os aquiferos da bacia hidrográfica do alto tiete - disponibilidade e vulnerbilidade

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  • Revista Brasileira de Geocincias 31(1):43-50, maro de 2001

    OS AQFEROS DA BACIA HIDROGRFICA DO ALTO TIET: DISPONIBILIDADE HDRICA E VULNERABILIDADE POLUIO

    RICARDO C. A. HIRATA1 & LUCIANA M. R. FERREIRA2

    ABSTRACT The Upper Tiete basin (BAT) is the most densely populated (17.5 million people) hydrologic unit in Brasil. Although super- ficial resources provide almost the totality of water for the public system, groundwater plays a key role for complementary and private water supply of the region. A coarse estimation has demonstrated that 9 thousand wells are exploiting more than 315 million cubic meters per year (Mm-/a). The BAT involves: i) pre-Cambrian basement rocks (4238 km2), corresponding to Embu Complex, Sao Roque and Serra do Itaberaba groups, and granitoids; and ii) Paleogen and Neogen sediments of the Sao Paulo sedimentary basin (1452 km2), including Taubate Group (Resende, Tremembe, Sao Paulo, and Itaquaquecetuba formations), and neo-Cenozoic deposits. This geologic context defines the Crystalline (SAC) and Sedimentary (SAS) aquifer systems. In this work, four new units are suggested: Sao Paulo and Resende aquifers, associated to SAS, and Granitoid Rock and Metasedimentary Rock aquifers, associated to SAC. The SAS units are unconfmed to locally semi-confined, isotropic, heterogeneous aquifer with granular porosity. The Sao Paulo and Resende aquifers present low (Q/s=0.5 m3/h/m) and low-medium (Q/s=0.9 m3/h/m) productivity respectively. The SAC units are unconfmed, anisotropic, heterogeneous aquifers with fractured porosity. Due to limited areal expression, the Tremembe and Itaquaquecetuba formations are not considered in this study. The Granitoid Rock Aquifer is constituted by granitoid and gneiss and presents low productivity (Q/s=0.2 m3/h/m). The Metasedimentary Rock Aquifer includes quartzite, mica-schist, amphibolite and carbonated rock, with low-medium productivity (Q/s=1.4 m3/h/m). It is believed that the higher productivity is due to rock double-porosity. A very extensive work to identify the groundwater pollution risk analyzed the interaction between the aquifer pollution vulnerability map and contaminant load that is, will be or might be applied on the subsurface as a result of human activity. The most dangerous activities were related to 449 industrial plants (mainly metal processing and mechanical engineering), 38 open dumps and 52 urban unsewered sanitation districts. 134 gas station presented underground fuel leakage. Keywords: Aquifer overexploitation; aquifer pollution vulnerability; groundwater pollution hazard, Upper Tiete Watershed, Sao Paulo.

    RESUMO A Bacia do Alto Tiet (B AT) a mais populosa (17,5 milhes de pessoas) unidade hidrolgica do Pas. A quase totalidade do abastecimento pblico feito por gua superficial, muito embora, o recurso subterrneo desempenhe um papel importante no suprimento com- plementar privado. Estimativas mostram que 9 mil poos esto explorando mais de 315 milhes de metros cbicos por ano (Mm /ano). A B AT engloba as rochas do embasamento pr-cambriano (4.238 km2), correspondentes ao Complexo Embu, rochas granitides e aos grupos So Roque e Serra do Itaberaba; e sedimentos tercirios palegenos e negenos da Bacia de So Paulo (l .452 km2), incluindo o Grupo Taubat (formaes Resende, Trememb, So Paulo e Itaquaquecetuba), e depsitos neocenozicos. Este contexto geolgico define dois sistemas aquferos, o Cris- talino (SAC) e o Sedimentar (SS). Neste trabalho, estes sistemas foram definidos em quatro unidades: aquferos So Paulo e Resende, asso- ciados ao SS e aquferos de Rochas Granitides e de Rochas Metassedimentares. As unidades do SS so livres a localmente semi-confinadas, heterogneas, isotrpicas e de porosidade primria granular. Os aquferos So Paulo e Resende apresentam produtividade baixa (capacidade especfica: Q/s=0,5 m3/h/m) e mdia-baixa (Q/s=0,9 m3/h/m), respectivamente. As formaes Trememb e Itaquaquecetuba no foram estu- das devido a pequena ocorrncia. As unidades do SAC so do tipo livre, anisotrpico e heterogneo e com porosidade por fraturao. O Aqufero de Rochas Granitides constitudo de granitides e gnaisses e apresenta produtividades baixas (0,2 m3/h/m). J o Aqufero de Rochas Metassedimentares inclui quartzitos, micaxistos, anfibolitos e rochas carbonticas, com produes mdias-baixa (Q/s=l,4 m3/h/m). O maior rendimento deste aqufero atribudo dupla porosidade da rocha. Um extensivo trabalho de identificao de perigo de poluio dos aquferos integrou o mapa de vulnerabilidade de aquferos e a classificao da carga contaminante potencial. A maior probabilidade de gerao de cargas contaminantes importantes ao aqufero est associada a 449 indstrias, com predominncia para o processamento de metal e mecnica; 38 lixes e 52 distritos parcialmente sem esgotamento sanitrio. 134 postos de servio apresentaram vazamento de combustvel. Palavra-Chave: Super-explorao de aquferos, vulnerabilidade poluio de aquferos, perigo de contaminao, Bacia Hidrogrfica do Alto do Tiet, So Paulo.

    INTRODUO Aproximadamente 17,5 milhes de pessoas vivem hoje na Bacia Hidrogrfica do Alto Tiet (BAT). Esta grande ocupao humana se reflete na forma complexa de uso e ocupao da terra e de aproveitamento dos recursos naturais. Muito embora o manancial su- perficial seja a principal fonte pblica de abastecimento, o recurso subterrneo tem contribudo de forma decisiva para o suprimento com- plementar de gua para a regio. Uma grande quantidade de indstri- as, condomnios e empreendimentos isolados utilizam os aquferos como fonte alternativa ou primria para suprirem suas necessidades dirias de gua.

    A despeito dessa importncia no h ainda um programa de prote- o e uso racional do recurso hdrico subterrneo para a BAT. Como resultado, no conhecida a totalidade dos poos existentes e em ope- rao. Falta tambm a definio do perfil do usurio do recurso ou mesmo os volumes explorados. Estimativas iniciais tm mostrado que as extraes seriam superiores a 315 milhes de metros cbicos por ano (Mm3/ano), resultado do bombeamento de 9 mil poos em opera- o, a maioria no municpio de So Paulo.

    Este trabalho apresenta uma nova compartimentao das unidades aquferas que ocorrem na BAT, produto da subdiviso dos dois siste- mas aquferos existentes, o Cristalino e o Sedimentar. Complementar-

    mente, so analisados os perigos de poluio dos aquferos, atravs da confeco de um mapa de vulnerabilidade e da classificao das cargas contaminantes antrpicas potenciais.

    SISTEMAS AQUFEROS DA BACIA DO ALTO TIET A Bacia do Alto Tiet (BAT) uma unidade hidrolgica que engloba os domnios da Bacia Sedimentar de So Paulo (l .452 km2) e as rochas pr-cambrianas do embasamento cristalino (4.238 km2) que a circun- dam. Os sedimentos preenchem um hemi-graben basculado para NNW, desenvolvido em terrenos cristalinos representados por granitos sin e ps-tectnicos e por rochas metamrficas, que incluem os migmatitos, gnaisses, xistos e metassedimentos em geral, relacionados ao Complexo Embu e aos grupos So Roque e Serra do Itaberaba (Juliani 1992). Por sua vez, os sedimentos, com espessuras mdias de 100 m, pertencem ao Grupo Taubat (Tercirio, Palegeno), subdivi- dido nas formaes Resende, Trememb e So Paulo, superpostos pela Formao Itaquaquecetuba (Tercirio, Negeno) e por depsitos neocenozicos (Riccomini et al 1992).

    Este contexto geolgico define duas unidades aquferas: o Sistema Aqufero Cristalino (SAC) e o Sistema Aqufero Sedimentar (SS), que trabalhos anteriores tratavam como aquferos Cristalino e Sedimentar (DAEE 1975).

    1 Departamento de Geologia Sedimentar e Ambiental - Instituto de Geocincias da Universidade de So Paulo. Rua do Lago, 562. Cidade Universitria, CEP 05508-900. So Paulo (SP), Brasil. E-mail: [email protected]

    2 Instituto Geolgico - Secretaria do Meio Ambiente do Estado de So Paulo. Av. Miguel Stfano, 3900. gua Funda, CEP 04301-903. So Paulo (SP), Brasil. E-mail: [email protected]

  • Os Aquferos da bacia hidrogrfica do Alto Tiet: Disponibilidade hdrica e vulnerabilidade poluio

    O SAC ocorre nos domnios das rochas cristalinas do embasamento (Fig. 1a). Seus limites coincidem aproximadamente com os divisores de drenagem superficial, nas cotas de 800 a l .000 m. Segundo o com- portamento hidrulico das rochas possvel distinguir duas unidades neste sistema. O primeiro, relacionado s rochas intemperizadas, con- forma um aqufero de porosidade granular bastante heterogneo, de natureza livre, com espessuras mdias de 50 m.

    Sob o manto de intemperismo e, muitas vezes conectado hidrauli- camente, ocorre o aqufero cristalino propriamente dito, onde as guas circulam por descontinuidades rpteis da rocha (fraturas e falhas aber- tas). Esta unidade de carter livre a semi-livre e heterogneo e anisotrpico.

    Embora recobrindo apenas 25% da rea da B AT, o SAS (Fig. l b) o mais intensamente explorado. As altitudes mdias das colinas situ- am-se nas cotas 760 m com mximos de 840 m no espigo da Av. Paulista e mnimo de 710 m na soleira de Barueri, onde o sistema hidraulicamente fechado (Rocha et al. 1989). Este sistema aqufero livre a semi-confinado, de porosidade primria e bastante heterogneo.

    O modelo de circulao regional aceito para a BAT mostra que as guas das chuvas recarregam os aquferos em toda a sua extenso no impermeabilizada. Outra importante recarga ocorre pelas fugas da rede pblica de abastecimento de gua e de coleta de esgoto. Uma vez in- gressando no aqufero, as guas fluem em direo s drenagens super- ficiais, suas reas de descarga. O rio Tiet representa, junto soleira de Barueri, o ponto de menor potencial hidrulico do aqufero e onde todas as guas drenadas dos dois sistemas aquferos finalmente fluem.

    Caractersticas hidrulicas dos sistemas aquferos Neste estudo foi criado um novo cadastro de poos tubulares, incluin- do os dados mais recentes (a partir da dcada de 80) do Departamen- to de guas e Energia Eltrica (DAEE) e de estudos especficos, inclu- indo Bertolo (1996) e Sabesp-Cepas (1994). O cadastro desenvolvido no teve a pretenso de englobar todos os poos da rea de estudo. Seu objetivo foi o de obter dados confiveis da hidrulica dos sistemas aquferos e correlacion-los nova estratigrafia da Bacia Sedimentar de So Paulo, proposto por Sabesp-Cepas (1994), estabelecendo a hi- drulica de cada aqufero (Tabela 1). Neste trabalho quatro novas uni- dades hidrogeolgicas foram propostas: Aqufero de Rochas Granitides, Aqufero de Rochas Metamrficas, Aqufero Resende e Aqufero So Paulo. A representao cartogrfica, em escala 1:100.000 (Hirata & Nunes da Silva 1999), est acessvel e pode ser

    Figura J. Modelos conceituais de circulao de gua nos sistemas aquferos (a) Cristalino e (b) Sedimentar

    obtida, atravs de download, no site http://geolig.igc.usp.br, no Ban- co de dados espaciais da Bacia do Alto Tiet.

    O Sistema Aqufero Cristalino (SAC) apresenta caractersticas pro- dutivas diferenciadas segundo o tipo de litologia dos aquferos. pos- svel distinguir duas unidades, aquela associada s rochas granitides e filitos (Aqufero de Rochas Granitide), com capacidade especfica (Q/s) mdia de 0,20 m3/h/m e aquela associada s rochas metamrficas, com Q/s de 1,35 m3/h/m (Aqufero de Rochas

    Tabela l. Potencial hdrico subterrneo da Bacia do Alto Tiet

    Osp - Predominantemente camadas de areia e cascalho Orl - Predominncia de lamitos arenosos a argilosos, com seixos e fragmentos de quartzo Orf - Predominncia de lamitos seixosos com lamitos arenosos subordinados Pef - Predominncia de filitos ocorrendo subordinadamente xistos P g - Rochas granitides predominantemente macias de granulao variada P go - Rochas granitides orientadas e/ou foliadas, de granulao variada, incluindo pores gnissicas, migmatticas e blastomilonticas associadas Pegn - Rochas predominantemente gnissicas, incluindo, pores locais de rochas granitides orientadas, xistos feldspatizados e milonitos diversos subordinados P a- Anfibolitos P q - Predominncia de quartzitos, com ocorrncias subordinadas de metassiltitos e xistos P x - Predominncia de micaxistos, com quartizitos e metassiltitos subordinados, localmente feldspatizados

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  • Ricardo C. A. Hirata & Luciana M. R. Ferreira

    Metamrficas). DAEE (1975), analisando indistintamente ambos os aquferos, obteve transmissividades entre 0,4 e 14 m2/dia (valores indicativos, testes de bombeamento analisados segundo Cooper- Jacob). Sabesp-Cepas (1994) estabeleceram para o S AC uma porosidade eficaz (Sy) de 3%.

    certo que os poos locados em reas de maior fraturamento da rocha iro apresentar melhores vazes, porm no existe at o momen- to uma anlise regional da produtividade de poos associados s estru- turas geolgicas na Bacia do Alto Tiet. As maiores vazes relaciona- das s rochas metamrficas provavelmente esto associadas dupla porosidade da rocha (primria e de fratura).

    As caractersticas hidrulicas da poro intemperizada do SAC fo- ram estudadas por Rebouas (1992), que mostra que a condutividade hidrulica funo do nvel do perfil de alterao da rocha. As condutividades hidrulicas variam de muito baixas (lxlO-6 a 1xlO-7 m/ s), no tero superior do perfil de alterao, a muito alta (1x10-3 a 1x10- 4 m/s) na zona de transio entre a rocha relativamente alterada e a rocha s.

    No SAS foi possvel identificar duas novas unidades: uma associ- ada Formao So Paulo, com Q/s mdio de 0,48 m3/h/m e outra Formao Resende, mais produtiva, com Q/s mdio de 0,91 m3/h/m. Sabesp-Cepas (1994) atribuem para o SS uma porosidade eficaz (Sy) mdia de 6%, e DAEE (1975) valores de transmissividade mdios de 50 m2/dia, variando de 15 a 70 m2/dia. As formaes neocenozicas, Trememb e Itaquaquecetuba, no definem unidades aquferas devido a sua pequena expresso em rea.

    certo que dentro de uma mesma unidade aqufera h uma grande variao na produtividade. Estudos de maior detalhamento sero ne- cessrios para estabelecer um zoneamento mais detalhado, incluindo um cadastro mais amplo dos poos em explorao na BAT. Neste es- tudo foi possvel distinguir os municpios que se lhes associam as maiores produtividades aquferas. Os municpios, cujos poos explo- ram o SAC e que apresentam as maiores produtividades, so: Cajamar (Q/s 2,79 m3/h/m, mdio), Santana do Parnaba (Q/s 2,20 m3/h/m), Santo Andr (Q/s l ,45 m3/h/m) e Pirapora do Bom Jesus (Q/s l ,10 m3/ h/m). J os que exploram o SS so os municpios de So Paulo [zo- nas norte (Q/s 3,04 m3/h/m), leste e centro (Q/s 1,15 m3/h/m)] e de Guarulhos (Q/s 1,05 m3/h/m). No SS as maiores produtividades es- to associadas s reas de maior espessura saturada e predominncia da Formao Resende com relao Formao So Paulo. No caso do SAC, a maior produtividade relaciona-se ocorrncia do Aqufero de Rochas Metamrfcas.

    A recarga dos sistemas aquferos A recarga dos sistemas aquferos feita por dois mecanismos distintos: a natural, com guas da precipitao que infiltram no solo e atingem o aqufero, e a induzida, representada por guas provenientes de fugas das redes de gua e esgoto.

    Devido interferncia antrpica nos cursos de gua superficiais, incluindo a construo de obras de regularizao, reverso de cursos de gua e intensa urbanizao, h dificuldade na anlise do regime hidrolgico do Alto do Tiet (Rocha et al. 1989). Assim, o DAEE (1975) considerou uma rea de 1.460 km2, a montante de Itaquaquecetuba, no perodo de 1964 a 1975, para proceder a um ba- lano que se aproximasse das condies naturais da bacia.

    Os resultados mostraram: i) pluviometria mdia de 1.520 mm/ano, com 20% de variabilidade; ii) evapotranspirao real mdia de 940 mm/ano, com 20% de variabilidade; iii) descarga mdia de 840 Mm3/ ano ou 575 mm/ano, distribudas em escoamento base de 520 Mm3/ ano e escoamento superficial de 320 Mm3/ano (DAEE 1975).

    Assim, a contribuio dos aquferos descarga do rio seria de 62%, que representariam 23% da precipitao total anual. Com base nesses dados, Rocha et al. (1989) definiram que h uma recarga garantida proveniente dos domnios aquferos das rochas cristalinas alteradas, da ordem de 0,36 Mm3/km2/ano, ou seja, uma transferncia de l .500 Mm3/ano para os depsitos sedimentares e sua descarga junto aos rios. Os autores consideram portanto que a recarga do SAS proveniente da rea de afloramento do embasamento cristalino alterado, no levando em conta os mecanismos de recarga da rea dos sedimentos da bacia. Acrescentam ainda que as recargas provenientes das perdas da rede de distribuio de gua seriam da ordem de 15 m3/s ou cerca de 473 Mm3/ano (Rocha et al. 1989), totalizando l .973 Mm3/ano para toda a BAT.

    Iritani (1993) analisando os fluxos de gua da Cidade Universitria

    da Universidade de So Paulo, determinou uma recarga especfica de 0,25 Mm3/km2/ano, considerando que a rea apresentava pouca impermeabilizao e afloramento de sedimentos relativamente perme- veis, em sua maior extenso.

    Sabesp-Cepas (1994) adotaram o valor mdio de recarga utilizado por Rocha et al. (1989) de 0,36 Mm3/km2/ano no estudo da Regio Metropolitana de So Paulo (RMSP) e complementaram que as fugas da rede da Sabesp para a mesma regio somariam 27% dos 1.419 Mm3/ano, ou seja, 383 MmVano (12,2 m3/s).

    Menegasse-Velsquez (1996) apresentou um outro mtodo de ava- liao de recarga, baseado na flutuao dos nveis de gua dos aquferos sedimentares nos bairros de Sumar e Pompia (So Paulo). A autora encontrou valores mdios de 0,06 Mm3/km2/ano (60 mm/ ano), em reas com ndice de ocupao de 73%. Conclui finalmente que se no houvesse ocupao da rea as recargas ascenderiam a 25% da precipitao, valor bastante prximo ao de Rocha et al. (1989).

    USO DO RECURSO HDRICO SUBTERRNEO E DEMAN- DA O nmero total de poos tubulares, cacimbas e mini-poos per- furados e em operao na BAT desconhecido. O estudo desenvolvido por DAEE (1975) foi o nico de abrangncia at o momento que per- mitiu, na poca, uma aproximao do nmero de poos. O estudo contabilizava 4.000 poos tubulares, com indicao de forte incremen- to, e outros 40.000 poos cacimba para a Regio da Grande So Pau- lo. Rocha et al. (1989) propem um nmero de 7.000 poos para a poca, a partir de projees do estudo do DAEE (1975). Sabesp-Cepas (1994) tambm estimaram a existncia de mais de 7.000 poos e deze- nas de milhares de poos do tipo cacimba. Este nmero foi baseado no cadastro desenvolvido em cinco empresas perfuradoras de So Paulo, que apresentou para o perodo de 1986 a 1992 a razo de 1.500 poos perfurados por ano. Complementarmente, Pacheco (1984), estudando a regio centro-oeste do municpio de So Paulo notou que, onde o DAEE (1975) cadastrou pouco mais de uma centena de poos, o autor identificou 475 poos, ou seja, um incremento de 1:4,8 poos em 5 anos. O mesmo trabalho mostrou tambm que do total de 475 poos apenas 37% no estavam mais operando.

    Existem mais de 37 empresas atuando na bacia, entre as registradas e no registradas, das quais 20 so aquelas que perfuram somente mini-poos. possvel, portanto, que existam hoje mais de 13.000 perfurados na BAT, dos quais 30% no se encontram mais em opera- o, restando aproximadamente 9.000, predominantemente em So Paulo e na regio do ABCD e Guarulhos. importante lembrar que com a difuso da perfurao por sistema roto-pneumtico incrementou-se a velocidade de construo dos poos, quando compa- rada aos sistemas tradicionais de percusso. Hoje, provvel que es- tejam sendo perfurados 900 poos tubulares anualmente na BAT.

    Quanto aos poos cacimbas acredita-se, ao contrrio, que o nmero esteja diminuindo, devido a maior extenso da rede pblica de gua e troca de poos cacimba por poos tubulares, mais confiveis, de maior produo e mais protegidos de contaminantes.

    Outro tipo de obra de captao o mini-poo. Obra de pequeno dimetro, at no mximo de 8 polegadas, revestido com tubos de PVC de 4 a 6 polegadas, de at 70 m de profundidade e que pode extrair at pouco mais de l m3/h. Este poo restringe-se s reas de sedimentos e de rochas cristalinas alteradas. Devido ao baixo custo e ao mtodo de perfurao que empregam, o nmero total deste tipo de poo est au- mentando e a sua identificao bastante difcil, sobretudo por que muitas das empresas de perfurao no possuem qualquer registro comercial. Uma avaliao expedita das empresas que trabalham com esse tipo de obra e que atuam na BAT mostrou que elas perfuram em mdia 100 poos/ms. Considerando que esse tipo de poo se popula- rizou nos ltimos cinco anos provvel que existam hoje na BAT um total de 4.500 perfurados.

    Estimativas de vazes exploradas por aquferos podem ser feitas, de forma preliminar, a partir dos poucos dados existentes. Considerando- se que haja 9.000 poos na BAT em operao, com vazo mdia por poo de 123 m3/dia, a produo total explorada seria de 404 Mm3/ano (l 2,8 m3/s). A vazo mdia contnua de 123 m3/dia foi obtida a partir do estudo de Pacheco (1984), analisando 180 poos no municpio de So Paulo, muito embora vazes individuais, em carter contnuo, de 4 m3/h sejam hoje consideradas mais prximas da realidade. Neste caso, as vazes totalizadas atingiriam a 315 MnvVano (10,0 m3/s). Considerando-se os 640 poos outorgados pelo DAEE na BAT (at julho de 1999), verifica-se, entretanto, que a vazo mdia por poo

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  • Os Aquferos da bacia hidrogrfica do Alto Tiet: Disponibilidade hdrica e vulnerabilidade poluio

    de 224 m3/dia. Esta vazo representa o valor mximo permitido de explorao, no indicando necessariamente que esta seja de operao. Baseando-se nesta vazo, o volume total explorado na BAT plos 9.000 poos em operao seria de 736 Mn3/ano (23,3 m3/s), valor ir- real para a bacia. A vazo total explorada plos 4.500 minipoos no deve exceder a l Mm3/ano (0,03 m3/s).

    O perfil do usurio do recurso hdrico na BAT tambm desconhe- cido. Pacheco (1984) estudando o municpio de So Paulo mostrou que os poos tubulares eram distribudos segundo usurios em: 75% industrial, 12% comercial, 10% domiciliar e 6% pblico. O cadastro desenvolvido para este estudo mostrou a predominncia para o uso industrial (43%), seguido do domiciliar (23%), comrcio de gua (8%), pblico (5%), recreativo (4%) e outros (17%).

    As guas subterrneas representam um importante recurso no abas- tecimento pblico em alguns municpios da BAT. Santana do Parnaba, Biritiba Mirim, Mairipor e Salespolis so parcialmente abastecidos por gua subterrnea, enquanto que Cajamar e Pirapora do Bom Jesus so totalmente por ela supridos (Consrcio Hidroplan 1995).

    RESERVAS PERMANENTES, REGULADORAS E EXPLORVEIS Para se determinar a disponibilidade de gua de um aqufero para um uso qualquer importante definir a suas reservas, ou seja, a quantidade de gua armazenada no substrato rochoso ou no sedimento, passvel de ser utilizada pelo bombeamento de um poo ou grupo de poos.

    Novamente os poucos dados de campo disponveis fazem com que as avaliaes de reservas sejam somente indicativas, e estudos mais detalhados devero ser conduzidos para uma melhor preciso dos re- sultados.

    A Tabela 2 mostra os parmetros bsicos para a definio das reser- vas dos sistemas aquferos da BAT.

    Sabesp-Cepas (1994) estimaram um volume total de gua subterr- nea, ou reservas permanentes, de 6.357 Mm3 no domnio do Sistema Aqufero Cristalino e de 8.785 Mm3 no domnio do Sistema Aqufero Sedimentar, perfazendo um total de 15.142 Mm3 estocados na Bacia do Alto Tiet. Este volume alcana cifras de 18.700 Mm3 quando se considera a rea da RMSP. Este clculo foi definido a partir da multi- plicao da rea das unidades pela vazo especfica (Sy) e a espessu- ra aqufera saturada.

    Tabela 2. Reservas permanente, reguladora e explotvel dos aquferos da Bacia do Alto Tiet

    As reservas reguladoras ou dinmicas correspondem parcela da gua infiltrada no solo a partir das chuvas e que restituda plos aquferos aos rios, alimentando suas vazes de base e correspondendo recarga natural dos aquferos. A este volume pode tambm ser acres- cida a gua infiltrada artificialmente ao solo a partir das perdas das redes de distribuio de guas e esgoto, cuja importncia na recarga do Sistema Aqufero Sedimentar foi discutida por Giancursi & Lopes (1980)eRebouas(1980).

    Em uma situao de no ocupao, a recarga mdia de 355 mm/ ano (0,36 Mm3/km2/ano). Considerando-se as reas dos sistemas aquferos, chega-se s reservas reguladoras de 1.505 e 515 Mm3/ano, respectivamente para o SAC e SAS. Quando se admite que a maior

    parte do SS est ocupada e parcialmente impermeabilizada, a recarga se reduz a 0,06 Mm3/km2/ano (Menegasse-Velasquez 1996), totalizando 87 Mm3/ano para esse sistema. Entretanto, a urbanizao induz uma recarga artificial que somam 385 Mm3/ano. Nesta situao, as reservas reguladoras para o SS so de 472 Mm3/ano e para ambas as unidades, de l .977 Mm3/ano. Em situao natural, sem ocupao, estas seriam de 2.020 Mm3/ano (Fig. 2). As reservas explotveis ou a disponibilidade correspondem a uma frao de 50% das reservas regu- ladoras (Rebouas 1976). Considerando-se este valor limite, estas re- servas seriam de 752 Mm3/ano para o SAC e 236 MmVano para o

    Figura 2, Balano hdrico esquemtico da Bacia do Alto Tiet

    SAS, totalizando 988 Mm3/ano (31 m3/s).

    Interferncias entre poos tubulares e a explorao sus- tentvel dos aquferos O bombeamento contnuo de poos tem causado um sensvel rebaixamento dos nveis de gua de aquferos, indicador de uma super-explorao ao aqufero ou a alta interferncia de poos em bombeamento. Entende-se como super-explorao a ex- trao de gua subterrnea sem controle e que redunda em danos ao reservatrio, dentro de um horizonte de tempo estabelecido.

    Campos (1988) analisando o municpio de So Paulo, a partir da comparao dos nveis de gua do SS em dois perodos de tempo, nas dcadas de 70 e 80, concluiu que h processos de abatimento con- tnuo dos nveis de gua dos aquferos, indicando processos de super- explorao. Na zona leste da cidade de So Paulo foram observadas perdas de at 50% da espessura saturada do aqufero e por conseguinte de suas reservas e disponibilidades hdricas.

    Considerando-se que existam 9.000 poos tubulares na BAT em operao, com vazes mdias contnuas de 96 m3/dia, pode-se chegar a uma extrao total de 315 Mm3/ano, inferior s fugas da rede de dis- tribuio de gua potvel, de 385 Mm3/ano. Caso seja utilizada a va- zo mdia contnua dos poos outorgados (224 m3/dia), a extrao total ascenderia a 981 Mm-Vano. Neste segundo caso, a extrao se igualaria a reserva explotvel dos dois sistemas aquferos, de 988 Mm3/ano, mas dentro dos limites da reserva reguladora de l .977 Mm3/ ano.

    Em um clculo inverso, considerando-se as reservas explotveis em 236 Mm3/ano e 752 Mm3/ano para as unidades SAS e SAC e a vazo mdia contnua de 96 m3/dia por poo, estas reservas seriam suficiente para 6.735 e 21.461 poos respectivamente. Considerando-se a vazo contnua de 9,3 m3/h, entretanto, o total se reduziria a 2.900 e 9.200 poos. Dentro desses valores, no so observados problemas de super- explorao. Entretanto, os poos no esto distribudos homogeneamente nos dois sistemas aquferos. Mesmo quando as ex- traes encontram-se dentro dos limites das reservas explotveis de gua, as caractersticas hidrulicas dos aquferos mostram que, o adensamento de obras de captao pode provocar problemas localiza-

    Revista Brasileira de Geocincias, Volume 31, 2001 46

  • Ricardo C. A. Hirata & Luciana M. R. Ferreira

    dos de forte rebaixamento dos nveis aquferos, devido interferncia entre poos.

    A Figura 3 ilustra as interferncias provveis entre dois poos ex- traindo gua do SAS, em funo da distncia e da vazo explorada. possvel notar que em alguns casos a interferncia poderia ser maior que 70 m, inviabilizando a segunda captao.

    A INFLUNCIA DAS ATIVIDADES ANTRPICAS NOS RE- CURSOS HDRICOS SUBTERRNEOS A atividade humana na BAT a mais complexa do Pas. Propor estudos de detalhe, que in- cluam a monitorao de todas elas, seria impraticvel e mesmo pouco realista. Em qualquer programa de proteo da qualidade dos recursos hdricos necessrio diferenciar aquelas atividades que apresentam maiores perigos contaminao dos aquferos, daquelas que so, pe- las suas dimenses ou caractersticas de processos, pouco perigosas. Para identificar essas atividades, adotou-se o conceito de perigo de poluio de aquferos sugerido por Foster & Hirata (1988), que se define pela interao entre dois fatores: i) a carga contaminante poten- cial que est ou poder vir a ser aplicada na superfcie do solo, como resultado de uma atividade humana; e ii) a vulnerabilidade natural poluio de aquferos que a susceptibilidade de um aqufero em ser degradado por produtos poluentes. A vulnerabilidade resultado das caractersticas hidrulicas e fsico-qumicas do solo e/ou da rocha ou sedimento que compe a zona no-saturada ou o aquitarde e que per- mite a retardao, disperso e degradao da carga contaminante antrpica.

    Desta forma, o conceito de perigo de contaminao de aquferos pode ser entendido como a probabilidade de que as guas subterrneas possam ser degradadas em concentraes acima dos padres de quali- dade de gua potvel, mas no necessariamente que venham a conta-

    minar fontes de abastecimento (poos, p.ex.), uma vez que esta anlise depende das caractersticas de transporte na zona saturada do aqufero. Com base nesse esquema, possvel identificar situaes de alta vulnerabilidade do aqufero, mas virtualmente baixo perigo de polui- o das guas subterrneas, quando a carga contaminante potencial reduzida ou inexistente. De igual maneira, uma rea ser de baixo pe- rigo quando a sua vulnerabilidade for baixa, mesmo que existam car- gas contaminantes elevadas. O perigo extremo pode ocorrer quando ambas, carga e vulnerabilidade, forem elevadas.

    Caracterizao da vulnerabilidade poluio de aquferos Um nmero considervel de aproximaes e generaliza- es deve ser definido para uma cartografia de vulnerabilidade de aquferos, uma vez que alguns dos dados no so disponveis ou no so conhecidos para estudos regionais (Foster & Hirata 1988).

    A vulnerabilidade de cada um dos quatro aquferos foi definida a partir de suas caractersticas geolgicas (tipo de rocha que compe a zona no saturada) e hidrulicas (tipo de aqufero e sua geometria). Adicionalmente cada aqufero foi analisado em termos de sua produ- o relativa, que apresenta correspondncia com sua permeabilidade. O mapa de vulnerabilidade de aquferos poluio pode ser visto e obtido no site: http://geolig.igc.usp.br, no Banco de dados espaciais da Bacia do Alto Tiet e os ndices de classificao na Tabela 3.

    A classificao em trs nveis de vulnerabilidade, alto, mdio e baixo, relativa, muito embora entenda-se que um aqufero com alto ndice aquele passvel de ser contaminado por quase todos os tipos de contaminantes, incluindo as bactrias, que apresentam baixa persis- tncia. A mdia vulnerabilidade relaciona-se aplicao de contaminantes com persistncia e/ou mobilidade, como metais pesados e alguns produtos orgnicos sintticos, incluindo os aromticos, e a baixa vulnerabilidade associa-se a aquferos susceptveis apenas aos produtos muito persistentes e mveis, como solventes sintticos, sais e nitrato.

    Fontes potenciais de poluio As principais fontes potenci- almente contaminantes foram cadastradas e analisadas neste trabalho, incluindo-se: atividade industrial, rea de destinao final de resduo slido domiciliar e de outras origens; posto de servio com estocagem subterrnea de combustvel e rea urbanizada sem rede de coleta de es-

    E importante assinalar que o rgo responsvel pelo controle ambiental no Estado de So Paulo (CETESB - Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental) tem mostrado pouca familiari- dade com a identificao, o cadastro, a monitorao e o acompanha- mento de atividades antrpicas potencialmente contaminantes para as guas subterrneas. Desta forma, os dados secundrios existentes, e utilizados neste estudo, muitas vezes so aqueles onde a nfase se di- rige qualidade de ar ou gua superficial.

    ATIVIDADE INDUSTRIAL As atividades industriais, devido s altas concentraes de produtos qumicos que manuseiam e algumas prti- cas de deposio de efluentes e produtos que empregam, so segura- mente as que apresentam maior perigo para a gua subterrnea. H

    Tabela 3. ndices de vulnerabilidade das unidades hidwgeolgicas da Bacia do Alto Tiet

    Revista Brasileira de Geocincias, Volume 31, 2001

    Figura 3. Interferncia mdia no ponto equidistante de dois poos tubularesexplorando o Sistema Aqufero Sedimentar, em funo da vazo e distnciaentre eles (no se considera as perdas de carga do poo)

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  • Os Aquferos da bacia hidrogrfica do Alto Tiet: Disponibilidade hdrica e vulnerabilidade poluio

    tambm uma grande dificuldade em se estimar a carga contaminante que pode atingir o aqufero de forma simples e confvel.

    Para este estudo, foi utilizado o cadastro de atividades industriais da CETESB na BAT, construdo ao longo dos anos para auxiliar no controle das emisses atmosfricas, de efluentes lquidos e de resduos slidos. A classificao das atividades foi adaptada do mtodo de Foster & Hirata (1988). Todas as atividades foram agrupadas em trs conjuntos (elevada, moderada e reduzida probabilidade de gerao de carga contaminante ao aqufero), a partir do ramo de atividade. Este mtodo uma primeira aproximao para a identificao do grau de perigo e da complexidade da rea, sendo suficiente e adequado, quan- do for interpretado de forma relativa, dentro do universo de atividades analisadas (Johansson & Hirata 2000).

    Das 958 indstrias cadastradas, 126 (13%) apresentam reduzido potencial de contaminao, 383 (40%) moderado e 449 (47%) eleva- do. O municpio de So Paulo concentra 53% (503 indstrias) das ati- vidades analisadas, sendo que 57 (11,3%) apresentam potencial redu- zido, 209 (41,6%) moderado e 237 (47,1%) elevado. Entre as ativida- des industriais que apresentam o maior perigo potencial esto princi- palmente as de processamento de metais (195 atividades) e mecnica (105). Com moderado potencial esto as indstrias txteis (151) e de ferro e ao (114) e reduzido, as alimentcias e de bebidas (100).

    POSTOS DE SERVIOS O vazamento dos postos de servio est relacionado a dois momentos distintos: quando detectado logo aps a instalao, normalmente relacionado a fugas pelas conexes entre tan- que e bomba, e posteriormente, depois de alguns anos, quando o tan- que apresenta vazamento, normalmente devido corroso. Existe tam- bm uma forte correlao entre idade dos tanques e o aumento dos casos de vazamentos. Tanques de material plstico e/ou aqueles de paredes duplas tm mostrado maior resistncia corroso e so ambientalmente mais seguros.

    At 1994 foram registrados 137 postos com vazamento na BAT. Deste total, 87 encontram-se no municpio de So Paulo. O nmero de postos com vazamento comprovado representa somente 5,3% dos 2.585 postos existentes (CETESB 1997 apud Cunha 1997). Nos Esta- dos Unidos, estima-se em torno de 50% (USEPA 1996). Transpondo

    este valor para a BAT, isso significaria que cerca de 1.300 postos po- deriam ter algum tipo de vazamento de combustveis.

    Para urna avaliao de perigo de poluio de aquferos, foram iden- tificados os postos com problemas de vazamento e relacionados vulnerabilidade do aqufero. Desta forma, verifica-se que 41 esto em rea de alta vulnerabilidade; 50 em mdia/alta; 8 em mdia; 34 em mdia/baixa e l em baixa vulnerabilidade. As atividades de maior pe- rigo encontram-se localizadas nos municpios de So Paulo (33 postos de servio); Embu (2); Osasco (2); So Bernardo do Campo (2), Santo Andr (1) e Mogi das Cruzes (1).

    RESDUOS SLIDOS A destinao final dos resduos slidos domi- ciliares e industriais, incluindo lixes e aterros sanitrios, uma das atividades onde a ocorrncia de contaminao mais frequente. quase possvel afirmar que todos os lixes e a maioria dos aterros sa- nitrios no Pas apresentam algum impacto nos aquferos.

    A Secretaria do Meio Ambiente do Estado de So Paulo, atravs da CETESB, realizou um inventrio e classificao de todos os empreen- dimentos no Estado de So Paulo, incluindo aqueles localizados na BAT. Os dados foram disponibilizados na Resoluo SMA 13, de 27 de fevereiro de 1998. Em cada localidade, 41 itens foram checados e divididos em trs aspectos: caractersticas do local, infra-estrutura implantada e condies operacionais. Alguns destes itens apresentam interesse direto gua subterrnea, como profundidade do nvel fretico, permeabilidade do solo, recobrimento do lixo, monitorao do aqufero superficial, entre outros. A soma ponderada destes fatores definiu o ndice de Qualidade de Aterros de Resduos, o IQR. De acor- do com a classificao, verifica-se que 65% dos municpios da bacia apresentam deposio inadequada de seus resduos, seguidos por 29% controlada e 6% adequada. Analisando os volumes de resduos, nota- se que 78% esto em situao controlada, 18% inadequada e 4% ade- quada. O trabalho entende como adequado os aterros e lixes que so seguros do ponto de vista ambiental e sanitrio. J o termo controlado significa deficincia no sistema e inadequado quando nenhum ou qua- se nenhum cuidado tomado na deposio do resduo, causando srios impactos ao ambiente.

    Hassuda (1997), utilizando-se dos dados do cadastro da CETESB

    Figura 4. Aterros e lixes na Bacia do Alto Tiet (a partir dos dados da CETESB 1997)

    Revista Brasileira de Geocincias, Volume 31, 2001 48

  • Ricardo C. A. Hirata & Luciana M. R. Ferreira

    (1997) analisou todas as 117 reas de deposio de resduos slidos na RMSP. O trabalho definiu reas crticas baseando-se em critrios de sade e vida da populao (28 localidades, com elevado perigo); abas- tecimento pblico de gua (8 localidades); conflitos com outros usos da terra (4); impacto s guas subterrneas e superficiais (8) e confli- tos com a produo agropecuria (5). As reas com possveis impac- tos no abastecimento pblico de gua esto localizadas em Diadema, Embu, Mau, So Bernardo do Campo, Mogi das Cruzes, Salespolis e So Paulo (2 localidades). As reas onde se detectaram problemas com relao s guas superficial e subterrnea localizam-se nos muni- cpios (em ordem decrescente): Diadema, So Paulo (2 localidades), So Bernado do Campo, Mogi das Cruzes, Po, Embu e Mau.

    Entre todos os 117 empreendimentos estudados, 27 esto localiza- dos em reas de alta; 9 em mdia/alta; 40 em mdia; 35 em mdia/bai- xa e l em baixa vulnerabilidade. Entre essas atividades identificam-se 94 lixes, 7 bota-foras, 12 aterros controlados, 3 aterros industriais e l aterro de entulhos (Fig. 4).

    SANEAMENTO IN SITU Os sistemas de saneamento in situ (fossas negras e spticas) so fontes importantes de contaminao das guas subterrneas. As fossas spticas, mesmo quando bem construdas e operadas, geram cargas de nitrognio capazes de contaminar os aquferos. Estes sistemas no causam problemas quando a densidade de fossas spticas baixa (< 50-100 hab/ha) e/ou quando localizadas em reas de alta recarga do aqufero. J as fossas negras, alm do ni- trato, tambm esto associadas baixa remoo de organismos patognicos, sendo bastante grave em reas densamente ocupadas, onde o abastecimento de gua feito por poos cacimba.

    A partir dos dados da populao total dos distritos censitrios dos municpios e o nmero de economias atendidas pela rede de coleta de esgoto, cadastradas no Censo de 1991 (FIBGE 1991), foi possvel a definio das cargas contaminantes potenciais. O nmero de pessoas no atendidas pela rede foi calculado multiplicando-se as economias pelo nmero mdio de 5 moradores. Para a determinao da carga contaminante potencial de saneamento in situ para a gua subterrnea considerou-se o valor sugerido por Foster & Hirata (1988) de 4 kg/hab/ano de nitrato-potencial.

    Os valores de carga foram agrupados em intervalos e classificados em elevado, moderado e reduzido potencial de gerao de carga

    contaminante, a partir dos seguintes valores de corte: reduzida carga 100.000 kg de nitrato/ano e moderada entre os dois valores. Estes valores foram estabelecidos a partir da distribuio de cargas obtidas nos municpios e distritos estu- dados.

    Como se desconhece a exata localizao das reas no saneadas, os ndices foram aplicados em toda a rea dos distritos (Fig. 5). De acordo com a classificao relativa, 74 distritos apresentam potencial reduzido de contaminao, 42 moderado e 42 elevado. Alguns municpios como Cajamar, Pirapora do Bom Jesus, Ribeiro Pires, Salespolis e So Caetano do Sul apresentam potencial reduzido, enquanto que Biritiba Mirim, Caieirias, Embu-Guau, Jandira, Juquitiba, Mairipor e Rio Grande da Serra mostram potencial moderado e Aruj, Diadema, Embu, Francisco Morato, potencial elevado. O municpio de So Pau- lo apresenta 20 distritos com potencial elevado, 25 moderado e 51 re- duzido.

    A interao do saneamento in situ com o mapa de vulnerabilidade permitiu definir reas de maior perigo de contaminao da gua sub- terrnea. Assim so classificados 52 distritos com alto perigo de con- taminao, 55 com mdio e 54 com baixo perigo.

    CONCLUSES E RECOMENDAES proposta uma nova diviso para as unidades aquferas da Bacia do Alto Tiet. Quatro no- vas unidades, associadas aos dois sistemas existentes, so sugeridas. Associadas ao Sistema Aqufero Cristalino (SAC): Aqufero de Rochas Metassedimentares e Aqufero de Rochas Granitides; e as associadas ao Sistema Aqufero Sedimentar (SAS): Aqufero Resende e Aqufero So Paulo. Estas unidades hidroestratigrficas foram cartografadas na escala l: 100.000 e caracterizadas em suas capacidades produtivas e vulnerabilidade poluio.

    Embora a gua subterrnea atue como uma fonte complementar para o abastecimento privado na Bacia do Alto Tiet no se conhece ainda o seu valor econmico ou a sua dimenso social. Estima-se que 9.000 poos tubulares extraiam aproximadamente 315 Mm3/ano (10,0 m3/s). Esta explorao encontra-se dentro dos limites aceitveis de extrao para a BAT, considerando-se os valores de recarga dos siste- mas aquferos. Deve ser ressaltado, entretanto, que o desconhecimento do usurio do recurso, da distribuio espacial dos poos, dos valores confiveis de recarga do sistema e da densidade das obras de captao

    290 km 320 km 350 km 380 km 410 km

    Figura 5. Gerao de carga contaminante potencial por saneamento in situ nos distritos municipais da Bacia do Alto Tiet

    Revista Brasileira de Geocincias, Volume 31, 2001 49

  • Os Aquferos da bacia hidrogrfica do Alto Tiet: Disponibilidade hdrica e vulnerabilidade poluio

    impem incertezas que devem ser consideradas em um programa de gesto do recurso hdrico subterrneo. Outro ponto a ser considerado que a distribuio no homognea dos poos na BAT pode causar problemas localizados de super-explorao ou mesmo de fortes inter- ferncias entre poos.

    O perigo de poluio do recurso hdrico subterrneo presente. As atividades de maior potencial de gerao de cargas contaminantes ao aqufero so 449 indstrias, com predomnio para as de metal e mec- nica; 8 lixes; e 62 distritos censitrios de elevada carga contaminante por falta de esgotamento sanitrio (dos quais 52 definidas como de alto perigo) e pelo menos 134 postos de servio que apresentaram vaza- mento de combustvel. O cruzamento destas informaes com o mapa de vulnerabilidade de aquferos estabeleceu reas e atividades com maior perigo de contaminao de aquferos.

    A BAT carece de um programa de gesto dos recursos hdricos sub- terrneos, que deveria ser imediatamente implementado sob o risco de degradao irreversvel dos aquferos e perda do recurso. A base tc- nica para este trabalho deveria levar em considerao: cadastramento das obras de captao subterrnea; identificao do usurio do recur- so; estabelecimento de zonas crticas de super-explorao do aqufero e um sistema de licena e outorga mais atuantes. Com relao quali- dade, os estudos at hoje implementados permitiram estabelecer as ati- vidades com maior probabilidade de gerao de carga contaminante. Junto a estas atividades deveriam ser iniciados trabalhos de detalhamento e identificao de riscos populao usuria do recurso hdrico subterrneo.

    AGRADECIMENTOS Os autores gostariam de agradecer Dra. Clia Surita pelo auxlio no cadastro dos poos tubulares deste estudo.

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    Manuscrito A-1149 Recebido em 15 de maro de 2000

    Reviso dos autores em 10 de janeiro de 2001 Reviso aceita em 15 de janeiro de 2001

    Revista Brasileira de Geocincias, Volume 31, 2001

    Referncias

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