da idéia de democracia

representativa.

Após, discorremos sobre o papel do Orçamento Público dentro da atuação do

Estado e para a garantia da eficiência das políticas públicas levadas a efeito pelos

gestores, especialmente quando o orçamento sofre a influência de elementos de

democracia participativa ou semidireta na definição do interesse público e

delimitação da discricionariedade do administrador através da oitiva da população

interessada, construindo uma decisão permeada de elementos da esfera pública e

da sociedade civil, tentando, desta forma, alcançar a equiprimordialidade entre o

público e o privado, atingindo os ideais de Estado Democrático de Direito.

A partir de uma análise parcial do orçamento participativo no município de

Belo Horizonte – MG, pudemos observar as transformações experimentadas pela

população, a magnitude histórica do processo e os avanços na participação política

e cidadã propiciada pela sua implantação, especialmente com a criação do OP

Digital. Observamos também algumas mudanças relatadas em estudos acadêmicos

acerca das transformações experimentadas na relação entre o Estado e a

Sociedade e a partir da experiência do Orçamento Participativa e das limitações

destas transformações, com o relato de práticas que desvirtuariam o processo.

Podemos retirar destas análises que qualquer instrumento de inclusão do

cidadão dentro do jogo democrático certamente legitima as decisões proferidas na

materialização de direitos, pois, com Alarcón

A tolerância e o respeito pelos direitos humanos reclamam a aceitação do diferente, em contraposição à exclusão, a inclusão comunitária e um exercício extremamente difícil de coexistência, que, precisamente pelo difícil, pode e deve ser considerado perfeitamente possível de ser atingido. (ALARCÓN, 2004, p. 318)

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Se muito já se discutiu e criticou a falta de inclusão de grande parcela da

população ao mínimo possível de fruição de direitos, a criação de mecanismos de

participação democrática para ouvir a população garante um direito fundamental de

participação na definição de seu próprio destino e no nível de fruição de seus

próprios direitos.

Nesta seara, a idéia de reserva do possível como fundamento da exclusão de

direitos para alguns passa a ser desconsiderada, pois os direitos serão definidos a

partir do contingente financeiro disponível, e a população decidirá de maneira

democrática e procedimentalmente assegurada os rumos que serão dados aos

recursos, de forma a beneficiar toda a coletividade.

Mostra-se portanto plenamente aplicável a teoria do discurso de Habermas

aos casos de gestão democrática participativa como instrumento de materialização

do Estado Democrático de Direito, em que as pessoas, dentro de uma situação ideal

de fala obtida através de um consenso chegam a conclusões racionais.

Estas decisões aplicadas à esfera governamental de atuação com a definição

de políticas públicas traz a reflexão para dentro das limitações financeiras do

Estado, propiciando decisões democráticas, baseadas em argumentos racionais,

cujos partícipes – agora incluídos no jogo da democracia – podem sentir-se não

somente destinatários das normas, em situações em que o destino pode até ser a

exclusão, mas também serão co-partícipes da criação do comando normativo, dando

legitimidade à sua criação e obtendo maior facilidade na compreensão do seu

conteúdo, fator que poderá ser decisivo na eficácia deste comando, e da eficiência

das políticas públicas levadas a efeito dentro deste processo.

Se para o prof. Alexandre Travessoni Gomes (2007) a idéia de consenso

pressuposto dentro da teoria discursiva de habermas é o consenso potencial, uma

verdadeira idéia reguladora, a regulação estabelecida através da idéia de

democracia participativa estabelece uma relação de legitimidade das decisões e

incentivo à participação, posto que, garantidos os mecanismos de decisão através

da gestão orçamentária participativa, será consenso entre os cidadãos que as

decisões serão tomadas em debates públicos, abertos à participação popular, em

que serão confrontados argumentos racionais.

Esta garantia certamente fará com que o cidadão se sinta encorajado a

participar, ainda que para tentar garantir interesses pessoais, e potencializará a idéia

de coexistência e inclusão como respeito e garantia dos direitos fundamentais.

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Aplica-se esta idéia na definição dos direitos fundamentais ao Meio Ambiente

Ecologicamente Equilibrado e à Cidade Sustentável, direitos difusos cuja

materialização se dá primordialmente como um qualificador do direito à vida, em que

a participação dos cidadãos, com os diferentes pontos de vista que estes direitos –

de conteúdo naturalmente indeterminado – podem trazer.

Abarcando a teoria concretista de Muller, o ator local tem fundamental

importância na concretização de direitos de conteúdo indeterminado, especialmente

direitos qualificadores do direito à vida, que podem enfrentar diferentes condições de

implantação e definição consoante as condições sociais estabelecidas, em especial

num país continental como o Brasil.

Neste aspecto, com José Luiz Quadros de Magalhães (2003, p. 94) a

construção de uma democracia dialógica, radical e participativa no Brasil passa por

uma discussão territorial, em que somente no nível local conseguiremos incluir uma

população que deseja e luta por justiça, pois:

O povo sabe o que quer e, aos poucos, está aprendendo a diferenciar o discurso da prática política. Todos os discursos podem ser iguais, mas poucos têm um projeto e uma prática de libertação política e de libertação da miséria. O povo simples pode não saber ainda a diferença teórica entre neoliberalismo e socialismo, mas sabe a diferença entre ser escravo e se dono da sua prÓpria vida. (MAGALHÃES, 2003, P. 94)

Mostra-se portanto de fundamental importância a oitiva da população acerca

da gestão orçamentária como processo de interpenetração das esferas pública e

privada na definição de aplicação dos recursos necessários à consecução das

finalidades do Estado como planejador e executor das políticas públicas para o

atendimento do interesse coletivo, de modo a aumentar a eficiência desta atuação,

num viés procedimentalista que assegure esta participação de modo a construir

resultados que atendam a todos.

Neste processo, a experiência da gestão orçamentária participativa levada a

efeito em alguns municípios brasileiros e prevista na legislação torna-se um

instrumento importante para a materialização do ideal de Estado Democrático de

Direito previsto na Constituição e para a garantia de direitos fundamentais.

Isto porque a idéia de planejamento como trabalho inerente à administração

pública, em que o administrador deve saber administrar os recursos disponíveis

conforme o planejamento traçado, quando se define as metas deste planejamento

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com a oitiva popular, torna-se mais eficaz a atividade administrativa e a política

pública desenvolvida para este fim, a partir do planejamento com a definição dos

objetivos considerados como de interesse público.

Quando procedem desta maneira e abrem este planejamento à participação

popular, decidindo inclusive os valores que serão gastos, os administradores

municipais não vinculam estes gastos ao que a população decidiu, mas esta decisão

será de fundamental importância no controle social por parte da população em

relação à atuação política daquele gestor, posto que “aquele que não respeitar o que

o povo deliberou dificilmente será eleito para qualquer cargo, pelo menos naquele

nível” (MAGALHÃES, 2003, p. 97). No mesmo sentido, o legislativo não está

obrigado a aprovar o que foi deliberado, mas deverá explicar de forma convincente

os motivos que para tal atitude.

Diante disto, percebemos que se a democracia participativa possibilita a

escolha de objetivos a serem atingidos pela administração como concretização do

interesse público sobre quais direitos fundamentais devem ser materializados, e de

que forma, influenciando na escolha das metas a serem buscadas pelo

administrador através do planejamento, também possibilita maior eficácia no

cumprimento do que foi planejado para buscar tais metas, vez que o controle social

exercido pelos interessados será uma forma de evitar desvios no caminho traçado e

de aumentar a efetividade dos esforços para sua busca.

Desta forma, ninguém melhor que os interessados para definir qual o nível de

materialização dos direitos fundamentais ao Meio Ambiente Ecologicamente

Equilibrado e à Cidade Sustentável do que a população atingida, através de

mecanismos que assegurem sua participação na definição dos objetivos, metas e

caminhos do planejamento da atividade estatal a ser desenvolvido pelo

administrador no âmbito local. A gestão participativa dos recursos públicos pode e

deve ser implementada como forma de materializar este ideal de concretização de

direitos fundamentais.

Longe de querer esgotar o tema, este trabalho se propôs a analisar alguns

aspectos destas práticas à luz das teorias apresentadas, no intuito de sedimentar

alguns conceitos e propor algumas reflexões para aprimoramento dos institutos aqui

analisados. O desafio é maior e está lançado.

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