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WORKING PAPERS BOLETIM DE CIÊNCIAS ECONÓMICAS Marcelly Fuzaro Gullo AGÊNCIAS DE RATING E OS IMPACTOS DE SUAS ATIVIDADES SOBRE O SISTEMA FINANCEIRO MUNDIAL SÉRIE BCE 7

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KING P A P E R S

BOLETIM DE CIÊNCIAS

ECONÓMICAS

Marcelly Fuzaro Gullo

AGÊNCIAS DE RATING E OS IMPACTOS DE SUAS ATIVIDADES SOBRE O SISTEMA FINANCEIRO MUNDIAL

SÉRI

E BCE

7

(página deixada em branco propositadamente)

(página deixada em branco propositadamente)

WORKING PAPERS

BOLETIM DE CIÊNCIAS ECONÓMICAS

Marcelly Fuzaro Gullo

Agências de rating e os impactos de suas atividades sobre o sistema financeiro mundial

EDIÇÃOFaculdade de Direito da Universidade de Coimbra

Instituto Jurídico

DIREÇÃOLuís Pedro Cunha

[email protected] .pt

REVISÃO EDITORIALIsaías Hipólito

[email protected]

CONCEÇÃO GRÁFICA | INFOGRAFIAAna Paula [email protected]

CONTACTOSPátio da Universidade | 3004-545 Coimbra

[email protected]

ISBN978-989-8787-02-6

© OUTUBRO 2014

INSTITUTO JURÍDICO | FACULDADE DE DIREITO | UNIVERSIDADE DE COIMBRA

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AGÊNCIAS DE RATING E OS IMPACTOS DE SUAS ATIVIDADES SOBRE O SISTEMA FINANCEIRO MUNDIAL

Marcelly Fuzaro Gullo

RESUMO: As agências de rating nasceram da necessidade de investi-dores e negociantes obterem informações fidedignas sobre empresas e produtos financeiros na hora de tomar decisões acerca do direciona-mento de seus investimentos. O mercado financeiro atual, inclusive, é altamente dependente dos ratings. Contudo, as crises econômicas ocor-ridas nos últimos anos serviram para demonstrar que os ratings, consi-derados tão úteis e necessários, são falíveis e podem não corresponder aos verdadeiros riscos contidos nos produtos ou entes avaliados. As-sim, verifica-se que os serviços prestados pelas agências de rating mere-cem maior acompanhamento por parte de autoridades governamentais e maior regulamentação sobre seu funcionamento, a fim de que suas previsões sejam sempre as mais acuradas e possam ser utilizadas como fontes fidedignas de informação.

DESCRITORES: agências de rating; crise econômica; economia mundial; mercado financeiro.

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RATING AGENCIES AND THEIR ACTIVITIES’ IMPACT ON THE GLOBAL FINANCIAL SYSTEM

ABSTRACT: Rating agencies were born from the need of investors and traders to obtain reliable information about companies and financial products in order to take decisions on the direction of their investments. The financial market is nowadays highly dependent on ratings. However, the economic crises that occurred in the recent years have served to demonstrate that those ratings considered so useful and necessary are fallible and may not match the actual risks of the products or issuers evaluated. Thus, it appears that the services provided by rating agencies need further monitoring by the government and more regulation on its operations, so that their predictions are accurate and can be used as reliable sources of information.

KEYWORDS: rating agencies; economic crisis; global economy; financial market.

Agências de rating e os impactos de suas atividades sobre o sistema financeiro mundial

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Introdução

Desde as últimas décadas do século XX, o desenvolvimento de novas tecnologias nos setores de transporte e comunicação tem ajudado a encurtar distâncias geográficas e a intensificar, cada vez mais, o fenômeno da globalização mundial. Sob o ponto de vista mercadológico e financeiro, estas evoluções ajudaram a facilitar e a viabilizar a realização de um maior número de negócios dentro de períodos de tempo menores. Atualmente, por meio da Internet, é possível que inúmeras transações sejam realizadas sobre os mais diferentes produtos, durante 24 horas por dia, entre pessoas e em-presas situadas a quilômetros de distância, em países diferentes, sem que jamais tenham se encontrado pessoalmente.

Entretanto, neste cenário de facilidades, algumas preocu-pações pertinentes afligem os negociantes: como escolher e como confiar em uma empresa, uma instituição financeira ou em um pro-duto financeiro para celebração de um negócio? Como saber se as partes envolvidas possuem efetiva capacidade de cumprimento dos negócios celebrados e quais os riscos de incumprimento envolvi-dos?

Assim, um dos resultados da globalização econômica foi a grande valorização de empresas especializadas na avaliação do grau de fiabilidade de entes e ativos negociáveis, justamente para que os investidores e agentes de mercado pudessem ter maior informação sobre os riscos envolvidos em um negócio e probabilidades de cum-primento de pagamentos. Estas empresas, as chamadas agências de rating, passaram a desempenhar uma atividade considerada indispen-sável e de grande importância, uma vez que avaliam a qualidade de dívidas ou emitentes de dívidas e disponibilizam as notas (ratings) ao público.

A proliferação destas empresas e a necessidade de segurança por parte dos investidores contribuíram para que o mercado criasse grande dependência com relação às agências e para que seus opera-dores passassem a estabelecer padrões mínimos de ratings para rea-lização de negócios e investimentos. Com isso, grandes decisões e

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condições negociais são estabelecidas todos os dias com base nos ratings.

Entretanto, o alto poder de influência destas agências tem sido também criticado em virtude de diversas dúvidas levantadas acerca da real eficiência e acerto das classificações divulgadas, já que os ratings são capazes de gerar grandes especulações e instabilidades nos mercados. Muito se questiona sobre a verdadeira autonomia das agências, sobre os critérios utilizados nas avaliações e sobre a pos-sibilidade de estabelecimento de um padrão mínimo de regras para uniformizar o seu funcionamento e torná-las mais transparentes, questões estas que serão abordadas a seguir.

1. O trabalho das agências de rating

As agências de notação de risco, também chamadas de agên-cias de classificação de risco ou, simplesmente, agências de rating,1 são empresas privadas e independentes, especializadas na prestação de serviços profissionais de avaliação de crédito de entes emitentes de instrumentos de dívida (issuer), tais como empresas (de qualquer ramo, inclusive instituições financeiras), grupos empresariais, indi-víduos, estados federados, regiões, municípios, Estados soberanos, ou mesmo de instrumentos de dívidas, como títulos e instrumentos financeiros diversos, que são emitidos pelos citados entes e coloca-dos para negociação no mercado.

São várias as agências de rating em atividade no mundo atu-almente, sendo algumas de alcance mundial, outras de atuação na-cional, regional ou segmentar.2 Dentre tantas, destacam-se as três agências de maior atuação, com escritórios em diversos países, cujas notações são as mais acompanhadas e utilizadas como referências

1 Conforme definição contida no Regulamento (CE) n.º 1060/2009, ar-tigo 3º, n.º 1, alínea b), agência de notação de risco é “uma pessoa colectiva cuja actividade inclui a emissão de notações de risco a título profissional”. UNIãO Eu-ROPéIA. Regulamento (CE) n. 1060/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Setembro de 2009, relativo às agências de notação de risco. Disponível em: <http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:L:2009:302:0001:0031:PT:PDF>.

2 O website DefaultRisk listou, em outubro de 2011, a existência de 76 agências de rating em atividade. DEFAuLTRISk. “Credit Rating Agencies: globally”, em DEFAuLTRISk, Site Guide. October, 2011. Disponível em: <http://www.defaul-Disponível em: <http://www.defaul-trisk.com/rating_agencies.htm>.

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pelos grandes operadores. São a Standard & Poor´s3, a Moody´s4 e a Fitch Ratings5, todas sediadas nos Estados Unidos, comumente referidas pela mídia como as “três irmãs”.

As avaliações realizadas pelas agências são, geralmente, fei-tas mediante solicitação e pagamento por parte dos entes e emisso-res de títulos que desejam se mostrar ao mercado financeiro, atrair investimentos e captar recursos. 6 Assim, quando uma avaliação é

3 A Standard & Poor´s nasceu da fusão de duas agências, a Standard e a Poor´s, no ano de 1941. Mas suas origens remontam a períodos mais remotos. A Poor´s foi fundada em 1860, por Henry Varnum Poor, quando publicou o es-tudo intitulado “History of Railroads and Canals in the United States”, resultante das informações financeiras e operacionais que compilou sobre a indústria que mais movimentava capitais naquela época nos Estados Unidos: a ferroviária. Posterior-mente, o Sr. Poor formou a empresa Poor & Co. com seu filho, Henry W. Poor, e lançou publicações anuais intituladas “Poor´s Manual of the Railroads of the United States”. Estes manuais eram produzidos com a compilação de preciosas informa-ções aos investidores interessados em investir no setor ferroviário. Eram anual-mente atualizados e vendidos aos interessados. Paralelamente, Luther Lee Blake, reconhecendo a importância da existência de fontes acuradas de informações para investidores, funda a empresa Standard Statistics Bureau, no ano de 1906, e passa a publicar informações sobre outros setores industriais além do ferroviário. Após a crise de 1929 a Poor´s vai à falência e, em 1941, funde-se com a Standard Statistics Bureau, nascendo, assim, a Standard & Poor´s. Em 1966 a Standard & Poor´s foi adquirida pelo grupo Mc Graw-Hill Companies. STANDARD & POOR´S. A history of Standard & Poor´s. Disponível em: <http://www.standardandpoors.com/about-sp/timeline/en/us/>.

4 A Moody´s é a segunda agência de rating mais antiga. Foi fundada por John Moody, autor do “Moody´s Manual”, publicado em 1900, que continha infor-mações gerais e estatísticas sobre ações e obrigações de indústrias diversas. Em 1909, a Moody´s publicou também uma análise sobre o setor ferroviário, em um manual intitulado “Moody´s Analyses of Railroad Investments”. Em 1914 foi criada a Moody´s Investors Services. FINNEY, Denise. A brief history of credit rating agen-cies. Investopedia. (August 13, 2009). Disponível em: <http://www.investopedia.com/articles/bonds/09/history-credit-rating-agencies.asp#axzz2IXQE3Sba>.

5 A Fitch Ratings foi fundada por John Knowles, em 1913, publicando manuais com dados financeiros e estatísticos, intitulados “The Fitch Stock and Bond Manual” e “The Fitch Bond Book”. Denise FINNEY, ibidem. Em 1997 fundiu-se com a IBCA Limited, de Londres, e, em 2000, passou por novo processo de fusão com a Duff & Phelps Credit Rating Co., de Chicago. No mesmo ano a Fitch adquiriu a agência estadunidense Thomson Bankwatch, especializada em análises finan-ceiras. FITCH RATINGS. “Fitch Ratings”, FITCH RATINGS. Sobre a Fitch Ratings. Disponível em: <http://www.fitchratings.com.br/pages/fitch_group>.

6 Como será revisto adiante, as agências trabalham, normalmente, no

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encomendada, os avaliados são responsáveis por providenciar os documentos e informações necessárias que serão submetidos à apreciação da agência escolhida, a qual, por sua vez, empregará seus critérios e métodos próprios para emitir uma opinião ao final so-bre a qualidade de crédito.7 Contudo, há também situações em que, por interesse do mercado, as avaliações são realizadas por iniciativa e conta própria da agência, sem solicitação do emitente ou, ainda, situações em que o investidor encomenda avaliação referente a ter-ceiros Essas iniciativas são possíveis apenas quando existe informa-ção pública disponível em quantidade suficiente para viabilizar uma avaliação.

Para proceder às avaliações, as agências costumam contar com equipes técnicas especializadas, que analisam as informações disponíveis publicamente e as informações confidenciais disponibi-lizadas voluntariamente pelo avaliado, combinando-as com outros indicadores que julgarem pertinentes, e traçam um diagnóstico. A conclusão final da análise dos dados disponíveis é o que se chama de notação de risco ou rating8, que poderá versar, conforme o objeto

modelo “issuer pay”, ou seja, quando o próprio avaliado solicitada e paga pelo serviço prestado. Há, entretanto, agências que trabalham no sistema “subscriber pay”, que é quando o investidor realiza o pagamento referente à notação que será emitida com relação a terceiras empresas. Algumas agências trabalham com uma combinação dos dois sistemas.

7 Quanto à forma de cobrança pelos serviços de rating prestados pela agência, explica Carla Pedro que, “por norma, as agências de rating calculam as comissões iniciais que vão cobrar aos emitentes com base na dimensão das emis-sões. Essas comissões destinam-se a cobrir as despesas pelos serviços de arranque da atribuição de ratings e pela sua monitorização periódica. As agências podem re-ver essas comissões de tempos a tempos, devido à concorrência ou à alteração na dimensão dos seus clientes ou das emissões desses clientes, por exemplo”. Carla PEDRO, Quem atirou Portugal para o lixo? Agências de rating – o que são, como funcionam, Coimbra: Almedina, 2012, 28.

8 Conforme definição apresentada pelo Regulamento (CE) n.º 1060/2009, artigo 3º, n.º 1, alínea a), rating ou notação de risco é definida como “um parecer relativo à qualidade de crédito de uma entidade, de uma obrigação de dívida ou obrigação financeira, de títulos de dívida, de acções preferenciais ou outros instrumentos financeiros, ou do emitente de tais obrigações de dívida ou obrigações financeiras, títulos de dívida, acções preferenciais ou outros instru-mentos financeiros, emitido através de um sistema de classificação estabelecido e definido com diferentes categorias de notação”. UNIãO EuROPéIA. Regulamento (CE) n.º 1060/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Setembro de 2009,

Agências de rating e os impactos de suas atividades sobre o sistema financeiro mundial

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da avaliação, sobre o ente emitente (issuer)9 ou sobre o título emitido, indicando qual a probabilidade de cumprimento ou incumprimento (default) de obrigações financeiras assumidas. Quando o rating versar sobre o emitente, traduzirá a opinião da agência acerca de sua capa-cidade financeira, considerando sua solvabilidade e condições para cumprimento pontual das obrigações assumidas. Quando versar so-bre o título emitido, indicará a opinião da agência sobre a qualidade de uma obrigação financeira específica e sua capacidade de retorno financeiro. E para analisar os títulos, as agências avaliam, também, a solvabilidade do próprio emitente, origem da obrigação e seus ga-rantidores.

Uma vez concluídos, os ratings ganham publicidade e são disponibilizados na forma de notas aos agentes de mercado e de-mais interessados, preservando-se informações confidenciais ou es-tratégicas do avaliado. O grande objetivo da divulgação dos ratings não deve ser a indicação sobre como os operadores de mercado devem agir, mas divulgar dados que possibilitem a investidores, cre-dores e demais agentes de mercado encontrar e decidir sobre opor-tunidades de negócios de forma consciente. Assim, as informações sobre a qualidade dos entes e dos produtos financeiros avaliados devem servir como fonte fiável de informação para que os interes-sados possam utilizar as notações como um dos elementos a ser ponderado na tomada de decisões acerca de empréstimos, alocação de investimentos, cobrança de juros e precificação de instrumentos financeiros, tudo com maior planejamento, consciência dos riscos e previsibilidade futura, conforme os objetivos almejados.

Para facilitar a interpretação dos dados pelos agentes e para preservação de informações confidenciais, os ratings são ex-pressos em notas, por meio de letras, números e sinais aritméticos, cuja combinação indica sua classificação dentro de um ranking. As

relativo às agências de notação de risco. 9 Comumente, países, instituições financeiras e empresas, quando preci-

sam de dinheiro para autofinanciamento ou como forma de, simplesmente, am-pliar suas fontes, ao invés de buscarem empréstimos com instituições financeiras, buscam captar recursos por meio de “empréstimos” junto ao mercado financeiro. Para tanto, emitem títulos de dívidas e colocam-nos à venda, prometem pagar remunerações em juros anuais ou mensais e, ao fim de um período pré-determi-nado, além dos juros pagos, devolvem o montante inicialmente emprestado pelo credor.

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classificações podem apresentar escalas diferentes, segundo padrões adotados por cada agência e variações conforme sejam referentes a avaliações de curto prazo (até um ano, em média) ou de longo prazo (períodos superiores a um ano). Nas escalas de avaliações a longo prazo, por exemplo, a letra “A”, normalmente, indica uma grande capacidade de quitação de dívidas, a qual decresce conforme a clas-sificação alfabética passa para “B”, “C” ou “D”, mediante combi-nação entre letras maiúsculas e minúsculas, acréscimo dos números “1”, “2” ou “3” e sinais de soma “+” ou subtração “-”, sendo “D” equivalente a default (incumprimento).

As classificações de rating mais altas são enquadradas na categoria de “grau de investimento”, o que denota maior capacidade de solvabilidade e qualidade creditícia, ou seja, maior probabilidade de o investidor receber de volta o dinheiro investido dentro do pra-zo estipulado. Por outro lado, as classificações menores são enqua-dradas na categoria de “grau especulativo”, vulgarmente referidas como “lixo” ou “junk”, pois apresentam maiores riscos de incum-primento. Importante ressaltar, todavia, que consoante o perfil e os objetivos do investidor, nem sempre as notações com classificações mais elevadas serão as mais procuradas no momento da destinação de investimentos.

Com efeito, títulos com notas altas, por representarem um investimento de retorno certo ou quase certo, não pagam juros muito elevados. Enquanto os títulos com classificações mais bai-xas, próximas ou já dentro do nível especulativo, justamente por representarem maior risco de incumprimento, são submetidos ao pagamento de juros mais elevados, o que traduz maior rentabilida-de a credores e investidores dispostos a assumir os riscos. 10 Diante disso, alguns investidores, principalmente fundos, costumam dire-cionar determinada porcentagem de seus investimentos para títulos

10 Nesse sentido, como bem observam Isabel Alexandre e Ana Diniz, os ativos classificados em grau especulativo “não são desprovidos de valor, existindo mesmo investidores e fundos de investimento neles especializados, por aos mes-mos estarem associados, tendencialmente, a rendibilidades mais elevadas (preci-samente decorrentes da circunstância de o nível de risco associado ser superior: ‘trade off ’ entre risco e rendibilidade)”. Isabel ALExANDRE; Ana DINIz, “O Re-gulamento (CE) n.º. 1060/2009 e o problema da qualidade e da necessidade das notações de risco: o caso particular da dívida soberana (primeira parte)”, Revista do Ministério Público, 127 (jul/set. 2011) 137.

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com classificações mais baixas, justamente para buscarem usufruir da rentabilidade proporcionada.

Para melhor visualização e exemplificação das notações, suas classificações e interpretações, segue abaixo uma tabela com-parativa de escalas genéricas de rating a longo prazo utilizadas pe-las atuais agências de rating mais influentes, que são a Standard & Poor´s, a Moody´s e a Fitch Ratings. Saliente-se que as agências po-dem possuir escalas diferentes para investimentos a curto prazo e para emitentes e ativos específicos, conforme o tipo ou setor cor-respondente.

Standard & Poor´s

Fitch Ratings Moody´s Significado

Grau de Investimento Crédito de alta qualidade.

AAA AAA AaaCapacidade extremamente forte para cumprir compromissos financeiros. O mais alto índice de qualidade, com o menor risco possível de

incumprimento.

AA+

AA

AA-

AA+

AA

AA-

Aa1

Aa2

Aa3

Capacidade muito forte para cumprir compromissos financeiros. Riscos muito

pequenos de incumprimento.

A+

A

A-

A+

A

A-

A1

A2

A3

Capacidade forte para cumprir compromissos financeiros. Pequenos riscos de incumprimento.

BBB+

BBB

BBB-

BBB+

BBB

BBB-

Baa1

Baa2

Baa3

Capacidade adequada para cumprir compromissos financeiros. Riscos moderados

de incumprimento diante de condições adversas. Pode conter algumas características

especulativas.

Grau Especulativo Crédito de baixa qualidade.

BB+

BB

BB-

BB+

BB

BB-

Ba1

Ba2

Ba3

Capacidade vulnerável para cumprimento de compromissos financeiros, sujeito a condições adversas. Características especulativas, riscos

substanciais de incumprimento.

B+

B

B-

B+

B

B-

B1

B2

B3

Capacidade muito vulnerável para cumprimento de compromissos financeiros a longo

prazo, embora com aptidão para honrar compromissos financeiros atuais. Riscos altos de

incumprimento.

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CCC+

CCC

CCC-

CCC+

CCC

CCC-

Caa1

Caa2

Caa3

Capacidade atual muito vulnerável para cumprimento de compromissos financeiros,

dependente de condições favoráveis de negócios. Riscos reais de incumprimento.

CC CC CaCapacidade totalmente vulnerável para

cumprimento de negócios financeiros. O incumprimento é provável.

C

SD

C

RDC

Situação de incumprimento atual ou iminente, embora haja alguma possibilidade futura de

cumprimento, ainda que parcial.

D D DSituação de incumprimento total, com pouca possibilidade futura de cumprimento, mesmo

que parcial.

Fonte: Dados obtidos junto a documentos disponibilizados nos sites das agências Standard & Poor´s, Fitch Ratings e Moody´s, em fevereiro de 2013.11

Após a atribuição de um rating, salvo situações de análises e classificação de riscos pontuais, a agência continua responsável por monitorar e revisar o rating atribuído. Assim, diante da verificação de ocorrência de variáveis relevantes e compatíveis com os critérios de avaliação já utilizados, capazes de influir no resultado anteriormente atingido12, a agência poderá elevar (upgrade) ou diminuir (downgrade) a classificação do ente ou do título, atribuindo-lhe uma nova notação que será divulgada ao público. Poderá também, ao invés de alterar o rating, apresentar perspectivas de outlooks, ou seja, indicativos de que, em uma nova avaliação nos próximos 6 ou 24 meses, um determina-do rating tende a evoluir de forma negativa ou positiva, piorando ou melhorando sua classificação, ou mantendo-se estável.

Um rating também pode ser colocado em posição de “credit

11 As simbologias, critérios e definições utilizadas pelas três principais agências de rating do mundo estão disponibilizadas na Internet, em seus respec-tivos sites.

12 A agência Fitch Ratings aponta que seus analistas “iniciarão uma revi-são de rating sempre que se tornarem cientes de qualquer informação comercial, financeira, operacional e de qualquer outra que julgarem que possam razoavel-mente resultar em ação de rating, consistentes com os critérios e metodologias relevantes. Por exemplo, uma deterioração operacional ou fiscal, aquisição, alie-nação ou anúncio de uma grande recompra de ações podem levar a uma revisão imediata de rating”. FITCH RATINGS. O processo de rating. 2 de dezembro de 2011. Disponível em: <http://www.fitchratings.com.br/system/pages/256/O_Pro-cesso_de_Rating.pdf>.

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watch”, “under review” ou “rating watch”, o que significa que está sob revisão em função de a agência ter identificado circunstâncias que poderão elevar ou diminuir a atual classificação em um curto pra-zo (entendido, normalmente, como nos próximos 3 meses). Nada impede, todavia, que ao final do período de revisão a curto prazo o rating original seja mantido.

Ademais, considerando que cada agência de rating conta com metodologias próprias para realização das classificações, a notação atribuída por uma agência para um mesmo ente ou produto finan-ceiro avaliado poderá ser diferente da notação atribuída por outra agência. Por óbvio, os resultados da avaliação de cada agência não devem ser muito discrepantes, mas eventuais variações são possíveis, o que faz com que os investidores tenham que interpretar os resulta-dos com base em sua experiência e dados estatísticos anteriores.

2. O mercado financeiro global

Como visto, as opiniões emitidas pelas agências de rating são utilizadas pelos diversos operadores de mercado para tomarem suas decisões de investimentos e captação de recursos. E para uma me-lhor compreensão de como os ratings podem impactar o mercado financeiro mundial, é preciso que algumas características das estru-turas deste atual mercado sejam ressaltadas.

O grande tráfego de informações facilitado pela Internet foi um dos responsáveis pela aproximação de operadores do mercado financeiro, por ter facilitado a comunicação e contribuído para a atração de um maior número de perfis de investidores, provenientes de todas as partes do globo. A tecnologia na área de computação e finanças, aliás, também incentivou a criação de novos produtos financeiros, mais complexos e variados, como forma de fomentar o mercado. Mas além dos meios de comunicação e tecnologia, outras variáveis contribuíram para o surgimento de um mercado financeiro global.

Como bem sintetizado por António José Avelãs Nunes, o paulatino processo de “desintermediação” das bancas nos mecanis-mos de concessão de crédito, a “descompartimentação” dentre os diversos mercados, transformados em um mercado único, e a “des-regulamentação” dos movimentos de capital foram os três pilares

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essenciais ao processo de globalização financeira e criação de um mercado único de capitais à escala mundial, consagrando o princí-pio da liberdade de circulação de capitais por todo o mundo.13

Os contornos deste cenário foram favorecidos pelas políti-cas neoliberais adotadas após a Segunda Guerra Mundial, quando o mercado começou a funcionar com a integração total dos mercados monetário, financeiro, cambial e de capitais. Houve o abrandamento de controle e fiscalização da atividade dos mercados pelas autori-dades nacionais. Grandes empresas de diversos segmentos produ-tivos, inclusive bancos e instituições financeiras, investiram na sua internacionalização (por meio do estabelecimento de filiais, fusões, aquisições, formações de joint-ventures, etc.), passando a atuar, simul-taneamente, em diversos países.

A integração dos mercados favoreceu a aproximação entre os diversos operadores que passaram a ter acesso direto ao merca-do financeiro global sem precisarem de recorrer à intermediação dos bancos para obtenção de créditos e financiamentos. Atividades específicas que antes eram reservadas às caixas de depósitos, aos

13 Conforme muito bem delineado por António Avelãs Nunes: “A desin-termediação traduz-se na perda de importância da tradicional intermediação da banca nos mecanismos do crédito. Os grandes investidores institucionais (segu-radoras, bancos, fundos de investimento, fundos de pensões e mesmo os Tesou-ros nacionais de alguns países) têm acesso direto e em tempo real aos mercados financeiros de todo o mundo para a colocação dos fundos disponíveis e para a obtenção de crédito, dispensando o recurso aos intermediários financeiros e evitando os respetivos custos de intermediação (o financiamento direto e o auto--financiamento substituem o financiamento indireto, intermediado pela banca). A descompartimentação significa a perda de autonomia de (a abolição das ‘fron-teiras’ entre) vários mercados até há pouco separados (mercado monetário, mer-cado financeiro, mercado de câmbio, mercados a prazo) e agora transformados em um mercado financeiro único, não só à escala de cada país mas também à escala mundial. A desregulamentação consiste na plena liberalização dos movi-mentos de capitais, processo que teve início nos EUA nos anos 70 do século passado, prosseguindo de imediato com a abertura do sistema financeiro japonês em 1983/84 (em grande parte por imposição dos EUA), o desmantelamento dos sistemas nacionais de controlo de câmbios na Europa (nomeadamente com a criação do Mecanismo de Taxas de Câmbio do Sistema Monetário Europeu e a liberalização completa dos movimentos de capitais, no início da década de 1990) e a liberalização imposta aos países da Europa Central, da América Latina e da Ásia do Sudoeste”. António José Avelãs NuNES, “Uma leitura crítica da atual crise do capitalismo”, Boletim de Ciências Económicas, LIV(2011)9-11.

Agências de rating e os impactos de suas atividades sobre o sistema financeiro mundial

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bancos comerciais e aos bancos de investimentos passaram a ter seu exercício permitido a instituições financeiras diversas, assim como os bancos passaram a exercer funções múltiplas (banco universal) que englobam atividades de captação de depósitos, manutenção de contas correntes, concessão de créditos e financiamentos, partici-pação em mercados de câmbio, títulos públicos e privados, valores mobiliários e mercados futuros, mercados de seguros e gestão de carteiras de investimentos.14 A maior liberdade concedida a bancos e instituições financeiras favoreceu, também, o desenvolvimento de novos e diversos produtos financeiros, criados a partir da titulariza-ção de créditos e negociados em bolsas de valores, especialmente os produtos derivativos15.

A ampla criação de novos produtos financeiros, cujas negociações em massa foram facilitadas pela liberdade na mo-vimentação de capitais, contribuiu para o processo de “financeiriza-ção” da economia, com a atração contínua de um número cada vez maior de investidores interessados não em investir de forma direta e empreendedora para movimentar a economia real, mas na obten-ção de lucro rápido e fácil, investindo em ativos virtuais capazes de valorizar o capital investido a curto prazo. O comportamento destes investidores acaba por interferir na estabilidade da economia, nas taxas de juros e câmbio e gerar especulações diante das diversas oportunidades de lucro fácil acionáveis por meio de produtos co-locados à disposição do mercado. Tais perspectivas proporcionadas

14 Avelãs Nunes atribui o início da política desregulamentadora de mer-cado ao governo Carter, nos EUA, empregada na exploração de rotas da aviação comercial. Posteriormente, o governo de Bill Clinton autorizou que as atividades desenvolvidas por bancos comerciais e por bancos de investimento, que antes eram obrigatoriamente separados por força de lei, pudessem ser reunidas, origi-nando grandes bancos especializados nos mais diversos serviços financeiros. An-tónio José Avelãs NuNES, “Uma leitura crítica da atual crise do capitalismo”, 15.

15 Os derivativos são produtos financeiros que resultam de estruturações e combinações complexas, cujos valores derivam de um ou vários ativos subjacen-tes (como por exemplo, valor de uma matéria prima, um crédito, taxa de câmbio ou juros), amplamente utilizados no mercado futuro para redução de riscos de-correntes da instabilidade de taxas de juros e de câmbios, em operações diversas. São vistos como um dos vilões da estabilidade financeira porque os valores utili-zados para sua negociação no mercado são calculados com base em previsões ou suposições futuras acerca do rendimento ou prejuízo que um instrumento poderá causar ao seu investidor, gerando, portanto, grande especulação.

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pelo sistema contribuíram para o nascimento da expressão “econo-mia de casino”, uma vez que os investidores que buscam tão somen-te o lucro, sem efetivamente contribuir para a movimentação dos setores produtivos em concreto, assumem os riscos (contam com a sorte) e utilizam elevadas quantias em dinheiro para investir em produtos financeiros que prometem retorno alto e em curto prazo.

Ademais, a criatividade humana e a facilidade do mercado para gerar novos produtos financeiros, resultam na criação de ativos financeiros tão complexos que, por vezes, até mesmo os investi-dores mais experientes enfrentam dificuldades para identificar sua essência. Da mesma forma, as agências de rating podem não conse-guir identificar os verdadeiros riscos implícitos em uma determinada operação caso seus emitentes (issuers) não forneçam informações detalhadas sobre a origem, processo de formação e lastreamento.

Deste cenário afere-se que, embora a integração dos mer-cados globalizados em um mercado financeiro internacional único possa ter favorecido a ampliação do volume de negócios realizados diariamente, por outro lado, a integração e interdependência trazem também uma grande desvantagem, que é a maior exposição do mer-cado aos efeitos de uma crise. Os mercados interligados expõem a estrutura geral a uma grande vulnerabilidade, uma vez que qual-quer instabilidade ou rumor de instabilidade iniciados em qualquer ponto poderá espalhar-se rapidamente, atingindo a estrutura como um todo. Ocorrerá especulação e comportamento mimético (com-portamento de grupo ou herd behaviour) por parte dos agentes, pois todos desejarão estancar ou reduzir qualquer possível impacto sobre seu patrimônio investido e procurarão agir conforme as tendências anunciadas.

Com efeito, uma situação de grande iliquidez ou falência, de um grande banco, por exemplo, afetará todos os demais bancos e credores solventes com os quais mantinha negócios e que, por sua vez, poderão ter sua solvabilidade prejudicada, principalmente se outros negócios tiverem sido realizados com lastro na dívida original que não poderá ser cumprida. Tal situação gerará grande realocação de investimentos no mercado financeiro, especulação e instabilida-des. E afetará, obviamente, os consumidores primários dos serviços bancários essenciais, que são os correntistas e os poupancistas.

Por isso, dentro de um cenário tão integrado, os diversos

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atuantes no mercado valorizam as informações, as quais podem cumprir um papel essencial para identificação de eventuais instabi-lidades ou previsão de instabilidades, o que lhes permitiria agir de forma melhor planejada, protegendo-se contra possíveis prejuízos. É neste contexto que os ratings e as agências de rating ganham desta-que e importância.

Ainda que as opiniões emitidas pelas agências possam não ser sempre coincidentes, os ratings e revisões de outlook cumprem, te-oricamente, o papel de servir como indicativos, tendências ou ates-tados de qualidade, visando diminuir incertezas e criar maior con-fiança entre os operadores do mercado. Muito embora, como será retomado adiante, questiona-se se as agências de rating conseguem mesmo cumprir este papel e se as informações que disponibilizam são realmente úteis ao bom desenvolvimento da economia mundial.

3. Efeitos práticos causados pelos ratings sobre o mercado financeiro globalizado

Os ratings emitidos pelas agências cumprem uma função in-formativa. Por meio dos ratings o mercado fica servido de maiores informações acerca da qualidade de títulos e solvabilidade de emi-tentes, favorecendo, supostamente, maior transparência a todos os seus operadores, sejam grandes ou pequenos investidores, situados em qualquer ponto do planeta, capazes de acessar as informações disponibilizadas pela Internet ou por meio de corretoras. Muitos investimentos e negócios são normalmente decididos conforme as notações.

Tanto um rating como suas eventuais revisões podem trazer grandes reflexos para o mercado financeiro, capazes de influenciar os preços das ações e demais ativos negociados em bolsas de valo-res, de gerar mudanças de comportamento e revisão de destinação de investimentos por parte de seus operadores. No atual mercado fi-nanceiro integrado, os anúncios de rating, uma vez disponibilizados, tornam-se rapidamente acessíveis e conhecidos. Evidentemente, a divulgação de ratings referentes a grandes entes atuantes no mercado ou a ativos negociados em larga escala, possui maiores repercussões e maior capacidade de impactar positivamente ou negativamente, provocando ascensões ou recessões econômicas.

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Para um ente ou emissor de títulos é fundamental ser bem avaliado para que tenha maior facilidade na captação de recursos. Tratando-se de um novo atuante no mercado, uma boa avaliação inicial é quase que indispensável, para sua melhor inserção e sucesso perante investidores.

Como já visto, a obtenção de um rating alto indica maior solvabilidade e certeza de cumprimento, o que implica na imposi-ção ao pagamento de juros menores, já que seu risco de incumpri-mento será pequeno. Títulos com rating em grau de investimento costumam ser, inclusive, aceitos como garantias em contratos de empréstimos e financiamentos, principalmente quando representa-rem a classificação máxima de um “triplo A”. Ao revés, um rating baixo indica menor solvabilidade e maior incerteza de cumprimento, o que submete o emitente de títulos ao pagamento de juros maiores para conseguir colocar seus ativos no mercado.

Entretanto, uma vez divulgado o rating, o emitente avaliado ou o ativo emitido continuam sob a atenção das agências, as quais, por sua vez, fazem o monitoramento periódico para atualização das classificações e verificam se o rating atribuído deve ser mantido ou se deverá ocorrer um upgrade, quando o emitente consegue corrigir falhas apontadas pela agência, ou um downgrade, nos casos em que o emitente não consegue manter as mesmas condições financeiras de antes.

Comumente, divulgações de downgrade tendem a causar maiores impactos no mercado do que divulgações de upgrades. Com efeito, a divulgação de um downgrade abrupto de um determinado ati-vo poderá, por exemplo, fazer com que os investidores que os dete-nham queiram se desfazer destes instrumentos condenados o mais rápido possível, iniciando uma grande movimentação de vendas no mercado, estimulando reações em cadeia. Outros investidores que detenham os mesmos ativos ou ativos semelhantes, emitidos pelo mesmo emitente ou por outros emitentes, seguindo a tendência e temendo o não cumprimento dos pagamentos, procurarão fazer o mesmo. Simultaneamente, os preços destes ativos despencam em cotação. Até mesmo os emitentes dos títulos que sofreram o down-grade poderão acabar tendo seus próprios downgrades revistos.

Outra conseqüência comum do anúncio de downgrades é a resolução de cláusulas contidas em contratos de fundos de investi-

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mentos. Isto ocorre porque as classificações de rating costumam ser utilizadas nestes contratos como critério para seleção de ativos para os quais os investimentos do fundo deverão ser direcionados, ado-tando uma delimitação de qualidade mínima, justamente para que o investidor tenha uma certa previsibilidade acerca da segurança e riscos envolvidos.16

A divulgação de um rating de downgrade em ativos contidos na carteira de um fundo de investimentos, cujo nível tenha descido a uma classificação inferior àquela estabelecida no contrato, obrigará os gestores do fundo a venderem esses ativos para substituí-los por ou-tros que atendam às especificações do contrato, o que nem sempre é possível. Paralelamente, os investidores que colocam dinheiro nestes fundos, temendo perder dinheiro e exercendo o direito previsto na cláusula resolutiva, poderão exigir os valores investidos de volta. Se vários outros investidores seguirem a mesma conduta, o fundo per-derá seus recursos e sua solvabilidade, ficará em situação de incum-primento perante outros negócios, fundos e instituições financeiras com os quais tenha também contratos (os quais, por sua vez, poderão também ter sua solvabilidade prejudicada perante outros fundos e outras instituições com as quais possuam outros contratos), além de cair em descrédito para concretização de negócios futuros, gerando um inevitável efeito de incumprimentos e quebras em cascata.

16 Para visualização da maneira como os contratos de investimentos uti-lizam e são dependentes dos ratings, interessante a leitura dos diversos prospectos disponibilizados na Internet pelas instituições bancárias e grupos de investimentos acerca das regras que utilizam para seleção dos investimentos. A título de exemplo, o Grupo Caixa Geral de Depósitos, no prospecto de um Fundo de Pensões Aber-to demonstra que direciona seus investimentos conforme os ratings, destacando, em suas condições, que “[…]. A contraparte será uma entidade sediada na União Européia ou na OCDE, sujeita a regime de supervisão prudencial e com rating igual ou superior a BBB ou equivalente. A exposição a um único emitente de dívida pública não poderá exceder o limite de 20% do Fundo, com excepção dos casos em que o emitente tenha rating superior a A- ou equivalente, em que a exposição poderá exceder esse limite até um máximo de um terço do Fundo. As obrigações adquiridas deverão ter um rating mínimo de Investment Grade ou equivalente. […]. As obrigações adquiridas deverão ter um rating mínimo de Investment Grade ou equi-valente. Poderá no entanto existir até ao limite de 5% da carteira total, o investi-mento em obrigações de rating inferior a Investment Grade”. CDG PENSõES. Prospecto Simplificado. Caixa Reforma garantida 2022. 26 de Novembro de 2010. Disponível em: <http://www.cmvm.pt/CMVM/SDI/Fundos%20de%20Investimento%20--%20Gestao%20de%20Activos/Documents/_7_crg_ps_20101126.pdf>.

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Mais um reflexo temido pelo anúncio de downgrade de ativos é a limitação de acesso ao crédito. Normalmente, as instituições fi-nanceiras aceitam a utilização de ativos como garantia (colateral) de dívidas, desde que estes ativos estejam classificados com ratings em grau de investimento, preferencialmente classificação máxima “tri-plo A”.

Não obstante todas as conseqüências desestabilizadoras de um downgrade, a situação tende a ser pior quando referente a ratings soberanos. Em um recente estudo intitulado “Sovereign Rating News and Financial Markets Spillovers: Evidence from the European Debt”, os autores Arezki, Candelon e Sy constatam que o impacto de um anúncio de rating será maior ou menor conforme o tipo (se for um anúncio de downgrade, de upgrade ou uma revisão de outlook), o país17 que estiver experimentando o anúncio e conforme a agência de ra-ting que tiver divulgado a informação,18 sendo que os anúncios rea-lizados pela Standard & Poor´s são os que causam maior impacto, seguidos pelos anúncios da Moody´s e da Fitch Ratings.19

Os autores ressaltam que o elevado grau de inter-dependência existente entre os mercados e diferentes países que os abrigam, ajudam a ampliar os canais de acesso e transmissão.20 As-

17 Os autores dividiram o estudo por região, considerando os efeitos de um anúncio referente a países da zona do Euro, os países do Leste Europeu e da Europa periférica (compreendida por países da região báltica e da Ásia central): “on average, rating announcements originating from Euro zone countries have a more systematic spillover-effect across the countries under consideration. When comparing the average coefficient, news originating from Eastern European countries and peripheral Europe are lower than the coefficients associated with Euro zone rating announcements. We also find that countries like the France, Netherlands and Germany are subject to spillovers from news originating from Eastern Europe and peripheral Europe suggesting that banking linkages between countries play a key role in the transmission channels of sovereign news”. Rabah AREzkI; Bertrand CANDELON; Amadou N. R. SY, Sovereign rating news and financial markets spillovers: evidence from the European debt crisis. IMF Working Paper WP/11/68. Monetary and Capital Mar-kets Department and IMF Institute. (March, 2011) 18. Disponível em: <http://www.imf.org/external/pubs/ft/wp/2011/wp1168.pdf>.

18 O estudo considera como explicação plausível para este fato a anterio-ridade de existência das agências Standard & Poor´s e Moody´s em comparação à Fitch Rating. Ibidem, 19.

19 Ibidem, 15 e seguintes.20 De acordo com o estudo, a identificação destes mercados permite

maior compreensão e discriminação dos impactos de cada anúncio de rating per se

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sim, um anúncio de downgrade emitido sobre um determinado país europeu dificilmente ficará circunscrito ao mercado financeiro deste país, podendo afetar todos os demais países europeus. No caso es-pecífico da Europa, a integração existente na Comunidade Européia e a interdependência entre os diversos mercados, aliadas ao fato de que os bancos nacionais detêm substanciais montantes de dívida soberana externa21 deixam nítida a capacidade de difusão e contágio das conseqüências de um anúncio de rating soberano, especialmente se for um anúncio de rebaixamento. A título de exemplo, mencio-nam o caso da Grécia, que recebeu o maior número de anúncios entre o período de abril de 2007 a 2010, seguida pela Islândia, Ir-landa, Portugal e Espanha. O anúncio mais drástico sobre a Grécia ocorrido até a conclusão daquele trabalho havia sido um downgrade de seu rating soberano de A- para BBB+, proferido pela Fitch Ra-tings, em dezembro de 2009, o qual resultou em efeitos de contágio por todos os países da zona euro.22 Estima-se que este downgrade tenha contribuído para o aumento de 17 pontos base nos valores dos CDS (Credit Default Swaps)23 da Grécia e de outros países da zona

e a forma como o processo de difusão do rating e suas conseqüências acontecem, considerando as relações estruturais entre os mercados. Como exemplos, são cita-Como exemplos, são cita-dos os casos da Espanha e dos Países Baixos no contexto atual: “For instance, we observe for Spain that an increase in CDS sovereign spread leads to a decline in stock market performance including in the insurance and banking markets but not the other way around. In contrast, in the Netherlands, an improvement in the performance in the banking sub-index leads to a decrease in CDS sovereign spread while in Italy, the performance in the insurance sub index and CDS sovereign spread affect each other in both directions”. Ibidem, 14.

21 Para maiores informações sobre a detenção de títulos de dívida so-berana por bancos, consultar o estudo: Adrian BLuNDELL-WIGNALL; Patrick SLOVIk, “The EU Stress Test and Sovereign Debt Exposures”, OECD Working Papers on Finance, Insurance and Private Pensions, 4, OECD Publishing. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1787/5km7vxjwzhd4-en>.

22 Após a conclusão do trabalho de Arezki, Candelon e Sy em março de 2011, a Grécia ainda sofreu sucessivos downgrades, tendo atingido a classificação C pela Fitch Ratings, em 22/02/2012.

23 A sigla CDS refere-se a Credit Default Swaps, que são, de forma su-cinta, instrumentos financeiros derivados, utilizados como seguros contra o in-cumprimento de uma dívida por um devedor. Os valores dos CDS são medidos em pontos base e costumam servir como indicativo do risco da dívida soberana. Quanto maior o risco, maior o valor do CDS. Em um documento organizado pelo Departamento de Relacionamento com Investidores e Estudos Especiais (Gerin) do Banco Central do Brasil, o conceito de CDS e seu papel indicador são

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euro, como os CDS da Irlanda, que subiram em 5 pontos base. Para comparação, no caso da Islândia, os efeitos do downgrade que lhe foi atribuído em novembro de 2008, foram sentidos sobre o mercado de ações austríaco e sobre os setores bancário e de seguros, sem atingir, todavia os CDS soberanos. Já o anúncio de downgrade da Ro-mênia, em outubro de 2008, repercutiu sobre os CDS soberanos e mercados de ações dos Países Baixos e Áustria. 24

Assim, nítido está que a gravidade e alcance das consequên-cias estão diretamente ligados às variantes mencionadas: tipo de anúncio, país avaliado e agência avaliadora. Embora o citado estudo tenha sido realizado com enfoque no rating soberano, ressalte-se que a análise destas variantes aplica-se também aos demais ratings refe-rentes a emitentes e ativos.

Como se vê, a opinião emitida por uma agência pode ser de grande ajuda para o crescimento e enriquecimento de um ente ou tí-

didaticamente explicados da seguinte forma: “O CDS é um contrato bilateral que permite ao investidor comprar proteção para crédito específico contra evento de crédito do emissor de determinado ativo. O emissor é conhecido como entidade de referência. Um evento de crédito (default) inclui ocorrências tais como inadim-plência, falha em pagamentos, reestruturação de dívida ou falência do emissor do ativo. Para adquirir essa proteção, o comprador faz pagamentos periódicos ao vendedor, normalmente trimestrais ou semestrais, especificados como porcen-tagem do principal. Essa porcentagem é conhecida como spread, prêmio ou taxa fixa, e representa, para o investidor em ativo de risco, o custo para a proteção contra um evento de crédito relacionado com o emissor do ativo”. Explica ainda o documento que “O prêmio do CDS funciona como medida de risco de crédito da entidade de referência e é cotado em pontos-base”. Assim, por exemplo, se um investidor comprar proteção contra um evento de crédito para US$100 milhões em ativos soberanos por 5 anos (CDS 5Y), com prêmio anual de 200 pontos-base, fará pagamentos periódicos de US$2 milhões ao vendedor da proteção. “Esses pagamentos são feitos até o vencimento do contrato ou a insolvência do emissor – o que ocorrer antes. Se não houver insolvência, o contrato se encerra no seu vencimento sem troca de fluxo de caixa. No caso de insolvência, o vendedor da proteção paga ao comprador um montante que compense as perdas resultantes do evento, imunizando o risco de crédito. Quanto maior a probabilidade de falên-cia, maior será o prêmio do CDS, funcionando como medida de risco de crédito da entidade de referência”. BANCO CENTRAL DO BRASIL. Risco-País. Série perguntas mais freqüentes, (Janeiro de 2012) 11-12. Disponível em: <http://www4.bcb.gov.br/pec/gci/port/focus/FAQ%209-Risco%20Pa%C3%ADs.pdf>.

24 Rabah AREzkI; Bertrand CANDELON; Amadou N. R. SY, Sovereign rating news and financial markets spillovers: evidence from the European debt crisis, 10-16.

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tulo, mas também pode gerar instabilidades financeiras, impulsionar crises e falências dentro do sistema financeiro. É justamente o gran-de poder que as opiniões emitidas por uma agência de rating podem ter sobre o comportamento do mercado financeiro que tem atraído tanto a atenção, críticas, questionamentos, estudos e notícias jorna-lísticas sobre a atuação e papel desempenhados por estas empresas, sobretudo porque nem sempre as avaliações de risco mostram-se acertadas.

Um exemplo clássico a ser ilustrado são as classificações di-vulgadas pelas agências no período que precedeu a crise anunciada nos Estados Unidos, em 2007, envolvendo os títulos subprime (crédi-tos de alto risco) e a falência do banco Lehman Brothers, cujos efei-tos contagiaram todo o sistema financeiro mundial. Recebeu grande destaque o fato de que, semanas antes da grande crise, as principais agências do mundo não foram capazes de alertar os investidores acerca da podridão dos títulos subprime, classificando com boas no-tas aqueles que, posteriormente, foram reconhecidos como alguns dos principais gatilhos da crise. Desde então, o papel das agências, assim como a fidedignidade de seus ratings e capacidade de acerto passaram a ser questionados.

4. A crise do subprime e o destaque (negativo) adquirido pelas agências de rating

A crise financeira anunciada em 2007, também conhecida como crise do subprime, teve seu embrião formado durante o boom do mercado imobiliário nos Estados Unidos, culminando com a falência de grandes instituições de crédito estadunidenses e cujos efeitos foram sentidos em todo o mundo. Com a alta do valor dos imóveis, fenômeno este que vinha sendo observado desde o pe-ríodo pós-Segunda Guerra e que acentuou-se nos anos de 1997 a 200625, somado à baixa nas taxas de juros instaurada pelo governo

25 Borça Junior e Torres Filho verificaram que “o mercado imobiliário norte-americano atravessou seu mais longo período de valorização em 5 déca-das. Entre 1997 e 2006, os preços dos imóveis se elevaram de forma contínua, chegando mesmo a triplicar de valor”. Gilberto Rodrigues BORçA JuNIOR; Ernani Teixeira TORRES FILHO, Analisando a crise do subprime”, Revista do BNDS. Rio de Janeiro, v. 15, 30 (dez/2008) 134. Disponível em: <http://www.bndes.gov.br/Si-teBNDES/export/sites/default/bndes_pt/Galerias/Arquivos/conhecimento/revista/rev3005.pdf>.

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de George W. Bush no ano de 200126, como forma de incentivar a produção, consumo e crescimento da economia, o mercado de cré-dito hipotecário tornou-se bastante aquecido.

Diante deste cenário favorável, as instituições financei-ras resolveram expandir seus negócios e passaram a buscar novos clientes, inclusive, dentre os menos favorecidos economicamente, concedendo empréstimos hipotecários indistintamente, sem exigên-cias de garantias mínimas por parte dos mutuários, e cobrando, em contrapartida, juros mais elevados. Estes empréstimos, concedidos a indivíduos já endividados, desempregados, sem bens ou compro-vação de poupanças que pudessem ser utilizados como garantias, passaram a ser conhecidos como empréstimos subprime loan ou sub-prime mortgage, ou simplesmente, “subprime”, justamente porque eram concedidos sem que as pessoas precisassem comprovar a reunião de garantias mínimas de que conseguiriam honrar o seu pagamen-to futuro. Em razão destas características, os empréstimos subprime hipotecários eram referidos no mercado como créditos “NINJA”27, em alusão ao fato de que os mutuários tinham grande facilidade em obtê-lo pois não precisavam comprovar renda (No Income), nem em-prego (No Job), nem a propriedade de ativos ou depósitos bancários (and Assets), embora estivessem sujeitos ao pagamento de juros mais elevados.

Assim, as instituições financeiras passaram a contar com car-teiras de clientes classificados dentro das categorias: prime (clientes de rendimentos elevados, com garantias e grande probabilidade de cumprimento de suas obrigações financeiras), Alt-A ou Alternative paper (clientes intermediários, com média probabilidade de cumpri-mento de suas obrigações financeiras) e subprime. Várias instituições

26 Principalmente após os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, que afetaram a atividade de vários setores da economia. No início de 2001 as taxas de juro eram da ordem de 6,5%. Até o final do ano a Federal Reserve (Fed) efe-tuou onze reduções, sendo que a última, em dezembro, fixou as taxas em 1,75%. Em 2002 as taxas foram reduzidas para 1,25% e, em 2003, atingiram 1% - a me-nor taxa de juros dos últimos 45 anos. Carla PEDRO, Quem atirou Portugal para o lixo? Agências de rating – o que são, como funcionam, 41-42.

27 A palavra “NINJA” é o acrônimo resultante da afirmação de que as concessões dos créditos subprime eram realizadas sem a exigência de comprovação de renda, trabalho e propriedades pelo tomador. A junção das iniciais das palavras na expressão em inglês “No Income No Job and Assets” resulta no termo NINJA.

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financeiras estadunidenses acompanharam esta prática devido à in-terpretação de que, embora individualmente analisados os créditos subprime apresentassem elevados riscos de incumprimento, em uma perspectiva coletiva os riscos pareciam diluídos dentre os diversos empréstimos concedidos aos clientes prime e Alt-A. Com efeito, à exceção dos subprimes, muitos empréstimos hipotecários eram ga-rantidos com as próprias casas dos mutuários e, ante a regular alta do valor dos imóveis, as instituições financeiras contavam que, em casos de incumprimento do empréstimo, poderiam executar e ven-der os imóveis dados em garantia para, assim, obterem lucro.28

Além disso, para diluir ainda mais os riscos dos créditos sub-primes, as instituições financeiras promoviam a titularização (securiti-zação) destes contratos de dívida, fracionavam os títulos e vendiam--nos no mercado internacional como estratégia para fazer um fluxo de caixa instantâneo, já que os empréstimos originais eram conce-didos com prazo de quitação médio de trinta anos. Estas frações eram combinadas com outras de créditos subprimes e de recebíveis diversos e agrupadas em cotas (tranches) para formar os mais va-riados instrumentos financeiros que seriam destinados à negociação no mercado.

Considerando as especificidades dos créditos originais con-tidos em cada cota, as agências de rating, nomeadamente a Standard & Poor´s, Moody´s e Fitch Ratings, classificavam esses ativos con-forme riscos de inadimplência, probabilidades de perdas e taxas de retorno. As tranches consideradas Seniores eram classificadas com ratings “triplo A” e vendidas diretamente a investidores, especialmen-

28 Conforme dados levantados por Borça Junior e Torres Filho, o merca-do de financiamento imobiliário estadunidense movimentou uma taxa média anu-al de US$ 3 trilhões em novas operações entre 2001 e 2006, tendo atingido quase US$ 4 trilhões em 2003. Especificamente no que se refere às hipotecas subprime, houve grande intensificação de sua emissão no ano de 2003, sendo que, ao fim de 2006, o volume de emissões desta operação atingiu o valor de US$ 600 bilhões, representando 20% do mercado total de novas hipotecas. Destas novas hipotecas subprime emitidas, o percentual securitizado saltou de 50,4% para 80,5% durante o período de 2001 a 2006, o que equivale a um salto de US$ 95 bilhões para US$ 483 bilhões. De acordo com dados levantados pelos autores, o que sustentou o ciclo imobiliário expansionista até o ano de 2006 foram os créditos subprimes, tan-to pelas novas emissões quanto pelo processo de securitização destes contratos. Gilberto Rodrigues BORçA JuNIOR; Ernani Teixeira TORRES FILHO, “Analisando a crise do subprime”, 136-137.

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te investidores institucionais como fundos e companhias de segu-ros. Outras tranches consideradas de risco intermediário, Mezzanine, com classificações entre AA e BB, eram também adquiridas por in-vestidores institucionais e hedge funds, ou, em conjunto com as tran-ches de pior qualidade (também chamadas de “patrimônio líquido”, “equity”, “junk”, “toxic waste” ou lixo tóxico) eram combinadas com outros tipos de títulos e transformadas em derivativos de crédito diversos que diluíam os riscos e melhoravam suas classificações.29 30 31

Para as instituições financeiras que concediam os emprés-timos hipotecários, a primeira grande vantagem destes processos de titularização era obter um fluxo de caixa instantâneo ao invés de precisar aguardar anos até o cumprimento dos contratos. Além disso, ao titularizarem créditos, a parcela titularizada era removida de seus balanços. E ao venderem os títulos, passavam adiante os riscos associados aos empréstimos, dividindo-os com todo o merca-do. Esta estratégia bancária de criar títulos lastreados em dívidas, no caso, em dívidas de contratos de crédito hipotecário, e distribuir os riscos entre investidores é o que a economia chama de “Originate and Distribute” ou “Originar e Distribuir”.32

29 Ibidem, 136-137.30 As taxas de rendimento de cada tipo de ativo formado eram propor-

cionais aos riscos de perdas implícitos. Quanto mais elevada sua classificação, menores as taxas de juros e, portanto, menor lucro ao investidor. Quanto menor a classificação, maiores as taxas de juros pagas e, portanto, maior lucro ao inves-tidor.

31 Cintra e Cagnin esclarecem que uma significante parte das tranches contendo créditos subprime foram para fundos de investimento da Coréia, Taiwan, Austrália, China, França, Alemanha, Reino Unido, dentre outros. Qualquer dívi-da estadunidense classificada com grau de investimento naquela época possuía ordem de compra nas mesas de operação dos bancos de Wall Street. Marcos Antonio Macedo CINTRA; Rafael Fagundes CAGNIN, “Evolução da estrutura e da dinâmica das finanças norte-americanas”, Econômica. Rio de Janeiro, v. 9, 2 (dez/2007) 319. Disponível em: <http://www.proppi.uff.br/revistaeconomica/sites/default/files/V.9_N.2_Marcos_Cintra__Rafael_Cagnin.pdf >.

32 Charles Goodhart ressalta que o modelo bancário de “Originar e Dis-tribuir” acaba tornando o banco menos preocupado com a qualidade do crédito criado e com a verificação das condições dos mutuários durante o curso do em-préstimo, uma vez que, após a securitização, estes créditos já não se encontravam mais em seus livros. Charles A. E. GOODHART. The regulatory response to the financial crisis. Cheltenham: EE, 2010, 16.

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Assim, diversos títulos e derivativos foram originados com lastro nestas operações subprime duvidosas e distribuídos (negocia-dos) largamente,33 disseminando os riscos e inflando a bolha do mercado imobiliário com os créditos hipotecários e suas securitiza-ções. Investidores, fundos de investimentos, bancos e instituições financeiras do mundo todo mantinham estes ativos em suas car-teiras ou utilizavam-nos como garantias em diversos empréstimos milionários. Dentre estes grandes investidores, diversos trabalhavam com alta alavancagem, tanto por meio de endividamento com ob-tenção de empréstimos para aquisição dos títulos, como pelo uso de derivativos, acreditando que o retorno futuro seria compensatório.

Ocorreu que, no ano de 2004, o cenário que antes pare-cia favorável começou a mudar. Os juros estadunidenses sofreram aumentos e muitos dos tomadores dos empréstimos hipotecários não conseguiram pagar suas prestações.34 Houve uma conseqüen-te inundação de ofertas de imóveis no mercado, tanto por parte dos próprios tomadores que entraram em inadimplência e tentavam se desfazer de suas casas par quitar suas obrigações, como pelas instituições financeiras que tentavam vender os imóveis dados em garantia para que pudessem receber os valores de volta. A situação agravou-se no período entre 2006 e 2007, quando muitos imóveis foram devolvidos por mutuários cujos valores da dívida remanes-cente, recalculados segundo as novas taxas de juros, ultrapassavam os valores dos imóveis. Esta grande oferta provocou a queda dos preços dos imóveis.

Como os imóveis devolvidos não cobriam os valores das dívidas e, muitos dos empréstimos concedidos eram créditos sub-prime, os mutuários não possuíam outros ativos para quitar o res-tante dos valores devidos, muito menos para refinanciar as dívidas.

33 Dentre os diversos títulos financeiros destacavam-se os MBS (Mort-gage-Backed Securities), os RMBS (Residential Mortgage-Backed Securities), os CMBS (Commercial Mortgage-Backed Securities), os ABS (Asset-Backed Securi-ties) e CDO (Collateralized Debt Obligation). O grande volume de investimentos nestes instrumentos favoreceu o aumento da utilização dos CDS (Credit Default Swaps).

34 Até o final de 2004 as taxas de juros estadunidenses haviam sido ele-vadas quatro vezes pela Federal Reserve (Fed), atingindo a taxa de 2,25%. Ao final de 2006 havia alcançado 5,25%. Carla PEDRO, Quem atirou Portugal para o lixo? Agências de rating – o que são, como funcionam, 43.

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Com a baixa no mercado imobiliário, as instituições financeiras não conseguiam recuperar nem mesmo parte do prejuízo com venda de propriedades devolvidas. Sem dinheiro, não conseguiam mais liqui-dar seus compromissos, nem cumprir o pagamento dos títulos e de outros instrumentos financeiros emitidos e lastreados nos créditos hipotecários subprime, entrando em situação de insolvência. À vista dos rumores da crise, pessoas que tinham dinheiro depositado em bancos correram para tentar sacar seus valores e não conseguiam.

No segundo semestre de 2007 instalou-se um grande clima de desconfiança no sistema financeiro, sobretudo diante da iliquidez de bancos e do aumento das taxas de juros nos mercados interbancá-rios35. As agências de rating baixaram abruptamente as notações dos títulos e derivativos dos créditos subprime. Os Bancos Centrais pre-cisaram agir e injetar dinheiro nos bancos para tentar conter conse-qüências maiores. Falências começaram a acontecer, prejudicando o volume de negócios realizados em bolsas de valores em nível global.

No ano seguinte, em 2008, faliu o gigante e tradicional ban-co estadunidense Lehman Brothers e ocorreram as estatizações da Federal National Mortgage Association (FNMA), a Fannie Mae, e a da Federal Home Loan Mortgage Corporation (FHLMC), a Freddie Mac. A seguradora Interregional American Group (IAG) apenas não faliu porque o Banco Central estadunidense, o Federal Reserve System (Fed), temeu que ocorresse outra grande falência como no caso do Lehman Brothers e resolveu intervir, concedendo-lhe um empréstimo urgente de bilhões de dólares.

Todo o cenário que se sucedeu demonstrou que os créditos hipotecários subprime representavam uma das piores e mais desas-trosas políticas de empréstimos e lastreamentos já empregada, com elevados níveis de alavancagem e disseminação sistêmica do risco. O resultado foi a crise financeira mais grave já ocorrida depois da Grande Depressão de 1929, que se espalhou pelo mundo. E dentre os diversos fatores apontados como estopins da crise, atribui-se às agências de rating uma grande parcela de culpa sobre a intensificação de seus impactos.

Afinal, viu-se que a titularização dos créditos subprimes e a

35 Até mesmo os grandes bancos demonstravam receio em realizar em-préstimos de curto prazo entre si. Gilberto Rodrigues BORçA JuNIOR; Ernani Tei-xeira. TORRES FILHO, “Analisando a crise do subprime” , 141-142.

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criação de sucessivos derivativos destes títulos já era, em si, uma prática temerária cujos riscos espalhavam-se pelo mercado mundial conforme investidores, bancos e fundos de investimento realizavam grandes volumes de negócios com estes produtos. Esta negociação em massa nos mercados ocorria porque as agências de rating classifi-cavam os emitentes e produtos financeiros com elevados ratings em grau de investimento.

Mesmo quando o mercado imobiliário começou a arrefe-cer diante do aumento dos juros nos Estados Unidos, da queda do valor do imóveis e do aumento dos índices de incumprimentos de contratos de empréstimos hipotecários, as agências não publicaram nenhum downgrade, mantendo a classificação otimista de diversos derivativos em “triplo A”, ou seja, em nota máxima, o que indica-va grande capacidade de pagamento. Entretanto, em breve, seriam revistos como títulos totalmente podres, lixos ou junk. Da mesma forma, quando o gigante banco Lehman Brothers já estava à beira da decretação de falência, as agências de rating continuavam a avaliá--lo com excelentes notações, assim como aos demais bancos e ins-tituições que haviam feito maciço investimento nos títulos subprime. Considerado “too big to fail”36, as agências pareciam não acreditar que o governo estadunidense seria capaz de não intervir para impedir a quebra do Lehman Brothers.

Após a deflagração da crise e análises diversas realizadas para compreensão de suas origens, restou claro que as agências de rating não estavam divulgando informações precisas e que haviam avaliado de forma defeituosa os verdadeiros riscos dos instrumen-tos vendidos em escala global com lastro em dívidas subprime.

Argumentos que justificavam a falibilidade das agências ad-vogavam que os produtos financeiros garantidos por hipotecas eram produtos novos, que não contavam com um histórico de estatísticas disponíveis para compreensão de seus rumos. Aponta-se também que os ratings emitidos sobre os produtos financeiros teriam levado em consideração os ratings atribuídos aos entes emissores ou às em-presas seguradoras que, como empresas tradicionais do mercado fi-nanceiro, possuíam elevado nível de fiabilidade, puxando para cima a classificação de seus produtos.

Houve ainda argumentos no sentido de que as operações

36 “Grande demais para falir”.

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de titularização escondiam os créditos subprime ao formatá-los em pacotes de produtos em que eram misturados com créditos de quali-dade, o que teria prejudicado a exata percepção dos riscos por parte das agências.37 Ocorre que esta percepção era exatamente o papel que as agências deveriam ter cumprido, para que os riscos pudessem ter sido corretamente divulgados e avaliados pelos investidores.

Além disso, outras severas críticas foram tecidas no sentido de que as agências poderiam ter favorecido desmerecidamente as classificações dos produtos e dos entes avaliados em função do fato de que a fonte de renda principal das agências são os próprios emi-tentes que lhes contratam. Assim, além da capacidade de análise de riscos, a transparência e credibilidade das agências também foram colocadas em cheque.

Em verdade, as caóticas conseqüências da crise do subprime, a parcela de culpa atribuída às agências de rating por esta crise e as diversas críticas que continuaram a ser tecidas às agências durante a atual crise vivida na Europa, principalmente após os sucessivos downgrades que vulnerabilizaram as economias de Grécia, Portugal, Es-panha, Itália e Irlanda, serviram para instigar governos e estudiosos a compreenderem melhor a lógica de funcionamento das agências e seus pontos sensíveis capazes de induzir distorções nos mercados.

5. Algumas críticas e considerações sensíveis sobre as agências de rating

Se as agências de rating cumprem papel tão importante no mercado, tornando acessíveis informações sobre credores, devedo-res e ativos, é fundamental que esta atividade seja desempenhada com grande seriedade. Ainda que as agências militem que os ratings

37 Sobre o processo de titularização e criação de produtos lastreados nos créditos hipotecários, Avelãs Nunes pondera que “o recurso abusivo à sua emissão e comercialização conduziu rapidamente à manipulação e à instabilidade dos ‘mer-cados financeiros’, porque os contornos e os riscos que esses ‘produtos’ incorpo-ram nem sempre são facilmente identificáveis, mesmo pelos habituais frequen-tadores deste ‘casino’ (como os bancos), que compram muitas vezes ‘produtos financeiros’ tão esotéricos que não sabem o que estão a comprar”. António José Avelãs NuNES, “Uma leitura crítica da atual crise do capitalismo”, 13.

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emitidos sejam apenas “opiniões”38 39 40 e não indicativos de como o investimento deve ser feito, as agências, principalmente as “três irmãs”, sabem do poder de alcance e influência que possuem seus ratings e da dependência que o mercado desenvolveu com relação aos seus serviços. Portanto, devem “opinar” com cuidado e retidão.

No que se refere à forma de funcionamento destas agências, uma primeira questão que muito chama a atenção é o fato de que se trata de empresas privadas de fins lucrativos. E quem paga pelos serviços prestados de avaliação do crédito são, na grande maioria das vezes, os próprios emitentes de títulos (“issuer-pay model”), o que

38 De acordo com a Fitch Ratings: “Ratings assigned by Fitch are opinions based on established criteria and methodologies that Fitch is continuously evaluating and updating. (…). Ratings do not constitute recommendations to buy, sell, or hold any security, nor do they comment on the adequacy of market price, the suitability of any security for a particular investor, or the tax-exempt nature or taxability of any payments of any security”. FITCH RATINGS. Definitions of ratings and other forms of opinion. (February, 2013) 4-5. Disponível em: <http://www.fitchratings.com/web_content/ratings/fitch_ratings_definitions_and_scales.pdf>.

39 A Moody´s também ressalva que: “The ratings, financial reporting analysis, projections, and other observations, if any, constituting part of the infor-mation contained herein are, and must be construed solely as, statements of opin-ion and not statements of fact or recommendations to purchase, sell or hold any securities. Each user of the information contained herein must make its own study and evaluation of each security it may consider purchasing, holding or selling”. MOODY´S. Rating symbols and definitions. (Janeiro/2013) 2. Disponível em: <http://www.moodys.com/researchdocumentcontentpage.aspx?docid=PBC_79004>.

40 Da mesma forma, a Standard & Poor´s alerta que: “The analyses, including ratings, of Standard & Poor’s and its affiliates (together, Standard & Poor’s) are statements of opinion as of the date they are expressed and not state-ments of fact or recommendations to purchase, hold, or sell any securities or make any investment decisions. Standard & Poor’s assumes no obligation to up-date any information following publication. Users of ratings or other analyses should not rely on them in making any investment decision. Standard & Poor’s opinions and analyses do not address the suitability of any security. Standard & Poor’s does not act as a fiduciary or an investment advisor except where regis-tered as such. While Standard & Poor’s has obtained information from sources it believes to be reliable, Standard & Poor’s does not perform an audit and under-takes no duty of due diligence or independent verification of any information it receives. Ratings and other opinions may be changed, suspended, or withdrawn at any time”. STANDARD & POOR´S. Standard & Poor´s ratings definitions. (22/06/2012) 3. Disponível em: <http://www.standardandpoors.com/spf/general/RatingsDi-rect_Commentary_979212_06_22_2012_12_42_54.pdf>.

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pode gerar evidentes conflitos de interesses. Afinal, como garantir que a agência de rating não emitirá “opiniões” super valorizadas em agrado àquele que está financiando seu trabalho?

Inicialmente, ressalte-se que nem sempre as agências de ra-ting trabalharam com o esquema de pagamento pelo emitente de dívidas pois, originariamente, quem pagava eram os investidores interessados em ter acesso às informações (o chamado “subscriber--pay model”). O que as agências faziam no início de suas atividades era atuar como analistas de mercado, identificando oportunidades de negócios em setores de produção diversos, sobretudo no setor ferroviário, que estava em grande expansão nos Estados Unidos no início do século XIX, e compilavam os dados em um relatório.41 Os investidores compravam ou pagavam assinaturas para receber pelo correio estes diversos manuais e relatórios com informações estatís-ticas e financeiras sobre setores da indústria. A mudança no sistema de divulgação das informações ocorreu por volta da década de 1970, quando as três maiores agências passaram a vender seus serviços diretamente aos emitentes de títulos, que solicitavam a avaliação e pagavam por isso.

Os motivos desta mudança não são bem definidos; acredita--se que resultou de uma combinação de fatores, como bem ilustrado por Lawrence J. White. Segundo o autor, uma das razões é atribuída à popularização das máquinas fotocopiadoras nos anos de 1970, o que teria feito as agências perceberem que começariam a perder o dinheiro que ganhariam com a venda dos manuais, já que estes po-deriam ser facilmente trocados e fotocopiados entre os investido-res. Outra possível razão ocorrida na mesma época foi a falência da grande Penn-Central Railroad, a maior já testemunhada nos Estados Unidos até a falência da Enron Corporate, em 2001. A falência de-sestabilizou o mercado de obrigações na época e, diante dos receios que normalmente emergem após grandes quebras, os emitentes de dívidas ficaram mais preocupados em apresentar aos seus investi-dores um atestado de que suas atividades e produtos representavam baixo risco, o que os incentivou a buscar os serviços de rating. 42

41 Sobre o trabalho inicialmente desenvolvido pelas agências de rating, vide notas de rodapé n.º 2, 3 e 4.

42 Lawrence J. WHITE, “Markets: the credit rating agencies”, Journal of Economic Perspectives, v. 24, 2 (Spring/2007) 214-215. Disponível em: <http://www.aeaweb.org/articles.php?doi=10.1257/jep.24.2.211>.

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Preocupações nesse sentido, aliás, já vinham sendo sentidas desde a década de 1930 quando, logo após crise de 1929, foram es-tabelecidas algumas regulamentações bancárias nos Estados Unidos que proibiam aos bancos a realização de investimentos em títulos de grau especulativo, sendo-lhes permitido manter em suas carteiras apenas títulos qualificados com grau de investimento. Com isso, os bancos já estavam sendo “obrigados” a fazer uso dos manuais de rating para verificação de classificações de riscos.43 E os entes que de-sejassem ver suas obrigações adquiridas por investidores institucio-nais perceberam que precisariam estar dispostos a contratar e pagar os serviços das agências para que pudessem mostrar seus ratings ao investidores.

Na verdade, os serviços de rating possuem um mercado de dois públicos, ou um “two-sided market”44, em alusão ao fato de que o pagamento pelos ratings pode vir de qualquer lado interessado na obtenção das informações sobre classificação de risco, seja pelo ente emitente ou pelos investidores. Com efeito, a distribuição da infor-mação no mercado financeiro acerca da qualidade de um crédito interessa tanto aos emissores de títulos, como aos compradores dos títulos ou por ambos e, portanto, qualquer das partes pode contratar os serviços de classificação de risco45. Questiona-se, contudo, se as agências emitiriam um mesmo rating sobre um mesmo ente ou títu-lo, independente de quem tivesse contratado o serviço (um investi-dor ou o próprio emitente dos títulos), ou se o resultado tenderia a seguir os interesses da parte pagante por este serviço.

43 Ibidem, 213-214.44 Ibidem, 214.45 Dados levantados pela U.S. Securities and Exchange Commission de-

monstram que, dentre nove de suas agências de rating que gozam do status de na-cionalmente reconhecidas (NRSROs), seis delas (A.M. Best Company Inc.; DBRS Inc.; Fitch Inc.; HR Ratings de México, S.A. de C.V.; Japan Credit Rating Agency, Ltd.; Moody´s Investors Service, Inc.; e Standard & Poor´s Rating Services.) tra-balham, principalmente, com o modelo “issuer pay”. Duas agências, a KBRA e a Morningstar, trabalhavam antes no modelo “subscriber pay” e, nos últimos anos, estão passando a trabalhar, cada vez mais, no modelo “issuer pay”. A agência Egan-Jones Rating Company – EJR é a única que opera totalmente sob o mo-delo “subscriber pay”. U. S. SECuRITIES AND ExCHANGE COMMISSION. Annual Report on Nationally Recognized Statistical Rating Organizations, (Dezembro/2012) 5. Dis-ponível em: <http://www.sec.gov/divisions/marketreg/ratingagency/nrsroan-nrep1212.pdf>.

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Assim, da mesma forma como se reconhece a possibilidade de ocorrência de conflito de interesses entre o papel da agência (que é divulgar informações corretas) e o interesse do emitente (que é ser bem avaliado) no sistema em que o próprio avaliado paga a agência, não é absurdo imaginar que, no sistema em que o investidor paga pela avaliação, pode haver também conflito de interesses. Seria o caso, por um exemplo, de um grande investidor que desejasse a ob-tenção de um determinado rating, conforme seu interesse de compra ou venda. Como se vê, de qualquer maneira, o sistema pode ficar sujeito a conflitos de interesse entre o papel da agência de divulgar a informação correta e o desejo do contratante de produzir informa-ções em um determinado sentido.

Seja qual for o modelo adotado pelas agências, “issuer pay”, “subscriber pay” ou uma mistura de ambos, deve-se partir do pres-suposto de que estas empresas privadas possuem uma reputação a zelar. Por isso, buscando consolidar suas imagens como empresas honestas e imparciais para que sejam aceitas pelo mercado, não se arriscariam, teoricamente, a favorecer indevidamente aqueles que as contratam.46 Utilizou-se a expressão “teoricamente” porque, não raro, alguns indícios concretos emergem em forma de manchetes de jornais indicando possíveis fraudes manipuladas pelas agências em conluio com seus contratantes.47

46 Este posicionamento é também defendido por Charles Goodhart que pondera: “However it is generally accepted that the ratings agencies depend so extraordinarily heavily on their reputation for honesty and straight dealing, that the payments mechanism would not have led them to shade their ratings agencies behaved in any other than an open and honest manner”. O autor ressalva, todavia, que o atual sistema não está livre de repro-O autor ressalva, todavia, que o atual sistema não está livre de repro-vações, especialmente pelo fato de o mercado de rating estar concentrado em apenas três grandes agências, sendo duas de capital estadunidense (a Moody´s e a Standard & Poor´s) e uma de capital europeu (a Fitch Ratings). Charles A. E. GOODHART, The regulatory response to the financial crisis, 18-19.

47 Em 2010, Paul Krugman publicou no Jornal The New York Times sua opinião sobre as fraudes praticadas pelas agências de ratings. Utilizou como exem-plo concreto alguns emails de Wall Street que foram divulgados pela Subcomissão Permanente de Investigações do Senado (Senate´s Permanent Subcommittee on Investigations) sobre as acusações de fraudes que pendiam sobre o Banco Gol-dman Sachs por negociações de pacotes de ativos sobrevalorizados, cuja atuação teria contribuído para agravar as consequências da crise do subprime. Estes emails trocados entre funcionários do banco e das agências de rating sugeriam alterações de critérios de avaliação de títulos por agências de rating para que a classificação

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Dentro deste universo, outra questão sensível à discussão sobre conflito de interesses é a possibilidade de rating shopping (“com-pras” de rating segundo o melhor custo-benefício). Como é cediço, geralmente são os próprios avaliados que encomendam a realização de uma análise e classificação de rating, sendo que o pagamento pode ser efetivado apenas após a previsão de qual será a classificação do rating. Assim, se o avaliado ficar insatisfeito com o rating que lhe for previsto, ele poderá solicitar um segundo rating para outra agência que lhe parecer menos exigente e optar pela agência que melhor o favorecer. Diante desta situação, coloca-se sob questionamento se as agências não agiriam de forma a logo agradar o potencial cliente com a previsão de um bom rating, como forma de segurar o negócio desde o início.

Mais uma sensível questãoao conflito de interesses é a pouca concorrência existente no mercado em função do baixo número de agências elevadas ao status de “nacionalmente reconhecidas” após o início do movimento regulatório das agências de rating nos Estados Unidos. Com efeito, a citada falência da Penn-Central Railroad em 1970 desencadeou uma crise de crédito nos Estados Unidos que deixou os mercados receosos. Em conseqüência, em 1975, a U.S. Securities and Exchange Commission (SEC) buscou criar meios de tornar o mercado mais seguro e estabeleceu regulamentações exi-gindo que os títulos e entes fossem classificados por agências de rating nacionalmente reconhecidas (Nationally Recognized Statistical Ra-ting Organization - NRSRO). Nesta época, as três agências Moody´s, Standard & Poor´s e Fitch Ratings já estavam atuando no mercado há algum tempo, gozavam já de certo grau de credibilidade e foram as

resultante pudesse ser mais agradável ao banco. Nas palavras de Krugman, “The Senate subcommittee has focused its investigations on the two biggest credit rating agencies, Moody’s and Standard & Poor’s; what it has found confirms our worst suspicions. In one e-mail message, an S.& P. employee explains that a meeting is necessary to “discuss adjusting criteria” for assessing housing-backed securities “because of the ongoing threat of losing deals.” Another message complains of having to use resources “to massage the sub-prime and alt-A numbers to preserve market share”.” E conclui sua análise apontando que as agências de rating claramente manipularam as avaliações de forma a agradar ao cliente. Paul KRuGMAN, “Berating the raters”, The New York Times, New York, 25/04/2010. Disponível em: <http://www.nytimes.com/2010/04/26/opinion/26krugman.html?_r=0>.

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únicas credenciadas como NRSRO’s naquele primeiro momento.48

Tal status privilegiado atribuído a estas agências consolidou--as como as principais agências de rating nos Estados Unidos e no mundo.49 A crítica neste ponto refere-se ao fato de a SEC ter restrin-gido o acesso de outras empresas ao mercado quando estabeleceu o critério das NRSROs e, com isso, tornou o mercado pouco competi-tivo. Afinal, a maioria dos grandes emitentes de títulos e obrigações, para gozarem de maior inserção no mercado, buscam as agências classificadas como NRSRO’s para avaliá-los. A falta ou pouca com-petição entre as agências torna os preços dos serviços mais elevados e pode deixar as agências menos motivadas a inovarem e a melho-rarem a qualidade das metodologias utilizadas para verificação dos ratings. A supremacia das três principais agências, inclusive, já havia sido ressaltada anteriormente, quando se mencionou que os ratings emitidos por elas são os que mais impactam sobre os mercados.

48 Até a conclusão do presente trabalho, em fevereiro de 2013, eram 10 as agências classificadas como nacionalmente reconhecidas (Nationally Recog-nized Statistical Rating Organization - NRSRO) pela U.S. Securities and Exchange Commission (Sec). São elas: A.M. Best Company Inc.; DBRS Inc.; Egan-Jones Ratings CO.; Fitch Inc.; HR Ratings de México, S.A. de C.V.; Japan Credit Rating Agency, Ltd.; Kroll Bond Rating Agency (antiga Lace Financial Corp.); Moody´s Investors Service, Inc.; Morningstar Credit Ratings, LLC (antiga Realpoint, LLC); e Standard & Poor´s Rating Services. Todas possuem seus escritórios principais situados nos Estados Unidos, com exceção da Japan Credit Rating Agency, Ltd., cujo escritório central está no Japão, e da HR Ratings de México, S.A. de C.V, cujo escritório principal está no México. U. S. SECuRITIES AND ExCHANGE COMMISSION. Disponível em: <http://www.sec.gov>.

49 Conforme dados levantados pela U.S. Securities and Exchange Com-mission (Sec) referentes aos ratings emitidos pelas NRSRO’s durante o ano de 2011, verificou-se que a Standard & Poor´s e a Moody´s foram as agências que mais atuaram no mercado, sento responsáveis pela emissão de 1,2 milhões e 1 milhão de ratings respectivamente. Em terceiro lugar está a Fitch, com 350.000 mil ratings. Juntas, a Standard & Poor´s e a Moody´s foram responsáveis por 83% dos ratings emitidos pelas agências reconhecidas como NRSROs. Somando à esta porcentagem os ratings emitidos também pela Fitch, verifica-se que as três princi-pais agências foram responsáveis por quase 96% de todos os ratings emitidos por essas agências, em todas as categorias, durante o ano de 2011. O documento es-clarece que algumas agências possuem participação menor dentre os ratings gerais emitidos porque são especializadas em algum setor específico. U. S. SECuRITIES AND ExCHANGE COMMISSION. Annual Report on Nationally Recognized Statistical Rating Organizations, 5-8.

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Aliás, a concentração de mercado por três agências estadu-nidenses, Standard & Poor´s, Moody´s e Fitch (a Fitch, embora lo-calizada nos Estados Unidos, é parcialmente constituída por capital francês e britânico), tem levantado suspeitas em analistas no sentido de que elas teriam a tendência de emitir ratings mais benevolentes nas avaliações de empresas e da própria dívida pública dos Estados Unidos do que nas avaliações referentes à Europa, sobretudo após os recentes cortes ao nível de “lixo” ou “quase lixo” nos ratings so-beranos de países como Portugal, Grécia, Espanha, Irlanda e Itália entre 2011 e 2012. A economia européia, que já vinha abalada desde a crise do subprime50, ficou ainda mais desestabilizada após tantos downgrades em seus países. Concomitantemente a estes fatos, dentre diversas medidas discutidas para prevenção e contenção de crises, passou-se a cogitar na Europa a possibilidade de criação de uma agência de rating européia51 como alternativa ao fim do monopólio

50 Portugal, Itália, Grécia, Espanha e Irlanda foram os países da zona euro que sentiram de forma mais acentuada os reflexos da crise econômica de 2008, o que ficou bem demonstrado nos sucessivos cortes de seus ratings sobera-nos. Em 5 de julho de 2011 Portugal adentrou em um grande pesadelo econômi-co, quando teve seu rating soberano reduzido pela Moody´s em 4 níveis, de Baa1 para Ba2, que equivale a nível especulativo ou “lixo”. Pouco depois, em 12 de julho de 2011, a Irlanda também experimentaria um corte de rating pela Moody´s para grau especulativo, baixando sua classificação de de Baa3 para Ba1. A Grécia já vinha sofrendo com cortes sucessivos em seu rating soberano, que ia em direção ao “lixo”: em 27/10/2010 levou um primeiro susto com a redução da classifica-ção BBB+ para BB+ pela Standard & Poor´s e depois, em 22/02/2012, a situação ficou muito pior quando a Fitch Ratings anunciou o corte de CCC para C. A Espanha ficou bastante abalada quando a Standard & Poor´s anunciou cortes que a deixavam classificada um nível acima do nível “lixo”, passando de BBB+ para BBB- em 10/11/2012. A Itália foi colocada a dois níveis acima da linha que faz a divisão entre nível de investimento e nível especulativo quando a Moody´s baixou sua classificação de A3 para Baa2, em 13/07/2012. A Egan-Jones, quarta maior agência de rating depois das “três irmãs”, desceu a classificação da Itália ao nível “lixo”, de B- para CCC+ (correspondente ao Caa1 da Moody´s), em 26/07/2012.

51 Em uma consulta pública realizada pela Comissão Européia sobre as notações de risco no período de 5 de novembro de 2010 a 7 de janeiro de 2011, foi sugerida a criação de uma nova e independente “European Credit Rating Agency”. EuROPEAN COMMISSION. Public consultation on credit rating agencies. (05/11/2010) 21. Disponível em: <http://ec.europa.eu/internal_market/consultations/docs/2010/cra/cpaper_en.pdf>.

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estadunidense.52 53

Mas, a realidade é que, independente do quanto as agências de rating sejam criticadas, o atual sistema de mercado nutre uma grande dependência em relação aos ratings. Não só porque ser-vem como uma orientação aos operadores de mercado, mas porque leis e regulamentos diversos conferem importância aos ratings como elemento de maior segurança desde a década de 1930. Assim, pelo menos por enquanto, os ratings continuarão a ser utilizados.

6. Iniciativas para regulamentação da atuação das agências de rating

Desde dezembro de 2004 já existe um Código de Condutas Fundamentais para Agências de Classificação de Crédito (Code of Conduct Fundamentals for Credit Rating Agencies), aprovado pela Orga-nização Internacional das Comissões de Valores Mobiliários (Inter-national Organization of Securities Commissions – IOSCO). O objetivo do Código, que aborda medidas relacionadas à integridade do processo de avaliação, monitoramento e atualização de informações, trans-parência e tratamento de informações confidenciais, dentre outras, é servir como modelo de regulamentação e funcionamento a ser incorporado pelos códigos de conduta individuais de cada agência de rating.

Mas foi após a crise de 2007, quando os Estados Unidos e a Europa tiveram a chance prática de identificar na atuação das agências de rating características consideradas inadequadas e nocivas

52 Segundo análise de Avelãs Nunes, “A decisão da Moody´s (6 de julho de 2011) de baixar a notação da dívida portuguesa para o nível considerado lixo talvez tenha levado os dirigentes europeus a perceber que a atuação das agências de rating americanas se insere na estratégia dos EUA de destruir o euro como concorrente do dólar enquanto moeda de referência à escala mundial”. António José Avelãs NuNES, “Uma leitura crítica da atual crise do capitalismo”, 110-111.

53 A este respeito, Eduardo Ferreira descreve em seu livro que, ao ques-tionar o professor estadunidense da área de finanças, Dr. Nelson Lacey, sobre as críticas lançadas ao monopólio das três agências estadunidenses, teria obtido a se-guinte resposta: “Não compreendo essa crítica. Será que as empresas americanas são corruptas, ou que são incapazes de compreender o que se passa na Europa?”. Eduardo FERREIRA, Ratings: 50 perguntas e respostas: saiba tudo sobre as agências que di-tam as notações de risco sobre países e empresas afectando as nossas vidas. Famalicão: Centro Atlântico, 2010, 98-99.

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ao equilíbrio do sistema financeiro, que se iniciou um movimento regulatório maior no intuito de tentar equilibrar as atividades das agências dentro de limites considerados seguros.

Os Estados Unidos, na verdade, já haviam perpetrado mu-danças em sua legislação após verificarem que as agências de rating eram falíveis. Foi o que aconteceu na época das falências da Enron (maior empresa distribuidora de gás e energia elétrica nos Estados Unidos), em 2001, e da WorldCom (segunda maior empresa de te-lecomunicações), em 2002. Às vésperas das respectivas falências, as agências de rating não haviam constatado (ou, ao menos, não haviam divulgado) nada de anormal.

Assim, em setembro de 2006, foi publicado nos Estados Unidos o Credit Rating Agency Reform Act of 200654 com o objetivo de melhorar a qualidade dos ratings para conferir maior proteção aos investidores e, em atendimento ao interesse público, promover a responsabilização, transparência e competição entre as agências. Esta nova legislação estabeleceu um sistema de registro das Natio-nally Recognized Statistical Rating Organizations (NRSROs) junto à U.S. Securities Exchange Commission (SEC), especificando os requisitos exi-gidos das agências de rating para que pudessem ser reconhecidas nacionalmente, normas de conduta para as agências e supervisão pela SEC.

Após a crise do subprime e da parcela de culpa atribuída às agências, os Estados Unidos implementaram um novo e abrangente pacote de reformas diversas no setor financeiro, incluindo uma re-gulamentação específica para as agências. Por conseguinte, em junho de 2010, foi adotado o The Dodd-Frank Wall Street Reform and Consu-mer Protect Act55 56, que introduziu diversas medidas regulatórias e de supervisão da economia estadunidense. Dentre os 16 títulos que compõem o texto legislativo, especificamente no título IX, chamado de “Investor Protections and Improvements to the Regulation of Securities, há

54 uNITED STATES. Credit Rating Agency Reform Act of 2006. Disponível em: <http://beta.congress.gov/109/crpt/srpt326/CRPT-109srpt326.pdf>.

55 uNITED STATES. The Dodd-Frank Wall Street Reform and Consumer Pro-tect Act. Disponível em: <http://beta.congress.gov/111/crpt/hrpt517/CRPT--111hrpt517.pdf>.

56 A nomenclatura Dodd-Frank é uma referência aos políticos Chris Dodd e Barney Frank que tiveram ativa participação no comitê de redação e revisão dos textos da lei.

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um subtítulo “C” voltado às agências de rating, denominado “Impro-vement to the Regulation of Credit Rating Agencies” (título IX, subtítulo C), composto por 17 artigos (do 931.º ao 939.º-H).

No artigo 931.º, o Dodd-Frank Act justifica que em razão da importância dos ratings e do grande grau de confiança que neles depositam investidores individuais, institucionais e reguladores fi-nanceiros, as atividades das agências de rating, incluindo as NRSRO’s são temas de interesse público nacional. Ressalta que as agências devem estar sujeitas aos mesmos padrões de confiança e supervisão aplicáveis aos auditores, analistas de valores mobiliários e banquei-ros. Reconhece que das atividades das agências podem surgir con-flitos de interesses que precisam ser cuidadosamente monitorados. E ressalta, por fim, que durante a recente crise, os ratings proferidos sobre produtos financeiros estruturados foram incorretos, o que contribuiu para que instituições financeiras e investidores gerissem mal os seus riscos. Defende, assim, a necessidade de aumento de prestação de contas por parte das agências.

Nos artigos seguintes, o Dodd-Frank Act trata de questões relacionadas à melhoria da regulação, prestação de contas e trans-parência; às autoridades regulatórias (em especial a criação da Office of Credit Ratings – OCR, destinada a auxiliar a SEC no trabalho de supervisionar as NRSRO’s, mantendo o funcionamento honesto, organizado e eficiente dos mercados); ao dever de denúncia pe-las NRSRO’s às autoridades competentes no caso de percepção de violação de lei material por parte dos emitentes; ao dever das agên-cias de não considerarem apenas as informações fornecidas pelo emitente na classificação dos riscos; ao padrão de qualificação dos analistas que atuam em agências de rating; à transparência e clara sig-nificação dos símbolos utilizados pelas agências para expressão das notas de ratings; à remoção de referências legais às notações de risco como forma de redução da dependência aos ratings; à revisão de leis que imponham a utilização de ratings; à condução de estudos por parte da SEC para reforçar a independência das agências e investigar a viabilidade de modelos alternativos; à condução de estudos sobre a classificação de riscos de produtos financeiros estruturados e so-bre os conflitos de interesses emergentes dos modelos “issuer pay” e “subscriber pay”.

Paralelamente, a Europa também buscou implementar ini-

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ciativas para regulamentação das agências. A legislação européia já contava com alguns instrumentos esparsos que faziam referências às agências de rating, como a Directiva 2003/6/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de janeiro de 2003, relativa ao abuso de informação privilegiada e à manipulação de mercado (abuso de mercado)57, a Directiva 2006/49/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de junho de 2006, relativa à adequação dos fundos próprios das empresas de investimento e das instituições de crédito (reformulação)58 e a Directiva 2004/39/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de abril de 2004, relativa aos mercados de ins-trumentos financeiros59.

Entretanto, diante das diversas críticas tecidas às agências pela disseminação dos efeitos da crise do subprime, a União Européia buscou tornar mais rígidas as suas previsões legislativas e criou uma regra específica para o tema, o Regulamento (CE) n.º 1060/2009 do Parlamento e do Conselho, de 16 de setembro de 2009, relativo às agências de notação de risco. Os objetivos do Regulamento são logo estabelecidos no artigo 1.º, para fins de: “reforçar a integridade, a transparência, a responsabilidade, a boa governação e a fiabilida-de das actividades das agências de notação de risco, contribuindo para a qualidade das notações de risco emitidas na Comunidade e dessa forma para o funcionamento eficiente do mercado interno e garantindo um elevado nível de protecção dos consumidores e dos investidores”60.

Como os efeitos da crise prolongavam-se na Europa, a

57 UNIãO EuROPéIA. Directiva 2003/6/CE do Parlamento Europeu e do Conse-lho, de 28 de Janeiro de 2003, relativa ao abuso de informação privilegiada e à manipulação de mercado (abuso de mercado). Disponível em: <http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:L:2003:096:0016:0016:PT:PDF>.

58 UNIãO EuROPéIA. Directiva 2006/49/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de junho de 2006, relativa à adequação dos fundos próprios das empresas de investimento e das instituições de crédito (reformulação). Disponível em: <http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:L:2006:177:0201:0255:pt:PDF>.

59 UNIãO EuROPéIA. Directiva 2004/39/CE do Parlamento Europeu e do Con-selho, de 21 de abril de 2004, relativa aos mercados de instrumentos financeiros. Disponível em: <http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:L:2003:096:0016:0016:PT:PDF>.

60 UNIãO EuROPéIA. Regulamento (CE) n.º 1060/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Setembro de 2009, relativo às agências de notação de risco.

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União Européia lançou um pacote de novas medidas, em novembro de 2010, objetivando criar mecanismos para melhor supervisionar o sistema financeiro europeu e evitar a ocorrência de novas crises no futuro. Para tanto, foram criados regulamentos que estabeleciam novas regras e criavam organismos voltados ao monitoramento das atividades do sistema financeiro e identificação de situações anôma-las, com o fim de prevenir crises e tornar o sistema menos exposto aos seus malefícios.

Os novos documentos estabelecidos foram: i) Regulamen-to (UE) n.º 1092/2010 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de novembro de 2010, relativo à supervisão macroprudencial do sistema financeiro na União Europeia e que cria o Comitê Eu-ropeu do Risco Sistêmico61; ii) Regulamento (UE) n.º 1093/2010 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de novembro de 2010, que cria uma Autoridade Européia de Supervisão (Autoridade Bancária Européia)62; iii) Regulamento (UE) n.º 1094/2010 do Par-lamento Europeu e do Conselho, de 24 de novembro de 2010, que cria uma Autoridade Européia de Supervisão (Autoridade Européia dos Seguros e Pensões Complementares de Reforma)63; iv) Regula-mento (UE) n.º 1095/2010 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de novembro de 2010, que cria uma Autoridade Européia de Supervisão (Autoridade Européia dos Valores Mobiliários e dos Mercados)64; e v) Regulamento (UE) n.º 1096/2010 do Parlamento

61 UNIãO EuROPéIA. Regulamento (UE) n.º 1092/2010 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de novembro de 2010, relativo à supervisão macroprudencial do sistema financeiro na União Europeia e que cria o Comitê Europeu do Risco Sistêmico. Disponível em: <http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:L:2010:331:0001:0011:PT:PDF>.

62 UNIãO EuROPéIA. Regulamento (UE) n.º 1093/2010 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de novembro de 2010, que cria uma Autoridade Européia de Supervisão (Autoridade Bancária Européia). Disponível em: <http://eur-lex.europa.eu/LexUri-Serv/LexUriServ.do?uri=OJ:L:2010:331:0012:0047:PT:PDF>.

63 UNIãO EuROPéIA. Regulamento (UE) n.º 1094/2010 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de novembro de 2010, que cria uma Autoridade Européia de Supervisão (Autoridade Européia dos Seguros e Pensões Complementares de Reforma). Disponível em: <http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:L:2010:331:0048:0083:PT:PDF>.

64 UNIãO EuROPéIA. Regulamento (UE) n.º 1095/2010 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de novembro de 2010, que cria uma Autoridade Européia de Supervisão (Au-toridade Européia dos Valores Mobiliários e dos Mercados). Disponível em: <http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:L:2010:331:0084:0119:PT:PDF>.

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Europeu e do Conselho, de 17 de novembro de 2010, que confere ao Banco Central Europeu atribuições específicas no que se refere ao funcionamento do Comitê Europeu do Risco Sistêmico65. Todas estas regras e organismos criados pelos Regulamentos passaram a compor o novo Sistema Europeu de Supervisão Financeira (SESF).

No que se refere às agências de rating, merece destaque a Autoridade Européia dos Valores Mobiliários e dos Mercados ou European Securities and Market Authorities (ESMA), criada pelo Re-gulamento (UE) n.º 1095/2010 e cujos poderes foram ampliados pelo Regulamento (UE) n.º 513/201166 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de maio de 2011, que alterou o Regulamen-to (CE) n.º 1060/2009. Concebida como um organismo dotado de personalidade jurídica e ampla capacidade67, a ESMA tornou-se res-ponsável pela proteção dos investidores e supervisão da estabilidade do mercado financeiro, devendo estar alerta aos riscos sistêmicos causados por instituições financeiras cuja falência possa perturbar o funcionamento do sistema financeiro ou da economia real (artigo 1.º, parágrafo único do Regulamento). Assim, além de incumbências de supervisão e intervenção relacionadas à proteção do interesse público e eficácia do sistema financeiro “a curto, médio e longo prazos, em benefício da economia da União, dos seus cidadãos e das suas empresas” (artigo 1.º, n.º 5, Regulamento), a ESMA tornou-se também responsável pela supervisão direta das agências de rating que atuam na União Européia.

Importa ressaltar que a criação da ESMA foi uma grande novidade pois não havia ainda na Europa uma estrutura de caráter

65 UNIãO EuROPéIA. Regulamento (UE) n.º 1096/2010 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de novembro de 2010, que confere ao Banco Central Europeu atribuições específicas no que se refere ao funcionamento do Comitê Europeu do Risco Sistêmico. Dispo-nível em: <http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:L:2010:331:0162:0164:PT:PDF>.

66 UNIãO EuROPéIA. Regulamento (UE) n.º 513/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho de 11 de Maio de 2011, que altera o Regulamento (CE) n.º 1060/2009 relativo às agências de notação de risco. Disponível em: <http://eur-lex.europa.eu/LexUri-Serv/LexUriServ.do?uri=OJ:L:2011:145:0030:0056:PT:PDF>.

67 Catarina Dantas MACHADO, “A ESMA e a arquitectura de supervisão financeira européia: o que vai mudar na regulação e supervisão dos valores mobi-liários e dos mercados”, Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, (Fevereiro, 2011) 75. Disponível em: <http://www.cmvm.pt/CMVM/Publicacoes/Cadernos/Documents/Artigo4Cadernos37.pdf>.

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comunitário responsável pela supervisão e regulação das agências de rating, muito embora diversas agências estivessem situadas em ter-ritório europeu, desde pequenas agências de atuação local ou nicho específico até as grandes empresas que estiveram envolvidas na crise 2007/2008, notadamente a Moody´s, a Standard & Poor´s e a Fitch Ratings. 68 Dentre os poderes atribuídos à ESMA pelo Regulamento (UE) n.º 513/2011 para a supervisão das agências de rating, estão, por exemplo: a concessão e cancelamento de registros; a concessão de autorização para funcionamento; a cobrança de taxa de regis-tro; a supervisão permanente e geral das atividades das agências e manutenção de bases de dados sobre os serviços prestados; a con-dução de investigações; pedido de informações e esclarecimentos; proibição temporária de emissão de ratings; emissão de comunicados públicos; elaboração de projetos de normas técnicas e guidelines; e aplicação de multas e sanções no caso de infrações cometidas contra o disposto no Regulamento (CE) n.º 1060/2009.69

Mas diante das sucessivas críticas às atividades das agências de rating, sobretudo após a seqüência de downgrades em ratings sobe-ranos da zona do euro de 2010 a 2012, os parlamentares europeus continuaram procurando formas de melhor regulamentar a atuação das agências70. Assim, em 16 janeiro de 2013 novas regras referentes

68 Ao referir-se à atuação das agências de rating na Europa, especialmente à Moody´s, Standard & Poor´s e Fitch Ratings, e à necessidade de regulamentação destas empresas, Catarina Dantas Machado ressalta que “Apesar de as empre-sas em causa terem uma forte presença na Europa, a esmagadora maioria dos Estados-Membros da União Europeia, da qual se exclui Portugal, não tinha de pé regulação sobre registo e/ou supervisão de agências de rating, sendo por isso um terreno de acção relativamente fácil de desbravar numa óptica comunitária, dada a escassez de ‘material regulatório’ a harmonizar”. Catarina Dantas MACHADO, “A ESMA e a arquitectura de supervisão financeira européia: o que vai mudar na regulação e supervisão dos valores mobiliários e dos mercados”. Ibidem, 95.

69 Até a conclusão do presente trabalho, em fevereiro de 2013, a Europa contava com 32 agências de rating certificadas ou registradas em conformidade com o Regulamento (CE) n.º 1060/2009, conforme lista divulgada pela Europe-an Securities and Market Authority (ESMA). ESMA. “List of registered and certi-fied CRA´s”, in ESMA, Credit Rating Agencies. Registered CRAS. Disponível em: <http://www.esma.europa.eu/page/List-registered-and-certified-CRAs>.

70 PARLAMENTO EuROPEu. Eurodeputados votam em regras mais apertadas para as agências de rating. 15/01/2013. Disponível em: <http://www.europarl.europa.eu/news/pt/headlines/content/20130111STO05284/html/Eurodeputados-vo-

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ao assunto foram votadas e aprovadas pelos eurodeputados, em Es-trasburgo. Abordando temas sensíveis, estas regras estabelecem que os ratings de dívidas soberanas passarão a obedecer um calendário específico e a seguir uma metodologia e critérios claros. Prevêem que ratings não solicitados poderão ser publicados até o limite má-ximo de duas ou três vezes por ano e veta manifestações e reco-mendações por parte das agências sobre políticas governamentais nacionais. Para controle de eventuais conflitos de interesse, serão estabelecidos especificações e limites de participação no capital e direito de voto aos acionistas e membros que detenham participa-ção em outras agências além da agência que esteja sendo objeto de avaliação71.

Estabeleceu-se também que, até o final de 2014, a Comis-são deverá apresentar um relatório sobre “a conveniência de de-senvolver uma avaliação européia de qualidade creditícia da dívida soberana”72. Ainda, as novas regras aprovadas pelo Parlamento Eu-ropeu incentivam o estabelecimento de mecanismos próprios pelas instituições de crédito e empresas de investimento para avaliação de seus riscos de crédito como forma de reduzir a dependência exces-siva com relação aos ratings. Com este objetivo, determinou-se que, até 2020, todas as referências a ratings externos deverão ser elimina-das da legislação européia.73

Como se vê, foram várias as regras já debatidas e criadas para as agências de rating, mas a regulamentação de suas atividades deverá passar, ainda, por novos arranjos e discussões, incluindo-se um regime de responsabilização civil das agências por seus ratings em casos de erros grosseiros.

tam-em-regras-mais-apertadas-para-as-ag%C3%AAncias-de-rating>.71 PARLAMENTO EuROPEu. Parlamento europeu aperta regras para agências de

rating. 16/01/2012. Disponível em: <http://www.europarl.europa.eu/news/pt/headlines/content/20130111FCS05292/6/html/Parlamento-Europeu-aperta--regras-para-as-ag%C3%AAncias-de-rating>.

72 Ibidem.73 Ibidem.

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Considerações finais

Ante a verificação do grande impacto que um rating pode ter sobre uma economia e alastrar-se rapidamente por todo o sistema financeiro mundial, verifica-se o quanto é importante que as infor-mações divulgadas entre os participantes do mercado (operadores e grande público) sejam fidedignas e atualizadas.

Remontando-se às origens das agências de rating no início do século XX, constata-se que o objetivo da classificação do crédito era fornecer fontes seguras de informação aos investidores que de-sejavam atuar em um determinado setor da indústria, minimizando, assim, suas chances de perdas.

Desde então, as informações disponibilizadas são utilizadas por operadores de mercado que, após certa experiência, acostumam--se aos comportamentos do mercado e aprendem a traçar tendên-cias de evolução ou involução de um ativo mediante a observação contínua das variações dos preços e dos históricos dos ratings deste mesmo ativo ou de ativos semelhantes. Com base em suas conclu-sões, definem como direcionar seus investimentos.

Com efeito, conforme explica José Manuel Gonçalves San-tos Quelhas, a divulgação de informações pode permitir aos opera-dores do mercado financeiro discernir entre “perturbações de liqui-dez de rotina”, que são acontecimentos freqüentes, e “choques de liquidez”, que são acontecimentos mais infrequentes. A freqüência com que ocorrem as “perturbações de liquidez de rotina” permite o estabelecimento de uma estatística e experiência pelos operadores para previsão de novas estatísticas e, assim, adotarem medidas pro-filáticas adequadas. Enquanto que a infrequência de “choques de liquidez” já não permite a sua previsibilidade, dificultando a adoção de medidas preventivas a tempo de impedi-los74.

De fato, o sistema financeiro é demasiado comple-xo e funciona com a interferência de uma série de variáveis, algu-mas previsíveis, outras imprevisíveis e inomináveis. À vista destas incertezas inerentes ao sistema e da incognoscibilidade do futuro, a dependência com relação aos ratings construída ao longo dos anos

74 Jose Manuel Gonçalves Santos QuELHAS, Sobre as crises financeiras, o risco sistémico e a incerteza sistemática. Coimbra: Almedina, 2012, 80-81.

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partia do pressuposto de que a divulgação de informações acuradas sobre a qualidade do crédito tornaria o sistema mais seguro e equi-librado, com maior possibilidade de gestão dos riscos e adoção de medidas de profilaxia por parte de seus operadores.

Entretanto, verificou-se no presente trabalho que a atuação recente das agências de rating tem se revelado defeituosa, tanto por vícios resultantes de conflitos de interesses, como em decorrência da aparente falibilidade das metodologias utilizadas pelas agências e até da impossibilidade da utilização de elementos futuros e imprevi-síveis na análise de riscos. Em conseqüência, o potencial de confian-ça nos ratings tem sido cada vez mais questionado, o que incentivou os Estados Unidos e a Europa a buscarem enrijecer as regras de funcionamento e supervisão das agências em seus territórios e a dar início a medidas que incentivem a diminuição da dependência do mercado financeiro com relação aos ratings.

A importância dos serviços de informação prestados pelas agências não deve ser negada, embora, diante dos acontecimentos recentes, conclui-se que os ratings devam ser utilizados com parcimô-nia. Ao menos até que os movimentos regulatórios acima comenta-dos concluam a estruturação das regras sobre como as agências de rating devam atuar dentro do atual mercado financeiro globalizado, a fim de que a atuação destas empresas desenvolva-se dentro de limi-tes seguros de transparência e fidedgnidade, a fim de que seus ratings possam auxiliar na prevenção de crises ao invés de contribuir para a ocorrência de novas.

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Working Papers | Boletim de Ciências Económicas

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