os coveiros do beg
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Obra corajosa de Walmir Martins, ex-presidente do Banco do Estado de Goiás, que conta como Iris Rezende e Maguito Vilela enterraram o BEG, patrimônio dos goianos.TRANSCRIPT
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Os coveiros do BEG
WALMIR MARTINS DE LIMA
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Dedico este livro a
Ana Martins de Lima e Jorge Taleb,
in memoriam.
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AGRADECIMENTOS
Eu gostaria de expressar a minha eterna gratidão às minhas irmãs
Goianira e Walquiria, aos meus filhos, às irmãs do Lar Pio XII de Goiânia e do
Carmelo do Coração Eucarístico de Jesus, que, através de suas orações,
suplicavam piedade naqueles momentos mais difíceis, quando eu estava no centro
do furacão que devassou minha vida, arrastado na onda causada pela notícia da
federalização do Banco do Estado de Goiás.
Valdecy Bernardes Leão, ex-chefe de gabinete da Presidência do BEG,
sofreu as injustiças por um crime que não cometeu, relativo à quebra do sigilo
bancário do então candidato e hoje senador Marconi Perillo, mas, sempre fiel
companheira, segurou a “barra” e não denunciou os verdadeiros autores, a fim de
contribuir para o encerramento da “crise” que a derrota eleitoral impôs ao PMDB,
e, nem por isso, mereceu deles o respeito e a consideração devidos. A você,
Valdecy, meus agradecimentos sinceros por sua fidelidade ao PMDB, e minhas
desculpas por não lhe ter revelado que “secretamente” o Governo havia
privatizado o banco.
Aos advogados e amigos Doutores Licínio Leal Barbosa, Ademir Alves
de Brito e José Kléber Leite de Castro, que patrocinaram as minhas defesas em
juízo, externo meus agradecimentos pela dedicação e zelo na condução das
respectivas ações.
Espero que um dia aqueles a quem dediquei admiração, companheirismo,
fidelidade, trabalho honesto e competente, reconheçam que pontes deveriam ter
sido construídas nesses longos anos e não as barreiras do isolamento e do
ostracismo.
Meu carinho e profundo respeito a toda minha família, próxima e
distante.
Espero não ir além, pois o meu tempo de silêncio terminou!
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APRESENTAÇÃO
Um Depoimento para a História
Afonso Lopes, jornalista
Quando me foram entregues os originais deste livro de Walmir Martins
sobre o Banco do Estado de Goiás, imaginei tratar-se de uma elaborada defesa
pública da administração dele. Não estava totalmente errado em minha
premonição de repórter. Realmente, não há nenhuma dúvida de que esta é uma
obra literária e histórica que visa inicialmente a defesa do autor enquanto
protagonista na última etapa da existência do BEG. Mas tudo, desse ponto em
diante, caminha em direção de fato histórico.
Walmir narra em tom intimista, em primeira pessoa. É ele próprio
falando sobre acontecimentos importantes que marcaram a decadência e falência
do BEG. Está tudo aqui, a partir de sua experiência em privilegiadas ocupações
dentro do banco goiano. Ele abriu o jogo e disse o que viu. Há muita coisa
alicerçada em documentos internos. Alguns outros pontos são dedução e
impressões pessoais.
Funcionário de carreira do Banco do Brasil, Walmir revela que um
correntista de quem era amigo o apresentou para a alta cúpula do PMDB goiano
em meados de 1990. Segundo ele, o comando de campanha precisava de alguém
com conhecimentos técnicos e de inteira confiança para trabalhar na organização
financeira da campanha eleitoral daquele ano.
Com a vitória do PMDB, Walmir retomou sua carreira no Banco do
Brasil – afastado, durante a campanha, devido a uma licença-prêmio à qual tinha
direito na época. Mas seu retorno não durou muito tempo. Ele conta que foi
convidado pelo governador eleito, Iris Rezende Machado, a ocupar uma diretoria
no Detran. Não aceitou. Alguns dias depois, surgiu novo convite, desta vez para a
Diretoria Comercial do BEG.
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Walmir diz que os problemas do banco não eram atuais. Ele narra que, no
primeiro mandato de Iris Rezende no Palácio das Esmeraldas, no início da década
de 80, o BEG arcou com sérios prejuízos por causa da Casego, a companhia
estatal goiana que cuidava de uma rede de armazéns graneleiros espalhada pelo
Estado. Ele revela detalhes de toda a evolução negativa da saúde financeira do
BEG desde essa operação até a derrocada final do banco.
Existem inúmeros fatos neste livro que não são necessariamente
desconhecidos pelo público. Uma boa parte de tudo o que aqui está foi noticiado,
à época, pela imprensa goiana. Apesar de todos os cuidados quanto ao sigilo que
cerca operações desse tipo, expôs com competência muito do que ocorreu. O livro
de Walmir acrescenta os detalhes, as conversas e decisões de gabinete. Isto, sim,
forma um importantíssimo capítulo histórico.
Desde sempre os goianos desconfiam com inteira razão de que o BEG
fora vítima de decisões políticas equivocadas. Walmir confirma isso, mas
acrescenta um lado negro. Essas decisões foram intencionais e visando à obtenção
de vantagens pessoais, e não resultado da incompetência e inaptidão
administrativa.
Quando Walmir Martins assumiu a Diretoria Comercial do BEG no
início do segundo mandato de Iris Rezende no Palácio das Esmeraldas, o banco
estava sob severa vigilância do Banco Central, exatamente porque suas estruturas
estavam tão corroídas que a ameaça de desabamento era real. Ele diz que foi
iniciado, então, um duríssimo programa de recuperação.
Sua diretoria ficou responsável pela aplicação das soluções. Walmir se
mostra amargurado ainda hoje, mais de 10 anos depois, por ter fechado agências e
demitido mais de 3.500 funcionários do BEG naquela época. Ele garante que as
medidas surtiram efeito e o banco saiu do controle branco exercido pelo Banco
Central.
A partir desse momento até a federalização do BEG, Walmir narra o que
descobriu e que configura inúmeros ralos por onde foram sugadas fortunas. O
primeiro caso relatado diz respeito às contas correntes das prefeituras municipais.
Walmir conta que uma rede de interesses funcionava dentro da cúpula
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administrativa do BEG com a participação de escritórios de advocacia e de
contabilidade. O objetivo era auferir vantagens ilegais nos repasses do ICMS.
O segundo caso é sobre a relação que o BEG mantinha com a
Bamerindus Seguradora, que utilizava todas as estruturas administrativas do
banco goiano para ampliar sua participação no mercado, e repassava alguns
poucos benefícios aos funcionários do BEG, à OVG, e uma pequena parcela à
Corasbeg, corretora que pertence aos funcionários do banco. Walmir garante que
tentou acabar com o que ele classifica como relação espúria, mas diz que se viu
impedido de assim proceder por “determinações superiores”. Ele afirma que esse
negócio com a Bamerindus Seguradora garantia auxílio financeiro às campanhas
eleitorais do PMDB. Seria, então, a moeda de troca.
O BEG, segundo Walmir, sempre foi moeda de troca. Uma dessas
operações resultou no período administrativo em que a presidência do BEG foi
entregue ao Partido Democrático Cristão e garantiu ao PMDB acordo político na
cidade de Rio Verde, visando às eleições de 1994. O caso Aires Neto, resultante
desse acordo, foi amplamente noticiado pela imprensa, e neste livro há apenas a
confirmação documentada dos fatos, acrescidos detalhes de gabinete.
Mas por que somente agora Walmir Martins resolveu falar sobre tudo
isso? Por que contar dos negócios prejudiciais ao BEG que aconteceram durante
os governos de Iris Rezende e Maguito Vilela? O ex-presidente, que ainda hoje
responde a processo judicial pelo escândalo que ficou conhecido como caso
Astrográfica, diz que se sente abandonado por aqueles que ele julgava ser seus
companheiros. Aliás, ele fala também sobre o caso Astrográfica, e assegura que a
operação visou cobrir gastos das campanhas eleitorais de Iris Rezende, Mauro
Miranda e Maguito Vilela.
Provavelmente, você, leitor, tem em suas mãos o maior e mais detalhado
relato dos interesses que levaram um banco pertencente ao Estado, e, portanto, ao
povo goiano, à falência. Para Walmir, último presidente antes da federalização
que resultou na privatização, o BEG foi enterrado por coveiros. E ele os acusa.
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SUMÁRIO
Capítulo I - Meu Prestar de Contas
Aos Goianos.....................................................................................................
À Família..........................................................................................................
Ao Senador Marconi Ferreira Perillo Júnior....................................................
Capítulo II - Contexto Inicial
A Verdadeira História.......................................................................................
O Ingresso no BEG...........................................................................................
Primeiros Meses................................................................................................
Capítulo III - A Bandalheira
Contas Públicas.................................................................................................
Bamerindus Seguradora....................................................................................
BEG versus Partido Democrático Cristão.........................................................
Operações Irregulares........................................................................................
Contratação de Pessoal......................................................................................
Promoção e Propaganda....................................................................................
Ativação Contábil de Crédito Tributário...........................................................
Montadora Massey Ferguson............................................................................
Caso Astrográfica..............................................................................................
Capítulo IV - Operação Abafa e Outros Desdobramentos
Operação Abafa..................................................................................................
Fazenda em Mato Grosso...................................................................................
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A Verdade..........................................................................................................
Seguradora Bamerindus – Relação Espúria.......................................................
Capítulo V - O Ônus e o Bônus
O Processo Judicial............................................................................................
Capítulo VI - Tentativas de Reestruturação – “Cabo de Guerra”
Situação Patrimonial do BEG............................................................................
A Recuperação do Banco...................................................................................
Carteiras de Desenvolvimento e Arrendamento Mercantil................................
Campanha para Prefeito – 1996.........................................................................
O “Proer” dos Bancos Estaduais............................................................................
O Dinheiro para Futuras Campanhas do PMDB................................................
Capítulo VII - O Fim do BEG
O Quadro Antecessor...........................................................................................
Fundo de Previdência – Prebeg............................................................................
Termo de Comparecimento..................................................................................
Os Efeitos..............................................................................................................
Marconi Perillo – Reação do Governador Eleito..................................................
As Letras Financeiras do Tesouro Estadual..........................................................
O Silêncio...............................................................................................................
Caso Caixego e a Quebra do Sigilo Bancário do Candidato Marconi Perillo.......
Execução da Sentença............................................................................................
O Banco Central.....................................................................................................
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A Sindicância Interna...............................................................................................
O Caso Caixego.......................................................................................................
O Apagar das Luzes.................................................................................................
A Preparação do Banco para Ser Privatizado..........................................................
Capítulo VIII - Final
A História Julgará.........................................................................................
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CAPÍTULO I
MEU PRESTAR DE CONTAS
AOS GOIANOS
Durante sua última campanha para reeleição ao cargo de prefeito de
Goiânia, Iris Rezende Machado, em apoio à campanha de vereadores, veio a
público, em busca de votos, fazer veemente defesa de um vereador candidato à
reeleição, processado perante a Justiça Federal por peculato, consistente em
desvio de recursos destinados ao recolhimento de contribuições de servidores ao
INSS. São fatos sobejamente conhecidos do público e do eleitor goiano. Tanto
que aquele indivíduo não foi reeleito.
Sua defesa pública daquele candidato foi a gota d‟água que entornou os
dez anos de meu silêncio, de meu isolamento público, embora tivesse presenciado
cena semelhante em seu gabinete por ocasião de nosso último encontro.
Articulava ele, a portas fechadas, apoio político a ex-secretário ligado a partido de
aluguel, pessoa demitida sob a acusação de concussão.
Quando ensaiava o primeiro rascunho deste relato, fiquei surpreso com as
declarações do senador Jarbas Vasconcelos, que “chutou o balde” mostrando sua
indignação com tanta bandalheira praticada pelos parlamentares do PMDB.
Não me surpreendi com as críticas do PMDB goiano ao ilustre senador.
As considerações exaradas por Iris Rezende são as mesmas de outras épocas,
quando outras lideranças foram alijadas do PMDB e buscaram guarida em outras
siglas (Henrique Santillo, Nion Albernaz, Sandro Mabel, Marconi Perillo,
Fernando Cunha, Ovídio de Ângelis, etc.).
No momento em que estava finalizando o meu trabalho, eis que líder
importante do PMDB rebela-se contra o chicote do senhor Iris Rezende, chegando
ao ponto de cognominá-lo de “coronel”. Ah! Como eu gostaria de ter visto a cara
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do Iris quando leu as palavras do Ney Moura Teles convidando-o para deixar o
PMDB.
Iris Rezende está, há muito, buscando uma aliança com o PT e está tão
obcecado pelo poder que já entregou a Prefeitura de Goiânia ao grupo do vice-
prefeito do PT. A panela virou caldeirão e está fervendo com o que vai aqui
publicado, nem sei o que pode acontecer. Um aviso: muitas pessoas estão sendo
poupadas, nem queiram saber quantas.
À FAMÍLIA
– Esse negócio de “rombo”, é roubo? Você roubou?
Foi assim que dona Ana Martins de Lima, minha mãe, aos noventa anos
de idade, iniciou a conversa para a qual me havia chamado reservadamente ao seu
quarto, em novembro de 1998. Respondi-lhe que absolutamente não tinha
cometido qualquer irregularidade, e que ela poderia ficar tranquila quanto ao meu
comportamento, apesar das notícias insistentemente publicadas a respeito do
“rombo” no BEG. Disse-lhe que tudo não passava de politicagem e que nada
poderia me comprometer.
– Era só isso que eu queria saber, concluiu ela, dando a conversa por
encerrada.
Dona Ana Martins de Lima faleceu em 24 de outubro de 2005, aos
noventa e sete anos. Algum tempo depois, minhas irmãs, decididas a doar seus
pertences pessoais, encontraram entre seus guardados, o seguinte bilhete:
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Mesmo tendo a certeza de que seu filho não praticara qualquer ato que lhe
pudesse desonrar ou à sua família, sei que sofria muito com as notícias publicadas
na imprensa. Apesar de todo seu sofrimento, sempre senti sua confiança de que
tudo um dia seria esclarecido. Ela, no seu jeito simples, também se indignava com
a falta de solidariedade e covardia desses políticos. Em sua sabedoria de mãe
extremosa, sempre pedia cautela no trato com eles. E arrematava, dizendo:
– Cuidado com suas costas, pois são traiçoeiros e falsos!
À esposa e filhos, irmãs, cunhadas, cunhados, sogra, tios, sobrinhos,
quero, nesta hora, expressar meu agradecimento especial por terem enfrentado
com denodo, coragem e abnegação todos os momentos difíceis por que passamos
e que foram causados pela falta de ação, coragem e responsabilidade de governos
e de governantes que eu via como homens dignos de merecer minha fidelidade,
meu companheirismo e a incansável dedicação à causa do povo.
Sei o quanto foi difícil aos meus filhos enfrentar os colegas do colégio,
do clube e os amigos de modo geral. Enfrentamos, juntos, as consequências das
canalhices desses políticos que sujaram e continuam a sujar um partido político de
lutas e glórias que é o PMDB. Isso ninguém pode negar. O que posso fazer é,
mais uma vez, pedir-lhes desculpas por ter participado de administrações que
envergonharam meu Estado, envolvendo-me e aliciando-me em seus desmandos e
irresponsabilidades.
Manifesto minha gratidão aos amigos que foram e são solidários a mim;
que não se intimidaram, lutaram por mim, como ainda lutam, por acreditarem na
minha inocência. Eles sabem quão injustos e covardes esses governantes foram. A
eles, serei sempre grato.
Meus ex-colegas de trabalho e os ex-clientes do Banco do Brasil, pessoas
com quem interagi durante muitos anos numa relação de respeito mútuo,
confiança e amizade, sabem que a formação por mim recebida naquela casa, por
mais de vinte e cinco anos, fez-me um trabalhador dedicado, honrado e sempre
merecedor da consideração de todos. Aos que se solidarizaram comigo, meu
muito obrigado.
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Para com os queridos beguianos e seus parentes, tenho uma dívida que
jamais poderei quitar. Durante os oito anos que emprestei meu trabalho ao BEG,
sempre dediquei todos os meus esforços no intuito de fazer daquela instituição um
grande banco. Os investimentos maciços em treinamento de pessoal, em todas as
áreas, comprovam minha preocupação em dotar o BEG de mão de obra bem
capacitada.
Trabalhei muito. E vocês, beguianos, além de se dedicarem bastante,
também sofreram muito com a insegurança vivida naqueles dias em razão da falta
de ação governamental para capitalizar o banco. Não pretendia desprover o Estado
das obras necessárias, mas queria que o BEG fosse capitalizado com a devolução
dos recursos retirados de seus cofres ao longo dos Governos de Iris Rezende e
Maguito Vilela, em operações triangulares com empreiteiros, com fianças a
órgãos do Estado e com as próprias letras financeiras.
Cometi dois grandes erros: o primeiro, por acreditar em homens que não
mereceram minha dedicação profissional; o segundo, por crer que, mais cedo ou
mais tarde, os citados governantes despertariam para a importância do BEG e
ajudariam a corrigir seus rumos, caminhando para a possível e plena recuperação
daquela instituição. Como esse despertar não ocorreu, cedendo espaço ao silêncio,
a sociedade goiana não tomou conhecimento em tempo hábil para exigir de seus
governantes as medidas incansavelmente por mim sugeridas para a salvação do
BEG.
Embora tendo por propósito o exercício de uma gestão voltada
unicamente para os interesses do banco, muitas vezes fui obrigado a tomar
providências desagradáveis. Entre elas, a de cumprir ordem pessoal do
Governador para demitir três servidores do BEG, sobre os quais não pesava
nenhuma restrição, mas apenas para atender a capricho político. Um deles era, e
ainda é, cunhado de Marconi Perillo; o segundo, filho de Iturival Nascimento; e
uma filha de Nion Albernaz . Humilhá-los era objetivo exclusivo do Governador.
O cumprimento da ordem me fez odiado pelos atingidos.
Dos mais de três mil e quinhentos atos de dispensa de servidores, posso
garantir que nenhum deles teve caráter pessoal, embora compreenda não ter
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conseguido agradar a todos. Por outro lado, certamente fui compreendido pelos
que desejavam a sobrevivência do BEG e lutavam por ele ao meu lado.
A experiência como diretor e presidente de banco estadual mostrou-me o
quanto pode a irresponsabilidade de políticos comprometer uma instituição, uma
cidade, um Estado ou um país, dependendo, é claro, de sua esfera de influência.
Conheci políticos despreparados para o exercício do poder, convencidos de que
podem tudo sem dar satisfações ao povo.
Estou enojado de tudo!
Lembro-me, neste momento, do diálogo entre pai e filho no livro “O
Caçador de Pipas”1, quando, ao criticar os ensinamentos dos mulás, o pai diz ao
filho que “o maior pecado do homem é roubar. Qualquer outro é simplesmente
uma variação do roubo. Quando você mata um homem, está roubando uma vida –
está roubando da esposa o direito de ter um marido, roubando dos filhos um pai.
Quando mente, está roubando de alguém o direito de saber a verdade. Quando
trapaceia, está roubando o direito à justiça”. Assim, posso, parafraseando, também
dizer que a falta de ação governamental rouba o direito da sociedade de viver dias
melhores; rouba-lhe o direito à saúde e à educação; rouba o emprego de milhares
de pais de famílias. A covardia, a falsidade e a falta de solidariedade, por outro
lado, roubam-nos o direito de acreditar nos homens.
É esse o tipo de político que precisa ser marginalizado pela sociedade,
pelos cidadãos que defendem a ética e a responsabilidade.
Não há ato mais infame do que roubar. Isso, não pratiquei. Os autores do
tão falado “rombo” do BEG são outros.
AO SENADOR MARCONI FERREIRA PERILLO JÚNIOR
Logo depois de sua primeira eleição para o cargo de governador do
Estado de Goiás, em 1998, vieram à tona, por seu intermédio, denúncias acerca do
comportamento dos governantes de então. Uma delas referia-se ao famigerado
1 Hosseini, Khaled. O caçador de pipas. Editora Nova Fronteira, 2003.
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“rombo” do Banco do Estado de Goiás, do qual eu era presidente; a outra, à
quebra do sigilo bancário de Vossa Excelência atribuída a mim e à ex-chefe de
gabinete. As verdadeiras informações do que até então ocorrera nas esferas
governamentais e, de certo modo, o que naquele momento ainda sucedia, não
chegaram oportunamente ao seu conhecimento.
Mantive-me silente durante esses anos todos, em homenagem a pessoas
que – conforme conclusão a que posteriormente cheguei – demonstraram
menoscabo a princípios pelos quais não é possível transigir.
Depois de haver muito meditado durante esse período de ostracismo a
que fui lançado, mantendo-me fiel a princípios que não podem ser objeto de
transigência, como os de lealdade a pessoas e a instituições a que pertenci, creio
ter chegado à hora de revelar o que sei. Assim procedo sem receio algum de violar
minha consciência ou de ser recriminado por quem se sentir atingido, pois tais
pessoas não são merecedoras de complacência, considerando que fui apenas usado
para outros propósitos que não os de servir ao Estado e ao povo goiano.
O relato pormenorizado dos fatos ocorridos durante minha gestão como
diretor comercial e presidente do Banco do Estado de Goiás, do qual fui
protagonista e testemunha, dou ao conhecimento agora de Vossa Excelência e do
povo brasileiro e, especialmente, dos meus conterrâneos do Estado de Goiás, para
que conheçam as verdades dos fatos ocorridos nos Governos de Iris Rezende e
Maguito Vilela, envolvendo, principalmente, o Banco do Estado de Goiás S.A.
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CAPÍTULO II
CONTEXTO INICIAL
A VERDADEIRA HISTÓRIA
Passados mais de dez anos de minha participação no Governo de Goiás,
na qualidade de presidente do Banco do Estado de Goiás (BEG), cujo quadro
integrei como diretor comercial no período de 15 de março de 1991 a 31 de
dezembro de 1994, e como diretor-presidente de 1º de janeiro de 1995 a 12 de
janeiro de 1999, venho, neste depoimento, trazer ao povo goiano e aos brasileiros
a verdade dos fatos que culminaram com a privatização do Banco do Estado de
Goiás, instituição que foi orgulho dos goianos.
Os líderes do PMDB não tiveram a coragem de se responsabilizar por
seus erros depois da derrota eleitoral de 1998; deixaram que a culpa ficasse
indevidamente nos ombros de seus companheiros. Isolaram-se em Brasília e
deixaram o tempo passar. Aos poucos, foram retornando ao cenário político como
homens probos e virtuosos. Nunca tentaram livrar seus companheiros da
execração pública a que foram injustamente lançados. Faltaram-lhes coragem,
piedade e companheirismo. No dizer de um deles, tudo representou o ônus por
terem servido aos seus Governos. Particularmente, fui atingido por acusações vis,
como a de responsável pelo “rombo” de R$200 milhões no Banco do Estado de
Goiás, e de autor da quebra do sigilo bancário do então candidato a governador, e
hoje senador, Marconi Perillo (divulgado por Iris Rezende no último programa
eleitoral de 1998).
Fui, sim, um dos autorizadores do empréstimo à Astrográfica, mas
mediante garantia de que o empréstimo não acarretaria nenhum risco para o banco
e que seria liquidado no vencimento, como na verdade o foi. Essa garantia
quebrou minha resistência de dois meses em conceder o malsinado empréstimo.
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Durante todos esses anos aguardei, pacientemente, que esses mesmos
líderes viessem a público esclarecer as injustiças que sofri. Lutei sozinho.
Nenhum apoio do PMDB ou de seus líderes recebi.
Diz, Iris Rezende, que o PMDB nos deve muito. Não, senhor! O partido
nada nos deve. Os devedores são Iris Rezende, Maguito Vilela e Mauro Miranda,
expoentes desse partido em Goiás que sempre ocuparam os melhores cargos da
carreira política. Eles, sim, foram os grandes beneficiários de tudo o que sucedeu,
conforme passarei a revelar.
Esses indivíduos abandonaram-me à própria sorte. Não podem nem têm o
mínimo direito de me cobrar fidelidade ou confiança, pois, em mais de dez anos,
nunca se dignaram vir a público demonstrar o quanto fui injustiçado.
Naqueles dias, eu pretendia esclarecer tudo sobre o suposto “rombo”,
mas fui impedido. Não queriam agravar mais ainda a situação que a derrota
eleitoral lhes impusera, que, por sua vez, foi agravada pela vergonha nacional
causada pelo rumoroso “Caso Caixego”.
O “rombo” no banco foi ocasionado pela incompetência tanto de Iris
Rezende quanto de Maguito Vilela. Ambos somaram esforços e desinteresse para
criar monstruosa dívida, verdadeiro buraco, o real rombo de mais de
R$1.350.000.000,00 (um bilhão, trezentos e cinquenta milhões de reais) – R$738
milhões da dívida mobiliária, que o BEG carregou durante os dois últimos
Governos; 180 milhões de dólares em dívidas de antecipação de receita
orçamentária ao Tesouro Estadual, de empréstimos não honrados e adiantamentos
a depositantes (pagamento de cheques sem fundos) a órgãos do Estado,
provisionado no período de 1983-1986; mais de R$25 milhões em dívidas da
antiga Casego; R$40 milhões em dívidas de empreiteiras e amigos do poder, as
conhecidas “operações triangulares”; R$92 milhões correspondentes à ativação de
crédito tributário e mais de R$140 milhões em dívida ao Fundo de Previdência –
Prebeg.
Não tiveram eles, nem jamais terão, coragem para reconhecer que o
trabalho desenvolvido no BEG permitiu-lhe sobreviver, apesar do rombo em suas
finanças, sem nunca ter recorrido à assistência financeira do Banco Central.
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Iris e Maguito, sempre que acusados, se defendem vangloriando que
fizeram campanhas públicas para que o povo de Goiás depositasse suas
economias no BEG. É verdade, só que eles nunca explicaram que era com os
depósitos do povo de Goiás no BEG que cobriam as provisões do passado. Que os
depósitos é que garantiam o carregamento da dívida mobiliária do Estado que, em
1998, chegou à cifra de R$ 738 milhões. O aumento do volume de captações
remetia o Banco do Estado de Goiás ao descumprimento do Acordo de Basileia,
pois, ao aumentar a captação dos seus depósitos sem capitalização
correspondente, ou com ínfimo patrimônio líquido, aumentava o seu
endividamento em desacordo com as normas internacionais e do Banco Central,
que regulamentam o setor bancário. Sobre o fato, existem várias correspondências
ao Governador.
Em 31 de dezembro de 1997, o BEG foi avaliado em R$201 milhões, em
que pese tê-lo recebido, em 1994, com balanço “maquiado” pela contabilização de
crédito tributário, cujo estorno foi, mais tarde, exigido pelo Banco Central.
Eles foram e continuam a ser incapazes de reconhecer que o BEG e seu
presidente gozavam de tanto respeito e credibilidade perante seus servidores que
me prestei ao trabalho de conduzir toda a “conjuração” no preparo do banco para
ser vendido à União, sem despertar a menor suspeita. Tudo foi assim conduzido
por exigência dessas pessoas, com o propósito de que o assunto não viesse a
público e não prejudicasse a campanha eleitoral do PMDB. Para agravar mais
ainda a situação, acusavam o candidato Marconi Perillo de que a eleição dele
representava a derrocada do banco.
É por demais doloroso lembrar que, para não deixar o banco sucumbir,
tive que fazer demissões em massa. Mais de três mil servidores perderam o
emprego, os sonhos e seus filhos tiveram os estudos interrompidos; perderam suas
casas financiadas, veículos, plano de saúde e até mesmo a vontade de viver.
Houve cortes de vantagens, adquiridas ao longo de anos de lutas bancárias, como
licença-prêmio, abono por assiduidade e progressão por curso superior, em nome
da garantia do emprego dos poucos que restavam.
Enquanto famílias e mais famílias eram sacrificadas com o fechamento
do BD-Goiás, de inúmeras agências do BEG em Goiás, Tocantins, Minas Gerais e
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Distrito Federal, esbanjavam-se os magros recursos amealhados com o trabalho
coletivo em despesas de propaganda, publicidade e patrocínios determinadas pelo
poder palaciano. Expressivo volume de captações, em lugar de financiar o
desenvolvimento de Goiás, era absorvido na rolagem da monstruosa dívida
mobiliária do Governo. Tamanha era essa dívida que nem o dinheiro da venda de
Cachoeira Dourada seria suficiente para quitá-la.
Dói saber que muitos pais de família, ainda hoje, passados dez anos, não
reencontraram a estabilidade financeira e espiritual perdida. Na leitura minuciosa
deste relato, a sociedade poderá comprovar que a irresponsabilidade no uso de
recursos públicos, a omissão em solucionar problemas e a falta de decisão política
levaram o banco à sucumbência.
O tiro fatal foi combinado e preparado por esses políticos do PMDB nas
salas do Banco Central. Tudo deveria ser mantido em segredo absoluto, pois suas
campanhas não poderiam ser prejudicadas. Nem aos meus companheiros de
diretoria me foi permitido dar conhecimento da traição urdida. Tudo em nome do
zelo pela campanha.
Tivesse Iris Rezende lido o artigo do ex-governador Ary Valadão,
publicado no Diário da Manhã logo depois de sua vitória contra o candidato
Paulo Roberto, saberia, antecipadamente, que não mais seria eleito governador de
Goiás. O artigo, intitulado “O Último Canto do Cisne”, precisaria ser lido e relido
por Iris Rezende, pois, nele, o articulista profetizou que esse peemedebista
populista jamais retornaria ao governo de Goiás.
No tocante ao empréstimo à Astrográfica, não há dúvidas, foi realmente
para pagar as dívidas das campanhas de Iris Rezende, Mauro Miranda, Maguito e
de alguns deputados mais chegados. O empréstimo beneficiou o PMDB e seus
candidatos. Os beneficiários nunca me ofereceram qualquer auxílio jurídico, como
nunca me perguntaram quanto custou minha defesa perante os tribunais. Mas, no
dizer de um deles, “é o ônus...”.
Há ainda a quebra de sigilo bancário geradora do processo que, até os
dias de hoje, prospera contra pessoas inocentes. Iris Rezende é o único
responsável por esse crime. Quando recebeu os documentos referentes à conta
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corrente do candidato Marconi Perillo, deveria ter se recusado a apresentá-los ao
público. Advogado criminalista renomado, ex-ministro da Justiça, arguto
conhecedor da lei, não poderia ter feito o que fez. E pior, permitiu que pessoas
desconhecedoras do assunto fossem execradas publicamente como autoras ou
mandantes desse sujo ato de final de campanha.
O golpe de 1964 abriu o vácuo no qual alguns oportunistas de plantão
conseguiram entrar. Apesar de inicialmente martirizados, alguns deles se fizeram
vítimas e, de vítimas, oportunistas. Um deles é Iris Rezende Machado.
O tempo desapareceu com os “pelegos”. Em lugar deles, fez surgir outra
espécie, a dos que se dizem “sacerdotes”. “Peleguismo” transformou-se, na sua
linguagem, em “sacerdócio”. Hoje, para vergonha dos cristãos, invocam a Deus e,
aos mais humildes, sempre dizem que o Criador lhes reservara essa missão.
Dos escombros provocados pela ditadura, para orgulho dos goianos,
surgiu um grande nome na política de Goiás – Henrique Santillo. Personalidade
política que Iris Rezende Machado destruiu e desonrou, por ter optado pelo apoio
ao mais ilustre de nossos companheiros, o saudoso Ulisses Guimarães.
Por falar em velhos tempos, é bom lembrar que ele também deixou no
ostracismo quem o levou até Dr. Pedro Ludovico, pelas portas dos fundos do
Palácio das Esmeraldas, no início da sua carreira, pois, pelas da frente não seria
recebido – o saudoso vereador Evaristo Martins.
Para culminar a trajetória de Iris, relembro o caso Caixego. Antes, porém,
é preciso revelar que, em viagem com o vice-governador, conversava
confidencialmente sobre as pressões sofridas para deferir o empréstimo à
Astrográfica, em 1994, e, mais tarde, para arranjar recursos destinados ao
pagamento do saldo de campanha para prefeito, em 1996. Pretendia alertá-lo para
o fato de que, em 1998, haveria eleições para o governo do Estado e, certamente,
ele estaria na cadeira do governador e seria muito pressionado para o caixa da
campanha. Alertava, então, o futuro governador, que o “esquema” poderia querer
usar novamente o BEG com o fim de obter dinheiro para a campanha. Dito e feito.
Poderá o vice-governador confirmar ou não, pouco me interessa. A verdade é que,
27
por volta de agosto de 1998, ele me avisou para resistir às investidas porque, da
parte dele, estaria resistindo.
O processo de caça aos recursos já havia começado. Resisti, mesmo
porque o BEG já estava sob intervenção branca com a assinatura do Termo de
Compromisso de Gestão.
Como encontraram resistência no BEG, bateram às portas da Caixego, a
mesma que já haviam “quebrado” e cujo efeito retardado foi parar no colo do
Governo Santillo. Retiraram o que restava da Caixego, segundo denúncia do
Ministério Público Federal. Os inocentes ainda sofrem com aquele escândalo, ao
passo que os verdadeiros culpados, beneficiários e artífices de todas as
artimanhas, continuam a enganar a todos.
Quantos inocentes foram ameaçados para ficarem de “bico calado”!
Quantos ainda têm medo até da própria sombra!
Ainda é possível provar que o PMDB fez, sim, uso daquele dinheiro. A
devolução foi inteiramente rastreada pelo Ministério Público Eleitoral. Mas, logo
dirão que “nada sabiam. Tomaram conhecimento dos fatos pelos jornais”. E que
“os culpados foram severamente punidos”.
Minhas últimas palavras, nesta introdução, são dirigidas aos que mais
diretamente sofreram as consequências dos desmandos dos líderes peemedebistas
– servidores do BEG e suas famílias. Convivo ainda amargamente com a
lembrança dos atos que fui obrigado a cometer na tentativa de salvar o banco. Aos
demitidos e que perderam direitos adquiridos ao longo de sua vida funcional, bem
como aos que lhes são caros, minhas sinceras desculpas.
Pretendia, tão logo conseguisse sanear o BEG, convocá-los a retornar
para suas funções, pelo menos grande parte dos atingidos pelas demissões, e, para
tanto, já possuía um plano para propor ao Sindicato dos Bancários visando à
readmissão. Infelizmente, não consegui. Esse peso, que me foi imposto pela
extrema necessidade de defender a instituição, carregarei nos ombros para sempre.
Diferentemente de mim, que sofri e sofro com demissões e atos que
feriram conquistas de trabalhadores, Iris Rezende Machado, como é de
28
conhecimento de todos (notadamente do servidor estadual), não se importa com
quem será atingido por suas medidas mesquinhas. No início de seu primeiro
mandato, demitiu milhares de chefes de família com a desculpa de que precisava
“enxugar a máquina”. Logo em seguida, contratou milhares de novos servidores,
muitas vezes sem atentar para sua qualificação. E tal gesto, muito próprio de Iris
Rezende, é por ele repetido todas as vezes que assume cargo público no
Executivo. Quem duvidar dessa afirmação que consulte seu histórico político para
confirmá-la. Enquanto isso, a “panela” de Iris Rezende cresce tanto que já se
transformou em caldeirão. Caldeirão protetor dos que ainda lhe interessam. Para
quem ousa dele divergir, a resposta é só maldades.
Iris Rezende completou cinquenta anos de vida pública. Se sua vida fosse
representada por um banco, estaria no vermelho, pelo menos em mais de setenta
anos, tamanho é o resultado de seus desmandos e incompetência como gestor
público.
O INGRESSO NO BEG
Em 1990, eu exercia a gerência de atendimento do Banco do Brasil S.A.,
em Goiânia, onde gozava da amizade, estima, respeito e consideração de todos os
nossos clientes e amigos. Nos meses que antecederam a campanha para eleição ao
governo de Goiás, procurou-me, numa tarde, um dos mais importantes clientes,
Dr. Amir Nassar, cirurgião-dentista respeitado profissionalmente e muito
considerado por seus pares. Naquela oportunidade, revelou-me que o ex-ministro
Iris Rezende Machado, seu cliente, indagara-lhe se conhecia uma pessoa para
prestar serviços em seu comitê eleitoral, trabalhando com seu irmão, Dr. Otoniel
Machado, na área financeira.
Disse-me o Dr. Amir que, naquele momento, lembrou-se de mim. E se
referiu à minha pessoa, conhecida no dia a dia dos serviços bancários, como a que
poderia preencher tais requisitos. Comprometera-se com Iris a fazer a sondagem
para depois voltar ao assunto.
29
Assim, quando retornou ao banco para tratar de seus negócios, fez-me o
convite para prestar serviços à campanha daquele ano, no comitê eleitoral do
candidato Iris Rezende Machado. Respondi-lhe que analisaria a proposta,
discutiria com minha família e lhe daria a resposta brevemente.
Naquela época, contava vinte e cinco anos de serviços prestados ao
Banco do Brasil e trinta e cinco de Previdência Social. Minha carreira no Banco
do Brasil já estava cumprida, pois havia chegado à última promoção de nível
superior, todas por merecimento. Sempre obtive pontuação máxima em todas as
avaliações funcionais como servidor qualificado para o exercício de funções
sempre superiores às da avaliação funcional. Era, em resumo, “dotado de
tirocínio, competente na interpretação e aplicação das normas do banco;
disciplinado e disciplinador; líder nato; proativo, organizado”. Enfim, adjetivos
que sempre me qualificaram como excelente servidor. Tais qualidades já haviam
sido atestadas quando ainda era servidor da Prefeitura Municipal de Goiânia, no
período de 11 de março de 1953 a 21 de junho de 1965, com 4.416 dias
trabalhados sem interrupção, e constando de meu dossiê funcional duas portarias
por elogios ao meu desempenho como servidor público – a de nº 224, de 14 de
junho de 1961, elogiado pela “exemplar boa vontade, distinção, lealdade,
obediência e honradez no cumprimento de seus deveres”, e a de nº 3, de 22 de
fevereiro de 1962, atribuindo-me as mesmas qualidades.
Ainda em 1962, pela portaria nº 132, de 19 de março de 1962, fui punido
com suspensão de quinze dias por haver manifestado solidariedade a colegas
servidores que reclamavam do prefeito pelo atraso de mais de três meses no
pagamento de seus vencimentos. Em 1963, pelo Decreto nº 675/63, foi cancelada
a pena de suspensão que me fora imposta.
Ainda sobre a suspensão, relembro fato histórico. Quem comandava o
movimento contra o atraso dos vencimentos era o servidor José Paulo Baptista, o
mesmo que, anos antes, quando ainda estudante de Farmácia, pichou as paredes
do Lord Hotel minutos depois do brutal assassinato do jornalista Haroldo Gurgel,
que dias antes havia criticado o Governo de então pela falta de energia elétrica em
nossa capital, com os seguintes dizeres: “Aqui tombou um moço defendendo a
liberdade de imprensa”. No dia do assassinato, eu saía do trabalho que exercia de
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office boy e, ao ouvir vários disparos nas proximidades, fui me esconder nas
dependências de O Popular, na Avenida Goiás, abrigado por Rebouças Câmara.
Exerci também o magistério por mais de dezoito anos, emprestando meu
trabalho aos Colégios Xavier de Almeida, em Morrinhos; Professor Pedro Gomes,
Rui Barbosa e Cinco de Julho, em Goiânia.
A resposta ao convite foi positiva. Levado pelo Dr. Amir Nassar ao Hotel
Umuarama, conversei com o então candidato Iris Rezende, que aceitou a
indicação e me recomendou a Otoniel Machado no comitê eleitoral.
Para cumprir essa tarefa sem prejudicar meu trabalho no Banco do Brasil,
consultei meus superiores sobre a concessão de noventa dias de licença-prêmio, já
adquirida, pois assim estaria livre para prestar os serviços de forma competente e
sem comprometer minha responsabilidade perante o banco. Tudo contribuía para
minha nova missão. Deferida a licença, apresentei-me ao comitê eleitoral.
Naquele ano (Era Collor), o Banco do Brasil passava por mudanças e, em
razão de meu afastamento por licença-prêmio, fui removido para a agência de
Aparecida de Goiânia, onde deveria assumir quando retornasse.
Recebi aquela remoção como punição por meu envolvimento com a
política. Ainda assim, vitoriosa a eleição, retornei ao banco e assumi minhas
funções naquela agência. Não sem antes enviar correspondência à diretoria,
questionando a remoção. Tal procedimento motivou o convite para retornar à
agência de origem ou então ocupar cargo na auditoria, função para a qual tinha
sido selecionado antes de meu afastamento por licença-prêmio.
Antes de qualquer decisão, recebi convite para ser diretor do Detran, com
carta branca para moralizar aquele órgão. Consultei os amigos Dr. Ary
Demóstenes e Jorge Taleb. O primeiro foi radical – não deveria aceitar nenhum
convite. Ir trabalhar para governo, ainda mais com Iris Rezende, seria suicídio. Já
o segundo foi mais ameno: “No Detran, não! Se lhe oferecerem um cargo na sua
área, você deve aceitar”.
31
Recusei o convite para o Detran e recebi, alguns dias depois, o convite
para assumir a Diretoria Comercial do BEG. O presidente seria pessoa de meu
conhecimento, pois era cliente no Banco do Brasil.
PRIMEIROS MESES
Ao assumir a diretoria do BEG, recebi a informação de que 50% dos
assessores seriam indicados pela Secretaria de Governo (muitos deles nem
pertenciam ao quadro do banco e nada sabiam de análise e decisão de crédito).
Era assim que as coisas funcionavam. Pessoalmente, não nomeei ninguém.
Aproveitei os servidores do próprio banco para compensar os outros 50%
indicados politicamente.
O BEG estava no Programa de Recuperação Financeira – Proref. Era
como estar numa camisa de força. A inclusão do banco no programa tinha sido
negociada – liquidou-se a Caixego e preservou-se o BEG sob intervenção branca.
O presidente da instituição naquela época, Dr. Ovídio de Ângelis, por essa razão,
contratou os serviços da Auditoria Price Waterhouse para fazer um diagnóstico do
banco. Sua situação era tão ruim que quase foi liquidado juntamente com a
Caixego.
Ao término da auditoria, o presidente comunicou-me que, das mudanças
sugeridas pela auditoria, uma delas seria a de transferir toda a responsabilidade
pela reestruturação das agências do banco para a Diretoria Comercial. Com a
colaboração de toda a diretoria, procedeu-se à mudança que englobava a abertura,
fechamento, adequação do quadro de servidores, reestruturação das linhas de
crédito, criação de novos produtos e, o mais importante, pulverização dos recursos
e criação dos comitês de crédito e intenso programa de treinamento gerencial.
Não é preciso dizer que a reestruturação transformou a diretoria no órgão
mais fortalecido do banco, motivo de inveja e de contrariedade pelo esvaziamento
de outras áreas. Enfim, uma soma de muitas dificuldades.
Com a nova estrutura e muita autonomia, introduziram-se rotinas de
serviços de vanguarda e retaguarda em todas as agências. Criaram-se centenas de
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programas de treinamento de gerentes, caixas e servidores de atendimento. Ao
mesmo tempo, outras áreas contribuíam para melhorar o sistema de informática,
de treinamento de pessoal e de relacionamento com clientes. As mudanças
introduzidas na estrutura das agências fortaleceram a auditoria do banco, que
passou a ver seu trabalho de fiscalização valorizado, pois os relatórios de
fiscalização eram submetidos à aprovação da Diretoria Comercial e, somente
assim, subiam ao conhecimento da diretoria colegiada. Criaram-se, pois,
obstáculos ao engavetamento de processos nas questões que demandavam solução
rápida.
Durante os quatro anos à frente da Diretoria Comercial, meu trabalho foi
incessante. Com isso, o banco aumentou sua clientela, fechou agências
deficitárias, abriu dezenas de postos de serviços e se expandiu, principalmente em
Goiás.
Ainda sob a presidência do Dr. Ovídio de Ângelis, o banco foi liberado
do programa de recuperação financeira e autorizado à captação em cadernetas de
poupança, cujo crescimento geométrico, em razão da credibilidade recuperada,
proporcionou grande incremento em seus negócios. O fantasma que rondava o
BEG, depois do fechamento da Caixego, fora banido.
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CAPÍTULO III
A BANDALHEIRA
CONTAS PÚBLICAS
Depois de levantado o perfil de cada agência do BEG em Goiás,
verifiquei que na relação de clientes não figurava nenhuma prefeitura municipal.
Esse fato chamou-me a atenção logo nos primeiros meses do ano de 1991. Fui
então informado de que todas as prefeituras mantinham suas contas centralizadas
na agência matriz, no departamento que funcionava na sobreloja com o nome de
“Setor Público”.
Ao tomar conhecimento do tamanho das irregularidades que lá ocorriam,
fiquei estarrecido. O estratagema consistia em ali centralizar todas as contas das
prefeituras para recebimento do ICMS. As pessoas envolvidas eram advogados,
escritórios de contabilidade, de assessoria e planejamento, servidores do BEG,
servidores da Secretaria da Fazenda, prefeitos, secretários municipais de Finanças,
tesoureiros de prefeituras, etc.
Essas pessoas sabiam, antecipadamente, o valor que cada município seria
credor naquele mês. A partir daí, o prefeito ou secretário municipal era procurado
e o serviço completo oferecido. Tudo pronto e elaborado, com pareceres sobre a
inexigibilidade de licitação, propostas com coletas de preços, contratos e notas
fiscais de venda de mercadorias ou serviços. Enfim, bastava aderir e acertar o
valor. Assim, nos dias que antecediam o crédito do ICMS, era grande a
movimentação dessas pessoas direcionadas à elaboração de processos que
visavam caracterizar a legalização do gasto de dinheiro público.
Centralizadas as contas em Goiânia, no município ninguém tomava
conhecimento de nada. Os poucos recursos que sobravam eram adicionados à
conta corrente em outro banco, junto com o FPM (Fundo de Participação dos
Municípios). O esquema envolvia grande número de prefeituras. Quase todas
vinculadas ao PMDB. Levei o assunto à consideração superior, mostrando a
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dimensão dessas irregularidades e suas possíveis consequências para o banco, ao
mesmo tempo em que, unilateralmente, tomava medidas que interrompessem esse
fluxo danoso às finanças públicas.
Determinei a imediata transferência de todas as contas correntes das
prefeituras para a respectiva agência de cada município, ficando na agência
central aquelas cujos municípios não possuíam agência ou posto.
A estratégia foi boa, no tocante a extirpar da matriz aquelas negociatas.
Prefeitos, cujas praças não possuíam agência ou postos de serviços, faziam
pressão para que os abríssemos em suas localidades, a fim de que suas prefeituras
pudessem manter suas contas. Após estudos de viabilidade econômico-financeira
e um pouco de atuação dos políticos interessados, alguns foram atendidos depois
da aprovação do Banco Central.
Diante dos obstáculos que dificultavam os desvios de recursos públicos,
alguns prefeitos, através de ingerências superiores (governador, secretário de
Governo), conseguiam empréstimos lastreados com as receitas futuras do ICMS.
Antes do vencimento da prestação, porém – e isso ocorreu uma dezena de vezes, o
secretário de Governo determinava a suspensão do débito da prestação, sob as
mais diversas alegações. O risco do não recebimento daquela prestação, em
verdade, era pequeno, mas prestação vencida e não paga chegava ao
conhecimento da fiscalização do Banco Central, que considerava a tolerância
ilegal e impertinente.
Esse famoso “jeitinho” fez com que diversas prefeituras aparecessem em
relatórios de inadimplência, o que contrariava normas da boa técnica bancária.
Mas, em banco estadual, o Governador julgava-se seu proprietário. Nada pedia,
sempre mandava. Submissão sempre foi a palavra de ordem nos Governos de Iris
Rezende.
BAMERINDUS SEGURADORA
Ainda a respeito da reestruturação das agências do BEG, deparei-me com
uma atuação criminosa da Bamerindus Seguradora, que possuía relacionamento
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espúrio com o BEG na venda de seguros de vida e sinistros aos órgãos públicos,
servidores e clientes do banco.
Essa relação espúria, o Sincor nunca denunciou. Na análise da relação
comercial entre o BEG e o Bamerindus, verifiquei que essa seguradora possuía o
cadastro completo dos clientes do BEG. Nossos gerentes e servidores de
atendimento eram treinados e tinham que cumprir metas de vendas de produtos da
seguradora, mediante recebimento de comissão pela venda e, por ocasião das
campanhas para incremento de vendas, alguns prêmios, tais como geladeiras,
televisores, aparelhos de som, automóveis, viagens, etc.
O Banco do Estado de Goiás cedia a estrutura das agências e não recebia
um mísero centavo por isso. Das vendas de seguros, uma contribuição mensal era
repassada diretamente da seguradora para a OVG – Organização das Voluntárias
de Goiás; a corretora Corasbeg, de propriedade da Associação dos Servidores do
BEG, recebia pequena comissão pelo processamento de alguns serviços.
Ainda como diretor comercial, tentei acabar com essa farra, mas fui
impedido por “determinação superior”. Esse relacionamento espúrio garantiu, em
anos anteriores, auxílio financeiro às campanhas políticas do PMDB. Somente
mais tarde, como presidente da instituição, tal situação foi regularizada.
BEG VERSUS PARTIDO DEMOCRÁTICO CRISTÃO
O banco sempre foi uma poderosa moeda de troca. E não foi diferente no
Governo Iris Rezende Machado. Preocupado em aumentar sua base de influência,
visto que tivera uma eleição apertada, enfrentando o então deputado federal Paulo
Roberto Cunha, representante do município de Rio Verde, Iris acreditava que
precisaria enfraquecer seu adversário no Sudoeste.
Diante disso, compôs-se politicamente com Osório Santa Cruz, prefeito
de Rio Verde ligado ao PDC. Em troca do apoio, entregou o BEG e outros órgãos.
Referida barganha demorou alguns meses para ser concretizada, visto que o
Banco Central não aprovava o nome sugerido para presidir a instituição e, após
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diversos embates políticos do Governo com o Banco Central, o nome indicado
pelo PDC, desde o início, foi aceito.
OPERAÇÕES IRREGULARES
De janeiro a abril de 1994, período que antecedeu a
desincompatibilização de Iris Rezende do governo de Goiás para candidatar-se ao
Senado, vários fatos ocorridos no BEG deram início ao período que muito marcou
sua história.
Ao saber oficiosamente que ocorriam irregularidades operacionais na
agência de Rio Verde, ausentei-me do banco durante três dias. Nessa ocasião, o
presidente aproveitou-se da minha ausência para proceder a alterações na área
operacional, consistente na troca de gerentes regionais e de agências. Nesse
período, encetei investigações que confirmaram minhas suspeitas, como a carta da
agência de Rio Verde (RIVER 0133/94, de 25 de abril de 1994) dirigida à
Diretoria Comercial, em que dava conta de que o então presidente autorizara a
realização de diversas operações de crédito, todas já vencidas, no total de
Cr$537.387.000,00 (quinhentos e trinta e sete milhões e trezentos e oitenta e sete
mil cruzeiros). Naquela carta, o gerente indagava como proceder, “uma vez que,
por determinação superior, somos autorizados a realizar operações, porém sem a
garantia de sua aprovação, ficando desta feita todas as operações irregulares”.
Ao retornar e tomar conhecimento oficial dessas alterações na área
operacional, manifestei minha insatisfação em carta DICOM 063/94, de 22 de
abril de 1994.
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Tais fatos foram levados inicialmente ao secretário de Governo, que se
comprometeu a dar conhecimento deles ao novo governador, deputado Agenor
Rezende, o que provocou uma reunião com a diretoria do BEG, em palácio, com a
presença do presidente.
O governador, numa demonstração de apoio, com o braço em cima do
ombro do então presidente, dirigiu-se à diretoria dizendo que eram amigos, que o
assunto logo seria resolvido com os pagamentos dos empréstimos, e também que
os fatos não se repetiriam. Foi como se dissesse: “Está tudo bem! Já tomei
conhecimento e tudo será regularizado brevemente!” (essa reunião foi confirmada
em depoimento ao MPE no dia 25 de outubro de 1995, no gabinete do procurador-
geral da Justiça).
O assunto relacionado a operações irregulares não cessou, pois, para
liquidar as anteriormente vencidas, conforme compromisso feito ao Governador,
novas operações, conhecidas como “mata-mata”, foram autorizadas pelo
presidente envolvendo outras agências e outros clientes.
A Diretoria Comercial levou os fatos ao conhecimento do Banco Central,
a quem informou acerca das irregularidades das operações, contratações de
servidores, acolhimento de servidores em disponibilidade com ônus para o banco,
despesas com patrocínio e propaganda, enfim, todos os atos que estavam
sangrando suas combalidas receitas. Pedi providências, tendo em vista a
impotência dos diretores em barrar as ordens vindas do palácio e as do presidente
da instituição, que, naquele momento, contava com a “vista grossa” do então
Governador.
O Banco Central, pelo expediente DEBRA/REFIS – 94/0405, de 1º de
agosto de 1994, exigiu do presidente do banco todos os esclarecimentos, e que em
sua resposta desse “ciência de toda a Diretoria e Conselho de Administração do
banco”.
A Vice-Presidência de Operações, em 28 de julho de 1994, antecipando
providências, propôs a aprovação de algumas regras operacionais e as remeteu à
Diretoria Comercial, que, por sua vez, emitiu seu parecer em 16 de agosto de
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1994, cuja homologação pela Diretoria Executiva se deu em 23 de agosto de
1994. Eis o texto do referido parecer:
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CONTRATAÇÃO DE PESSOAL
O Banco Central pediu esclarecimentos ao presidente a respeito do
elevado número de pessoas – 860 – que ingressaram no BEG no período de
janeiro a abril de 1994 (Governo Iris Rezende): trezentas e sessenta e uma em
disponibilidade, com ônus para o banco, e quatrocentas e noventa e nove
contratações.
PROMOÇÃO E PROPAGANDA
Foram gastos Cr$227.216.000,00 (duzentos e vinte e sete milhões e
duzentos e dezesseis mil cruzeiros) no período de 2 de março a 14 de abril de
1994 (Governo Iris Rezende Machado).
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Em razão de tantas irregularidades na área de crédito, adotou-se um filtro
diário para evitar outras operações indevidas. Ao assim agir, a Vice-Presidência
de Operações, a Diretoria Comercial e a Diretoria Jurídica conseguiram abortar a
“Operação Brasília”, negócio fraudulento executado pelos gerentes das agências
de Brasília e de Itapaci, com o concurso de laranjas, em que seria levantada a
quantia de R$2.500.000,00 (dois milhões e quinhentos mil reais). Referidos
créditos já se encontravam em DOCs para compensação junto ao Bemge, mas,
com nossa imediata interferência, foram cancelados e o dinheiro recuperado.
ATIVAÇÃO CONTÁBIL DE CRÉDITO TRIBUTÁRIO
Paralelamente às irregularidades já relatadas, houve também outra de
grande proporção.
No fim de 1993, em reunião da diretoria do banco, o presidente fez uma
preleção em que afirmava haver a Acieg – Associação Comercial e Industrial do
Estado de Goiás – obtido grande vitória na Justiça Federal contra a União, no que
diz respeito à cobrança da Contribuição Social. Disse mais: que todos os
associados seriam beneficiários da decisão. Informou, ainda, que a empresa IAB –
Assessoria Tributária Ltda., de Porto Alegre, fizera proposta para peticionar em
favor do BEG e que os honorários seriam calculados em Ufir, na base de 20%
sobre os valores ativados, correspondentes a 6.223.819,81 Ufirs, totalizando
R$5.668.655,08 pagos no período de 27 de dezembro de 1993 a 15 de setembro
de 1994 (Governo Iris Rezende Machado).
Segundo aqueles advogados, reafirmava o presidente, o BEG poderia
reativar os créditos tributários e, assim, sair da posição negativa para a positiva
em balanço. O diretor financeiro do banco, pessoa a quem estava subordinada a
área contábil e de controle, também enalteceu que a operação era segura e atendia
aos interesses do banco. Em razão da segurança transmitida pelos defensores da
proposta, a diretoria aprovou a contratação, louvando-se em parecer da Diretoria
Jurídica.
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No fechamento do ano de 1994, com o crédito tributário ativado em
valores em torno de R$92.000.000,00 (noventa e dois milhões de reais),
deduzidos os prejuízos, o banco fechou o ano com o patrimônio líquido de
R$58.935.000,00 (cinquenta e oito milhões e novecentos e trinta e cinco mil
reais). O artifício gerou o recolhimento do Imposto de Renda, em razão do lucro
“contábil”. Ressalte-se que, até aquele momento, a empresa de advogados ainda
não havia sequer protocolado a ação de repetição de indébito na Justiça, mas já
embolsara seus honorários.
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MONTADORA MASSEY FERGUSON
Nos meses de agosto e setembro de 1994 fui pressionado pelo secretário
de Governo da época para autorizar a liberação de um empréstimo, no valor de
R$5.000.000,00 (cinco milhões de reais), destinado a financiar a instalação de
uma unidade montadora da Massey Ferguson em Aparecida de Goiânia. Segundo
ele, a decisão era do governador Agenor Rezende e a justificativa da instalação da
montadora era para melhorar a situação do candidato ao governo naquele
município.
Propus estudar o assunto se a empresa oferecesse fiança bancária.
Consultei, na época, o Banco Iochpe, em Porto Alegre, que se absteve de
conceder a garantia. Sem garantias, o empréstimo foi negado.
CASO ASTROGRÁFICA
Se perguntarem a Iris Rezende, a Maguito Vilela ou, ainda, a Mauro
Miranda, eles vão dizer que os responsáveis já foram julgados e condenados e que
o assunto é “café requentado”. Iris Rezende não revela quem fez diversas
articulações visando à exclusão dos verdadeiros responsáveis do processo e
negociando a punição de poucos.
O caso Astrográfica eletrizou a imprensa e os políticos da oposição em
janeiro de 1995. Deitaram falação sobre o uso do dinheiro para pagar despesas de
campanha. A respeito do assunto, falou-se de tudo. Havia, como ainda há, quem
diga saber como tudo se deu.
Os fatos estão apurados no processo judicial. Fez-se o empréstimo de
R$3.660.000,00 (três milhões e seiscentos e sessenta mil reais) a uma empresa
gráfica cujo patrimônio comprovado em seu cadastro no BEG era insuficiente.
Ocorre que, no cadastro junto à Serasa, à qual o sistema financeiro tem acesso,
possuía patrimônio comprovado que representava mais de 1x1, portanto,
representativo, além de se tratar de empresários clientes do banco, honestos,
trabalhadores e idôneos.
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Patrimônio comprovado é aquele apurado mediante apresentação de
escrituras ou comprovantes da propriedade de bens. Não se está, aqui, a discutir o
cadastro da Astrográfica. Trata-se apenas de esclarecimento.
O que nunca se perguntou foi o por quê.
Resposta óbvia à pergunta: tomar empréstimo para pagar dívidas de
campanha eleitoral, campanha vitoriosa que elegeu o Governador, dois senadores
da República, a maioria da Câmara Federal e a maioria dos deputados com
assento na Assembleia Legislativa, assim permanecendo o poder em mãos do
mesmo grupo.
Ora, qualquer um sabe que basta o candidato estar bem nas pesquisas que
doadores não faltam. Eleito, então, nem se fala. Desnecessário seria, portanto,
obter empréstimo bancário, quando seria suficiente ir à busca de doadores.
Fui chamado para resolver a situação e obtive a garantia do então
Governador e do coordenador do comitê de que não haveria nenhum risco, uma
vez que o Governo era sucessão do mesmo grupo e o empréstimo à Astrográfica
seria pago. Não haveria prejuízo para o banco, como de fato não houve. Os
tomadores do empréstimo concordaram em fazê-lo porque também tinham
créditos a receber por serviços prestados à campanha eleitoral.
Após obter o consenso prévio dos demais diretores do banco, já que
estava em vigor uma norma que impedia autorizações isoladas, no dia 5 de
dezembro de 1994 foi autorizada a operação. Escolheu-se a agência de Belo
Horizonte para dar rentabilidade àquela unidade, uma vez que, caso não
melhorasse seu desempenho operacional, estava fadada ao fechamento. Não é
verdade que a operação foi realizada lá com o fito de escondê-la.
Realizado o empréstimo, o dinheiro foi creditado na conta dos tomadores
e, posteriormente, transferido para os demais credores, conforme intensamente
divulgado pela imprensa, em face da quebra do sigilo bancário dos envolvidos e
dada a ampla publicidade de tudo.
No decorrer de dezembro de 1994, sem que tivesse sido cogitado meu
nome para presidir o BEG no Governo que se iniciaria em 1º de janeiro, fui
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surpreendido com o convite para assumir a presidência e proceder à sua imediata
reestruturação, conforme exigira o Banco Central do Governador recém-eleito.
Ademais, os problemas surgidos com o “Caso Aires” e a “Operação Brasília” já
abalavam a credibilidade do banco.
Naquela mesma hora, estavam reunidos em assembleia geral os membros
do Conselho de Administração do banco, sob a presidência do secretário da
Fazenda, Valdivino de Oliveira.
Incontinenti, aceitei o convite. Disse ao Governador, porém, que era
necessário aproveitar aquela assembleia para já proceder a algumas mudanças e
ganhar tempo. Ali, naquela hora, foram reduzidas as diretorias de doze para cinco
e cortadas centenas de funções comissionadas, além de determinar a devolução de
todos os funcionários em disponibilidade no banco, sem exceção. Em razão de ter
feito toda a reestruturação das agências, tinha perfeita noção de que a matriz
precisava de cortes radicais. Por isso, sugeri aquelas medidas de impacto.
Uma vez empossado, fui surpreendido com a cópia do processo da
proposta da operação feita à Astrográfica em mãos estranhas e indevidas. Segundo
se apurou, o gerente envolvido na “Operação Brasília” teria recebido a referida
cópia e se encarregado de divulgá-la. Antes, porém, tentou trocá-la por sua
readmissão no banco (tinha sido demitido por justa causa por envolvimento
naquela operação).
Tão logo o Governador tinha tomado posse, em janeiro de 1995, recebi
relatório emitido pela Diretoria de Planejamento e Controle do DER-Goiás,
posição em 9 de janeiro de 1995, com a relação das empreiteiras que tinham
créditos junto ao Estado de Goiás, na qual alguns nomes estavam assinalados. A
finalidade era procurá-las para levantar o necessário para pagar o empréstimo
anteriormente feito.
Sem a preocupação de ser demitido, mandei dizer que não me prestaria
àquele serviço como presidente do banco. A seguir, tendo em vista o vazamento
da operação à Astrográfica, passei a trabalhar na “Operação Abafa” e a exigir que
o empréstimo fosse liquidado conforme prometido.
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Os contatos de cobrança para pagamento do empréstimo sempre
envolveram o senador Iris e o Governador. Eles, sim, tinham força para conseguir
contribuições para a liquidação da fatura. As campanhas de senadores e
governador foram beneficiárias dos recursos oriundos do empréstimo.
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CAPÍTULO IV
OPERAÇÃO ABAFA E OUTROS
DESDOBRAMENTOS
OPERAÇÃO ABAFA
Iris Rezende, Maguito Vilela e Mauro Miranda, por ocasião da
divulgação pela imprensa do empréstimo e do suposto uso do dinheiro no
pagamento de despesas de campanha, declararam que nada sabiam, que tomaram
conhecimento do assunto pela imprensa.
Os técnicos do banco se desdobraram para contornar as dificuldades
surgidas com a boataria e, para tal tarefa, demonstraram, nas articulações, que o
empréstimo fora tomado por empresa e empresários idôneos; os recursos
emprestados eram de livre movimentação, e não recursos subsidiados ou com
destinação própria; a operação seguiu os trâmites normais com proposta, contrato
e nota promissória; a liberação dos recursos se deu na conta corrente dos
tomadores, além de ter sido o empréstimo pago em seu vencimento e com a taxa
de 8,5% ao mês, o que rendeu ao banco substancial lucro. Esclareceram, também,
que as relações dos empresários com o processo eleitoral não eram problema do
banco. As articulações foram necessárias e também comandadas por técnicos
detentores de credibilidade, em razão de ter sido divulgado, erroneamente, que a
operação era fraudulenta. O senador Iris Rezende Machado cuidou de evitar que o
sigilo do tomador do empréstimo fosse quebrado, uma vez que já estava pago e
também por ser de seu interesse.
O empréstimo foi integralmente pago no vencimento das parcelas e com
juros de mercado, à taxa inicial de 8,5% a.m. Após o pagamento das duas parcelas
iniciais, a terceira e última teve a redução para 6,5% a.m., como bônus à
pontualidade (rotina em procedimentos bancários garantidos), e, assim, o
empréstimo foi liquidado sem causar prejuízo ao banco.
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Durante os anos de 1995 a 1998, foram realizadas diversas articulações
através da “Operação Abafa”. A divulgação não correspondia aos interesses dos
políticos cujas campanhas foram as beneficiárias do dinheiro dos empréstimos à
Astrográfica. Se tudo tivesse sido esclarecido logo de início, talvez não houvesse
despertado o interesse em conhecer todo o imbróglio.
O PMDB e seus líderes puseram essa bomba em minhas mãos. Depois
me apunhalaram pelas costas. Como afirmou certo jornalista, em artigo publicado,
“a lâmina do punhal do senhor Iris Rezende jamais se enferrujará, pois estará
sempre cravada nas costas de um amigo”.
Quanto aos demais empréstimos tomados por outras empresas, segundo
declarações em processo judicial, parte deles foi emprestada ao PMDB.
Comprovado está que não recorri a nenhum empresário para fazer semelhante
solicitação, nos moldes do ocorrido com a Astrográfica. Somente fiquei sabendo
do assunto quando as operações de empréstimos venceram, não foram pagas e,
assim, determinadas as suas execuções. É preciso destacar que as empresas que se
dispuseram a ajudar o partido poderiam ter buscado recurso em qualquer
instituição financeira, uma vez que eram possuidoras de excelente perfil
econômico-financeiro.
FAZENDA EM MATO GROSSO
Não sei precisar a data, mas ainda no primeiro semestre de 1995 recebi a
visita do jornalista Herbert Morais, do Jornal Opção, que, numa prolongada
audiência, me informou ter recebido uma carta com denúncia vazada nos
seguintes termos: “Que no dia tal, eu, o ex-governador Agenor Rezende e um
empresário e fazendeiro paulista em Mato Grosso tomamos uma aeronave prefixo
tal e nos deslocamos até a cidade de Campinas, no Estado de São Paulo, onde, em
um escritório, estava sendo realizada a compra de uma fazenda em Mato Grosso”.
Tal fazendeiro rabiscara a sua proposta em papel, mostrando o preço e as
vantagens do negócio, que envolvia uma troca de fazendas. Segundo ainda o
jornalista, a pessoa que escrevera tal carta lhe disse que o fazendeiro embolou o
papel e, atirando-o no lixo, disse a Agenor: “É pegar ou largar!”. Foi além, o
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informante, dizendo que eu teria assistido a tudo. Então, Herbert Morais me
perguntou o que eu sabia da compra dessa fazenda em Mato Grosso.
A VERDADE
Nunca fui a Campinas. Nunca viajei com Agenor Rezende, mas sei quem
é o empresário paulista e fazendeiro. Também não participei de compra ou troca
de fazenda entre ambos, pois desconheço totalmente o assunto.
A presidência recebia sempre relatórios de dívidas vencidas e não pagas
para determinar as suas execuções. Dentre o rol, foi-me apresentada uma operação
vencida na Agência Tamandaré, de valor expressivo, em torno de R$2.000.000,00
(dois milhões de reais). Autorizada a execução do rol de operações vencidas,
deparei-me com a solicitação da gerência daquela agência para sustar a execução
da operação, pois estariam a providenciar seu pagamento. Na verificação da
proposta desse negócio, constatei tratar-se de operação com cliente novo,
realizada logo depois da abertura da conta. O tomador era um empresário paulista,
grande fazendeiro em Mato Grosso e vizinho de um político goiano que também
tem fazenda naquele Estado.
Quando se fez a cobrança ao devedor, correu a notícia de que o dinheiro
fora utilizado para complementar o pagamento de negócios relativos à troca e
compra de terras em Mato Grosso. O envolvido no negócio, suspeitava-se, era o
ex-governador Agenor Rezende.
Algum tempo depois, uma empreiteira de Mato Grosso teria se
encarregado da liquidação da operação, mediante empréstimo junto ao BEG no
mês de abril de 1995. Até meados do primeiro semestre de 1998, porém, a
operação de crédito à empreiteira estava registrada em crédito liquidação e seu
nome incluído no rol de devedores constantes na carta que enviei ao Governador
em 4 de novembro de 1996. Como ela era detentora de créditos junto ao Dergo,
no momento da liberação de seu pagamento, o que era aguardado com ansiedade,
o débito teria de ser liquidado (quando não havia interferência para não se fazer o
débito do título ou da parcela).
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Operações dessa natureza, oriundas de decisões políticas tomadas por
quem detinha o poder, sempre representaram as mazelas dos bancos estaduais.
Muitas dessas empresas, em função de seu perfil econômico-financeiro, podiam
buscar recursos em muitos bancos do sistema financeiro, só que no banco estadual
não se preocupavam em pagar no vencimento.
SEGURADORA BAMERINDUS – RELAÇÃO ESPÚRIA
Na presidência do banco, mostrei ao governador recém-eleito, Maguito
Vilela, que me nomeou, a necessidade de acabar com aquele negócio espúrio com
a Seguradora Bamerindus. Imediatamente, ele me autorizou a procurar a
Seguradora Coplaven e a discutir um contrato que contemplasse os interesses do
banco.
Não prosperou a negociação. Segundo informações do presidente da
Susep na época, por ação da Coplaven e dos corretores de seguros do Estado de
Goiás, no ano de 1994 foram vendidos seguros de automóveis a preço de
“banana” e, por essa razão, a seguradora não estava honrando os sinistros. Tanto
que, alguns meses depois, sofre intervenção da Susep.
Por sugestão do Banco Regional de Brasília – BRB, nosso coirmão, e
com o consentimento do Governador, mandei cancelar o contrato com a Coplaven
e determinei a reestruturação da Corasbeg, com a qual o BEG firmou convênio de
prestação de serviços. Encerrei aí a relação espúria com a Seguradora
Bamerindus. No período de setembro de 1995 a agosto de 1998, o Banco do
Estado de Goiás recebeu mais de quatro milhões de dólares; a OVG –
Organização das Voluntárias de Goiás, em torno de três milhões e meio de
dólares; e a Corasbeg, em torno de um milhão e duzentos e cinquenta mil dólares.
Tenho ainda comprovantes do período de outubro/1997 a setembro/1998, emitidos
pela OVG, que teria recebido R$ 1.436.000,00 (um milhão, quatrocentos e trinta e
seis mil reais) de contribuição.
A razão de fundo das denúncias de que o BEG mantinha uma relação
irregular com a Corasbeg e todas as questões enfrentadas com relação à venda de
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seguros naquele banco, estão assentadas no interesse econômico do denunciante e
de outras pessoas que gostariam de ter continuado com o “bolo” nas mãos.
Enquanto o ramo de seguro era explorado pela Seguradora Bamerindus, ninguém
protestava.
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CAPÍTULO V
O ÔNUS E O BÔNUS
O PROCESSO JUDICIAL
Em razão do comprovado receio de que a revelação do caso do
empréstimo à Astrográfica pudesse prejudicá-los politicamente, depois da vitória
do candidato Marconi Perillo e de denúncia do Ministério Público Federal, fui
procurado diversas vezes e também fui ao encontro de Iris Rezende Machado,
Mauro Miranda e Maguito Vilela. Conquanto nenhum deles tivesse me
perguntado se eu precisava de ajuda para arcar com honorários advocatícios,
sempre me pediam calma, tranquilidade e diziam “que isso daria em nada”,
porque o empréstimo fora pago e não causara prejuízo ao banco, “que aguentasse
firme e que tudo seria esclarecido”. Fiz a minha parte até ontem.
Passados mais dez anos, alienei patrimônio adquirido ao longo de mais
de quarenta anos de trabalho para me defender em processos judiciais. Já despendi
R$155.000,00 (cento e cinquenta e cinco mil reais). Minha ex-chefe de gabinete,
com gastos superiores a R$80.000,00 (oitenta mil reais) em todos os processos,
inclusive cinco de natureza eleitoral, acusada de promover reuniões em prol das
canditaturas de Iris Rezende, Maguito Vilela e Mauro Miranda, teve também que
dispor de patrimônio familiar para conseguir o dinheiro.
Do total de treze processos, onze não prosperaram. Algumas denúncias
foram rejeitadas liminarmente e em outros processos fui absolvido por não haver
sido comprovada nenhuma conduta lesiva ao patrimônio do banco ou aos seus
acionistas.
O processo da Astrográfica rendeu-me a condenação ao pagamento da
multa de trezentos salários mínimos da época do fato, devidamente atualizados. O
PMDB e os diretamente beneficiados com os empréstimos nunca se manifestaram
sobre esse assunto. Quanto ao último processo que prosperou, referente à quebra
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de sigilo bancário do candidato Marconi Perillo, divulgada por Iris Rezende
Machado, farei comentário especial à parte.
Os beneficiários do empréstimo à Astrográfica, o PMDB, Iris Rezende
Machado, Mauro Miranda e Maguito Vilela, nunca se preocuparam com essa
situação. Iris Rezende disse-me, algumas vezes, que, esse problema, o Maguito
Vilela deveria resolver, porque fui presidente do banco no Governo dele
(Maguito) e que o empréstimo beneficiou a eleição do Governador. Ledo engano,
porque o comitê financeiro era da coligação e todos foram beneficiados, inclusive
alguns deputados estaduais e federais, aqueles da “velha panela”. Ocorre que o
empréstimo somente foi feito por ser garantido por Iris. É bom lembrá-lo de que,
no seu Governo, eu era apenas um dos diretores do banco. Só que ele está se
esquecendo que foi como “seu” diretor que autorizei a operação.
No ano de 2007, procurei Iris Rezende para lhe dizer das dificuldades
enfrentadas, relativas às condenações e à execução da sentença, sobretudo porque
ele jamais pronunciou uma só palavra me isentando. Ele reagiu perguntando-me
se queria culpá-lo. Disse-lhe que nunca o culpei de nada, e nada havia comentado;
que aguentei o “tranco”, mas todos me viraram as costas. Rapidamente, na sua
esperteza, disse-me que tudo isso representava o ônus de ter sido presidente do
banco. Retruquei que nada fizera em benefício pessoal. Dos processos a que
respondi, nenhum foi por conduta lesiva aos interesses do banco, por haver
efetuado gastos excessivos com patrocínio e propaganda ou mesmo praticado
algum desvio financeiro.
A partir daquele momento, passei a sentir que fora enganado o tempo
todo, tapeado, usado e, finalmente, além de traído, descartado. Já não preciso,
portanto, ter para com essas pessoas nenhum sentimento de solidariedade,
fidelidade e companheirismo. Lutarei, enquanto forças tiver, para me ver livre da
condenação judicial pelo empréstimo à Astrográfica, baseada na prática de gestão
temerária. A operação não causou nenhum prejuízo ao banco, nem problemas ao
sistema financeiro. O processo em que fui condenado teve seu início cinco anos
depois da liquidação do empréstimo.
Vou lutar. E enquanto estou nessa luta, Iris Rezende Machado, Mauro
Miranda e Maguito Vilela ficam com o bônus.
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CAPÍTULO VI
TENTATIVAS DE REESTRUTURAÇÃO – “CABO DE
GUERRA”
SITUAÇÃO PATRIMONIAL DO BEG
Ao assumir a presidência do banco em 1995, recebi a visita do contador-
geral, que manifestou sua preocupação com a ativação de crédito tributário
realizada no final do ano anterior. O assunto, naquele momento, pareceu-me
muito grave. Não era tão simples, como fora apresentado pelo diretor financeiro e
pelo ex-presidente no início do ano de 1994. Naquele encontro, o contador-geral
apresentou pareceres da área contábil do banco, contrários à contabilização. E
foram ainda mais corajosos afirmando que notaram nos representantes da IAB –
Assessoria Tributária Ltda. – apenas o interesse no recebimento imediato de seus
honorários.
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Naquela oportunidade, também temia aquele contador que o Bacen
pudesse exigir o estorno contábil, em razão da falta de sentença favorável, e
também porque a ação ainda não tinha sido sequer protocolada na Justiça Federal.
O estorno abriria um passivo no banco de mais de R$100.000.000,00 (cem
milhões de reais).
Aprovada a proposta da área financeira, o balanço do banco, em 1994, foi
maquiado e o entregaram ao novo Governador como se o BEG fosse possuidor de
um patrimônio líquido de R$58.000.000,00 (cinquenta e oito milhões de reais). A
partir daquele momento, passei a dirigir uma instituição virtualmente “quebrada”
e tendo ainda que lidar com os estragos provocados pelo “Caso Aires Neto” e a
“Operação Brasília” e, ainda, preservar o próprio banco com a “Operação Abafa”
do “Caso Astrográfica”. Comuniquei pessoalmente ao Governador sobre o risco
do estorno do crédito tributário, que me orientou a aguardar a manifestação do
Banco Central para, então, agir.
A falta de providências para o ajuizamento da ação por parte da IAB, no
ano de 1994, fez com que decidisse pela contratação de escritório de advocacia
sediado em Goiânia (Drs. Rodrigo Rizzo Vasques, Márcia Campos Rizzo e Maria
Augusta Fernandes Justiniano), com cláusula de êxito. Em 20 de maio de 1996
(não sem antes tentar resolver, sem sucesso, o problema com a IAB), ajuizaram a
ação de repetição de indébito. Infelizmente, os resultados foram negativos. A
preocupação do contador quanto à determinação do banco Central para o estorno
do crédito tributário, confirmou-se em junho de 1998 (vide Termo de
Comparecimento mais adiante).
Com a extinção do processo referente à ação de repetição de indébito,
sem o julgamento do mérito, por sugestão do Departamento Jurídico do banco, e
após coleta de propostas, foi apresentado o escritório Perdizes de Jesus
Advogados Associados S/C como o melhor no quesito preço e competência.
Contratados, esses advogados reverteram a situação e recuperaram para o Estado
de Goiás o crédito tributário tão ansiosamente reclamado.
A referida contratação rendeu-me um processo na Justiça Federal por
crime contra o sistema financeiro (art. 4º da Lei nº 7.492/86 e art. 89, parágrafo
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único, da Lei nº 8.666/93), do qual fui absolvido, por falta de justa causa, por
sentença de 26 de julho de 2000.
Por ter agido corretamente na defesa dos interesses do banco, na
recuperação de tributos recolhidos indevidamente à União, além do
constrangimento de responder ao processo, arquei com um prejuízo financeiro da
ordem de R$30.000,00 (trinta mil reais), à época, para me defender da estúpida
ação política do Ministério Público Federal. Dos resultados, tanto da absolvição
quanto da vitoriosa recuperação de mais de R$50 milhões, não se disse uma só
palavra até os dias de hoje. Nunca contei com a solidariedade de ninguém.
A RECUPERAÇÃO DO BANCO
No dia 4 de janeiro de 1995, pela carta PRESI/SEGER 001/95, informei
ao Banco Central as primeiras medidas:
a) extinção de quatro diretorias, duas vice-presidências e duas
superintendências;
b) extinção de três comitês e de duas assessorias;
c) extinção de seis departamentos;
d) extinção de 12 gerências de serviços da matriz;
e) extinção de 28 funções comissionadas;
f) devolução de 361 servidores ao Estado;
g) demissão de 182 servidores que respondiam a processo por
improbidade e que ainda permaneciam nos quadros do banco;
h) demissão de 252 empregados aprovados no último concurso com
diplomas de cursos superiores, como Medicina, Engenharia, Psicologia,
Odontologia, em razão do acesso por reenquadramento na profissão (banco
precisa de bancários);
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i) redução de 50% das seções e divisões no âmbito da administração
central;
j) redução em 50% do número de empregados do BEG à disposição da
Casbeg;
l) suspensão de horas extras;
m) redução imediata de 60% das despesas com relações públicas,
propaganda e publicidade;
n) proibição do uso de táxi.
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Essas providências refletiram imediatamente no caixa do banco. E, por
falar em caixa do banco, é necessário destacar que o BEG já completara quarenta
anos e não possuía seu fluxo de caixa informatizado. Todos os dias, a presidência
somente tomava conhecimento se o banco estava ou não no vermelho por volta
das dez horas, quando era possível manualmente saber o resultado do dia anterior
entre operações ativas e passivas.
Na superação de algumas dificuldades, contei com a colaboração do
BBC, na pessoa do ex-senador e governador Irapuan Costa Júnior, que me indicou
pessoas do ramo para estruturar a mesa de operações do BEG. Simultaneamente,
contratei uma equipe da FIA/USP – Fundação Instituto de Administração da
Universidade de São Paulo – para estruturar e treinar servidores para cuidar do
fluxo de caixa.
A área técnica do banco respondeu com competência, proporcionando a
instalação de equipamentos e programas. Assim, em pouco tempo, superou-se o
atraso de décadas. As informações de todas as posições estavam disponíveis
sempre antes das oito horas e, assim, proporcionava a atuação eficaz dos
operadores de mercado na venda e compra de papel e moeda.
Durante o ano de 1995, trabalhamos intensamente em diversos
programas de treinamento gerencial. Dediquei-me, no início, ao fechamento de
agências fora do Estado de Goiás, começando pelo Estado do Tocantins,
reduzindo as de Minas Gerais e do Distrito Federal. Reestruturamos as restantes,
ao mesmo tempo em que implantamos intenso programa de informatização.
No dia 13 de novembro de 1995, encaminhei ao governador Maguito
Vilela, por intermédio do secretário da Fazenda, a correspondência
PRESI/SEGER 487/95, datada de 10 de novembro de 1995, solicitando-lhe a
dação em pagamento de 18,46% das ações PNB, de emissão da Celg, no total de
807.264.334 (oitocentos e sete milhões, duzentas e sessenta e quatro mil, trezentas
e trinta e quatro) ações, para pagamento da fiança da Casego – Companhia de
Armazéns e Silos do Estado de Goiás – junto ao Banco Regional de Brasília, uma
vez que o BEG, na condição de fiador, havia honrado os pagamentos. Caso o
Estado concordasse com a dação em pagamento, ainda seria detentor de 62,22%
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das ações da Companhia Energética de Goiás. Na mesma proposta, ofereci a
recompra das ações pelo governo, na base de 1/12 por mês.
O mecanismo poderia ser estendido aos demais credores do Estado,
devedores do BEG. Com a engenharia financeira, o banco ficaria na posse das
ações, sem grandes operações vencidas e provisionadas, e o Estado poderia
recomprá-las do banco em longo prazo. O resultado obtido foi o recebimento de
ativos da Casego, representados por armazéns e vários conjuntos habitacionais no
Estado de Goiás, com inadimplência elevadíssima e saldos devedores de até dez
vezes o valor do imóvel. Ambas as empresas, Casego e Celg, possuíam
pendências com o INSS, o que impedia a escrituração dos imóveis em favor do
BEG, retardando, assim, o início dos processos de leilões. Essa primeira proposta
de capitalização e fortalecimento do BEG com as ações da Celg ficou sem
resposta.
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Implantadas todas as mudanças estruturais visando ao fortalecimento do
banco, apesar do baixo nível de capitalização e carregando os créditos tributários
que foram ativados no Governo Iris Rezende no valor de R$92.000.000,00
(noventa e dois milhões de reais), iniciei o ano de 1996 preocupado em mudar as
regras de concessão de crédito, até então na contramão da boa técnica bancária.
Entre as medidas, busquei incrementar ainda mais a redução de despesas
com propaganda e patrocínio. A situação era de aperto financeiro. Grande número
de clientes ainda recorria à intermediação de alguns políticos para conseguir
vantagens no banco. O resultado, mais tarde obtido, será demonstrado neste
depoimento.
Durante décadas, até meados de 1991, o sistema operacional do banco
era concentrador, ou seja, o diretor era quem emprestava dinheiro aos clientes.
Deparei-me com essa situação como diretor comercial, quando vários desses
clientes, vindos do interior, procuravam a diretoria para solicitar empréstimos de
qualquer natureza. Muitas vezes, vinham acompanhados de “QI” (quem indicava),
quase sempre um político da situação. Acertada a concessão do empréstimo, o
cliente retornava à agência já com o deferimento assegurado.
Realizei muitas mudanças no ano de 1994, inclusive para barrar as ações
isoladas do presidente da época, mas era necessário fazer muito mais. Comecei,
então, o trabalho de convencimento do presidente do Conselho de Administração
e secretário da Fazenda, deputado Romilton de Morais, e do governador Maguito
Vilela para concordarem com as mudanças no estatuto do banco, de maneira a
eliminar a alçada operacional de que dispunha cada diretor. A proposta
contemplava dois níveis na agência e três na matriz. Quando uma operação era
indeferida na agência, era arquivada.
A partir da implantação das mudanças, nunca uma operação indeferida na
agência foi encaminhada à diretoria por ingerência política para ser deferida.
Ainda ocorria o caso de uma operação ser aprovada na agência e, ao ser
examinada pelo Comitê de Crédito da Matriz, se indeferida, era também
arquivada e não subia à consideração da diretoria. Por fim, as operações que
subiram ao nível da diretoria eram somente as que mereceram a aprovação dos
comitês inferiores.
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As agências passaram a operar com limites pré-aprovados e, nos demais
níveis, foram fixadas as alçadas de cada comitê de crédito. Criou-se, também, um
nível acima da diretoria executiva. Atribuiu-se função operacional ao Conselho de
Administração.
Não foram muito fáceis tais mudanças, pois impediam as ingerências e
de nada adiantavam as pressões para a concessão de empréstimos. Até na
implantação dessas mudanças os comitês de crédito tinham apenas fachada,
porque a diretoria podia fazer tudo.
CARTEIRAS DE DESENVOLVIMENTO E
ARRENDAMENTO MERCANTIL
Durante o ano de 1996, em razão de o banco estar seguindo um rumo
para se ajustar às exigências do mercado financeiro, o Banco Central autorizou a
instalação das Carteiras de Desenvolvimento e Arrendamento Mercantil.
CARTÕES DE CRÉDITO
Quando assumi a Diretoria Comercial do BEG, em 1991, lá o encontrei
operando com duas bandeiras (American Express e Sollo). No exame de relação
de negócios, verifiquei que o BEG não levava vantagem alguma. As
administradoras desses cartões não garantiam ao BEG nem o float mínimo dos
recebíveis. Aquelas empresas mantinham, periodicamente, treinamento gerencial
para venda de seus produtos, garantindo aos servidores do banco, por seu
desempenho, prêmios em eletrodomésticos, automóveis e viagens.
Não conseguia identificar o verdadeiro interessado no negócio. Que
havia alguém levando vantagem, havia!
Fiz diversas incursões contra aquela situação e, ao final, consegui que as
administradoras daqueles cartões mantivessem uma expressiva conta de depósitos
junto à nossa agência em São Paulo e exigi que o lançamento de qualquer
campanha fosse submetido ao crivo da Diretoria Comercial.
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Empossado em 1995 na presidência do banco, determinei a implantação
do cartão do BEG, vinculado às bandeiras Visa e Mastercard, rompendo, assim,
aquela relação espúria com os cartões Sollo e American Express.
Simultaneamente, os técnicos do banco trabalharam na implantação daquele
produto altamente rentável e que também produziria grande visibilidade para o
BEG. Seria necessário contratar uma empresa de nível nacional para ser a
administradora do cartão. Corremos contra o tempo e fizemos a licitação.
Durante o processo licitatório, não faltou “gente” interessada. Recebi
pressão para que, mediante dispensa ou inexigibilidade de licitação, contratasse as
empresas que seriam recomendadas. Numa dessa visitas, aliás, duas, recebi um
deputado da base do Governo, que lá comparecera recomendado pelo senador Iris
Rezende, “achando que a inhambu já estava na capanga”, como se diz
vulgarmente, isto é, imaginava o parlamentar que a recomendação do senador
seria suficiente para romper meu objetivo de procurar, de todas as formas, dar
transparência aos negócios do banco. Resisti, criei obstáculos, até finalmente
proceder de modo correto: contratar a empresa vencedora da licitação.
A implantação desse produto bancário contribuiu diretamente para o
grande impulso nos depósitos e no crescimento da clientela. O acesso ao cartão de
crédito e débito pelos clientes com menor poder aquisitivo, trouxe àquelas pessoas
maior dignidade como correntistas do banco. Assim foi feito. Eliminei a relação
comercial que não rendia ao banco um centavo sequer, por um produto próprio,
transparente e muito rentável, sem a suspeita de que alguém auferisse vantagem
ilícita.
CAMPANHA PARA PREFEITO – 1996
Com o PMDB novamente derrotado na campanha à Prefeitura de Goiânia
em 1996, um volume expressivo de dívidas foi deixado sem pagar.
Iris de Araújo, hoje deputada federal, presidia o Diretório Regional do
PMDB. O candidato derrotado dizia não ter condições de pagar e o encarregado
do comitê financeiro por diversas vezes recorreu a mim em busca de auxílio. Tais
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dívidas mexiam com todo o governo e a pressão para ajudar a encontrar meios de
pagar as despesas da campanha de candidato do PMDB foi intensa. Finalmente,
conseguiram encontrar diversos empresários dispostos a fazer doações. Mas, para
isso, deveriam receber seus créditos junto ao Dergo, ou, então, o banco
emprestaria aos empresários e aguardaria o Estado liberar o dinheiro do Dergo
para amortizar os empréstimos.
– Não! Essa foi minha resposta. Insisti em expressar minha certeza de
que, dessa forma, o Estado não pagaria mesmo. O banco já tinha inúmeras
operações da mesma natureza, verdadeiros “micos”, como eram as operações
triangulares. O Estado possuía letras financeiras e as ofereceu ao banco. A área
técnica financeira manifestou-se favorável porque o banco estaria na posse física
do papel e a transação seria ao preço de mercado vigente no dia. Para o BEG, foi
uma transação normal, porque eram papéis federais que posteriormente foram
resgatados.
Com a entrada dos recursos no caixa do Tesouro, soubemos
posteriormente que houve pagamento aos empreiteiros e, assim, ocorreram as
doações e a notícia de que a dívida da campanha fora liquidada junto aos credores.
O “PROER” DOS BANCOS ESTADUAIS
Apesar de todos os esforços, era necessário e urgente que o banco fosse
capitalizado. O Governo Federal já havia criado o Programa de Recuperação
Financeira dos Bancos Estaduais – Proes – pela Medida Provisória nº 1.514.
Em 4 de novembro de 1996, dada a situação de aperto, oficiei ao
Governador (conforme carta a seguir reproduzida) informando que o banco
crescera em sua captação, mas não possuía capital mínimo para operar no sistema
financeiro. Isso e a extrapolação dos limites ditados pelo Bacen (em conformidade
com as exigências do Acordo de Basileia) ensejariam faltas graves aos diretores e
seus controladores. Para que pudéssemos operar as duas novas carteiras de
Desenvolvimento e Arrendamento Mercantil, era imprescindível elevar o nível de
capital mínimo.
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A correspondência aqui inserida revela a verdade dos fatos. Chamo a
atenção para as operações assinaladas com indicativo: Execução e Falência –
retiradas de cartório – e outras sem processo de execução. As ingerências do
senador Iris Rezende Machado, tanto para a concessão quanto pelos óbices à
execução e até suspensão de praça (suspensão do leilão), eram diretas.
Pelo rol dos envolvidos, tem-se a extensão das dificuldades que a
diretoria enfrentou. No item VI da referida carta ao Governador refiro-me à dívida
do Estado para com o BEG (antecipação de receitas, empréstimos, fianças e
avais), conforme relação representando dívidas vencidas e não pagas, mas que
foram provisionadas e lançadas em prejuízo do banco, na seguinte ordem:
a) no ano de 1983, U$57.249.903,11;
b) no ano de 1984, U$1.363.315,72;
c) no ano de 1985, U$68.516.503,09;
d) no ano de 1986, U$19.735.920,26, totalizando, no Governo Iris
Rezende, U$146.865.642,18;
e) nos anos de 1987 a 1989, U$35.406.253,06.
Consta da referida correspondência que as empreiteiras que executavam
obras no Estado deviam ao banco, em 4 de novembro de 1996, a expressiva
quantia de R$28.699.642,92, enquanto a dívida do Governo Iris Rezende às
empreiteiras do Dergo, no período de 1991 a 1994, correspondia a
R$38.807.965,37. Disso se conclui que a empreiteira executava a obra, mas como
o Dergo não pagava, recorria ao BEG e obtinha empréstimos que, em quase sua
totalidade, depois de vencidos, não eram pagos e acabavam sendo provisionados.
Sangravam-se, assim, ainda mais os recursos do banco, que, em vez de estarem
sendo aplicados no desenvolvimento econômico do Estado, atendiam apenas ao
interesse de poucos.
A rolagem monstruosa da dívida do Tesouro, representada por letras
financeiras, nos Governos Iris Rezende e Maguito, atingiu, em 1998, a cifra de
R$738.982.744,19 (setecentos e trinta e oito milhões, novecentos e oitenta e dois
mil, setecentos e quarenta e quatro reais e dezenove centavos).
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Esses políticos governaram o Estado com grande dose de sacrifício para
o Banco do Estado de Goiás. Todos os seus servidores, parentes, clientes e a
própria população viram-se privados de seu banco em razão da ação criminosa
desses governantes.
EIS O RELATÓRIO DE DÍVIDAS DO ESTADO
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A leniência, a falta de decisão política e o medo de recorrer ao Governo
Federal com empréstimos do Proer para sanear o banco eram visíveis.
Quatorze dias depois da carta anterior, em 18 de novembro de 1996,
encaminhei, por meio da Carta PRESI/SEGER 270/96, proposta de fortalecimento
do BEG elaborada de acordo com a Medida Provisória nº 1.514/96. Além dos
ajustes técnicos, operacionais e financeiros, era necessária a adoção de mudanças
na gestão do banco, a fim de assegurar sua profissionalização, conforme
preconizado pelo art. 5º, parágrafo único, alínea “a”, dessa medida provisória.
Naquele momento, fui mais ousado ainda em pedir ao Governador a
fusão, extinção de diretorias, demissão de diretores e dos membros do Conselho
Fiscal e do Conselho de Administração (vide abaixo depoimentos de conselheiros
ao Banco Central, em 2002, respondendo ao processo administrativo PT-
9991916160 2002/020, fls. 3480/3481), preservando apenas a permanência da
figura do secretário da Fazenda como presidente do Conselho de Administração.
Passados alguns dias, o Governador pessoalmente me informou da
impossibilidade de atender aos casos de extinção e fusão, bem como das
demissões de diretores e conselheiros, visto que aqueles cargos tinham sido
preenchidos por indicação política.
OS MEMBROS DO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO DO BEG, EM
RESPOSTA AO PROCESSO ACIMA REFERIDO:
Defesa de Pastor Abigail Carlos de Almeida.
Relatório do analista do Banco Central, Afonso Vitor Fleury Teixeira,
matrícula 0.201.698.2:
“Abigail alega ausência de conhecimento dos fatos, tendo em vista o BEG
jamais tê-los informado aos Conselhos Fiscal e de Administração. Ademais, registra que
tal desinformação se devia ao fato de os empréstimos estarem sujeitos às relações
políticas que viciavam os atos da diretoria, levando-a a aprovar créditos ao sabor do
interesse dos agentes políticos detentores do poder de decisão, por mero capricho, à
disposição de vontades pessoais, ligados a desdobramentos contrários à moralidade
pública ou a um plano de especulação dogmática de colaboração partidária.”
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E mais: “ter sido indicado por circunstâncias políticas, sem
deter habilitação para tal, visto ser leigo, despreparado tecnicamente, sem escolaridade, e
que sua função se reduzia a mero homologador de atribuições conferidas à diretoria.
Ademais, afirma não ter tomado conhecimento das transações”.
Defesa de Pastor Antônio Jesus Dias, ex-deputado federal:
Afirma: “não ter condição de se manifestar sobre a regularidade ou não das
operações objeto do presente processo, porque não participou, não tem conhecimento
sobre o assunto e não foi consultado, mesmo porque não tinha sequer competência para
informar, opinar ou decidir sobre o assunto”.
Defesa de Pastor Albino Gonçalves Boaventura, ex-suplente do senador
Mauro Miranda:
Alega “que, como membro do Conselho, não tinha poder de decisão, apenas
chancelava as resoluções e posições da diretoria”.
OBSERVAÇÃO: desde 19 de dezembro de 1996, o Conselho de
Administração respondia pelo deferimento de operações de crédito.
Fui apenas autorizado pelo Governador a cumprir todas as sugestões que
estivessem na alçada do presidente, o que foi cumprido logo no período de 2 a 13
de dezembro de 1996. Realizou-se a alteração estatutária que incluiu a
participação do Conselho de Administração do BEG no deferimento de operações
acima de 0,5% do Patrimônio Líquido da instituição. Definiu-se a criação e
fixação institucional de comitês de crédito e alçadas operacionais. Com isso,
eliminou-se terminantemente a ingerência em operações de crédito. Os comitês de
crédito, nas agências, examinavam os pedidos de empréstimos e, se indeferidos,
eram arquivados. Até o limite da alçada gerencial, quando deferidos, eram
liberados; além da alçada gerencial, eram encaminhados à matriz – se ali fossem
indeferidos, eram devolvidos ao arquivo ou à revisão. Em alçada superior, se
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deferidos por ambas as áreas, eram encaminhados à Diretoria Executiva e
Conselho de Administração.
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Em carta PRESI/SEGER 286/96, de 3 de dezembro de 1996, atendendo
ao despacho do secretário da Fazenda, em resposta ao expediente SECRE
96/3670.6, de 14 de novembro de 1996, fiz extenso relatório de todas as medidas
de ajustes executadas. Poderá ser comprovado que o BEG fez o “dever de casa”,
mas seu controlador, no entanto, não fez o mais importante, que era sua
capitalização e mudança de gestão para sua profissionalização. Apenas algumas
medidas, como a transferência de ativos da Cohab e Casego, foram adotadas e, de
certa maneira, contribuíram para alguma mudança contábil. No caso da Cohab, o
resultado foi péssimo, porque a elevada inadimplência exigia o provisionamento
das prestações vencidas e não pagas. Quanto aos ativos recebidos da Casego,
representados por “Armazéns Graneleiros”, esses foram de difícil ou impossível
comercialização, pois já estavam obsoletos e sucateados.
Os referidos armazéns foram construídos pela Mendes Júnior, com
financiamento junto ao BD-Goiás, durante o Governo do senhor Iris Rezende,
financiamento esse que mais tarde veio compor o rol das operações que também
contribuíram para a liquidação daquele importante Banco de Fomento. À vista do
inadimplemento da Casego com o INSS, o BEG teve dificuldades para escriturar
os respectivos imóveis para levar a leilão. Efetivamente, referidas transferências
de ativos nada resolveram.
As medidas adotadas com a reforma administrativa foram tão relevantes
que, por ocasião da elaboração do edital para o leilão do BEG pelo Banco Central,
fez-se referência à sua importância como medidas saneadoras da instituição. A
referência desse trabalho comprova a seriedade com que lidei com os negócios do
Banco do Estado de Goiás (vide página 23 do Edital, fac símile abaixo).
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O DINHEIRO PARA FUTURAS CAMPANHAS DO
PMDB
Em 1997, foi editado o Decreto nº 4.756, de 14 de fevereiro de 1997, que
autorizava a subscrição e integralização do capital social do BEG com os
recebimentos provenientes dos financiamentos contratados com os recursos do
Fomentar, desde a sua criação, englobando o recurso principal, atualização
monetária, juros contratuais, multas e juros de mora.
Com essa vitória, fui procurado por um influente secretário de Estado
para participar da elaboração de um projeto que visava ao levantamento de
recursos financeiros para garantir sustentação das futuras campanhas do PMDB.
Ele tinha conhecimento do quanto foi difícil pagar a campanha para prefeito no
ano anterior e também a do ano de 1994, que teve como solução financeira o
empréstimo.
No decorrer dos vários encontros, pude perceber que estava sendo usado.
Assim, decidi comentar o fato com o então secretário da Fazenda e, logo depois,
fui chamado pelo Governador que me determinou não participar do trabalho por
razões que não é necessário aqui detalhar.
Também deixo de revelar qual era o projeto para não dar, aqui, “receita”
de como fazer ações contra o interesse do Estado. A conclusão que cheguei sobre
o assunto foi a de que o chamado lado “maguitista” não estava participando
dessas articulações. Com o meu afastamento, o assunto foi paralisado, então tive a
confirmação de que estava sendo apenas usado para depois ser descartado.
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CAPÍTULO VII
O FIM DO BEG
O QUADRO ANTECESSOR
Os ajustes realizados no BEG permitiram ao Estado de Goiás a rolagem
de sua dívida com a União sem a exigência da adesão ao programa do Proer.
Durante o ano de 1997, o rating do BEG passou a apresentar índices confiáveis e
boa transparência, apesar do baixo nível de capitalização, do alto nível de
provisões de operações vencidas e elevada alavancagem.
O BEG avançou muito na captação de depósitos do público, poupança,
RDB/CDB, depósitos judiciais. Criou-se o Crédito Público, dirigido aos
servidores dos Três Poderes. Os limites de crédito previamente aprovados e
pulverizados permitiram maior velocidade nos negócios do banco. Essas ações
fortaleceram sua credibilidade, elevando seus recursos de forma que, no período
de 1995 a 1998, nunca recorreu à assistência financeira do Banco Central para
fechamento de seu caixa diário – não se pode esquecer que carregava a dívida do
Estado de Goiás desde o Governo Iris Rezende.
Como as captações eram absorvidas pela rolagem da dívida, restavam
poucos recursos a ser aplicados. O endividamento do Estado não permitia que o
banco auferisse lucros em suas operações financeiras porque os recursos
disponíveis eram escassos. Na verdade, o BEG atuava forte no mercado, mas não
obtinha resultados favoráveis por carregar a dívida do Tesouro Estadual.
No fim de 1997, pelo Ofício G nº 0245/97, de 5 de dezembro de 1997, o
governador Maguito Vilela, em resposta ao Ofício 97/3.501, de 21 de novembro
de 1997, do Banco Central ao secretário da Fazenda e presidente do Conselho de
Administração do BEG, informou ao Banco Central que, no período de 1995 a
1997, foram implantados no banco programas de ajustes. Justificou, ainda, que,
em razão dos resultados obtidos, nenhuma vez recorreu à assistência financeira do
Proer (MP 1.590-17, de 21 de novembro de 1997). Informou, também, que,
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durante o ano de 1998, promoveria ajustes finais visando à privatização do BEG.
A carta foi protocolada no Banco Central na mesma data. Apesar do compromisso
firmado de privatizar o banco, o governador sempre negou (e nega até hoje) que
tivesse tomado essa decisão. Coube ao presidente do banco guardá-la a sete
chaves.
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No último trimestre de 1997, a empresa Claudio Bianchessi –
Consultoria e Auditoria, parceira da Brand Finance, da Inglaterra, contratada para
fazer uma avaliação do BEG, avaliou-o em R$201.121.900,00 (duzentos e um
milhões, cento e vinte e um mil e novecentos reais). Todos os relatórios, planilhas
e gravações foram encaminhados à diretoria do Banco Central.
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Realizou-se no BEG, no início de 1998, uma inspeção pelo Banco
Central. Durante sua execução, recomendou-se a adoção de diversas providências,
visando filtrar os ajustes até então realizados. O relatório conclusivo da auditoria
do BC, porém, não foi encaminhado. Havia o compromisso do Governador em
privatizar o banco. É bom lembrar que, apesar de minha insistência para a adoção
de providências para seu fortalecimento, mediante recursos próprios ou de outros,
conforme sugeridas, ou mesmo com recursos do Proes, o governador Maguito
Vilela deixou o governo para se candidatar ao Senado da República sem dar
nenhuma solução. Como de costume, a “bomba” ficou nas mãos de outro, ou seja,
nas minhas.
A medida provisória do Proes para bancos estaduais esgotava-se em 30
de junho de 1998. Em razão dessa situação e da posse do novo governador, ajustes
deveriam ser procedidos e já estávamos em ano eleitoral. Ainda assim, pela carta
PRESI/SEGER, de 5 de maio de 1998, foram solicitadas autorizações para novas
demissões e contratação de estagiários. O pedido foi verbalmente negado por se
tratar de ano político.
Enquanto em 1998, em pleno período que antecedia as eleições, a
diretoria estivesse preocupada em continuar fazendo ajustes, em 1994, também
em período pré-eleitoral, e quando Iris Rezende era governador, foram
contratados e postos à disposição do banco, com ônus, oitocentos e sessenta
servidores, conforme carta do Banco Central já reproduzida (só para lembrar).
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Em razão de ainda não ter conhecimento do relatório da última inspeção
realizada pelo Banco Central, em meados de março de 1998, enviei a carta PRESI
145/98, de 5 de junho de 1998, ao novo secretário da Fazenda, Donaldo Rodrigues
de Lima, expondo-lhe que, no dia 30 daquele mês, terminaria o prazo para o
Estado aderir ao Proes. Manifestei minha preocupação por não ter recebido o
relatório final da inspeção do Bacen e ainda o receio de ser surpreendido com
exigências difíceis de ser atendidas em curtíssimo prazo. Por esses motivos, pedi-
lhe que cientificasse o Governador a respeito do referido assunto.
Pela leitura atenta de meu expediente, pode-se comprovar que os
problemas financeiros envolvendo o Estado de Goiás, algumas empresas e órgãos
estaduais são os mesmos em todas as correspondências, sem que alguma
providência tenha sido adotada por parte do governador de plantão.
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O Banco Central, em 17 de junho de 1998, convocou o diretor-
presidente, o diretor financeiro e o auditor independente e lavrou o “Termo de
Comparecimento”, em que afirma haver a inspeção verificado grave
comprometimento da situação econômico-financeira do banco, com risco para os
credores (o Governador já havia sido cientificado em carta de 4 de novembro de
1996 e outras tantas). Foram exigidos ajustes técnicos da ordem de R$53,577
milhões e ajustes gerenciais de R$410 mil (ambos a médio prazo); ajustes
regulamentares, a serem feitos imediatamente, na quantia de R$164,765 milhões.
Neste último valor, estava incluído o estorno contábil do crédito tributário ativado
de forma irregular em 1994.
Foram consumados, portanto, todos os nossos alertas quanto à
sobrevivência do BEG. O descaso do Governo de Goiás na administração Iris
Rezende culminou na provisão dos recursos, no período de 1983 a 1986, das
dívidas dos órgãos do Estado em U$146.865.642,18.
A contabilização da ativação do crédito tributário em 1994 (relembre-se
o assunto do balanço maquiado) e o rombo provocado pela rolagem da dívida
mobiliária também foram decorrência desse descaso. Maguito Vilela, por sua vez,
além de não ter competência para honrar a dívida mobiliária herdada, aumentada
durante seu mandato, apesar da elevação da arrecadação de impostos e da venda
de Cachoeira Dourada, não atendeu aos apelos para o pagamento das dívidas dos
órgãos do Estado ou da dívida mobiliária ou de capitalização do banco com
recursos do Proes. Enfim, não adotou nenhuma providência para preservar o
banco.
Está muito claro que, em momento algum, houve efetivo interesse do
Governo em manter o Banco do Estado de Goiás. O interesse sempre foi esconder
do público as mazelas praticadas em favorecimento de alguns empresários e
políticos amigos do poder. O objetivo seria privatizar a instituição.
A exigência do Banco Central contida no “Termo de Comparecimento”,
“imediatamente” ou simplesmente “já”, foi levada ao governador em exercício,
que disse não possuir o Estado de Goiás condições de capitalizar o banco e que os
recursos de Cachoeira Dourada já estavam comprometidos.
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Não cabe aqui, agora, questionar as exigências constantes do “Termo de
Comparecimento”, mas restou-me a indignação de responder pelas irregularidades
quando tudo fiz para ceifá-las; não recebi apoio governamental nem decisão
política para minhas insistentes propostas, que visavam ao fortalecimento e,
principalmente, à sobrevivência do BEG. Tivesse o controlador do banco atendido
aos meus constantes apelos, não haveria risco ou ameaça para seu fechamento ou
federalização. No período de 1995 a 1997, não houve referência do Banco
Central, durante suas rotineiras inspeções, a irregularidades praticadas pela
diretoria que pudessem colocar o banco em situação de “evidência”, ou seja, sob
restrição junto ao Bacen.
Em 24 de junho de 1998, elaborou-se relatório encaminhado ao
Governador, caso ainda optasse pela adesão ao Proes, em que foi contemplado o
período de 31de dezembro de 1994 a 31 de maio de 1998. Entre os principais
indicadores, destaco a redução de 1.209 funções comissionadas, de 2.648
empregados, de 7 diretorias, 85 chefias, 13 divisões e 22 assessorias técnicas.
Uma redução de 31% nas despesas administrativas; redução mensal de R$5.335
mil com despesas de pessoal. As captações cresceram de R$218 milhões para
R$843 milhões (incremento de 285%). Os empréstimos, de R$167 milhões para
R$340 milhões (incremento de 103%). Os índices comprovam que fizemos a
nossa parte, mas, em praticamente tudo que dependia da concordância de Iris
Rezende ou da decisão do governador Maguito Vilela, a espera foi em vão.
Nesse ínterim, o diretor de fiscalização do Bacen envia carta ao
presidente do Conselho de Administração esculhambando as operações realizadas
no banco. Aquele diretor sabia de cor e salteado tudo que se passava dentro dos
bancos estaduais, em que pese todas as nossas correspondências àquele órgão
fiscalizador. Como presidente do BEG, nunca recebi qualquer advertência por
fazer ou deixar de fazer. Ao apagar das luzes, quiseram “lavar as mãos” e
pressionaram o quanto puderam.
O Bacen abriu processo em desfavor dos diretores e conselheiros
daqueles últimos doze anos. No curso do processo administrativo, cerceou a
liberdade de defesa, sonegou documentos e informações, fez intimações via edital
sob alegação de lugar incerto e não sabido. Por erro, republicou o edital depois de
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transcorrida a prescrição e não a reconheceu – enfim, praticou-se todo tipo de
arbitrariedade visando punir os responsáveis, exceto qualquer controlador. Em
minha defesa, argumentei: se a situação era de evidência, por que aquele órgão
fiscalizador não usou o seu poder e fez uma intervenção ou simplesmente a
liquidação?
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FUNDO DE PREVIDÊNCIA – PREBEG
A Prebeg foi criada para custear os encargos de aposentadoria de seus
associados, servidores do BEG, tendo sido seu patrimônio constituído pela
contribuição dos associados e também com a participação do patrocinador, o
BEG, este, com o dobro do valor despendido pelos empregados. Esse benefício
foi concedido a partir de 1983. Os servidores aposentados anteriormente a essa
data tinham seus proventos pagos pelo próprio BEG, além do INSS. Desde sua
criação, o patrocinador mantinha o Plano de Benefícios de aposentadorias e
pensões sob o regime de caixa, ou seja, repassando os benefícios efetivamente
pagos.
Os encargos acumulados no cálculo atuarial, por ocasião da constituição
do Fundo de Previdência, não foram provisionados, ou seja, não se constituiu
reserva. Apesar dessa falta de ação do patrocinador, é inegável que a criação do
Plano de Benefícios era muito mais vantajosa para o BEG do que, para ele, arcar
sozinho com os custos da aposentadoria de seus empregados, já que as reservas
constituídas com contribuições da patrocinadora e associados era de 2x1.
O montante a ser provisionado era significativo. Se provisionado de uma
só vez, negativaria o Patrimônio Líquido do banco. Por outro lado, a falta de
provisão exigia que, na publicação de seus balanços semestrais, fosse inserida
justificativa sobre a situação do Fundo de Previdência para melhor análise do
mercado.
De certa forma, era a confissão do BEG de falta de capacidade para
cumprir com seu dever. Em carta DIREX 92/088, de 7 de maio de 1992, o BEG
solicitou ao Banco Central autorização para a constituição dessas reservas em dez
anos, para os servidores já aposentados, e em dezoito anos aos aposentáveis.
Semelhante autorização já havia sido concedida ao Banespa e aprovada pela
CVM. O Banco Central, através da carta DEBRA/REFIS i-3-93/0318, Pt.
9200034937, de 26 de junho de 1993, ou seja, mais de doze meses depois, anuí à
proposta. As provisões autorizadas passaram a ser constituídas após minha
investidura na presidência do BEG.
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Do resultado dos trabalhos realizados pelo auditor e atuário, a diretoria
do BEG e o conselho de administração aprovaram, em 4 de fevereiro de 1998, as
seguintes decisões:
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Em 9 de julho de 1998, na assinatura do Termo de Compromisso de
Gestão, cláusula IV, “Outros Compromissos do Estado e do banco” – item c:
“Apresentar, até 27 de julho de 1998, a contratação de atuário com vista à
apresentação, até 30 de outubro de 1998, de estudo técnico que quantifique a
eventual existência de passivo atuarial, junto à fundação de previdência privada de
seus funcionários”.
O atuário já estava contratado desde setembro de 1997. Já me antecipara,
portanto.
Apurou-se que o déficit técnico atuarial existia em função dos
compromissos assumidos, considerando a real expectativa de vida dos
participantes da Prebeg. O déficit era agravado pelo crescente aumento do número
de aposentadorias por invalidez e por tempo de serviço, muito superior ao
previsto. O valor encontrado em 31 de dezembro de 1998 para o total consolidado
das provisões era de R$141.300.000,00, como previsão mínima necessária. Muito
maior, portanto, do que o patrimônio líquido do Banco do Estado de Goiás, que,
naquele momento, era negativo.
Em razão de estar há dezoito meses tentando adequar a Prebeg e a sua
diretoria, agindo de forma a atrapalhar nossas ações, em carta PRESI/SEGER -
243/98, de 26 de outubro de 1998, oficiei ao Secretário de Previdência
Complementar pedindo intervenção na Prebeg ou a autorização para retirada do
banco da condição de patrocinador.
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Mais uma vez o dedo de Iris Rezende. Já derrotado em 1998, escondido
em Brasília para não responder pelos escândalos da “quebra do sigilo bancário” de
seu adversário, e também pelo caso Caixego, telefonou-me dando ordem para
suspender qualquer medida contra a Prebeg, a fim de que ele atendesse ao pedido
de Afrêni Gonçalves, deputado recém-eleito.
Quando ponderei que o Banco Central estava exigindo aquelas
providências, redarguiu dizendo que a ele esse assunto não interessava. Naquele
momento, articulava votos para eleger o próximo presidente da Assembleia
Legislativa de Goiás. Respondi-lhe: “O voto do deputado Afrêni Gonçalves o
senhor não terá, pois se esquece de que, em seu primeiro Governo, o senhor o
demitiu na qualidade de diretor eleito”.
Chamava-me a atenção que, apesar de o BEG ser o patrocinador,
diferentemente de outros fundos, não indicava nenhum dirigente. Apenas os
servidores elegiam seus diretores. Como é costume acontecer em entidades de
classe, a disputa por esses cargos era muito acirrada e também controlada pelo
grupo que, já há alguns anos, garantia a sua sucessão. Os eleitos assumiam as suas
funções naquela entidade com remuneração e vantagens mantidas pelo banco,
como se em serviço nele estivessem. Circulavam boatos de privilégios, de má
aplicação de recursos e de recursos direcionados.
No ano de 1997, com a reestruturação do banco em fase bem adiantada, o
alvo foi a Prebeg. Determinei, pelo Ofício PRESI 223/97, que a entidade arcasse
com a remuneração de seus diretores, conforme dispunha o art. 17 de seu
regulamento; que adequasse seu plano de benefícios, visando contemplar a
aposentadoria voluntária das mulheres empregadas do BEG que desejassem se
aposentar a partir de 25/30 avos, providência há muito postergada; e recomendei a
realização de perícias médicas para avaliar os beneficiários de aposentadoria por
invalidez, visto que muitos beneficiários exerciam as mais diversas atividades,
demonstrando completa capacidade para o trabalho e, por fim, recomendei um
comportamento mais profissional de seus dirigentes.
A situação era tão preocupante que, em correspondência DIREX 027/98,
de 19 de fevereiro de 1998, a Prebeg informou que houve um aumento excessivo
do número de associados que se aposentaram especialmente. Outra preocupação
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foi a redução do quadro de associados de 5.200 para 3.650, entre os anos de 1995
e 1996.
A referência a esse assunto é para demonstrar o descaso dos governos,
que jamais deram condições para que o Fundo de Previdência deixasse a condição
de constantes desequilíbrios. No processo de ajuste para preparar o banco para sua
privatização, valores expressivos de recursos foram repassados à Prebeg e, assim,
pondo fim a um problema que se arrastava há décadas.
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TERMO DE COMPARECIMENTO
O “Termo de Comparecimento”, no qual o Banco Central apontou suas
exigências para a capitalização do BEG, em junho de 1998, já era de
conhecimento do Executivo goiano, desde 1995, por informação oficial de sua
diretoria e por meio de incontáveis documentos digitalizados neste relato. Os
detentores do Poder Estadual tinham conhecimento, mas nenhuma providência
tomaram.
A falta de responsabilidade, de vontade política e de coragem fizeram
com que o Governo de Goiás não empreendesse gestões com o objetivo de
preservar o BEG. Em todas as correspondências enviadas ao Governador e ao
presidente do Conselho de Administração do banco, sempre manifestei minha
preocupação com a situação geral do BEG. As dívidas do Estado provisionadas
durante o Governo Iris Rezende e a monstruosa rolagem de sua dívida mobiliária
impediam o uso de recursos na geração de receitas e, ao final, lucros ao banco.
Os empréstimos concedidos a empreiteiras e a alguns políticos, vencidos
e não pagos, sangravam suas finanças com as provisões. As despesas
administrativas foram reduzidas com a demissão de pessoal, cortes de vantagens,
fechamento de agências, mas não a conta de publicidade e propaganda, cada dia
mais gorda e sempre para atender a interesses políticos em detrimento e em
oposição aos objetivos do banco.
O pagamento de parte da dívida do Estado com ativos da Casego e da
Cohab provocou a “saída do tiro pela culatra”. Os imóveis da Casego, sucateados
e de dimensões acanhadas, quando levados a leilão, não eram arrematados. Por
isso, deveriam ser provisionados os seus valores, o que equivale ao estorno do que
se pensou ter recebido.
Com os imóveis da Cohab, o resultado negativo foi o mesmo. Imóveis
com saldos devedores altíssimos e construções de péssima qualidade e com
prestações elevadas proporcionavam uma inadimplência além das expectativas.
Por essa razão, seria necessário também provisionar os valores das prestações não
recebidas.
155
As operações de alto risco estão listadas na carta de 4 de novembro de
1996. Algumas operações tiveram suas execuções e pedidos de falência
paralisados por exigências dos “donos” do banco. Nesse rol, incluíam-se até
prefeituras. Em 1996, tais operações totalizavam R$82.337.496,79.
A exigência de estorno do crédito tributário constante da correspondência
do Bacen já era de conhecimento do Governador, através de várias
correspondências.
A dedicação dos empregados do BEG durante os anos de 1995 a 1998,
lutando para a sua preservação, permitiu que, durante esse período, um banco –
que nos foi entregue com o balanço maquiado, que carregava todo tipo de
operações vencidas e ainda tinha de gerar receitas para sustentar publicidade,
propaganda, doações e patrocínios e rolar uma dívida mobiliária de mais de
R$738.000.000,00 – conseguisse chegar ao balanço de 1997 com um patrimônio
líquido de R$80.825.000,00 e ainda merecer uma avaliação de R$201.000.000,00.
Apesar de todas as dificuldades encontradas, e muitas superadas, nossa
credibilidade permitia captações tão elevadas que, no período de janeiro de 1995 a
31 de dezembro de 1998, o BEG jamais recorreu à assistência financeira do Banco
Central.
Por tais razões, repudio o silêncio dos três ex-senadores e das bancadas
situacionistas nos Legislativos federal e estadual. Iris Rezende, Maguito Vilela e
Mauro Miranda, ao sacramentar a já comprometida privatização do banco feita
por Maguito em 1997, optaram por deixar a sociedade pensar que os desmandos e
os absurdos ocorridos no BEG fossem de responsabilidade de sua diretoria,
quando, ao contrário, essa mesma diretoria buscou, de todas as formas possíveis,
encaminhar soluções para os problemas que a péssima prática política atirava
sobre o banco.
O silêncio conveniente dos três senadores tem sua justificativa, ainda que
de forma covarde – preservá-los de todas as mazelas que cometeram, assim como
o PMDB e seus afiliados mais argutos, e transferir essa responsabilidade àqueles
que agiram com correção, tentando resguardar o grande patrimônio dos goianos,
que era o BEG.
156
O governador determinou que o secretário da Fazenda e o presidente do
BEG fossem ao Banco Central ver o que era possível fazer, diante da “puxada de
orelha” e do ultimato do Bacen, uma vez que, segundo ele “já estamos em pleno
ano eleitoral”.
O receio do Palácio das Esmeraldas era o de que qualquer ação contra o
BEG pudesse ser explorada politicamente e prejudicar a candidatura de Iris
Rezende ao governo de Goiás (1998). A posição do Bacen foi a de reeditar a
medida provisória, cujo prazo expirava em 30 de junho de 1998, introduzindo o
mecanismo da federalização. O Banco Central foi mais prático. Em vez de deferir
auxílio financeiro – Proes (a medida adequada e insistentemente sugerida pela
diretoria do BEG) – para o controlador fazer seu ajuste, adquiriria o controle
acionário do banco, federalizando-o. Os recursos necessários ao ajuste seriam
emprestados pela União. Saneado, o banco seria leiloado e o resultado aplicado na
amortização do empréstimo para saneamento; se houvesse saldo credor, seria
aplicado na amortização da dívida que o Estado possuía junto ao Tesouro.
Ficou acertado que a União pagaria ao Banco do Estado de Goiás o valor
referente às LFT-GO que o Estado de Goiás lhe devia. Referidos papéis vinham
sendo rolados desde as administrações de Iris Rezende Machado e Maguito
Vilela, impedindo o crescimento do banco, pois absorviam quase a totalidade dos
recursos captados.
Comuniquei a posição do Banco Central ao Governador, que
imediatamente se dispôs a ir ao Bacen e, junto, levou todos os interessados: os
senadores Iris Rezende e Mauro Miranda, o ex-governador e candidato ao Senado,
Maguito Vilela, o presidente do BEG e o secretário da Fazenda.
Naquele momento, a diretoria do Banco Central não cedeu aos apelos
para deixar o assunto para depois do período eleitoral, como interessava aos então
candidatos. Ameaçava com intervenção, o que poderia comprometer os
administradores e controladores nas sanções da Lei nº 4.595/64.
Após duas rodadas de negociação, ficou acertado que a medida
provisória seria reeditada com nova roupagem: a da federalização, em razão do
157
período eleitoral e de prejuízos que os candidatos Iris Rezende e Maguito Vilela
poderiam sofrer com o vazamento do que ali fora tratado.
Assinado o “Termo de Compromisso de Gestão”, ficou estabelecido que,
desde aquele dia, 9 de julho de 1998, o Banco Central procederia com o
presidente do BEG ao levantamento das informações visando estabelecer o
volume de recursos necessários ao ajuste. Ficou também fixado que, até o dia 15
de novembro de 1998, o Estado de Goiás deveria obter as autorizações legais e
necessárias para assumir o financiamento a ser concedido pela União. Os
senadores Iris Rezende e Mauro Miranda e Maguito Vilela exigiram segredo
absoluto sobre o compromisso firmado. Além das pessoas aqui nomeadas,
ninguém soube da conspiração. Todas as exigências constantes do “Termo de
Compromisso de Gestão” foram cumpridas.
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Encerrado o período eleitoral, procurei o Governador para informá-lo de
que chegara o momento da divulgação da decisão de federalizar o BEG para,
depois, privatizá-lo. Não é preciso tecer considerações acerca do acovardamento
de todos. A decisão foi de Governo e, há tempos, já havia sido tomada.
Naquele momento, entendia que o governador em exercício e os três
senadores da República, Iris Rezende, Maguito Vilela e Mauro Miranda, deveriam
ter convocado a imprensa, depois da reunião com a bancada do PMDB e a
diretoria do BEG, e confessado o que fizeram. Mas não tiveram coragem e nos
encarregaram, a mim como presidente do BEG, e ao secretário da Fazenda, a
missão de trazer ao público o resultado da “conjuração”. E mais: exigiram que a
divulgação fosse feita nas dependências do BEG. Deram a entender que o Palácio
das Esmeraldas estaria vetado para tal divulgação e que a “bomba” deveria
explodir longe dali.
A partir daquele dia, passei a viver um novo inferno. A proposta
encaminhada à Assembleia Legislativa foi aprovada e transformada na Lei nº
13.347, de 12 de novembro de 1998, publicada no mesmo dia.
No dia seguinte (13 de novembro de 1998), foi assinado entre a União, o
Estado de Goiás, o Banco Central e o BEG o contrato de compra e venda pelo
qual o Estado de Goiás vendeu à União, em caráter irrevogável e irretratável,
todas as ações de sua titularidade no capital social do BEG.
OS EFEITOS
Com a notícia da federalização do BEG, passei pelos dias mais danosos
na vida de um cidadão. Na leitura atenta das correspondências aqui reveladas,
ninguém poderá me atribuir omissão ou falta de planejamento na condução dos
interesses do BEG, mas, sim, a falta de compromisso e de responsabilidade de Iris
Rezende Machado e Maguito Vilela, responsáveis, naquela época, pela situação
vivida pela instituição.
Também não se pode olvidar que, embora fosse o BEG uma sociedade
por ações, sujeito às rígidas normas do sistema financeiro, havia a necessidade, a
162
exigência, a humilhação imposta à sua diretoria, a submissão. Para tudo que fosse
necessário fazer, era preciso autorização do então Governador, que, por sua vez,
também para decidir sobre fazer ou não fazer, ou os limites do fazer, dependia de
consultas políticas ao cacique do PMDB. Melhor, então, para todos eles, numa
situação dessas, livrar-se do banco.
MARCONI PERILLO – REAÇÃO DO GOVERNADOR
ELEITO
Surpreendido pela notícia de que o banco seria federalizado e
posteriormente privatizado, Marconi Perillo, eleito governador, foi ao Banco
Central na tentativa de reverter a situação. Saiu de lá sabendo que o ato fora
consumado e era irreversível, mas lhe concederam autorização para criar uma
Agência de Fomento.
Ao retornar de Brasília, Marconi divulgou que o banco possuía um
rombo de mais de R$200 milhões e, por isso, o Governo que o antecedia o
federalizara.
A informação sobre o “rombo” ou ajuste, dada ao Governador eleito, não
correspondia à verdade, pois totalizava mais de R$1 bilhão e 350 milhões. A
notícia do “rombo” causou grande rebuliço na imprensa local e nacional. Somava-
se, a isso, o escandaloso caso Caixego, envolvendo os candidatos Iris Rezende
Machado e Maguito Vilela, e a quebra do sigilo bancário do candidato a
governador, o então deputado federal Marconi Perillo, durante a campanha
eleitoral.
A divulgação de que o banco possuía um “rombo” motivou a publicação
de uma nota esclarecedora dos fatos pelo Banco Central, mas, a essa altura,
ninguém merecia credibilidade. A notícia colocou o presidente do banco como a
pessoa que assaltara sua caixa. Fui tachado de irresponsável. Muitos queriam
saber onde estava tanto dinheiro. Diante dessa incontrolável situação e do espaço
que o Governador recém-eleito dispunha na imprensa, a cada dia a situação se
tornava mais difícil de esclarecer para o grande público.
163
Fui ao Governador, que já se preparava para deixar o Governo e se
abrigar no confortável cargo de conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de
Goiás, e lhe expus a necessidade de convocar a imprensa e dizer a verdade, não
meias-verdades. Consegui dele uma “Nota à Imprensa”, expedida pelo Banco
Central, garantindo que não se tratava de “rombo”, mas da necessidade de ajustes
na preparação para sua privatização.
Visando conter uma corrida dos clientes ao banco, o que ensejaria a sua
liquidação, fui autorizado pelo Banco Central a fazer ampla divulgação daquela
nota à imprensa. As despesas realizadas com sua publicação renderam-me um
processo por improbidade administrativa, sob a estúpida alegação do Ministério
Público de que contribuíra para o “deperecimento do banco”. Foi mais um
prejuízo pessoal, contabilizado na ordem de R$20.000,00, para me defender
perante a Justiça Federal.
A perseguição foi tenaz e insidiosa, pois tinha o objetivo de arrancar, a
qualquer custo, o que agora estou a revelar. Alguma coisa foi mostrada, como
dívidas honradas pelo BEG, oriundas dos Governos anteriores e letras financeiras
das administrações Iris Rezende e Maguito Vilela.
AS LETRAS FINANCEIRAS DO TESOURO ESTADUAL
Em 20 de novembro de 1998 foi assinado, entre o BEG e a União, o
contrato de assunção de dívida, com a interveniência do Estado de Goiás, pelo
qual a União assumia a responsabilidade pelo pagamento, ao BEG, do crédito de
que era titular contra o Estado de Goiás, representado por LFT-GO, no total de
R$738.982.744,19 (setecentos e trinta e oito milhões, novecentos e oitenta e dois
mil, setecentos e quarenta e quatro reais e dezenove centavos). Vide Ata do TCU
com a aprovação do contrato, item 3 “b”. Esse era o rombo que o banco carregou
ao longo dos Governos Iris Rezende e Maguito Vilela, além da fiança não honrada
das operações triangulares e outras dívidas do Estado, que, somados, passam de
R$ 1.350.000.000,00 (um bilhão, trezentos e cinquenta milhões de reais).
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O trabalho por mim realizado à frente do BEG, no período de 1995 a
1998, permitiu que jamais fosse necessário recorrer à assistência financeira do
Banco Central para o fechamento diário do caixa, com a rolagem da dívida do
Estado.
Pedi inúmeras vezes que o Estado capitalizasse o banco em
R$180.000.000,00 (cento e oitenta milhões de reais), enquanto o crédito do BEG
junto ao Estado era de US$ 180.000.000,00 (cento e oitenta milhões de dólares),
em valores de 1996, somente relativo às provisões, e nunca obtive resposta. Fui
várias vezes ao Governador de chapéu na mão, pedir atenção superior quanto aos
problemas vividos pelo banco. A resposta sempre foi o silêncio ou a indiferença.
Tivesse o banco usado as suas captações em linhas de crédito
pulverizadas, como vinha fazendo, em vez de carregar aquela monstruosa dívida,
teria gerado lucros e, assim, encontrado seu crescimento.
Recebi o banco com patrimônio líquido “fabricado” contabilmente no
Governo de Iris Rezende. Em verdade, uma instituição “quebrada”. Apesar de
todas as dificuldades, foi avaliado, em 31 de dezembro de 1997, em
R$201.000.000,00 (duzentos e um milhões de reais). Esse crescimento comprova
que, se houvesse recursos para operar em suas carteiras, teria gerado lucros que
garantiriam sua solidez. No entanto, todas as captações do banco estavam voltadas
para a rolagem da dívida do Estado, dívidas de empreiteiras, de políticos
(deputados, ex-governadores, conselheiros, ex-prefeitos, presidentes de partidos,
etc.) e até de apaniguados políticos, sendo que muitos desses créditos eram
deferidos na “marra” para, por fim, o Bacen colocar a diretoria na parede e dizer
que se tratavam de operações podres.
Foi muito difícil fechar essa porta escancarada de concessões de
empréstimos. Só depois de muita luta nos foi permitido alterar o estatuto do BEG,
implantando alçadas operacionais aos comitês de crédito, eliminando de vez a
alçada “privada” de cada diretor.
Foi o fim do chamado “cabo de chicote”, tão conhecido por essas bandas.
Enfim, não mais cabia a nenhum diretor analisar pedido de empréstimo que
167
tivesse seu indeferimento na agência – o verdadeiro lugar para realização de
negócios, e não em almoços regados com as tão comentadas ambrosias.
As diversas sugestões de capitalização com “recursos do Fomentar” ou
com “ações da Celg”, estas com a possibilidade de recompra pelo próprio Estado
em longo prazo, não foram consideradas. Não pedia o céu, como muitos
julgavam. Não conhecendo nem sabendo o tamanho da dívida que o Estado tinha
para com o BEG, ainda riam na minha cara, dizendo-me que o Governo não
poderia tirar o dinheiro de fazer obras para salvar o banco. Pobres ignorantes! Não
sabiam que o Governo dilapidava o banco há décadas.
O SILÊNCIO
Os três senadores, Iris Rezende, Mauro Miranda e Maguito Vilela,
esconderam-se em Brasília. Nenhum se dignou a fazer minha defesa. Deixaram
que o BEG, sua diretoria e outros colaboradores fossem arrasados pela imprensa
de Goiás e do Brasil. Não tiveram a coragem de dizer que somos trabalhadores e
honestos.
Apesar de condenado no processo da Astrográfica, mereci do julgador,
em sua sentença de 15 de abril de 2003, as seguintes considerações: “O acusado é
tecnicamente primário; conduta social e personalidade do homem comum,
voltadas para o trabalho honesto. Apesar dos fatos descritos na denúncia, goza da
boa estima de seus semelhantes”.
Acovardaram-se todos. Não me defenderam como companheiro que fui
durante todas as horas dos seus Governos. Ainda assim, mantive minha fidelidade,
minha confiança e me isolei para não prejudicá-los.
Esses covardes tinham apenas uma grande preocupação: que durante os
diversos processos, nas Justiças Estadual, Federal e Eleitoral, eu pudesse apontar
o dedo na direção deles. Foram falsos durante todos esses anos. Mentirosos, como
ainda mentem ao povo em busca de votos. Mostram-se indignos de minha
fidelidade e companheirismo.
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Iris Rezende, Maguito Vilela e Mauro Miranda, além de outros,
utilizaram ardilosamente de estratégias para que a culpa recaísse sobre meus
ombros. Seria a forma de se protegerem, escondidos em Brasília e em outros
refúgios distantes da artilharia de uma guerra que eles próprios motivaram.
A prova disso está nas conclusões do “Caso Astrográfica”, nas quais os
aqui sempre citados foram beneficiados diretos, pública e reconhecidamente,
porém ficaram à margem do alcance da lei. E aquelas pessoas que foram
absolvidas, também o foram no caso Caixego.
Espera-se que o desfecho do caso Caixego não chegue ao mesmo lugar.
Eles ainda têm o desplante de afirmar que em todos os seus anos de vida pública
jamais cometeram deslizes. Um deles se esqueceu facilmente de que a quebra de
sigilo bancário do então candidato ao governo estadual, Marconi Perillo, ocorreu
por única e exclusiva responsabilidade dele próprio, inclusive em programa de
propaganda eleitoral nas emissoras de televisão. Desonroso ato motivou decisão
da Justiça Eleitoral em conceder ao ofendido (Marconi Perillo) direito de resposta
depois de concluído o período de propaganda eleitoral gratuita.
CASO CAIXEGO E A QUEBRA DO SIGILO BANCÁRIO
DO CANDIDATO MARCONI PERILLO
Tomei conhecimento do caso Caixego e da quebra de sigilo bancário do
candidato Marconi Perillo pela imprensa. Surpreso, determinei imediatamente a
abertura de sindicância para a apuração dos fatos.
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Em seu último programa eleitoral na TV, o candidato a governador Iris
Rezende Machado cometeu grave crime: divulgar a quebra ilegal do sigilo
bancário do candidato adversário, deputado federal Marconi Perillo, com a
exibição de cópias de cheques, além da divulgação dos fatos em jornais e até em
comício.
O deputado Carlos Alberto Silva acusou indevidamente Valdecy
Bernardes Leão, minha chefe de gabinete, de ter sido a autora do crime de quebra
do sigilo bancário de Perillo, tendo como mandante o presidente do BEG.
Esse deputado, da tribuna da Assembleia Legislativa, por meio de rádio,
televisão e jornais, assacou acusações mentirosas, sem mesmo indícios da autoria
desse crime. Minha honra profissional e a de minha chefe de gabinete foram
maculadas. Pessoa que se prestou a esse trabalho sujo pertence a outra classe de
gente.
Valdecy Bernardes Leão, indignada com a acusação, obteve espaços em
rádio e jornais para sua defesa. O deputado, porém, em razão de sua imunidade
parlamentar, insistia no assunto. Sentindo-se arrasada com os fatos, requereu à
presidência do BEG que seu serviço jurídico postulasse à Justiça autorização da
Assembleia Legislativa para processá-lo por calúnia e difamação.
O Departamento Jurídico do banco informou, pela carta
GEJUR/CHEFIA Nº113/98, de 3 de novembro de 1998, em seu tópico 2: “Como
se trata de uma questão bastante complexa e de alta indagação, uma vez que
aborda matéria especializada, esta GEJUR não dispõe de profissional capaz de
prestar uma assistência efetiva e de qualidade à nossa colega, razão porque
sugerimos a contratação de um profissional especializado nesta área às expensas
do banco, pelos motivos acima expendidos”. E continua: “Assim, Senhor
Presidente, encaminhamos o presente para que seja deliberado por essa, com
vistas à adoção das providências ora sugeridas”.
A chefe de gabinete sugeriu o nome do advogado Ismar Estulano, que
apresentou proposta de honorários com valor que pode ser considerado simbólico
(R$6.700,00) para patrocinar a ação criminal.
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O BEG foi vendido à União na mesma data em que se firmou o contrato
com o advogado Ismar Estulano, ou seja, no dia 13 de novembro de 1998.
Naquela época, Valdecy Bernardes Leão procurou Iris Rezende, visando obter
dele a declaração de não ter sido ela a pessoa que produzira ou lhe entregara
aqueles documentos. Ele, então, lhe pediu que ficasse tranquila, pois o assunto
logo seria esquecido, justificando que aquilo era apenas política e Marconi, uma
vez eleito, não teria tempo para cuidar disso porque a tarefa de governador é
incessante. Mas, declarar que não fora ela a autora desse crime, não se dispôs.
Nunca deu declaração nesse sentido. Deixou que ela carregasse a culpa. Iris
Rezende, ex-ministro da Justiça e guardião da lei, cometeu gravíssimo crime e
nunca respondeu por ele.
Valdecy Bernardes Leão, com uma vida intensa dedicada aos interesses
do BEG, com a posse do novo Governador, viu-se, da noite para o dia,
considerada uma marginal. Dilacerada moral e profissionalmente, foi parar em um
hospital para tratar da saúde. No BEG, ainda como servidora, foi perseguida e
martirizada tanto pela diretoria provisória quanto pelos diretores designados pelo
Banco Central. A pressão foi tamanha que não houve alternativa senão a de deixar
os quadros do banco, escorraçada por um crime que não cometeu, chegando a se
mudar para outro Estado em razão dos maus tratos sofridos.
Em maio de 1999, quando pensava que o assunto havia sido esquecido,
eis que o mesmo Carlos Alberto Silva apresenta requerimento à Assembleia
Legislativa pedindo ao Ministério Público para apurar o “Crime de Improbidade
Administrativa”, praticado pelo presidente do banco na contratação de advogado
para defender Valdecy.
Ouvidos no Ministério Público Estadual, o presidente e Valdecy
demonstraram que a contratação fora para a defesa da chefe de gabinete, pois
instituição financeira que se preze não pode jamais proceder daquela forma. A
ofensa foi ao chefe de gabinete, agente público, e não pessoa física. Procurei
demonstrar ao Ministério Público que a CLT assegura às empresas a defesa de
seus empregados. Mas, quando se trata de onça morta, qualquer um chuta.
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Durante todos esses anos, sempre fui alertado de que fomos
abandonados, mas ainda acreditava que eles poderiam sentir o dever de nos
defender. Sempre estive enganado e fui enganado.
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A SENTENÇA
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Por dezenas de vezes, nos últimos nove anos, insisti com Iris Rezende
para atuar na solução do processo. Ele, por sua vez, sempre manifestava que isso
não daria em nada. Quando viu que a coisa foi piorando, passou a dizer que era o
risco de quem exerce funções de alto escalão. E concluiu dizendo que, em razão
da atuação policialesca do Ministério Público, todos estão sujeitos a processos.
Nunca quis declarar que nada tínhamos com a história. Como ele foi o autor de
tamanha bandalheira, deveria ter se oferecido para arcar com as despesas da
defesa na ação de improbidade administrativa.
EXECUÇÃO DA SENTENÇA
Condenado na ação de improbidade administrativa a devolver ao banco
R$6.700,00, mais a multa de R$6.700,00, atualizados monetariamente, além de
juros de 6% ao ano, procurei Iris Rezende. Depois dos cumprimentos de praxe, e
antes que abrisse a boca, disse-me que deveria procurar Maguito Vilela para
resolver aquele assunto, que tinha sido presidente do banco a convite dele,
Maguito; que durante seu Governo, havia sido apenas diretor. Quando se calou,
querendo dar o assunto por encerrado, disse-lhe que o assunto que me levara ao
seu gabinete era de sua única e exclusiva responsabilidade. Afirmei-lhe que teve a
irresponsabilidade de quebrar o sigilo bancário do adversário e vencedor das
eleições. Por isso, estava há quase dez anos amargando aquele processo.
Demonstrando indignação, perguntou-me, elevando o tom de voz, se eu o estava
culpando. Disse-lhe, então, que não precisava culpá-lo por aquilo que
efetivamente fizera, mas que ele deveria se responsabilizar. Disse-lhe mais:
respondi a vários processos e jamais lhe apontei o dedo para me livrar de alguma
acusação. Bem que fui muito assediado pelo Ministério Público Federal para fazer
delação premiada.
Num cinismo de causar admiração a um grande ator, balançou a cabeça,
dizendo: “Tem razão, o problema não é seu, é nosso!”. Indignado, retruquei,
“Nosso, não! Seu!”. Imediatamente, mandou-me procurar Mauro Miranda e
Maguito Vilella para uma reunião, a fim de resolver o assunto. Mostrei a ele que
seria impossível realizar a tarefa de lidar com um, no Banco do Brasil, em
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Brasília, e outro, mais escorregadio que bagre ensaboado. Ele, sim, deveria
providenciar essa reunião. Ainda assim, fui atrás deles. A não ser Maguito, que
me acompanhou ao tribunal para verificarmos o andamento de um agravo, nada
mais foi feito. O desembargador que prometera estudar o caso pediu licença e o
agravo não foi provido. Voltamos à estaca zero.
180
O PREJUÍZO REALIZADO
181
O valor supera R$65.000,00. A planilha aqui estampada é apenas uma
estimativa em 2007, sem atualização, sucumbência e outros.
O BANCO CENTRAL
A denúncia do deputado Carlos Alberto Silva também foi objeto de
processo administrativo pelo Banco Central, que, por ato de 30 de maio de 2001,
por meio do Ofício DECIF/GTBHO/COPAD 2001/263, de 1º de junho de 2001,
itens 12, 13,14, conclui:
“Analisada a questão relativa à contratação de advogado para
promover a ação criminal contra o então deputado estadual Carlos Alberto
da Silva, não se vislumbra ocorrência da irregularidade conforme anunciado
na peça exordial.
A acusação de quebra de sigilo bancário foi efetuada contra a
pessoa da Chefa de Gabinete da Presidência do BEG, tendo o ataque
atingido não apenas a pessoa indicada, mas, principalmente, a instituição,
que foi colocada em suspeição quanto ao zelo na preservação do sigilo das
operações de seus clientes. Natural, portanto, que fossem adotadas medidas
destinadas a evitar danos maiores do que aquele causado pelo
pronunciamento do parlamentar.
Além disso, não seria plausível considerar que o pagamento de
R$ 6.700,00 (seis mil e setecentos reais) de honorários advocatícios possa
constituir fundamento para caracterizar infração grave na condução dos
interesses do Banco, cabendo, assim, acatar as razões de defesa dos
defendentes em relação à citada irregularidade.”
A SINDICÂNCIA INTERNA
A sindicância interna não apontou o responsável pelo fornecimento das
cópias dos documentos a Iris Rezende, que, como já disse, foi quem revelou
publicamente a quebra do sigilo bancário de Marconi Perillo.
182
Extraoficialmente, soube-se, à época, que um diretor do banco, que teria
trabalhado na campanha de Iris sob as ordens do coordenador geral da campanha,
recebera uma relação com os registros de alguns cheques de emissão do então
candidato a governador pelo PSDB, e requisitou cópias do microfilme daqueles
documentos.
A requisição de cópias de documentos, feita por qualquer diretor, não se
discute. Cabe ao servidor providenciar no tempo que a urgência requerer. Não
compete ao servidor indagar ao diretor se ele possui autorização judicial para
solicitar tais cópias. Esse relacionamento nas instituições financeiras é rotineiro. A
responsabilidade foi de quem divulgou aquelas cópias, ou seja, Iris Rezende.
Levei ao Governador da época a informação da suposta autoria.
Imediatamente, ocorreu uma nova “operação abafa”, sob a alegação de que,
naquele momento, seria jogar “farofa no ventilador”. Diziam que logo tudo seria
esquecido. Afirmavam que a acusação fora feita à pessoa de Valdecy Leão e
chegavam ao cúmulo de reconhecer que “como ela não era culpada, teria
capacidade suficiente para se defender”. A decisão foi deixar como estava e nós
que nos defendêssemos. Acabamos ficando mal na história, abandonados pelos
antigos amigos, desprezados como se realmente fôssemos os autores de tamanha
irresponsabilidade.
Até hoje não houve, por parte de Iris Rezende e Maguito Vilela, a
preocupação de fazer a defesa de minha honra, de mostrar ao povo de Goiás que
não pratiquei nenhum rombo aos cofres públicos e que não violei sigilo bancário
de ninguém.
Quanto ao empréstimo à Astrográfica, nem se fala. Jamais me beneficiei
dessa operação, que, repita-se, deu lucro ao BEG e foi quitada nas datas de
vencimento de suas parcelas.
O CASO CAIXEGO
O desfecho do caso Caixego é aguardado, mas até agora é idêntico ao
caso Astrográfica: os mandantes, os beneficiários, foram todos absolvidos e já
183
tiveram seus bens liberados. A condenação de uns poucos, com certeza, também
foi negociada. Faltou, em alguns pontos da meada, inteligência para encontrar a
prova de que o dinheiro foi utilizado para pagar despesas de campanha política.
Elas ainda existem. Preocuparam-se com a pulga e esqueceram-se do cachorro.
Não tiveram a mínima noção de que um volume tão expressivo de dinheiro jamais
poderia cumprir a sua finalidade e chegar ao seu destino somente a partir da boca
do caixa do comitê.
A desastrada devolução do dinheiro ainda foi pior. É preciso uma
vigorosa ação da sociedade goiana para que os verdadeiros responsáveis sejam
varridos da política do Estado de Goiás.
A sindicância para apurar o pagamento do cheque de emissão da Caixego
ficou nos limites do que aconteceu dentro da tesouraria do banco. Também não
compete a nenhum banco acompanhar para onde o sacador leva o dinheiro
retirado de sua caixa.
O APAGAR DAS LUZES
Nos últimos dias do Governo Naphtali Alves de Souza,
aproximadamente às 23 horas, fui convidado a comparecer em palácio, onde o
Governador determinou-me que liberasse as hipotecas de uma grande empresa
goiana junto ao BEG, garantias reais pela utilização dos incentivos do Fomentar.
Afirmou-me o Governador que atendia ao senador Iris Rezende. Além de
responder ser impossível atender àquela ordem, fui mais longe – se concordasse
em atender a tal pedido poderia o Governador chamar a Polícia Federal e já me
retirar dali algemado.
Presentes à reunião, estavam, o interessado, que reagiu indignado por
esperar e receber um sonoro “não”, e o secretário da Fazenda, que também foi
decisivo em não concordar. Mazelas desse tipo, ao longo de mais de quarenta
anos, levaram o Banco do Estado de Goiás a viver sempre em situação de risco e
os servidores e suas famílias em constantes sobressaltos, angustiados e
esperançosos de que um dia as coisas pudessem mudar.
184
A PREPARAÇÃO DO BANCO PARA SER
PRIVATIZADO
Conforme amplamente relatado, durante o período de 1995 a 1998, a
diretoria do BEG adotou uma política voltada para racionalização dos serviços,
treinamento de pessoal, maciços investimentos em informática, redução do
número de agências e, consequentemente, de pessoal.
Do lado operacional, com a reforma dos estatutos definindo o verdadeiro
papel de cada comitê de crédito, a instituição dos limites de crédito pré-aprovados
e a opção para operações de crédito consignado e cheques especiais
impulsionaram os negócios do banco com expressivo aumento em suas captações.
Esse trabalho, segundo a empresa de avaliação de bancos, a Atlantic Rating, fez
com que o BEG tivesse melhor transparência em seus negócios, elevada captação,
embora com baixa capitalização.
Não estou a defender a privatização do banco, mas, como houve da parte
do Governo Maguito Vilela a decisão de privatizá-lo, somente caberia aos seus
dirigentes cumprir o que lhes fora determinado.
Além das mazelas já expostas ao longo deste relato, outras, também
dignas de nota, devo trazer à lembrança de todos. A primeira é que, com o
advento da Constituição de 1988, proibiu-se a nomeação ou contratação de
servidores públicos sem concurso para cargos nos órgãos do Estado, passou-se à
utilização do BEG para a contratação e comissionamento. O caso mais conspícuo
é o da Asbeg, que possuía várias centenas de empregados contratados para prestar
os mais diversos serviços ao banco. Outro caso foi o dos empréstimos feitos ao
próprio Estado controlador e às empresas estatais, que foram, sem dúvida, a maior
dificuldade enfrentada pelas instituições financeiras estaduais e a causa principal
da derrocada dos bancos estaduais.
Outro fato que merece destaque, segundo Cleofas Salviano Júnior, em
seu estudo sobre bancos estaduais – “Dos Problemas Crônicos do Proes” – “é que,
sendo o Estado quem controla a Fazenda Estadual, pode financiar seus gastos. Se
o faz por meio de tributação, submete-se ao controle do Legislativo e até do
185
próprio eleitor; se for buscar financiamento junto ao sistema financeiro, submete-
se à disciplina do mercado, que só empresta até o limite de capacidade de
pagamento futuro do Estado. No entanto, se o endividamento se dá junto a uma
instituição a ele subordinada, não está sujeito a qualquer controle, sendo
completamente invisível para o contribuinte até o momento em que o banco
quebra.” Foi o que aconteceu com o BEG, o Estado se endividou sem controle,
sem transparência.
Como se não bastassem tais desmandos, praticados pelos controladores
do BEG, o Estado também se financiava perante ele por meio de operações
triangulares, também ilegais, mas muito mais difíceis de controlar, envolvendo
fornecedores e empreiteiros do Estado ou outras agências de bancos.
Em Goiás, houve diversas operações triangulares com fiança bancária.
Por ocasião do vencimento dos empréstimos garantidos pela fiança, o Estado não
quitava a dívida e o BEG era obrigado a fazê-lo, tornando-se, dessa forma, credor
do Estado. Com os empreiteiros, ocorria o mesmo. O empréstimo não era pago e o
BEG era obrigado a baixar a operação em “provisões” e depois iniciar um longo
processo de execução, o que quase nunca ocorria. Houve ainda o que se
denominava “troca de chumbo” – o BEG emprestava às prefeituras ou adquiria
letras financeiras de outros Estados. As Prefeituras, no momento de pagar suas
dívidas com o banco, entravam na justiça para que o empréstimo não fosse
debitado na sua conta, sob os mais diversos argumentos, sem contar, às vezes, que
o débito da parcela era suspenso por determinação política.
Apesar desse cenário, dentre os bancos estaduais federalizados e
privatizados, o BEG foi o único cujo resultado de sua venda apresentou saldo
credor ao seu controlador, mercê do trabalho sério e profissional adotado a partir
de 1995, eis abaixo o quadro :
186
Banco data do leilão valor do ajuste valor da venda
BANERJ 26/6/1997 3.879.680 311.100
BEMGE 14/9/1998 4.697.190 603.060
BANDEPE 17/11/1998 328.660 182.900
BANEB 22/6/1999 1.711.000 267.800
BANESTADO 17/10/2000 5.197.680 1.799,260
BANESPA 20/11/2000 36.126.500 7.160.920
BEA 24/1/2002 416.920 192.540
BEG 4/12/2001 601.350 680.840
Fonte Banco Central: (Bancos Estaduais – dos Problemas Crônicos ao Proes – Cleofas Salviano
Júnior)
No âmbito de fiscalização do Banco Central, foram abertos processos
administrativos contra todos os administradores do BEG, resultando em punições
a título de advertência e inabilitação por prazo certo. Todas as penas já foram
cumpridas.
Embora punido pelo Banco Central, não o eximo de culpa, porque,
embora conhecedor de todos os problemas e mazelas dos bancos estaduais, ficou
em xeque diante do poder político do Estado, conforme atesta o ex-presidente do
Banco Central, Gustavo Loyola, em artigo publicado em 19 de novembro de
2000, na Folha de São Paulo:
“Essas instituições (Bancos Estaduais) constituíram, em fonte
permanente de indisciplina, violadores contumazes das normas de supervisão
bancária. Utilizando-se de canais políticos, pressionavam o Banco Central a
dispensar-lhes “tratamento excepcional” diante das normas aplicáveis às
instituições financeiras em geral. A consequência disso foi a tendência do
Banco Central de „nivelar por baixo‟, evitando adotar normas mais rígidas
187
que não poderiam ser atendidas pelas instituições estaduais, o que acabou
enfraquecendo a regulamentação prudencial no Brasil.”
Depois dessa declaração, não é preciso acrescentar mais nada. A não ser
que, até o dia de hoje, sou tido injustamente como o responsável pelo “rombo” do
BEG, quando a verdade aqui demonstrada com farta documentação é que procurei
levar aquela instituição ao lugar seguro e fora das garras do poder político, que
durante décadas sugou aquela instituição, e quase todo o trabalho desenvolvido foi
em vão, em razão da falta de interesse dos donos do poder de então.
188
DEMONSTRATIVO DO PATRIMÔNIO LÍQUIDO DO BEG EM 31 DE
DEZEMBRO DE 1997 E DA DÍVIDA MOBILIÁRIA DO ESTADO JUNTO AO
BEG – LFTs GO – POSIÇÃO EM 20 DE OUTUBRO DE 1998:
PATR.LÍQ.
LFT-GO
Patrimônio Líquido em 31 de dezembro de 1997 – R$80 milhões.
Dívida mobiliária do Estado – LFTs-GO, no BEG – R$738 milhões.
189
DEMONSTRATIVO DO PATRIMÔNIO LÍQUIDO DO BEG E DA DÍVIDA
DOS ÓRGÃOS DO ESTADO JUNTO AO BEG – PROVISIONADAS NO
GOVERNO IRIS REZENDE 83/86 – POSIÇÃO EM 31 DE DEZEMBRO DE
1996:
PATR.LÍQ.
DÍV.TESOURO
Patrimônio Líquido em 31 de dezembro de 1996 – R$35 milhões.
Dívida não honrada – U$180 milhões.
190
DEMONSTRATIVO DO PATRIMÔNIO LÍQUIDO DO BEG E DA DÍVIDA
DAS EMPREITEIRAS DO DERGO – OPERAÇÕES TRIANGULARES
VENCIDAS JUNTO AO BEG NO GOVERNO IRIS REZENDE – POSIÇÃO
EM 30 DE DEZEMBRO DE 1996:
Patrimônio Líquido em 31 de dezembro de 1996 – RS35 milhões.
Dívidas vencidas das empreiteiras do Dergo – R$40 milhões.
191
DEMONSTRATIVO DO PATRIMÔNIO LÍQUIDO DO BEG E DAS FIANÇAS
DA CASEGO HONRADAS PELO BEG JUNTO AO BASA E BRB – POSIÇÃO
EM 1996:
Patrimônio Líquido em 31 de dezembro de 1996 – R$35 milhões.
Fianças honradas pelo BEG – R$25 milhões.
192
CRÉDITO TRIBUTÁRIO ATIVADO EM 1994, NO GOVERNO IRIS
REZENDE, E PATRIMÔNIO LÍQUIDO APÓS O FECHAMENTO DO
BALANÇO:
Crédito Tributário Ativado – ano de 1994 – R$92 milhões.
Patrimônio Líquido – balanço de 31 de dezembro de 1994 – R$58 milhões.
193
DEMONSTRATIVO DO PATRIMÔNIO LÍQUIDO DO BEG EM 30 DE
JUNHO DE 1998 E DA DÍVIDA DO BEG COM O FUNDO DE
PREVIDÊNCIA – POSIÇÃO EM 31 DE DEZEMBRO DE 1998:
Patrimônio Líquido – RS 80 milhões.
Fundo de Previdência – Prebeg – R$140 milhões.
194
O banco se sustentava somente com suas captações e gerações de
receitas, através de operações de crédito com cheques especiais, crédito público
preferencialmente, entre outros.
PATRIMÔNIO LÍQUIDO NEGATIVO
Fundo de Previdência – Prebeg: R$140.000.000,00.
Dívida de Tesouro LFT-GO no BEG: R$738.000.000,00.
Dívidas dos órgãos do Estado – 1983/1986 (posição em 1996):
U$180.000.000,00.
Dívidas vencidas de empreiteiras do Dergo – 1998: R$40.000.000,00.
Fianças honradas pelo BEG – dívidas da Casego: R$25.000.000,00.
Crédito Tributário Ativado: R$92.000.000,00.
Operações de crédito com clientes: R$60.000.000,00.
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A reforma administrativa que implantei no BEG, a partir de 1995, refletiu
positivamente em seu desempenho, conforme referência do Banco Central do
Brasil no edital de sua venda, em que está destacado o fechamento de agências e
demissões, com a redução de despesa de pessoal na ordem de trinta por cento.
Trabalhos árduos, como os aqui demonstrados, nunca foram objeto de
reconhecimento pelos que sempre detiveram o poder e o controle dessa
instituição.
Para que a reforma administrativa produzisse os resultados almejados,
após diversos estudos, aprovamos e implantamos um Planejamento Estratégico,
abrangendo o período de 1996 a 1999, com o estabelecimento das seguintes
ações: cumprimento dos prazos, custos estimados dos projetos e áreas
responsáveis pela sua execução.
O resultado foi a já destacada redução de despesas e a grande
alavancagem em nossas captações, o que livrou o BEG de recorrer à assistência
financeira do Banco Central, em que pese seu baixo nível de capitalização e o
comprometimento de seus depósitos com a rolagem da dívida mobiliária do
Governo Estadual.
As inúmeras correspondências ao Governador, encarecendo providências
visando ao fortalecimento e à preservação do banco, demonstram o quanto fui
cumpridor de meu dever.
– Iris Rezende e Maguito Vilela, eu não estava brincando de administrar!
Embora comprometido com os servidores do BEG, seus quatrocentos e cinquenta
mil correntistas e toda a comunidade goiana, cumpri suas ordens preparando-o
para a privatização.
Assim, quando em 30 de setembro de 1998 encaminhei ao Governador
de plantão correspondência com o histórico dos bancos estaduais, para subsidiar o
projeto de lei a ser remetido à Assembleia Legislativa após as eleições, a fim de
obter autorização para a federalização do BEG, cumpri ali o penúltimo ato da
“Conjuração Política”, nela apontando suas fragilidades, como a gestão dos
negócios divorciados dos princípios da técnica bancária, em razão da forte
ingerência externa nos assuntos de sua exclusiva responsabilidade.
224
Essa ingerência, oriunda de fontes e de agentes os mais variados, teve
como alvos os mais diversos aspectos da gestão bancária. É particularmente grave
nas áreas de concessão de crédito, gestão de agências, administração de recursos
humanos e, principalmente, no provimento de cargos na alta administração,
conforme foi aqui amplamente demonstrado. Consequências disso foram ativos de
péssima qualidade, representados principalmente pelas operações triangulares
deferidas sob pressão do Governo; elevado índice de inadimplência; manutenção
de agências deficitárias; elevadas despesas com propaganda; doações e
patrocínios sem interesse da instituição.
225
CAPÍTULO VIII
FINAL
A HISTÓRIA JULGARÁ
A irracionalidade descrita ao longo desse relato, como a falta de
compromisso desses governantes, permite afirmar que poderia haver novo ciclo
de apodrecimento caso o BEG tivesse resistido. Esse será sempre o preço a ser
pago pela sociedade, enquanto não despertar e alijar da vida pública os que não
são comprometidos com os interesses do Estado.
Aos que, convidados, ascendem a cargos públicos, gostaria de lembrar
que não devem se deixar aliciar pelos detentores do poder, porque os poderosos
pensam como aquele ex-deputado que trocou seu mandato por um tranquilo e bem
remunerado cargo no Tribunal de Contas.
O iluminado ex-parlamentar mede a competência das pessoas pela
“expressividade eleitoral”. Ora, oriundo de um dos mais conhecidos currais
eleitorais do nosso Estado, esquece que o povo sabe que o dinheiro compra a sua
tão pré-falada expressividade. Que adianta ter expressividade eleitoral, se não tem
competência? Aqui fica o alerta. Não prestem nenhum serviço à nação, ao Estado
ou ao seu município enquanto governantes julgarem que o importante é a
“expressividade eleitoral”, pois a eles não interessa o preço que se vai pagar.
Não tendo eu “expressividade eleitoral”, mas também não sendo covarde,
pois não fui me esconder em Brasília, recebi a missão e cumpri, em nome do
Governo, o último ato da “Conjuração Política”, ao tornar público, nas
dependências do BEG, que, em julho de 1998, reunidos secretamente nos
gabinetes do Banco Central do Brasil, assinaram a venda do BEG. Não acolheram
minha sugestão de dar conhecimento prévio de todos esses fatos ao Governador
recém-eleito antes de torná-los públicos.
226
Após o anúncio, correu a notícia de que o banco possuía um rombo de
R$200 milhões. Esse peso foi colocado sobre meus ombros e me chafurdaram na
lama dos escândalos que patrocinaram e foram os únicos beneficiários.
Ao decidir, neste momento, trazer a público a verdade sobre os fatos e
apontar os responsáveis pelo tão famigerado rombo, que não era de R$ 200
milhões, estou devolvendo aos protagonistas esse peso que lhes pertence.
WALMIR MARTINS DE LIMA
227
SURPRESO!
Edirson Alves Porto
Administrador, professor universitário e ex-funcionário do BRB-DF
Assim fiquei quando convidado a escrever sobre o autor. Alegre, porque
terei de relembrar fatos passados. Honrado, pela deferência.
Conheci o garoto Walmir Martins de Lima e o vi crescer no início dos
anos cinquenta. Companheiros nas horas de lazer e no trabalho. Logo ele foi
trabalhar na Prefeitura Municipal de Goiânia, laborando desde a tenra idade de
nove anos e alguns meses; para que isso fosse possível, falava-se que já tinha doze
anos. Juntos, fizemos o preparatório para o exame de admissão ao curso ginasial,
no Ginásio Estadual de Campinas, com aulas ministradas pelo saudoso amigo
Alfredo Pupak.
Como todo garoto da sua idade, impulsivo, mas muito responsável.
Disciplinado, pontual e educado, qualidades herdadas de sua saudosa mãe, a
Professora Ana Martins de Lima. Passados alguns anos, além de trabalhar na
Prefeitura Municipal de Goiânia, foi também trabalhar à noite na Escola Técnica
de Comércio de Campinas, a escola do “Professor Rubens Carneiro”; ali,
trabalhou por quase dois anos.
Como estudante secundarista, Walmir teve participação ativa na política
estudantil de Goiás. Estivemos juntos em congressos estudantis; era o início da
nossa atuação na política estudantil. Lutamos contra os aumentos abusivos e o
corte da meia-entrada nos cinemas e da meia-passagem nos ônibus coletivos de
Goiânia. Participamos de algumas escaramuças, como o inesquecível “5 de março
de 1959”.
Fundador e primeiro presidente do Grêmio Estudantil Literário
Professora Lígia Maria Coelho Rebelo, insigne educadora e diretora do Colégio
Estadual Professor Pedro Gomes, sucessor do Ginásio Estadual de Campinas.
228
Foi o segundo secretário da CGE – Confederação Goiana dos Estudantes.
Foi secretário da Associação dos Servidores da Prefeitura Municipal de Goiânia.
Há registros de que Walmir foi um excelente funcionário municipal.
Em 1960, empolgado com a construção da Nova Capital do Brasil, fixei
definitivamente a minha residência em Brasília, a “Capital da Esperança”, porém,
sempre mantive contato com o velho amigo de infância.
Em 1965, através de concurso público, ingressou no Banco do Brasil
S.A., tendo iniciado a sua carreira bancária na cidade de Morrinhos, em Goiás, e
se aposentado em 1991.
É de meu conhecimento que o jovem empreendedor Walmir, já estudante
universitário, manteve um curso particular de Exame de Admissão ao Ginásio,
que funcionava em uma Loja Maçônica no bairro de Campinas.
Finalmente, registre-se que a lealdade tem sido o apanágio de sua vida.
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