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The End of Power: From Boardrooms to Battlefields and Churches to States, Why Being in Charge Isn't What It Used to Be* Moisés Naím No dia 1 de janeiro de 1994, coincidindo com a entrada em vigor do NAFTA (Acordo Por Luis Fernando Ayerbe** de Livre Comércio da América do Norte), as- sinado por Estados Unidos, Canadá e México, torna-se público um manifesto do até então desconhecido Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN), que desde o Estado de Chiapas declara a guerra ao governo mexicano e suas políticas de liberalização econômica. A visibilidade mundial inusitada do EZLN, exemplo de dinâmicas emergentes que afetam agendas políticas e de segurança, adquiriu crescente relevância como objeto de análise no âmbito de think tanks e universidades. Entre os primeiros, cabe destacar estudo da Rand Corporation coordenado por David Ronfeldt, publicado em 1998,1sobre a emergência das Guerras em Rede (Netwars), fenô- meno considerado característico da era da informação, que inclui, entre as modalidades principais, o terrorismo, o crime organizado e os movimentos sociais. O levantamento Zapatista é associado à terceira modalidade. A grande projeção de um movimento de raízes indígenas, localizado numa região marginal do país, é atribuída à ação de redes globais de Organizações Não Governamentais (ONG's). Para Ronfeldt et al., as netwars colocam em ação redes descentralizadas que muitas vezes bloqueiam a capacidade de * The End of Power: From Boardrooms to Batt/efie/ds and Churches to States, Why Being in Charge /sn't What It Used to Be. Basic Books, Nova York, 2013, 320 pp. O Fim do poder: dos conselhos de administração aos campos de batalha, e das Igrejas aos Estados, porque estar no comando não é o que costumava ser. (em tradução livre) 165 V0L22 N"2 OUT/NOV/DEZ 2013

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The End of Power: From Boardrooms to Battlefields and Churches

to States, Why Being in Charge Isn't What It Used to Be*Moisés Naím

No dia 1 de janeiro de 1994, coincidindocom a entrada em vigor do NAFTA (Acordo Por Luis Fernando Ayerbe**de Livre Comércio da América do Norte), as-sinado por Estados Unidos, Canadá e México,torna-se público um manifesto do até então desconhecido Exército Zapatista de LibertaçãoNacional (EZLN), que desde o Estado de Chiapas declara a guerra ao governo mexicanoe suas políticas de liberalização econômica.

A visibilidade mundial inusitada do EZLN, exemplo de dinâmicas emergentes queafetam agendas políticas e de segurança, adquiriu crescente relevância como objeto deanálise no âmbito de think tanks e universidades.

Entre os primeiros, cabe destacar estudo da Rand Corporation coordenado por DavidRonfeldt, publicado em 1998,1sobre a emergência das Guerras em Rede (Netwars), fenô­meno considerado característico da era da informação, que inclui, entre as modalidadesprincipais, o terrorismo, o crime organizado e os movimentos sociais. O levantamentoZapatista é associado à terceira modalidade. A grande projeção de um movimento deraízes indígenas, localizado numa região marginal do país, é atribuída à ação de redesglobais de Organizações Não Governamentais (ONG's). Para Ronfeldt et al., as netwars

colocam em ação redes descentralizadas que muitas vezes bloqueiam a capacidade de

* The End of Power: From Boardrooms to Batt/efie/ds and Churches to States, Why Being in Charge /sn't What It

Used to Be. Basic Books, Nova York, 2013, 320 pp.

O Fim do poder: dos conselhos de administração aos campos de batalha, e das Igrejas aos Estados, porque estar

no comando não é o que costumava ser. (em tradução livre)

165 V0L22 N"2 OUT/NOV/DEZ 2013

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resposta das instituições governamentais responsáveis pela manuten­ção da ordem, baseadas numa estrutura hierárquica.

No âmbito das universidades, a trilogia de Manuel Castells sobrea Sociedade em Rede2 tornou-se uma das principais referências das aná­lises da "Economia informacional", denominação do autor para carac­terizar o modo de desenvolvimento característico da atual fase do

capitalismo, estruturada em torno de redes que integram o mundo emtempo real num inédito grau de abrangência e velocidade possibilita­do pelas tecnologias de informação e comunicação. No caso dos Zapa­tistas, aos quais se refere como primeira Guerrilha Informacional,Castells destaca a estratégia de comunicação como principal alavancada sua projeção global.

A partir do final do século XX, diversos eventos irão aprofundar atendência anunciada pelas "guerras em rede", com a emergência e em­poderamento de novos atores. Dois exemplos emblemáticos:1) a "batalha de Seattle", em novembro de 1999, quando acontecia a

reunião da OMC para o lançamento da Rodada de Negociações doMilênio para a liberalização comercial, inviabilizada por um fortemovimento de protesto impulsionado por ONG's, sindicatos e movi­mentos sociais de vários países do mundo - com forte presença derepresentantes dos Estados Unidos;

2) os atentados de 11 de Setembro de 2001 em Nova York e Washington,executados pela rede terrorista AI Qaeda, que provoca mais de 3 milmortes e coloca no centro da agenda internacional do então presiden­te estadunidense George W. Bush a chamada "guerra global contra oterrorismo" .

Em 2011, a utilização de redes sociais torna-se decisivo instrumentode comunicação na articulação de revoltas como a Primavera Árabe,que em poucas semanas derruba os regimes autoritários de Ben Ali naTunísia, no poder desde 1987, e de Hosni Mubarak no Egito, no poderdesde 1981. Nos Estados Unidos e Europa adquirem notoriedade movi­mentos em resposta à crise financeira mundial, como o Occupy WallStreet e o Indignados da Espanha.

Paralelamente, na esfera dos negócios se desenvolvem situações quecaracterizam velozes alternâncias de elites. Empreendimentos típicosda era informacional como Google e Facebook, oriundos de outsiders aomundo empresarial, ascendem rapidamente a postos destacados dopoder econômico desafiando fortalezas estabelecidas como Microsoft aredefinir agendas sob o risco de declinar (ou perecer).

Buscando compreender e qualificar fenômenos como os acimaexemplificados, Moisés Naím cunha a expressão que dá título ao seulivro: "o fim do poder".

Ministro de Comércio e Indústria da Venezuela nos anos de 1980durante a Presidência de Carlos Andrés Perez e atual editor-chefe da

revista Foreign Policy, Naím vislumbra um mundo em que o poderestá em declínio. Não se trata, para ele, de um novo ordenamento

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global em que os atores que o sustentam ou questionam renunciaramà busca sistemática do poder e tenham abandonado ambições e rivali­dades. Não há mudança nesse âmbito, o que seria novo é a diminuiçãode barreiras ao acesso, acompanhada do aumento de pessoas, grupose organizações que se apresentam com possibilidades favoráveis dedisputa.

Se bem há uma continuidade no processo de concentração econômi­ca em grandes corporações que ao mesmo tempo ampliam sua presençano mercado e sua influência nos processos decisórios dos Estados, hátambém um maior risco de perda de poder ou mesmo saída dos negó­cios frente à emergência de desafios cujo impacto não seja devidamentecontemplado em estratégias e táticas.

Ao mesmo tempo em que se tornou mais fácil obter poder, cresce adificuldade para mantê-Io e a probabilidade de perdê-Io. Nesse sentido,Naím chama a atenção para a capacidade de micropoderes para desa­fiar grandes jogadores, seja no âmbito das empresas, dos Estados, dosmovimentos sociais ou dos conflitos armados.

Tomando como exemplo o terrorismo, se bem que não se trata deuma ameaça existencial às potências estabeleci das, seu acionar afetao comportamento, como vimos no caso dos Estados Unidos. Na in­vasão ao Iraque, revelam-se desdobramentos associados à perda deprestígio internacional da política externa do país, forte elevação dosgastos com segurança e defesa cuja continuidade torna-se difícil dedefender num contexto de crise econômica, e a percepção de impo­tência para definir uma vitória conclusiva numa guerra assimétricafrente a um inimigo inicialmente subestimado. Como resultado, ad­quirem visibilidade limites do poder militar da principal superpo­tência do presente.

Levado ao campo mais amplo da erosão de poderes estabelecidos ediluição das barreiras de acesso, quanto mais incomuns ou imprevistosforem os novos jogadores mais aumenta sua possibilidade de ascensão.Em termos de desafio, conforme as palavras de Naím, "identificar asbarreiras ao poder e se elas estão fortalecendo-se ou decaindo, poderesolver uma grande parte do quebra-cabeça do poder".

Consideramos como mérito importante do livro de Naím a capaci­dade de colocar em evidência e incorporar numa mesma estruturaanalítica diversos fenômenos contemporâneos que influenciam realida­des e percepções sobre a "Ordem" e a "Desordem" em escalas nacional,internacional e global.

Na relação forma-conteúdo, há uma discrepância entre o determi­nismo finalista do título, chamariz cada vez mais frequente de autoresde ensaios ao potencial público leitor, e um texto que em nenhum mo­mento revela como tendência ° fim do poder, mas sim sua diluição,dispersão e alternância.

Setembro de 2013

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Notas

1. RONFELDT, David. et ai. 1998. The Zapatista Social Netwar in México, Santa Monica:

RAND, 1998.

2. CASTELLS,Manuel. A Sociedade em Rede. São Paulo; Paz e Terra, 1999. O Poder da Iden­

tidade. São Paulo; Paz e Terra, 1999. Fim de Milênio, São Paulo; Paz e Terra, 2000.

** Luis Fernando Ayerbe é coordenador do Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais da UNESP(lEEI-UNESP).

168 POLíTICA EXTERNA