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1635 NOVOS MOVIMENTOS SOCIAIS E PADRÕES JURÍDICOS NO PROCESSO DE REDEFINIÇÃO DA REGIÃO AMAZÔNICA NEW SOCIAL MOVEMENT AND JURIDICAL PATTERNS IN THE PROCESS OF REDEFINITION OF THE AMAZON REGION Joaquim Shiraishi Neto RESUMO Na última década, muito se discutiu sobre a necessidade de adotar medidas para reduzir o aumento do desmatamento na chamada região Amazônica brasileira. Os esforços utilizados para diminuir esse processo, que continua em ritmo acelerado, tendem a se tornar inócuo, diante de uma medida em curso no Congresso Nacional, que pretende alterar por meio de Projeto de Lei a área de abrangência da Amazônia legal, retirando da região os Estados do Mato Grosso, Tocantins e Maranhão. A discussão sobre a redefinição da região Amazônica está inserida no bojo de um intenso processo de conflito na região, onde os povos e comunidades tradicionais se organizam politicamente para enfrentar os problemas decorrentes da ameaça da perda dos seus territórios tradicionalmente ocupados. No interior do processo de mobilização vivenciado por esses grupos sociais, é possível identificar diferentes estratégias e ações, que se colocam em face dos “tradicionais” e “novos” antagonistas, sendo que um traço distintivo, considerado comum é a “luta jurídica localizada”, que não se restringe ao âmbito dos espaços municipais. O reconhecimento jurídico de que a sociedade brasileira é uma “sociedade plural”, tem servido como argumento, acionado para a garantia e a reivindicação de direitos. As discussões em torno da noção de “pluralismo jurídico” são retomadas, ganhando novo significado e impondo “novos” padrões jurídicos. Nesse processo, o direito tem sido um poderoso instrumento, utilizado para nortear o processo de mobilização política e de construções das novas identidades. PALAVRAS-CHAVES: NOVOS MOVIMENTOS SOCIAIS, REDEFINIÇÃO DA REGIÃO AMAZÔNICA, NOVOS PADRÕES JURÍDICOS. ABSTRACT In the last ten years, a lot has been discussed about the needs of adopting measures to reduce the deforestation increase in the region called Brazilian Amazon. The efforts used to reduce this process, which remains accelerated, intent to become innocuous, due to the measure on course at the National Congress that intent to change, through a Project of Law, the area that holds the Legal Amazon, removing the states of Mato Grosso, Tocantins and Maranhão. The discussion about the redefinition of the Amazon Trabalho publicado nos Anais do XVII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em Brasília – DF nos dias 20, 21 e 22 de novembro de 2008.

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NOVOS MOVIMENTOS SOCIAIS E PADRÕES JURÍDICOS NO PROCESSO DE REDEFINIÇÃO DA REGIÃO AMAZÔNICA

NEW SOCIAL MOVEMENT AND JURIDICAL PATTERNS IN THE PROCESS OF REDEFINITION OF THE AMAZON REGION

Joaquim Shiraishi Neto

RESUMO

Na última década, muito se discutiu sobre a necessidade de adotar medidas para reduzir o aumento do desmatamento na chamada região Amazônica brasileira. Os esforços utilizados para diminuir esse processo, que continua em ritmo acelerado, tendem a se tornar inócuo, diante de uma medida em curso no Congresso Nacional, que pretende alterar por meio de Projeto de Lei a área de abrangência da Amazônia legal, retirando da região os Estados do Mato Grosso, Tocantins e Maranhão. A discussão sobre a redefinição da região Amazônica está inserida no bojo de um intenso processo de conflito na região, onde os povos e comunidades tradicionais se organizam politicamente para enfrentar os problemas decorrentes da ameaça da perda dos seus territórios tradicionalmente ocupados. No interior do processo de mobilização vivenciado por esses grupos sociais, é possível identificar diferentes estratégias e ações, que se colocam em face dos “tradicionais” e “novos” antagonistas, sendo que um traço distintivo, considerado comum é a “luta jurídica localizada”, que não se restringe ao âmbito dos espaços municipais. O reconhecimento jurídico de que a sociedade brasileira é uma “sociedade plural”, tem servido como argumento, acionado para a garantia e a reivindicação de direitos. As discussões em torno da noção de “pluralismo jurídico” são retomadas, ganhando novo significado e impondo “novos” padrões jurídicos. Nesse processo, o direito tem sido um poderoso instrumento, utilizado para nortear o processo de mobilização política e de construções das novas identidades.

PALAVRAS-CHAVES: NOVOS MOVIMENTOS SOCIAIS, REDEFINIÇÃO DA REGIÃO AMAZÔNICA, NOVOS PADRÕES JURÍDICOS.

ABSTRACT

In the last ten years, a lot has been discussed about the needs of adopting measures to reduce the deforestation increase in the region called Brazilian Amazon. The efforts used to reduce this process, which remains accelerated, intent to become innocuous, due to the measure on course at the National Congress that intent to change, through a Project of Law, the area that holds the Legal Amazon, removing the states of Mato Grosso, Tocantins and Maranhão. The discussion about the redefinition of the Amazon Trabalho publicado nos Anais do XVII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em Brasília – DF nos dias 20, 21 e 22 de novembro de 2008.

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Region is due to the intense conflict in this area, where the people and the traditional communities organize themselves politically in order to face the problems that come with the threaten of loosing their territories traditionally occupied. Inside this mobilization process lived by these social groups it is possible to identify different strategies and actions, placing the “traditional” against of the “new” antagonists. A distinctive trace, considered ordinary is the so called “localized juridical fight”, which is not restricted to the counties areas. The juridical recognition that the Brazilian Society is a “plural society”, has served as an argument, within the claim for individual rights and guarantees. The discussions around the notion of the “juridical pluralism” is taken back, getting a new significance and demanding “ new” juridical pattern. Within this process, the law has been a powerful instrument, used to direct the political mobilization process and the built of new identities.

KEYWORDS: NEW SOCIAL MOVEMENTS, AMAZON REGION REDEFINITION, NEW JURIDICAL PATTERN.

DISPUTA PELA REDEFINIÇÃO DA REGIÃO AMAZÔNICA

Em meio às discussões relacionadas ao aumento do desmatamento na região e às medidas e estratégias para reduzi-los, a chamada Amazônia legal poderá ter sua área de abrangência reduzida em função de dois Projetos de Lei que se encontram em trâmite no Congresso Nacional. Os referidos Projetos de Lei objetivam dar nova redação ao inciso VI do §2° do art.1° da Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965, para alterar a definição de Amazônia legal, retirando dessa região os Estados do Tocantins, Mato Grosso e Maranhão. Os argumentos apresentados consistem em afirmar que os critérios utilizados para a definição da região à sua época não levaram em consideração as características dos diferentes “ecossistemas” ou “biomas” existentes em cada um dos Estados. A delimitação levou em consideração critérios eminentemente políticos, sem que houvesse preocupação com os científicos, notadamente os de base geográfica, que poderiam contribuir para nortear a sua definição. A necessidade de desenvolver os Estados de acordo com as políticas públicas traçadas em consonância com um meticuloso planejamento, orientou os atuais limites da Amazônia legal.

O fato de a Amazônia ser compreendida como “região problema”, fez com que os esforços governamentais se concentrassem e se dirigissem na adoção de um conjunto de políticas públicas voltadas à exploração “racional” dos potenciais da região, sobretudo pelo malogro das atividades até então desenvolvidas de exploração dos recursos de origem florestal e mineral. A exploração dos recursos naturais, que trouxeram certa “prosperidade” à região, foi objetivo de análise econômica. Os esquemas interpretativos acionados que procuravam compreender esse processo o fizeram a partir da noção de “ciclos econômicos”, segundo um discurso teórico que procura articular os temas referidos aos mitos da região, como: o “nomadismo”, o “extrativismo”, o “contato das raças” e a “entrada da civilização”, transformando-os em “verdades científicas”, que foram produzidas e difundidas enquanto tais.

Nesse sentido, o desenvolvimento da região Amazônica implicava na adoção de políticas que tinham como pressuposto a necessidade de incorporá-la ao País. O processo de “integração” ocorreu atraindo capital privado por meio de incentivos fiscais

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e monetários. O desenvolvimento e a ocupação da região se tornaram objetivos e em nenhum momento os Estados se opuseram ou mesmo rivalizaram a esse modelo de desenvolvimento marcadamente de caráter autoritário, na medida em que “desconhece” a existência de diversos grupos sociais portadores de distintas “temporalidades” e “axiologias”, levando à destruição das identidades coletivas. O viés autoritário do modelo serviu para atender aos interesses dos Estados e de determinados grupos locais, que de forma ampla pôde se beneficiar dessas políticas.

Nas últimas décadas duas tendências entrelaçadas vêm redefinindo a região Amazônica. A primeira está relacionada ao papel do Estado na região, que tem se ocupado em promover o desenvolvimento a partir dos interesses dos interessados em explorar economicamente a região. Observa-se que o discurso ambientalista, que serviu como norte das discussões nas últimas décadas, aos poucos, perde força, diante da intensificação do processo de exploração econômica na região. Em outras palavras, o modelo em expansão retoma e “atualiza” o pensamento geopolítico brasileiro de vertente militar desenhado em tempos passados, cujo objetivo era a inserção da região na expansão capitalista contemporânea. A aquisição e ocupação de terras por grandes proprietários e empresas para o cultivo das monoculturas (de soja, cana de açúcar, dendê, eucalipto, dentre tantas...), bem como a exploração e intensificação dos recursos minerais e energéticos evidenciam o caráter predatório desse processo, que se coloca de forma antagônica ao vivenciado pelos diversos povos e comunidades tradicionais.

A segunda tendência refere-se à emergência dos movimentos sociais na região Amazônica, que se definem e são autodefinidos por critérios de identidade étnica, e reivindicam a manutenção e garantia de direitos, frente às situações que lhes apresentam adversas. O avanço da exploração econômica sobre as terras e os recursos naturais coloca em risco as formas de reprodução física e cultural dos mais variados grupos.

Em meio a esse intenso processo de disputas, os povos e as comunidades tradicionais vão desenhando seus territórios, que segundo Almeida encontram-se em “processo de territorialização”. Desta forma, rivalizam com os territórios pretendidos, sendo que isso implica na redefinição da própria noção de região a partir dos critérios de mobilização política. Observa-se que é a noção de região Amazônica se encontra em jogo mais uma vez. No entanto, os critérios acionados para sua definição se encontram delineados num campo de disputa, onde distintos interesses entram em conflito, diferentemente da sua primeira definição, quando os critérios dominantes foram àqueles identificados pela “objetividade científica”.

“NOVO” DIREITO E “NOVOS MOVIMENTOS SOCIAIS”

As reflexões em torno do ordenamento ou sistema jurídico tendem a “apagar” a possibilidade de considerar a existência de direitos, que possam estar para além ou aquém dos limites de seu tempo e espaço. Os juristas se esforçam em fazer coincidir o espaço jurídico com a sociedade, modernamente com o Estado. Trata-se do dogma da completude do ordenamento jurídico, que consiste na propriedade do direito regulamentar toda e qualquer situação que exista de fato. Esta leitura formal do direito,

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que privilegia a interpretação das normas e a coerência do ordenamento tem se constituído em objeto de discussão em face dos fenômenos sociais e econômicos recentes, que tem se apresentado de forma múltipla e complexa, obrigando a uma reflexão permanente acerca dos significados do direito.

Percebe-se que o formalismo excessivo utilizado para compreender os fenômenos sociais e econômicos tem impedido a interpretação dos processos de extrema complexidade, que se colocam distantes da forma como o direito se produz, reproduz e difunde. Os intérpretes do direito têm encontrado enormes dificuldades em atender de forma satisfatória as demandas, embora tenham se demonstrado bastante criativos em relação a elas. A recusa em se admitir a insuficiência do ordenamento ou sistema jurídico, enseja a necessidade de revisitar o próprio direito e, nesse sentido, as reflexões dogmáticas mais procuram se atualizar e o fazem se apropriando da noção de “pluralismo jurídico”, que sempre foi tomado como algo residual do direito positivado. O “pluralismo jurídico” era formulado segundo o campo jurídico por historiadores e sociólogos do direito. Eles se utilizavam dessa noção operacional para demonstrar a insuficiência do ordenamento jurídico, bem como para descrever as situações da realidade, que não se encontravam catalogadas no direito. Contudo, as reflexões jurídicas mais recentes reconhecem o fato de que somos uma “sociedade plural”. Para essa análise: “o pluralismo é uma realidade, pois a sociedade se compõe de uma pluralidade de categorias sociais, de classes, grupos sociais, econômicos, culturais e ideológicos”. Optar pelo reconhecimento de que somos uma sociedade plural, tende a impor uma ruptura com os esquemas de pensamento jurídico tradicionais e a necessidade de repensá-lo à luz das discussões do “pluralismo jurídico”.

A diversidade importa no acatamento de “práticas jurídicas” diferenciadas, nem sempre catalogadas e que necessitam ser incorporadas às reflexões jurídicas para garantir direitos efetivos à diversidade de sujeitos e grupos sociais, que sempre ficaram distantes dos tratamentos jurídicos. As dificuldades de interpretar os fenômenos sociais à luz dos padrões jurídicos tradicionais, sempre ficaram evidenciadas diante dos fatos, embora os intérpretes preferissem ignora-los, já que a todo custo procuravam enquadrar as situações aos dispositivos legais, apesar de reconhecerem as dificuldades. Para cada situação, um dispositivo, o que implicava numa simplificação das situações, quando reduzidas ao mundo jurídico.

Nesse sentido, o processo em curso que valida o pluralismo na ordem jurídica, importa, também, no reconhecimento de que a norma se origina de uma situação particular e que se universaliza no ambiente jurídico. O discurso jurídico e o “senso teórico comum dos juristas” têm garantido a produção, reprodução e difusão da universalidade da norma jurídica, “livre” de qualquer tipo de interesses que possam maculá-la. Isso se constituiu num dos “obstáculos epistemológicos”, que tem impedido a compreensão do próprio direito, inclusive a sua possibilidade de atualização.

A necessidade de o direito ser pensado e organizado para atender determinados problemas torna-se “obstáculo” à própria capacidade do direito se modificar diante das situações que se complexificam, na medida em que a sociedade se globaliza. As situações complexas têm implicado na necessidade de envolver uma maior participação dos interessados e dos que detém conhecimentos específicos a respeito, na medida em que esses procedimentos permitam contribuir na tomada das decisões judiciais, que possam ser consideradas mais justas.

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Os resultados do reconhecimento de que somos uma “sociedade plural” implica numa ampliação dos problemas, em decorrência do grau de disputas acirradas, que se colocam por vezes de forma contraditória no interior da sociedade. Os esforços teóricos devem se concentrar na possibilidade de intensificar as reflexões do papel do direito na sociedade contemporânea e de sua aplicação frente à dinâmica da realidade, que é reconhecidamente plural. Nesse sentido, as tentativas de simplificação dos procedimentos, a fim de proporcionar maior celeridade à resolução dos conflitos devem ser vistas com ressalva, sobretudo pelo fato de existir no momento atual reflexões no âmbito do direito, que procuram encontrar na idéia do “consenso”, senão a única, mas a melhor forma para a resolução dos conflitos sociais existentes. As reflexões que se encontram ancoradas nas discussões de Democracia e Estado de Direito vêm sendo objeto de crítica, já que trazem no seu bojo a idéia de que o direito representa os interesses da sociedade, diluindo a política sob o conceito de direito.

Observa-se que o critério de identidade vem contribuindo numa maior capacidade dos grupos sociais exerceram mobilização política para reivindicarem direitos. A organização e mobilização dos povos e comunidades tradicionais se constituem em um importante instrumento para enfrentar as situações concretas, que se evidenciam nos processos de disputas pelos territórios. Nesse intenso processo vivenciado pelos grupos sociais, o enfrentamento jurídico tem sido uma arena de luta privilegiada. As manifestações políticas dos movimentos nas mais diversas situações revelam diferentes estratégias e ações, que se colocam em face dos seus antagonistas. Um traço distintivo que pode ser considerado comum a todos esses grupos sociais é o que pode ser denominado de “luta jurídica localizada”, que não se restringe aos limites do espaço municipal. É localizada no sentido de que os grupos têm acesso aos meios e ao Poder Público responsável para atender e executar as medidas eventualmente propostas. Os esforços dos grupos sociais em manter a “luta jurídica localizada” decorre da utilização de diversas práticas, que não se encontram referidas ao aspecto discursivo, acabando por impor formas próprias: junto às Câmaras Municipais e Assembléias Legislativas dos Estados, os povos e comunidades tradicionais além de participarem das audiências públicas para discutir projetos que lhes afetam direta ou indiretamente, apresentam proposições por meio de representantes, as quais têm se transformado em leis; em discussões com Poder Executivo vem discutindo e firmando determinadas medidas, que tem se traduzido em políticas específicas; e em discussão com o Ministério Público Estadual e Federal apresentam e discutem a particularidade de seus problemas para a defesa de seus direitos.

Percebe-se que há uma apropriação das “práticas” e do discurso jurídico, na medida em que esse campo tem se demonstrado extremamente favorável às disputas políticas. O fato do direito representar os interesses de determinados grupos - “o reino de um direito”, como afirmou Jacques Rancière - não tem se apresentado neste momento, pelo menos, como um obstáculo aos movimentos sociais que, ao se apropriarem das “práticas jurídicas”, procuram propor dispositivos legais que estejam mais alinhados com a sua maneira de viver. Em determinados momentos, procuram interpretar os dispositivos consoante os seus interesses e vontades, apesar de que a interpretação nem sempre encontra “eco” nos esquemas de pensamento jurídicos dominantes, estruturados em consonância com os padrões jurídicos tradicionais. Neste contexto em que os grupos sociais se organizam e se mobilizam, é importante destacar o papel do Poder Judiciário, que tem procurado reconhecer a relevância da ampla participação da sociedade nos

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julgamentos, diante da complexidade e da pluralidade de situações, que impõem novas formas, onde os pré-intérpretes são determinantes no processo decisório.

No caso, há uma necessidade de ocupar o campo jurídico, sobretudo em função do momento vivenciado, em que os próprios intérpretes autorizados reconhecem a necessidade de uma maior participação da sociedade. Os esforços do Poder Judiciário em ampliar a participação da sociedade nos processos decisórios se encontram coadunados com os interesses dos povos e comunidades tradicionais. Extensivamente a esse processo, os grupos sociais intensificam sua luta em explicitar a sua existência social, bem como demonstrar a necessidade de protegê-la, mesmo que para isso seja necessário repensar os próprios padrões jurídicos instituídos.

No processo que envolve o reconhecimento da diversidade, a primeira ação consiste em reafirmar e afirmar a idéia da diferença, que motiva as reivindicações dos diversos povos e comunidades tradicionais. A partir do intenso processo de organização e mobilização política, os grupos sociais adotam a seguinte estratégia: a elaboração e proposição de dispositivos legais que, inicialmente, permitam reconhecer a sua existência social, bem como seus modos de “fazer”, “criar” e “viver”. As discussões em torno da elaboração e proposição dos dispositivos legais tem sido um elo importante no processo de construção das identidades coletivas, na medida em que as discussões políticas em torno das proposições permitem ao mesmo tempo, afastar as divergências e aproximar os grupos, frente os antagonistas. A força e a intensidade dos processos fazem com que os grupos apaguem as diferenças e reforcem os laços de solidariedade. As idéias da existência de coesão social - que serviam para distinguir a região das demais - são recuperadas, mas sem perder a possibilidade de realçar as diferenças existentes entre os diversos grupos sociais que compõem a Amazônia.

“PRÁTICAS JURÍDICAS” LOCALIZADAS: “novos” padrões jurídicos

O deslocamento dos enfrentamentos políticos para a “luta jurídica localizada”, sobretudo a produção de dispositivos legais no âmbito municipal e, também, estadual revela um dado “novo”, que merece ser incorporado às analises. Nesse processo, os movimentos sociais passaram a ser os protagonistas e intérpretes de suas próprias ações e estratégias, diferentemente de outros períodos, onde o discurso era mediado. Até a década de 1980, observa-se que os conflitos se referiam às disputas pela terra na região Amazônica, envolvendo uma intensa discussão em torno dos direitos de posse e propriedade. Na maioria das situações, as discussões eram encaminhadas ao Poder Judiciário. O procedimento de encaminhar prevalentemente os conflitos ao Poder Judiciário representava uma das estratégias mais utilizadas em face de seus antagonistas. O seu objetivo consistia em garantir ou mesmo evitar qualquer tipo de medida que pudesse implicar na ameaça ou perda da terra em disputa, embora não se esperasse que as ações fossem êxitosas, isto é, julgadas favoravelmente. Os argumentos acionados eram os perfilados pelos advogados, que promoviam a disputa no campo jurídico. As ações eram organizadas com intuito de demonstrar a existência da posse mansa e pacífica sobre a terra ou mesmo a insuficiência dos documentos acostados aos processos judiciais. As disputas jurídicas cingiam-se aos processos e às medidas

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administrativas junto aos órgãos fundiários, que eram acionados para promover o processo de desapropriação ou mesmo regularização fundiária do imóvel, objeto do litígio.

Na década de 1990, a esse discurso do direito agrário, foram incorporadas as discussões de meio ambiente. A força do discurso ambiental, que buscou identificar formas de preservação e conservação da região Amazônica, fez com que os grupos sociais passassem a ter uma participação mais ativa, aproximando-os das formulações e dos debates jurídicos ambientais, que procuravam identificar formas para melhor disciplinar as ocupações e usos dos territórios. A experiência dos seringueiros com os Projetos de Assentamento Extrativistas (PAEXs), incorporado pela Política Nacional do Meio Ambiente por meio das Reservas Extrativistas (RESEXs), é um exemplo recorrente. Ele se espraiou por toda região Amazônica, vindo a se incorporar na Política Nacional de Unidades de Conservação.

No entanto, somente a partir do aumento do grau de organização e mobilização dos grupos sociais é que as demandas jurídicas passaram a se tornar mais complexa, impondo questionamentos aos procedimentos comumente utilizados, que vinham se demonstrando ineficazes diante dos problemas, que se colocavam e que ameaçavam a reprodução física e cultural dos grupos. As discussões não mais se referiam ao direito à terra, mas a um conjunto de proposições, que implicam no reconhecimento da existência social dos povos e comunidades tradicionais. Os discursos jurídicos, agrário e ambiental, até então hegemônicos foram perdendo gradativamente força junto aos movimentos sociais, que passaram a articular as lutas a partir de “novas” formas. Tal processo reflete as “novas” ações e estratégias dos grupos sociais, que procuram como medida na manutenção de seus direitos, ações mais localizadas em que pudessem deter o controle político do processo.

A maioria dos projetos de lei apresentados pelos representantes dos movimentos sociais foram e estão sendo aprovados nas diversas Câmaras Municipais de toda região Amazônica. Os projetos de lei, que implicam numa maior liberdade ou restrição de determinadas “práticas sociais”, apesar de sofrerem forte resistência, acabam sendo aprovados. Os conteúdos dos projetos representam o grau de enfrentamento envolvendo interesses diversos, que se realiza no interior dos espaços políticos. Verifica-se que o maior grau de organização e mobilização dos grupos reflete os ganhos e as perdas dos projetos de lei apresentados. As estratégias utilizadas para a discussão e apresentação da proposição - que vai desde a escolha do vereador ou parlamentar - bem como as articulações que ocorrem no decorrer de toda tramitação do projeto, incluindo o dia da votação, são dados relevantes que necessitam ser analisados, uma vez que contribuem com o maior ou menor êxito da maioria das propostas apresentadas. Nessa arena, onde os interesses divergentes se explicitam, a ação política exercida pode significar um grande passo em direção a aprovação dos projetos.

O conteúdo dos projetos aprovados além de expressarem a correlação de forças localizadas, evidencia as situações existenciais de fato, vivenciadas diferentemente por cada grupo social, por isso mesmo não há restrições legais em relação ao que foi aprovado. Uma vez aprovadas, as leis ficam “sacramentadas” e herméticas aos questionamentos. As leis aprovadas são acatadas, sendo que os diversos grupos e o Poder Municipal procuram cumprir o que foi previamente pactuado. O “pacto” envolve uma “consciência geral” do profundo conhecimento da questão e a necessidade de

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regulamentá-la, sob pena de “novos” conflitos. Observa-se que os envolvidos possuem plena consciência dos direitos em jogo, bem como da necessidade de protegê-los.

Os deslocamentos das ações e estratégias para o plano jurídico local, especificamente para o da elaboração e proposição de leis vêm servindo para reconhecer a existência social dos grupos sociais e, sobretudo legitimar as suas ações. Trata-se de promover a passagem de uma situação de “invisibilidade” para a de “visibilidade” jurídica, pois o direito somente protege os visíveis. Contudo, esse processo é pouco refletido, em função dos resultados positivos até aqui alcançados. Os grupos sociais vêm apostando suas lutas nesse processo que, sem dúvida, contribui com a construção de suas identidades. A elaboração e proposição dos dispositivos legais auxiliam no reforço e atualização dos laços sociais. Os indivíduos passam a se identificar enquanto membro do grupo.

Os novos dispositivos legais criados a partir do controle exercido pelos movimentos sociais determinaram de certa forma, a ampliação e abertura do ordenamento ou sistema jurídico até então indiferente aos direitos desses grupos. Os novos dispositivos necessitam ir se acomodando ao universo jurídico, sendo que esse processo pode implicar em um menor controle dos grupos sociais, em função da “autonomia” do campo jurídico. A “autonomia” é construída em face das necessidades de produção, reprodução e difusão de um discurso jurídico, que sempre se ocupou em negar direitos a esses grupos. Isso deverá implicar em um novo conjunto de ações e estratégias, sobretudo na capacidade dos grupos explicitarem a legitimidade dos seus direitos que, em muitos momentos, se encontram em conflito com o próprio direito. Os esforços dos grupos deverão se dirigir e concentrar no direito em dizer o direito.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No bojo da dinâmica da região Amazônica, os novos movimentos sociais ganharam força e vitalidade, em face dos projetos de intervenção na região, que procuram incluí-la na expansão capitalista. Em decorrência, as “práticas sociais” dos diferentes grupos sociais vêm se impondo na ordem, acarretando uma intensa disputa sobre os territórios e no processo de redefinição da região.

É por esse motivo que os debates sobre a redefinição da região Amazônica não podem prescindir da participação e do conteúdo desses grupos sociais. A força e vitalidade dos movimentos sociais residem, em primeiro lugar, no fato de terem garantido a sua existência enquanto grupo socialmente distinto. A sua permanência e perenidade rivalizaram com todos os esquemas científicos de pensamento, que deduziam o seu “fim” ou “assimilação” diante da sociedade nacional. Segundo essas leituras, esses grupos estariam fadados ao desaparecimento. Em segundo, porque a partir dessa primeira, lograram questionar o direito na sua concepção universalista, obrigando -o a se debruçar sobre as diversidades e as singularidades. Em outras palavras, a “luta jurídica localizada”, enquanto instrumento, vem aproximando o direito das situações mais particularizadas, implicando num repensar do próprio conteúdo jurídico.

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Tal processo vem fazendo com que os grupos sociais transitem de uma situação de invisibilidade para visibilidade; enquanto sujeitos coletivos de direitos têm suas “práticas jurídicas” igualmente reconhecidas dentre tantas. A região Amazônica expressa e contém essa diversidade sócio-cultural, que deve ser preservada, sendo que é por esse motivo, tomando emprestado o título do livro de Ronald Dworkin, “levar a sério” as proposições dos povos e comunidades tradicionais, incorporando-as como legitimas no interior da ordem jurídica, sob pena de negar direitos, comprometendo a reprodução física e cultural desses grupos sociais.

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WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo Jurídico. Fundamentos de uma nova cultura no Direito. 3º ed. São Paulo: Alfa Omega, 2001.

Documentos e Periódicos

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CURITIBA. Decreto n.889/ 2004, outorga permissão e uso. D.O.M., n.74, de 28 de setembro de 2004.

DEFICIENTE auditiva terá intérprete na sala de aula. Folha de São Paulo, 28 de junho de 2008. p.C4.

CÂMARA DOS DEPUTADOS. Projeto de Lei n° 1.278, de 2007, “Dá nova redação ao inciso VI do §2° do art.1º da Lei n° 4.771, de 15 de setembro de 1965, para alterar a definição de Amazônia Legal.”

134 CANDIDATOS se declaram gays ou ‘aliados´, diz ABGLT. Folha de São Paulo, 16 de agosto de 2008. p.A6.

SENADO FEDERAL. Projeto de Lei nº 005, de 2005, “Altera o inciso VI do §2° do art.1° da lei 4.771, de 15 de setembro de 1965, na redação alterada pela Medida Provisória nº 2.166-67, de 24 de agosto de 2001, que dispõe sobre a abrangência da Amazônia Legal, e dá outras providências.”

STF amplia participação no debate público. Folha de São Paulo, 10 de agosto de 2008. A12.

O artigo 43 da CF de 1988 previu a existência das regiões, com objetivo de promover o desenvolvimento e reduzir as desigualdades regionais. “Para efeitos administrativos, a União poderá articular sua ação em um mesmo complexo geoeconômico e social, visando a seu desenvolvimento e à redução das desigualdades regionais.”

O Projeto de Lei n° 1.278, de 2007, é de autoria do deputado Osvaldo Reis, do Estado do Tocantins, e se encontra em trâmite na Câmara Federal. O Projeto de Lei nº 005, de 2005, é de autoria do senador Jonas Pinheiro, do Estado do Mato Grosso, e se encontra no Senado.

Vale ressaltar que há uma vasta literatura a respeito das tentativas de definir e delimitar a região Amazônica. Tais discussões procuravam identificar o que poderia ser tomado como “unidade” da região no sentido de justificar a sua existência física e social. Para Eidorfe Moreira, na “delimitação oficial” (Lei nº 1.806, de 06 de janeiro de 1953, que criou a Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia - SPVEA; Lei n°5.173, de 27 de outubro de 1966, que extinguiu a SPVEA e criou a Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia - SUDAM e Medida Provisória n°2.157-5, de 24 de agosto de 2001, que extinguiu a SUDAM e criou a Agência de Desenvolvimento da Amazônia - ADA), acabou vencendo o critério geodésico (Moreira, 1958, 23-23); sendo que além desse critério, outros poderiam ser igualmente

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acionados, tais como: o “hidrográfico”, o “fitogeográfico”, o “zoogeografico”, o “político” e o “econômico”.

Se for possível afirmar que há alguma relação entre os critérios é o fato de se colocarem como verdade absoluta, por isso mesmo as discussões em torno dos critérios que justificariam a idéia de região Amazônica devem ser objeto de reflexão. Não se pode perder de vista que a idéia de região está inscrita numa luta entre os cientistas que aspiram pelo monopólio de sua definição legitima (Bourdieu, 1989, 108). Para esse autor: “Ora, a ciência social, que é obrigado a classificar para conhecer, só tem alguma probabilidade, não já de resolver, mas de, pelo menos, por correctamente o problema das classificações sociais e de conhecer tudo o que, no seu objecto, é produto de actos de classificação e fizer entrar na sua pesquisa da verdade das classificações o conhecimento da verdade dos seus próprios actos de classificação. O que quer dizer que não é possível dispensar, neste caso menos que em qualquer outro, uma análise da relação entre a lógica da ciência e a lógica da prática” (Bourdieu, 1989, 111). Foucault também chama atenção para a relação entre o poder e o saber, sobretudo das metáforas geográficas: “Desde o momento em que se pode analisar o saber em termos de região... pode-se apreender o processo pelo qual o saber funciona como um poder e reproduz os seus efeitos. Existe uma administração do saber, uma política do saber, relações de poder que passem pelo saber e que naturalmente, quando se quer descrevê-las, remetem-se àquelas formas de dominação a que se referem noções como campo, posição, região e território.” (Foucault, 1988, 158).

A propósito da discussão entre planejamento e direito, ver a pesquisa desenvolvida por Grau. Para o autor, apesar de o planejamento tentar se desprender de seu conteúdo, trata-se de uma noção fortemente marcada por uma ideologia: “O que define um pressuposto de não neutralidade no planejamento é justamente o compromisso prévio de preservação do mercado, instituição fundamental do sistema.” (Grau, 1978, 41).

Para Oliveira Filho esse esquema interpretativo objetiva construir uma “história geral” da região. A “noção de ciclo impôs-se como modelo de organização dos fatos históricos ligados à produção da borracha”. Continua o autor ...“o uso de tal noção funciona como mecanismo de filtragem e incorporação de fatos a uma forma pré-definida, excluindo sistematicamente de consideração aqueles fenômenos que pudessem refutar ou relativizar seu valor heurístico.” (Oliveira, 1979, 102).

Na região Amazônica, diversas atividades extrativas foram objeto de interpretação econômica. No entanto, apesar de utilizarem de esquemas analíticos diferenciados para explicar os processos de exploração que se verificou em momentos distintos, acabaram chegando aos mesmos resultados: declararam o “fim da atividade extrativa”. Para esse tipo de análise, acabaram os seringais, os castanhais, os babaçuais. A respeito da análise econômica da atividade extrativa do babaçu, ver Amaral Filho (1990).

Oliveira Filho (1979, 106).

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O chamado Zoneamento Ecológico-Econômico da Amazônia apresenta também um caráter autoritário, com os mesmos arranjos de desenvolvimento para a região (Acselrad, s/d).

“O que é importante reter é que a formação talvez não de um consenso, que é um processo sociocultural de maior fôlego, mas de uma impressão, de que os problemas da Amazônia eram tão grandes, imensos, que as sociedades, comunidades, tribos, nações indígenas e etnias locais e regionais não teriam forças, competência técnica, recursos financeiros, poderes abrangentes para superá-los.” (Oliveira, 1994, 6). Aliás, esse discurso se vinculou a um outro, que foi igualmente produzido, reproduzido e difundido e que relaciona a total incapacidade do “Homem Amazônico” diante da imensidão da floresta (Rangel, 1914; Cunha, 1946; Moog, 1936).

Em meados da década de 1980, a intensificação do desmatamento na região Amazônica levou os movimentos sociais a se empenharem com os problemas ambientais. A existência social dos diversos grupos estava condicionada à manutenção da floresta. No entanto, o discurso de preservação ganha força somente com o aparecimento da questão da biodiversidade, que projetou nova luz sobre o meio ambiente. Os esforços em proteger a floresta estão entrelaçados com o seu valor econômico. As florestas representam um enorme depósito de espécies e de recursos genéticos que podem ser explorados economicamente. Para Santos, inaugura-se um novo tipo de exploração predatória que leva em consideração os potencias da diversidade da região (Santos, 1994).

A necessidade de regulamentação dos conhecimentos tradicionais deve ser analisada com extrema cautela pelos intérpretes do direito, pois as categorias jurídicas utilizadas, sobretudo o “contrato”, ainda que de “repartição de benefícios”, tem sido um importante instrumento para facilitar e acelerar as transações mercantis, sem nenhuma preocupação prévia com os envolvidos. O contrato é um instrumento mercantil, que rompe com os laços e as relações comunitárias existentes entre os diferentes sujeitos e grupos sociais. A propósito dessa discussão, que objetiva analisar o processo de regulamentação jurídica à luz das situações vivenciadas pelos povos e comunidades tradicionais, consultar Shiraishi Neto; Dantas (2008).

A síntese desse processo que se verifica em quase toda região Amazônica, pode ser resumida na noção de devastação dos recursos naturais. O grau de intensidade e a extensão das áreas atingidas são tamanha, que se distingue das situações ocorridas em momentos anteriores. A respeito do processo nas áreas de babaçuais, ver Almeida, Shiraishi Neto e Martins (2005).

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O conceito de “unidades de mobilização” utilizado por Almeida nos auxilia nesta análise das ações coletivas que demandam conhecimento jurídico formal. As “unidades de mobilização” representam instrumentos organizativos dos quais esses grupos sociais lançam mão para garantir e assegurar direitos em face das políticas contrárias aos seus interesses vitais, isto é, “as políticas públicas é que possibilitam os elementos básicos à formação de composições e de vínculos solidários essências ao êxito dessas mobilizações (Almeida, 1994, 23).

Almeida (2006, 21-99).

É interessante observar o intenso processo de mobilização das chamadas quebradeiras de coco babaçu a respeito do seu processo de territorialização. Segundo Almeida “...o mundo das quebradeiras revela-se agora política e economicamente construído e sua abrangência transcende as fronteiras fixadas pelas divisões político administrativas. Sua existência coletiva, por outro lado, não se confunde, necessariamente, com as áreas de ocorrência de babaçu. O movimento das quebradeiras não existe em todos os lugares em que há babaçuais.” (Almeida, 1995, 19).

Carbonnier procura (des)naturalizar as noções jurídicas de espaço e tempo. Lembra que “o espaço jurídico tem por suporte natural um território”, entretanto exemplifica a situações dos grupos nômades. Enquanto que uma tribo cigana pode se constituir num espaço jurídico sem domínio territorial (Carbonnier, 1978, 349), outros grupos podem compreender certa noção de território , como área de deslocação (Carbonnier, 1978, 349).

Carbonnier (1978, 356).

Bobbio (1999).

Para Faria, a expansão e o desenvolvimento da economia capitalista vêm “afetando radicalmente a estrutura, a funcionalidade e o alcance do direito positivo. Suas normas, face a uma realidade dominada por forças e dinâmicas globais que ultrapassam os marcos institucionais e nacionais tradicionais, vêm perdendo a capacidade de ordenar, moldar, conformar, controlar e regular a sociedade e a economia.” (Faria, 2002, 59). Sobre as profundas transformações do direito, que se encontra em processo de ser “suprimido”, “substituído” ou “suplantado”, consultar Arnaud (1999).

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O reconhecimento dos direitos das chamadas minorias tem se tornado palco de acirradas disputas, sobretudo em função das enormes dificuldades operacionais de implementá-los. O universalismo jurídico tem rivalizado com o particularismo das situações. No Estado de São Paulo, uma deficiente auditiva conseguiu na Justiça o direito de ter uma intérprete de Libras (língua brasileira de sinais) na sala de aula (Folha de São Paulo, 28 de junho de 2008. p.C4). As dificuldades de garantir tal direito parte da própria Secretaria Estadual da Educação, que alega que o cargo de intérpretes de Libras ainda não foi criado.

As reflexões sobre a noção de “pluralismo jurídico” eram realizadas em espaços não dogmáticos por envolverem dimensões outras de uma discussão jurídica. Os debates mais sistematizados em torno dessa noção foram realizados por sociólogos do direito. Dentre os trabalhos, ver Gurvitch (1946) e Carbonnier (1978).

No interior das reflexões jurídicas, vale destacar o trabalho de Bobbio sobre “pluralismo jurídico”. O autor procura distinguir os ordenamentos jurídicos não estatais do estatal (Bobbio, 1999, 164). A despeito de colocá-los no mesmo plano, numa concepção aparentemente dialética, procuram dotá-los dos mesmos elementos caracterizadores dos ordenamentos estatais, cuja forma e rigidez são elementos imprescindíveis para a sua existência. Tal entendimento de matiz nitidamente positivista do que seria ordenamento jurídico tende a levar ao processo de “absorção”, da “recusa” ou “indiferença” do ordenamento estatal em relação ao não estatal, sobretudo por não possuírem esses elementos caracterizadores, o que lhes retira a condição de ordenamento jurídico.

Já Santos procura identificar os contextos em que aparece o “pluralismo jurídico”. Além do contexto colonial, onde se verifica o direito do Estado colonizador em face do “direito tradicional”, temos as situações em que os Estados adotam o direito europeu como instrumento de modernização e de consolidação do poder; as situações de revolução social, onde um “direito tradicional” entra em conflito com o “direito revolucionário”; e as situações em que os povos são submetidos ao direito do conquistador (Santos, 1988, 64-78).

Wolkmer (2001).

As reflexões sobre a noção de “pluralismo jurídico” procuram explicitar diferentes situações. Para Faria, as limitações do direito positivo que se relevam incapazes de superar os problemas decorrentes do desenvolvimento e expansão do capitalismo, faz emergir espaços infra e supra legais, sendo que os primeiros sem interferência e os segundos com interferência dos Estados (Faria, 2002, 60-78).

A despeito do resultado da análise que se preocupa em identificar a “unidade plural” da sociedade, é importante destacar o trabalho do Reale no âmbito do direito, pois esse

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autor reafirma o fato de que “somos substancialmente uma sociedade plural que somente pode ser compreendida mediante uma série de fatores e circunstâncias que se interligam de maneira complementar e dinâmica.” (Reale, 2001, 23). Aliás, essa análise de que somos uma “sociedade plural”, já havia sido anunciada em um outro período pelo mesmo autor (Reale, 1963).

Silva (2007, 143).

No contexto das discussões, vale retomar a polêmica gerada em torno da “morte” da Constituição Dirigente, nos moldes desenhados por Canotilho, a respeito da necessidade de se repensar a Constituição Federal de 1988 para além dos esquemas comumente acionados, sobretudo numa época de “cidadanias múltiplas” e “múltiplos de cidadania”. Para esse constitucionalista português pensar o direito a partir desses esquemas seria prejudicial ao próprio cidadão.

Já no final do século XIX e início do século XX há toda uma literatura jurídica a respeito do tema, da dificuldade das leis frente os fatos. Entre os autores, consultar: Geny (1899); Morin (1945); Cruet (2003).

A propósito da necessidade do direito “enquadrar” as situações para encontrar a sua “natureza jurídica”, vale a pena ver as discussões em torno do “mutirão” se se trata de qual espécie de contrato. Após discorrer sobre as situações que envolveria o que foi designado como “mutirão”, Freitas Marcondes chega a seguinte conclusão: “podemos concluir que o mutirão é uma convenção consuetudinária de trabalho, sinalagmática, onerosa, `sui generis´, tendo por fundamento o solidarismo humano.” (Freitas Marcondes, 1949, 112). Além desse, outros exemplos também poderiam ser perfilados. A respeito do enquadramento jurídico do “faxinal”, no Estado do Paraná, ver: Gevaerd Filho (1986).

Para Warat, “a expressão “senso comum teórico dos juristas” designa as condições implícitas de produção, circulação e consumo das verdades nas diferentes práticas de enunciação e escritura do Direito. Trata-se de um neologismo proposto para que se possa contar com um conceito operacional que sirva para mencionar a dimensão ideológica das verdades jurídicas.” (Warat, 1994, 13).

Miaille (1994, 37-42).

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Em que pese à necessidade de uma análise mais rigorosa de como tem sido a “participação” nos processos judiciais em curso no Supremo Tribunal Federal, observa-se que esse Tribunal mudou de posição, pois tem se empenhado em assumir um papel mais ativo, quando da apreciação de questões políticas de ampla repercussão nacional. Trata-se de uma preocupação coadunada a uma tendência na ordem jurídica mundial. Ela se relaciona à necessidade de criar procedimentos que possibilitem um maior número de subsídios para fundamentar as decisões. O julgamento das células tronco, por exemplo, levou a realização da primeira audiência pública na história do STF para discutir esse tema (Folha de São Paulo, 10 de agosto de 2008. A12).

Silva (2007, 143).

De forma antagônica as reflexões de Silva, onde o direito assume posição central na resolução dos conflitos, temos a postura de Wald e Martins, que buscam afastar esse papel. Para esses autores: “enquanto o processo judicial é uma espécie de guerra que afasta as partes, a arbitragem tenta manter as relações entre elas de modo que possam continuar a atuar em conjunto nos contratos de longo prazo, quer como fornecedores, quer como clientes.” (Wald; Martins, 2006). Sobre a discussão da substituição dos modelos jurídicos – do modelo do conflito pelo modelo do consenso - é importante refletir as conclusões de Nader. Para essa autora, a substituição dos modelos conflitivos para os de harmonia, não significa que esse último seja benigno. O modelo de harmonia, pelo contrário, tem sido um poderoso instrumento de controle social, exatamente pelo fato de aceitarmos a harmonia como benigna (Nader, 1994).

Ranciere chama atenção para o fato de “o reino do direito é sempre o reino de um direito.” (Ranciere, 1996, 110).

Almeida enfatiza o fato de que os movimentos sociais na região Amazônica vêm se consolidando fora dos marcos tradicionais dos Sindicatos, incorporando critérios étnicos, que expressam a diversidade de formas de existência coletiva (Almeida, 2006, 21-26).

O processo vivenciado por esses grupos sociais de promover a “luta jurídica localizada” se encontra em sintonia com o conjunto de reflexões jurídicas a respeito da “democracia participativa”. Para Bonavides, trata-se de introduzir uma “nova legitimidade”, cuja base seria o cidadão (Bonavides, 2008). Aliás, para Sen, o exercício dos direitos políticos é fundamental às pessoas, no sentido de garantir a participação, a reivindicação e formulação de propostas. Os direitos políticos não são apenas fundamentais para demandar respostas políticas, mas tem um papel construtivo na “conceituação das necessidades” (Sen, 2000, 173-187).

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Embora o sistema de consulta e participação estejam previstos na Convenção n.169 da OIT, esses procedimentos não são adotados pelos diversos órgãos públicos, quando da realização de atividade que possa atingir direta ou indiretamente os povos e comunidades tradicionais. Percebe-se que os procedimentos são realizados ou não, consoante vontade do titular do órgão.

Em 10 de julho de 2007, as Comissões de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, de Direitos Humanos e Minorias e da Amazônia, Integração Nacional e de Desenvolvimento Regional realizaram uma Audiência Pública, na Câmara dos Deputados para discutir o PL n.213/ 2007, que “dispõe sobre a proteção da derrubada de palmeiras de babaçu nos estados do Maranhão, Piauí, Tocantins, Pará, Goiás e mato Grosso.”, apresentado pelo Dep. Domingos Dutra. Essa audiência somente foi realizada em virtude de um requerimento pessoal do referido deputado. O Regimento Interno da Câmara dos Deputados não consta de nenhum artigo que determine a realização de audiência pública em caso de projetos de lei que possam atingir povos e comunidades tradicionais.

Recentemente foi aprovado o PL n.231/ 2007, no Estado do Tocantins, que “dispõe sobre a proibição da queima, derrubada e do uso predatório das palmeiras de babaçu e adota outras providências.” Em 2007, a “rede puxirão”, no Estado do Paraná, conseguiu após a realização de uma audiência pública, a aprovação do Projeto de Lei n.477/ 07, que “dispõe sobre o Sistema Faxinal e o processo de reconhecimento dos faxinalenses no Estado do Paraná.”

Em Curitiba, os ciganos da Associação de Preservação da Cultura Cigana (APRECI) conseguiram da Prefeitura Municipal a outorga de permissão e uso de uma área para a implementação do Memorial da Cultura Cigana, segundo o Decreto n.889/ 2004. É interessante observar que o art.6 do referido Decreto determina a vigência do contrato por um período de 90 (noventa) dias, período exíguo se levado em consideração os objetivos contidos no Decreto. Na verdade, o então Prefeito Municipal “empurrou” o problema para o próximo prefeito, que deverá adotar as medidas jurídicas, em função do termino do contrato.

No âmbito desse processo, vale destacar o Decreto de 27 de dezembro de 2004, que “cria a Comissão Nacional de Desenvolvimento Sustentável das Comunidades Tradicionais e dá outras providências”; e o Decreto n.6.040, de 7 de fevereiro de 2007, que “institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais.”

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Na Comarca de São Luís Gonzaga, no Estado do Maranhão, o MP do Estado propôs uma ação civil pública, com pedido de liminar, proibindo a derrubada de palmeiras de babaçu. Tal ação originou-se de uma representação da Secretaria da Mulher do Sindicato de Trabalhadores Rurais de São Luís Gonzaga.

No Estado do Paraná, a partir de representações formuladas pelos faxinalenses junto ao Ministério Público do Estado, foram propostas duas ações civis públicas, com pedido de liminar, proibindo o cercamento de uma parte da área do faxinal. No “Seminário de Direitos Étnicos e Coletivos”, que foi realizado na sede da Fundação Escola do Ministério Público do Estado do Paraná, entre os dias 19-20 de agosto de 2008, o representante do MP se dispôs atuar conjuntamente na defesa dos direitos dos povos e comunidades tradicionais do Estado.

A prática de elaborar e propor dispositivos legais têm sido utilizados indistintamente em função de interesses diversos, que nem sempre estão explicitados. Na cidade de Manaus, determinados indivíduos que se autodefinem “caboclos” conseguiram aprovação de dois projetos de lei, no âmbito municipal e estadual (Lei n. 3.140, de 28 de junho de 2007), instituindo o “dia do caboclo”, que é comemorado em 24 de junho. É interessante observar que a designação “caboclo”, reivindicada enquanto critério de identidade, é utilizada para reforçar o poder de determinados políticos conservadores da região.

Tem-se observado uma preocupação dos movimentos sociais, portadores de identidade, em ocupar os espaços do legislativo municipal. Tal preocupação se faz presente em vários segmentos sociais. Segundo levantamento divulgado pela Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), pelo menos 134 candidatos nas eleições deste ano se declaram gays, lésbicas, travestis ou aliados do movimento (Folha de São Paulo, 16 de agosto de 2008. p.A6).

A presente reflexão fez um recorte proposital, priorizando uma leitura a partir das questões jurídicas. Este período é marcado por um intenso processo de mobilização política dos trabalhadores rurais em torno da Reforma Agrária.

No âmbito de atuação do Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB) existem pelo menos 14 (quatorze) leis aprovadas, que tratam de regulamentar o acesso e uso das palmeiras de babaçu. Ver: Shiraishi Neto (2006).

Vale destacar, também, a Lei n. 145, de 11 de dezembro de 2002, que “dispõe sobre a co-oficialização das Línguas Nheêngatu, Tukano, Baniwa à Língua Portuguesa, no município de São Gabriel da Cachoeira, Estado do Amazonas. A esse respeito, consultar Almeida (2007).

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A Câmara Municipal de Antonio Gonçalves, no Estado da Bahia, aprovou o projeto de lei n.04/ 2005, “que cria a lei de licuri livre ou lei do ouricuri, sua preservação, extrativismo e comercialização.” É copiosa os projetos e as leis aprovadas pela “rede puxirão”, no Estado do Paraná.

A esse respeito, é interessante observar os projetos de lei, que foram apresentados e aprovados nas Câmaras Municipais pelas chamadas quebradeiras de coco babaçu. O grau de organização e mobilização está expresso no conteúdo da lei aprovada, enquanto a Lei de Lago do Rodrigues garante o livre acesso e uso, a de Praia Norte, condiciona. A título de exemplo, comparar o artigo 1° da Lei n.32/ 1999, do município do Lago do Rodrigues, no Estado do Maranhão, com o artigo 1° da Lei n.49/ 2003, do município de Praia Norte, Estado do Tocantins. Artigo 1° da Lei n.32/ 1999: “ As palmeiras de babaçu existentes no município de Lago dos Rodrigues, Estado do Maranhão, são de livre acesso e uso das populações extrativistas que as exploram em regime de economia familiar e comunitária.” G.N Artigo 1 ° da Lei n.49/ 2003: “As palmeiras de coco babaçu existentes no Município de Praia Norte – TO, serão de propriedades e responsabilidades dos proprietários das terras, e na medida do possível poderão ser exploradas pelas quebradeiras de coco babaçu e suas famílias, que deverão explorar em regime de economia familiar e comunitária, ficando a efetivação de caeiras dentro das terras de particulares , e caso destas vierem a existir danos aos pastos e à natureza, os responsáveis pela tragédia, juntamente com o segmento organizado ao qual pertence, deverão ser punidos nos termos da lei.” G.N