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ARTIGO ARTICLE 1431 1 Escola Nacional de Saúde Pública, Fiocruz. Av. Leopoldo Bulhões 1480/ 724, Manguinhos. 21041-210 Rio de Janeiro RJ. [email protected] O mix público-privado no Sistema de Saúde Brasileiro: financiamento, oferta e utilização de serviços de saúde The public-private mix in the Brazilian Health System: financing, delivery and utilization of health services Resumo O artigo analisa o mix público-privado do sistema de saúde brasileiro a partir da oferta, utilização e financiamento dos serviços de saúde. Contempla os subsídios públicos para o setor pri- vado. Trata-se de um estudo quantitativo, basea- do em dados secundários provenientes de bases de dados oficiais. Mostra que existem desigualdades na oferta e na utilização de serviços em prol da população com plano de saúde, em decorrência da peculiar inserção do setor suplementar, que ofere- ce cobertura suplementar e duplicada ao sistema público (SUS), sem desconsiderar que outros fa- tores podem determinar o uso de serviços de saúde e aumentar as desigualdades. A análise é feita com base na tipologia de mix público-privado desen- volvida pela OECD em 2004, que auxilia a com- preensão das desigualdades que ocorrem em cada tipo de mix, e mostra que as que ocorrem no siste- ma de saúde brasileiro se dão pelo fato de a cober- tura de serviços ofertados pelo segmento de seguro privado ser duplicada à cobertura de serviços do SUS. Ainda, as desigualdades verificadas no siste- ma de saúde brasileiro ocorrem num sistema de saúde em que o financiamento público ao SUS é minoritário e existem grandes subsídios públicos para o setor privado. Palavras-chave Mix público-privado, Sistema de saúde, Cobertura duplicada, Seguro suplemen- tar, Financiamento, Utilização de serviços Abstract This paper analyzes the public-private mix in the Brazilian Health System from the per- spective of health care delivery, utilization and financing. Moreover, this quantitative study based on secondary data from official databases contem- plates the subsidies granted by the government to the private sector. It shows the existence of some inequalities favoring the population having pri- vate health plans, a result of the peculiar partici- pation of the private sector in the Brazilian Health System not only offering supplementary care but duplicating the coverage offered by the public sys- tem (called SUS). The analysis is made on the ba- sis of the classification of public-private mix in Health Systems developed by the OECD in 2004, that helps understanding the kinds of inequalities occurring in each type of public-private mix. The inequalities that occur in the Brazilian system must be understood as the result of the duplicated coverage offered by the private market and of the weak public funding for the SUS while granting important subsidies to the private sector. Key words Public-private mix, Brazilian health system, Duplicated coverage, Supplementary healthcare, Financing, Utilization of health care Isabela Soares Santos 1 Maria Alicia Dominguez Ugá 1 Silvia Marta Porto 1

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Artigo sobre financiamento do SUS

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1 Escola Nacional de SaúdePública, Fiocruz. Av.Leopoldo Bulhões 1480/724, Manguinhos.21041-210 Rio de JaneiroRJ. [email protected]

O mix público-privado no Sistema de Saúde Brasileiro:financiamento, oferta e utilização de serviços de saúde

The public-private mix in the Brazilian Health System:financing, delivery and utilization of health services

Resumo O artigo analisa o mix público-privadodo sistema de saúde brasileiro a partir da oferta,utilização e financiamento dos serviços de saúde.Contempla os subsídios públicos para o setor pri-vado. Trata-se de um estudo quantitativo, basea-do em dados secundários provenientes de bases dedados oficiais. Mostra que existem desigualdadesna oferta e na utilização de serviços em prol dapopulação com plano de saúde, em decorrência dapeculiar inserção do setor suplementar, que ofere-ce cobertura suplementar e duplicada ao sistemapúblico (SUS), sem desconsiderar que outros fa-tores podem determinar o uso de serviços de saúdee aumentar as desigualdades. A análise é feita combase na tipologia de mix público-privado desen-volvida pela OECD em 2004, que auxilia a com-preensão das desigualdades que ocorrem em cadatipo de mix, e mostra que as que ocorrem no siste-ma de saúde brasileiro se dão pelo fato de a cober-tura de serviços ofertados pelo segmento de seguroprivado ser duplicada à cobertura de serviços doSUS. Ainda, as desigualdades verificadas no siste-ma de saúde brasileiro ocorrem num sistema desaúde em que o financiamento público ao SUS éminoritário e existem grandes subsídios públicospara o setor privado.Palavras-chave Mix público-privado, Sistemade saúde, Cobertura duplicada, Seguro suplemen-tar, Financiamento, Utilização de serviços

Abstract This paper analyzes the public-privatemix in the Brazilian Health System from the per-spective of health care delivery, utilization andfinancing. Moreover, this quantitative study basedon secondary data from official databases contem-plates the subsidies granted by the government tothe private sector. It shows the existence of someinequalities favoring the population having pri-vate health plans, a result of the peculiar partici-pation of the private sector in the Brazilian HealthSystem not only offering supplementary care butduplicating the coverage offered by the public sys-tem (called SUS). The analysis is made on the ba-sis of the classification of public-private mix inHealth Systems developed by the OECD in 2004,that helps understanding the kinds of inequalitiesoccurring in each type of public-private mix. Theinequalities that occur in the Brazilian systemmust be understood as the result of the duplicatedcoverage offered by the private market and of theweak public funding for the SUS while grantingimportant subsidies to the private sector.Key words Public-private mix, Brazilian healthsystem, Duplicated coverage, Supplementaryhealthcare, Financing, Utilization of health care

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Introdução

A discussão sobre os modelos de sistemas de saú-de vem ganhando novos contornos, após as di-versas reformas que, desde os anos noventa, vêmsendo implementadas tanto nos países europeuscomo nos países periféricos. Estas, embora comobjetivos formais e formatos finais distintos,derivaram, todas, do tratamento do gasto emprogramas sociais (entre os quais, o da saúde)como instrumento do ajuste macroeconômico,como mostrou Ugá1. Elas resultaram na intro-dução de mudanças marginais nos sistemas desaúde welfarianos e, diferentemente, no caso dospaíses latino-americanos, na formatação de sis-temas em muitos casos totalmente distintos dospreviamente existentes (como é o caso da Co-lômbia e do México, por exemplo).

Na maior parte dos casos, o que se observaatualmente é o distanciamento dos modelos ti-dos como “tipos ideais” (no sentido weberiano)de sistemas de saúde. Não existem hoje – com aexceção de pouquíssimos países – sistemas quese enquadrem no formato “puro” de um dos trêstipos clássicos, isto é, de sistema nacional de saú-de (com prestação exclusivamente estatal e finan-ciamento exclusivamente por tributos), de siste-ma pertencente ao seguro social (com financia-mento exclusivamente efetuado por meio de con-tribuições sobre folha de salário) e de sistema desaúde liberal (baseado apenas nas forças de mer-cado). Existem, sim, sistemas de saúde mistos,que mesclam elementos da esfera pública e daprivada, tanto no âmbito da prestação de servi-ços, como no do financiamento dos mesmos.

Deve-se observar, entretanto, que o formatofinal desses sistemas resulta da própria históriada construção dos mesmos. No que diz respeitoao caso brasileiro, o processo iniciado pelo movi-mento da reforma sanitária, que culminou comas teses defendidas e aprovadas na VIIIª Conferên-cia Nacional de Saúde, de 1986, resultou, na Cons-tituição Federal de 1988, na opção por um mode-lo inspirado nos sistemas nacionais de saúde deacesso universal e integral. Entretanto, na realida-de, já existia um setor privado robusto, tanto nocampo da prestação de serviços (com um parquehospitalar predominantemente privado), comono que tange ao asseguramento privado (por meiode seguradoras e operadoras de planos privadosde saúde, que detêm nada menos que 45,9 mi-lhões de clientes (março de 2007) 2.

Este artigo tem por objetivo analisar o for-mato peculiar do sistema de saúde brasileiro,fundado como sistema nacional de saúde que,

entretanto, apresenta uma estrutura fortementemoldada na participação do setor público e doprivado, herdada do modelo anterior.

Marco conceitual

É particularmente útil para a compreensão donosso sistema de saúde o marco conceitual de-senvolvido pela Organização de Cooperação parao Desenvolvimento Econômico (OECD), em20043-5 e sustentado por diversos autores 6-9, quediz respeito à forma em que se insere o seguroprivado no sistema de saúde: suplementar, subs-titutivo, complementar ou primário.

No primeiro caso, o seguro privado comer-cializa planos de saúde que oferecem serviços jácobertos pelo sistema público de cunho univer-sal ou pelo seguro social de adesão compulsória.O que caracteriza essa forma de inserção do se-guro privado é, portanto, a cobertura duplicadade serviços de saúde que dele decorre. Isso nãoimpede que, em alguns casos, o seguro privadosuplementar ofereça alguns elementos adicionais,tais como diferenciação na hotelaria, livre esco-lha de prestador e/ou acesso mais ágil que nosistema estatutário. Ele também pode eventual-mente prover alguns serviços não cobertos pelosistema estatutário e que não são consideradoscomo fundamentais para a saúde – por exem-plo, cirurgia estética. O seguro suplementar estápresente em diversos países, tais como ReinoUnido, Irlanda, Finlândia, Portugal, Espanha, Itá-lia e Grécia.

Nos casos em que o indivíduo deve optar pelosistema público ou pelo seguro privado, este atuacomo substitutivo. Ele se verifica em países comsistema de seguro social no formato posterior àsreformas dos noventa, tais como Alemanha,Holanda, Bélgica e, na América Latina, o Chile.

Ainda, o seguro privado pode ser complemen-tar ao sistema estatutário, quando as pessoas oadquirem para complementar o acesso a serviçosque não são cobertos pelo sistema estatutário, ouo são apenas parcialmente. Neste último caso, oseguro privado complementar se destina a cobrirco-pagamentos impostos pelo sistema estatutá-rio, como ocorre na França, por exemplo.

O seguro privado atua como sistema primá-rio quando ele é o elemento preponderante dosistema de saúde, como no caso estadunidense.

Nos casos onde o segmento de planos e segu-ros de saúde é suplementar (e, portanto, associa-do a uma duplicação de cobertura), importantesproblemas são introduzidos, tanto no que diz

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respeito a desigualdades no acesso a serviços desaúde10,11, como ao gasto (tendo em vista que,nesses casos, o gasto público não é inferior, emtermos de porcentagem do PIB, ao dos paísesnos quais o seguro privado está ausente), comomostram os dados da OECD12. Efetivamente, essapublicação evidencia que, por um lado, os deten-tores de esquemas privados de asseguramentocontinuam utilizando serviços públicos e que, poroutro, o seguro privado tem freqüentemente adi-cionado gasto à despesa total em saúde (e nãosubstituído o financiamento público). Além dis-so, esse segmento econômico vem recebendo, emgrande parte dos países, subsídios referentes àdedução dos gastos em seguros de saúde no im-posto de renda devido, como acontece tambémno nosso país.

Não é fortuito que, na formulação da Cons-tituição Federal brasileira de 1988, houvesse tan-tos embates em relação à denominação do seg-mento de planos privados e seguros de saúde noBrasil. Com base na tipologia da OECD13, a defi-nição de suplementar confirma o caráter incre-mental do seguro em relação ao sistema nacio-nal de saúde brasileiro constituído pelo SistemaÚnico de Saúde (SUS), cujo acesso é universal eintegral. Entretanto, uma vez consagrado que osegmento de planos e seguros de saúde ofereceserviços paralelos aos do SUS – diferenciadosapenas em termos de hotelaria e, no que tange aoacesso, da maior facilidade para agendar o aten-dimento, da maior possibilidade de escolhermedicamentos não genéricos –, verifica-se que,além da função de suplementar aos serviços doSUS, o nosso segmento de seguros privados tam-bém é duplicado quanto à cobertura de serviçosde saúde.

Como se tentará demonstrar ao longo desteartigo, a construção do sistema nacional de saúdebrasileiro a partir de uma base fortemente priva-tizada – que era a existente em 1988 – resultou emum modelo absolutamente peculiar, no qual háuma imbricação do estatal e do privado nos prin-cipais elementos estruturantes do sistema.

Este artigo analisa o mix público-privado dosistema de saúde brasileiro a partir da oferta,utilização de serviços de saúde e do financiamen-to dos mesmos, contemplando, ainda, os subsí-dios que se dão entre o Estado e o setor privadono âmbito do setor saúde.

Metodologia

Trata-se de um estudo de natureza quantitativa,baseado em dados secundários provenientes dedistintas bases de dados oficiais, que analisa omix público-privado do sistema de saúde brasi-leiro pela oferta, uso e seu financiamento. Tam-bém foram identificados subsídios cruzados doEstado para o setor privado, que complemen-tam a análise.

Assim, a oferta foi analisada pelas informa-ções da Pesquisa Assistência Médico-Sanitária(AMS) do IBGE de 2005, cujos dados estão dis-poníveis no site do IBGE. Foram observadas ascaracterísticas dos estabelecimentos de saúde ede seus equipamentos segundo a natureza jurídi-ca dos mesmos – pública ou privada – e sua rela-ção com o SUS.

Considerou-se como oferta pública os leitose equipamentos de propriedade estatal e, ainda,aqueles privados contratados e conveniados aoSUS. No que diz respeito à oferta privada, foiconsiderada exclusivamente a oferta dos servi-ços em estabelecimentos privados que não esti-vessem contratados ou conveniados ao SUS.

Para a análise da oferta pública de serviços desaúde, foram excluídas as informações relativasaos estabelecimentos públicos que atendem de-mandas de clientelas fechadas e, portanto, nãosão de acesso universal.

Esta análise toma como base populacional aestimada pelo IBGE para o ano 2005, a partir docenso (183.798.218 habitantes)14 e assume que apopulação com plano de saúde coberta em rela-ção a serviços médico-hospitalares, tendo sidoexcluídas as pessoas que possuem planos de saú-de exclusivamente odontológicos, é a informadapela ANS para dezembro daquele ano (35.151.348pessoas) 15.

As informações sobre o uso de serviços se-gundo fonte de financiamento provêm da meto-dologia desenvolvida por Porto et al. em 200616,que tomou como fonte as informações da Pes-quisa Nacional por Amostra de Domicílios(PNAD) do IBGE de 2003. Esta análise conside-rou três variáveis para dimensionar o volume etipo de serviços que as pessoas possuidoras deplano de saúde utilizaram no SUS.

A primeira variável diz respeito à posse deplano de saúde. A PNAD considera plano públi-co os serviços e planos de saúde mantidos peloEstado para clientelas fechadas (como forças ar-madas, por exemplo). Mas estes são tratadosneste trabalho como privados, tendo em vistaque o acesso aos serviços é restrito às respectivas

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clientelas desses planos. Dessa forma, conside-rou-se como população com plano de saúde osomatório de pessoas que responderam ter pla-no público ou privado na PNAD.

A segunda variável se refere ao tipo de serviçode saúde utilizado. A PNAD pergunta se o res-pondente recebeu algum atendimento nas duassemanas anteriores à entrevista e se foi internadono ano anterior. Foram considerados os atendi-mentos e as internações, por tipo. Note-se que onúmero de internações referido nos atendimen-tos difere do número de internações apresenta-do no item específico, devido às diferenças nabase temporal de observações.

A terceira variável diz respeito à fonte de fi-nanciamento dos serviços de saúde utilizados, sepelo SUS, se pelo plano ou se pelo gasto privadodireto. Como as respostas não são excludentes,optou-se pela metodologia desenvolvida por Por-to et al.16 para que as respostas sobre a fonte definanciamento do serviço de saúde possam so-mar 100%.

As informações sobre o financiamento dosserviços de saúde referem-se à fonte de financia-mento do serviço utilizado informado pelaPNAD.

No que concerne aos subsídios do Estadopara o setor privado, foram utilizadas estimati-vas da Secretaria da Receita Federal do Ministé-rio da Fazenda17 para os gastos governamentaistributários indiretos, a partir das desoneraçõestributárias para o setor saúde em 2006.

Resultados

Oferta de serviços de saúde

O ponto central desta seção é o de identificaras desigualdades na oferta existentes em um sis-tema de saúde com cobertura e prestação dupli-cadas, como no caso brasileiro. Para isso, sãoapresentadas comparações entre a rede de servi-ços ofertados pelo SUS e os disponibilizados parao atendimento dos clientes de planos e segurosprivados de saúde. Deve-se destacar que a fontede informação utilizada apresenta limitaçõesimportantes que já foram apontadas na análiseefetuada por Viacava e Bahia18 em relação à AMS/IBGE de 1999, e que se mantêm na de 2005. Comoafirmam os autores, a pesquisa exclui os consul-tórios médicos particulares que representam aprincipal oferta ambulatorial dos planos e segu-ros privados de saúde. Tampouco é possível esti-mar qual é a parcela exata da oferta de proprie-

dade privada prestadora de serviços concomi-tantemente ao SUS e aos planos e seguros de saú-de, que se destina a cada clientela. Ainda assim, épossível efetuar importantes considerações emrelação à oferta disponível de serviços de saúdeno Brasil.

A maior parte da oferta de serviços hospita-lares é de propriedade privada: 62% dos estabe-lecimentos com internação e 68% dos leitos dopaís. Uma concentração ainda maior observa-seem relação às unidades prestadoras de serviçosde apoio diagnóstico e terapêutico - SADT (92%).Contrariamente, a maior parte das unidadesambulatoriais (78%) é de propriedade estatal.Cabe lembrar que não foram contabilizados osconsultórios médicos privados.

Esses dados se referem apenas à distribuiçãoda oferta segundo a natureza jurídica do presta-dor, mas não refletem a distribuição entre a ofer-ta disponibilizada para usuários do SUS e os be-neficiários dos planos e seguros de saúde. Comona maioria dos países onde a maior parte da ofer-ta é de propriedade privada, o setor público con-trata parte desses serviços privados. Segundo aAMS/IBGE de 2005, no Brasil, 69% dos estabele-cimentos privados que contam com internação e65% dos leitos privados são contratados peloSUS. Entretanto, como foi mencionado, essesestabelecimentos também estão contratados pe-los planos e seguros privados de saúde.

Contudo, com o objetivo de inferir desigual-dades na disponibilidade de oferta entre usuári-os do SUS e beneficiários de planos e segurosprivados de saúde, assumiu-se como oferta pú-blica os leitos e equipamentos de propriedadeestatal e, ainda, aqueles privados contratados econveniados pelo SUS. Por sua vez, a oferta pri-vada considerada é exclusivamente aquela de es-tabelecimentos privados não conveniados oucontratados pelo SUS.

Sabe-se que estas definições implicam umasuperestimativa da oferta pública e uma subesti-mação da oferta privada, tendo em vista que osestabelecimentos privados que oferecem leitos aoSUS também o fazem para os planos e seguros desaúde, bem como para a demanda efetivada pelopagamento direto. Além disso, muitos leitos queoficialmente são reservados ao SUS podem, naprática, ser utilizados para pacientes privados.

A partir dessas definições, a oferta (superes-timada) de leitos SUS seria de 1,81 leitos/1.000habitantes e a oferta (subestimada) para clientesde planos e seguros privados de saúde, 2,90 lei-tos/1.000. Destaca-se ainda que, mesmo se seconsiderasse como população coberta pelo SUS

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exclusivamente a não coberta por planos e segu-ros privados de saúde, a oferta de leitos SUS (2,24leitos/1.000 habitantes) seria inferior à estimadapara a esfera privada. Este cálculo, embora ina-dequado do ponto de vista do direito universal àsaúde inerente à cidadania, é aqui apresentadoapenas com o intuito de evidenciar o grau de de-sigualdades na oferta de serviços entre o SUS e osegmento suplementar.

Analisando a oferta de equipamentos e discri-minando a oferta SUS e privada da mesma formaefetuada no caso de oferta de leitos, observa-seque, excetuando hemodiálises, a oferta disponívelpara clientes de planos e seguros de saúde é signi-ficativamente maior que a estimada como dispo-nibilizada pelo SUS no que se refere a todos osequipamentos de média e alta complexidade/altocusto (mamógrafo, litotripsor, ultra-som, tomó-grafo computadorizado, ressonância magnética,radioterapia, medicina nuclear e raio-X para he-modinâmica), como se observa na Tabela 1.

Tais dados evidenciam, portanto, que no sis-tema de cobertura duplicada existente no nossopaís, o segmento suplementar disponibiliza umaoferta de serviços hospitalares e, principalmente,de equipamentos de alta e média complexidademuito maior do que a observada no SUS.

Uso de serviços de saúdesegundo fonte de financiamento

Segundo a PNAD 2003, 24,6% da populaçãobrasileira tinham plano de saúde naquele ano.Essa cobertura duplicada introduz importantesdesigualdades na utilização de serviços, como seobserva a seguir. A Tabela 2 evidencia que a po-pulação que tem plano de saúde usa mais servi-ços de saúde que a população brasileira comoum todo. O percentual de pessoas que interna-ram no ano anterior à entrevista foi maior entreos que têm plano de saúde (8,3%) que para todaa população brasileira (7,0%) e muito superior àtaxa de internações pelo SUS (4,7%). No que dizrespeito aos atendimentos, o percentual foi de19,7% para os que tinham plano de saúde, de14,2% para toda a população brasileira e 8,1%para os financiados pelo SUS.

Ainda, evidencia a tabela que 1,3% da popu-lação que possui plano de saúde realizou inter-nações financiadas pelo SUS ou, em outras pala-vras, que 15,4% da população possuidora de pla-nos de saúde internada o foram pelo SUS.

Em Porto et al.16, evidenciou-se, ainda, que:a) Entre as pessoas internadas em 2003 que

responderam qual a fonte de financiamento dainternação, 69,9% afirmaram tê-la sido pelo SUS,24,8%, por meio de planos e seguros de saúde e,finalmente, 5,3%, mediante desembolso direto.

b) Entretanto, existem fortes interseções nautilização de serviços entre o SUS e o segmentoda população com planos de saúde. Assim, entreas pessoas que tinham plano, 6,6% foram inter-nadas pelo próprio plano, 1,3% foram interna-das pelo SUS e 0,3%, mediante gasto privado di-reto.

c) Considerados exclusivamente os pacientespossuidores de plano de saúde que foram inter-nados em 2003, verificou-se que apenas 79,3%tiveram a internação financiada pelo próprio pla-no, sendo o restante internado pelo SUS (15,4%)ou por meio de pagamento direto (3,5%).

No que diz respeito aos atendimentos no anode 2003, 61,3% foram declarados como realiza-dos pelo SUS. Os planos e seguros de saúde fi-nanciaram 27,9% desses atendimentos, e, ainda,10,8% dos mesmos foram financiados por meiode pagamento direto16.

Da mesma forma que para as internações,também em relação aos atendimentos, se obser-va importantes interseções entre o SUS e o seg-mento da saúde suplementar: a Tabela 4 mostraque 2,3% das pessoas que possuíam plano desaúde em 2003 foram atendidas pelo SUS, o que

Tabela 1. Número de equipamentos de média e altacomplexidade/alto custo por 100.000 habitantes,segundo SUS e não-SUS. Brasil, 2005.

Equipamentos(por 100.000 habitantes)

MamógrafoLitotripsorUltra-sonografiaTomógrafo computadorizadoRessonância magnéticaRadioterapiaMedicina nuclearRaio-X para hemodinâmicaHemodiálise

SUS

0,9120,1633,8910,5950,1310,1680,0840,1907,401

Privado

4,4610,654

20,1702,4660,8790,2700,1310,5322,475

Fonte: IBGE, AMS/2005.

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Tabela 3. Internações do SUS, segundo tipo de serviço, por posse de plano de saúde do usuário. Brasil, 2003.

Internações realizadas pelo SUS(no ano anterior à entrevista)

Internações para tratamento clínicoInternações para parto normalInternações para parto cesáreoInternações para cirurgiaInternações para tratamento psiquiátricoInternações para examesTotal pessoas de internadas pelo SUS% de pessoas com plano internadas pelo SUS

Total de populaçãointernada pelo SUS

4.831.192988.510480.791

1.610.367144.029217.957

8.272.846

Total de pessoas com planode saúde internadas pelo SUS

291.57459.10735.367

144.6086.050

16.683553.3891,30%

%

6,045,987,368,984,207,656,69

Fonte: Elaboração própria a partir dos microdados da PNAD/IBGE-2003.

Tabela 4. Atendimentos do SUS, segundo tipo de serviço, por posse de plano de saúde do usuário. Brasil, 2003.

Atendimentos realizados pelo SUS(nas duas semanas anteriores à entrevista)

Consulta médicaConsulta odontológicaConsulta AC ou parteiraConsulta outro profissional de saúdeConsulta farmáciaHemodiálise, quimio, radio, ou hemoterapiaVacinação, injeção, curativo, pronto atendimentoCirurgia em ambulatórioGesso ou imobilizaçãoInternação hospitalarExames complementaresOutrosTotal de pessoas atendidas pelo SUS% de pessoas com plano atendidas pelo SUS

Total de populaçãoatendida pelo SUS

10.858.188623.02820.099

192.06014.69771.331

837.548114.143138.033328.431835.440227.672

14.260.670

Total de pessoas complano de saúde

atendidas pelo SUS

709.29446.4131.308

16.8251.6488.253

92.1908.173

11.85217.06570.70021.665

1.005.3862,30%

%

6,537,456,518,76

11,2111,5711,017,168,595,208,469,527 , 0 57 , 0 57 , 0 57 , 0 57 , 0 5

Fonte: Elaboração própria a partir dos microdados da PNAD/IBGE-2003.

Tabela 2. População internada e atendida e o financiamento da utilização. Brasil, 2003.

InternaçõesTotal de pessoas internadasPessoas internadas financiadas pelo SUSPessoas com plano de saúde internadasPessoas com plano de saúde internadas financiadaspelo SUS

AtendimentosTotal de pessoas que foram atendidasPessoas que foram atendidas financiadas pelo SUSPessoas com plano que foram atendidasPessoas com plano que foram atendidas financiadaspelo SUS

Número

12.332.5468.272.8463.584.231

553.389

24.979.47514.260.670

8.520.5021.005.386

% da populaçãobrasileira (*)

7,0%4,7%

n/an/a

14,2%8,1%

n/an/a

Fonte: elaboração própria a partir dos microdados da PNAD/IBGE-2003.(*) População estimada em base à expansão da amostra a PNAD/IBGE-2003 (175.987.612 habitantes); (**) População estimadaem base à expansão da amostra da PNAD/IBGE-2003 (43.215.760 pessoas com planos de saúde).

% da populaçãocom plano (**)

n/an/a

8,3%1,3%

n/an/a

19,7%2,3%

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corresponde ao fato de que 11,8% das pessoascom plano atendidas o foram pelo SUS.

Note-se que, se considerados exclusivamenteos pacientes com plano de saúde que foram aten-didos, apenas 75,9% tiveram o atendimento fi-nanciado pelo próprio plano, enquanto 11,8%foram atendidos pelo SUS e 8,4% pagaram dire-tamente. O restante (3,9%) não respondeu quemfinanciou o atendimento16.

Serviços do SUS mais utilizados porpacientes que possuem planos de saúde

A análise da utilização de serviços do SUSmostra que, entre os pacientes internados peloSUS, 6,7% possuem planos de saúde privados,como mostram as Tabelas 3 e 4. Entre os atendi-mentos prestados pelo SUS, 7,1% o foram parapacientes com planos.

No que diz respeito às internações, a utiliza-ção do SUS por pacientes com plano se destacaem relação às internações cirúrgicas, pois 9,0%das mesmas foram efetuadas para pacientes comcobertura duplicada.

Este percentual se eleva quando se trata deprocedimentos de alto custo/complexidade, taiscomo hemodiálise, quimio, rádio e hemotera-pia, dos quais 11,6% foram realizados para paci-entes com plano de saúde. Da mesma forma,entre alguns serviços em que o SUS se destaca,como vacinações e pronto atendimento, 11,0%das pessoas que usaram são pacientes possuido-res de planos privados.

Subsídios do Estado para o setor privadono âmbito da saúde

Diversos subsídios se dão entre o Estado e osetor privado, no âmbito da saúde. Entre os prin-cipais, consta o “gasto tributário”, isto é os recur-sos tributários que o Estado deixa de arrecadar,mediante as desonerações fiscais. Eles atuamcomo incentivo fiscal aos prestadores e opera-doras de planos de saúde filantrópicos e, tam-bém, como indutores à compra de serviços e deplanos privados, uma vez que o gasto deles pro-veniente é deduzido da base sobre a qual é calcu-lado o imposto de renda devido por pessoas físi-cas e jurídicas.

Assim, por um lado, as instituições filantrópi-cas (que envolvem tanto prestadores como opera-doras de planos de saúde) são isentas dos tributosfederais, estaduais e municipais. Segundo Ugá etal.19, existiam 1.917 hospitais filantrópicos no Bra-sil em 2005. Ainda, segundo a ANS, em março de

2007, existiam 106 operadoras filantrópicas regis-tradas na Agência, com 1.300.914 beneficiários.

Entidade Filantrópica é aquela entidade bene-ficente de assistência social (definida originalmentena Lei Orgânica de Assistência Social, Lei no 8.742de 08/12/1993, Art. 3º, como “aquelas que pres-tam, sem fins lucrativos, atendimento e assesso-ramento aos beneficiários abrangidos por esta lei,bem como atuam na defesa e garantia de seusdireitos”) e/ou de educação e/ou de saúde, semfins lucrativos (definida na Lei no 9.718 de 27/11/1998, Art. 10, § 3º, sobre a Legislação TributáriaFederal, como sendo “a entidade que não apre-senta superávit em suas contas ou, caso apresenteem determinado exercício, destine o referido re-sultado integralmente à manutenção e ao desen-volvimento de seus objetivos sociais”), que cum-pre com as exigências da Resolução CNAS 32/99.A concessão ou renovação do Certificado de Fi-lantropia está regulamentada pela Lei Orgânicade Assistência Social, Lei no 8.742/93, pelo Decreto2.536 de 06/04/98 e pela Resolução CNAS 32/99.

Segundo essa Resolução, a concessão ou re-novação do Certificado de Filantropia a esse tipode entidades privadas, sem fins lucrativos, exigeque a entidade solicitante comprove as seguintesexigências cumulativas e existentes nos três anosanteriores à concessão ou renovação: (1) estarlegalmente constituída no país e em funcionamen-to; (2) possuir inscrição em um Conselho Muni-cipal de Assistência Social (CMAS), ou um Con-selho Estadual de Assistência Social (CEAS) ouno Conselho de Assistência Social do Distrito Fe-deral (CASDF); (3) possuir registro no CNAS; e(4) incluir no seu estatuto as condições de a) apli-car suas rendas integralmente no território naci-onal e na manutenção de seus objetivos instituci-onais; b) aplicar as subvenções e doações nas fi-nalidades a que está vinculada; c) não distribuirresultados; d) não perceber seus diretores; e) des-tinar seu patrimônio, em ato constitutivo, aoCNAS ou entidade pública, em caso de dissolu-ção ou extinção; f) não constituir patrimônio deindivíduo ou de sociedade sem caráter beneficen-te de assistência social; g) prestar serviços gratui-tos permanentes e sem qualquer discriminaçãode clientela; e h) aplicar anualmente em gratuida-de pelo menos 20% da receita bruta provenienteda venda de serviços, mais aplicações financeiras,locação de bens e venda de bens não integrantesdo ativo imobilizado, mais doações, cujo mon-tante nunca será inferior à isenção de contribui-ções sociais usufruída. No caso de entidade desaúde, deverá comprovar anualmente o percen-tual de atendimentos ao SUS de pelo menos 60%20.

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Segundo a Receita Federal, a renúncia fiscaladvinda das desonerações tributárias federaisusufruídas pelas entidades filantrópicas previstapara o ano de 2007 é de nada menos que R$ 1,6bilhões. A esta cifra deve ser acrescido o montan-te referente à renúncia fiscal dos demais entesfederativos.

Por outro lado, a renúncia fiscal referente àsdeduções de gastos em saúde sobre a base sobrea qual é calculado o imposto de renda devido sedá em relação às pessoas físicas (que descontamdo cálculo da receita tributável os gastos em ser-viços e em planos de saúde) e às empresas que,ao imputarem como custos os gastos em servi-ços e planos de saúde dos seus funcionários, di-minuem também a base de cálculo do impostode renda.

Dessa forma, embora não se possa afirmarque a totalidade dos gastos privados em saúdeseja financiada pelo Estado pelo gasto tributário(ou renúncia fiscal), uma boa parte o é, na medi-da em que da base sobre a qual é calculado oImposto de Renda são deduzidos os gastos pri-vados em serviços e planos de saúde.

A esse respeito, o mesmo documento da Re-ceita Federal prevê que, em 2007, estas deduçõestributárias alcançarão o montante de R$ 4,1 bi-lhões, o que corresponde a 10,1% do gasto fede-ral em saúde, se considerado o informado pelaSub-Secretaria de Planejamento e Orçamento doMinistério da Saúde21.

Outro importante elemento da relação entreEstado e mercado se dá na relação entre o SUS,as empresas que operam planos de saúde e osprestadores de serviços privados.

No que tange às operadoras de planos de saú-de, os dados da PNAD/IBGE-2003 mostram que15,4% das pessoas que têm plano de saúde pri-vado e foram internadas o foram pelo SUS. Essaporcentagem, no caso dos atendimentos, é de11,8%. Há alguns anos, a Lei nº 9.656 de 1998, noseu Artigo 32, instituiu o ressarcimento ao SUSdos serviços por ele prestados a pessoas com as-seguramento privado, por uma tabela específicade preços, denominada TUNEP (Tabela ÚnicaNacional de Equivalência de Procedimentos).Entretanto, segundo dados da ANS, desde o fi-nal de 1999 até meados de 2006, das 371.761 in-ternações identificadas como aptas para cobran-ça, apenas 60.586 foram efetivamente pagas pe-las seguradoras, ou seja, desde quando foi insti-tuído o ressarcimento até quando foram pro-cessadas as informações22. O pagamento dessasinternações pelos valores da TUNEP no períodoacima referido corresponderam a R$

76.928.764,00, valor pouco significativo quandocomparado com os valores da renúncia fiscal(que somam, na previsão efetuada apenas parao ano de 2007, R$ 5,7 bilhões). Processos longos,recursos à justiça por motivos diversos (quandose trata de pacientes detentores de “planos anti-gos”, prévios à regulamentação da Lei no 9.656,por exemplo) fazem com que esse ressarcimentoseja muito pouco expressivo.

No que se refere aos subsídios cruzados entreo SUS e os prestadores privados, deve-se mencio-nar a “dupla porta de entrada” de hospitais priva-dos que também atendem a pacientes do SUS emuitas vezes estabelecem, nessa duplicidade, umarelação promíscua. Como mostra uma pesquisarealizada recentemente por Ugá et al.23, nada me-nos que 72% dos prestadores hospitalares queatuam na saúde suplementar também prestamserviços ao SUS. Em outra pesquisa qualitativarealizada junto a beneficiários de planos de saúdede entidades hospitalares filantrópicas que pos-suem operadora própria24, verificou-se que servi-ços não cobertos pelo plano são prestados pelomesmo estabelecimento com financiamento SUS,o qual, por outro lado, favorece o acesso dessesbeneficiários ao SUS. Assim, como apontam osautores: a relação dos planos com o SUS é marcadapela interdependência que se apresenta pelo encami-nhamento para o SUS em virtude de uma restriçãoque consta na cláusula do plano, do favorecimentode acesso ao SUS pelos usuários e da indistinçãoentre serviços prestados pelo SUS e pelo plano.

Considerações finais

Este trabalho evidenciou fatores cruciais para acompreensão do nosso sistema de saúde que, con-tando com um segmento de seguradoras e ope-radoras de planos de saúde suplementar, contémum importante segmento populacional que con-ta com cobertura duplicada de serviços de saúde.

Assim, em decorrência da peculiar inserçãodo setor de planos e seguros de saúde no Brasil,que oferecem cobertura suplementar e duplica-da, são extremamente importantes as desigual-dades observadas na oferta e utilização de servi-ços a favor da população com plano de saúde: osegmento suplementar disponibiliza uma ofertade serviços hospitalares e, principalmente, de equi-pamentos de alta complexidade muito superiorà do SUS.

Por sua vez, a utilização de serviços de saúde(internações e atendimentos), correspondente-mente às diferenças na oferta, é muito maior, tam-

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oletiva, 13(5):1431-1440, 2008

Colaboradores

IS Santos, MAD Ugá e SM Porto participaram daconcepção, do marco teórico, da metodologia,das análises dos resultados e da redação do tex-to. O processamento dos dados foi realizado porIS Santos.

bém, na população detentora de planos de saú-de, provavelmente devido, adicionalmente, a di-ferenças existentes em outros fatores determi-nantes do uso de serviços, tais como níveis deeducação e renda. Vale reiterar que 15,4% dapopulação com plano internada e 11,8% da po-pulação com plano que teve atendimentos utili-zou o SUS.

Outro resultado da história da constituiçãodo sistema de saúde brasileiro diz respeito aofato de que, apesar de tratar-se de um sistemanacional de saúde, ele conta com um financia-mento que é minoritariamente (43,8%) públi-co25 e uma prestação predominantemente priva-da, na qual 68% dos leitos e 92% dos prestadoresde SADT são privados.

O predomínio dos prestadores privados in-troduz, obviamente, importantes fluxos finan-ceiros da esfera pública para a privada. Ainda,nesse mix existem relações pouco claras entre opapel que um mesmo prestador privado exerceem segmentos diferentes (no SUS e no setor desaúde suplementar).

Pouco conhecido é, ademais, o volume de re-cursos aportado pelo Estado para planos de cli-entelas fechadas constituídas de servidores públi-cos e, por outro lado, a oferta de leitos de hospi-tais públicos destinada a planos de saúde priva-dos (como, por exemplo, os oferecidos pelo Ins-tituto do Coração, em São Paulo, e do Hospitaldas Clínicas da Faculdade de Medicina da USP).

Trata-se de um sistema de saúde que, embo-ra constitucionalmente definido como universale integral, tem o setor privado prestador susten-tado pela compra estatal de serviços e um seg-mento de seguradoras e operadoras de planosde saúde fortemente subsidiado pelo Estado, pe-los distintos instrumentos de renúncia fiscal aci-ma apontados.

É hora, portanto, de superar a herança doque foi construído no período de vigência do “cor-porativismo bifronte e segmentário”26 dos regi-mes burocrático-autoritários, em que as políticassociais se constituem em espaços de interpenetra-ção do Estado e do setor privado, onde este temum lugar privilegiado na formulação de políticas.

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Artigo apresentado em 23/07/2007Aprovado em 01/10/2007Versão final apresentada em 23/10/2007

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