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Mecˆanica e Ondas fasc´ ıculo 20 Copyright c 2008 Mario J. Pinheiro All rights reserved May 31, 2010 Contents 20.1 Fluidos ................................ 556 20.2Equa¸c˜ ao fundamental da hidrost´atica ................ 560 20.3 Princ´ ıpio de Arquimedes (impuls˜ao hidrost´atica) ......... 564 20.4 Equil´ ıbrio dos corpos fluctuantes .................. 564 20.5 M´ etodos de descri¸c˜ ao e regime de escoamento ........... 566 20.6Equa¸c˜ oes integrais. No¸c˜ ao de volume de controle ......... 567 20.7Conserva¸c˜ ao da massa. Equa¸c˜ ao de continuidade ......... 567 20.8Equa¸c˜ ao de Euler ........................... 568 Mario J. Pinheiro Departamento de F´ ısica e Instituto de Plasma e Fus˜ ao Nuclear Instituto Superior T´ ecnico email: [email protected] 555

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Page 1: Mec^anica e Ondas fasc¶‡culo 20 - fenix.tecnico.ulisboa.pt · do ar em torno de objectos hidro ou aerodin^amicos. Esta sec»c~ao constitui uma curta introdu»c~ao. A din^amica

Mecanica e Ondas

fascıculo 20

Copyright c© 2008 Mario J. PinheiroAll rights reserved

May 31, 2010

Contents

20.1 Fluidos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55620.2 Equacao fundamental da hidrostatica . . . . . . . . . . . . . . . . 56020.3 Princıpio de Arquimedes (impulsao hidrostatica) . . . . . . . . . 56420.4 Equilıbrio dos corpos fluctuantes . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56420.5 Metodos de descricao e regime de escoamento . . . . . . . . . . . 56620.6 Equacoes integrais. Nocao de volume de controle . . . . . . . . . 56720.7 Conservacao da massa. Equacao de continuidade . . . . . . . . . 56720.8 Equacao de Euler . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 568

Mario J. PinheiroDepartamento de Fısica e Instituto de Plasma e Fusao NuclearInstituto Superior Tecnicoemail: [email protected]

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“Ha um tempo em que e preciso abandonar as roupas usadas, queja tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, quenos levam sempre aos mesmos lugares. E o tempo da travessia: e,se nao ousarmos faze-la, teremos ficado, para sempre, a margem denos mesmos”.

- Fernando Pessoa

“Nao sou nada. Nunca serei nada. Nao posso querer ser nada. Aparte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.”

- Fernando Pessoa

20.1 Fluidos

A mecanica dos fluidos constutui um instrumento de analise com grande im-portancia para o engenheiro mecanico, porque este necessita de ter uma boacompreensao desta materia no estudo de compressores, motores a jacto, tro-cadores de calor. Tem igualmente grande importancia para o engenheiro navalou aeroespacial, porque este necessita conhecer em profundidade o escoamentodo ar em torno de objectos hidro ou aerodinamicos. Esta seccao constitui umacurta introducao.

A dinamica estuda o movimento da materia e esta dividida em dinamica doscorpos rıgidos e a dinamica dos corpos nao rıgidos. A dinamica dos corposnao rıgidos compreende a teoria da elasticidade (corpos elasticos solidos) e amecanica dos fluidos.

Um fluido e uma substancia que nao resiste a uma forca de cisalhamento, ou auma tensao no sentido geral do termo, sem se mover. O que se chama tensaode cisalhamento 1 e um tipo de forca aplicada em sentidos opostos, poremactuando na mesma direccao.

Um fluido e um corpo que nao oferece resistencia permanente asforcas que tendem a modificar a sua forma.

Um fluido poder ser um gas ou um lıquido. Um lıquido esta sujeito a forcasintermoleculares que manem as moleculas unidas de modo a formar volume,embora sem forma definida. Quando um lıquido e colocado num reservatorio,ocupa o espaco delimitado pela forma do reservatorio e a superfıcie livre dolıquido. Os lıquidos caracterizam-se pela fraca compressiblidade e a sua massaespecıfica ρ varia pouco com a temperatura ou a pressao.

As partıculas constituintes de um gas estao sujeitas a forcas mais tenues e col-idem entre si de modo caotico, tendendo a dispersar-se sem terem forma ouvolume definidos, ou a ocuparem completamente o volume do reservatorio.

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Figure 1: O mar do Japao pintado pelo grande artista japones do perıodo Edo,Katsushika Hokusai (1760 - 1849) .

Figure 2: Tensao de cisalhamento.

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No estado de equilıbrio a tensao normal (isto e, a pressao p) nao depende daorientacao da superfıcie sobre a qual se exerce (lei de Pascal):

p = px = py = pz (20.1)

A pressao que existe num fluido resulta da sua compressao. Como nao podehaver constangimentos tangenciais a um fluido, as propriedades elasticas dofluido caracterizam-se por um unico constrangimento elastico, o coeficientede compressao:

γ = − 1V

∂V

∂p(20.2)

Se supusermos que durante a compressao a temperatura do fluido permanececonstante, deveremos reescrever a formula anterior da seguinte maneira:

γT = − 1V

(∂V

∂p

)

T=const

. (20.3)

Os lıquidos sao muito pouco compressıveis. Uma experiencia simples que podeser feita ilustra esta propriedade. Encha-se de agua pela metade um recipienteem plastico. Um tiro de bala disparado por uma espingarda de pressao de arperfurando a garrafa de plastico acima da superfıcie livre do lıquido fara apenasum pequeno buraco no plastico; porem, um tiro que atravesse o lıquido provocaa explosao da garrafa porque o lıquido e sujeito a fortes pressoes. Este efeito edevastador para os submarinos porque a explosao de minas anti-submarinos 2

gera pressoes terrivelmente elevadas, capazes de destruir o submarino (Fig. 3).

Exemplo 1: Calcule o incremento de pressao da Vo = 1 litro de agua (a pressaode po = 1 Pa) quando este e submetido ao aumento de volume ∆V = 10−3Vo l.Sabe-se que γT = 0.4776× 10−9 Pa−1 a temperatura de 10 o C.

Da Eq. 20.2 obtemos em primeira aproximacao∫ p

podp′ = − 1

γ

∫ V

Vo

dVV

∆p = p− po = − 1γ ln V

Vo

∆p = 2.1× 106Pa.

(20.4)

Concluımos que uma pequena variacao de volume resulta num incremento depressao enorme!

Por causa da pequena compressibilidade dos lıquidos despreza-se com frequenciaa sua variacao de volume, tratando-se o fluido como incompressıvel. Ja pelocontrario, os gases possuem uma compressibilidade notavel.

No estado de equilıbrio a pressao p de um lıquido ou de um gas varia com a suadensidade ρ e a sua temperatura T :

p = f(ρ, T ). (20.5)1Tambem conhecida por tensao de corte.2Em ingles, designam-se por “depth charges”.

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Figure 3: Efeito das minas anti-submarino.

Esta relacao e conhecida por equacao de estado.

Definicao: Um fluido e um corpo que nao oferece resistencia permanente auma tensao contınua aplicada sobre ele.

Quando um fluido esta em movimento ele pode ser submetido nao so a forcasde tensao normal (pressao), mas tambem a forcas tangenciais, onde se incluema viscosidade.

Um fluido no seio do qual nao existem forcas de atrito e dito fluido perfeito.

20.2 Equacao fundamental da hidrostatica

As forcas que se exercem sobre um fluido subdividem-se em forcas massicas(volumicas) e forcas de superfıcie.

A equacao de equilıbrio de um fluido e dada por

−→f =

−−→gradp =

1ρ∇p, (20.6)

onde representamos por−→f a forca por unidade de massa (em unidades N/kg).

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A pressao e definida como tensao, ou forca de contacto por unidade de area:

p ≡ lim∆S→0

∆F

∆S=

dF

dS. (20.7)

Propriedade Fundamental de um Fluido: Quando um fluido esta emequilıbrio, exerce uma forca perpendicular a superfıcie com a qual esta em con-tacto.

Exemplo 2: Determine a formula que relaciona a elevacao da pressao com aaltura numa coluna de fluido no campo gravıtico em equilıbrio estatico.

O campo gravıtico e a unica forca a que esta sujeito o fluido (que e suposto agirao longo do eixo Oz). Da Eq. 20.6 podemos escrever

fx = 0; fy = 0 ; fz = −g (a)∂p∂x = 0; ∂p

∂y = 0; ∂p∂z = −ρg (b)∫ p2

p1dp = −ρg

∫ z2

z1dz (c)

p2 − p1 = −ρg(z2 − z1) (d).

(20.8)

Tratamos o fluido como incompressıvel, isto e, assumimos que ρ = const. AEq. 20.8-(d) e a Equacao Fundamental da Hidrostatica.

Seja p1 a pressao a superfıcie de um lıquido, no ponto z = 0. A Eq. 20.8-(d)determina a pressao que o fluido exerce sobre o fundo ou as paredes laterais dorecipiente que o encerra. E a formula mais importante da hidrostatica.

Exemplo 3: Hidrostatica dos fluidos compressıveis.

Use a equacao de estado dos gases ideais 3, p = RTµ ρ, onde µ e o peso molecular

do gas e R e a Constante dos Gases Perfeitos cujo valor numerico aproximadoe R = 8.31 J.K−1.mole−1. A equacao que nos interessa e

dpdz = −ρg= − µg

RT p(20.9)

Na ausencia de ventos ou de correntes atmosfericas, estando a atmosfera imovel,dizemos que ela se encontra no estado de equilıbrio mecanico. Se, alemdisso, considerarmos que ela se encontra no estado de equilıbrio termicocom a temperatura T igual em todos os pontos do espaco dizemos que a atmos-fera e isotermica. A Eq. 20.9 pode-se entao integrar facilmente, obtendo-sesucessivamente:

dpp = − µg

RT dz

ln ppo

= − µgRT z

∴ p = poe−µgz

RT

∴ ρ = ρoe−µgz

RT .

(20.10)

As duas ultimas relacoes chamam-se de formulas barometricas, onde po e ρo

sao a pressao e a densidade ao nıvel do solo, respectivamente.3Por vezes chamada equacao de Clapeyron (1799-1864).

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Figure 4: Prensa hidraulica.

Exemplo 4: A ponta de uma agulha com uma area de contacto S = 10−8

m2 sobre uma dada superfıcie de apoio, exerce a pressao p = 108 Pa, quandopressionada com a forca de 1 N (ou 100 g).

Exemplo 5: Prensa hidraulica (Fig. 4): Dois cilindros fechados por embolosmoveis de areas S1 e S2 encontram-se ligados um ao outro por um tubo estreito,estando o volume interior cheio de um lıquido (usualmente agua ou oleo). Comoa pressao e a mesma em qualquer ponto da parede e no interior do lıquido, temosa relacao:

p1 = F1S1

= p2 = F2S2

⇒ F2 = S2S1

F1(20.11)

Sendo S2 À S1 conclui-se que actuando com uma pequena forca no cilindromenor, obtem-se uma forca muito maior no cilindro de maior diametro.

Exemplo 6: Vasos comunicantes: Se um recipiente e formado por diversosramos com comunicacao entre si, o princıpio de Pascal ja referido, permite-nosprever que se um lıquido o preencher, entao ele sobe a mesma altura h em todosos ramos (princıpio dos vasos comunicantes, Fig. 5-(a)). Se em dois ramos de umtubo em U tivermos dois lıquidos nao miscıveis de densidade diferente, ρ1 6= ρ2,eles subirao a alturas diferentes. Podemos considerar um plano AB comum aum mesmo fluido e no qual a pressao e p (Fig. 5-(b)). Como na superfıcie deambos os lıquidos a pressao devera ser necessariamente igual, conclui-se que

p = po + ρ1gh1 = po + ρ2gh2

∴ h1h2

= ρ2ρ1

.(20.12)

Exemplo 7: Muitas pessoas pensam, ingenuamente, que se um tubo flexıvelestiver com a boca fluctuando acima do nıvel da agua sera possıvel respiraratraves dele enquanto estiverem mergulhadas (Fig. 6). Porem, a pressao exer-cida pela agua nos seus pulmoes opoe-se a expansao do torax e dos pulmoes.Imagine que voce seja capaz de respirar deitado no chao com um peso de 400 Naplicado sobre a caixa toracica. A que profundidade, na agua, voce conseguiriarespirar, admitindo que a area frontal da caixa toracica e de 0.09 m2?

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Figure 5: (a) Lıquido homogeneo em vasos comunicantes; (b) Alturas de lıquidosnao misciveis com densidades diferentes em vasos comunicantes.

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Figure 6: Sujeito mergulhado na agua e respirando por um tubo.

Tem-sedF = pdS = ρghLdh

F =∫ h2

h1dF =

∫ h2

h1ρghLdh = 1

2ρgL(h22 − h2

1)(20.13)

A area frontal da caixa toracica e S = L(h2 − h1) e L e a largura da caixatoracica da pessoa. Podemos rearranjar a expressao anterior na forma

F = 12ρgL(h2 − h1)(h2 + h1) = 1

2ρgS(h2 + h1)h = 1

2 (h1 + h2)⇒ F = ρgSh

∴ h = FρgS

h = 400N(103kg/m3)(9.8m/s2)(0.09m2) ≈ 45cm.

(20.14)

20.3 Princıpio de Arquimedes (impulsao hidrostatica)

Consideremos um corpo solido de forma cilındrica imerso num lıquido de den-sidade ρ ate a profundidade h. As forcas laterais exercidas sobre o cilindroequilibram-se simetricamente. Porem, a pressao exercida na base do cilindro dearea S e maior do que a pressao exercida no topo, como se depreende da relacao:

p2 − p1 = ρgh. (20.15)

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A resultante das forcas, a impulsao−→E , e dirigida para cima:

E = (p2S − p1S) = ρghS = ρV g = mfg−→E = mf

−→g = −−→w f .(20.16)

onde mf e a massa do fluido deslocado. A impulsao de Arquimedes produzuma perda aparente de peso que e igual ao peso do lıquido deslocado, −→w f

4.

20.4 Equilıbrio dos corpos fluctuantes

Na posicao de equilıbrio, a resultante da impulsao−→I e do peso −→w deve ser nula,

assim como o respectivo torque. Para que tal aconteca, o centro de impulsao C eo centro de gravidade G do corpo devem estar alinhados sobre a mesma vertical(Fig. 7-(a)). Quando o corpo gira a porcao de fluido deslocado muda de formae o centro de impulsao passa a ocupar uma nova posicao C ′. O prolongamentoascendente da vertical que passa por C ′ encontra o eixo que passa pelos pontosC e G num ponto M que se chama de metacentro. Se M esta localizadoacima de G, o torque resultante tende a restabelecer a posicao de equilıbrio eo equilıbrio e estavel; se M estiver abaixo de G, o torque tende a aumentaro desiquilıbrio e este e dito instavel. Por este motivo, quando numa pequenaembarcacao os ocupantes se levantam, elevam a posicao do ponto G, tornando-omais instavel, ou provocando o seu desequilıbrio.

Exemplo 8: Um bloco de madeira, cuja densidade relativa a agua e ρ, tem asdimensoes a, b, c. Enquanto fluctua na agua, com o lado a na vertical, o bloco eempurrado para baixo e abandonado em oscilacao livre. Calcule o perıodo dasoscilacoes resultantes.

As forcas aplicadas no bloco sao o peso −→w = m−→g e a impulsao−→I = (bcy)g

−→j ,

onde−→j e o versor orientado na vertical dirigido ao longo do eixo Oy. A equacao

do movimento e−→w +

−→I = m−→a (20.17)

4Conta o arquitecto romano Vitruvius na sua obra De Architectura que Hiero II, rei (etirano) de Siracusa de 270 a 215 A.C., teria contractado o grande matematico grego Ar-quimedes para que ele descobrisse um metodo capaz de detectar fraudes na manufactura deuma coroa de ouro. Hiero II suspeitava que o seu ourives teria extraıdo uma parte do ouroda coroa e substituıdo por prata. Arquimedes aceitou o desafio e numa ocasiao estando elenos banhos publicos compreendeu que quanto mais se afundava na banheira, mais agua eradeslocada, de tal modo ser claro que a agua deslocada era uma medida do seu volume. ContaVitrivius que Arquimedes (na altura com apenas 22 anos) teria saltado da banheira e corridopara casa gritando: “Eureka! Eureka!”, o que significa em grego: “Eu descobri! Eu descobri!”.O mais provavel e Arquimedes nunca ter feito tal exclamacao, porque nunca ele escreveu sobretal acontecimento pessoal, muito embora tenha dispendido muito tempo descrevendo as leisda flutuabilidade e da alavanca. E um facto que ele teria dito : “Deem-me um ponto de apoioe eu moverei a Terra”.

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Figure 7: Embarcacao e forcas responsaveis pelo movimento de rolamento.

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No equilıbrio mecanico tem-se −→a = 0, donde resulta

−→w = −−→I∴ ρm(abc)g = g(bc)yeqρa

yeq = ρmaρa

(20.18)

onde yeq representa a altura imersa a que se encontra o bloco de madeira noestado de equilıbrio mecanico, e ρm denota a densidade do material, m = ρmabce ρa a densidade da agua.

No estado fora do equilıbrio, verifica-se

−→w +−→I = m−→a

−ρm(abc)g + g(bc)yρa = ρm(abc)d2ydt2

d2ydt2 = g(−1 + y

aρ )d2ydt2 = − g

aρ (y − yeq)

(20.19)

onde ρ = ρm

ρa. Fazendo uma apropriada mudanca de variavel, Y = y − yeq,

obtemosd2Ydt2 + g

aρY = 0Y (t) = A sin(ωt + δ)

ω =√

gaρ

T = 2πω = 2π

√aρg ,

(20.20)

20.5 Metodos de descricao e regime de escoamento

Como poderemos descrever o movimento de um fluido? Existem dois metodosconhecidos:

Metodo de Lagrange : Segue-se o movimento de uma partıcula do fluido,−→r = −→r (t,−→r o, to). Quando t varia, o vector −→r descreve a trajectoria dapartıcula do fluido. Este metodo raramente tem interesse.

Metodo de Euler : Fixamos a posicao de observacao num dado ponto −→r dofluido e verificamos como varia a velocidade do fluido nesse ponto fixodo fluido: −→v = −→v (−→r , t). Como e natural, em cada instante t sera umapartıcula diferente que aı passara. Este e o metodo descritivo mais uti-lizado.

A cada ponto do fluido encontra-se associado um vector −→v , materializando-seum campo vectorial de velocidades do fluido.

Chama-se linha de corrente (ou filete) num dado instante uma linha tangenteem cada ponto ao vector velocidade −→v nesse ponto. Chama-se tubo de cor-rente a superfıcie formada num dado instante por todas as linhas de correnteque passam pelos pontos de uma dada curva γ fechada no fluido.

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O escoamento do fluido designa-se por estacionario, ou em regime permanente,quando o campo de velocidades do fluido nao varia com o tempo:

−→v = −→v (−→r ). (20.21)

20.6 Equacoes integrais. Nocao de volume de controle

No estudo do movimento do fluido consideram-se 4 equacoes basicas:

• Conservacao da massa;

• Conservacao do momento (Segunda Lei de Newton);

• Conservacao da energia;

• Segunda Lei da Termodinamica.

Em geral, nao e conveniente seguir porcoes fixas de fluido (o sistema consid-erado) durante a analise do movimento do fluido. E mais apropriado definiruma regiao fixa do espaco, o volume de controle. Em mecanica dos flui-dos, o volume de controle e um conceito matematico abstracto que se utilizana construcao do modelo matematico do processo fısico. Consiste num volumefixo no espaco, definido relativamente a um referencial de inercia, atraves doqual o fluido flui. A superfıcie que encerra o volume de controle designa-se porsuperfıcie de controle. Em regime estacionario, e na ausencia de trocas deenergia com o exterior sob a forma de trabalho ou calor, pode-se consideraro volume de controle como um volume arbitrario no qual a massa e a energiapermanece constante; isto e, pode-se considerar que a massa e a energia queentram no volume de controlo sao iguais a massa e energia que saem do mesmovolume de controlo.

20.7 Conservacao da massa. Equacao de continuidade

Consideremos um tubo de corrente cuja seccao transversal e S (Fig. 9-(a)).Queremos calcular a massa ∆m que atravessa essa seccao num pequeno intervalode tempo ∆t. Se −→v e a velocidade do fluido, entao no intervalo de tempo ∆t oo fluido tera ocupado um cilindro de lado v∆t. O volume do cilindro ocupadopela massa ∆m sera V = Sv∆t. Logo a massa que tera atravessado a seccao Sdo cilindro no intervalo de tempo ∆t sera:

∆m = ρSv∆t (20.22)

Em seguida, consideremos um escoamento estacionario e uma parte do tubo decorrente situado entre duas seccoes transversais de areas S1 e S2 diferentes ondeas velocidades e as densidades do fluido sao, respectivamente, (ρ1, v1) e (ρ2, v2)

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Figure 8: Continuidade em derivacoes.

(Fig. 9). A massa ∆m1 que entra pela superfıcie S1 devera ser igual a massa∆m2 que sai da superfıcie S2:

∆m1 = ρaS1v1∆t = ∆m2 = ρ2S2v2∆t∴ ρ1S1v1 = ρ2S2v2.

(20.23)

No exemplo da Fig. 8 terıamos

ρ2A2v2 + ρ3A3v3 − ρ1A1v1 = 0 (20.24)

onde surge o sinal negativo para a entrada na superfıcie A1 porque a normal asuperfi cie de controle naquele ponto e dirigida para fora.

20.8 Equacao de Euler

Consideremos uma “partıcula de fluido” de volume ∆V . A Segunda Lei deNewton diz-nos que a equacao do movimento e

∆m−→a = ρ−→a ∆V =−→F s +

−→F v. (20.25)

−→a e a aceleracao da “partıcula” e−→F s e

−→F v sao as resultantes das forcas super-

ficiais e de volume. Alem das forcas de vloume externas (tal como a exercidapela gravidade), poderao existir forcas internas, forcas de atrito exercidas entrecamadas de fluido vizinhas, forcas do tipo tangencial, que sao do tipo viscoso.

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Figure 9: (a) Conservacao da massa que atravessa uma superfıcie cilindrica dearea constante; (b) Conservacao da massa que atravessa duas seccoes de areadiferentes.

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Todos os fluidos exibem uma certa viscosidade, naturalmente que a aguatambem, embora os efeitos de viscosidade sejam bem menores do que numfluido oleoso. Vamos desprezar o estudo da viscosidade agora, considerandoo chamado fluido perfeito ou fluido ideal.

Vamos considerar unicamente as forcas externas volumetricas, denotando-aspor

−→f e as forcas superficiais de pressao (ou cisalhamento) exercidas sobre um

determinado volume ∆V de fluido. A equacao do movimento e

−→F v +

−→F s = (

−→f −−−→gradp)∆V, (20.26)

ou sejaρ−→a =

−→f −−−→gradp. (20.27)

Esta equacao esta na base do tratamento de problemas que envolvam foras sobresuperfıcies solidas e outros fluidos, como por exemplo a forca exercida sobre umapa movel de uma turbina, motores de ejeccao, sustentacao e resistencia de umaasa de aviao. No caso de uma forca volumetrica gravıtica, a Eq. 20.27 pode-seescrever na forma

ρ−→a = −−−→grad(p + ρgz). (20.28)

Ve-se que p desempenha o papel de uma densidade de energia gravitacional.

Pode-se integrar a Eq. 20.28 ao longo de um filete de corrente e obter aequacao de Bernoulli entre dois pontos 1 e 2 do filete:

12v21 + gz1 +

p1

ρ=

12v22 + gz2 +

p2

ρ(20.29)

que exprime a conservacao da energia por unidade de massa ao longo do filete.Consideramos aqui o fluido imcompressıvel, doutro modo poderia haver variacaoda energia interna. Podemos ainda escrever a equacao de Bernoulli na forma:

12ρv2 + p + ρgz = Const. (20.30)

cujo valor mantem-se constante, independente do tempo para regimes esta-cionarios, ao longo do filete de corrente.

Exemplo 9: Um tanque de agua encontra-se sobre um carrinho que podemover-se sobre um trilho horizontal com atrito desprezavel. Ha um pequenoorifıcio numa parede, a uma profundidade h abaixo do nıvel da agua do tanque,como ilustra a Fig. 10. A area do orifıcio e A (despreze o factor de contraccaoda veia lıquida), a massa inicial da agua e Mo e a massa do carrinho e do tanquee mo. Qual e a aceleracao inicial do carrinho?

Aplicando o teorema de Bernoulli:

QuadroNegro 1

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Figure 10: Foguetao a ejeccao de agua.

Obtem-se assim a formula de Torricelli:

va =√

2gh. (20.31)

A quantidade de fluido que se esvai do tanque e dada pela equacao de con-tinuidade:

QuadroNegro 2

O sistema e de massa variavel:−→F = d−→p

dt = ddt (m

−→v ) = dmdt−→v + md−→v

dt .−→p (t) = (Mo + mo)−→v−→p (t + ∆t) = (Mo − ∆m∆t ∆t)(−→v + ∆−→v ) + mo(−→v + ∆−→v ) + ∆m(−→v + ∆−→v −−→v a)

(20.32)Subtraindo, obtem-se

−→p (t + ∆t)−−→p (t) = (Mo + mo)∆−→v −∆m−→v a. (20.33)

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Na ausencia de forcas externas, tais como o atrito das rodas com o solo:

QuadroNegro 3

Exemplo 10: Um sifao e estabelecido aspirando o lıquido do reservatorio (dedensidade ρ) atraves do tubo recurvado ABC e fazendo-o jorrar em C, comvelocidade de escoamento v. (a) Calcule v em funcao dos parametros da Fig. 11.(b) Calcule a pressao nos pontos A e B. (c) Qual e o valor maximo de ho parao qual o sifao funciona?

QuadroNegro 4

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Figure 11: Sifao.

Exemplo 11: A asa de uma aeronave (Fig. 12) requer uma forca de sustentacao−→E (empuxo dinamico) de 124 kg/m2. Se a velocidade do fluxo de ar ao longo dasuperfıcie inferior for de 152.4 m/s, qual devera ser a velocidade do fluxo sobrea superfıcie superior de modo a produzir o referido empuxo?

Desprezando o efeito do campo gravıtico, atendendo que e muito pequeno:

p1 + 12ρv2

1 = p2 + 12ρv2

2

v22 = v2

1 + 2ρ (p1 − p2)

(20.34)

Se p1 > p2 ⇒ v2 > v1:

v2 =

√(152.4)2 +

21.293

(124) = 158.4m/s. (20.35)

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Figure 12: Asa de uma aeronave.

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