nota ii profundamente manuel bandeira 27.02.12

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ANÁLISE DA ESTRUTURA E CONTEÚDO DOS POEMAS Soneto De Separação (Vinícius de Moraes)= Forma fixa: Soneto (2 quartetos e 2 tercetos) De/ re/pen/te/ do/ ri/so/ fez/-se o/ pran/(to) A Si/len/ci/o/so e/ bran/co/ co/mo a/ bru/(ma) B E/ das/ bo/cas/ u/ni/das/ fez/-se a es/pu/(ma) B E/ das/ mãos/ es/pal/ma/das/ fez/-se o es/pan/(to) A De/ re/pen/te/ da/ cal/ma/ fez/-se o/ ven/to Que/ dos/ o/lhos/ des/fez/ a úl/ti/ma/ cha/ma E /da/ pai/xão/ fez/-se o/ pres/sen/ti/men/to E/ do/ mo/men/to i/mó/vel/ fez/-se o/ dra/ma De/ re/pen/te/ não/ mais/ que/ de/ re/pen/te Fez/-se /de/ tris/te o/ que/ se/ fez/ a/man/te E/ de/ so/zi/nho o/ que/ se/ fez/ con/ten/te Fez/-se/ do a/mi/go/ pró/xi/mo/, dis/tan/te Fez/-se/ da/ vi/da u/ma a/ven/tu//ra er/ran/te De/ re/pen/te/, não/ mais/ que/ de/ re/pen/te. Versos decassílabos (medida nova); tradicionais. ABBA: interpoladas/opostas. (disposição) A (pranto/espanto)= rima pobre (qualidade); B (bruma/espuma)=pobre Quanto à tonicidade= graves/femininas paroxítona) Diferenciar sílabas gramaticais de sílabas métricas/poéticas. Decassílabos/10 sílabas métricas/Medida nova. Plano de conteúdo: temática da separação e o sofrimento do eu lírico em relação à pessoa amada.

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Page 1: Nota ii profundamente manuel bandeira 27.02.12

ANÁLISE DA ESTRUTURA E CONTEÚDO DOS POEMAS

Soneto De Separação (Vinícius de Moraes)=

Forma fixa: Soneto (2 quartetos e 2 tercetos)

De/ re/pen/te/ do/ ri/so/ fez/-se o/ pran/(to) A

Si/len/ci/o/so e/ bran/co/ co/mo a/ bru/(ma) B

E/ das/ bo/cas/ u/ni/das/ fez/-se a es/pu/(ma) B

E/ das/ mãos/ es/pal/ma/das/ fez/-se o es/pan/(to) A

De/ re/pen/te/ da/ cal/ma/ fez/-se o/ ven/to

Que/ dos/ o/lhos/ des/fez/ a úl/ti/ma/ cha/ma

E /da/ pai/xão/ fez/-se o/ pres/sen/ti/men/to

E/ do/ mo/men/to i/mó/vel/ fez/-se o/ dra/ma

De/ re/pen/te/ não/ mais/ que/ de/ re/pen/te

Fez/-se /de/ tris/te o/ que/ se/ fez/ a/man/te

E/ de/ so/zi/nho o/ que/ se/ fez/ con/ten/te

Fez/-se/ do a/mi/go/ pró/xi/mo/, dis/tan/te

Fez/-se/ da/ vi/da u/ma a/ven/tu//ra er/ran/te

De/ re/pen/te/, não/ mais/ que/ de/ re/pen/te.

Versos decassílabos (medida nova); tradicionais.

ABBA: interpoladas/opostas. (disposição)

A (pranto/espanto)= rima pobre (qualidade); B (bruma/espuma)=pobre

Quanto à tonicidade= graves/femininas paroxítona)

Diferenciar sílabas gramaticais de sílabas métricas/poéticas.

Decassílabos/10 sílabas métricas/Medida nova.

Plano de conteúdo: temática da separação e o sofrimento do eu lírico em relação à

pessoa amada.

Page 2: Nota ii profundamente manuel bandeira 27.02.12

PROFUNDAMENTE (MANUEL BANDEIRA) Versos livres (diferentes métricas)

Ver página 21/livro didático.

Quan/do on/tem/ a/dor/me/ci (7 sílabas métricas) Redondilha maior/heptassílabo.

Na/ noi/te/ de/ São/ Jo/ão/ (7 sílabas métricas) Medida velha

Ha/via a/le/gri/a e/ ru/mor/ (7 sílabas métricas)

Vo/zes/ can/ti/gas/ e/ ri/sos (7 sílabas métricas)

Ao/ pé/ das/ fo/guei/ras/ a/ce/(sas). (8 sílabas métricas) octossílabo

No/ me/io/ da/ noi/te/ des/per/tei/(9 sílabas métricas) (eneassílabo)

Não/ ou/vi/ mais/ vo/zes/ nem/ ri/(sos) (8 sílabas métricas)

A/pe/nas/ ba/lões/ (5 sílabas métricas)/ Redondilha menor/pentassílabo/ Medida velha

Pas/sa/vam/ er/ran/(tes) (5 sílabas métricas)/ Redondilha menor

Si/len/cio/sa/men/(te)

A/pe/nas/ de/ vez/ em/ quan/(do)

O/ ruí/do/ de um/ bon/(de)

Cor/ta/va o/ si/lên/(cio)

Co/mo um/ tú/(nel). (trissílabo)

On/de es/ta/vam/ os/ que há/ pou/(co)

Dan/ça/(vam) (dissílabo)

Can/ta/(vam)

E/ ri/(am)

Ao/ pé/ das/ fo/guei/ras/ a/ce/(sas)?

— Estavam todos dormindo

Estavam todos deitados

Dormindo

Pro/fun/da/men/(te). (Tetrassílabo)

Quando eu tinha seis anos

Não pude ver o fim da festa de São João

Porque adormeci.

Page 3: Nota ii profundamente manuel bandeira 27.02.12

Hoje não ouço mais as vozes daquele tempo

Minha avó

Meu avô

Totônio Rodrigues

Tomásia

Ro/(as) (monossílabo)

On/de es/tão/ to/dos/ e/(les)? (hexassílabos)

— Estão todos dormindo

Estão todos deitados

Dormindo

Profundamente.

Meninos carvoeiros

Os meninos carvoeiros

Passam a caminho da cidade.

Page 4: Nota ii profundamente manuel bandeira 27.02.12

— Eh, carvoero!

E vão tocando os animais com um relho1 enorme.

Os burros são magrinhos e velhos.

Cada um leva seis sacos de carvão de lenha.

A aniagem2 é toda remendada.

Os carvões caem.

(Pela boca da noite3 vem uma velhinha que os recolhe, dobrando-se com um gemido.)

— Eh, carvoero!

Só mesmo estas crianças raquíticas

Vão bem com estes burrinhos descadeirados.

A madrugada ingênua parece feita para eles . . .

Pequenina, ingênua miséria!

Adoráveis carvoeirinhos que trabalhais como se brincásseis!

—Eh, carvoero!

Quando voltam, vêm mordendo num pão encarvoado,

Encarapitados nas alimárias,

Apostando corrida,

Dançando, bamboleando nas cangalhas como espantalhos desamparados.

Petrópolis, 1921

ABORDAGEM DO EU EMOTIVO DO AUTOR

1Chicote.

2 Sacos feitos com material de aniagem, derivado do sisal.

3Catacrese= figura de linguagem.

Page 5: Nota ii profundamente manuel bandeira 27.02.12

“Profundamente, é uma construção poética emotiva”.

Defendendo a afirmação acima, estabeleceremos uma abordagem técnica e estrutural,

utilizando-se das formas morfossintáticas do poema Profundamente. A abordagem irá nos revelar

o nível e a intensidade da emoção disfarçada, num jogo sutil de construção própria de Manuel

Bandeira. Observando sua tendência a ocultar o “eu autor”, iremos localiza-lo além das formas

tradicionais da gramática normativa, dentro de uma gramática mais ousada e criativa.

Utilizaremos a gramática histórica, através da filologia, para atender uma essência emotiva - ou

utilizaremos a gramática estrutural, o aspecto dos verbos, para atingir a essência criativa das

formas.

Nos deixaremos envolver pela busca incessante do autor em ampliar o sentido das

palavras utilizadas. Assim, pretendemos atingir o novo conjunto de sentidos oferecidos pelo

“Profundamente”, as emoções trazidas pelas ligações emocionais das personagens no contexto

do “eu autor“ de forma latente e disfarçada.

Tentaremos desvendá-lo a cada instante do poema, do presente ao passado, uma volta no

túnel do tempo das emoções. Sua criatividade estará mais acessível, quando desmontarmos suas

estruturas de construção. Um caminho que Bandeira esperava que fosse percorrido pelos seus

leitores.

Profundamente

Verso 1 Quando ontem adormeci

Verso 2 Na noite de São João

Verso 3 Havia alegria e rumor

Verso 4 Estrondos de bombas luzes de Bengala

Verso 5 Vozes cantigas e risos

Verso 6 Ao pé das fogueiras acesas.

Verso 7 No meio da noite despertei

Verso 8 Não ouvi mais vozes nem risos

Verso 9 Apenas balões

Verso 10 Passavam errantes

Verso 11 Silenciosamente

Verso 12 Apenas de vez em quando

Verso 13 O ruído de um bonde

Verso 14 Cortava o silêncio

Verso 15 Como um túnel.

Verso 16 Onde estavam os que há pouco

Verso 17 Dançavam

Verso 18 Cantavam

Verso 19 E riam

Verso 20 Ao pé das fogueiras acesas?

Verso 21 - Estavam todos dormindo

Verso 22 Estavam todos deitados

Verso 23 Dormindo

Page 6: Nota ii profundamente manuel bandeira 27.02.12

Verso 24 Profundamente

***

Verso 25 Quando eu tinha seis anos

Verso 26 Não pude ver o fim da festa de São João

Verso 27 Porque adormeci

Verso 28 Hoje não ouço mais as vozes daquele tempo

Verso 29 Minha avó

Verso 30 Meu avô

Verso 31 Totonio Rodrigues

Verso 32 Tomásia

Verso 33 Rosa

Verso 34 Onde estão todos eles?

Verso 35 - Estão todos dormindo

Verso 36 Estão todos deitados

Verso 37 Dormindo

Verso 38 Profundamente.

( Manuel Bandeira – Estrela da Vida Inteira – Libertinagem )

SOBRE O PROFUNDAMENTE

Poema dividido em 5 estrofes. Na 1ª estrofe, com a indeterminação dos referentes

contextuais. Parece querer deixar um hiato de indefinição e mistério. Tempo de uma noite de São

João, ou um “ontem adormeci”; deixa escapar sua técnica de se remeter a mais de um referente,

ou melhor, de se colocar à parte da história, mesmo sendo o “eu” em questão, um “eu” que se

arrepende às vezes de sentir se num “profundamente”. O lugar de viagem bem que poderia ser

“bombas luzes de Bengala”, mas é o menos identificado pé das fogueiras acesas. Tudo parece

funcionar como uma apresentação vaga de sentimento, um despertar para o profundo, que incerto

viria.

Verso 1 Quando ontem adormeci

Verso 2 Na noite de São João

Verso 3 Havia alegria e rumor

Verso 4 Estrondos de bombas luzes de Bengala

Page 7: Nota ii profundamente manuel bandeira 27.02.12

Verso 5 Vozes cantigas e risos

Verso 6 Ao pé das fogueiras acesas.

a) Do verso 7 ao verso 20, o “eu autor” identifica-se melhor, mas como o silêncio.

Verso 8 Não ouvi mais vozes nem risos

Verso 11 Silenciosamente

Verso 14 Cortava o silêncio

Verso 15 Como um túnel.

A busca, a procura das pessoas, que cantavam, dançava e ria, domina esse trecho.

Verso 16 Onde estavam os que há pouco

Verso 17 Dançavam

Verso 18 Cantavam

A forma verbal “despertei”, identifica o “eu autor” e o enunciado que perdura num tempo

psicológico e não cronológico, contínuo.

Verso 7 No meio da noite despertei

Ainda mais no advérbio de modo “silenciosamente”, remetido ao estado psíquico do “eu autor”

(silêncio na mente). O “eu autor“ deseja ver terminada essa interrogação. Expressa um desejo de

rever as pessoas, as quais ele menciona não ouvir mais vozes, nem risos. O que significa, que

ausência não termina.

Verso 11 Silenciosamente

Verso 8 Não ouvi mais vozes nem risos

Verso 14 Cortava o silêncio

Verso 15 Como um túnel.

b) Do verso21 ao 24 , a palavra “dormindo” é percebida como núcleo dos sentidos. Com

duas repetições:

Verso 21 - Estavam todos dormindo

Verso 23 Dormindo

Versos que mostram dois sentidos – no verso 21, há uma coligação verbal forte para criar uma

continuidade. No verso 23 – será acentuada pelo advérbio de intensidade “profundamente” – que

remete a forte emoção do “eu autor”.

c) Do verso 25 ao 27, conseguimos identificar um tempo passado, uma informação da

idade do autor no túnel do tempo: “Quando eu tinha seis anos”.

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Verso 25 Quando eu tinha seis anos

Verso 26 Não pude ver o fim da festa de São João

Verso 27 Porque adormeci

Um fato o impedirá de ver o fim da festa de São João, o fato de ter adormecido. A dor em si -

adormeci. A forma verbal desmembrada significa a emoção ocultada do “eu autor”, um sentido

guardado e escondido no jogo de inversão.

d) Do verso 28 ao 38, o “eu autor” define o que ainda não foi contado. Enumera as

pessoas, e emplaca a interrogação sobre as pessoas e os destinos delas, mas responde no último

verso de maneira dúbia: sono ou morte?

Verso 28 Hoje não ouço mais as vozes daquele tempo

Verso 29 Minha avó

Verso 30 Meu avô

Verso 31 Totônio Rodrigues

Verso 32 Tomásia

Verso 33 Rosa

Verso 34 Onde estão todos eles?

Verso 35 - Estão todos dormindo

Verso 36 Estão todos deitados

Verso 37 Dormindo

Verso 38 Profundamente.

ABORDAGEM DADA ÀS EXPRESSÕES

NO POEMA PROFUNDAMENTE

Além dos cuidados com o advérbio “profundamente”, consideramos o advérbio “apenas”.

Nos versos 9 e 12, estão sinalizando uma reunião de palavras, que segmentadas, revelam um

sentimento do “eu autor”.

Verso 9 Apenas balões

Apenas balões, a-pena-s. É pena que sejam só balões

Verso 12 Apenas de vez em quando

Verso 13 O ruído de um bonde

OD

Apenas de vez em quando (surge) o ruído de um bonde. É pena que seja só o ruído

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VTD

de um bonde.

Essa segmentação do advérbio apenas irá reforçar o sentido de “silenciosamente,

Verso 11 Silenciosamente

Um sentido de desagrado emocional, ao ficar o silêncio na mente. Junte-se a ele a interrogação

do verso 20,

Verso 20 Ao pé das fogueiras acesas?

Um sabor de desagrado e solidão.

“Apenas” modifica a palavra “balões”. Os balões parecem expressar os recursos dos

gibis, os balões de pensamento com espaços vazios, um vaguear da memória por tempos

passados.

O outro “apenas” funciona sobre o OD – objeto direto – o ruído é qualificado a um

actante, quando se esperava escutar uma voz, não um desapontamento.

Entre os versos 7 e 20, o autor irá colocar o silêncio interior, que se fará entendido como

solidão. Temos como conseqüência o advérbio silenciosamente, a mesma situação, já

mencionada, de intensidade psíquica (um silêncio que percorre a mente).

Nos versos 21 ao 24, as pessoas que “estavam dormindo” - podem muito bem ser as

mesmas das “Vozes cantigas e risos” – ou as que “dançavam e riam”. Na primeira e segunda

estrofe encontramos o mote “Ao pé das fogueiras acesas” com a sutil diferença da interrogação

na segunda estrofe. Esse mote conclui a quem remetem, às mesmas pessoas e às mesmas festas.

Pessoas que são a razão de aprofundar-se na mente em busca de lembranças.

Do verso 15 “Como um túnel” - é o marco de evidência da viagem nos tempos. Vemos no

versos 16 a 24, especificamente, o intervalo entre 21 e 24. Somos remetidos à forma verbal do

Pretérito Imperfeito, que nos transporta com os personagens à época passada, descrevendo o que

então fora contexto de festa e alegria. É o tempo de uma ação prolongada ou repetida com

limites imprecisos. Nada esclarece sobre a ocasião em que ação iria terminar, ou nada informa do

momento inicial.

Verso 16 Onde estavam os que há pouco

Verso 17 Dançavam

Verso 18 Cantavam

Verso 19 E riam

Verso 21 - Estavam todos dormindo

Verso 22 Estavam todos deitados

O que acontece com essas pessoas, entre os versos 21 e 24, estavam dormindo. Estavam

dormindo? Deitados eternamente? O que há nesse ato de expressão, no primeiro “dormindo”

sucedido por deitado, há um paralelo que se une com àquelas pessoas. O segundo “dormindo”

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recebe o “profundamente” na seqüência. A expressividade de um sentimento mais forte, já vista

com o advérbio apenas. E nessa forma gramatical se descobre a relação de intensidade do “eu

autor” com as pessoas dormindo profundamente. O que insere o autor no poema definitivamente

é a pontuação de travessão, um discurso direto.

Verso 21 - Estavam todos dormindo

Ou pelo desmembramento de “dormindo”

Dor em mim dos que estavam deitados eternamente.

Predominância do Presente do Indicativo entre os versos 28 ao 38, o tempo do enunciado,

o aqui e o agora. “Hoje”, localiza o poema na sua segunda parte. Ainda que dos versos 25 ao 27

localizamos a lembrança do “eu autor” da festa de São João, a época em que remonta a memória,

a primeira parte. Na sua última derivação do verbo dormir, a forma “adormeci”, não tem como

provar que nessa forma disfarçada o autor reedita sua dor, mas temos o contexto pragmático –

atos de palavras: o ato de prometer rever aquelas pessoas ou o ato de lembrar daquelas pessoas -

prova que é essa a sua dor - a ausência daqueles da noite de São João e sua prolongada solidão

no sono dos vivos. A perda da festa, já que não poderá ser restituída – não inteiramente

aproveitada no passado – no futuro, agora presente.

Verso 1 Quando ontem adormeci

Verso 27 Porque adormeci

Ficaria assim o jogo, a brincadeira de Bandeira:

A - dor – me – ci.

<

A – dor – em – si.

Os versos da segunda parte, 28 ao 38, revelam quem são as pessoas tão cantadas na

primeira parte. A razão de tamanha dor expressa, uma falta que se mede com o tempo e a

intensidade. A forma verbal nos dará uma ação habitual, constante, não um fato real. Uma

verdade que o “eu autor” não quer nos colocar, “eles estão mortos!”. Aí está a razão do uso da

dor, ela expressa no conjunto do poema a perda pela morte das pessoas amadas. Utilizará a forma

“estão deitados, dormindo profundamente”.

PROFUNDAMENTE

Mente: figurava como um substantivo em latim.

Profundus, -a, -um: profundo, adjetivo

Segue o exemplo de “intrepidamente”:

- em latim: intrépida mente respondeo

Mente: ânimo, subst.

Intrepidus,a,um: intrépido, corajoso, adj.

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Respodeo -es, ere, spondi, sponsum: responder, verb.

Respondo com ânimo intrépido, respondo intrepidamente.

Dor com ânimo profundo, Dor em mim profundamente.

SONORIDADE DO PROFUNDAMENTE

A predominância dos sons sibilantes e nasais sobre as oclusivas, deixa ver no poema a

face do “eu autor”, caracterizando a revelação nos certos cuidados. Colocar-se para fora de si

numa respiração contida. Pressionada nas fossas nasais e na constrição das consoantes lábios

dentais - percebida durante a sonorização e a expiração pouco livre do ser. Um sopro sofrível de

vida para fora, terminando com o expelir forte do ar da vida na explosão das oclusivas.

Em todo o poema

Sibilantes: 70 ocorrências (constrição, tentar reter-se denotando cuidados).

Oclusivas: 105 ocorrências (bater, movimentos denota ação o agir).

Nasais: 79 ocorrências (profundidade, anteparo nasal, caixa de ressonância interna, interioridade,

estado da paixão).

PÉS RITMICOS DO PROFUNDAMENTE

Os pés rítmicos não buscam uma seqüência, mas uma alternância, algo que variavelmente quer

se desfazer. Há ocorrência de versos longos, médios e curtos. Os longos, ricos em expressão - os

curtos, quase um bloqueio da emoção. Como no verso 33:

Verso 33 Rosa

_/ 1/2pé

Esse verso 13 não chega a concluir um pé rítmico. E os médios, quando o “eu autor”

parece querer estabelecer uma regularidade de verso para verso, entre os versos 9 e 16.

Verso 9 Apenas balões

_ _/ _, _ _/. 2pés

Verso 10 Passavam errantes

_ _/ _, _ _/. 2pés

Verso 11 Silenciosamente

_ _/ _, _ _/. 2pés

Verso 12 Apenas de vez em quando

_ _/ _, _ _/,_ _/. 3pés

Page 12: Nota ii profundamente manuel bandeira 27.02.12

Verso 13 O ruído de um bonde

_ _/ _, _ _/. 2pés

Verso 14 Cortava o silêncio

_ _/ _, _ _/. 2pés

Verso 15 Como um túnel.

_ _ _/. 1pé

Verso 16 Onde estavam os que há pouco

_ _ _/, __ _/,_ _/. 3pés

Tudo isso está acontecendo como se fosse um movimento de memória, que ora tem

grandes momentos de recordação, e ora grandes bloqueios e um equilíbrio retomado no final.

Essa trava é maior na lembrança de Rosa, sua irmã, aquela que cuidara de sua tuberculose,

aquela que ele viria a falecer antes de si. Dá-se a essa irregularidade expressiva, o sentimento

exposto da primeira parte, o estado de dor, simbolizado pelo verbo dormir, e pelo profundamente

na segunda parte.

“Dor em mim, dor profunda, dor mais intensa ainda, dor profundamente, dor profunda que se

anima com as recordações de Rosa e todos os outros”.