polifonia intertextualidade e contextualizacao

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UGF – COS 785 – Intertextualidade e Contextualização Neste ponto, trataremos de aspectos ligados à constituição das vozes do discurso e da interação de saberes nos textos (orais ou escritos) que produzimos. Importa que conheçamos termos e conceitos técnicos como polifonia, dialogismo, heterogeneidade discursiva, intertextualidade e contextualização para podermos bem analisar os diferentes tipos de textos e maneiras de dizer com os quais lidaremos no exercício de produzir e interpretar textos em nossa língua. Foi Bakhtin quem pela primeira vez tratou do fato de que sob as palavras de alguém ressoa a voz de outrem ( 1970:238-64). A esse fenômeno denominou polifonia . Na verdade, chamou atenção para as diferentes instâncias enunciativas instauradas no texto. Especialmente, é importante entendermos a questão da identidade do sujeito enunciador, que envolve a polifonia e a condição diaalógica que constitui muitos dos textos ( senão todos) que produzimos. Dialogismo nos remete ao princípio da heterogeneidade constitutiva do discurso. Maingueneau (1987:81-93) refere- se ao fato de que, mesmo na ausência de qualquer marca de heterogeneidade, toda unidade de sentido ( de qualquer tipo que seja) pode estar relacionada a outra , ou seja, aos discursos de que ela depende e que definem sua identidade. Um enunciado se constitui numa relação interdiscursiva, em conformidade com todos os outros que se inscrevem na mesma situação. Um enunciado pode então ser lido pelo “direito” e pelo “avesso” : de uma lado significa sua pertença a seu próprio discurso; de outro, marca a diferença que o separa dos vários discursos com os quais se relaciona (Maingueneau 1987:88; Apud Fiorim, 1999:62).

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POLIFONIA E TEXTUALIDADE

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UGF COS 785 Intertextualidade e Contextualizao Neste ponto, trataremos de aspectos ligados constituio das vozes do discurso e da interao de saberes nos textos (orais ou escritos) que produzimos. Importa que conheamos termos e conceitos tcnicos como polifonia, dialogismo, heterogeneidade discursiva, intertextualidade e contextualizao para podermos bem analisar os diferentes tipos de textos e maneiras de dizer com os quais lidaremos no exerccio de produzir e interpretar textos em nossa lngua. Foi Bakhtin quem pela primeira vez tratou do fato de que sob as palavras de algum ressoa a voz de outrem ( 1970:238-64). A esse fenmeno denominou polifonia . Na verdade, chamou ateno para as diferentes instncias enunciativas instauradas no texto. Especialmente, importante entendermos a questo da identidade do sujeito enunciador, que envolve a polifonia e a condio diaalgica que constitui muitos dos textos ( seno todos) que produzimos. Dialogismo nos remete ao princpio da heterogeneidade constitutiva do discurso. Maingueneau (1987:81-93) refere-se ao fato de que, mesmo na ausncia de qualquer marca de heterogeneidade, toda unidade de sentido ( de qualquer tipo que seja) pode estar relacionada a outra , ou seja, aos discursos de que ela depende e que definem sua identidade. Um enunciado se constitui numa relao interdiscursiva, em conformidade com todos os outros que se inscrevem na mesma situao. Um enunciado pode ento ser lido pelo direito e pelo avesso : de uma lado significa sua pertena a seu prprio discurso; de outro, marca a diferena que o separa dos vrios discursos com os quais se relaciona (Maingueneau 1987:88; Apud Fiorim, 1999:62).J Polifofonia um fenmeno no nvel superficial , pois diz respeito ao que foi chamado heterogeneidade mostrada no discurso (Authier, 1982:91-151). H diferentes centros discursivos presentes em um texto: h vrias vozes que se apresentam no interior do discurso. Essas vozes aparecem objetivamente ou no. Por isso a polifonia no se confunde com a bivocalidade, que o fenmeno em que um enunciado deixa ouvir vozes diferentes Se eu narrar ( ou escrever) um fato que acaba de acontecer comigo, j me encontro como narrador ( ou escritor) , fora do tempo-espao onde o evento se realizou. to impossvel a identificao absoluta do meu eu com o eu de que falo como algum suspender a si mesmo pelos cabelos. O mundo representado, mesmo que seja realista e verdico, nunca pode ser cronotopicamente identificado com o mundo real representante, onde se encontra o autor criador dessa imagem ( Bakhtin 1988:306, Apud: Fiorim, 1999:62) Para Bakhtin, no h textos monolgicos. Mesmo ao se narrar uma histria, h dois nveis enunciativos. Na polifonia h duas questes imbricadas: a questo da delegao de vozes e a segunda concerne responsabilidade pelos enunciados. Cabe esclarecer que, nessas instncias enunciativas, no est a voz do falante de carne e osso, ontologicamente definido. O autor se mascara num narrador em primeira-pessoa ou terceira-pessoa: no um ser real, mas um autor implcito constitudo pelo texto. Esse autor implcito diferente do homem real e, ao criar sua obra, cria uma verso superior a si mesmo. exatamente por criar, com toda a liberdade, uma verso de si mesmo, que no se tem acesso ao sujeito, seno por aquilo que ele enuncia nas diferentes semiticas que um autor implcito.O discurso manifestado no se contenta em contar, mas ele forma uma viso de certos contornos e desenha, a partir das relaes operadas e dos traos manifestos, o que se poderia chamar de suas disposies cognitivas particulares. O sujeito se deixa entrever pelo feixe de atitudes em relao aos objetos de conhecimento que ele pe no lugar e que dispe no seu discurso, segundo as aberturas e as coeres que o relacionam a uma certa ordem de coisas e saberes. H signos operando mltiplas semioses alm da prpria decodificao dos enunciados. O texto constri pouco a pouco suas instncias; denuncia de quem e para quem se enuncia, conforme os signos que se percebem nas malhas de sua trama . Uma anlise desses traos manifestos e implcitos denunciar, pouco a pouco, o perfil de seus enunciadores e, por extenso, de seus leitores ou interlocutores.Enquanto o autor e o leitor reais pertencem no ao texto, mas ao mundo, o autor implcito produto (da leitura) do texto. H um leitor abstrato com o qual o escritor dialoga ao longo de sua atividade. Trata-se de uma imagem do destinatrio pressuposto, de um leitor que acederia ao(s) sentido(s) da obra. O texto constri um tipo de leitor chamado a participar de seus valores. Assim, ele ( o leitor) intervm indiretamente como filtro e, tambm, produtor do texto. Para Genette ( 1983:93-107), o autor implcito uma imagem do autor construda pelo texto. Essa imagem involuntria, projetada pelo texto, logo, a verdadeira imagem do autor real, embora ele no tenha conscincia dela. Por conseguinte, conclui ele, no h necessidade de distinguir autor real e autor implcito.A segunda hiptese seria a simulao voluntria, pelo autor real, de uma imagem diferente da sua: Brs Cubas e Dom Casmurro no so Machado de Assis! Essas instncias so importantes para entendermos efeitos da subjetividade e da objetividade. A distino entre instncia da enunciao e do enunciado que cria o efeito de sentido e de objetividade. Ento, de quem a responsabilidade pelos enunciados? Quando se produzem enunciados , podem-se incorporar contratual ou polemicamente enunciados de outrem. Narrador e interlocutor so instncias que tomam a palavra, que falam , que dizem eu. Locutor a voz de outro que ressoa num enunciado de um narrador ou de um interlocutor. Um locutor como um porta-voz! Assim, locutor a fonte enunciativa responsvel por um dado enunciado incorporado no enunciado de outrem. Dessa forma, o que ser considerado locutor num dado nvel ser narrador ou interlocutor em outro. Os modos do discurso retratam isso: o discurso indireto o que o enunciado de um locutor dito por outro ( o primeiro) locutor. Os diferentes modos de efetuar o discurso nos parecem passveis de serem interpretados como formas de mediao. A noo de locutor nos permite entender a heterogeneidade. As palavras entre aspas, por exemplo, no discurso direto, envolvem uma ruptura sinttica entre o discurso do locutor e o citado. As palavras entre aspas no pertencem a quem a pronuncia, mas a um locutor que pode ser ou no identificado no texto. Trata-se de palavras ou enunciados atribudos fala de outro, cuja responsabilidade o narrador no quer assumir. Com as aspas, o narrador deixa clara a imagem que faz do outro ( de quem copia a fala) e refora a imagem que faz de si mesmo. Protege-se de antemo de crticas. Mostra que sabe que a palavra que est empregando no adequada, que aquele no seu nvel de linguagem ou que de algum, com autoridade, para sustentar as ideias que expressa. Portanto, so as diferentes vozes presentes no enunciado que constituem a heterogeneidade do discurso. Com ela, o discurso ora heterogneo ( ou conflitual ) ora homogneo (ou contratual): ora as vozes so concordantes, ora discordantes, tomando lugares discursivos em diferentes nveis. So essas vozes que concordam, discordam ou constituem-se nos diferentes textos que so criados. Mas qual a diferena entre polifonia e intertextualidade? O termo Intertextualidade foi introduzido por Kristeva (1969) para o estudo da literatura, chamando ateno para o fato de que a produtividade da escritura redistribui, dissemina ... textos anteriores em um texto; seria preciso, pois, pensar o texto como intertexto. Para Barthes (1973), todo texto um intertexto : outros textos esto presentes nele, em nveis variveis, sob formas mais ou menos reconhecveis. O intertexto um campo geral de frmulas annimas, cuja origem raramente recupervel, de citaes inconscientes ou automticas, feitas sem aspas (1973, apud Chauraudeau & Maingueneau ( 2004: 288-289).O uso tem a tendncia de empregar intertexto quando se trata de relaes com textos de fonte precisas ( citao, pardia, etc.) e interdiscurso para conjuntos mais difusos. A fala se exerce em um vasto interdiscurso.J Contextualidade mostra que : O contexto de um elemento X qualquer , em princpio, tudo o que cerca esse elemento. Assim, quando X uma unidade lingustica, podemos ter um contexto lingustico o ambiente verbal que cerca tal unidade e um contexto no-lingustico o formado pelo entorno situacional, social ou cultural. Um jornal tem tanto um contexto lingustico cercando cada matria, quanto um social produzindo sentidos, por exemplo. Uma reflexo recente sobre o contexto ps em evidencia os seguintes pontos:]1. Os diferentes ingredientes do contexto intervm na comunicao apenas sob a forma de saberes e de representaes : o contexto identifica-se ao conjunto de representaes que os interlocutores tm do contexto, representaes que podem ou no ser partilhadas pelos participantes do processo comunicativo;2. O discurso uma atividade condicionada pelo contexto e transformadora desse mesmo contexto;3. Dada uma interao, esse contexto construdo na e pela maneira como se desenvolve. So mltiplas semioses produzindo sentidos sobre os signos apresentados. 4. Em outros termos: a relao entre texto e contexto no absolutamente unilateral, mas dialtica. O contexto delimita a linguagem ao mesmo tempo em que delimitado por ela. O contexto no esttico, mas dinmico e processual . Algumas informaes no contexto so interpretveis como ndices de contextualizao, tais como informaes prosdicas, vocais, mmico gestuais na comunicao face-a-face, etc.A abordagem pragmtica da linguagem mostra que toda a atividade lingustica um fenmeno social em dois sentidos: um determinada pelo contexto social e em si e outro como uma prtica social. ( Gumperz, Apud Chauraudeau & Maingueneau ( 2004: 128).Referncias bibliogrficas:

BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. So Paulo, Hucitec, 1979. CHARAUDEAU, Patrick & MAINGUENEAU, Dominique. Dicionrio de anlise do Discurso. Trad. Fabiana Komesu. So Paulo, Contexto, 2004. FIORIN, Jos Luiz. As astcias da enunciao: as categorias de pessoa, espao e tempo. So Paulo, tica, 1999.