os deveres fundamentais na constituiÇÃo da repÚblica portuguesa de 1976

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  • 7/31/2019 OS DEVERES FUNDAMENTAIS NA CONSTITUIO DA REPBLICA PORTUGUESA DE 1976

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    OS DEVERES FUNDAMENTAIS NA CONSTITUIO DA REPBLICA

    PORTUGUESA DE 1976 (VERSO ORIGINRIA)

    Referncias bibliogrficas:GOMES CANOTILHO, Jos Joaquim; MOREIRA, Vital Constituio da RepblicaPortuguesa Anotada. Coimbra: Coimbra Editora, 1. edio, 1978

    Os deveres fundamentais

    A Parte I no se refere s a direitos fundamentais, mas tambm a

    deveres fundamentais. A Constituio afastou-se de uma teoria

    radicalmente liberal, que apenas considerava os direitos fundamentais,

    sem atender ao facto de que aos direitos podia corresponder um

    verdadeiro dever de exerccio, como acentuou, designadamente, a teoria

    socialista. Por outro lado, pode haver imposio de deveres constitucionais

    a que no correspondem quaisquer direitos. O exemplo mais significativo

    de deveres conexos com direitos fundamentais o dever de trabalhar(artigo 51., n.2). Refira-se tambm o dever de escolaridade bsica

    (artigo 74., n.3, alnea a)) e o dever de defesa do ambiente (artigo 66.,

    n.1). Referncia especial merece o dever cvico de votar (artigo 48.,

    n.2), que est em conexo com o direito de voto, mas que no traduz um

    verdadeiro dever jurdico, sendo antes expresso de uma frmula

    compromissria entre o dever jurdico e o dever moral. Exemplo de dever

    tico-social e dever jurdico conexo com um direito o dever de educao

    dos filhos (artigo 36., n.5).

    Como deveres consagrados na Constituio mas fora da Parte I so de

    especificar o dever de defesa da Ptria (artigo 276., n.1), o dever de

    servio militar(artigo 276., n.2), o dever de servio cvico (artigo 276.,

    n.4), o dever de pagar impostos (artigos 106. e 107.), o dever de

    colaborar com a administrao eleitoral(artigo 116., n.4) e o dever de

    recenseamento (artigo 116., n.2).

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    Finalmente, h que ter em conta outros deveres impostos por lei, mas

    rigorosamente no cobertos por normas constitucionais (dever de registo

    civil, dever de testemunhar, dever de participar no jri, dever de depor em

    inquritos parlamentares, dever de depor perante o Provedor de Justia,

    etc.). A dificuldade destes casos resulta do facto de no existir na

    Constituio, semelhana do que acontece em relao aos direitos

    (artigo 16.), uma norma geral a permitir a imposio de prestaes

    pessoais e patrimoniais de carcter pblico atravs da lei.

    O regime constitucional dos deveres fundamentais

    A epgrafe da Parte I inclui no s os direitos mas tambm os deveres

    fundamentais. Contudo, a maior parte dos deveres constitucionalmente

    previstos esto dispersos noutros lugares da Constituio, no havendo

    sequer dentro da Parte I uma subdiviso especialmente dedicada aos

    deveres. Tambm so poucas as normas dos princpios gerais aplicveis

    simultaneamente aos direitos e aos deveres apenas os princpios da

    universalidade e da igualdade (artigos 12. e 13.), alm dos artigos 14. e

    15.

    O primeiro problema que o estatuto constitucional dos deveres

    fundamentais coloca o de saber se a lei pode criar deveres de carcter

    pblico alm dos previstos na Constituio. O problema surge

    precisamente porque no existe em relao aos deveres qualquer norma

    semelhante do artigo 16., n.1 (os direitos fundamentais consagrados

    na Constituio no excluem quaisquer outros constantes das leis e das

    regras aplicveis de direito internacional). Dois entendimentos so

    possveis: um, segundo o qual os deveres fundamentais, tal como os

    direitos fundamentais, no fazem parte de uma eventual reserva de

    constituio, podendo portanto ser criados por lei; outro, segundo o qual

    os deveres fundamentais tm de ser constitucionalmente tipificados, no

    podendo ser criados por lei. Qualquer das solues perturbadora: a

    segunda, porque inconstitucionalizaria alguns deveres previstos apenas nalei e que constituem elemento imprescindvel de uma repblica de

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    cidados responsveis, tal como a Constituio configura a Repblica

    portuguesa (dever de colaborar na administrao da justia, dever de

    registo, etc.); a primeira, porque deixa discricionariedade legislativa uma

    matria que pode influir decisivamente sobre o estatuto constitucional dos

    cidados, de modo a alterar substancialmente a sua posio perante o

    Estado e perante a sociedade.

    Uma anlise das normas imperativas de deveres parece mostrar que

    elas no so directamente aplicveis, carecendo em todos os casos de

    concretizao legal, embora nem sempre a Constituio remeta para a lei

    (como o caso dos artigos 116., n.4 e 276., n.2). Desde logo porque,

    consistindo quase todas elas em obrigaes de fazer, e partindo do

    princpio de que ningum pode ser coagido a uma actividade, o dever s se

    torna efectivo atravs da cominao das respectivas sanes. Sanes que

    podem ser de dois tipos: sanes penais ou incapacidade para exercer

    determinados direitos (cfr. artigo 276., n.5). As normas constitucionais

    impositivas de deveres implicam assim uma autorizao constitucional de

    definio legal das sanes pelo incumprimento.

    H contudo casos em que a Constituio no impe deveres

    estritamente jurdicos, mas sim deveres cvicos (cfr. artigo 48., n.2). Deve

    entender-se que nestes casos no possvel que a lei venha transform-los

    em deveres jurdicos, mesmo que em geral se seguisse o entendimento de

    que a lei os pode criar. que aqui a prpria Constituio que, tendo

    previsto a hiptese, limitou o alcance jurdico do dever. Obviamente, os

    deveres cvicos no so irrelevantes: autorizam a lei a recorrer a meios que

    possibilitem a censura cvica (no caso, por exemplo, a publicidade dos

    nomes dos no votantes).