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17 O crucial debate da ciência no limiar do século 21 The crucial debate of science in the threshold of XXI century José R. Carvalheiro 1 Pesquisa para o desenvolvimento e a Brecha 10/ 90 É imprescindível evitar uma análise superficial do quadro da pesquisa científica em saúde no mundo globalizado no início do século 21. Consideram-se ultrapassados os conceitos in- gênuos de círculo vicioso e de círculo virtuoso que ligam saúde, doença, riqueza e pobreza dos povos. Mas não se exclui a “verdade axiomáti- ca” que liga saúde com desenvolvimento, numa relação de extrema complexidade. Nas duas úl- timas décadas do século 20, criaram-se diversas estruturas de cunho internacional com objeti- vo de aprofundar esse debate: Advisory Com- mittee on Health Research, inserido na estru- tura da OMS (WHO, 1998); além de The Council on Health Research for Development (COHRED, 1997), e Global Forum for Health Research (GFHR, 2000), independentes, embo- ra também ligados à OMS. Como resultado da ação dessas iniciativas, uma das principais evi- dências no campo da pesquisa em saúde foi traduzida como hiato (ou brecha) 10/ 90 (gap 10/ 90): mais de 70 bilhões de dólares são anual- mente aplicados na pesquisa em saúde no mun- do, com recursos públicos e privados, mas ape- nas 10% desses recursos destinam-se a doenças que atingem 90% da população mundial (GFHR, 2002). Para superar esse gap, o Global Forum for Health Research propõe uma metodologia capaz de indicar as prioridades em pesquisa para o desenvolvimento dos países pobres. Dei- xando de lado o caráter marcadamente pater- nalista da proposta, constitui um avanço o fato de dispormos de um fórum internacional para discutir questões dessa natureza. Agenda inconclusa e o fardo duplo dos pobres Considerou-se, durante muito tempo, que os chamados países centrais (do Primeiro Mundo, ou “economias de mercado”) haviam passado por uma Primeira Revolução Epidemiológica : aplicaram competentemente os ensinamentos derivados da pesquisa seguindo o paradigma pasteuriano, baseado na teoria do germe: “a ca- da doença corresponde um germe” e seus coro- lários: “a cada germe um tipo de imunidade e, ipso facto, uma vacina”. Poderíamos acrescen- tar: “e/ou um quimioterápico de síntese orgâ- nica produzido por um laboratório desse mes- mo Primeiro Mundo”. As chamadas doenças transmissíveis emergentes e reemergentes vie- ram para pregar uma peça nos adeptos dessa verdadeira heresia. Nunca, nem mesmo nos países mais ricos dentre os ricos, as doenças transmissíveis foram completamente controla- das em todos os grupos sociais. Considerou-se, nessa ordem de idéias, que a epidemiologia he- gemônica na segunda metade do século 20, a dos modelos multicausais e dos fatores de risco (associados aos indivíduos), conduziria à Se- gunda Revolução Epidemiológica, capaz de con- trolar também as doenças crônicas e degenera- tivas. As críticas não se fizeram esperar: na América Latina, para citar apenas um exemplo. Também nos países centrais, por fim, prevale- ceu o espírito de inquietude na pergunta de Nancy Krieger “por onde andará a aranha que tece a teia da multicausalidade ?” Na atualidade, os países pobres carregam “duplo fardo” de doenças: a transição epide- miológica apenas se deu de maneira mais evi- dente nos países centrais; nos do Terceiro Mun- do existe uma “agenda inconclusa”. Não tendo ainda controlado as doenças transmissíveis, os países pobres já estão assolados também pelas crônico-degenerativas. Estas últimas, analisa- das com ênfase em duas vertentes principais, relacionadas com o patrimônio genético e com os fatores do ambiente. O desenvolvimento deu-se de maneira distinta e quase antagônica na história recente das disciplinas científicas “básicas” que cultivam esses dois eixos. De um lado, os fatores do ambiente foram naturaliza- dos ou individualizados atribuindo-se às víti- mas uma “culpa” decorrente de suas más práti- cas: alimentar, sexual, laboral, de repouso, de lazer, de consumo de tabaco, álcool e outras drogas. O debate epistemológico é candente neste terreno específico: a determinação social do processo saúde/doença/cuidados tem mere- cido a atenção das principais “escolas” da Epi- demiolgia da América Latina. Também nos países do Primeiro Mundo a questão epistemo- lógica tem merecido cada vez maior atenção. 1 Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP. Coor- denador dos Institutos de Pesquisa da Secretaria de Estado da Saúde, São Paulo. [email protected]

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O crucial debate da ciência no limiar do século 21The crucial debate of science in the threshold of XXI century

José R. Carvalheiro1

Pesquisa para o desenvolvimento e a Brecha 10/ 90

É imprescindível evitar uma análise superficialdo quadro da pesquisa científica em saúde nomundo globalizado no início do século 21.Consideram-se ultrapassados os conceitos in-gênuos de círculo vicioso e de círculo virtuosoque ligam saúde, doença, riqueza e pobreza dospovos. Mas não se exclui a “verdade axiomáti-ca” que liga saúde com desenvolvimento, numarelação de extrema complexidade. Nas duas úl-timas décadas do século 20, criaram-se diversasestruturas de cunho internacional com objeti-vo de aprofundar esse debate: Advisory Com-mittee on Health Research, inserido na estru-tura da OMS (WHO, 1998); além de TheCouncil on Health Research for Development(COHRED, 1997), e Global Forum for HealthResearch (GFHR, 2000), independentes, embo-ra também ligados à OMS. Como resultado daação dessas iniciativas, uma das principais evi-dências no campo da pesquisa em saúde foitraduzida como hiato (ou brecha) 10/ 90 (gap10/ 90): mais de 70 bilhões de dólares são anual-mente aplicados na pesquisa em saúde no mun-do, com recursos públicos e privados, mas ape-nas 10% desses recursos destinam-se a doençasque atingem 90% da população mundial (GFHR,2002). Para superar esse gap, o Global Forumfor Health Research propõe uma metodologiacapaz de indicar as prioridades em pesquisapara o desenvolvimento dos países pobres. Dei-xando de lado o caráter marcadamente pater-nalista da proposta, constitui um avanço o fatode dispormos de um fórum internacional paradiscutir questões dessa natureza.

Agenda inconclusa e o fardo duplo dos pobres

Considerou-se, durante muito tempo, que oschamados países centrais (do Primeiro Mundo,

ou “economias de mercado”) haviam passadopor uma Primeira Revolução Epidemiológica:aplicaram competentemente os ensinamentosderivados da pesquisa seguindo o paradigmapasteuriano, baseado na teoria do germe: “a ca-da doença corresponde um germe” e seus coro-lários: “a cada germe um tipo de imunidade e,ipso facto, uma vacina”. Poderíamos acrescen-tar: “e/ou um quimioterápico de síntese orgâ-nica produzido por um laboratório desse mes-mo Primeiro Mundo”. As chamadas doençastransmissíveis emergentes e reemergentes vie-ram para pregar uma peça nos adeptos dessaverdadeira heresia. Nunca, nem mesmo nospaíses mais ricos dentre os ricos, as doençastransmissíveis foram completamente controla-das em todos os grupos sociais. Considerou-se,nessa ordem de idéias, que a epidemiologia he-gemônica na segunda metade do século 20, ados modelos multicausais e dos fatores de risco(associados aos indivíduos), conduziria à Se-gunda Revolução Epidemiológica, capaz de con-trolar também as doenças crônicas e degenera-tivas. As críticas não se fizeram esperar: naAmérica Latina, para citar apenas um exemplo.Também nos países centrais, por fim, prevale-ceu o espírito de inquietude na pergunta deNancy Krieger “por onde andará a aranha quetece a teia da multicausalidade ?”

Na atualidade, os países pobres carregam“duplo fardo” de doenças: a transição epide-miológica apenas se deu de maneira mais evi-dente nos países centrais; nos do Terceiro Mun-do existe uma “agenda inconclusa”. Não tendoainda controlado as doenças transmissíveis, ospaíses pobres já estão assolados também pelascrônico-degenerativas. Estas últimas, analisa-das com ênfase em duas vertentes principais,relacionadas com o patrimônio genético e comos fatores do ambiente. O desenvolvimentodeu-se de maneira distinta e quase antagônicana história recente das disciplinas científicas“básicas” que cultivam esses dois eixos. De umlado, os fatores do ambiente foram naturaliza-dos ou individualizados atribuindo-se às víti-mas uma “culpa” decorrente de suas más práti-cas: alimentar, sexual, laboral, de repouso, delazer, de consumo de tabaco, álcool e outrasdrogas. O debate epistemológico é candenteneste terreno específico: a determinação socialdo processo saúde/doença/cuidados tem mere-cido a atenção das principais “escolas” da Epi-demiolgia da América Latina. Também nospaíses do Primeiro Mundo a questão epistemo-lógica tem merecido cada vez maior atenção.

1 Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP. Coor-denador dos Institutos de Pesquisa da Secretaria de Estadoda Saúde, São Paulo. [email protected]

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Para lembrar apenas um autor, Vicente Navar-ro e seu grupo de Johns Hopkins perguntavam,na década de 1970, se “o fumo está matando ostrabalhadores, ou o trabalho está matando osfumantes ?” Na outra vertente, propõe-se eluci-dar o “genoma” do homem e, uma vez desven-dado, mergulhar na análise do “proteoma”, o quepermitiria diagnosticar precocemente as ten-dências de doença das pessoas, por exemplo. Masnão apenas isso: no limite poderiam ser pro-postas intervenções na própria estrutura genéti-ca. Com todas as limitações exigidas pelo deba-te das questões éticas, sempre interpostas contratendências com cheiro de eugenia para o aguça-do faro da “militância humanística e ecológica”.

O celebrado desenvolvimento das discipli-nas que se dedicam ao aprimoramento das in-tervenções cirúrgicas atropela as duas vertentesdo debate. Um órgão lesado por motivos de na-tureza ambiental, de comportamento ou gené-tica, tanto faz: troca-se a peça defeituosa, comouma oficina de reparo de automóveis. Estapragmática proposta associou-se, sem dúvida,aos resultados de um dos desdobramentos daepidemiologia hegemônica, a medicina baseadaem evidências: após a intervenção de reposiçãodas peças danadas, aconselha-se (impõe-se!)mudanças no comportamento e no ambienteem que vivem as pessoas. Evitar o estresse, ca-minhar; não fumar nem beber, nem se drogar;viver em ambientes menos poluídos e agitados;ir-se embora para Passárgada, enfim. Tambémo desenvolvimento da biologia molecular foiaproveitado para selecionar o receptor maisadequado para determinado órgão retirado decadáver recente ou de doador ainda vivo. O de-senvolvimento científico com que convivere-mos no século 21 será marcado dramaticamen-te pelo desenvolvimento das potencialidadesdas células-tronco do próprio homem e da pre-paração de animais transgênicos para serviremcomo doadores de órgão para xenotransplante.

O mundo globalizado, a propriedade intelectual e o acordo TRIPS

As funções regulatórias na economia e na saú-de, com suas controvérsias, já ingressaram noterreno da moderna biologia molecular. O se-qüenciamento do genoma humano foi consi-derado um bem público da humanidade e nãopode ser patenteado. O mesmo não pode serdito com relação às descobertas que se poderãofazer com relação às funções dos genes. Comtodo seu potencial econômico no terreno da

utilização em processos diagnósticos, prognós-ticos e terapêuticos. Mais importante ainda, jáexiste uma disputa por patentes de células-tronco entre diversos laboratórios do PrimeiroMundo (La Recherche, 2002)

A harmonização dos procedimentos, pac-tuada entre os países centrais (EUA, União Eu-ropéia, Japão), inclui “boas práticas clínicas” ea ética na pesquisa que usa o homem comoanimal experimental. Nem sempre inteiramen-te válida mesmo em seus territórios, essa práti-ca é desrespeitada sistematicamente quando osensaios são realizados em países pobres, segun-do reiteradas denúncias.

A propriedade intelectual, regulada pelochamado acordo TRIPS da Organização Mun-dial do Comércio, lembra a fábula do lobo e ocordeiro. Os países centrais, com maior podereconômico e uma diplomacia que atua em fun-ção de seus interesses no comércio internacio-nal, impõem suas vontades. Um desconfortocrescente com o dramático quadro da epidemiade Aids nos países mais pobres, especialmentena África ao sul do Saara, é hoje o pólo princi-pal da atuação das iniciativas que pregam uma“advocacia” pelo desenvolvimento de novastecnologias de diagnóstico, terapêutica e pre-venção (vacinas) dessa doença (IAVI, 2002).Todas essas propostas tecnológicas estão inti-mamente associadas ao desenvolvimento mo-derno da biologia molecular, especialmente noque se relaciona com o seqüenciamento do ge-noma do HIV e a monitoração da distribuiçãode seus subtipos pelo mundo.

Uma questão sistematicamente evitada dizrespeito à invenção (dos protótipos) e à pro-priedade intelectual (dos produtos) num mun-do globalizado. Poucos países em desenvolvi-mento, o Brasil é um deles, possuem desenvol-vimento científico autóctone para investigar noterreno da moderna biologia molecular, res-ponsável pela invenção. As exigências de en-saios clínicos controlados, seguindo preceitoséticos, impostas pelas agências regulatórias dospaíses centrais para o registro dos novos pro-dutos criaram uma situação sem precedentes.A sociedade organizada, através de ONGs, estáatenta e impediu o primeiro ensaio de eficácia(fase 3) de uma vacina de Aids nos EUA pro-posto na década passada. Eliminadas as defi-ciências originais da proposta, essa pesquisa es-tá hoje em pleno desenvolvimento, simultanea-mente nos EUA e na Tailândia, rigorosamenteacompanhada pela comunidade científica e pe-las ONGs. Incluir um país em desenvolvimento

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obedece a duas necessidades: de um lado, a va-riabilidade genética do HIV impõe que os estu-dos sejam obrigatoriamente multicêntricos, empaíses em diversas partes do mundo; de outro,evitar a vigilância das agências regulatórias,praticamente inexistentes e/ou despreocupadascom esses temas sensíveis no Terceiro Mundo.O que tem sido sistematicamente ignorado éque o ciclo completo de um novo produto in-clui desde a pesquisa biomédica básica, em la-boratórios e biotérios de tecnologia avançada,até a pesquisa epidemiológica de campo, envol-vendo na fase 3 milhares de voluntários, numprocedimento com regras científicas igualmen-te rigorosas. No sentido amplo do que é, de fa-to, o desenvolvimento de novos produtos, a fa-se final, no campo, é a que transforma um pro-tótipo em produto. Também a esta deve ser da-do o crédito da descoberta e, portanto, parcelaimportante na propriedade intelectual.

Um mundo dividido entre doadores e receptores de órgãos: Jonathan Swift e as criancinhas irlandesas

Os desenvolvimentos recentes da genômicaexigem profunda reflexão a respeito dos prin-cípios éticos que governam o mundo moder-no. Populações inteiras são consideradas “des-cartáveis” segundo a lógica do capital humanoe sua circulação no mercado. Os avanços datecnologia de transplante, as perspectivas quese abrem para a clonagem e, especialmente, oemprego de células-tronco para a produção deórgãos, fazem pensar na proposta de profundae irreverente ironia, elaborada em 1729 por Jo-nathan Swift (1667-1745), o mesmo autor deAs viagens de Gulliver (1726). Precedendo aMalthus (1766-1834), apresentou macabra al-ternativa à limitação da natalidade entre os po-bres: mudar os padrões alimentares dos ricos,incluindo em sua dieta crianças tenrinhas quepoderiam ser produzidas em escala comerciá-vel pelos pobres, tradicionalmente tão prolífi-cos. A Irlanda poderia recuperar-se de sua criseeconômica com essa nova commodity: carne decriancinhas pobres (Swift, 1993). Existem naatualidade reiteradas denúncias de comércioilegal e mesmo tráfico internacional de órgãospara transplante, além do chamado “turismopara transplantes”. Nada mais preocupante doque a possibilidade de uma nova modalidadede tráfico: não mais dos órgãos, mas do domí-nio de tecnologias eticamente condenadas nospaíses que exercem rigoroso poder regulatório,

intimamente acompanhado pelo controle so-cial de cientistas, profissionais e ONGs.

O texto do professor Salzano

O texto de Salzano (2002) não se ocupou denenhuma das inquietudes expressas nos itensanteriores. Certamente, não terá sido esse o es-copo do artigo, que passou a vôo de helicópte-ro pelo quadro econômico, social e epidemio-lógico mundial. Não se detendo nem mesmona atualidade da crítica aos indicadores sintéti-cos, entre outros o IDH e os “anos de vida comqualidade perdidos” que inicialmente o BancoMundial e, depois, a OMS popularizaram na li-teratura científica na década passada.

Pelo prestígio do autor e pela abrangênciado título, “Saúde Pública no Primeiro e Tercei-ro Mundos – desafios e perspectivas”, esperáva-mos bem mais. O que nos surpreendeu, de fa-to, foi a superficialidade com que passou pelosproblemas acima enunciados, protagonistas nocentro do palco do crucial debate da ciêncianeste limiar do século 21. Passando ao largo,deteve-se, com a reconhecida competência, nosavanços introduzidos pelo desenvolvimento delinhas tradicionais da pesquisa dessa área noBrasil. A escolha dos eixos e do tom do discur-so é problema íntimo de cada autor e leva con-sigo uma pesada carga de subjetividade e de re-presentações. Quem sabe não havia, da partedo autor, a perspectiva de falta de interesse dosprofissionais da Saúde Coletiva brasileira portemas como os enunciados por este comenta-dor. Espero que esses comentários sejam enten-didos apenas como o que na realidade são: umaprovocação para dar ao autor a oportunidade detransitar por eles. O que aguardamos com o res-peito e a admiração que o professor Salzano des-perta em toda a comunidade científica brasileira.

Referências bibliográficas

COHRED 1997. Working Group on Priority Setting. Es-sential National Health Research and Priority set-ting: lessons learned. Document 97.3. Geneva, Suíça.

GFHR 2000. The 10/ 90 Report on Health Research.Geneva, Suíça.

GFHR 2002. Objectives, in www.globalforumhealth.org.IAVI 2002. International AIDS Vaccine Initiative, Rocke-

feller Foundation, in www.iavi.org.La Recherche 2002. Cellule souches: ruée vers un eldora-

do incertain. Sciences et societé 349, janeiro, Paris.Salzano FM 2002. Saúde Pública no Primeiro e Terceiro

Mundos – desafios e perspectivas. Neste volume.Swift J 1993. Modesta proposta para evitar que as crianças

da Irlanda sejam um fardo para os seus pais ou para o

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seu país. Edição bilingüe. Tradução de Dorothée deBruchard. Porto Alegre: Editora Paraula (original de1729).

WHO 1998. The Advisory Committee on Health Research.Overview, WHO/RPS/ACHR/97.1. Geneva, Suíça.

Avanços da genética e da biologia molecular: importância para a saúdepública [em países em desenvolvimento]Genetic and molecular biology progress:importance for the public health [in developing countries]

José Eluf Neto1

Pesquisadores e profissionais da área de SaúdeColetiva raramente avaliam a contribuição defatores genéticos para a ocorrência de doenças.Um dos principais méritos do artigo do dr. Sal-zano é justamente este: discutir a importânciade características genéticas na etiologia e de-senvolvimento de doenças diversas.

Na parte inicial do artigo, são apresentadosalguns indicadores socioeconômicos da Améri-ca Central e do Sul. A posição desfavorável einadmissível do Brasil, no tocante a muitos des-ses indicadores, é evidente. O autor faz entãouma rica síntese da história da genética e dabiologia molecular.

As relações entre os avanços na área de ge-nética e biologia molecular e a saúde públicasão exemplificadas em seis condições de saúde.Considerando o espaço de um artigo científico,compreendo que o dr. Salzano tenha se limita-do a algumas poucas situações. No entanto, qua-tro delas são quase que exclusivamente heredi-tárias: enfermidades mendelianas, aberraçõescromossômicas, condições “multifatoriais” (mal-formações congênitas) e hemoglobinopatias etalassemias. Apesar da sua importância ter au-mentado em decorrência do controle de outrasenfermidades, como apontada pelo próprio au-tor, a proporção de doenças atribuíveis somen-te a causas genéticas é relativamente pequena.

Devo alertar que os comentários a seguircarregam um “viés” de epidemiologista, comênfase especial nas neoplasias malignas. Inicial-

mente, desejo destacar que, com o explosivocrescimento da biologia molecular nos últimos15 anos, a importância dos fatores ambientaisao longo das várias fases da história natural dasdoenças foi de certo modo obscurecida. Criou-se a falsa ilusão de que, em pouco tempo, seriapossível conhecer por completo os mecanismosenvolvidos na gênese e desenvolvimento dosvários tipos de enfermidades, constituindo ocâncer o exemplo mais notório. Cabe ressaltaraqui o papel crucial da mídia; o noticiário da“corrida” para o desvendamento do genomahumano é ilustrativo.

Outra conseqüência negativa desse proces-so foi, a meu ver, a excessiva priorização do fi-nanciamento de pesquisas na área de biologiamolecular. Algumas vezes ouvi epidemiologis-tas se queixarem do tratamento diferencial, da-do pelas agências de fomento à pesquisa, a soli-citações de recursos para a parte laboratorialcomparativamente ao trabalho de campo pro-priamente dito (pagamento de entrevistadores,por exemplo). Segundo esses investigadores, oscortes e restrições do orçamento solicitadoeram sempre dirigidos ao segundo. Na épocaeu costumava brincar que desse jeito acabaría-mos “comendo Taq polimerase”.

Na esteira desse processo, e também refe-rente a financiamento, em câncer o montantedestinado a pesquisas sobre terapêutica foi, du-rante vários anos, bem maior do que aquele re-lativo à investigação de causas e prevenção(Bishop, 1997).

Como ressaltado no início deste comentá-rio, investigadores e diferentes profissionais daárea de saúde coletiva dificilmente procuramexaminar a importância de fatores genéticos,tanto para a etiologia como para a evolução dasdoenças mais comuns. E quando o fazem, ten-dem a relegar esses fatores a um papel secun-dário. Continuando com o exemplo das neo-plasias malignas, esse comportamento seriajustificado por estudos demonstrando que cer-ca de 80% da incidência dessas doenças pode-ria ser explicada por diferenças ambientais. Talinterpretação é oposta ao paradigma da biolo-gia molecular descrito previamente. Ao anali-sar este antagonismo entre as duas explicações,Vandenbroucke (1988) traça um paralelo coma oposição entre as teorias de miasma e contá-gio na segunda metade do século 19. Segundoa teoria miasmática, as doenças infecciosaseram devidas a causas sociais e ambientais, esua eliminação prescindiria do conhecimentobacteriológico. Recentemente, e de maneira si-

1 Departamento de Medicina Preventiva, Faculdade de Me-dicina da Universidade de São Paulo. [email protected]

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milar, muitos epidemiologistas têm procuradoexplicar, e, se possível, eliminar as variações naocorrência de doenças, sem levar em conta osmecanismos biológicos causais.

Hoje é impossível negar a influência decomponente genético em qualquer enfermida-de. O emprego de técnicas de biologia molecu-lar em estudos epidemiológicos tem permitidoa identificação de um número não-desprezívelde indivíduos suscetíveis a determinadas expo-sições (Perera, 1996). Esses achados devem di-minuir o nível aceitável de exposição a agentesambientais específicos. A aplicação dessas téc-nicas pode ainda indicar o provável agente etio-lógico da doença investigada (Perera, 2000).

Em certas situações, a técnica de biologiamolecular empregada pode ser mais importan-te do que a metodologia epidemiológica. Porexemplo, o encontro de risco elevado de câncerinvasivo de colo uterino, associado à presençade DNA do papilomavírus humano (HPV), de-pendeu basicamente da acurácia da técnica dedetecção de DNA do HPV utilizada (IARCWorking Group, 1995).

Mesmo reconhecendo a contribuição de fa-tores genéticos, é importante destacar que dife-renças na estrutura social, estilo de vida e fato-res ambientais continuam sendo responsáveispor uma proporção de doenças bem maior(Holtzman & Marteau, 2000).

Por último, como bem lembrado pelo dr.Salzano, coexistem no Brasil características depaíses desenvolvidos e em desenvolvimento(“Belíndia”). Na área da genética/biologia mo-lecular, nosso país tem tido resultados notáveis(“amarelinho”, genoma do câncer). Contudo,há várias doenças que ocorrem exclusivamenteno Brasil e em outros países em desenvolvi-mento. A necessidade de incentivar a sua pes-quisa em nosso meio é óbvia.

Referências bibliográficas

Bishop JM 1997. Cancer: what should be done? Science278:995.

Holtzman NA & Marteau TM 2000. Will genetics revolu-tionize medicine? New England Journal of Medicine343:141-144.

IARC 1995. Working Group on the evaluation of car-cinogenic risks to humans. IARC monographs onthe evaluation of carcinogenic risks to humans. Vol64, Human Papillomaviruses. Lyon: IARC Mono-graphs.

Perera FP 1996. Molecular epidemiology: insights intocancer susceptibiliy, risk assessment, and prevention.Journal of the National Cancer Institute 88:496-509.

Perera FP 2000. Molecular epidemiology: on the path to

prevention? Journal of the National Cancer Institute92:602-612.

Vandenbroucke JP 1988. Is “The causes of cancer” a mi-asma theory for the end of the twentieth century? In-ternational Journal of Epidemiology 17:708-709.

Genética médica, Sistema Único de Saúde brasileiro (SUS) e integralidadena atenção e no cuidado à saúdeMedical Genetics, Brazilian State HealthSystem (SUS) and integration towardsthe attention and health care

Juan C. Llerena Jr.1

Professor Salzano apresenta com toda profi-ciência e vivência os grandes marcos da genéti-ca no mundo, além das diferentes aplicações dabiologia molecular contemporânea. O textotambém aponta para as enormes discrepânciassocioeconômicas existentes entre os dois mun-dos, países ditos desenvolvidos e os em desen-volvimento. Tem se observado também um em-pobrecimento dos povos dos países do TerceiroMundo ou “emergentes” decorrente de umaendêmica concentração de riqueza, de um altoíndice de desemprego, um encarecimento damoradia, uma velhice sem amparo devido auma aposentadoria insuficiente e, mais impor-tante, um contigente de pessoas com perda dostatus e de capacidade de consumo com inevi-tável declínio econômico e social das camadasmédias tradicionais. Tal resultado tem sidoconsiderado um subproduto da mudança naeconomia em plano nacional e internacionaldiante do processo de globalização (Luz, 2001).

Dentro desse contexto social é que introdu-zo a genética médica, uma especialidade daMedicina que se destina ao processo de diag-nosticar, tratar e orientar indivíduos e suas fa-mílias que sofrem de alguma doença genetica-mente determinada ou influenciada. Tais doen-ças não só tendem a ter um impacto “desfavo-rável” ao indivíduo afetado, como também ge-ram um grande e inesperado impacto social nocontexto das famílias e da sociedade. De acor-do com o programa de vigilância epidemioló-

1 Departamento de Genética Médica, Instituto FernandesFigueira, Fiocruz. [email protected]

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gica ECLAMC (Estudio Colaborativo Latinoa-mericano de Malformaciones Congenitas –Castilla et al., 1996), espera-se que 1 entre 10-20 nascimentos vivos venha a ter um defeitocongênito. Porém, estas cifras tenderão a sermaiores se incluirmos as doenças genéticas as-sociadas ao déficit do desenvolvimento motore/ou cognitivo, resultando em diferentes grausde retardo mental na idade escolar, e as doen-ças genéticas de instalação na vida adulta. Pelocaráter muitas vezes familiar (herdado) de taisdoenças e sua associação com determinados fa-tores de risco, estende a atuação do geneticistaclínico para o campo do aconselhamento gené-tico e planejamento familiar (OPAS, 1984). Oquadro 1 compara os dois tipos de estratégiasde aconselhamento genético, sendo o modeloretrospectivo, isto é, onde o evento já ocorreu,o que predominantemente é praticado nosgrandes centros médicos.

Diante do cenário socioeconômico do paíse os comentários expostos pelo professor Sal-zano, utilizarei o Sistema Único de Saúde bra-sileiro (SUS), através da sua política de descen-tralização e desconcentração no cuidado e aten-ção à saúde, como uma das propostas alterna-tivas para as questões envolvendo a genéticamédica e suas ramificações na biologia mole-cular.

O SUS vem passando pelos naturais ajustesesperados desde sua idealização na década de1970 até sua real efetivação na década de 1990.Sendo importante também ressaltar que a mo-vimentação da sociedade civil em torno da idéiada saúde como direito da cidadania e sua efetivaparticipação nos Conselhos de Saúde Munici-pal e Conselhos Gestores de Unidades Básicas

de Saúde teve e tem o mérito da prática dareinvidicação e participação no projeto políti-co do SUS. O aprimoramento gerencial do SUSvem criando, também, um centro vital para umnovo tipo de ação na atenção e cuidado à saúdedenominado integralidade (Pinheiro e Mattos,2001). Não é um conceito, mas um tipo de açãoem rede, das bases junto aos centros de referên-cia (Centros de Genética Médica no caso dasdoenças genéticas – Brunoni, 1997), permitin-do um importante parceiro para o atendimen-to a doenças de alta complexidade. Mais im-portante, tal rede tem sido subsidiada pelo pró-prio SUS ao revitalizar e consagrar novas par-cerias, incluindo o sistema privado de saúde,mobilizando uma demanda reprimida que pas-sa a se constituir em demandas programadas ereferidas. Tal prática no cuidado à saúde dasdoenças genéticas, talvez privilegie, como pou-cas na medicina, uma interdisciplinaridade en-volvendo psicólogos, assistentes sociais, fo-noaudiólogos, terapeutas ocupacionais, orto-dontistas, biólogos, biomédicos, epidemiolo-gistas, entre outros, intensificando o caráter deintegralidade. É uma especialidade que tam-bém exerce uma interlocução com diferentesgestores, além da Saúde, como junto às secreta-rias municipais de Educação (Llerena et al.,2000).

A complexidade laboratorial envolvida nagenética médica, especialmente quanto às téc-nicas de biologia molecular, vem sendo reco-nhecida pelas agências de fomento de pesquisano Brasil, que recomendam que tais examesmoleculares não mais requerem verbas federaispara sua consolidação e/ou validação e devem,portanto, ser incorporados como métodos la-boratoriais no auxílio diagnóstico e/ou aconse-lhamento genético. Tal aprimoramento tecno-lógico deverá ser absorvido pelo SUS paraatender às demandas clínicas voltadas para asdoenças genéticas. Ao assumir tal responsabili-dade, poderá iniciar a formação dos Consór-cios Intermunicipais de Saúde com o objetivode reordenar de maneira mais efetiva tais ativi-dades utilizando uma racionalidade no arreca-damento e no custeio. A sua concretização de-penderá do compromisso espontâneo de cadamembro integrante com pouca vinculação comas políticas de saúde estadual e federal (Pinhei-ro, 2001). Tal proposta permitiria elaborar umalista de procedimentos laboratoriais gerencia-dos pelo SUS, seus parceiros e os consórcios.Desta forma, estimularia, também, a aberturade novos postos de trabalho, ainda muito inci-

Quadro 1 Modalidades de aconselhamento genético.

Retrospectivo Prospectivo

Propósito Afetado ExpostoEnfoque 1 caso AssistencialRisco Recorrência OcorrênciaBeneficiário Família PopulaçãoAção Médica Assistencial SanitaristaRecrutamento Passivo AtivoAtividade Isolada Integrada

e Intra-mural e Extra-muralOrganização Nenhuma ComplexaCobertura Mínima ExtensaAção de Saúde Complexa BásicaCusto Alto Baixo

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piente no Brasil para as áreas da genética médi-ca e genética molecular.

O quadro 2 lista alguns dos exames e/ouprocedimentos não mais vinculados à pesquisastrito senso, porém exigindo alta competênciatécnica para sua realização.

Nos países do Primeiro Mundo, especial-mente nos Estados Unidos, o ônus financeiropara a realização dos exames genéticos mole-culares geralmente é dos grupos privados desaúde. No Brasil, entretanto, somente uma pe-quena parcela da população tem acesso aosplanos de saúde privados (≈ 10%). Contudo, asdoenças genéticas não são exclusivas das clas-ses sociais mais desfavorecidas e basta um casoocorrer nas famílias que tenham planos de saú-de privados para que novos tipos de exigênciase responsabilidades aos planos sejam reivindi-cados pelos usuários visando ao custeio de pa-tologias de alta complexidade, como a fibrosecística, ou a realização de testes preditivos mo-leculares, como os associados ao câncer de ma-ma familiar. Vale ressaltar que em 1997, um emcada seis americanos com menos de 65 anosnão tinha um seguro privado de saúde; outros20.000.000 tinham seguros inadequados; ou-tros 11.000.000 não tinham seguro médico al-gum; 500.000 mulheres tinham um seguro mé-

dico que não cobria o parto; e 200.000 indiví-duos tiveram o atendimento médico recusadopela falta de seguro (Porter, 1997).

A demanda das doenças genéticas vem gra-dativamente sendo constituída no Brasil inde-pendentemente da política partidária gestora.Um exemplo concreto desta demanda tem sidoa implementação do teste de triagem neonatalpelas secretarias estaduais de Saúde. No Estadodo Rio de Janeiro, o Programa Primeiros Passosdo Programa de Assistência Integral à Saúde daMulher, da Criança e do Adolescente vem de-sempenhando o seu papel gestor do programano SUS junto aos seus parceiros (Instituto Es-tadual de Diabetes e Endocrinologia e HEMO-RIO) desde 1998. A absorção dos casos afeta-dos com hipotireoidismo congênito, fenilceto-núria e doença falcêmica, incluindo os traçosfalcêmicos, ocorre nas unidades de referênciajá existentes no Estado. Os resultados do pro-grama têm sido elogiados, demonstrando reso-lutividade, bom gerenciamento, criatividade ecapacidade de absorver mudanças e, principal-mente, qualidade na prestação do serviço à po-pulação junto ao SUS.

Outro fator importante que vem ocorrendono Brasil é a organização da sociedade civil emtorno de associações, fundações, ou entidades

Quadro 2 Métodos e procedimentos diagnósticos para o estudo molecular das doenças genéticas.

Método Áreas de Competências Finalidade

Análise dos Cromossomos Citogenética Humana Diagnosticar as anomalias cromossômicas associadas às malformações congênitas, retardo mental ou anomalias reprodutivas.

Biópsia do Vilo-Corial Obstetrícia (realização da punção) Diagnóstico pré-natal das anomalias Amniocentese Citogenética, Bioquímica e Biologia cromossômicas, doenças metabólicas e Cordocentese Molecular mutações gênicas

Estudos da metilação da região Biologia Molecular Diagnóstico para as síndromes de Angelman 15q11.2-q12 e Prader-Willi.

Estudos da mutação FRAXA Biologia Molecular Investigação da causa mais freqüente e FRAXE de retardo mental hereditário

Identificação de haploinsuficiências Citogenética e Biologia Molecular Diagnóstico de um número considerável cromossômicas (FISH, PRINS, M-PCR) de doenças genéticas associadas ao retardo

mental e/ou malformações congênitas

Estudos moleculares para Genética Clínica, Biologia Molecular Distrofias Musculares, Fibrose Cística, Anemia as doenças monogênicas visando Falciforme, Testes Preditivos para Câncer ao aconselhamento genético de Mama/Ovário e Doença de Huntington,

entre outros.

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voltadas para ações conjuntas e reivindicaçõesdas minorias em prol da equiparação de opor-tunidades para portadores de doenças raras,acesso à saúde de comunidades marginaliza-das, participação em pesquisas ou tratamentosmédicos, entre outras. No Estado do Rio de Ja-neiro, por exemplo, somente após grande pres-são e militância das organizações das comuni-dades negras (Grupo Criola, Associação dosFalcêmicos) fora incluído no programa de ras-treamento neonatal a pesquisa para a doençafalciforme. Os resultados do programa foramsurpreendentes ao identificar uma freqüênciade 1:22 recém-nascidos heterozigotos (AS) pa-ra a doença falcêmica. Esta cifra ratifica a ori-gem da população do Rio de Janeiro e reforçacom dados epidemiológicos a necessidade dorastreamento neonatal para a doença falcifor-me no Estado do Rio de Janeiro. Será de inte-resse igualmente epidemiológico e econômico,antes de mais nada, analisar os resultados dosprogramas nos diferentes estados brasileiros,pois poderá confirmar as regionalizações étni-cas do nosso povo e priorizar as doenças quedeverão ser realmente rastreadas pelo progra-ma neonatal, independentemente dos interes-ses econômicos privados existentes na amplia-ção indiscriminada do teste.

Recentemente, a Associação Brasileira deOsteogenesis Imperfecta, com sede na cidade doRio de Janeiro, recebeu aval do Ministério daSaúde (MS) para iniciar o recrutamento dosportadores desta grave doença óssea, estimadoem 12.000 a 18.000 pacientes. A aplicação deum protocolo terapêutico conjunto com o pa-midronato dissódico e subsidiada pelas secre-tarias estaduais de Saúde com repasse do Mi-nistério da Saúde deverá ser iniciado em 2002.Tais parcerias demonstram uma maturidade evocação dos gestores tanto em nível do MS co-mo das secretarias de Saúde, sociedade civil ecorpo técnico em efetivar suas respectivasações governamentais e de cidadania.

O conjunto de ações do SUS em torno dagenética médica através dos Programas deAgentes Comunitários de Saúde e de Saúde daFamília também possibilitaria estender suaatuação na prevenção. Nos Estados Unidoshouve uma redução de 19% dos casos de defei-tos do tubo neural, 23% de espinha bífida e11% de anencefalia com a fortificação vitamí-nica do ácido fólico na farinha (Wise, 2001). Abaixa adesão voluntária para a fortificação pré-concepcional em outros países e o fato de maisde 50% das gestações não serem planejadas

têm estimulado uma revisão dos programas deprevenção para os defeitos congênitos ondenão ocorre a fortificação universal (e.g. ReinoUnido). Em Angra dos Reis, município do Es-tado do Rio de Janeiro, mais de 50% das famí-lias estão cadastradas pelo Programa de Saúdeda Família. Tal atividade seria fundamental pa-ra implementar a prática do aconselhamentogenético prospectivo (Quadro 1). A atençãoprimária de saúde junto às comunidades per-mitiria identificar fatores de risco associados àsdoenças genéticas: idade materna avançada(Síndrome de Down), consangüinidade (genesautossômicos recessivos), agregados familiarespara as doenças comuns ou doenças genéticas,imunização com a vacina MMR (rubéola con-gênita e/ou diabetes mellitus precoce tipo I),orientar quanto à fortificação suplementarcom ácido fólico pré-concepcional (prevençãopara defeitos do tubo neural), informar sobre aexposição ocupacional a agentes teratogênicos(SIAT – Serviços de Informações sobre AgentesTeratogênicos) e, no Estado do Rio de Janeiro,orientar os heterozigotos para a doença Falcê-mica. O MS, já a partir do Sistema de Informa-ções sobre Nascidos Vivos (SINASC), em seucampo 34 identifica as anomalias congênitas eatravés do Sistema de Informação de AtençãoBásica identifica o deficiente. Desta forma, tam-bém vem ampliando as intervenções no campoda prevenção terciária.

Portanto, o grande desafio atual para a saú-de no Brasil, uma vez que as agências de fo-mento federal e estaduais incentivam as pes-quisas médicas tanto no campo da genética bá-sica como na genética aplicada, será a transfe-rência tecnológica decorrente deste incentivopara o SUS que a priori deverá ser gerenciadocomo insumo, inclusive as técnicas de biologiamolecular, na atenção e cuidado da saúde dapopulação brasileira.

Referências bibliográficas

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Genética, biologia molecular e saúdepública: perspectivas de sua integraçãono BrasilGenetics, molecular biology and publichealth: perspectives on their integrationin Brazil

Sérgio Koifman1

O artigo do professor Salzano apresenta umamplo quadro do desenvolvimento da genéticae da biologia molecular no Brasil, destacando atrajetória histórica destes campos do conheci-mento, alguns dos principais grupos em ativi-dade no país, bem como as aquisições científi-cas obtidas em seus respectivos ramos de atua-ção. Apresenta ainda uma seleção dos princi-pais momentos e aportes tecnológicos que ca-racterizaram o desenvolvimento histórico dabiologia molecular e da genética no mundo.Uma possível lacuna no texto diz respeito aopapel pioneiro que ele próprio e seu grupo decolaboradores tiveram na difusão destas áreasde investigação, criando centros multiplicado-res do ensino e da atividade científica em gené-tica nas diferentes regiões do país.

1 Departamento de Epidemiologia e Métodos Quantitativosem Saúde, Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Os-waldo Cruz. [email protected]

Foi graças a esta contínua atividade gerado-ra de novos centros de pesquisa e formação decientistas, realizada de forma contínua por di-versos centros universitários, que o Brasil assis-tiu na última década a um vigoroso crescimen-to da atividade de pesquisa nos campos da ge-nética e da biologia molecular. Hoje desenvol-vem-se no país investigações nestes camposabordando diversas localizações tumorais (cân-cer de colo uterino, estômago, boca, laringe, pul-mão, leucemias, linfomas, entre outros), doen-ças cardiovasculares, diabetes, Aids, malaria,tuberculose, hanseníase, doença de Chagas, en-tre diversas outras patologias de grande impor-tância no quadro de saúde pública vivido pelapopulação brasileira.

O crescimento da atividade científica nes-tas áreas teve um ponto crítico, cujo salto qua-litativo foi obtido com o seqüenciamento dosgenes da bactéria Xylella fastidiosa, de impor-tância como praga agrícola na produção de cí-tricos. Graças ao esforço deste empreendimen-to, financiado pela Fapesp e coordenado porAndrew Simpson do Instituto Ludwig em SãoPaulo, foram criados os alicerces de uma redede laboratórios trabalhando em atividades co-ordenadas de cooperação – a rede ONSA (Orga-nization for Nucleotide Sequencing and Analy-sis, Simpson & Perez, 1998), denominaçãosubstitutiva de ONÇA pela ausência da cedilhana língua inglesa (E. Dias-Neto, comunicaçãopessoal) – e que, num curto prazo de tempo, le-varam ao seqüenciamento da bactéria.

A experiência acumulada por esta rede pos-sibilitou a participação brasileira no projetoGenoma e, mais recentemente, no projeto Ge-noma do Câncer, o qual vem possibilitando aidentificação de genes associados ao desenvol-vimento de certas localizações de câncer de in-teresse nos países em desenvolvimento (estô-mago, boca, laringe, colo uterino, entre outros),e que dificilmente atrairiam a prioridade daatenção dos centros de pesquisa em países de-senvolvidos.

Um dos êxitos mais recentes deste processofoi o seqüenciamento da bactéria Chromobac-terium violaceum, alcançado por uma rede delaboratórios nacionais ainda mais extensa (vin-te e cinco) e com o envolvimento de cerca de200 pesquisadores de diversas regiões. Os des-dobramentos deste trabalho poderão influen-ciar futuramente no controle da doença deChagas, da leishmaniose e nos níveis de polui-ção dos rios pelo mercúrio. Outra contribuiçãorecente de grande relevância reside na identifi-

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cação de variações genéticas (polimorfismos)associadas ao desenvolvimento de novos vasossanguíneos (angiogênese) implicados no cres-cimento do câncer de próstata (Iughetti et al.,2001).

Esta ampla atividade científica tem sido ob-jeto de reconhecimento internacional, não ape-nas pela densidade do desenvolvimento tecno-lógico aqui produzido, como a técnica ORES-TES de seqüenciamento de genes (Pandey, 2001)e dos resultados já obtidos, mas sobretudo pelafirme postura dos pesquisadores brasileiros nadisponibilização dos mesmos através da redeinternet, efetuando assim um contraponto nastendências de mercantilização da pesquisa ge-nética ensaiada por alguns centros privados depesquisa no exterior (Nature, 2000).

Em seu artigo, o professor Salzano assinalaa grande disparidade na distribuição de rique-zas no país como um sério obstáculo à plenaapropriação pela população dos avanços cien-tíficos possibilitados pelo desenvolvimento tec-nológico aportado pela genética e pela biologiamolecular, sobretudo quanto a sua implemen-tação nos serviços de saúde pública.

Embora sejam inegáveis os frutos do longoprocesso histórico de exclusão social vivido poramplos setores das camadas de trabalhadoresno Brasil, creio ser oportuno tecer algumas con-siderações relacionadas ao momento presentevivido em nosso país.

Inicialmente, seria importante caracterizaro papel da atividade científica e de seus prota-gonistas como potencializadores de transfor-mações capazes de contribuírem para a eleva-ção das condições de vida numa dada socieda-de. Por mais significativas que sejam essas con-tribuições, o descompasso vivido entre o nívelde amadurecimento da atividade científica e acapacidade das forças sociais de o apreenderemem seu próprio benefício pode ser crucial nadirecionalidade e nos resultados deste processo.

A América Latina é pródiga em exemplosdesta natureza. Na década de 1940, o desenvol-vimento da cardiologia alcançou sua vanguar-da científica no México, o que levou a criaçãoem 1944 do Instituto Nacional de Cardiologianaquele país, a primeira instituição desta natu-reza no mundo. Em 1949, foi criado o Institutode Nutrição de Centro-América e Panamá (IN-CAP) na Guatemala, tendo como objeto de lo-calização da sua sede o grave quadro nutricio-nal vivido pelas populações centro-americanas.Estas instituições representaram – e ainda o são– uma importante concentração de pesquisa-

dores envolvidos diretamente, com suas res-pectivas contribuições científicas, nas regiõesonde estavam inseridos. O rumo dos processossociais lá vivenciados, entretanto, não acarre-tou naquele período uma contribuição trans-formadora nas condições gerais de vida dasrespectivas populações assistidas.

O Chile apresentou ao longo do século 20uma das experiências mais bem-sucedidas deformação de recursos humanos e implementa-ção de políticas nos campos da saúde pública,processo este interrompido e fortemente afeta-do após a deposição do governo de SalvadorAllende em 1973. As crises sociais e políticas vi-vidas pelo Uruguai e Argentina desde a décadade 1970 levaram à emigração de diversas gera-ções de pesquisadores, processo ainda prova-velmente em curso, se não em fase de agrava-mento naquele último país em decorrência dosacontecimentos recentes. Estes exemplos pare-cem demonstrar não ser a atividade científica,isoladamente, o único elemento motor dastransformações sociais, estando aquela subor-dinada ao pleno movimento social vivido poruma dada sociedade.

No Brasil de hoje, qual é a análise de con-juntura possível de ser realizada quanto às con-dições subjacentes em nosso país e capazes deinfluenciarem decisivamente na integração doslogros alcançados pelo desenvolvimento cientí-fico na saúde pública, aqui incluídos os cam-pos da genética e da biologia molecular ante-riormente assinalados?

Uma análise retrospectiva da última déca-da, tomando como ponto de partida o movi-mento do processo de impeachment presiden-cial, revela um movimento crescente na socie-dade civil em direção a uma tomada de cons-ciência dos direitos da cidadania. A repressão àpedofilia e à violência doméstica, a criação dasdelegacias de mulheres, o combate à fome, asiniciativas no controle do trabalho infantil, odebate sobre a criação de cotas para o ingressode negros nas universidades e órgãos públicosbem como o crescimento do movimento ne-gro, o debate a respeito das demandas das na-ções indígenas, o peso crescente do MinistérioPúblico e dos órgãos de defesa do consumidor,entre outros, são exemplos do fortalecimentocrescente deste processo, mesclando iniciativasda sociedade civil com respostas demandadasjunto ao poder público.

Talvez seja este quadro social – marcado, écerto, por grandes desigualdades entre os seto-res da sociedade, mas não mais aceitas com

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passividade – que faça a distinção entre a con-juntura atual, demarcando o amadurecimentoda produção científica brasileira. Ao contráriodos exemplos citados na América Latina, e mes-mo de outras conjunturas vividas por nós nopassado, o crescimento da genética e da biolo-gia molecular no Brasil talvez apresente hojeoportunidades inéditas de consolidação desuas aplicações através do Sistema Único deSaúde, em decorrência de não ser este um mo-vimento isolado, ou defasado no tempo, docrescimento da luta pelos direitos da cidadaniaplena em curso entre nós.

Referências bibliográficas

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Simpson AJ & Perez JF 1998. ONSA, the São Paulo Virtu-al Genomics Institute. Organization for NucleotideSequencing and Analyis. Nat. Biotechnology 16(9):795-796.

Saúde pública, ética e bioéticaPublic health, ethic and bioethic

Volney Garrafa1

Com a clareza que lhe é peculiar, o professorFrancisco Salzano engrandece Ciência & Saú-de Coletiva com uma visão panorâmica, atua-lizada e precisa das relações da genética e bio-logia molecular com a saúde pública pratica-da nos países ricos e nos países pobres. Comopesquisador interessado no campo da bioéti-ca, é natural que meu interesse no debate sevolte para essa área de trabalho. Neste sentido,vou dirigir os comentários ao campo da éticaaplicada e referente à priorização na alocaçãode recursos (geralmente insuficientes) para asaúde.

Embora o Brasil continue neste início deséculo 21, teimosamente, entre as nações queostentam os piores indicadores de saúde e vidadas Américas, a discussão sobre temas relacio-nados com as fronteiras da ciência é imposter-gável, principalmente se levarmos em conside-ração os paradoxos práticos e éticos verificadosno caso brasileiro. Se por um lado adentramosorgulhosamente o novo século trabalhando om-bro a ombro com os Estados Unidos da Améri-ca do Norte em um projeto da dimensão do Ge-noma Humano do Câncer, continuamos, ver-gonhosamente, registrando aproximadamente23 milhões de cidadãos (?) no nível de extremapobreza (ou miséria absoluta). Está coberto derazão o autor ao mencionar que, no Brasil, ape-sar do registro de progressos importantes no quese refere à solução ou controle de alguns proble-mas... o caminho a percorrer para um estadocompatível com nosso desenvolvimento econômi-co ainda é longo e difícil.

Mas esse quadro não é privilégio do Brasil.Apesar do espantoso desenvolvimento científi-co e tecnológico experimentado na segundametade do século passado, mais de 2/3 partesda população humana do planeta continuamalijadas dos benefícios alcançados. Assim, nu-ma visão mais ampliada, se a saúde pública atéagora vinha separando nações pobres e ricas noque se refere à qualidade de vida e formas denascer, viver e morrer, hoje, apesar da divisão eda inacessibilidade continuarem, os dados pas-saram a mostrar algumas diferenças parado-xais, fruto de um desenvolvimento pretensa-mente globalizado e caótico que criam primei-ros e terceiros mundos dentro dos própriospaíses, mantendo a crueldade. As novas tecno-logias e as informações, em grande parte já es-tão disponíveis. O problema é o acesso às mes-mas. Neste amargo mundo “globalizado”, achocada vez mais difícil tratar de temas como estesem politizá-los, uma vez que a espécie huma-na já conseguiu dominar as técnicas para con-trolar a maioria dos problemas sanitários quenos afligem, pelo menos os mais básicos.

A questão central para o Brasil, 9o PIB (Pro-duto Interno Bruto) do mundo, então, não estásimplesmente na acessibilidade/inacessibilida-de ou na inclusão/exclusão social, mas na defi-nição das prioridades públicas. Concordo como professor Salzano quando diz que devemossuplantar o dilema dos custos relacionadoscom a utilização das tecnologias de ponta pois,qualquer política global de saúde pública, atual-mente, não pode se dar ao luxo de negligenciar a

1 Departamento de Saúde Coletiva (Núcleo de Estudos ePesquisas em Bioética), Faculdade de Ciências da Saúde,Universidade de Brasília. [email protected].

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área da genética e da biologia molecular, sob pe-na de afastar-nos ainda mais dos países maisindustrializados. Mas a pergunta que fica é: co-mo podemos fazer isso de modo justo frente àescassez de recursos, uma vez que a respostamais adequada parece estar com o utilitarismoconsequencialista, ou seja, na tomada de deci-sões que beneficiem o maior número possívelde pessoas pelo maior espaço de tempo?

Enquanto a Itália destina 9.5% das suas ri-quezas nacionais à saúde, a França quase 10.0%e os Estados Unidos suplantam com facilidadeesses índices, o Brasil mal passa dos 3.5% se-gundo estatísticas otimistas (em 1999, para umPIB aproximado de 700 bilhões de dólaresanuais, o orçamento sanitário foi de 19,5 bi-lhões, acrescidos de pouco mais de cinco bi-lhões da CPMF). No mesmo ano, o país pagouo equivalente a quatro anos da destinação or-çamentária nacional para a saúde, na amorti-zação dos juros de uma dívida externa que émonetariamente impagável. Em que pese algu-ma melhoria orçamentária verificada nos doisúltimos anos para o setor sanitário, por esfor-ços do ministro da área, o problema centralcontinua incidindo no fato concreto de que segasta pouco; as prioridades têm sido outras.

Assim, o debate sobre “prioridades” come-ça a adquirir conotações éticas crescentementedramáticas. É responsabilidade do Estado e dasinstituições públicas individualizar soluçõesmorais com as quais se possa enfrentar a escas-sez, soluções estas que não comportam nem adiscriminação injusta nem a tirania de mino-rias (Harris, 1988). Dentro do contexto brasi-leiro, “individualizar soluções morais” ou “prio-rizar recursos públicos” deve significar atençãopreferencial à maioria populacional necessita-da? A questão da alocação e distribuição de re-cursos em saúde, portanto, adquire cada diamaior importância política e social. Guarda re-lação direta com a determinação das priorida-des de investimento do Estado e quanto eledestinará do seu orçamento global para o setor,uma decisão que é inevitavelmente política(Garrafa, 1995).

O filósofo e bioeticista inglês John Harris,de Cambridge, diz que quando os recursos sãoescassos ou insuficientes (como no caso brasi-leiro), é possível proceder mudanças particula-res nos níveis de escassez, seja por meio de es-tratégias específicas que permitam enfrentar amesma ou por meio de aumento das cotas or-çamentárias destinadas à assistência sanitária(Harris, 1988). A partir dessa premissa, ele

questiona se, uma vez que o aumento dos re-cursos destinados à saúde significa a possibili-dade imediata (ou futura, acrescento...) de sal-var vidas de pessoas, a atenção à saúde não de-va passar a ser considerada uma questão de se-gurança nacional: Como o fato que existe umcerto número de vidas em risco por falta de re-cursos financeiros é real e imediato, ao passo queas ameaças colocadas por inimigos estrangeiros éfutura e teórica, devemos adotar o sadio princí-pio que define que os perigos reais e imediatos se-jam enfrentados antes daqueles futuros e teóricos(Harris, 1992).

Partindo da aceitação de que o direito àsaúde é o valor-mor do paradigma bioético nocontexto da saúde pública, então, passo à con-seqüência principal da sua adoção: como cum-pri-lo? A colocação em prática de qualquer va-lor exige a adoção de outros valores que possi-bilitem seu norteamento. Além dos princípiostradicionais incorporados pela bioética ao seuestatuto epistemológico (autonomia dos sujei-tos sociais, beneficência e justiça), proponho aincorporação do tema da eqüidade ao debate.

Basicamente, eqüidade significa a disposi-ção de reconhecer igualmente o direito de cadaum a partir de suas diferenças (Berlinguer,1996). Geralmente as pessoas confundem eqüi-dade com igualdade, palavra constante damaioria das declarações internacionais sobre osdireitos humanos. No entanto, a igualdade é aconseqüência desejada da eqüidade, sendo estaapenas o ponto de partida para aquela. Ou se-ja, é somente por meio do reconhecimento dasdiferenças e das necessidades diversas dos su-jeitos sociais que se pode alcançar a igualdade.A igualdade não é mais um ponto de partidaideológico que tendia a anular as diferenças. Aigualdade é o ponto de chegada da justiça so-cial, referencial dos direitos humanos e onde opróximo passo é o reconhecimento da cidada-nia (Garrafa et al., 1997).

A eqüidade é, então, a base ética que deveguiar o processo decisório da alocação de re-cursos em saúde. Por meio dela, associada aosprincípios da responsabilidade (individual epública/coletiva) e da justiça, é que conseguire-mos fazer valer o valor do direito à saúde. Aeqüidade, ou seja, o reconhecimento de neces-sidades diferentes, de sujeitos também diferen-tes, para atingir direitos iguais, é o caminho daética prática em face da realização dos direitoshumanos universais, entre eles o direito à vidarepresentado, neste debate, pela possibilidadede acesso à saúde. A eqüidade é a categoria que

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permite resolver parte razoável das distorçõesna distribuição da saúde, ao aumentar as possi-bilidades de vida de significativas parcelas dapopulação (Garrafa et al., 1997).

Para finalizar, um ponto que me chamou aatenção na leitura do artigo, foi a ausência daspalavras “genética” e “biologia molecular” noseu título. No próprio “resumo” do trabalho, otexto refere à abordagem das “relações entre es-sas áreas e a saúde pública”. E a leitura do mes-mo, com precisão e clareza, confirma.

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Saúde e desenvolvimento social e científicoHealth and social and scientific development

José Rodrigues Coura1

Antes de debater pontos específicos do excelen-te artigo do professor Francisco Salzano “Saú-de Pública no Primeiro e Terceiro Mundos –desafios e perspectivas”, gostaria de me posicio-nar sobre alguns conceitos estabelecidos e mui-tas vezes aceitos sem uma crítica e reflexãoaprofundadas, os quais são diretamente rela-cionados ao artigo em debate e nele muito bemreferidos.

O conceito de saúde tem evoluído ao longodos anos, desde a sua interpretação mais sim-ples e antiga como a “ausência de doença” até aconcepção abrangente da Organização Mun-

dial da Saúde de um “estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a au-sência de doença ou enfermidade”. O conceitosimplista de saúde apenas como ausência dedoença restringe a saúde aos aspectos físicos,ignorando os contextos espiritual, social e eco-lógico da inserção humana. Por outro lado, adefinição de saúde da OMS, uma das conquis-tas doutrinárias do século 20, é de tal modoabrangente que se torna inexeqüível, inócua eaté certo ponto inverídica. Por exemplo, o “es-tado de completo bem-estar físico, mental e so-cial” nem sempre significa saúde; uma pessoacom um câncer em fase inicial pode estar emum estado de completo bem-estar físico, no en-tanto, é portadora de uma doença grave, e mui-tas vezes fatal, bem como um iniciante no usode fumo ou de drogas, pode apresentar umenorme bem-estar físico, mental e social, levan-do-o ao vício e até à morte. De outra parte, al-guém viajando em pé, em um ônibus cheio,apertado, em dia de calor, ou um jovem que ti-vesse brigado com sua namorada, não estariamem um estado de bem-estar físico, mental e so-cial, entretanto, seria um absurdo considerá-losdoentes, no máximo desadaptados temporaria-mente.

Perkins, em uma concepção mais realista,considera a saúde como a “adaptação do ho-mem ao meio”; em que pese ser realista, o con-ceito é incompleto. Talvez pudesse ser comple-mentado, se definida a saúde como a “completaadaptação do homem ao meio, preservando asua integridade física, mental e social”, comodefinimos há duas décadas (Coura, 1982).

Já o conceito de desenvolvimento é bemmais complexo, incluindo variáveis econômi-cas, sociais, culturais e políticas de acordo comos conhecimentos e a concepção de cada épo-ca, vale dizer, de acordo com o momento histó-rico internacional. Muitas vezes o estágio de de-senvolvimento de uma determinada sociedadesó vem a ser reconhecido e valorizado anos de-pois, ao longo do processo de revisão histórica.

Para efeito deste documento, consideramoscomo desenvolvimento o crescimento harmô-nico de bens e serviços que definam o nível devida de uma população em termos de alimen-tação, de vestuário, de moradia, de educação,de trabalho, de previdência e assistência social,de transporte, de recreação, de segurança e deliberdade, que possam assegurar o estado debem-estar físico, mental e social reclamado pe-la Organização Mundial como conceito básicode saúde.

1 Departamento de Medicina Tropical, Instituto OswaldoCruz, Fundação Oswaldo Cruz. [email protected]

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Na sociedade contemporânea há uma níti-da tendência de se adotar o conceito de desen-volvimento econômico como sinônimo de de-senvolvimento lato sensu, uma vez que a maio-ria dos bens e serviços podem ser adquiridoscom a riqueza material e coincidentemente ospaíses mais ricos são aqueles de maior desen-volvimento social e político. Entretanto, três fa-tores fundamentais na vida de uma nação po-dem estar completamente dissociados de suariqueza material: a desigualdade na distribui-ção de renda, a segurança e a liberdade, o pri-meiro deles muito flagrante em alguns paísesde tendência capitalista ou neoliberal, e os doisúltimos nos países comunistas e/ou de regimesautoritários.

Desde que a saúde foi reconhecida como umdireito do homem, pela Declaração de Princí-pios da Organização Mundial da Saúde em 7 deabril de 1948, os governos e a sociedade, impli-citamente, se obrigaram moralmente a desen-volver estruturas de promoção, proteção e re-cuperação da saúde, capazes de atender a todosadequadamente em seus respectivos países.Ocorre, entretanto, que o desejo, a determina-ção e a possibilidade de atender ao compromis-so assumido quase sempre estiveram dissocia-dos na maioria dos países que o assumiram.

Se de um lado a impossibilidade de atendera todos adequadamente se deve em grande par-te à falta de recursos materiais e humanos; deoutro, temos de reconhecer que a falta de pla-nejamento e de determinação política de ado-tar a saúde e a educação como prioridade na-cionais tem sido os principais responsáveis pe-la quebra desse compromisso moral, principal-mente pelos países em desenvolvimento.

A falta dos recursos materiais e humanos éum fato incontestável no retardo do desenvol-vimento dos setores da educação e da saúde,particularmente nos países e regiões de grandecrescimento populacional, exatamente aquelesde menor renda e com maior demanda dessesserviços. Entretanto, deve-se ponderar que areduzida fração do orçamento destinada àque-les setores, na maioria dos países em desenvol-vimento, demonstra claramente a falta de prio-ridade que lhes é atribuída. Devemos conside-rar, todavia, que a falta de planejamento e amultiplicidade de serviços de saúde com açõesabsolutamente desintegradas constituem umponderável fator, se não o principal, para a de-ficiência do “Sistema Nacional de Saúde” emnosso país, que, em realidade, ainda não operacomo tal.

O Brasil nunca teve, de fato, um sistema desaúde. Com a criação dos Institutos de Previ-dência Social, cada um deles tinha o seu pró-prio setor de assistência à saúde: bancários, co-merciários, industriários e servidores públicos,por exemplo. Os serviços de emergência esta-duais, municipais e os seus hospitais e SantasCasas cuidavam da população não previden-ciária. A partir da década de 1950 o Departa-mento Nacional de Endemias Rurais (DeNE-Ru) cuidava das 12 principais endemias brasi-leiras, e o Serviço Especial de Saúde Pública(Sesp) desenvolvia atividade assistencial, pre-ventiva e pequenas obras de saneamento emaproximadamente 700 municípios brasileiros,do interior, com maior concentração no Nortee Nordeste. Com a unificação da PrevidênciaSocial, criou-se o Inamps, para a assistênciamédica previdenciária. O DeNERu transfor-mou-se em Sucam (Campanhas de Saúde Pú-blica) e depois integrou-se ao Sesp para formara Fundação Nacional de Saúde (FNS), que cui-dava das atividades de saúde pública, enquantoque o Inamps, estados e municípios encarrega-vam-se da assistência médica. Não era um sis-tema e sim uma aglomeração de atividades,que até funcionavam, de acordo com os recur-sos disponíveis.

Um movimento político iniciado na décadade 1980 para unificação dos serviços de saúde– Sistema Único de Saúde (SUS), vem toman-do corpo desde então, até que no atual governofoi feita a descentralização, para estados e mu-nicípios, do Inamps, e mais recentemente daFundação Nacional de Saúde. Essa unificação,no entanto, foi feita sem um planejamento ade-quado, treinamento de pessoal, nem unificaçãode carreiras e de salários, uma fantasia que le-vará anos para se concretizar, criando-se umverdadeiro “caos”, cuja constante é o interessedos municípios no repasse de recursos do Mi-nistério da Saúde (1999), que diz que há gestãoplena e cobertura total do sistema em 97% dosmunicípios brasileiros. Uma fantasia que leva-rá anos para se concretizar.

O artigo em debate

O artigo do professor Francisco Salzano, “Saú-de Pública no Primeiro e Terceiro Mundos –desafios e perspectivas” aborda, de forma clarae organizada, aspectos da saúde como um di-reito, os contrastes entre o Primeiro e TerceiroMundos, o desenvolvimento explosivo da ge-nética e da biologia molecular, as relações entre

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genética e biologia molecular e saúde pública, eas interfaces com as doenças infecciosas, as en-fermidades mendelianas, aberrações cromos-sômicas, condições multifatoriais, mutagênese,teratogênese e carcimogênese, hemoglobino-patias e telassemias, concluindo com uma sín-tese de avaliação e perspectivas.

A saúde como um direito

É inegável que a saúde é um “direito funda-mental do ser humano” como preceitua a cons-tituição da OMS, e as diversas AssembléiasMundiais de Saúde, inclusive as duas conferên-cias internacionais sobre cuidados primários,realizadas em Alma-Ata 1978,1998 (OMS/UNI-CEF, 1979; WHO, 1998), a última citada no ar-tigo do professor Salzano; mas também é ver-dade que a saúde tem um custo financeiro, deorganização e de decisão política que muitospaíses do Terceiro Mundo não podem pagar,que outros até poderiam mas não deram a ne-cessária prioridade, e que nem a OMS, ONGsou qualquer ordem internacional tem força pa-ra fazê-lo. O slogan “Saúde para todos no 2000”,lançado em Alma-Ata em 1978, falhou e estafalha foi reconhecida na conferência de 1998,quando diz a saúde do mundo piorou nas últi-mas duas décadas, mas a consciência sobre as ne-cessidades dos cuidados primários de saúde me-lhorou (Que consolo!). A constituição brasilei-ra de 1988, paternalista como é, diz “A saúde éum direito do povo e um dever do Estado”. Naminha opinião, deveria dizer “A saúde é um di-reito e um dever do povo e do Estado”. O indi-víduo se embriaga, fuma, usa e faz tráfico dedrogas, adoece, se acidenta, fere e mata pessoase somente o Estado é responsável por sua saúde?

Primeiro e Terceiro Mundos: contrastes

Os indicadores socioeconômicos são extre-mamente importantes em relação ao desenvol-vimento humano. Entretanto, em relação espe-cificamente à saúde pública, um dos compo-nentes daquele desenvolvimento, não há umparalelismo com o desenvolvimento econômi-co. O próprio artigo em debate demonstra isso,quando mostra que o PIB da América do Sul é6,9 vezes maior do que o da América Central,enquanto os indicadores de saúde são seme-lhantes ou até favoráveis a esta última. Compa-re a expectativa de vida, mortalidade infantil ePIB da América Central com os do Brasil (Ta-bela 1 do artigo). Se tomarmos ainda exemplos

isolados como Chile, Costa Rica e Cuba versusBrasil, esta falta de correlação se acentua. Por-tanto, além de investimento sustentado, saúdepública depende fundamentalmente de decisãopolítica, de organização dos serviços de saúde,suas prioridades e operação.

Com relação à dívida externa, ela é direta-mente relacionada ao produto interno bruto, àbalança de pagamento e ao tempo para quita-ção. O índice PIB/dívida é 1,4 para a AméricaCentral, mais por conta da imensa dívida doMéxico, de 3,2 para a América do Sul e de 4,2para o Brasil, que está, relativamente, em me-lhor situação. Argumenta-se que a dívida ex-terna de alguns países desenvolvidos, inclusi-ve dos Estados Unidos, é proporcionalmentemaior, entretanto, tem-se que considerar a suaenorme capacidade de produção, exportação einovação tecnológica.

O Brasil não pode ser considerado um paíspobre. Além de ser a 8a/10a economia mundial,o seu PIB real per capita, segundo o Relatóriode Desenvolvimento Humano do PNUD (1999,citado em IPEA, 2000), o coloca no terço ondese encontram os países mais ricos do mundo. Asua distribuição de renda, entretanto, é umadas piores: os 10% mais ricos se apropriam de50% da renda familiar e os 50% mais pobresdetêm pouco mais de 10% dessa renda, en-quanto o seleto grupo de 1% mais rico da so-ciedade, concentra uma renda superior àquelados 50% mais pobres (IPEA, 2000). Os gastossociais do Brasil na segunda metade da décadade 1990 foi em torno de 21% do PIB, o que nãoé pouco, enquanto os gastos com saúde nesseperíodo foram da ordem de 22 bilhões de reaispor ano (IPEA, 2000). Portanto, os problemasde saúde no Brasil estão mais relacionados àorganização e administração dos Serviços deSaúde Pública do que à falta de recursos.

Genética e biologia molecular: um desenvolvimento explosivo

Certamente a moderna genética e a biolo-gia molecular e o seu “desenvolvimento explo-sivo”, retratado pelo autor do artigo em debate,serão o novo divisor de águas entre países de-senvolvidos e subdesenvolvidos, como foi a Re-volução Industrial no século 19. O domínio doDNA, da trangênese e do seqüenciamento dogenoma dos seres uni e pluricelulares, inclusivedo homem, vem trazendo e trará enormes re-percussões para a humanidade, muito superiorao domínio do átomo e da fissão nuclear, uma

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vez que elucidará muitas coisas do passado (oparasitismo pré-histórico, por exemplo), mo-dificará o presente pela possibilidade de trans-formação dos seres vivos (e até a criação de no-vos seres) e o seu impacto na bioética, e orien-tará muitas coisas do futuro, revolucionando abiologia e a própria vida.

Genética, biologia molecular e saúde pública

No quadro 4 do artigo em debate são lista-dos diversos fatores das relações entre a genéti-ca, a biologia molecular e a saúde pública, rela-tivos à interação entre seres humanos e meioambiente, alterações causadas pelo desenvolvi-mento tecnológico, auxílio no diagnóstico eprevenção e tratamento de enfermidades.

Recentemente participamos de um surveyinternacional, em três turnos, liderado por Ab-dallah S. Daar, Peter A. Singer e Halla Thors-teinsdóttir, do Programa Aplicado de Ética eBiotecnologia da Universidade de Toronto, pa-ra identificar as mais importantes tecnologiaspara melhorar a saúde dos países em desenvol-vimento nos próximos 5 a 10 anos. O estudofoi feito através do método Delphi (Adler & Zi-glio, 1996) por coleta e análise de respostas aquestionários com opinião controlada porfeedback de 28 expertos entre 39 de diversaspartes do mundo, selecionados através da lite-ratura e por indicação da OMS e da FundaçãoRockefeller. Inicialmente 51 tecnologias foramescolhidas. No segundo turno solicitou-se quefossem dadas notas de 0 a 10 às 51 tecnologias;as 12 tecnologias com maiores escores forammandadas para a priorização pelo Painel deExpertos no 3o turno. Houve um alto grau deconsenso quanto às três primeiras indicadas:27 dos 28 membros do painel indicaram pelomenos uma das três primeiras tecnologias. As10 tecnologias mais importantes estão relacio-nadas abaixo; pelo menos sete delas usam bio-logia molecular.

1o) Métodos moleculares para diagnósticode doenças infecciosas

2o) Tecnologias recombinantes para o de-senvolvimento de vacinas contra doenças in-fecciosas

3o) Tecnologia para um sistema mais efi-ciente de aplicação de drogas e vacinas

4o) Tecnologia para melhora do meio am-biente (saneamento, água potável, biodegra-dáveis)

5o) Seqüenciamento do genoma de patógenos

6o) Proteção feminina contra doenças se-xualmente transmitidas

7o) Bioinformática na identificação de al-vos de drogas e da interação patógeno-hospe-deiro

8o) Cultivos geneticamente modificadoscom aumento de nutrientes para deficiênciasespecíficas

9o) Tecnologia recombinante para produ-tos terapêuticos (exemplo, insulina, interferon)

10o) Química combinatória para descober-ta de novas drogas.

Este trabalho está sendo submetido peloscoordenadores para publicação na Science.

A interface

O autor do artigo em debate escolheu, entremuitas interfaces para discussão, as doenças in-fecciosas e outras relacionadas ao seu campo detrabalho, como as enfermidades mendelianas,aberrações cromossômicas condições multifa-toriais, particularmente as malformações con-gênitas, mutagênese, teratogênese e carcinogê-nese e hemoglobinopatias e talassemias.

As doenças infecciosas têm uma enormeinterface com a genética e com a biologia mo-lecular de hospedeiros, parasitos e seus vetores,suas mutações, cepas e clones parasitários, imu-nogenética, patógenos e variações regionais dedoenças e seu diagnóstico e tratamento, a pon-to de ter sido criado uma nova disciplina, a epi-demiologia molecular. Os exemplos das linha-gens do Trypanosoma cruzi, variabilidade dovírus HIV/Aids e da tuberculose, levantadospelo autor do artigo em debate, poderiam tersido acrescidos de numerosos outros, comoleishmaniose, malária, dengue e muitas outras.A caracterização molecular de cepas e a sua se-paração em clones tem mostrado uma enormevariedade, praticamente em todos os germes,com diferenças em sua patogênese e morbida-de e necessidade do emprego de tecnologias re-combinantes para o seu diagnóstico, produçãode vacinas, etc.

As chamadas doenças genéticas de que oautor trata com maior profundidade, e queaqui vamos apenas tangenciá-las, deixando pa-ra outros debatedores especializados discutirem maior profundidade, não podem de nenhu-ma maneira ser negligenciadas, não somentepela sua freqüência, mas pelo que se conven-cionou chamar em Saúde Pública de DALY(Disability Adjusted Life Year), um indicador,adotado pela OMS para cálculo da carga das

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doenças, combinando o tempo perdido pormorte prematura com o tempo vivido com in-capacidade (WHO 1999). Em outras palavras,os DALYs são o tempo de vida sã perdida poruma determinada doença. Neste caso, as doen-ças genéticas representam uma grande carga.Por outro lado, as mutações, mutagênese, tera-togênese e carcinogênese, ao mesmo tempo deorigem genética e induzida por vários fatores,físicos, químicos ou biológicos, têm uma gran-de importância. O câncer, a segunda doençacrônica de maior importância nos países de-senvolvidos, é certamente o maior desafio des-te século.

Finalmente, concordamos, em grande par-te, com a avaliação e perspectivas que con-cluem o artigo em debate, salientando que nadécada de 1980 tínhamos no Brasil uma mor-talidade infantil da ordem de 80 por mil nasci-dos vivos e uma expectativa de vida ao nascerde 60 anos, evoluindo respectivamente, para 40por mil e 66/67 anos, com um ganho apreciá-vel, graças principalmente ao Programa Nacio-nal de Imunizações (PNI), à indução do aleita-mento materno e ao uso do soro caseiro, e me-nos por uma política global de saúde pública.A infra-estrutura de saúde no Brasil é ruim evai piorar nos próximos anos com a descentra-lização precipitada para municípios desprepa-rados e em parte corruptos, com um SistemaÚnico de Saúde (SUS) fictício.

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Genética humana y salud públicaHuman genetics and public health

Victor B. Penchaszadeh1

En su excelente artículo, “Saúde Pública no Pri-mer e Tercer Mundos – desafíos e perspectivas”,Francisco Salzano aborda varios aspectos su-mamente importantes relacionados con el de-recho a la salud, los contrastes entre el PrimerMundo y el Tercer Mundo, y el impacto de lagenética en la salud colectiva.

Las categorizaciones de Primer y Tercermundo son eufemísticas y ambiguas. Catego-rías mas explicativas serían “países ricos y paí-ses pobres”, o “países dominantes y países do-minados”. Si nos interesan las categorías huma-nas (la gente), habría que hablar de clases so-ciales. Los individuos de clase alta de un paíspobre se asemejan, en sus modos de enfermar ymorir, a la gente de clase alta de un país rico,mas que a los pobres de su mismo país. Vice-versa, los pobres en los países ricos (que sonmuchos), se enferman y se mueren de causasparecidas a las de los pobres de los países po-bres, mas que a las de los ricos de su país (Mur-ray C & Lopez A, 1996).

Coincido con Salzano en que “la pobrezacontinúa siendo el principal problema a resol-ver para la protección de la salud”. Mas aún, lastremendas desigualdades sociales que caracte-rizan al mundo actual generan morbi-mortali-dad por sí mismas, independientemente del ni-vel de pobreza (Wilkinson, 1992). Por eso la de-fensa del derecho a la salud es tan importante,y si bien Salzano tiene razón en que las decla-raciones y los tratados internacionales no bas-tan, esos textos están siendo utilizados legal-mente con cierto éxito por organizaciones de lasociedad civil en América Latina para protegery promover el derecho a la salud (Yamin, 2000).

El mundo está experimentando una transi-ción epidemiológica, con reducción de enfer-medades nutricionales e infecciosas y aumentoprogresivo de patología crónica de causalidadcompleja, con interacción de factores ambien-tales y genes predisponentes (diabetes, hiper-tensión, obesidad, cáncer, enfermedades car-diovasculares, enfermedades mentales, etc). Es-ta transición es mas marcada en los países ri-

1 Division of Medical Genetics Beth Israel Medical [email protected]

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cos, pero también se observa, de manera varia-ble, en países pobres, generando patrones mix-tos de morbi-mortalidad (Penchaszadeh, 2000).En América Latina es indudable que los tras-tornos de causas total o parcialmente genéticasestán adquiriendo relevancia para la salud pú-blica (Penchaszadeh & Beiguelman, 1997; Pen-chaszadeh, 2001). En este sentido, es muy per-tinente la discusión de Salzano sobre las prin-cipales patologías en las que influye la consti-tución genética. Entre las patologías mencio-nadas, el papel causal de genes alterados es mí-nimo en las enfermedades infecciosas y en lasalteraciones cromosómicas, y es máximo en lasenfermedades mendelianas, entre las cuales seencuentran las hemoglobinopatías. En cambio,en los trastornos multifactoriales (malforma-ciones congénitas y enfermedades crónicas deladulto), los genes usualmente determinan sólouna predisposición de penetrancia variable,ocurriendo enfermedad solamente cuando elorganismo interactúa con factores ambientalesdesfavorables, los que siguen teniendo preemi-nencia etiológica (dieta, sedentarismo, conta-minantes, tóxicos, etc).

Es indudable que la genética ha tenido undesarrollo avasallador durante la segunda mi-tad del siglo 20, y que buena parte de los desar-rollos científicos que ocurrirán en el siglo 21tendrán que ver con progresos ulteriores de es-ta ciencia y sus aplicaciones en distintas esferasde la actividad humana, incluyendo la salud.Sin embargo, la relevancia de los descubri-mientos de influencias genéticas en la produc-ción de enfermedades está siendo exagerada, enuna suerte de reduccionismo que desconoceque los genes no funcionan en un vacío, sinoque el desarrollo, vida y muerte de los organis-mos resultan de la interacción dialéctica delmedio ambiente con la constitución genética(Lewontin, 1991). El determinismo genético esseudo-científico y está promovido por los inte-reses de la industria biotecnológica y farma-céutica, cuyos objetivos son la búsqueda demercados lucrativos y no necesariamente la sa-lud colectiva (Kaufert, 2000). Un resultado delos intereses comerciales es la introducción enel mercado de pruebas genéticas “predictivas”antes que su validez y utilidad clínicas esténcomprobadas (Holtzman & Marteau, 2000).Mas grave aún es la imposición de la concep-ción que la tecnología es “la” solución a losproblemas de salud, cuando se sabe bien quelos principales problemas de salud tienen raí-ces y soluciones de tipo social y económico.

El sistema actual de patentamiento de ge-nes, por otra parte, genera monopolios y enca-rece sus posibles aplicaciones en la salud, ha-ciéndolas accesibles solo a los que la puedenpagar y aumentando las inequidades. Por todoello, si bien coincido con Salzano en que no sepueden ignorar los avances de la biotecnologíay la genética, los países del Tercer Mundo nodeben aceptar que las políticas de salud seandefinidas por intereses comerciales. Asimismo,deben evitar la concepción de la tecnología co-mo panacea y examinar críticamente todo de-sarrollo tecnológico en el contexto del conjun-to de opciones disponibles para las prioridadesde salud de la mayoría de la población. Un cri-terio importante en la aplicación de la biotec-nología y la genética a la salud es que contribu-yan a reducir las inequidades en salud y no aacrecentarlas.

La primer cuestión que debe afrontar losque definen las políticas de salud en AméricaLatina es la determinación de prioridades en ladistribución de recursos finitos (y siempre es-casos) para la salud. Por ejemplo, determinarcuáles son los problemas a ser priorizados co-mo objeto de las acciones de salud pública.

Abordando esta primera cuestión, no cabeduda que las enfermedades causadas total oparcialmente por factores genéticos incidensignificativamente en la salud colectiva, aún enpaíses pobres (Penchaszadeh, 2000), como loejemplifica claramente Salzano con las hemo-globinopatías. La Organización Mundial de laSalud señala los siguientes criterios para deter-minar los trastornos genéticos a ser prioriza-dos en las acciones de salud pública: la magni-tud y severidad de su impacto en la salud co-lectiva, el impacto atribuible a otras enferme-dades, los recursos disponibles, la eficacia pre-ventiva y terapéutica de las medidas a adoptar,y las expectativas de la comunidad (WHO,1999). Por otra parte, el éxito de cualquier pro-grama de prevención de enfermedades genéti-cas está directamente relacionado con su gradode vinculación a los servicios generales de sa-lud, especialmente los de atención primaria.Por ello, cuanto mejor organizado y equitativosea el sistema de salud de un país, mejores se-rán los resultados de las acciones en el campode la genética. El éxito de los programas de pre-vención y control de hemoglobinopatías enChipre, Cerdeña y Cuba, mencionados por Sal-zano, se debe justamente a la conjunción de to-dos los factores mencionados, sumados a la vo-luntad política de las autoridades de salud y a

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la existencia de una tecnología eficaz para laprevención (asesoramiento genético, detecciónde portadores por análisis molecular, diagnós-tico prenatal e interrupción voluntaria de em-barazos afectados).

La segunda cuestión a definir es qué instru-mentos y métodos son los mas eficaces para laprevención de trastornos genéticos a nivel po-blacional. La prevención primaria de los defec-tos congénitos del tubo neural, por ejemplo, re-quiere la fortificación de alimentos con ácidofólico. La prevención primaria del síndrome deDown, por otro lado, debe tomar en cuenta elfactor etiológico de la edad materna, y desesti-mular la gestación en edades avanzadas. En lapráctica, sin embargo, los programas de pre-vención de síndrome de Down recurren alscreening de gestaciones con riesgo aumentado(por edad materna avanzada, marcadores séri-cos y ecografía), proponiendo en ellas el diag-nóstico fetal cromosómico, seguido de la inter-rupción de embarazos afectados si la pareja asílo desea. Para estas acciones, por supuesto, esimportante definir qué objetivos se buscan (¿ de-cisiones reproductivas autónomas luego de lainformación de los riesgos?, ¿ reducción de laprevalencia del trastorno al nacimiento?). Paraotros defectos congénitos, como el hipotiroi-dismo, la estrategia poblacional adecuada es elscreening sistemático de recién nacidos y la pre-vención secundaria mediante el tratamientoprecoz. Los programas de screening poblacionalson siempre políticas de salud pública. En par-ticular, la decisión sobre qué trastornos incluiren el screening neonatal, debe seguir requisitosmuy estrictos, entre los cuales la relación cos-to/beneficio es clave (WHO, 1999).

En el campo de las enfermedades mende-lianas, los progresos de la genética molecularhan sido espectaculares, conociéndose hoy masde 600 trastornos pasibles de diagnóstico porADN. Algunas de ellas tienen un impacto desalud pública significativo, como las hemoglo-binopatías, ya mencionadas por Salzano, yotras enfermedades que por variados mecanis-mos han llegado a tener una prevalencia alta enciertas poblaciones, como la ataxia cerebelosaen Cuba (Auburger, 1990) y la enfermedad deHuntington en Venezuela (Avila-Giron, 1973).La realidad, sin embargo, es que se ha avanzadomucho mas en métodos diagnósticos que enintervenciones preventivas o terapéuticas, ge-nerando una brecha diagnóstico-terapéuticaque crea dilemas éticos serios en las acciones desalud en genética (Penchaszadeh, 1997; WHO,

1998). Por ejemplo, los instrumentos disponi-bles para la prevención de enfermedades men-delianas (identificación de portadores, asesora-miento genético y abstención reproductiva odiagnóstico prenatal seguido de la interrupciónde embarazos afectados) requieren que porta-dores y afectados tomen decisiones voluntariase informadas sobre su descendencia. El riesgoético de los programas de salud pública en ge-nética es que en aras de la prevención y del“costo/beneficio” se avasalle el derecho a la re-producción y se discrimine a las personas condiscapacidades genéticas. La Organización Mun-dial de la Salud ha recomendado programas es-pecíficos de prevención y atención de enferme-dades genéticas en países en desarrollo, tenien-do en cuenta los aspectos sanitarios, culturalesy éticos mencionados. (WHO, 1999).

Las enfermedades multifactoriales crónicasdel adulto (cáncer, cardiovasculares, enferme-dades mentales, diabetes, obesidad, y otras) re-presentan la mayoría de la morbi-mortalidaden países industrializados y también inciden deforma significativa en la salud colectiva en Amé-rica Latina. Estas enfermedades son de causali-dad compleja, por interacción de factores am-bientales y genes predisponentes que se estándescubriendo a un ritmo rápido. Este paradig-ma genera varias estrategias preventivas posi-bles, aunque no mutuamente excluyentes. Laprevención del cáncer, por ejemplo puede ba-sarse principalmente en el control de los facto-res ambientales causales conocidos (tabaco,contaminantes, radiaciones, dieta, etc), o en laidentificación de individuos con genes predis-ponentes. De la misma manera, la prevenciónde las enfermedades cardiovasculares puedeenfatizar el control de los factores ambientalesde riesgo conocidos (sedentarismo, dieta, es-trés) o la identificación de individuos con ge-nes predisponentes. Si bien el desarrollo de lagenómica y la proteómica permitirá elucidarmecanismos moleculares en la patogénesis deestas enfermedades, es muy probable que laprevención de las mismas a nivel poblacionalcontinúe siendo mas eficaz si enfatiza el con-trol de los desencadenantes ambientales, que sifocaliza en terapias “a medida” en los genética-mente susceptibles. Esto es así porque en gene-ral (a) los genes predisponentes para estas pa-tologías complejas son muy numerosos, con losconsiguientes altos costos de la detección desusceptibles, (b) sus mutaciones son de bajapenetrancia (valor predictivo bajo), (c) las te-rapias “a medida” serán caras y solo accesibles a

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los que las puedan pagar (aumento de la ine-quidad) y (d) las medidas sobre los factoresambientales (tabaco, contaminantes, mutáge-nos, dieta, ejercicio, etc.) permiten proteger atoda la población y no solamente a los genéti-camente susceptibles (Holtzman & Marteau,2000; Baird, 2001).

Un aspecto muy interesante mencionadopor Salzano es el de las enfermedades infeccio-sas. No cabe duda que hay variaciones genéti-cas en la respuesta del huésped a las infeccio-nes (McNicholl, 1999). Es posible que el mejorconocimiento molecular de estas diferenciaslleve a mejores tratamientos individualizadosque hagan uso de la genética molecular. Por otraparte, el secuenciamiento de los genomas de losprincipales gérmenes patógenos y sus vectorespuede ser un primer paso para el desarrollo demétodos de control basados en la genética mo-lecular, como las vacunas recombinantes. Sinembargo, no hay que perder de vista que losprincipales factores que explican la persistenciay recrudecimiento de infecciones como la tu-berculosis, la malaria y el Sida, son de tipo so-cial, económico y cultural. A menos que estosfactores se atiendan y controlen, no habrá tec-nología genética capaz de erradicarlas.

Para concluir, pienso que la mayor parte delos problemas de salud que presenta actual-mente la mayoría de la población mundial pue-de prevenirse con métodos conocidos no gené-ticos. Esto es cierto tanto en el Primer Mundocomo en el Tercer Mundo y los métodos se ba-san en: (a) desarrollo económico-social susten-table e infraestructuras de agua potable y ex-cretas, (b) justicia y equidad en la distribuciónde las riquezas generadas por la actividad eco-nómica, (c) provisión de alimentación, vivien-da y trabajo adecuados, (d) promoción de esti-los de vida saludable, actividad física, reduc-ción del stress, disminución de la exposición atóxicos y contaminantes ambientales, y (e) vi-gencia plena del derecho a la salud, con equi-dad en la atención integral de la salud, inclu-yendo programas de prevención y atención deenfermedades genéticas.

A la vez que coincido con Salzano en quetoda política global de salud pública debe teneren cuenta los desarrollos de la genética, estastecnologías no deben incorporarse en formaacrítica sino en función de las prioridades quedebe establecer cada país para lograr una me-jor salud colectiva con justicia y equidad.

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O papel crescente da genética e da biologia molecular na medicina e saúdepública para todas as populaçõesThe growing role of genetics and molecular biology in medicine and public health for all populations

Maria Luiza Petzl-Erler1

No artigo em debate, o dr. Francisco Salzanoapresenta a importância da genética e da biolo-gia molecular para a saúde pública, no Primei-ro e Terceiro Mundos, e a natureza da intersec-ção entre essas áreas. Ao introduzir o assunto,o autor aponta que, no Terceiro Mundo, a po-breza continua sendo o principal problema a serresolvido para proteção à saúde... O grande de-safio é erradicá-la ou, ao menos, reduzi-la, pa-ra que o direito fundamental à saúde deixe de,absurdamente, ser uma utopia e passe de retó-rica a realidade. Dito isso e uma vez reconheci-da a necessidade de políticas locais, regionais,nacionais e internacionais voltadas para a solu-ção dessas questões tão graves, vemos que a ge-nética ocupa um lugar de importância crescen-te para a saúde pública e que isto é verdadeiropara todas as populações e extratos sociais.

Ao mostrar as relações entre a genética, abiologia molecular e a saúde pública, o autordemonstra o quanto são amplas, incluindo ques-tões sobre a qualidade do meio ambiente e as al-terações causadas no mesmo pelo desenvolvimen-to tecnológico; bem como ferramentas para aprevenção, diagnóstico e tratamento de doençasinfecciosas, enfermidades mendelianas ... ou con-dições multifatoriais nas quais ocorram compo-nentes genéticos importantes. As questões espe-cíficas a serem enfatizadas no Terceiro Mundopodem diferir daquelas de maior importânciapara a saúde pública no Primeiro Mundo. En-tretanto, problemas para cuja solução a genéti-ca pode e precisa ser utilizada contribuem deforma significativa para a morbidade e morta-lidade de todas as populações.

A relação entre herança biológica e doençafoi reconhecida muito cedo na história, consi-derando-se a época de surgimento da genéticacomo ciência, que se inicia com o trabalho deGregor Johann Mendel, há cerca de um século

e meio. Com a redescoberta dos princípiosmendelianos da hereditariedade, no início doséculo 20, rapidamente reconheceu-se a causagenética de vários distúrbios, assim como ospadrões de herança monogênicos (de condi-ções dependentes da ação de um único gene).Entretanto, considerava-se que as doenças ge-néticas fossem todas individualmente muitoraras e de reduzida importância para a saúdepública. Durante os últimos decênios e, espe-cialmente, após o advento de técnicas de análi-se e manipulação do DNA, na década de 1970,reconheceram-se numerosas e variadas possi-bilidades de aplicação da genética e da biologiamolecular na medicina. De especial interesse,no contexto da saúde pública, foi a verificaçãode que a maioria das doenças infecciosas e dasdoenças comuns consideradas não-genéticastem um componente genético de susceptibili-dade/resistência, sendo este, via de regra, oligo-ou poligênico (dependente da presença simul-tânea de vários ou muitos genes). O conheci-mento acumulado sobre o genoma humano,associado a abordagens e metodologias labora-toriais e estatísticas adequadas, torna possível aidentificação dos genes que integram o pool deoligo- ou poligenes de susceptibilidade. Os re-sultados abrem novas perspectivas para pre-venção e tratamento. No entanto, o estágioatual de conhecimento ainda pode ser conside-rado incipiente.

Concordando com o autor sobre a naturezageral da interface entre saúde pública, genéticae biologia molecular, na seqüência apresentareialgumas considerações sobre aspectos que me-recem um desdobramento e complementação,atendo-me às doenças de causa complexa edoenças infecciosas.

Doenças infecciosas

O conhecimento e as ferramentas da genética eda biologia molecular podem ser utilizados pa-ra diagnóstico, triagem populacional, monito-ramento, prevenção e tratamento de doençasinfecciosas. Em conformidade com a comple-xidade das questões e com o grau de conheci-mento, atualmente as aplicações para detecçãodo agente infeccioso já estão sendo incorpora-das à prática sendo, por outro lado, ainda pou-cas as estratégias de prevenção e de tratamentobaseadas em genética e biologia molecular. Es-se quadro certamente irá mudar durante ospróximos anos, em função dos resultados deintensa atividade de pesquisa científica.

1 Laboratório de Genética Molecular Humana, Departa-mento de Genética, Universidade Federal do Paraná. [email protected]

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Testes laboratoriais que utilizam a análisede DNA (ou de RNA) são aplicados para diag-nóstico, detecção de marcadores de virulênciae de resistência a microbicidas, sendo usual-mente mais rápidos, específicos e sensíveis queos métodos convencionais. A detecção de vírus,bactérias, protozoários e de outros tipos de pa-rasitas por métodos laboratoriais que utilizamprincipalmente a PCR (reação em cadeia depolimerização de DNA) é possibilitada pelo co-nhecimento (parcial ou total) dos genomas epelo resultado da análise comparativa dos ge-nes/genomas de parasitas semelhantes entre si.Uma vez identificados os genes específicos oucaracterísticos de cada agente infeccioso, ou deum grupo de espécies relacionadas, tais mé-todos de detecção podem ser desenvolvidos.Exemplos são as técnicas de amplificação espe-cífica de DNA de bactérias patogênicas das viasrespiratórias, como Streptococcus pneumoniae eMycobacterium tuberculosis (Gillespie, 1999).Limitações e problemas de otimização dos tes-tes ainda precisam ser resolvidos para aplica-ção em larga escala (Brienze et al., 2001).

As perspectivas de aplicações da genética eda biologia molecular para prevenção, trata-mento e cura são promissoras. Para tanto, é pre-ciso compreender melhor a interação hospe-deiro/parasita em nível individual e populacio-nal. Aguardam resposta perguntas tais como:• Por que certos indivíduos, apesar de repetida-mente expostos ao parasita, não são infectados? • Por que, entre os indivíduos infectados, al-guns desenvolvem a patologia, enquanto ou-tros permanecem livres da doença? • Entre os pacientes, pode haver diferençasimportantes quanto à carga parasitária e aoconjunto de sinais e de sintomas. Por quê? • Por que alguns indivíduos respondem me-lhor ao tratamento do que outros?

As causas certamente são variadas e com-plexas, sendo parcialmente conhecidas para al-gumas infecções/doenças infecciosas. A diversi-dade genética do parasita e do hospedeiro inte-gra o conjunto de fatores, podendo ser decisivano caso de doenças específicas. Na atualidade,é grande o empenho para identificação dessesgenes. Os resultados para doenças de elevadoimpacto para a saúde pública (hanseníase, tu-berculose, leishmaniose, malária, doença deChagas, Aids e outras) foram revisados recen-temente (Petzl-Erler 1999).

A análise da expressão gênica (da manifes-tação do gene, revelada pela presença de seusprodutos, os RNA e as proteínas), em situações

de saúde e de doença ou em diferentes estágiosdo ciclo vital de parasitas e sob diferentes con-dições fisiológicas do hospedeiro, também pro-mete novos enfoques para a medicina preven-tiva e curativa. Espera-se que esse conhecimen-to possibilite o desenvolvimento de novas vaci-nas, assim como uma intervenção terapêuticamais direta.

Condições multifatoriais

O ECLAMC, destacado pelo dr. Francisco Sal-zano em seu artigo, representa uma iniciativaimportante para o conhecimento da incidênciae prevalência de malformações congênitas naspopulações Latino-Americanas. Entretanto, asmalformações congênitas constituem apenasuma fração das condições multifatoriais rele-vantes para a saúde pública, que apresentamum importante componente genético. Doençascardiovasculares, auto-imunes, degenerativas,mentais são comuns nas populações do Tercei-ro e Primeiro Mundos, tendo um elevado im-pacto no âmbito da saúde pública. Estudos epi-demiológicos revelam que, para a maioria des-sas doenças, genes (mais precisamente, certasvariações genéticas: genótipos, ou alelos) in-cluem-se entre os múltiplos fatores que causamou que modulam as manifestações ou a gravi-dade do distúrbio.

Algumas das questões que ainda permane-cem sem resposta para a maioria das condiçõesde causa complexa são:• Quais são os genes que participam de suaetiologia ou patogênese? • Qual o mecanismo de ação desses genes?De que forma eles facilitam ou dificultam o es-tabelecimento da doença? • Como esses genes (seus produtos molecu-lares) interagem entre si e com os outros fato-res etiopatogênicos, endógenos e exógenos?

A maioria das doenças multifatoriais segueum modelo de susceptibilidade do tipo limiar,com manifestação do distúrbio apenas quandoum certo conjunto de fatores predisponentesestá presente (incluindo fatores genéticos e ou-tros fatores endógenos, além de fatores exóge-nos/ambientais e comportamentais). Indivi-dualmente, esses fatores não são suficientes e,em geral, não são necessários para o estabeleci-mento da doença. A identificação desses genese outros fatores possibilita intervenção na his-tória natural da doença.

Possivelmente o diabetes mellitus insulino-dependente do tipo I (IDDM), uma doença au-

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to-imune, seja a doença complexa melhor co-nhecida quanto ao componente genético desusceptibilidade. Vários genes/regiões genômi-cas de importância foram mapeados (Cox etal., 2001). O principal é o MHC (ComplexoPrincipal de Histocompatibilidade) no qual lo-calizam-se os genes HLA (que codificam os an-tígenos leucocitários humanos). Estima-se queaproximadamente 50% da predisposição here-ditária à IDDM seja atribuível aos genes HLAde classe II. O pênfigo foliáceo endêmico (fogoselvagem), outra doença auto-imune, é comumem certas regiões do Brasil e países vizinhos,sendo muito raro no Primeiro Mundo. Estudosepidemiológicos indicam que a exposição a umagente ambiental (picadas de um inseto da fa-mília Simuliidae?) poderia desencadear a doen-ça, em indivíduos geneticamente predispostos.Determinados alelos e genótipos HLA (princi-palmente certos subtipos de HLA-DR1 e DR4)conferem uma maior susceptibilidade, enquan-to outros (especialmente DR7-DQ2) estão as-sociados a uma maior resistência ao pênfigofoliáceo (Petzl-Erler e Santamaría, 1989; Pavo-ni et al., 2002). Interessante notar que, na po-pulação indígena (tribos Xavante e Terena), asassociações com HLA diferem: susceptibilidadeestá associada a DR4 e DR6 (Moraes et al.,1997). Explica-se: os tipos DR1, DR7 e DQ2não ocorrem em populações indígenas geneti-camente isoladas.

No artigo em debate, o autor destaca a im-portância do estudo de mutações causadorasde enfermidades mendelianas nas populaçõesdo Terceiro Mundo, pois as mutações e a corre-lação genótipo/fenótipo diferem entre popula-ções. Deve-se tomar o mesmo cuidado com ascondições multifatoriais. Os resultados citadosacima para o pênfigo foliáceo ilustram bem es-se aspecto e mostram, também, a necessidadede cuidadosa caracterização do grupo étnico eda população, pois as freqüências gênicas dife-rem de um grupo a outro. Assim, os genes desusceptibilidade para condições multifatoriais(e doenças infecciosas!) podem diferir entre po-pulações e entre grupos da mesma população.

Quais os benefícios do conhecimento degenes de suscetibilidade para os pacientes e pa-ra a população? A maioria das doenças de cau-sa complexa ainda não pode ser prevenida oucurada. Uma vez estabelecidas, essas doenças,via de regra, são tratadas sintomaticamente,com agentes inespecíficos, que permitem o seucontrole tendo, contudo, efeitos secundários demaior ou menor gravidade. Espera-se que a eli-

minação ou o bloqueio de apenas um ou de al-guns desses fatores possa abolir o distúrbio, seo conjunto restante de fatores etiopatogênicosfor insuficiente para a sua manifestação. Issosignifica que as condições multifatoriais pode-riam ser prevenidas ou curadas, desde que pelomenos alguns dos elementos do conjunto defatores condicionantes e o seu mecanismo deação fossem conhecidos. Os produtos dos ge-nes de susceptibilidade podem servir de alvospara intervenção.

Concluindo, é possível e necessário aplicarmais e melhor o conhecimento acumulado aolongo de mais de um século de genética em be-nefício da saúde pública. A genética e a biolo-gia molecular podem contribuir para preven-ção, controle, diagnóstico, tratamento e cura damaioria das doenças, potencialmente reduzin-do a sua prevalência e duração. O dr. Salzanoenfatiza a necessidade de investimentos paraestabelecimento de uma infra-estrutura ade-quada e a capacitação de pessoal. O custo ini-cial pode ser elevado; porém, a adoção de prá-ticas que contribuem de forma significativa pa-ra a promoção da saúde e do bem-estar resultaem benefícios óbvios, inclusive a redução docusto social e econômico das doenças. Igual-mente importante é um investimento significa-tivo para a investigação científica, pois as cau-sas da maioria das doenças são ainda desco-nhecidas, ou apenas parcialmente conhecidas.A consciência crescente de que há um compo-nente genético nas mais diversas condições edistúrbios, a genetização mencionada pelo au-tor, coloca novos desafios e descortina novasperspectivas para a área da saúde, em todo omundo.

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O autor respondeAuthor’s reply

Francisco M. Salzano

Sou imensamente grato aos colegas que inver-teram parte de seu precioso tempo no exame eanálise deste meu artigo. Suas contribuiçõesenriqueceram sobremaneira o tema sob consi-deração, e vou examiná-las em diferentes blo-cos, dentro de contextos mais ou menos gerais.

Políticas de saúde

Carvalheiro, Coura e Garrafa examinaram di-ferentes aspectos das políticas de saúde em ní-vel mundial e brasileiro, relacionando-as a umcontexto social. Estou de pleno acordo comsuas observações. Carvalheiro me acusa de tersido muito superficial com relação à importân-cia de uma visão social quanto às políticas desaúde e à situação mundial. Deve ser lembradoque havia limitações de espaço para o artigo, eque em diversas outras oportunidades já mani-festei meu desacordo com a ordem sociopolíti-ca vigente (ver, por exemplo, Salzano, 1995,1999; Salzano & Bortolini, 2002). Um pontosalientado no artigo é o da distância entre asboas intenções e a fria realidade dos recursosfinanceiros.

Cuidado com as generalizações

Penchaszadeh salienta que generalizações taiscomo Primeiro Mundo e Terceiro Mundo de-vem ser encaradas com cautela, e que situaçõesde riqueza e pobreza coexistem em países de-senvolvidos e não-desenvolvidos. Ele tambémcritica a onda recente de fé em um determinis-mo genético acentuado para uma série de con-

dições nas quais o que ocorre é uma interaçãocomplexa entre fatores causais genéticos e am-bientais. Este último ponto é muito bem salien-tado por Eluf Neto, que indica as neoplasiascomo situações paradigmáticas a este respeito.Petzl-Erler apresenta uma série de exemplosilustradores desta interação. Coura, por outrolado, critica conceitos de saúde enunciados emdocumentos oficiais. Sem dúvida, não bastacriticar governos. Somos todos responsáveispela busca de um mundo mais saudável.

Ciência e realidade social

Ponto importante foi levantado por Koifman,no exame do papel da ciência como transfor-madora da realidade social. Se existe algumaentidade social poderosa neste sentido, ela ésem dúvida aquela formada pelo sistema dasciências. Deve-se ter cuidado, no entanto, emseparar ciência, aplicação da ciência e tecnolo-gia. Obviamente, os cientistas, como cidadãos,não podem ser politicamente neutros. Masquando eles perguntaram, no início da cons-trução da União Soviética, o que podiam fazerpara estabelecer uma nação socialmente justa,tanto Leon Trotsky como Mikhail I. Kalininresponderam que o melhor que eles poderiamfazer era realizar ciência básica, das boas (Ro-che, 1980).

Naturalmente, a aplicação da ciência deuma forma socialmente justa, que deve ser oobjetivo de todos nós, não é fácil. Um dos em-pecilhos refere-se ao problema da propriedadeintelectual e das patentes (Carvalheiro). Em di-versas oportunidades já me pronunciei contraqualquer tipo de restrição à disseminação doconhecimento científico, embora reconheçaque o problema é bastante complexo, especial-mente na sociedade globalizada e capitalistaem que vivemos. Certos ativistas políticos, in-genuamente, relacionam as aplicações da gené-tica (como a transgenia) com o capitalismo.Com isto fornecem munição para os gruposanticiência que pululam em todo o mundo. NaEra estalinista da União Soviética a genética foiconsiderada “burguesa” e toda a experimenta-ção na área foi proibida. O resultado todomundo conhece: a ruína total de sua agricultu-ra, o que sem dúvida contribuiu para a disso-lução da URSS. Outro exemplo paradigmáticofoi o da “Revolução Cultural” de Mao Tsé Tung,com o fechamento de todas as universidadeschinesas, o que evidentemente tinha de durarpouco.

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Coura apresenta uma lista das tecnologiasmais promissoras para melhorar a saúde depaíses em desenvolvimento; e Llerena, Penchas-zadeh e Petzl-Erler, uma série de exemplos decomo a genética e a biologia molecular podematuar como agentes de apoio à saúde públicaem todas as populações, sejam elas de ricos oupobres. Um ponto não enfatizado por nenhumdos debatedores, e ligeiramente (superficial-mente?) abordado em meu artigo foi o de que,apenas através de um desenvolvimento cientí-fico robusto, uma nação pode tornar-se pelomenos relativamente independente do know-how estrangeiro, e a partir disto montar esque-mas apropriados de assistência às suas popula-ções, especialmente as menos favorecidas.

Otimismo ou pessimismo?

Os debatedores têm visões diversas de certaspolíticas ou programas governamentais (veja-se, por exemplo, as opiniões de Coura e Llerenasobre o SUS). Isto é inevitável. A nossa fabulo-sa diversidade genética (que entretanto não ul-trapassa a dos chimpanzés!) condiciona perso-nalidades distintas, e atitudes diferentes comrelação ao mundo que nos cerca. Esta diversi-

dade foi fundamental para nosso sucesso evo-lutivo e deve ser preservada. Devo finalizar estecomentário em tom pessimista ou otimista?Em outro lugar já mencionei que apenas oti-mistas desenvolvem ciência em países “em de-senvolvimento” como o nosso. Seria muito utó-pico imaginar um mundo, no futuro, de liber-dade e amor, sem opressores e oprimidos? Nãoimporta – este é o objetivo que deveria norteara todos nós.

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