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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS FACULDADE DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO Maria Goretti Queiroz O O E E N N S S I I N N O O D D A A O O D D O O N N T T O O L L O O G G I I A A N N O O B B R R A A S S I I L L : : CONCEPÇÕES E AGENTES Outubro , 2006 Create PDF with GO2PDF for free, if you wish to remove this line, click here to buy Virtual PDF Printer

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  • 1UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIS

    FACULDADE DE EDUCAOPROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO

    Maria Goretti Queiroz

    OO EENNSSIINNOO DDAA OODDOONNTTOOLLOOGGIIAA NNOOBBRRAASSIILL::

    CCOONNCCEEPPEESS EE AAGGEENNTTEESS

    Outubro , 2006

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  • 2Maria Goretti Queiroz

    OO EENNSSIINNOO DDAA OODDOONNTTOOLLOOGGIIAA NNOOBBRRAASSIILL::

    CCOONNCCEEPPEESS EE AAGGEENNTTEESS

    Tese elaborada como requisito parcial para aobteno do ttulo de Doutor em Educao noPrograma de Ps-graduao em Educao daFaculdade de Educao da UFG.

    Linha de pesquisa: Estado e PolticasEducacionaisOrientador: Prof. Dr. Luiz Fernandes Dourado.

    Outubro, 2006

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  • 3

    Dados Internacionais de Catalogao-na-Publicao (CIP)

    (GPT/BC/UFG)

    Queiroz, Maria Goretti.Q3e O ensino da odontologia no Brasil: concepes e

    agentes / Maria Goretti Queiroz. Goinia, 2006.359f. : il., tabs., grfs., qds.

    Orientador: Luiz Fernandes Dourado.

    Tese (Doutorado) Universidade Federal deGois, Faculdade de Educao, 2006.

    Bibliografia : f.354-359.Inclui listas de tabelas, grficos, quadros e siglas

    Utilizadas.Apndice.

    1. Ensino superior Odontologia Brasil 2. Ensino superior Histria Brasil 3. Poltica educacional 4.Educao(Superior) Polticas pblicas 5. Odontologia Estudo e ensino I. Dourado, Luiz Fernandes II. UniversidadeFederal de Gois, Faculdade de Educao III. Ttulo.

    CDU: 378:616.314(81)

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  • 4

    Maria Goretti Queiroz

    OO EENNSSIINNOO DDAA OODDOONNTTOOLLOOGGIIAA NNOOBBRRAASSIILL:: CCOONNCCEEPPEESS EE AAGGEENNTTEESS..

    Tese elaborada como requisito parcial para aobteno do ttulo de Doutor em Educao noPrograma de Ps-graduao em Educao daFaculdade de Educao da UFG.

    Aprovada em: ____ de novembro de 2006.

    Banca Examinadora

    Prof. Dr. Luiz Fernandes DouradoFaculdade de Educao - UFG

    Prof Dr Regina Vinhaes GracindoUniversidade de Braslia

    Prof Dr Mrcia ngela AguiarUniversidade Federal de Pernambuco

    Prof. Dr Anita Cristina Azevedo ResendeFaculdade de Educao - UFG

    Prof Dr Maurides Batista de Macedo Filha OliveiraFaculdade de Educao - UFG

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  • 5

    DDEEDDIICCAATTRRIIAA

    A meus pais,pelo apoio carinhoso;

    A meus filhos Isabella, Tales e Eduardo,com todo o meu amor.

    A meu orientador, Prof. Dr. Luiz Fernandes Dourado,pela orientao rigorosa e ao mesmo tempo afetuosa,

    ao reconhecer os meus limites e possibilitar que eu os superasse.

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  • 6

    AAGGRRAADDEECCIIMMEENNTTOOSS

    Eu sempre me senti uma pessoa privilegiada pela vida,principalmente devido s pessoas que me cercam. O carinho, o apoio e acompreenso de todas elas me possibilitaram enfrentar ou minimizar ospercalos desses ltimos quatro anos. A todos vocs, meus amigos, meueterno agradecimento.

    Agradeo em especial a minha famlia: meus pais, irmos, meumarido e filhos pela compreenso e apoio incondicional.

    s minhas grandes amigas: Mrcia, Margareth, Dr Edith, ProfLuisa, Sandrinha, Kelly e Roslia, pelo auxlio providencial na hora certae, muitas vezes, antecipando as minhas solicitaes.

    Aos meus colegas da 1 turma do Doutorado em Educao daFaculdade de Educao da UFG, pela convivncia.

    Aos professores do Programa de Ps-Graduao em Educao,especialmente o Prof. Dr. Jadir de Morais Pessoa, o Prof. Dr. JooFerreira de Oliveira, o Prof. Dr. Ildeu Moreira Coelho e o meuorientador Prof. Dr. Luiz Fernandes Dourado.

    minha sempre orientadora Prof. Dr Anita Cristina AzevedoResende, pela preciosa colaborao na construo do meu trabalho, pormeio da leitura criteriosa do mesmo para o Exame de Qualificao.

    Prof Dr Maurides Batista de Macedo Filha Oliveira, peloagradvel reencontro e pela contribuio ao meu trabalho, por meio dascrticas instigadoras e oportunas, durante o Exame de Qualificao.

    s minhas colegas e amigas da Disciplina de Odontologia Socialda FO/UFG, Maria do Carmo, Vnia, Dais e Maria de Ftima, querespeitaram e apoiaram a minha ausncia da disciplina para empreenderessa etapa na minha formao. Ao Prof. Cludio Rodrigues Leles pelaajuda providencial.

    Eliane Facion pela criteriosa e competente reviso do texto.Aos valiosos companheiros que construram e aos que esto

    construindo, por meio das suas utopias, o projeto da Reforma SanitriaBrasileira.

    A todos e a cada um de vocs o meu amor!

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  • 7

    RREESSUUMMOO

    Pesquisa visou compreender processo de constituio do ensino daodontologia no Brasil a partir da contribuio de trs agentes: OPAS, FundaoKellogg e ABENO. Pesquisa documental, exploratria desenvolvida noPrograma de Ps-Graduao em Educao FE/ UFG, linha de pesquisa Estadoe Polticas Educacionais. Perodo do estudo abrangeu desde ainstitucionalizao do ensino da odontologia no Brasil, em 1856 at a adoodas Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Graduao emOdontologia (DCNO) em 2002. Fontes de pesquisa foram: legislao do ensinosuperior e da sade no Brasil, pesquisas na rea da Histria da EducaoSuperior, documentos e recomendaes elaborados pela OPAS, FundaoKellogg, ABENO, Ministrio da Sade e da Educao, acerca da formao derecursos humanos em odontologia. As mudanas at 1961 foram realizadas pordeterminao do Estado e revelia da categoria profissional. Evidenciou-se odescompasso entre a legislao e a situao efetiva dos cursos; que, apesar daexistncia da legislao no havia uma padronizao das matrias ministradas eda carga horria de durao dos cursos. Com a LDB, em 1961, algumasdistores foram superadas e outras alteraes se efetivaram na educaosuperior no Brasil, tendo por base a suposta proposta de modernizao dessenvel de ensino, referendada pela Reforma Universitria de 1968, fortementeinfluenciada pelo modelo norte-americano. Modelo de ensino e prtica da sadeadotado no Brasil apresentou limites estruturais, devido ao crescente custo e impossibilidade de os pases pobres ou em desenvolvimento virem a implant-lo. Vrias aes de formao profissional foram implementadas, a fim deadequar os cursos realidade nacional e, ao mesmo tempo, avanar no sentidode garantir a consolidao da odontologia na rea da sade. Nesse movimentode consolidao de um novo padro de formao situam-se as DCNO. Essas sofruto, portanto, dos desdobramentos das discusses acerca do ensino daodontologia construdas a partir das recomendaes do Seminrio de Via delMar - 1955, divulgadas pela OPAS e pela Fundao Kellogg e assumidas pelaABENO, atualizadas pelos estudos e pesquisas desenvolvidas pela rea.Resultou, tambm, de uma construo nacional coletiva, cujos atores seposicionaram estrategicamente, preparando-se teoricamente para a defesa de umservio de sade pblica de qualidade e uma formao profissional compatvelcom essa possibilidade de atuao. Elas foram construdas a partir dos maisdiversos embates, revelando a tenso entre diferentes atores e concepes, nemsempre compreendidos pelos profissionais da rea. Tal constatao enseja a

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  • 8necessidade de maior clareza por parte dos profissionais, no que concerne sconcepes e propostas poltico-pedaggicas para a rea; a necessidade de que acategoria profissional assuma a autoria e a construo de uma proposta deformao profissional que pressuponha o fortalecimento da Reforma Sanitria. fundamental que a categoria esteja atenta para a possibilidade, cada vez maispresente, da forte tendncia de hierarquizao do ensino da odontologia, emfuno das polticas de diversificao e diferenciao da educao superior nopas. Compete tambm categoria assumir a discusso da formao dos recursoshumanos auxiliares em odontologia, objetivando resgatar o seu papel histriconesse processo.

    Descritores: Histria da educao superior; Polticas educacionais; Polticas deSade; Ensino odontolgico.

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  • 9

    AABBSSTTRRAACCTT

    The aim of this documental exploratory study was to investigate theevolution of dental education in Brazil based on three main organizations: thePan American Health Organization (PAHO), the Kellogg Foundation (KF) andthe Brazilian Dental Education Association (BDEA). The study covers theperiod since the institutionalization of dental education in Brazil in 1856, untilthe National Curriculum Guidelines for Undergraduate Courses in 2002.References: high education and health education legislation, the history of higheducation in Brazil, and PAHO, KF and BDEA documents andrecommendations about health human resources. Changes until 1961 weredetermined by government and were not attended by professional categories.Education was not in accordance with norms and disciplines were nothomogeneous in different courses despite of the existence of legislation. In1961, the Education Basis and Guidelines law, some distortions were amended.Universitary Reform in 1968, influenced by the North-American model,introduced changes like modernization of high education, and inclusion of levelsof education in Dentistry. Learning and practice models had structural limits dueto high costs and difficulties for implementation. Many interventions tried toadjust dental education to the regional and national scenario and to includeDentistry in the health area. It must be highlighted the importance of theNational Curriculum Guidelines for Undergraduate Courses, as a result of theVia del Mar Seminar (1955), and the involvement of PAHO, KF and BDEA inthis process. The collective construction of the National Curriculum Guidelinesemphasized the need of an effective public health system and professionaleducation in accordance with public services. Different protagonists andconcepts originated many discussions and tensions, often not understudied byprofessionals. Concepts and political and pedagogical projects in dentaleducation need to be more cleared and professional categories must lead theconstruction of a new dentist and reinforcement of the Sanitary Reform. Localand regional disparities also may be taken into account in this process. Dentalprofession must also conduct discussion about dental personnel, includingauxiliary dental professionals.

    Keywords: history of high education, education politics, health politics, dentaleducatio

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  • 10

    LLIISSTTAA DDEE TTAABBEELLAASS

    Tabela 1. Cursos de Odontologia no Brasil, distribudos segundo ano de criaoe organizao administrativa. Brasil, 2005 .......................................... 109

    Tabela 2. Distribuio das faculdades de odontologia, em 1959, por categoriaadministrativa, nmero de vagas e regio geogrfica. Brasil. .............. 120

    Tabela 3. Nmero e Percentual de Instituies, por Organizao Acadmica -Brasil - 2003........................................................................................ 275

    Tabela 4. Nmero de Instituies por Categoria Administrativa e RegioGeogrfica - Brasil 2003 .......................Erro! Indicador no definido.

    Tabela 5. Nmero Mdio de Cursos de Graduao Presencial por Instituio eCategoria Administrativa - Brasil 2003 ............................................ 282

    Tabela 6. Dez maiores Cursos de Graduao Presencial por ordem decrescentedo nmero de matrcula e concluintes - Brasil 2003 ......................... 283

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  • 11

    LLIISSTTAA DDEE GGRRFFIICCOOSS

    GRFICO 1 - DISTRIBUIO DO NMERO DE ALUNOSMATRICULADOS NOS CURSOS DE ODONTOLOGIA DASESCOLAS SUPERIORES NO BRASIL, NO PERODO DE 1932 A 1945............................................................................................................ 108

    GRFICO 2 - PERCENTUAL DE INSTITUIES, POR CATEGORIAADMINISTRATIVA BRASIL, 2003 ................................................. 276

    GRFICO 3 - NMERO DE MATRCULAS NA GRADUAOPRESENCIAL POR REGIO GEOGRFICA - BRASIL 2003 ........ 279

    GRFICO 4 - NMERO DE NOVAS INSTITUIES POR CATEGORIAADMINISTRATIVA E REGIO GEOGRFICA - BRASIL 2003. 280

    GRFICO 5 - EVOLUO DO NMERO DE IES NO BRASIL, NOPERODO DE 1997 A 2003. BRASIL, 2003. ..................................... 282

    GRFICO 6 - NMERO PERCENTUAL DE CANDIDATOS INSCRITOSEM GRADUAO PRESENCIAL POR VESTIBULAR. BRASIL, 1997-2003. ................................................................................................... 284

    GRFICO 7 - NMERO DE VAGAS OFERECIDAS, CANDIDATOSINSCRITOS E INGRESSOS POR VESTIBULAR NA GRADUAOPRESENCIAL - BRASIL - 2003 ........................................................ 285

    GRFICO 8 - DISTRIBUIO DOS DOCENTES POR FORMAO ECATEGORIA ADMINISTRATIVA DAS IES, BRASIL 2003........... 286

    GRFICO 9 - DISTRIBUIO PERCENTUAL DOS CURSOS DEODONTOLOGIA POR CATEGORIA ADMINISTRATIVA. BRASIL2005. ................................................................................................... 289

    GRFICO 10 - DISTRIBUIO PERCENTUAL DOS CURSOS DEODONTOLOGIA POR REGIO GEOGRFICA. BRASIL, 2005.... 290

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  • 12GRFICO 11 - DISTRIBUIO DOS CURSOS DE ODONTOLOGIA

    POR ORGANIZAO ADMINISTRATIVA E REGIO. BRASIL, 2005............................................................................................................. 291

    GRFICO 12 - DISTRIBUIO PERCENTUAL DAS VAGAS DOSCURSOS DE ODONTOLOGIA POR CATEGORIAADMINISTRATIVA. BRASIL, 2005................................................. 294

    GRFICO 13 - DISTRIBUIO PERCENTUAL DAS VAGAS DOSCURSOS DE ODONTOLOGIA POR REGIO GEOGRFICA. BRASIL,2005 .................................................................................................... 295

    GRFICO 14 - DISTRIBUIO PERCENTUAL DOS CURSOS DEODONTOLOGIA POR CARGA HORRIA DE INTEGRALIZAO DOCURSO. BRASIL, 2005. .................................................................... 298

    GRFICO 15 - DISTRIBUIO PERCENTUAL DOS CURSOS DEODONTOLOGIA DAS IFES POR CARGA HORRIA DEINTEGRALIZAO DO CURSO. BRASIL, 2005............................ 298

    GRFICO 16 - DISTRIBUIO PERCENTUAL DOS CURSOS DEODONTOLOGIA DAS IES PARTICULARES POR CARGA HORRIADE INTEGRALIZAO DO CURSO. BRASIL, 2005...................... 299

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  • 13

    LLIISSTTAA DDEE QQUUAADDRROOSS

    Quadro 1. Currculo do curso de arte dentria institudo pelo decreto n 9.311de 25/09/1884 ............................................................................... 63

    Quadro 2. Cursos de Odontologia existentes no Brasil no perodo de 1881 a1917 .........................................................................................................68

    Quadro 3. Nmeros de alunos matriculados e de concluintes na Faculdade deMedicina do Rio de Janeiro (RJ) e da Bahia (BA), 1878-88 ................. 70

    Quadro 4. Currculo do curso de odontologia institudo pelo decreto n 1.482 de24/07/1893 .................................................................................. 75

    Quadro 5. Currculo do curso de odontologia institudo pelo decreto n 3.902de 12/01/1901................................................................................... 77

    Quadro 6. Currculo do curso de Odontologia institudo pelo Decreto n 8.661,de 1911, artigo 56. ........................................................................... 87

    Quadro 7. Currculo do curso de Odontologia institudo pelo Decreto n11.530de 18/03/1915- Reforma Carlos Maximiliano............................. 88

    Quadro 8. Currculo do curso de Odontologia institudo pelo Decreto n16.782-A de 13/01/1925. ............................................................................91

    Quadro 9. Currculo do Curso de Odontologia institudo pelo decreto n19.852de 11/04/1931, artigo 219. ..........................................................101

    Quadro 10. Distribuio do grupo de matrias para os cursos de odontologia,segundo a proposta do Comit de Expertos em Higiene Dental,OPAS, 1962 ...............................................................................194

    Quadro 11. Distribuio de hora/aluno por disciplina proposta pela ABENO em1962 para um curso com durao de 2.800 horas. ............... 228

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  • 14

    Quadro 12. Distribuio de hora/aluno por disciplina proposta pela ABENO em1962 para um curso com durao de currculo de 4.200horas.......................................................................................................... 230

    Quadro 13. Currculo mnimo do curso de odontologia estabelecido peloParecer n 299 de 16 de novembro de 1962, do CFE. .............................. 233

    Quadro 14. Relao das disciplinas propostas pela ABENO para comporem ocurrculo mnimo dos Cursos de Odontologia...................................... 233

    Quadro 15. Currculo Mnimo do curso de Odontologia institudo por meio doParecer n 840/70. ................................................................................ 243

    Quadro 16. Distribuio dos cursos de odontologia por ano, categoriaadministrativa e organizao acadmica. Brasil, 2003............................287

    Quadro 17 - Distribuio dos cursos e vagas da graduao em odontologia porregies, segundo unidades federadas. Brasil, 1995, 2001 e 2005.......292

    Quadro 18 - Propostas do PAPS. Brasil, 1987........................................307

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  • 15

    SSIIGGLLAASS UUTTIILLIIZZAADDAASS

    ABCD Associao Brasileira de Cirurgio-DentistaABEEO Associao Brasileira de Estabelecimentos de Ensino OdontolgicoABENO Associao Brasileira de Ensino OdontolgicoABOPREV Associao Brasileira de Odontologia PreventivaABRASCO Associao Brasileira de Sade ColetivaAIS Aes Integrais de SadeALAFO Associao Latino-Americana de Faculdades de OdontologiaBID Banco Interamericano de DesenvolvimentoBIREME Centro Latino-Americano e do Caribe de Informaes em Cinciasda Sade (antiga Biblioteca Regional de Medicina)CAP Caixa de Aposentadoria e PensoCAPES Campanha Nacional de Aperfeioamento do Pessoal de NvelSuperior. Atualmente: Coordenao de Aperfeioamento do Pessoal de NvelSuperior.CFE Conselho Federal de EducaoCLATES Centro Latino-Americano de Tecnologia para a SadeCNE Conselho Nacional de EducaoCNS Conselho Nacional de SadeDCN Diretrizes Curriculares NacionaisENADE Exame Nacional de Desempenho AcadmicoENC Exame Nacional de CursoESG Escola Superior de GuerraIAP Instituto de Aposentadoria e PensoICA Internacional Cooperation AdministrationIDA Integrao Docente-AssistencialIES Instituio de Ensino SuperiorINEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio TeixeiraLDB Lei de Diretrizes e Bases da EducaoMEC Ministrio da EducaoMPAS Ministrio da Previdncia e Assistncia SocialMS Ministrio da SadeNUPES Ncleo de Pesquisa do Ensino Superior da USPNUTES Ncleo de Tecnologia Educacional em SadeOCDE Organizao de Cooperao e Desenvolvimento EconmicoOMS Organizao Mundial da Sade

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  • 16OPAS Organizao Pan-Americana da SadePAPS Programa de Apoio ao Pessoal de SadePIB Produto Interno BrutoSBPC Sociedade para o Progresso da CinciaSESP Servio Especializado em Sade PblicaSESu Secretaria de Ensino SuperiorSUS Sistema nico de SadeTHD Tcnico de Higiene DentalTIAR Tratado Interamericano de AssistnciaUNE Unio Nacional dos EstudantesUNESCO United Nation of Educational, Scientific and Cultural OrganizationUNI Uma Nova Iniciativa na educao dos profissionais de sade: unio coma comunidadeUNICAMP Universidade Estadual de CampinasUSP Universidade de So Paulo

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  • 17

    SSUUMMRRIIOO

    INTRODUO........................................................................................... 201. Delimitao da pesquisa.................................................................... 312. Aspectos metodolgicos ............................................................ 38

    CAPTULO 1OS CURSOS DE ODONTOLOGIA NO BRASIL: da criao dcada de1960............................................................................. 46

    1.1. Situando o ensino superior no perodo colonial ........................... 511.2. Situando o ensino superior no imprio ......................................... 551.3. A institucionalizao do ensino da odontologia no Brasil............... 62

    1.3.1. As implicaes das reformas do ensino superior no currculo doscursos de odontologia no Brasil. ............................................................. 74

    1.4. A dcada de 1910: incio da ocupao diferenciada da odontologia781.5. Contextualizando as mudanas do Ensino Superior no EstadoPopulista.................................................................................................. 96

    1.5.1. O ensino odontolgico a partir da legislao do ensino superior nadcada de 1930....................................................................................... 991.5.2. A dcada de 1930: marco da profissionalizao da odontologia noBrasil.................................................................................................... 109

    1.6. O ensino superior no perodo de 1945 a 1964. ............................... 1161.6.1. O ensino da Odontologia nesse perodo. ..................................... 119

    CAPTULO 2O PROCESSO DE LEGITIMAO DAS MUDANAS NO ENSINOODONTOLGICO .................................................................................. 122

    2.1. A Organizao Panamericana da Sade (OPAS): buscando entendero seu papel na formao de recursos humanos na rea da sade ....... 1282.2. A Fundao Kellogg e o seu iderio. .............................................. 1402.3. A Associao Brasileira de Ensino Odontolgico.......................... 166

    CAPTULO 3

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  • 18O ENSINO DA ODONTOLOGIA A PARTIR DAS RECOMENDAESINTERNACIONAIS. ................................................................................ 177

    3.1. Os cursos de odontologia na Amrica Latina a partir dasrecomendaes e encontros internacionais........................................... 181

    3.1.1. O curso de odontologia na ptica do Comit de Expertos em HigieneDental da Organizao Mundial de Sade. ........................................... 1833.1.2. O contexto das discusses acerca do ensino da Odontologia naAmrica Latina..................................................................................... 1973.1.3. Primeiro Seminrio Latino-Americano sobre o Ensino daOdontologia.......................................................................................... 2023.1.4. Segundo Seminrio Latino Americano Sobre o Ensino daOdontologia.......................................................................................... 2133.1.5. Terceiro Seminrio Latino Americano Sobre o Ensino daOdontologia.......................................................................................... 217

    3.2. O currculo mnimo do curso de odontologia de 1962..................... 2243.3. O Currculo Mnimo implantado em 1982, pelo ConselhoFederal de Educao.............................................................................. 246

    CAPTULO 4OS CURSOS DE ODONTOLOGIA NO BRASIL E AS POLTICAS DEGESTO PARA EDUCAO SUPERIOR ANOS DE 1990: inovaocontinuidade ou retrocesso? ..................................................................... 258

    4.1. A conformao do ensino superior no Brasil a partir da dcada de1990............ ............................................................................................. 2704.2.Os cursos de Odontologia na lgica da expanso ediversificao ........................................................................................ 2874.3. As Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de odontologia:outra possibilidade de formao profissional?.................................... 301

    4.3.1. O cenrio de elaborao das DCN para o curso deodontologia..........................................................................................316

    4.4. Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Graduao emOdontologia...........................................................................................................324

    CONSIDERAES FINAIS................................................................... 329FONTES DE PESQUISA.............................................................349REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS..................................................... 354APNDICEA. Reunies Anuais da ABENO ...................................................360

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  • 19

    IINNTTRROODDUUOO

    O presente estudo iniciou-se a partir da inquietao gerada pela

    perspectiva de implantao das Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos

    de Odontologia (DCN) e a adequao da Universidade Federal de Gois (UFG)

    s determinaes da Lei Diretrizes e Bases da Educao Nacional (LDB), no

    incio de 2000. A perplexidade diante das modificaes necessrias legislao

    para o ensino superior aumentava medida em que se ouviam os discursos

    acerca das DCN.

    Com a avaliao positiva do curso de odontologia da UFG atravs da

    nota do provo e, posteriormente, das condies do curso e das avaliaes

    docente e didtico-pedaggica, alando-o posio de uma das dez melhores

    faculdades de odontologia do Pas, mais aumentava a resistncia em relao s

    mudanas. De acordo com o relato de outras IES, a resistncia era um fenmeno

    nacional, no se limitando aos professores da Faculdade de Odontologia da

    UFG.

    Inicialmente, pensei em estudar as polticas de avaliao na

    perspectiva de que seriam elas as indutoras das mudanas nos cursos de

    graduao em odontologia. No entanto, medida em que estudava o assunto, j

    dentro do Programa de Ps-graduao em Educao Brasileira, essa questo foi

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  • 20perdendo a centralidade, persistindo a questo: - Por que se estavam

    implantando Diretrizes Curricularres to contrrias aos anseios de uma categoria

    profissional? - pois o perfil profissional preconizado pelas DCN no condizia

    com o ideal de profisso dos odontlogos e nem mesmo os que se dispunham a

    divulgar a necessidade de mudanas nos cursos de odontologia pareciam

    acreditar na proposta!

    A partir da compreenso das polticas para o ensino superior

    implantadas na dcada de 1990, foi possvel direcionar melhor o estudo sobre a

    constituio do ensino da odontologia, para compreender as determinaes

    histricas do processo de mudana anunciado para os cursos dessa rea. Apesar

    de graduada em 1982 e exercendo a funo de professora nesse curso desde

    1989, o ensino da odontologia, a sua gnese e determinaes histricas eram

    assuntos que eu no dominava, sequer a histria da educao superior e as

    polticas educacionais.

    A implementao da poltica de avaliao do ensino superior no

    Brasil, durante a dcada de 1990, consolidou as tendncias dessa modalidade de

    ensino, resultado do processo de diversificao e diferenciao institucional que

    secundarizou o papel social da universidade como instituio fundamental na

    oferta de uma educao pblica e de qualidade, a partir do trip ensino, pesquisa

    e extenso. O discurso da defesa da diversificao em contraposio ao modelo

    de universidade pblica apontou esta ltima como ineficiente e ineficaz, por

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  • 21supostamente formar profissionais com perfil inadequado ao mercado e a um

    custo muito alto para pases como o Brasil, com taxas de analfabetismo muito

    elevadas em todas as faixas etrias. Esse discurso ecoava as recomendaes dos

    organismos multilaterais para a educao superior dos pases em

    desenvolvimento.

    Desde o incio da dcada de 1950, discutia-se o elitismo do ensino na

    rea da sade no Brasil. Os profissionais eram formados para atender s

    demandas de uma populao muito restrita, junto qual o modelo de profisso

    era concebido como liberal. Esta discusso torna-se latente e circunscrita

    (principalmente rea da sade pblica), at a dcada de 1980. Com a transio

    do governo militar, em meio abertura poltica, no final da dcada de 1970, o

    Movimento da Reforma Sanitria retoma a tese da sade como direito de

    cidadania, silenciada a partir do golpe militar de 1964. O debate sobre as

    polticas de sade pblica no Brasil da 3 Conferncia Nacional de Sade, em

    1963, foi retomado em 1980, durante a 7 Conferncia Nacional de Sade. Em

    1988, com a promulgao da Constituio da Repblica Federativa Brasileira, a

    sade passou a ser considerada dever do Estado e um dos direitos fundamentais

    da cidadania. As aes de sade passaram a ser organizadas dentro do Sistema

    nico de Sade (SUS), cabendo a ele, entre outras atribuies, ordenar a

    formao de recursos humanos para a rea, a partir de seus princpios e

    diretrizes.

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  • 22A discusso sobre a necessidade de adequao do perfil do

    profissional para atender s necessidades deste sistema de sade ficava restrita

    rea da sade pblica, tanto no servio, quanto no ensino. Se a discusso na rea

    da sade, de modo geral, era restrita a esses campos, na odontologia, de modo

    particular, era ainda mais incipiente. Durante a 7 Conferncia Nacional de

    Sade, em 1980, pela primeira vez houve uma discusso especfica sobre a

    assistncia odontolgica pblica oferecida populao brasileira. Os

    participantes desse evento chegaram concluso de que a assistncia

    odontolgica era caracterizada pela ineficcia, ineficincia, descoordenao,

    m distribuio, baixa cobertura, alta complexidade, enfoque curativo, carter

    mercantilista e monopolista, e inadequao no preparo de recursos humanos

    (BRASIL, 1980, p.213). Para os participantes dessa Conferncia, as

    caractersticas da assistncia odontolgica resultavam do processo de formao,

    na medida em que o modelo odontolgico do Pas buscava basear a sua ao,

    preparar seu pessoal e empregar sua tecnologia segundo modelos aliengenas

    (ibidem). Para a reverso deste quadro, recomendavam, portanto, a adoo de

    medidas, que iam desde a utilizao de pessoal auxiliar, nos servios pblicos,

    at uma coordenao central, orquestrada pelo Ministrio da Sade, tendo em

    vista:

    servir de elemento catalisador de todo um impulso renovador, que venhacolocar a odontologia nacional a servio das reais necessidades dapopulao, atuando em perfeita sintonia com o programa de atenoprimria da sade e dando respostas, como registrou o grupo, a uma

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  • 23populao que quer e no momento exige um direito que legitimamenteseu: o direito de desfrutar de sade bucal (ibidem).

    O grupo apontava, assim, para a necessidade da formulao e

    implementao de uma poltica nacional de sade bucal capaz de aglutinar as

    propostas de inovao no ensino e na prtica odontolgica e que tivesse como

    eixo central as propostas da Declarao de Alma-Ata (1978).

    No campo do ensino, a Associao Brasileira de Ensino Odontolgico

    (ABENO), desde a sua criao, em 1956, vinha discutindo o perfil de

    profissional da odontologia a ser formado, incentivada pela OPAS (Organizao

    Pan-americana da Sade) e financiada pela Fundao Kellogg, entre outros

    organismos multilaterais. A defesa dessas mudanas e a discusso sobre as

    adequaes das instituies de ensino odontolgico necessrias para atingir tal

    objetivo passaram a ter maior centralidade no interior da ABENO, quando da

    elaborao das DCN. Em conseqncia, a instituio passou a integrar a

    Comisso de Especialistas convocada pelo Ministrio da Educao, em 1997.

    Na ocasio, a ABENO defendeu a proposta formulada pelos integrantes do

    Ncleo de Pesquisa do Ensino Superior (NUPES) da Universidade de So Paulo,

    em parte contemplada, hoje, nas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso

    de Odontologia. Outro aspecto importante refere-se adoo da avaliao de

    cursos como critrio de legitimidade pela rea. Assim, o curso de odontologia

    vem sendo avaliado desde a edio do Exame Nacional de Cursos (ENC), em

    1997, cujo resultado passou a ser reconhecido como critrio de qualidade para as

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  • 24faculdades. Houve grande movimentao das instituies de ensino

    odontolgico para adequar os Projetos Polticos Pedaggicos segundo as

    recomendaes das Diretrizes Curriculares Nacionais, do Exame Nacional de

    Cursos e da Avaliao das Condies de Oferta de Cursos. O discurso sobre a

    necessidade de mudana por meio de adequao s polticas de avaliao passou

    a ser unssono dentro das faculdades de odontologia! Tratava-se, portanto, de

    uma rea que vislumbrou a possibilidade de mudanas por meio de medidas

    estritamente legais e, de preferncia, padronizadas. Por vezes, a rea se ressentiu

    de anlise mais pormenorizada das medidas governamentais, das presses

    mercadolgicas e das efetivas demandas da sociedade brasileira, o que tem

    resultado, na maioria dos casos, em adoo acrtica das medidas, em

    contraposio construo de um projeto pedaggico prprio e consoante s

    complexas necessidades da realidade social brasileira to fortemente desigual.

    Por outro lado, a defesa de uma formao profissional que

    contemplasse a sade como eixo epistemolgico e fosse capaz de entend-la na

    sua articulao com a sociedade marcou muitos profissionais de sade, que

    atuavam tanto na rea profissional como na docncia. Esta forma de pensar

    tambm orientou as posies tericas assumidas neste trabalho, posies estas

    que consubstanciam um projeto de formao profissional que contempla aquela

    atuao. Uma formao que amplie a possibilidade de reflexo do

    profissional/cidado acerca da sociedade em que est inserido. As contribuies

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  • 25tericas de Garrafa1 influenciaram toda uma gerao de sanitaristas atuantes

    na odontologia. O autor prope pensar a odontologia para alm do seu corpo

    tcnico de conhecimento para a soluo dos problemas de sade bucal, e

    portanto, incapazes por si s de causar o impacto social necessrio

    (GARRAFA apud NARVAI, 1994, p.58). Prope, neste sentido, pensar a

    odontologia na sua articulao com a sociedade, constituda e constituinte desta

    articulao. O conceito estratgico no qual esta reflexo se alicera o conceito

    de sade e do processo sade-doena. Neste sentido, estas discusses se

    tornaram emblemticas na constituio do pensamento em sade.

    Por acompanhar a discusso da necessidade de mudana na formao

    do cirurgio-dentista que pudesse contemplar uma prtica de sade mais

    resolutiva e comprometida com as necessidades de sade da maioria da

    populao brasileira, desde a 8 Conferncia Nacional de Sade (1986), a

    proposta contida nas Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de

    Graduao em Odontologia (CNE n3) parecia destoar do projeto de profisso2

    1 Entre os autores que influenciaram a formao dos cirurgies-dentistas sanitaristas no se pode esquecer doprofessor Jorge Cordon, e desde j peo desculpa aos outros atores desse processo histrico que no forammencionados nesses trabalhos, pelo medo do esquecimento.

    2 O Projeto de Profisso da rea da sade e, em particular da odontologia, se caracteriza por preservar ascaractersticas de uma profisso liberal, onde os profissionais so os donos dos seus instrumentos de trabalho,no h intermedirio entre o paciente e o profissional e portanto, h uma negociao direta de dos honorrios. Oprofissional tem autonomia tcnica para prescrever o tratamento necessrio e executa-lo. A profisso detentorade prestgio social devido a relevncia da sua atuao junto sociedade. As mudanas no mercado de trabalhonesta rea consideradas mais favorveis profisso, como por exemplo, o credenciamento. Sobre estaconfigurao Jorge Cordon (1998, p.8) cita a Carta de Princpios formulada na Frana no final da dcada de1920 como resultado de uma discusso sobre seguro-enfermidade, que o autor considera como marco inauguralde uma nova configurao ideolgica, a medicina neoliberal, esses princpios foram assim elaborados: a) odoente deve ter o direito de escolher livremente o seu mdico; b) o segredo mdico deve ser preservado; c) omdico livre para escolher os meios teraputicos que lhe parecem mais adequados; d) a fixao do preo dosservios deve resultar de um entendimento direto entre o mdico e seu cliente, no intervindo um terceiro a noser para reembolso parcial ou total do pagamento efetuado.

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  • 26construdo historicamente pela Odontologia no Brasil. Esta proposta tambm

    no contemplava as mudanas necessrias formao do cirurgio-dentista, uma

    prtica contra-hegemnica da odontologia - aspirao de parte dos profissionais

    que atuam na construo do Sistema nico de Sade no Brasil (SUS), entre os

    quais me incluo.

    No campo da formao dos profissionais da sade h diferentes

    projetos de formao, compatveis com os diferentes projetos de sociedade. No

    entanto dois deles se destacam. De um lado, a defesa de uma formao

    profissional que contemplasse um modelo de profisso liberal e, de outro, a da

    formao de um profissional de sade para alm das possibilidades de insero

    stricto sensu no mercado de trabalho. Dentre os vrios aspectos que distinguiam

    esses projetos, destaca-se o conceito de sade que orientava o ensino e a prtica

    profissional, promovendo posies inconciliveis. Para o primeiro grupo, sade

    era entendida como ausncia de doena, causada por agentes biolgicos. Atuar

    na sade era, portanto, dominar o conhecimento dos agentes causais das

    diferentes enfermidades e a forma de sua cura. Para o segundo, a sade resultava

    das condies de vida e atuar em sade era intervir na melhoria dessas

    condies de vida, porque as doenas tinham agentes causais biolgicos e

    sociais. Assim, a atuao profissional no se restringia ao campo da sade.

    No incio do Governo do Presidente Lula, em 2002, o Ministrio da

    Sade, por meio da Secretaria de Gesto do Trabalho e da Educao na Sade

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  • 27resgatou o princpio constitucional segundo o qual cabe ao SUS ordenar a

    formao de recursos humanos para a sade. Por meio da poltica de formao

    de recursos humanos sinalizou s instituies de ensino superior (IES) pblicas

    e privadas para a possibilidade de financiamento s que concebessem um ensino

    de acordo com as diretrizes e princpios do Sistema nico de Sade.

    Vale lembrar que a poltica de ensino superior implementada no

    Brasil, na dcada de 1990, acarretou a precarizao das condies de trabalho

    nas universidades, obrigando-lhes disputar financiamento nas mais diferentes

    fontes e modalidades. Nos cursos da rea da sade, a venda de procedimentos

    para o SUS passou a ser fonte quase que obrigatria de financiamento. O fato de

    os cursos da rea da sade se habilitarem a integrar o SUS dos seus municpios

    implicou o atendimento de uma demanda pactuada pelo gestor municipal. Por

    esta razo, muitos cursos tiveram que se aproximar e se adequar nova

    realidade: levar em conta a demanda do SUS no planejamento das atividades das

    instituies de ensino odontolgico.

    A aproximao entre o ensino e a assistncia no estranha s

    unidades de ensino da sade. Conhecida pelo nome genrico de Projeto

    Docente-Assistencial, a prtica teve incio na dcada de 1970, com nfase na

    dcada de 1980. Seus projetos geraram experincias pioneiras tanto para o

    servio como para o ensino. Mesmo com o apoio financeiro de organismos

    nacionais e at mesmo internacionais, eram circunscritas a determinados

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  • 28departamentos das unidades de ensino e ligadas s atividades de extenso. No

    entanto, com a articulao entre as unidades de ensino e o SUS, este as

    considera integrantes do sistema e condiciona o repasse de verba

    produtividade e execuo de procedimentos de mdia e alta complexidade. Os

    procedimentos executados, via de regra, nas unidades de sade da rede pblica

    de ateno bsica. A exigncia do SUS para as unidades de ensino da sade

    aprofundou a tendncia de especializao e, ao mesmo tempo, gerou o

    questionamento sobre a identidade das instituies: se de ensino ou de servio.

    Em algumas instituies pblicas de ensino de odontologia o dilema vem se

    acentuando, principalmente quando o gestor municipal do SUS lhes cobra uma

    participao mais resolutiva ao sistema.

    Estranhamente, quando se discutia a aproximao das instituies

    formadoras dos profissionais de sade com o SUS, havia um suposto de que este

    j estava dado. Ora, o Sistema nico de Sade uma construo que tem como

    princpio o direito sade, universalidade e integralidade da ateno sade,

    em um sistema nico, hierarquizado, regionalizado e submetido ao controle

    social. Portanto, tratava-se de concepo que est muito alm de uma estrutura

    institucionalizada para prestar assistncia quando as pessoas adoecem. Pensar

    em uma formao profissional que contemple os princpios e a realidade do SUS

    no significa pensar na adequao da formao para atuar no sistema local de

    sade, mas, sim, entend-lo na sua constituio, para continuar a constru-lo.

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  • 29No levantamento bibliogrfico exploratrio sobre o ensino de

    odontologia no Brasil, tornou-se o objeto dessa pesquisa perceber a existncia de

    algumas lacunas que impediam avanar na contextualizao histrica da gnese

    de sua constituio. Evidenciaram-se algumas experincias de ensino

    aparentemente esparsas e com o objetivo de servir de modelo para a formao

    do profissional de odontologia, mas consideradas inadequadas para fazer frente

    s crescentes necessidades da populao e do conhecimento desenvolvido na

    rea. Algumas propostas julgadas inovadoras e atuais, como as do ensino

    integrado, foram apresentadas pela ABENO ao CFE, em 1978, e rejeitadas por

    esta instncia como diretriz para a estruturao dos cursos. A mesma proposta

    do ensino integrado era fruto de experincias na sade, desde o final da dcada

    de 1950. A mesma estruturao curricular, apresentada ao CFE em 1978, tinha

    sido concebida desde o Primeiro Seminrio sobre Ensino Odontolgico, em

    Bogot, em 1962. Para desenvolver uma proposta de ensino integrado, o Curso

    de Odontologia de Diamantina, em Minas Gerais, obtivera financiamento da

    Fundao Kellogg e assim se estruturara, entre os anos de 1965 e 1969.

    Os fatos acima relatados tinham uma peculiaridade: todos haviam sido

    subvencionados pela Fundao Kellogg e contado com o apoio da Organizao

    Pan-Americana de Sade. No entanto, por si essas informaes s no bastavam

    para a reconstituio da gnese das propostas que estavam sendo construdas

    para o ensino da odontologia com a adoo das Diretrizes Curriculares

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  • 30Nacionais. Portanto, passou-se a pesquisar os documentos formulados pelas

    duas agncias acima citadas como recomendao para a formao dos recursos

    humanos em sade, especificamente o cirurgio-dentista. Portanto, buscou-se

    compreender o processo de constituio do ensino da odontologia a partir da

    contribuio dos trs agentes: a OPAS, a Fundao Kellogg e a ABENO.

    .1.Delimitao da Pesquisa

    A constatao de que o ensino da odontologia no conseguia formar

    um profissional capaz de atender s necessidades bsicas da populao vinha

    sendo repetida, sistematicamente, e registrada em documentos de diferentes

    entidades representativas da odontologia, desde o final da dcada de 1950. luz

    do conhecimento cientfico da poca, a atuao profissional do cirurgio-

    dentista j era considerada insatisfatria para manter a sade dos indivduos. Ao

    longo dos 44 anos que nos separam da realizao do Primer Seminrio Latino

    Americano sobre la Enseanza de la Odontologia, completados em 2006, esse

    discurso vem se repetindo.

    Na leitura exploratria sobre o tema, tornou-se evidente que a

    Associao Brasileira de Ensino Odontolgico (ABENO), desde a sua criao

    em 1956, foi um agente legitimador das mudanas que se apresentavam como

    necessrias para se construir um ensino de odontologia de qualidade3. Outros

    3 Este o objetivo anunciado pela ABENO.

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  • 31dois agentes importantes no campo foram identificados: a OPAS e a Fundao

    Kellogg. A escolha desses agentes deveu-se ao fato deles serem autores, co-

    autores ou pelo apoio a vrios documentos, publicaes ou eventos cujo objetivo

    era implementar mudanas no ensino na rea da sade de um modo geral e,

    especificamente, na odontologia.

    A OPAS continua sendo um agente articulador e difusor das diferentes

    experincias de inovao na rea do ensino da sade; e a Fundao Kellogg,

    alm de desempenhar as mesmas funes da OPAS , tambm, um importante

    agente financiador dessas propostas. Desta forma, optou-se por compreender o

    processo histrico de constituio do ensino da odontologia por meio da

    contribuio destes trs agentes do campo: ABENO, OPAS e Fundao

    Kellogg.

    Para Bourdieu (2002, p.14), todo campo de conhecimento possui um

    corpo de produtores especializados de discursos e ritos, que tem como funo

    criar o monoplio da cultura legtima, do arbitrrio cultural que reproduz a

    estrutura do campo, e das classes sociais. Durante a pesquisa, a ABENO, a

    OPAS e a Fundao Kellogg foram identificadas como produtoras do discurso

    sobre o ensino odontolgico. Tanto a OPAS quanto a Fundao Kellogg so

    instituies que, por possurem um capital simblico reconhecido no campo,

    legitimam a priori as experincias consideradas inovadoras no ensino e no

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  • 32servio da rea da sade que contam com o apoio e, principalmente, o

    financiamento desses organismos.

    A Fundao Kellogg4 foi fundada em 1930 em Battle Creek,

    Michigan, EUA, com a finalidade de fazer doaes principalmente para

    promover a sade, educao e bem-estar (...) das crianas e dos jovens

    (FUNDAO W.K. KELLOGG, 1986, p.3). A partir de 1941 passou a fazer

    doaes para a Amrica Latina buscando (...) uma parceria na resoluo de

    problemas para os povos da Amrica Latina e acreditava que poderia dar uma

    contribuio valiosa para o fortalecimento dos laos entre os Estados Unidos e

    seus vizinhos ao sul (ibidem p.1). Nesta publicao, encontra-se o diagnstico

    dos problemas dos povos da Amrica Latina; na questo sanitria ela aponta a

    existncia das doenas endmicas, m distribuio, despreparo ou falta de

    equipamentos necessrios para a atuao dos mdicos, enfermeiros e dentistas

    como agravantes desse quadro. Estas trs categorias de profissionais da sade

    passaram a constituir, para a Fundao, o principal grupo beneficirio do

    financiamento de aes de formao e a aquisio de equipamentos.

    A Fundao Kellogg, desde a sua criao, trabalha sob o pressuposto

    de que os recursos humanos locais, por conhec-los, so mais capazes de

    elaborar as solues para os seus problemas. Por isso, em um primeiro

    momento, capacitou fora do pas os profissionais para reproduzir o

    conhecimento e intervir na realidade local, e, em um segundo momento, passou

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  • 33a financiar os projetos dentro de sua linha de atuao. Desde o incio da sua

    atuao na Amrica Latina, foi a nica instituio financiadora no latino-

    americana a apoiar projetos na rea da odontologia (FUNDAO W.K.

    KELLOGG, 1986).

    Para entender a dimenso dessa proposta de parceria da Fundao

    Kellogg com os povos da Amrica na rea da sade, recorreu-se ao trabalho

    de Costa (1999), que discute como a interveno da medicina na famlia

    possibilitou ao Estado intervir na sociedade, preservando os interesses

    econmicos, por meio do controle demogrfico e poltico da populao. A

    interveno mdica na sociedade, via higienizao das famlias, facultou

    preservar um dos obstculos da ideologia liberal: a liberdade individual.

    Os organismos multilaterias elegeram a sade como uma interveno

    estratgica, atuando em parceria com instituies filantrpicas em reas que

    teriam o efeito de amenizar os conflitos sociais, valendo-se dessa possibilidade

    para consolidar uma prtica de controle consensual. Desta forma, a atuao da

    Fundao Kellogg, por meio do seu iderio, procurou desenvolver uma prtica

    de servio e ensino na rea da sade - e especificamente da odontologia

    brasileira - compatvel com os interesses da expanso do capital.

    Por isso, ao mesmo tempo em que preservou os interesses de uma

    prtica passvel de incorporar tecnologia de alta complexidade e, portanto,

    desejvel ao capital em expanso, a Fundao Kellogg financiava paralelamente

    4 A Fundao W.K. Kellogg foi criada pelo proprietrio das industrias alimentcias Kellogg.

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  • 34uma prtica de ensino e servios odontolgicos destinada a uma camada bem

    especfica da populao: os que deveriam ser atendidos pela sade pblica.

    Na consulta do material recolhido, e que faz parte do acervo da

    Disciplina de Odontologia Social da UFG, vrias questes comearam a se

    esboar. Uma delas razo pela qual a OPAS e a Fundao Kellogg investiram

    tanto nos programas de inovao do ensino e servio odontolgico na

    Amrica Latina. De 1962 a 1966, foram realizados trs seminrios

    internacionais sobre o ensino odontolgico na Amrica Latina. A OPAS

    manteve um Programa de Inovao do Ensino e do Servio Odontolgico e

    divulgou essas experincias em uma publicao bimensal chamada

    Innovaciones durante a dcada de 1980.

    Silva (2002, p.203), ao analisar o papel do Banco Mundial na

    definio das polticas educacionais no Brasil, conclui que esta interveno

    contribuiu para a construo de uma rede de segurana social que recriava

    ideologicamente o binmio segurana e desenvolvimento para o controle sobre

    possveis rebelies das massas urbanas que ponha em risco o capital. Nesse

    mesmo sentido, Ianni (1985, p.104) afirma que, no perodo de 1930 a 1964, a

    sociedade brasileira enfrentou uma crise de hegemonia:

    Em distintas gradaes, mas de modo persistente, muitos matizes dopopulismo representam desenvolvimentos de um bloco de poder no qualnenhuma classe suficientemente poderosa para impor-se s outras e aoconjunto da sociedade. Nem por isso, no entanto, o Estado deixou de serburgus e as polticas que ele foi levado a adotar deixaram de favorecer odesenvolvimento do capital, da industria, do imperialismo.

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  • 35

    , justamente, nesse perodo e nesse contexto que a OPAS,

    subvencionada pela Fundao Kellogg, aqui evidenciadas como agentes

    produtores do discurso da necessidade de mudana nos cursos de odontologia,

    prope criar uma rede de difuso de experincias novas e mais eficazes (...) de

    levar melhor sade bucal para todos, em especial para aquelas populaes

    atualmente marginalizadas dos servios (INNOVACIONES II, 1981, p.3).

    Em decorrncia da dualidade dos modelos econmicos existentes no

    mundo aps a segunda guerra mundial, o governo norte-americano institui um

    programa de assistncia tcnica para as reas subdesenvolvidas, colocado em

    prtica a partir de 1949, conhecido como Ponto IV. Para Ianni (1985, p.64) este

    programa

    parece ter formalizado a assistncia e cooperao norte-americana paraquestes econmicas, militares, educacionais, policiais e outras. Pouco apouco, as contradies entre o capitalismo e o socialismo, por um lado, e ascontradies de classes dentro dos pases capitalistas dominantes edependentes, por outro, foram respondidas com medidas econmicas,polticas, militares, culturais e outras. Tudo isso fez parte da diplomaciatotal, por meio da qual se pe em prtica a doutrina norte-americana daguerra fria.

    O Ponto IV, no Brasil, em convnio com a CAPES, subsidiou a

    formao de muitos profissionais brasileiros. Esta formao integrava o contexto

    do que Cunha (1988) chamou de modernizao do ensino superior, que

    culminou na Reforma Universitria de 1968. E tambm no contexto do

    discurso da modernizao que a ABENO criada, em 1956.

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  • 36Em 1976, a Faculdade de Odontologia da Unicamp, a OPAS e a

    Fundao Kellogg promoveram a 1 Reunio do Programa Latino-Americano de

    Inovaes em Educao Odontolgica. A OPAS mantinha o Centro Latino-

    Americano de Tecnologia Educacional para a Sade (CLATES), na

    Universidade Federal do Rio de Janeiro, alm de financiar, junto com a

    Fundao Kellogg, programas de bolsas de estudo para a formao de docentes

    para a rea da sade5.

    Apesar da participao da ABENO na divulgao da possibilidade de

    um ensino odontolgico diferente do tradicional, um fato que passou a se tornar

    visvel e, ao mesmo tempo, intrigante foi a ausncia de um projeto de ensino

    construdo por esta instituio e por ela defendido. Sua funo era a de

    apresentar os projetos nas instncias competentes, mas no se observou uma

    articulao na defesa das propostas e, quando da sua rejeio, no houve sequer

    uma manifestao contrria por parte da entidade.

    Na tentativa de se entender o processo de constituio do ensino da

    odontologia no Brasil, realizou-se um estudo exploratrio, baseado na anlise

    documental das fontes, visando resgatar sua trajetria, a partir dos diversos

    currculos estabelecidos para esse curso, para apreender as concepes de ensino

    e seus agentes que foram sendo forjados historicamente. A temtica do trabalho

    5 No trabalho de Nsia Trindade Lima sobre a histria da OPAS no Brasil a autora afirma que as aes decooperao tcnica entre a OPAS e o Brasil no incio se restringiam ao de um representante itinerante noPas; depois, houve a criao de programas que a autora qualifica de maior impacto, citando, entre eles, oprograma de bolsas de estudos, cujo incio oficial data de julho de 1939.

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  • 37foi adquirindo centralidade, ao se perceberem as lacunas existentes nessa

    histria, a ausncia de articulao com a histria do ensino superior no Brasil, o

    desconhecimento da gnese das propostas apresentadas e a falta de clareza dos

    agentes produtores do discurso sobre a necessidade da mudana.

    A opo do resgate histrico do ensino da odontologia, para entender

    ao presente, ou seja, conformao das Diretrizes Curriculares Nacionais para

    os Cursos de Odontologia, se deu por entender que ao desvelar o passado, como

    passado pensado, que se encontra a gnese do presente e se pode projetar o

    futuro. Neste sentido, a implantao das Diretrizes Curriculares Nacionais para

    os Cursos de Odontologia se constitui em um fato histrico e, como tal, o

    resultado da elaborao do pensamento do pesquisador que assim o delimitou,

    tornando-se, tambm, o ponto de chegada desta pesquisa (CUNHA, 1984).

    2. Aspectos metodolgicos.

    Para entender o ensino da odontologia foi necessrio retomar os

    trabalhos sobre as profisses e especificamente as profisses de sade, valendo-

    nos do aporte terico da sociologia das profisses, que tem em Freidson, Star,

    Larson e, no Brasil, Machado, Girardi, Sabato alguns de seus tericos. Para

    Larson (apud CARVALHO, 2003), a condio essencial de uma profisso que

    ela seja universal ou vital para a sociedade. No processo de

    profissionalizao da odontologia, a crescente incidncia da crie dental causada

    pelo aumento do consumo de acar foi fator decisivo para que ela se tornasse

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  • 38universal. O conhecimento da profisso a qual se restringia a extrao e a

    reposio dos dentes, ofertados a uma parcela pequena da populao, at o incio

    do sculo XIX - se desenvolveu junto com as tcnicas destinadas cura dessa

    doena, ganhando universalidade e prestgio junto sociedade.

    Neste trabalho, a anlise do ensino da odontologia se restringir ao

    ministrado na graduao. O ensino da odontologia na graduao se d no

    somente pela transmisso de contedos especficos da rea da formao, mas

    tambm pela constituio de uma forma de ser profissional do campo; pela

    relao com o conhecimento produzido no campo; pelo reconhecimento, entre

    seus pares, da estrutura de poder simblico construdo pelo campo e pelo

    processo de conhecimento e reconhecimento dos diferentes agentes do campo e

    fora dele.

    Utilizando-se das contribuies tericas de Feuerwerker (2002),

    entende-se por ensino da odontologia o processo de formao de cirurgies-

    dentistas. Este processo est relacionado s demais esferas macroestrurantes e

    microestruturantes da vida social. Entre as macroestruturantes, destacam-se as

    tendncias econmicas e polticas que determinam as polticas de educao e

    sade. E entre as microestruturantes, o conceito de sade, de necessidades de

    sade, a forma de organizao dos servios de sade e da prpria prtica

    odontolgica.

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  • 39A odontologia concebida como uma profisso de sade, que tem

    como objetivo manter e recuperar as condies de normalidade do sistema

    estomatogntico, visando manuteno ou recuperao da sade do indivduo,

    em uma dada sociedade. No entanto, o profissional responsvel por esta

    atividade - o cirurgio-dentista - privilegia a cura da doena e esta caracterstica

    de sua prtica consolidada em seu processo de formao. A forma de atuar no

    indivduo apenas restaurando as condies de normalidade considerada

    incompleta, tanto do ponto de vista cientfico, quanto social. Do ponto de vista

    cientfico, sabe-se, por meio do conhecimento gerado pela cariologia e a

    periodontia6, que as aes de recuperao so insuficientes para se tratar as

    doenas instaladas, onde a cavidade no dente ou a inflamao gengival

    constituem apenas sinais das doenas e no a doena. Do ponto de vista social,

    sabe-se que as chances de se adoecer e se curar dependem da capacidade

    individual de acesso aos bens materiais e simblicos produzidos pela sociedade.

    Portanto, formar um profissional que d conta de exercer a odontologia a partir

    do objetivo de manter a sade do indivduo, formar um profissional que paute

    a sua atuao em conhecimentos cientficos atualizados. E atuar

    profissionalmente a partir dos conhecimentos cientficos atualizados na rea da

    6 Estas duas reas so citadas por serem a crie e a doena periodontal as mais prevalentes na populaomundial e especificamente brasileira. A odontologia historicamente se dedica e se constitui como profissona busca de tratar e/ou controlar as seqelas, primordialmente destas duas doenas que acometem a cavidadebucal. Para maior detalhamento das condies de sade bucal da populao brasileira ver publicao doMinistrio da Sade: Projeto SB Brasil 2003: condies de sade bucal da populao brasileira 2002-2003: resultados principais.

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  • 40odontologia significa superar as dicotomias biolgico/social,

    preventivo/curativo, cincia/tcnica.

    A inovao no ensino odontolgico, na viso deste trabalho, implica,

    assim, uma prtica que rompa com o conceito de sade como ausncia de

    doena e a conceba como decorrente das condies concretas de vida das

    pessoas. A forma de adoecer, curar e at mesmo morrer fruto das condies

    histrico-sociais. A inovao no ensino odontolgico entendida, tambm,

    como a possibilidade de romper com as experincias que concebem a

    odontologia como meramente tcnica e pens-la como uma cincia, para cuja

    execuo necessrio o domnio do mtodo que a originou.

    Neste sentido, o que deve ser encarado como questo para o ensino da

    odontologia como se apropria socialmente da habilidade tcnica ou do

    domnio da tcnica resultante do trabalho humano. Portanto, as formas de

    apropriao social desta tcnica esto submetidas s determinaes econmicas,

    ideolgicas e polticas do trabalho do homem na sociedade capitalista.

    Partindo do suposto de que as mudanas no ensino da odontologia no

    Brasil foram consensualmente construdas pelos grupos hegemnicos em cada

    perodo histrico a partir das polticas para o ensino superior, das

    recomendaes, principalmente dos organismos multilaterais e da categoria

    profissional a que est vinculada, em consonncia ao modelo econmico

    vigente, subsiste a pergunta: Por que, agora, essas mudanas consideradas

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  • 41inovadoras aparecem todas contempladas nas Diretrizes Curriculares

    Nacionais para os Cursos de Odontologia?

    Ao longo do perodo estudado, o ensino da odontologia foi

    incorporando de forma lenta as propostas para a mudana na graduao, tais

    como: profissional apto a atuar na sua realidade e inserido em um sistema de

    sade; ensino integrado, articulando a promoo, preveno e a recuperao da

    sade; articulao entre o ensino bsico e o profissional; e a formao de um

    profissional para alm do tcnico. As polticas para o ensino superior no Brasil

    adotadas a partir da dcada de 1990 apontam para um quadro de instituies de

    ensino superior diversificadas na sua estrutura administrativa e,

    conseqentemente, seu compromisso com o ensino, pesquisa e extenso

    condicionados a esta estrutura. Aliada a esse quadro est a tendncia a

    massificao e aligeiramento do ensino e a abertura das universidades

    tecnolgicas, inclusive de sade. Reforando essa posio, as DCN possibilitam

    conceber cursos de odontologia em diferentes modalidades de ensino.

    Para o estudo do processo de constituio do ensino da odontologia,

    foi necessrio contextualiz-lo, desde a criao dos cursos no Brasil, em 1856,

    at a adoo das Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Graduao

    em Odontologia, em 2002. Este corte cronolgico se deu por meio do

    levantamento da legislao que estabeleceu os diferentes currculos dos cursos

    de graduao em odontologia neste perodo. Os currculos estabelecidos pela

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  • 42legislao foram analisados como reveladores da concepo de ensino da

    odontologia que propunham realizar. No movimento de contextualizar os cursos

    de odontologia, foi resgatada tambm a constituio do ensino superior no Brasil

    at a dcada de 1960, a primeira periodizao do trabalho, por meio de consulta

    a pesquisas sobre o tema, principalmente nos trabalhos de Cunha (1986, 1988,

    1989) e Fvero (2000a,b).

    Foram utilizadas para a periodizao do trabalho, alm das legislaes

    sobre o ensino superior, as etapas de profissionalizao da odontologia definidas

    por Chaves (1977). O autor define cinco etapas da evoluo da profisso

    odontolgica sob o critrio da existncia de um sistema formal de ensino e da

    utilizao de pessoal auxiliar que, dentro do iderio da Fundao Kellogg e da

    OPAS, constituam parte das inovaes necessrias a serem implantadas na

    Amrica Latina. A etapa inicial seria a Ocupao Indiferenciada, segundo a

    qual as prticas destinadas ao alvio da dor eram de responsabilidade difusa na

    sociedade - como o paj, o curandeiro, as rezadeiras, entre outros, que tinham

    como caracterstica no contarem com esta prtica para a sua subsistncia. A

    segunda etapa a da Diferenciao Ocupacional, quando j existe um

    responsvel pelas prticas de sade, como, por exemplo, no Brasil, os

    licenciados. Na etapa Inicial do Profissionalismo, situa-se o incio da

    formalizao do ensino da odontologia, mas com cursos de pequena durao. Na

    etapa Intermediria de Profissionalizao aumenta a durao dos cursos e

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  • 43comea a utilizao de pessoal auxiliar sem funo delegada. Na etapa

    Avanada de Profissionalizao, os cursos de odontologia passam a ter uma

    durao maior, cinco anos; o ensino engloba os aspectos tcnicos, biolgicos e

    sociais de forma equilibrada; utiliza-se de pessoal auxiliar com funo delegada;

    e os cursos de ps-graduao so ampliados e abrangem diferentes reas.

    A legislao sobre o ensino superior, especificamente o ensino da

    odontologia, foi utilizada como fonte de pesquisa. E, tambm, os dados

    histricos coletados nas pesquisas de referncia sobre a histria da educao

    superior no Brasil a trilogia de Cunha, o trabalho de Fvero sobre a criao da

    universidade brasileira. Sobre o ensino da odontologia foram utilizados os dados

    publicados nos Anais da Academia Brasileira de Odontologia, alm do

    Dicionrio Histrico-Biogrfico das Cincias da Sade no Brasil, encontrado

    no site da Fundao Oswaldo Cruz. Foram utilizados, tambm, os documentos

    publicados pelo Ministrio da Sade e Educao sobre a formao de recursos

    humanos em sade, os documentos elaborados pela OPAS, Fundao Kellogg e

    os relatrios finais dos trs seminrios latino-americanos sobre o ensino da

    odontologia.

    Este trabalho foi articulado linha de pesquisa Estado e Polticas

    Educacionais do Programa de Ps-graduao em Educao Brasileira da

    Faculdade de Educao da UFG, estando vinculado, tambm, ao eixo central das

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  • 44anlises de interesse do Ncleo de Estudo e Documentao Educao

    Sociedade e Cultura (NEDESC).

    No primeiro captulo, foi analisado o curso de odontologia no Brasil,

    resgatando a prtica assistencial anterior institucionalizao do ensino da

    odontologia, demarcando alguns perodos e fatos que contriburam para a

    consolidao da profissionalizao, da o recorte em 1960. Neste captulo,

    tambm, foram apresentadas as polticas para o ensino superior brasileiro ao

    longo do perodo. No segundo captulo, analisou-se o papel dos trs agentes

    legitimadores do campo temtico: a ABENO, a OPAS e a Fundao Kellogg.

    No captulo terceiro, foram analisados os cursos de odontologia no Brasil no

    perodo compreendido entre 1960 e 1990, enfocando principalmente as

    recomendaes dos seminrios internacionais sobre o ensino da odontologia

    promovidos pela OPAS, em parceria com a Fundao Kellogg. No captulo

    quarto, foram analisados os cursos de odontologia existentes em 2005, no Brasil,

    a partir das polticas implementadas na dcada de 1990 para o ensino superior,

    por meio da discusso das tendncias evidenciadas nos dados coletados sobre

    esses cursos. Ainda neste captulo, foi discutido o processo de elaborao e

    legitimao das Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de

    Odontologia institudas em 2002, buscando apreender as rupturas e

    continuidades neste documento. Nas Consideraes Finais, buscou-se evidenciar

    o papel dos trs agentes formuladores das propostas de mudanas

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  • 45implementadas no ensino da odontologia, ao longo da sua trajetria histrica,

    para poder entender em que consiste o momento de mudana no ensino da

    odontologia, alm de evidenciar algumas tendncias e recomendaes.

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  • 46

    CCAAPPTTUULLOO 11OOSS CCUURRSSOOSS DDEE OODDOONNTTOOLLOOGGIIAA NNOO BBRRAASSIILL::

    DDAA CCRRIIAAOO DDCCAADDAA DDEE 11996600

    Este captulo se prope discutir a criao dos cursos de odontologia no

    Brasil, contextualizando a legislao dos cursos superiores na rea da sade, a

    fim de explicar as determinaes histricas da conformao do ensino nos

    moldes em que se deu, bem como o processo de profissionalizao da

    odontologia. Um marco que delimita este perodo a Lei de Diretrizes e Bases

    da Educao Nacional de 1961, que institui o Conselho Federal de Educao

    como legislador da estrutura curricular para os cursos superiores.

    Dentre as prticas da sade, a odontolgica foi historicamente

    depreciada, por estar ligada ao trabalho manual, visto como indigno e

    desvinculado da inteligncia (CANELON, 1975). No prefcio ao livro de

    Canelon (1975) sobre o ensino odontolgico na Venezuela, Febres-Cordero

    afirma que as mudanas estruturais na prtica odontolgica tiveram incio na

    Idade Mdia, com a separao da medicina e da cirurgia. A cirurgia passa a ser

    considerada um ofcio de arteso, com baixo prestgio e exigindo pouca

    qualificao, dando incio a uma nova ocupao, os barbeiros cirurgies, que

    passaram a se ocupar dos fazeres relegados pelos ilustres cirurgies, entre eles

    a extrao dentria. Assim como na cirurgia mdica considerava-se que o

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  • 47exerccio da odontologia no requeria conhecimento mdico, mas apenas

    destreza manual. Cabe ressaltar que, nesta poca, no havia conhecimento e

    mtodos disponveis para o controle da dor (anestesia7) e nem da infeco;

    portanto, a interveno cirrgica, alm de provocar dores alucinantes, acabava

    por levar o paciente ao bito.

    A publicao do tratado Le Chirurgien Dentiste de Pierre Fauchard,

    em 1728, representa um marco no desenvolvimento de um conhecimento restrito

    prtica odontolgica, contribuindo para a consolidao da odontologia como

    profisso e como campo especfico de conhecimento. Este passa a ser

    considerado o primeiro modelo de ensino odontolgico (modelo francs) que,

    para Arango (1989: p.9),

    se caracterizava por ser um modelo individualista, de aspectos puramentebiologista, curativo e elitista, era parte da universidade de sentidonapolenico de servio ao estado, com a finalidade de formar a classeprofissional que representava a prtica hegemnica.

    Outro marco a ser lembrado no processo de consolidao da

    odontologia como profisso foi a separao entre a odontologia, a medicina e a

    cirurgia, o que resultou na fundao da primeira escola de odontologia do

    mundo com curso regular de graduao a Baltimore College of Dental Surgery

    - em 1840. Com ela, inicia-se o processo de hegemonia da odontologia norte-

    americana, influenciando no somente nos aspectos tecnolgicos da profisso,

    7 O Cirurgio-dentista Horace Wells, em dezembro de 1844, inicia experincia com xido nitroso comoanestsico, induzindo o seu colega Dr. John Riggs, a submet-lo extrao de um molar, aps a inalaodeste gs. Ao acordar e perceber que no tinha sentido dor durante o ato cirrgico, soube que tinha realizado

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  • 48como nos fatores que caracterizam os membros de uma profisso. A criao

    da Society of Surgeons Dentists of City and State of New York, em 1834, e o

    primeiro peridico, publicado em 1839 (American Journal of Dental Science8),

    foram decisivos no processo de consolidao da odontologia norte americana.

    Em seu trabalho, Carvalho (2003) apresenta outra verso para essa

    histria. Nos textos por ela consultados, a separao do ensino da odontologia

    do ensino da medicina, nos Estados Unidos teria decorrido da falta de

    qualidades que pudessem ser atribudas odontologia, de tal forma que ela

    tivesse maior prestgio social. A odontologia era reconhecida pelo deficiente

    carter cientfico e profissional de sua prtica, desde o incio do sculo XIX. No

    processo de consolidao da medicina e do alijamento das prticas consideradas

    indesejveis, os atributos que faltavam odontologia eram tambm o motivo das

    crticas que recaam sobre a medicina. Portanto, a vinculao da medicina

    odontologia, naquele momento, seria prejudicial imagem que a primeira

    tencionava construir de sua prtica. Apoiando-se no relato de Sardi (1980),

    Freitas (2001, p.33) afirma que a Escola de Odontologia de Baltimore foi criada

    aps a recusa da Faculdade de Medicina de Maryland em incluir a Odontologia

    em seus ensinamentos por entend-la como prtica auxiliar e no como

    profisso de status universitrio.

    uma importante descoberta para odontologia, embora no tenha recebido o crdito por esse feito, em vida.8 Para a Sociologia das Profisses as organizaes profissionais das categorias desempenham papel

    fundamental na consolidao e caracterizao de uma profisso, pois tm a funo de fiscalizao eprescrio da forma de ser de um profissional. O ensino atende funo tanto de aprendizagem do contedo,como da forma de ser profissional daquela rea.

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  • 49Enfim, a separao da medicina deu incio a uma tendncia que

    influenciou o ensino da odontologia no s no Brasil, como em toda a Amrica

    Latina. Exemplo dessa influncia pode ser retratado por Salles Cunha (1972:

    139), quando afirma:

    Foi compreendendo a superioridade da odontologia norte-americana, que osnossos conterrneos resolveram ir buscar naquelas paragens as luzes queaqui lhes faltavam.Comearam, assim, as viagens de instruo aos Estados Unidos dos quepretendiam exercer a profisso.

    Segundo o autor, estas viagens de instruo aconteceram a partir de

    1870, sendo o primeiro a assim proceder o gacho Carlos Alonso Hastings. Essa

    antiga prtica se acentuou com os acordos bilaterais da categoria odontolgica

    ao longo das dcadas de 1960, at 1980.

    No Brasil, em 1631, de acordo com a estrutura adotada por Portugal

    para as suas colnias, nomeava-se um fsico-mr, um cirurgio-mr e um

    provedor-mr, formados na Europa. O fsico-mr era responsvel pelo controle

    do exerccio da medicina e farmcia. O cirurgio-mr encarregava-se do

    controle do exerccio da cirurgia; e o provedor-mr da sade controlava os

    assuntos referentes sade pblica (OLIVEIRA, 1975/1981). Portanto, a prtica

    da odontologia era relegada a pessoal auxiliar e cabia ao cirurgio-mr habilitar

    os candidatos barbeiros, que, entre outras atribuies, poderiam extrair dentes

    (FREITAS, 2001).

    A caracterstica de ocupao indiferenciada e com uma incipiente

    institucionalizao da odontologia prevaleceu at 1856, quando foi

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  • 50regulamentada como profisso com o termo dentista aprovado (OLIVEIRA,

    1975/1981). No entanto, o vocbulo dentista foi utilizado pela primeira vez

    no documento Plano de Exames da Junta do Proto-medicato de 17 de julho de

    1782 (PERRI DE CARVALHO, 1995). A junta era responsvel por licenciar os

    praticantes dos ofcios ligados cura das doenas. Segundo Samico (1992), s

    em 23 de maio de 1800 foi institudo o Plano de Exames do Proto-medicato e a

    Carta de Comisso, que determinava que o comissrio examinasse os candidatos

    a cirurgio, sangradores e dentistas. Os licenciados eram pardos, analfabetos,

    confirmando a falta de prestgio que envolvia o exerccio da ocupao.

    Em 30 de agosto de 1828, D. Pedro I extingue o cargo de cirurgio-

    mr, fsico-mr e provedor-mr e a fiscalizao das profisses de sade passa a

    ser atribuio das cmaras municipais e justias ordinrias. O Decreto n 598 de

    14/09/1850, regulamentado em 1851, cria a Junta de Higiene Pblica no Rio de

    Janeiro; nas outras provncias, o profissional de sade (mdico, boticrio,

    dentista e parteira) deveria apresentar sua carta de habilitao s comisses e

    aos provedores de sade pblica (OLIVEIRA, 1975/1981).

    Ianni (1985, p.13) chama a ateno para a aparncia de paz e

    tranqilidade que se supunha existir na monarquia. Contrapondo-se a essa viso,

    afirma que foi um perodo de protestos e lutas. Severas leis repressivas foram

    institudas, principalmente para o escravo insurgente, e que serviam tambm aos

    que se opunham ordem vigente, como os liberais. Na medida em que o

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  • 51trabalho escravo foi substitudo pelo trabalho livre os grupos e as camadas

    dominantes reorganizaram o aparelho estatal de modo a garantir o predomnio

    dos seus interesses, em detrimento de trabalhadores rurais e urbanos, negros,

    ndios e imigrantes. As medidas legais que limitavam a insero de uma

    camada da populao mais pobre oriunda dos escravos libertos, como o acesso a

    educao, e as profisses liberais, como odontologia e farmcia, que se

    estruturavam, tambm podem ser vistas como forma de preservar os interesses

    dos grupos dominantes.

    O que aparentemente pode ser visto como idas e vindas da legislao

    do ensino e da regulamentao do exerccio das profisses no Brasil expressava,

    na realidade, os embates polticos, os diferentes interesses de classe e a

    alternncia de grupos no poder.

    A seguir o texto aborda o ensino superior no perodo colonial.

    1.1. Situando o ensino superior no perodo colonial

    No Brasil, o ensino superior9 teve como marco inaugural a

    transmigrao da Famlia Real Portuguesa, em 1808. O Prncipe Joo VI criou,

    no Pas, instituies isoladas de ensino superior, com a finalidade de formao

    de profissionais, como mdicos, engenheiros e advogados. Esta concepo de

    ensino superior centrada na formao profissional foi implementada pela

    9 Luiz Antnio Cunha (1986), no livro Universidade Tempor, considera o ensino de filosofia, teologia e

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  • 52Revoluo Francesa (1789), reforada pelas medidas reformadoras de

    Napoleo I. Citando Cunha (1988, p.13-14):

    A universidade era muito mal vista pelos revolucionrios franceses, devidoao esprito corporativo quase medieval nela prevalecente, e utilizao dacultura clssica para barrar a entrada das cincias experimentais e doenciclopedismo. Em suma, a universidade era vista como um aparelhoideolgico do Ancien Regime. Sucessivos decretos revolucionrios, aosquais se juntou o decreto napolenico de maro de 1808, produziramprofundas mudanas no panorama do ensino superior. Foram criadas aescola politcnica, a faculdade de cincias e a faculdade de letras; as escolasde medicina e de direito foram promovidas a faculdades. Essas, mais a defarmcia, foram articuladas a uma rgida regulamentao profissional. Tudoisso se justificava perfeitamente pelo positivismo difuso da burguesiafrancesa (avant la lettre), para quem a fragmentao da universidade eminstituies de ensino profissional, ainda que formalmente pertencentes universidade, resolvia ao mesmo tempo dois problemas: a demolio de umdos aparelhos de formao dos intelectuais da antiga classe dominante e apreparao dos novos intelectuais para a viabilizao do bloco histrico emformao.

    Foi este modelo de ensino superior o implantado no Brasil, a partir de

    1808. Um ensino secularizado, visando formao dos burocratas necessrios

    ao Estado e em instituies isoladas. Para Fvero (2000a, p.19), os cursos

    tinham como funo (...) formar, sobretudo, profissionais para o Estado e

    especialistas na produo de bens simblicos, e, num plano talvez secundrio,

    profissionais liberais. Dentro desta lgica, foram criadas as primeiras

    faculdades de medicina do Brasil. O Curso Mdico de Cirurgia na Bahia foi

    criado pelo Decreto de 18 de maio de 1808 e, no Hospital Militar do Rio de

    Janeiro, a Escola Anatmica, Cirrgica e Mdica, por meio do Decreto datado

    de 5 de novembro do mesmo ano.

    matemtica nos colgios jesutas no Brasil Colnia como ensino superior.

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  • 53Cunha (1986) relata que os cursos de medicina nasceram nos

    hospitais militares, com o intuito de formarem mdicos e cirurgies para a

    Marinha e o Exrcito, tendo em vista a guerra da Frana. Nesta perspectiva, os

    mdicos formados no se ocupavam do atendimento populao: ela era

    atendida pelos barbeiros e sangradores, muitos deles escravos. Exemplifica tal

    tendncia, afirmando que na Capitania de So Paulo, em 1808, havia apenas

    dois profissionais formados em medicina em atuao: o cirurgio-mr das tropas

    e o fsico-mr.

    A partir de 1808, segundo Cunha (1986), o ensino superior brasileiro

    passou por um processo de reestruturao e ampliao10. Os estudos realizados

    nos cursos de filosofia dos colgios jesutas, como a matemtica, a fsica, a

    qumica, a biologia e a mineralogia, foram transferidos para os cursos de

    medicina, para a Academia Militar e, posteriormente, tambm para a Escola

    Politcnica. Portanto, durante todo esse perodo, o ensino superior no Brasil se

    constituiu dos cursos de medicina, engenharia e direito, a partir dos quais

    formou-se o ncleo do ensino superior sobre o qual veio a ser edificado oque existe at hoje, ligado sua origem por ampliao e diferenciao. (...)A independncia poltica, em 1822, veio apenas acrescentar mais doiscursos, de direito, ao rol dos j existentes, seguindo a mesma lgica depromover a formao dos burocratas na medida em que eles se faziamnecessrios (CUNHA, 1986, p.76).

    10 Vale ressaltar que esse processo de ampliao e reestruturao no se restringiu ao ensino superior. Com atransmigrao da famlia real para o Brasil outras instituies passaram por processos similares, provocandoalterao no panorama cultural do Pas. Foi construdo um aparelho administrativo similar ao de Portugal,ampliou-se o aparelho militar bem como o aparelho repressivo do Estado para a manuteno da ordeminterna. A produo agrcola e manufatureira foi fomentada pela poltica econmica joanina. E o

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  • 54No processo de diferenciao dos cursos que constituram o ncleo

    do ensino superior no Brasil, os de farmcia e odontologia, em algumas

    instituies - como as de Porto Alegre, Recife, Belo Horizonte, So Paulo, Rio

    de Janeiro, Cear, Florianpolis -, antecederam os de medicina. O histrico das

    instituies de ensino na rea da sade, no perodo de 1832 a 1930, pode ser

    encontrado no Dicionrio Histrico-Biogrfico das Cincias da Sade no Brasil

    (1832-1930,) no stio da Fundao Oswaldo Cruz. Nesta publicao, no verbete

    Escola Livre de Farmcia e Qumica Industrial de Porto Alegre encontra-se o

    seguinte relato:

    O fato de a Faculdade de Medicina de Porto Alegre11 ter se originado deuma escola de farmcia era bastante comum na poca. A partir da repblica,vrias escolas de ensino mdico de nvel superior, principalmente defarmcia e de odontologia, comearam a surgir nas capitais ou mesmo nasmaiores cidades dos principais estados do pas. A escassez de recursos paraa implantao dos cursos de medicina explica, em parte, a escolha peloscursos menores e, por isso, menos dispendiosos. Quando se fundava umcurso mdico a partir dessas escolas de farmcia e odontologia, estasacabavam tornando-se apenas cursos anexos s faculdades de medicina. Emsua origem, o curso farmacutico nasceu a partir da lei do ensino mdico de1832, que estabeleceu que ele deveria funcionar atrelado s faculdades demedicina do Rio de Janeiro e da Bahia, as nicas reconhecidas no Imprio.A Escola de Farmcia de Ouro Preto era uma exceo, tendo sido criada em1839, desvinculada do curso mdico. J o ensino da odontologia no pas sfoi autorizado pela Reforma Sabia, aprovada pelo decreto n 9.311