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PARA NA 0 DEIXAR 0 CEREBRO NA MAQUINA:' o jogo dos sentidos no processo de productio do discurso do lazer* Elza Peixoto** RESUMO 0 texto e o relato da An6lise do Discurso do Lazer, observado tanto no estudo dos sentidos atribuidos ao tema por trabalhado- res organizados em sindicatos e quanto no discurso da teorizacào. ABSTRAT The text is shows of thw leisure discuss analys, observed in the senses atributed to the theme by workers organized in syndicates as well as in theoreticals discuss. * Este textoe uma sintese do Projeto de Pesquisaque apresentei a Faculdade de Educacdo da Universidade de &do Paulo, ern outubro de 1995, para seleciM ao seu programa de POs-graduaciio (nivel de doutoramento). ** Professora da Universidade Federal de Alagoas e mestre em Educacao Ffsica/FEF/UNICAMP.

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PARA NA 0 DEIXAR 0 CEREBRO NA MAQUINA:'o jogo dos sentidos no processo de productio

do discurso do lazer*

Elza Peixoto**

RESUMO

0 texto e o relato da An6lisedo Discurso do Lazer, observado

tanto no estudo dos sentidosatribuidos ao tema por trabalhado-

res organizados em sindicatos equanto no discurso da teorizacào.

ABSTRAT

The text is shows of thw leisurediscuss analys, observed in thesenses atributed to the theme byworkers organized in syndicates aswell as in theoreticals discuss.

* Este textoe uma sintese do Projeto de Pesquisaque apresentei a Faculdade de Educacdo da Universidadede &do Paulo, ern outubro de 1995, para seleciM ao seu programa de POs-graduaciio (nivel dedoutoramento).

** Professora da Universidade Federal de Alagoas e mestre em Educacao Ffsica/FEF/UNICAMP.

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Detembro, 1996

enho concentrado aatencão em investi-gar concepcOes po-litico-ideolOgicaspresentes nos dis-cursos produzidossobre a tematica dolazer, entre traba-lhadores organiza-dos em sindicatos,

e na teorizapio sobre o tema, com oobjetivo de detectar o que ocorre comos sentidos do termo quando entram emjogo as posicties politicas sobre a orga-nizacäo social e as propostas de altera-çäo da ordem social dominante engen-dradas a partir dessas posicaes.

A titulo de "histOrico", poderiadizer que o interesse pela tematica vemdesde 1991, quando iniciei estudosexploratOrios buscando detectar politi-cas de lazer que poderiam estar sendoencaminhadas por sindicatos. Nesseperiod°, coletei nos arquivos do Centrode Pastoral Vergueiro 2 diversos textosque pudessem permitir visualizar a exis-tencia de preocupacOes corn a tematicado lazer. Os textos observados eramconvites, panfletos de divulgacäo ourelatOrios de atividades ja executadas.

Corn olhos de "estudiosa do lazer"e apoiada na referencia teOrica produzidapela area, classifiquei essas atividadescomo atividades culturais de lazer. Taisatividades estao caracterizadas pelaespecificidade de serem promovidaspelas entidades 3 com o objetivo de ge-rar momentos alternativos de formac5oe informacdo dos trabalhadores, a fimde reafirmar, renovar e restabelecer a"consciéncia de classe". 4 Estiio carac-terizadas basicamente por ocorrer

apoiadas em algum element° da culturatail como: atividades vinculadas a cul-tura de movimento (pagodes e outrasdancas), atividades vinculadas a culturaoral de classe ou de massa (encontrosde poesia, shows musicais, teatro), ati-vidades vinculadas a cultura corporal(torneios de esportes, capoeira), entreoutras. Outra caracteristica dessas ati-vidades e o fato de terem como temageral alguma problematica conjuntural(corrida metaltirgica contra aprivatizacdo).

No ano seguinte, dando continui-dade as analises ja real izadas e buscan-do maior objetividade no entendimentoda situacdo politico-ideolOgica datematica do lazer, dentre as diversasentidades assinantes dos textos colhi-dos no C.P.V., delimitei a CUT e urnsindicato a ela filiado como locus deestudo do objeto. A partir dessa

realizei a analise de contetido dasResoluceies do 4° Congresso da Cen-tral Unica dos Trabalhadores apresen-tando os resultados obtidos namonografia de conclusAo do "Curso deEspecializacdo em Recreac5o e Lazer"

Nessa analise this Resolucaes,buscava encontrar concepcOes, delibe-racOes ou indicativos de direcdo politi-ca pars atividades de cultura e lazer a serdesenvolvidas em sindicatos de base daCentral Unica dos Trabalhadores. Noentanto, verifiquei que nal.) existiam"explicitadas preocupayks diretas corna questdo do lazer" nessas ResolucCies,constatando que "em nenhum moment°é citada a palavra ou palavras que ex-pressem preocupacOes assemelha-das".5

Entretanto, real izando a leitura dasResolucOes do 3° Congresso da CUT,

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Motriviancia

observei a menciio direta da tematica dolazer nas "Diretrizes de Aciio" no item"A CUT e a defesa dos direitos sindi-cais" corn o titulo "Direito ao empregoe reducdo da jornada de trabalho" e oseguinte texto:

0 desemprego e o grande fantas-ma que se projeta para o futuro da classetrabalhadora. 0 desemprego, estruturalno capitalismo, esta aumentando ao Lon-go dos anos em fungdo das inovacOestecnolOgicas, corn implicacOes sociais epoliticas gravissimas.

A luta pela reduccio da jornadade trabalho para conzpartir oemprego, pelo use alternativodo tempo livre para cultura, edu-cacao e lazer, e uma tarefa deci-siva para o sindicalismo inter-nacional. Na America Latina,impulsionar a luta pela reductioda jornada de trabalho exigeuma maior articulaciio sindicalcorn informacOes mais detallta-das e lutas coordenadas, resga-tando o prOprio significado doI° de Maio, onde esta bandeirateve tan papel decisivo para irn-pulsionar o movimento opera-rio do inicio do seculo.6

Nas Resolu4i5es do 4° Congresso,como ja assinalei , mantem-se deste textoapenas a preocupacão corn a continuida-de das lutas cm favor da reducao dajornada de trabalho. Por que desapareceo argumento do "tempo livre para a cul-tura, educaciio e lazer"?

Diversos elementos componentesda forma discursi va pela qual se &do esseaparecimento e clesaparecimento apon-taram para a possibilidade de haver jo-

gos de interesses contribuindo no pro-cesso de dizer e silenciar essa tematicano period° de elaboracao das Resolu-cOes do 3° e 4° Concut. E e por estarinteressada em perceber esses jogos deinteresses que, de 1993 a 1996, passo ainvestigar o processo de producao dosilenciamento sobre a tematica do lazerno period° correspondents a producäodas ResolucOes do 3° e 4° Congressos daCUT.

Urn problema metodolOgico secolocava na medida em que a constatacdoda nä° mencdo direta da tematica do lazernas ResolucOes do 4° Concut pedia umaoutra forma de analise da fala dos traba-lhadores que permitisse que posicOesnao ditas sobre um determinado assuntopudessem ser evidenciadas. Lidando cornas ResolucOes de urn congresso de tra-balhadores organizados na CUT, umadas entidades sindicais existentes, sabi-amos estar trabalhando corn "discur-sos" produzidos, objetivando assumirposicOes frente as situacOes, aos en-tendimentos sobre a realidade e as po-siciies de "outras" entidades 7 sobre omesmo assunto. ApOs estudos de pos-sibilidades metodolOgicas de analisedo arquivo de que displinhamos, opta-mos pela Analise de Discurso (A. D.),que tern como meta principal a analisedo processo de producao dos discursose do efeito de sentidos produzidos nes-se processo.

Entendendo discurso como "efei-to de sentidos entre locutores",8 reali-zamos, na perspectiva da AD, urn amplorastreamento das possibilidades de sen-tido do lazer presentes no discurso detrabalhadores organizados. Atraves daleitura exaustiva dos diversos textos,

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Dezembro, 1996

passamos a detectar as evidencias deinstantes de comunicacao entre posi-cOes diferenciadas, na forma do debate,da argumentacao e da tentativa de supe-raga° daquela posicao. Esses instantesde comunicacao evidenciavam-se, prin-cipalmente, na repeticao de alguns ter-mos ou ideias e na multiplicidade desentidos com que estas iddias apare-cem, evidenciando-se ainda na contra-dicao entre posicOes presentes no tex-to que contem o discurso da entidade(CUT).

Essa "comunicacao" entre posi-cOes diferentes presente no discurso éentendida pela A.D. como constitutivado processo de sua elaboracdo, signifi-cando o instante em que, para construiruma "nova" posicao, comentam-se, cri-ticam-se e apropriam-se ou negam-seposiceies anteriormente estabelecidas.A essas falas com que o "autor" do textodialoga e que apontam no decorrer daleitura, a A.D. chama de "interdiscurso".Foi corn essa compreensao de proces-so de producao do discurso que obser-vamos a fala da CUT.

0 entendimento de "leitura" pro-posto pela Analise de Discurso conce-be que o sentido e a coerencia do textosao submetidos tambem as condicOesem que o leitor realiza a leitura e ainterpretacão. Com base nesse argu-mento, passei a considerar a hipOtesede que a analise que realizei nas Reso-lucOes do 4° Congresso poderia estarmarcada pela reducao das possibilida-des de sentido as existentes nas con-cepcOes e elementos fornecidos pelateorizacao sobre o lazer.

Essa constatacao fez corn que re-alizasse -a analise de alguns textos da

teorizacao sobre o lazer, corn o objeti-vo de verificar os sentidos produzidos ea estrutura sob a qual estavam sendoproduzidos esses sentidos na teorizacao.Colocava-se agora em jogo a possibili-dade de limites do quadro teOrico dereferencia (e delimitacao) utilizado paraa observacao e analise das posicOessobre tematica do lazer presentes nasResoluciies do 4° Concut.

As andlises dos dois discursosforam feitas separadainente, procuran-do-se observar suas "ordens" de signi-ficacao, o jogo de imagens sobre o qualse estruturavam, os sentidos que busca-vain sustentar e negar, os sentidos do-minantes e a presenca do interdiscurso.Depois dessa analise, confrontamos odiscurso produzido sobre a tematica dolazer entre trabalhadores organizadosem sindicatos corn o discurso produzi-do pela "teorizacao" sobre o lazer, ob-servando diferencas e proximidades dossentidos e proposicaes sobre o tema, afim de verificar a dinamica do processode producao do aparecimento e dosilenciamento dos sentidos do lazer nasResolucCies analisadas.

Como resultado desse processo,obtivemos que o discurso sobre o lazerproduzido entre trabalhadores organi-zados estrutura-se sobre a ideia de "su-jeito coletivo" como principio de "au-toria". A partir desse principio, as Re-solucOes aparecem como o instrumen-to pelo qual o "sujeito coletivo" "classetrabalhadora" fala, posiciona-se e apre-senta suas deliberacOes e encaminha-mentos sobre questOes sociais polemi-cas, objetivando a representatividade ea defesa coesa9 (predominando a ideiade unidade) de seus interesses. A pala-

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vra organizadora do discurso e a palavra"luta" e e em relacao aos sentidos da"luta" que os sentidos de lazer e culturavao ser produzidos e instalados.

Observamos tambem que, dentroda aparente unidade "sujeito-coletivo",ha uma diversidade de posicOes quedisputam o direito de dizer qual vai set-a direcAo dada a "luta". Essa disputa seda atraves da apresentacäo das posicoesdiferentes e algumas vezes divergentesem "teses ao congresso" encaminhadasaos delegados. Nessas teses as tendert-cias dialogam e criticam posicOesadversdrias (estabelecendo suas pro-prias posicOes), candidatando-se e de-fendendo sua candidatura como dire-cAo politico-ideolOgica correta e coe-rente para a "luta". Essas teses sAo sub-metidas a apreciacao dos delegados pre-sentes no congresso, sendo eleita entreessas, pelo voto, a "tese guia". ApOs avotacão e a eleicdo, a "tese guia" esubmetida a urn segundo processo derevisdo em que são propostas ementasao texto original. Por esse processo,comp& o texto da tese guia, comointerdiscurso, a fala das tendancias der-rotadas.

Por sua vez, na analise dos textosproduzidos pela teorizacao sobre atematica do lazer, observamos que odiscurso do lazer tambem se estabelecea partir do debate corn posiciies ja ins-taladas. A partir da leitura e analise detextos ja produzidos sobre a tematica, oautor, como princlpio de estruturacAodo texto, estabelece posiciies sobre o"ja dito" por outros autores, revisandoconceitos, avaliando a viabilidade dasproposicCies, escolhendo e descartan-do ideias enquanto constrOi o lugar de

Moiriviancia

entendimento da tematica em que vaiinstalar-se. Esse processo se da de for-ma que "novas" posicoes se instalamsobre posicoes consideradas "corre-tas" e capazes de "captar a dinâmica dolazer".1°

0 processo de producdo do dis-curso da "teoria do lazer" e legitimadoa partir dos criterios de "cientificidade"e de "verdade", sendo organizado e con-trolado pelas leis e metodos de investi-gacdo e fala, constantemente revistos ereordenados pela "sociedade de discur-so"." Por esses criterios, o autorposiciona-se a partir do lugar do indivi-duo apto e autorizado, pelo processo desua formacão, a dizer, com conheci-mento de causa, sobre a tematica emfoco. 0 discurso estrutura-se assim apartir da ilusäo de "onipotencia" e "onis-ciencia" do autor que vem firmar suasposicOes frente a um determinado ob-jeto a que dedicou atencdo e estudo.

Regido por essa ordem, o discur-so da "teorizacao" sobre o lazer procuraestabelecer os diversos "valores" soci-ais e individuais deste como atividadea ser fruida pelos individuos no seutempo disponivel, objetivando o "di-vertimento, o descanso e o desenvolvi-mento", e como area cuja investiga-cao e conhecimento silo relevantes enecessarios para a compreensiio dadinamica social de producao do con-formism° e da resistencia.' A preo-cupaydo da teorizacao e corn a caracte-rizacdo das atividades e da atitude de-senvolvidas nesse tempo, com a com-preensao da dinamica geradora destetempo, bem como corn a definicao e adelimitacão do que e e o que deva ser olazer. Essas constatacoes permitem

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Dezembro, 1996

afirmar que a teorizacdo sobre o lazerpreocupa-se corn o que ocorre no tem-po livre (de atividades obrigatOrias) dotrabalhador.

Obedecendo a essas ordens deestruturacao e significac5o, os senti-dos do lazer, nessas formacOesdiscursivas, väo ser estabelecidos a par-tir dos jogos de interesse em que saoestruturados.

No prisma da preocupacäo corn aocupac5o do "tempo livre" do trabalha-dor, o discurso sobre o lazer vai insta-tar-se, na teorizacao, organizado peloprincipio do "autor", segundo os senti-dos dos "valores" sociais e pessoais dasatividades de lazer, visando ora a adap-tacäo dos individuos a ordem capitalis-ta, ora a emancipacäo humana, corn osseguintes sentidos:

corn o sentido de fracdo de tempo,destinado a recuperacdo para o re-torno ao trabalho, em que os indivi-duos fruem o descanso e o diverti-mento;

corn o sentido de negacdo do traba-lho, como categoria histOrica e locusconcreto em que se vivencia a situa-gdo de exploracao;

corn o sentido de relevância histOri-ea, na medida em que represents aresistencia dos trabalhadores, de-monstrada nas "lutas" pela reducãoda jomada de trabalho e na fruicão deatividades de lazer, apesar das adver-sidades vivenciadas no atual contex-to histOrico;

corn o sentido de possibilitar avivencia de "valores" questionadoresdo modelo de sociedade vigente,corn potenciais transformadores dasituagdo de opressdo/exploracdo/in-

felicidade vivenciada pelos indivi-duos e identificada como estando nomundo do trabalho/esferas de obri-gacaes sociais. Essa possibilidadequestio-nadora pode ser direcionadana medida em que houver uma politi-ca que incentive niveis de participa-cäo criticos e criativos na fruicdo dolazer; e

e) como algo a ser negado, juntamentecorn o trabalho, em busca de umaoutra construcão que de conta deexplicar a existencia histOrica dolazer e as necessidades que este vemmascarar, demonstrando a preocu-pacão corn outras formas desubjetivacäo que nao estdo contem-pladas na forma atual da teorizacdosobre o lazer.

Por sua vez, na preocupacdo corna recuperacão dos poderes darepresentatividade e de organizacdo daclasse trabalhadora, tendo em vista amanutencäo do poder de resistencia ebarganha frente ao "inimigo comum",identifico o aspect() fundador do dis-curso de trabalhadores organizados so-bre o lazer. 0 discurso sobre o lazer vaiinstalar-se no discurso de trabalhado-res organizados em sindicatos, regidopelo principio do "sujeito coletivo".Como já colocado, o "sujeito coletivo"visa ganhar dos trabalhadores da "clas-se" e suas "categorias" o direito de"representatividade", para, atraves des-se direito adquirido, encaminhar dis-cussOes e decisaes nas direcOes, ora daemancipac5o humana, ora da participa-c5o dos trabalhadores na gerencia docapital.

Neste jogo, os termos "cultura" e"lazer" (na fala representativa dos inte-

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MoIrivitncia

resses de classe que 6 a fala do "sujeitocoletivo") tem os seguintes sentidos:

mail um dos resquicios do"assistencialismo" itnputado aos sin-dicatos pelo (iovern() Populista as-sociado aos sindicatos pelegos;

descartando o sentido de "lazer", cul-tura vai aparecer como:

tudo o que se aprende;

como algo especifico produzidopela area sindical e que deve serensinado polo sindicato e aprendi-do pelos diretores, funcionarios epela "base";

como a diversidade da unidade cha-mada"Nacito";

derivando ainda para a nocao de"pessoa culta", como sendo aquelaque "tem o saber". Esse saber que"se tem" 6, ao mesmo tempo, algofacil de ser incorporado desde quea "pessoa" procure "se informar";

como algo que se aprende paraentender "problemas de hoje emdia";

ler, converser, dialogar;

aparece ainda como "objeto detransformacdo de uma sociedade";

como algo que precisa ser pensa-do dentro do sindicato em funcaode atender ao trabalhador determi-nado pelo ritmo da fabrica e damAquina;

podendo "scr um lazer". "Voce usaa cultura como objeto de lazer";

como uma nova concepeão de so-ciedade que se constrOi a partir dasdificuldades e necessidades dostraballiadores, objetivando trans-

formar a sociedade e satisfazer asnecessidades desses trabalhado-res.

c) referindo-se especificamente aolazer encontramos os seguintes sen-tidos:

momento para voce esquecer tudoo que voce faz continuamente;

parar coal tudo aquilo que e cotidi-ano para viver uma outra coisa quevai dar-lhe satisfacao;

como algo que vai "tirar umpouquinho" do cotidiano fazendo"pensar em outras coisas que naoaquilo em que voce pensa normal-mente"; como um momento para"esquecer tudo o que ce to fazen-do", distrair, aliviar de tudo, flutu-ar no mundo;

como algo restrito a diversao e aorelaxamento. Um momento paraestar corn amigos, com pessoas deque se gosta;

como uma certa leveza posta naconducao de um ideal perseguidopelo coletivo, que n5o faz sentidoindividualmente;

d) quando interligados, cultura e lazeraparecem corn os seguintes senti-dos:

com o sentido de atividades inte-gradas em que se realizam ao mes-mo tempo a informaciio e o diver-timento;

coin° atividades diferenciadas pe-las nog -6es de "maior" ou "menor"compromisso como tracosdefinidores, respectivamente, da"cultura" e do "lazer";

apesar de haver grans de cotnpro-misso diferenciados, estão inter-

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Deiembro, 1996

ligadas "porque é lazer voce assis-tir a um show, voce ir assistir a umapeca, ir assistir a urn filme e issotambern é cultura!";

• combinando distracao corn diver-timento, entre tantos outros senti-dos possiveis.

Quando trabalhador sindicalista efuncionario do sindicato falam das pos-sibilidades de sua autodeterminacao —quando perguntados como é sua praticapessoal de lazer remetem essa ques-tao aos anseios de desorganizacao daordem posta no mundo que nao conse-guem reorganizar segundo suas neces-sidades e projetos emergentes. E assimque em suas falas pessoais o lazer vaiaparecer como:

confrontar o aparato policial que re-prime e bloqueia a expressao de suasnecessidades atraves do ato de gre-ve;

como uma forma de conduzir a "luta",amenizando os impactos das frustra-cOes e das derrotas diarias, prepa-rando a semente da esperanca atechegar o momento de retomar a luta.De certa forma, é uma forma de con-tinuar lutando;

relaxar, sair do ritmo frenetic° daestrutura que se quebra e corre,atordoada, Was das possibilidadesde salvacao do projeto, do sonhocoletivo que rui;

estar na companhia dos amigos quecompartilham a "luta" nos mais di-versos lugares, atividades e temposdiarios;

e) nao fazer o que é imposto, mas oque é necessario fazer naquele mo-mento;

sair do convivio dos colegas de tra-balho, e conversar sobre coisas ame-nas corn amigos outros que nao fa-zem parte daquele mundo do racio-

da astricia agucada, do trabalhoconstante pela "causa" que sacrifica,ate mesmo, a possibilidade do traba-Iho adaptado, no caso de desistenciada "luta", aos interesses do capital;

estar na Ka° sindical mesma como apossibilidade de ter de volta, atravesda consciencia adquirida da necessi-dade de lutar contra o estranhamentoe a alienacao;

0 discurso de trabalhadores orga-nizados sobre o lazer, quando estao emjogo os interesses do sindicato, estamarcado pelo esforco de tentar recor-rer a um objeto que possibilite a gera-cao de espaco/ tempo/ atividade/ atitu-de corn probabilidade:

de construcao de uma alternativa deespaco para o trabalhador frente aoclube de empresa que concorre corna necessidade dos dirigentes de ga-rantir a mobilizacão do trabalhadorpara uma Ka° sindical representati-va e de enfrentamento ao patronato;

cultivo de uma maior quantidade detempo livre para o trabalhador ondeeste possa viver para si mesmo e emque haja a possibilidade, livre daspressiies do patronato, de suaconscientizacão e formacdo politi-ca, fortalecendo a representatividade,a entidade e a possibilidade de con-quista dos interesses coletivos;

c) criacão de atividades e eventos queestimulem ao trabalhador a vir aosindicato e garantam grandes

para disseminacdo das ban-

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deiras do sindicato e das posiedespolitico-ideolOgicas defendidas peladireedo;

d) promoeao de situacOes que possibi-litem a expressao de habilidades pes-soais que possam gerar — alem daauto-expressiio, da satisfaedo, da ale-gria, da comunhao de interesses edesejos — a reacao frente a situaeaode exploracao vivenciada.

A anal ise desses discursos permi-te assinalar que, quando estao em jogoas posieOes politicas sobre a organiza-ea° social e as propostas de alteracdo daordem social dominante engendradas apartir dessas posiciies, as falas sobre olazer vdo aparecer desorganizadas emediadas, ao mesmo tempo, pelos inte-resses pessoais e pelos interesses poli-ticos e histOricos.

Contrariando algumas afirmacOespresentes no discurso da teorizaeäo so-bre o lazer, que evidenciam a preocupa-ea° corn a garantia da pratica de ativida-des de lazer livres das obrigagOes diari-as, o discurso de trabalhadores organi-zados sobre a tematica acentuam a ne-cessidade de transformar esses momen-tos em instantes de politizacao e depreparacdo da consciancia de classe.Entretanto e contraditoriamente, refe-rindo-se a seus momentos pessoais delazer, apontam a mesma necessidade dedesligamento das atividades obrigatO-rias acentuadas pela teorizacao.

Essa constatacdo permite-me con-cluir que a definicao de lazer propostapela teorizacao se baseia na definicaopessoal que os individuos atribuem co-tidianamente ao lazer, a partir da neces-sidade de descanso da guerra diaria pelasobreviVencia. E o que nos inquieta esta

Moiriviania

justamente al, no lugar em que ateorizacao, esquivando-se de explicitara historicidade dos sentidos institu-cionalizados do lazer, apenas repete ossentidos atribuidos a essa atividade pelosenso comum. Essa constatayao, pare-ce-me, pede a tentativa de explicaeäoteOrica do lazer como pratica socialinstitucionalizada e historicamenteconstruida.

Por sua vez, entre trabalhadoresorganizados, onde sao determinantes asdefiniciies e direcOes politicas, onde acada dia se acentua a opedo pela con-cepedo social democratica de partici-paedo dos trabalhadores na sociedade,assusta-nos que nä° tenham sido reali-zadas, ate a atualidade, uma reflexdocritica e uma direedo clara ao sentidoque aqueles pretendem dar ao seu tem-po liberado das atividades obrigatOrias.Dentro do lugar em que se propOemcolocar, a "luta de classes", os trabalha-dores organizados ainda tido deram contade realizar a critica a invasdo dopatronato ao seus tempos livres, repe-tindo, sem o menor zelo, o discurso dopatrao.

Entretanto, em um e em outrolugar, estao em construed°, na forma dafala minoritaria, outros sentidos quedizem de outra concepeao de vivenciados sentidos institucionalizados e de-terminados como existentes apenas nasatividades de lazer. E e no exato lugardesses sentidos que vemos reacesas, nateorizacao sobre o lazer e na fala detrabalhadores organizados, aquela cri-tica a desobjetivaedo do homem de simesmo e aquela necessidade de reu-niao do homem consigo mesmo quetanto Marx tentou denunciar. E e nestelugar que percebemos instalada a espe-rat-tea.

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Deiemhro, 1996

Notas

' Expressao utilizada por um sindica-lista para definir o papel da culturanos sindicatos e na vida dos trabalha-dores.

2 Centro de arquivo e catalogacao dedocumentos oriundos dos movimen-tos populares, situado em Sao Paulo.

3 Essas entidades tern o compromissode organizar, representar, defender eencaminhar as lutas dos trabalhado-res a ela vinculados.

"Contetidos Culturais no Lazer daClasse Trabalhadora", 1991, mimeo.Este primeiro trabalho foi realizadodurante o Curso de Especializacaoem Recreacao e Lazer.

5 "Primeiras reflexOes sobre a questa°do lazer no espaco sindical".Monografia de Especializacao. Cam-pinas : Unicamp, 1992.

6 "ResolucOes do 3° Congresso Naci-onal da Central Unica dos Trabalha-dores". Sao Paulo : CUT, 1988.

Forca Sindical, Central Geral dos Tra-balhadores e Uniao Sindical.

Michel Pecheux, Semantica e discur-so, Campinas : Editora da Unicamp,1988.

9 Encontramos no estatuto da CentralUnica dos Trabalhadores e nos rela-tor sobre a sua histOria a preocupacaode criar uma Unica central sindical,definindo-a como a central sindicalnacional que traria a unidade de clas-se e a possibilidade de os trabalhado-res enfrentarem o patrao em igual-dade de condicOes e de forca.

'00 esforco da metodologia da Analisede Discurso é o de comprovar queesse processo de selecao nao se (la demaneira totalmente consciente e quecompOem as escolhas e o novoconstniido aquelas posicaes que sedesejou negar. Isso é chamado pelaA.D. de esquecimentos do discurso.

" Para a compreensao das "sociedadesde discurso", ver Foucault em "A Or-dem do Discurso". Pessoalmente, en-tendo que essas leis vao send() cons-tantemente aprimoradas e redefinidasatraves da critica realizada pelos pr6-prios pesquisadores aos metodos e asverdades ja estabelecidas.

12 Valle (1988), Oliveira (1986),Magnani (1994), entre outros.

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