migrações helion póvoa neto

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19 FRIST sees fence as solution to illegal immigration. News Channel 5, 22 mar. 2006. http://www.newschannel5.com/content/news/18098.asp

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Migrações Helion Póvoa Neto

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    FRIST sees fence as solution to illegal immigration. News Channel 5, 22 mar. 2006. http://www.newschannel5.com/content/news/18098.asp

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    Referncias bibliogrficas:

    Livros e artigos

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    A j mencionada superposio entre motivaes econmicas e poltico-securitria deve alertar, contudo, contra uma considerao estanque dos objetivos do erguimento das barreiras mencionadas. Casos h em que a identificao tanto de migrantes quanto de refugiados como possveis ameaas justifica barreiras. A altamente militarizada fronteira greco-blgaro-turca, por exemplo, permanece como marca das divises geopolticas da Guerra Fria, mas tambm da distino Oriente-Ocidente e da permanncia de antigos ressentimentos nacionais. Conter tanto migrantes quanto refugiados tambm o objetivo das iniciativas de fortificao das fronteiras externas (orientais) dos pases admitidos desde 2004 na Unio Europia. Casos em que a pesada atribuio de manter barreiras e rejeitar migrantes foi transferida aos novos scios do bloco europeu.

    O muro, a cerca, o campo de refugiados, a fronteira fortificada contra migrantes, compem um quadro de dispositivos de controle sobre a mobilidade dos homens que parece justificar a permanente imposio de medidas excepcionais quanto aos fluxos migratrios.

    Reconhecidos como necessrios, porm rejeitados como excedente ou ameaa, migrantes e refugiados so crescentemente objeto de polticas restritivas, indagando-nos a respeito dos novos limites postos circulao. As barreiras fsicas levantadas contra sua mobilidade devem ser entendidas, de maneira ampla, como fortes sinalizadoras de processos emergentes de limitao s liberdades sociais.

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    fronteira sul do Mxico (com a Guatemala) parecem caminhar nesta mesma direo.

    Mapear e sugerir uma tipologia para estes dispositivos anti-mobilidade tarefa ainda em seu incio. Ela pode ser til na busca de analogias e objetivos comuns para sociedades afastadas geograficamente, mas seguindo iniciativas similares quanto conteno da migrao e ao controle das fronteiras. A tentativa de diferenciar objetivos e modalidades de controle pode ajudar tambm a que se evite uma fixao exclusiva no fato do erguimento da barreira em si, convidando a uma indagao quanto s lgicas que a sustentam.

    Sinteticamente, seria possvel identificar, em primeiro lugar, o erguimento de barreiras em fronteiras terrestres ou martimas entre sociedades com nveis claramente diferenciados de desenvolvimento e bem-estar social. Os muros e cercas erguidos na fronteira sul dos EUA e nos enclaves espanhis de Ceuta e Melilla seriam exemplos claros de conteno migrao de latino-americanos e africanos. Entre pases perifricos com significativa disparidade de condies econmicas, dispositivos semelhantes podem ser tambm erguidos, como no caso da cerca eletrificada erguida pelo governo de Botswana na tentativa de frear a migrao proveniente do Zimbabwe. Note-se que, nesses casos, a barreira age como sinalizao anti-imigrao mas coexiste com fortes demandas por mo-de-obra pelos mercados de trabalho dos lados receptores. O que pode sugerir como as barreiras, ao bloquearem a passagem de muitos, atuam tambm na possibilidade da maior explorao daqueles que tiveram sucesso em atravessar.

    Pode-se identificar, ainda, barreiras dificultadoras ou impeditivas da mobilidade de grupos tnicos ou nacionais tidos como indesejveis ou ameaadores. A barreira israelense junto aos territrios palestinos poderia ser apontada como exemplo mais evidente, mas tambm (embora guardando caractersticas prprias) as faixas militarizadas entre as duas Corias e entre as reas grega e turca em Chipre. Igualmente podem ser apontadas as barreiras fsicas erguidas entre a ndia e os territrios vizinhos do Paquisto e de Bangladesh.

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    acessos de embarque, diferenciao em salas de partida e recepo e, finalmente, aos procedimentos de identificao e controle. Alm da distino scio-econmica, existe ainda aquela entre nacionais e estrangeiros bem como desses ltimos em suas diferentes categorias. Surgem assim, nos terminais areos, o que Miles denomina provocativamente paredes de vidro (glass walls) que separam as diferentes categorias e interditam possveis contaminaes entre elas (1999, p. 181). Tal como no caso j citado da fronteira terrestre EUA Canad, nos aeroportos, os servios de imigrao recebem presses conflitantes, no sentido tanto de processar o fluxo de passageiros o mais rapidamente possvel, quanto de identificar aqueles que devem ter sua entrada (ou sada) interditada, sendo providenciada sua deportao ou deteno.14

    As diversas formas de barreiras aqui abordadas podem ser encaradas tanto como dispositivos prticos, no contexto de novas e agressivas polticas migratrias, quanto como poderosos discursos de sinalizao quanto rejeio e represso a que estariam sujeitos candidatos migrao ilegal. Do ponto de vista dos pblicos internos das sociedades de imigrao, as barreiras so respostas efetivas e eloqentes - demandas dos setores anti-imigrao e a clamores generalizados quanto a aes concretas no sentido de maior segurana.

    Ainda que respondendo a interesses localizados no interior dos estados nacionais, as barreiras podem tambm ser erguidas fora de seus limites. A inteno de contornar protestos de grupos defensores de direitos humanos e de partidrios da imigrao responde por diversas iniciativas de criar polticas extraterritoriais contra migrantes. Exemplos a citar, para o caso europeu, so as barreiras nas reas espanholas ao norte do Marrocos e as diversas gestes no sentido da criao de campos para migrantes em pontos de passagem rumo Europa, como a Lbia. Os incentivos dos EUA a um maior controle da

    14 A chamada compresso do espao-tempo enfatizada por David Harvey (1992) sugere principalmente

    um mundo de encolhimento de distncias e apagamento de fronteiras, o que pode fazer esquecer a dimenso de controle de fronteiras que continua a existir e que , nos casos aqui analisados, at mesmo reforada. Isso fica evidente no caso dos aeroportos, smbolos de mobilidade (ADEY, 2004, p. 500), mas tambm ambientes artificiais desenhados expressamente para permitir a clivagem entre mobilidades desejveis e no desejveis.

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    Com relao fronteira canadense, os governos de ambos os lados procuram, mesmo intensificando controles de passagem, garantir a passagem desimpedida dos chamados viajantes freqentes, cuja mobilidade entre os dois pases responde por boa parte do PIB canadense e da economia do norte dos Estados Unidos. Para a dinmica econmica dessas reas, fundamental o chamado commuting, os deslocamentos freqentes e mesmo dirios de executivos e trabalhadores qualificados entre os dois lados da fronteira. Logo aps o 11 de setembro de 2001, no ms de dezembro daquele ano, Estados Unidos e Canad firmaram uma smart border declaration que visava identificar riscos de segurana da fronteira permevel e, ao mesmo tempo, permitir o fluxo desembaraado de pessoas e bens.13

    Os exemplos apresentados tratam de tentativas de distino entre fluxos desejveis e indesejveis atravs de fronteiras do tipo clssico, tais como as existentes entre Estados Unidos, Mxico e Canad. Porm, num mundo em que grande parte dos deslocamentos feito por via area, os aeroportos tornam-se cada vez mais em relao aos portos martimos e as fronteiras terrestres lugares do exerccio, sobre imigrantes e refugiados, do poder de Estado quanto aos deslocamentos (MILES, 1999, p. 162).

    Os aeroportos so estruturas espacialmente organizadas para classificar e separar diferentes categorias de viajantes. Apelam, portanto, para prticas de diferenciao social e de excluso (MILES, 1999, p. 161 162). A tradicional diviso de passageiros em classes (econmica, executiva, primeira), inicialmente restrita ao interior dos avies, estendeu-se progressivamente aos

    13 A associao entre bons fluxos e a existncia de formas de mobilidade a estimular, fez inclusive com

    que surgisse, j em 1996, uma proposta da parte de um funcionrio do Immigration and Naturalization Service (INS) de Seattle, de um carto para viajantes freqentes que poderia ser incorporado a um carto de crdito, numa parceria pblico-privada e com procedimentos biomtricos de alta tecnologia. Posteriormente, em junho de 2002, implantou-se o sistema NEXUS, que visando fortalecer a segurana de fronteira sem prejuzo ao comrcio e ao turismo, criou, nos aeroportos e postos de fronteira, quiosques onde os controles de passagem de viajantes freqentes cadastrados podem ser feitos de forma inteiramente automatizada, com cartes individuais e tecnologia biomtrica de verificao instantnea da ris. O sistema buscou ser uma resposta a presses surgidas com a intensificao de controles aps o 11 de setembro de 2001. Representantes do Partido Republicano dos EUA e das montadoras de automveis Daimler Chrysler e Ford no estado de Washington chegaram a queixar-se de que os custos econmicos dos procedimentos de controle de segurana estavam intolerveis, anunciando inclusive o fechamento de algumas plantas fabris devido s dificuldades de fluxo na fronteira com o Canad (Sparke, 2003; 2006, p. 161-162).

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    A necessidade de pensar e implantar novas formas de muros vem do fato de que as fronteiras hoje precisam, tanto garantir as exigncias de securitizao, quanto facilitar e remover obstculos aos fluxos de negcios e das pessoas que os representam, como seus gestores ou executores em posio dominante.

    Para tanto, h um desafio em se combinar, nos controles de fronteira, o aumento da segurana poltica com as chamadas liberdades neoliberais. Da se falar em formas de cidadania flexvel, representando situaes em que a mobilidade facilitada e mesmo estimulada sem que os controles de fronteira imponham obstculos que retardem os processos de acumulao capitalista.12

    Os Estados Unidos lidam, como nenhum outro pas, com o dilema de, simultaneamente, impor barreiras e dificuldades aos movimentos transfronteirios dos indesejveis e, por outro lado, fazer suas fronteiras cada vez mais permeveis aos bons fluxos. Distingui-los e separ-los dos demais deslocamentos um desafio com que os servios norte-americanos de imigrao e de segurana precisam lidar, tanto na sua fronteira sul como, mais recentemente, na norte.

    No caso da fronteira mexicana, vale a ressalva de que o sucesso de uma parcela dos migrantes na travessia clandestina, a despeito das barreiras e dos controles policiais, no significa em absoluto um fracasso dos objetivos da segurana de fronteira, ao menos do ponto de vista de atendimento a interesses econmicos que contam com o trabalho dos imigrantes. Se a fronteira rechaa grande nmero de tentativas de imigrao, por outro lado, o fato de que os que conseguem xito ficarem em situao irregular garante tambm a possibilidade de uma superexplorao desses trabalhadores sem direitos e temerosos da deportao pela Migra, a polcia de imigrao.

    12 A ttulo de exemplo pode-se falar em uma elite empresarial chinesa com mltiplas cidadanias, que

    implicam em deter diversos passaportes, inclusive comprados (SPARKE, 2003, p. 6, p. 43). Monteiro (2006) analisa como a aquisio da dupla cidadania permite, no caso europeu, que migrantes oriundos de pases externos ao bloco contem com um status privilegiado dentro da hierarquia de mobilidades.

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    estigma, pelos limites fsicos e pelo confinamento espacial, dentre outras caractersticas. Nesse sentido, prope uma analogia entre o gueto e outras instituies de confinamento como o campo de refugiados, a reserva e a priso (WACQUANT, 2004, p. 155).

    O erguimento de barreiras poderia tambm ser associado ao que Shamir denomina de um paradigma da suspeio. A licena para mover-se um principio primrio para determin-la. Importa tanto na travessia de fronteiras, quanto na permanncia em espaos pblicos. A suspeio tem a ver com o quanto o sujeito possa representar ameaa de crime, imigrao indesejada ou terrorismo, elementos que podem aparecer independentemente, cada vez mais, de forma intercambivel (SHAMIR, 2005, p. 201).

    A suspeio de terrorismo, atualizada e intensificada a partir de 11 de setembro de 2001, no nova do ponto de vista do estabelecimento de relaes entre a imigrao e os chamados vcios sociais, como o crime, a doena e a contaminao moral. Tal relao foi, freqentemente, central ao longo da histria das polticas migratrias.

    Fronteiras vigiadas e barreiras atuam tambm na defesa da soberania estatal, tanto fisicamente, contra a invaso violenta, como simbolicamente, na afirmao de identidades nacionais (SHAMIR, 2005, p. 203). O grande crescimento potencial das mobilidades no contexto da globalizao produz a necessidade de conceituar as fronteiras, na sua necessidade de proteger a suposta estabilidade das sociedades, e tambm contra a infiltrao de populaes tidas como suspeitas (SHAMIR, 2005, p. 204). Embora a palavra muro denote a relao com barreiras fsicas existentes desde momentos histricos anteriores, a sua fora simblica faz com que seja utilizada tambm na nomeao de novas iniciativas de controle da mobilidade que fazem uso da tecnologia mais avanada da atualidade. o caso do assim chamado muro virtual contra imigrantes que o governo norte-americano pretende implantar na fronteira com o Mxico, combinando barreiras fsicas com sensores de alta tecnologia (News Channel 5, 22 mar. 2006; Wired.com, 16 mai. 2006; Folha de So Paulo, 22 set. 2006).

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    tenso geopoltica, o enfoque abrangeu principalmente barreiras utilizadas na conteno de populaes civis. Cabe esclarecer que nem sempre simples a distino entre essas barreiras e as de uso militar, haja visto a crescente identificao de imigrantes e refugiados como possveis ameaas segurana nacional.10 No obstante a existncia de um regime internacional de proteo aos refugiados e ao direito de solicitar asilo, muitas vezes barreiras so construdas justamente para impedir a sada de populaes deslocadas por guerras e outros conflitos.

    Ao longo da histria do controle das migraes, o uso do passaporte como instrumento de identificao e permisso para o deslocamento foi intensificado em tempos de guerra, mas teve a sua utilizao estendida tambm para o perodo de paz subseqente.11 Da mesma maneira, nem sempre as barreiras so erguidas a ttulo duradouro ou permanente. Freqentemente, apresentam-se como medidas provisrias e emergenciais, do que exemplo o erguimento do muro de Berlim, assim justificado poca (1961) de seu levantamento. O prprio muro na fronteira EUA Mxico, cuja consolidao e extenso agora discutida, foi construdo inicialmente apenas em certos trechos da fronteira e mediante a reutilizao de materiais antes usados para fins militares.

    As barreiras fsicas no se restringem funo de fronteiras, como fica claro no caso da barreira israelense. Em alguns trechos, ela funciona como fronteira que delimita os territrios palestinos, quer seguindo a linha original prevista pela ONU, quer sobrepondo-se mesma e avanando sobre os territrios ocupados. Mas, por vezes, a barreira (cerca ou muro) divide ou isola comunidades palestinas, confinando a populao em enclaves altamente vigiados (SHAMIR, 2005, p. 204205).

    nesse mesmo sentido que Wacquant entende o gueto como conceito relacional, instrumento de cercamento e de controle etno-social, marcado pelo

    10 Um exemplo de terminologia militar freqentemente utilizada para nomear a inteno de construir

    barreiras imigrao est na expresso Fortaleza Europa, comumente utilizada como referncia s medidas de segurana postas em prtica pela Unio Europia para conteno chegada de imigrantes. 11

    Sobre a importncia do uso do passaporte nos pases europeus durante a Primeira Guerra Mundial, e a continuidade do seu uso em seguida, ver Torpey (2000, cap. 4).

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    Historicamente, e desde a Antigidade, barreiras foram utilizadas na defesa das cidades contra estrangeiros e contra exrcitos inimigos. Do mesmo modo, estruturas antigas como a chamada Grande Muralha da China e o Muro de Adriano na Gr-Bretanha so exemplos eloqentes do quanto a construo de barreiras tem sido uma demarcao territorial relevante.8

    O prprio nascimento da sociedade capitalista, associado ao estabelecimento da propriedade privada dos meios de produo, a terra entre eles, no pode prescindir da anlise de como marcos fsicos foram empregados na definio de terras a apropriar.9

    Parece instigante pensar em uma anlise histrica do erguimento (e da remoo) de barreiras fsicas, investigando continuidades e descontinuidades de propsitos. Isso talvez revelasse mais analogias do que possvel supor numa primeira impresso mas, para o presente trabalho, cabe focar apenas o erguimento de barreiras associado s mudanas mais recentes nas polticas migratrias escala internacional.

    Embora as barreiras fsicas sejam dispositivos encontrados em operaes de guerra, no foram aqui abordadas as de uso eminentemente militar. Embora estejam muitas vezes, localizadas em fronteiras que so tambm reas de

    assim como o erguimento do Muro de Berlim fora uma inequvoca afirmao do poder e da agressividade do estado da Repblica Democrtica Alem, a incapacidade desse mesmo espao em frear a fuga em grande escala de seus cidados atravs da Hungria e da ustria assinalava o declnio absoluto da capacidade repressiva daquele Estado (1996, p. 34-35). 8 A chamada Grande Muralha da China, srie de muros construdos a partir do 3 sculo antes de Cristo,

    at o incio do sculo XVI, ao longo de mais de 6 mil quilmetros, buscava proteger o imprio dos nmades da Monglia e Manchria. O Muro de Adriano, de 117 quilmetros, construdo no 2 sculo da era crist, pretendia defender o territrio britnico, ocupado pelos romanos, das incurses das tribos escocesas. 9 Nicolas Blomley, em um estudo sobre historia rural da Inglaterra, mostra como a relevncia fsica,

    simblica e legal da construo de cercas nos processos de expropriao de camponeses durante os cercamentos de campos (enclosures) durante o perodo Tudor (sculos XVI e XVII) (2007). Da mesma maneira, o surgimento do arame farpado (segunda metade do sculo XIX) aps a Revoluo Industrial, foi extremamente influente na maior facilidade para construo de cercas e apropriao de terrenos comunais, na prpria Inglaterra, mas igualmente em outros contextos como o Oeste norte-americano, na mesma poca e para chegar mais perto, nos processos de ocupao da fronteira no Brasil, do que exemplo a apropriao de terras para pastagens atravs do seu puro e simples cercamento, aps a queimada. Tais exemplos, por mais isolados que possam parecer entre si, dizem algo da solidariedade entre as dimenses material e simblica no erguimento de barreiras para fins da construo de territrios e da excluso de populaes.

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    Com relao s estruturas fsicas propriamente ditas, estas se distinguem na qualidade de muros, cercas e faixas militarizadas com fossos e minas. Vale observar que o muro uma estrutura slida e opaca que protege ou define espaos, podendo ser constitudo de pedra, alvenaria ou ao. A cerca, por sua vez, apresenta-se como aberta e menos espessa, sendo em geral formada por madeira, barras ou fios de metal. Ambos so aqui enquadrados na noo mais geral de barreira fsica, e o seu material de construo e aparncia no so indiferentes a seu significado simblico.5

    Parece banal afirmar como, simbolicamente, o erguimento (assim como a queda) de muros e outras barreiras associa-se a poderosos significados. A construo, em 1961, do muro que partia em dois a cidade de Berlim representou, como nenhuma outra imagem, a cristalizao da diviso Leste-Oeste e o agravamento da Guerra Fria. Da mesma forma, a sua queda em 1989 permanece como a imagem mais forte da crise final dos regimes socialistas do Leste Europeu.6 To forte a ponto de, na percepo mais generalizada, confundir-se com o prprio processo poltico mais amplo da poca. Isso ocorre porque, assim como o erguimento de barreiras indica o agravamento de situaes de rejeio, criminalizao e temor aos migrantes, a supresso de barreiras fsicas tem tambm significados histricos. Em 1989, a Hungria decidiu remover a cerca na fronteira com a ustria, tornando possvel a migrao, atravs dessa fronteira, de alemes orientais e contribuindo para uma seqncia de acontecimentos que culminaria, no mesmo ano, com os eventos de Berlim (ASH, 1990; GADDIS, 2006; HIRSCHMAN, 1996).7

    5 Conjuntos de barreiras tais como a erguida entre Israel e territrios ocupados da Palestina tm trechos

    em muro e trechos em cerca. Todavia, defensores e detratores da construo da barreira israelense costumam expressar suas divergncias tambm pelo uso indiscriminado, ora da palavra cerca, ora da palavra muro. Este ltimo seria mais slido, portanto mais radical e agressivo, que a cerca. 6 Curiosamente, a imagem da cortina de ferro, embora aparentada de muro ou cerca, sugere, mais do

    que o erguimento duradouro de uma estrutura slida, um movimento de fechamento num contexto determinado (a Guerra Fria), ao mesmo tempo que deixa entrever tambm a possibilidade de uma possvel abertura, que teria ocorrido a partir de 1989, no Leste Europeu. 7 Assim que os hngaros comearam a cortar o arame farpado da cortina de ferro, em maio, os alemes-orientais comearam a escapar por ela. Quando os nmeros aumentaram, e os alemes-orientais se amontoaram em campos de refugiados em Budapeste, as autoridades hngaras decidiram, no incio de setembro, deix-los sair oficialmente (rompendo um acordo bilateral com a RDA). O fio dgua transformou-se em uma torrente: cerca de 15 mil alemes-orientais cruzaram a fronteira nos primeiros trs dias, 50 mil at o fim de outubro. Outros procuraram uma sada pelas embaixadas da Alemanha Ocidental em Praga e Varsvia. Isso foi o catalisador final da mudana interna na Alemanha Oriental (Ash, 1990, p. 74-75). Ver tambm, a respeito, Gaddis (2006, p. 232-233). Hirschman assinala ainda que,

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    Tais caractersticas do discurso e da prtica do erguimento de barreiras integram atributos mais gerais das fronteiras e espaos fronteirios, instituies bastante reveladoras de processos amplos de mudana social (SPARKE, 2003, p. 37). Os espaos aqui referidos podem ser tidos como demonstrativos de como as expresses globalizao, sociedade civil global e sociedade em rede materializam-se na realidade emprica do que realmente ocorre no territrio (SPARKE, 2003 p. 38).

    Nas fronteiras, fluxos abstratos tornam-se visveis em pontos onde terrenos so cercados, objetos so contados e examinados, pessoas so classificadas, detidas e por vezes mortas nas suas tentativas de travessia ilegal. As barreiras, materializaes evidentes das fronteiras, so produtos prticos dos estados-nao que tambm reforam seus ideais de coerncia interna e de distino frente aos estrangeiros e aos outros territrios.

    O enfoque nas barreiras fronteirias no trata de supostas resistncias ao processo de globalizao, de manifestaes (mesmo que reiteradas) de um perodo anterior onde a mobilidade no seria ainda um valor a ser celebrado na mesma medida da atualidade. As barreiras no devem ser tomadas como um anacronismo. Se a globalizao mais freqentemente associada hipermobilidade de pessoas, isto se refere principalmente a um extrato social numericamente reduzido. Para a maioria da populao, ao contrrio, a mobilidade deve ser entendida como recurso importante, mas relativamente escasso e valorizado (SHAMIR, 2005, p. 197).

    No sendo as barreiras fsicas meras sobreviventes de perodos anteriores, cabe assinalar tambm que elas no impedem, de maneira absoluta, a mobilidade atravs de fronteiras. Assim como estas ltimas expressam prticas de classificao de lugares e de pessoas, as barreiras fsicas materializam os processos classificatrios. Atuam, nesse sentido, como hierarquizadoras do espao e da populao em termos formas possveis de mobilidade e de direitos mesma.

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    obstculos mobilidade e criticam a suposta rigidez de mercados, de instituies e de idias.

    Para alm desta idia de mobilidade ligada esfera do mercado, conflitos armados e situaes de violao de direitos humanos provocam tambm as chamadas migraes foradas. Por outro lado, problemas de degradao ambiental e crises econmicas graves tendem tambm a gerar crescentes deslocamentos.4

    No entanto, e apesar de tantos impulsos mobilidade, so erguidas barreiras contra deslocamentos de populao. Dentre as restries em sentido amplo, pode-se falar em barreiras poltico-institucionais, expressas em polticas migratrias restritivas ao ingresso de imigrantes segundo suas qualificaes, e com limitaes temporais permanncia. Em barreiras culturais e ideolgicas tambm se pode falar, com o migrante representado como inferior, indesejvel ou ameaador segurana e ao bem-estar das sociedades de imigrao.

    Mas as estruturas aqui enfocadas so as barreiras fsicas e as territorializaes foradas. Concretizadas em muros, cercas, faixas militarizadas de fronteira, zonas minadas do tipo no mans land, campos de recolhimento ou confinamento para migrantes e refugiados. Estruturas que materializam polticas migratrias buscando restringir, dificultar e mesmo impedir o deslocamento de migrantes. Sua materialidade evidente; no entanto tais barreiras representam tambm poderosos discursos sobre a rejeio das sociedades de imigrao aos chamados indesejados.

    Imagens dessas barreiras, amplamente veiculadas, veiculam a potenciais emigrantes a mensagem inequvoca de que no seriam bem-vindos. Nas sociedades que pretensamente se beneficiam do erguimento das barreiras, elas se associam tambm a uma retrica estigmatizadora, criminalizante, de uma suposta necessidade de defesa contra invasores.

    4 A nova categoria de refugiado ambiental e a novssima de refugiado econmico (ambas de

    utilizao no consensual) associam-se ao entendimento j estabelecido de refugiado stricto sensu, a sugerir que as formas de deslocamento forado vo bem alm da esfera do poltico.

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    liberdades civis, admita-se a possibilidade do encarceramento ou da restrio severa mobilidade do migrante. Apoiando-se numa hostilidade difusa quanto aos imigrantes, e na sua imputabilidade quanto a diversos males sociais, meios de comunicao de massa e foras polticas contribuem para a construo de imagens ameaadoras sobre a imigrao. Esta passa a ser freqentemente representada como invasiva e descontrolada, passvel portanto de iniciativas mais ousadas para sua conteno.

    Dentro desta retrica da invaso, mais que simples conteno territorial da entrada de migrantes, o erguimento de barreiras fsicas e de campos de recluso representa tambm uma sinalizao quanto a possveis candidatos emigrao futura. Em outras palavras, num contexto em que as migraes so fortemente condicionadas por fluxos de informao a percorrer redes sociais internacionalizadas, as barreiras contra a migrao visariam ao objetivo de desestimular migrantes em potencial.

    A existncia de barreiras fsicas mobilidade espacial no pode deixar de ser encarada como paradoxal, em um mundo de estmulo generalizado mobilidade geogrfica. Mobilidade em diferentes graus, sujeita a condies diferenciadas, de objetos fsicos como mercadorias, de dinheiro na forma de capital produtivo ou especulativo, de idias (dentre elas, o prprio ideal da mobilidade generalizada) e, como no poderia deixar de acontecer, de seres humanos. Estes deslocam-se na qualidade de vendedores de fora de trabalho, de executivos e representantes de firmas, de familiares acompanhando outros migrantes, de refugiados, de solicitantes de asilo, de estudantes, de turistas...

    O onipresente estmulo mobilidade espacial banaliza-se em expresses publicitrias como a do viver sem fronteiras. Mas tambm est presente na representao das fronteiras nacionais e limites regionais como sobreviventes de um momento histrico anterior, na exaltao das transaes comerciais e relaes humanas dotadas de flexibilidade, assim como em expresses tornadas populares, que expressam dinamismo, fluidez, liquidez... Imperativos so tacitamente aceitos, como os que pregam a remoo de

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    razes tnicas ou religiosas, quer de natureza econmica, mas derivada da primeira, como no caso de migrantes que fogem de contextos expulsores em decorrncia de conflitos recentes.

    Tais caractersticas do novo contexto internacional so altamente favorecedoras do diagnstico do migrante como desnecessrio, mas podem radicalizar para o caminho de um entendimento ainda mais desfavorvel ao seu acolhimento. o que acontece quando o migrante passa a ser percebido, e tratado, como indesejvel e potencialmente perigoso. Ao nus econmico e social que ele representaria quanto manuteno da ordem e restrio de gastos sociais, somar-se-ia ainda a possibilidade de tornar-se elemento desagregador da ordem social e, mesmo, possvel criminoso ou terrorista.

    Nesse sentido, conforme j observado, a rejeio ao imigrante estende-se ao refugiado que mesmo merecedor, nas convenes internacionais, de uma diferenciao face aos chamados migrantes econmicos, passa a ser tambm encarado como excedente e ameaador. A crescente assimilao entre dois tipos de sujeito migrantes e refugiados que, para efeito das polticas migratrias, eram reconhecidos como distintos - representa mais um indicador da absoro das consideraes econmicas quanto imigrao por consideraes de natureza poltica e securitria.

    Reconhecidos como indesejveis e/ou ameaadores, migrantes e refugiados tornam-se objeto de polticas de estado mais radicais que as das formas tradicionais de interveno, quanto ao controle das fronteiras e ao acompanhamento das trajetrias sociais dos imigrados. Multiplicam-se, nesse contexto, iniciativas de erguimento de barreiras fsicas nos pontos de passagem de migrantes e de criao de campos para reunio e confinamento de migrantes e refugiados.

    O grau de apoio, nas sociedades de imigrao, ao uso de tais dispositivos em sobreposio (ou substituio) s polticas tradicionais, indica o elevado patamar alcanado, nessas sociedades, pela rejeio aos imigrantes. A ponto de que, mesmo onde existe um desenvolvimento relativamente alto das

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    relativamente recente de polticas ativas de atrao e insero de trabalhadores estrangeiros.

    As condies em que se do as mudanas no diagnstico quanto necessidade da imigrao e a introduo de prticas de cerceamento chegada de imigrantes so complexas e no sero analisadas a fundo aqui. possvel mencionar, sucintamente, alguns elementos.2 Em primeiro lugar, as mudanas no mercado de trabalho dos pases desenvolvidos e a crise dos estados de bem-estar social, que provocam reduo absoluta na necessidade de fora de trabalho imigrante, ao mesmo tempo que colocam novas exigncias de qualificao para os trabalhadores aceitos.3

    Em seguida, deve ser considerado que as crescentes dificuldades levantadas imigrao regular convidam proliferao de redes de contrabando e trfico de migrantes, as quais conectam a necessidade existente de fora de trabalho ao impulso migratrio nas reas expulsoras. As condies, quase sempre deplorveis, em que feito este comrcio, facilitam a difuso do crime organizado e agravam ainda mais a rejeio ao migrante em si, confundido, ainda que de forma indevida, com o contrabandista e o traficante.

    Cabe ainda apontar para o fato de que, no contexto ps-Guerra Fria, o acolhimento de certos fluxos migratrios perdeu o significado poltico a ele associado no perodo anterior, quando a recepo de migrantes e refugiados do Sul e do Leste podia ser apontada como indicativa da superioridade da sociedade acolhedora. A prpria indistino, crescente em determinados contextos, entre migrante econmico e refugiado, de certa forma uma decorrncia do esvaziamento do significado poltico da recepo deste ltimo.

    Finalmente, o mundo aps o fim da Guerra Fria assiste a uma multiplicao de conflitos regionais fortemente geradores de deslocamentos forados. Quer de natureza claramente poltica, como no caso de grupos sociais perseguidos por

    2 Ver Pvoa Neto, 2005, p. 305-307.

    3 No obstante prossiga e mesmo se intensifique a necessidade do trabalho imigrante para servios de

    carter domstico e mesmo centrais s atividades econmicas.

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    Rejeitar, sinalizar, conter: as barreiras fsicas mobilidade como dispositivos de poltica migratria

    Helion Pvoa Neto

    Ncleo Interdisciplinar de Estudos Migratrios (NIEM) Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPPUR-UFRJ) [email protected]

    Tem sido intenso o debate recente, na escala internacional, sobre polticas migratrias, entendidas como tentativas de interferncia, no mbito estatal, sobre a mobilidade espacial de migrantes e refugiados e sobre as condies de sua permanncia e integrao nas reas de destino.1

    As sociedades ditas desenvolvidas tornam-se, como notrio, cada vez menos permissivas quanto imigrao em sentido amplo, tanto a dita econmica (voltada para o mercado de trabalho), quanto aquela de carter poltico e humanitrio, envolvendo refugiados e solicitantes de asilo em deslocamentos devidos a constrangimentos e violncias vrias.

    A presente contribuio procura apontar algumas situaes de ocorrncia de discursos e prticas de culpabilizao do migrante por males sociais diagnosticados nas sociedades de imigrao. E, em seguida, apresentar e analisar modalidades de atuao estatal contra os migrantes baseadas em restries foradas sua mobilidade espacial.

    O diagnstico do imigrante como excedente inassimilvel pela economia e, mais que isso, socialmente oneroso para as sociedades de imigrao, representa, para diversas sociedades, uma ruptura frente a um passado

    1 A redao do presente texto contou com a importante colaborao de Andressa Spata, a quem deixo

    meus agradecimentos.

  • 31 Encontro Anual da Associao Nacional de Ps-Graduao e Pesquisa em Cincias Sociais (ANPOCS)

    22 a 26 de outubro de 2007

    Caxambu, MG

    Seminrio Temtico: ST 20 - Imigrao como perigo: antigas questes, novos desafios

    Autor:

    Helion Pvoa Neto

    Instituio: Ncleo Interdisciplinar de Estudos Migratrios (NIEM) Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPPUR-UFRJ)

    Ttulo: Rejeitar, sinalizar, conter: as barreiras fsicas mobilidade como dispositivos de poltica migratria