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  • Revista de Economia Poltica, vol. 28, n 1 (109), pp. 136-154, janeiro-maro/2007

    O circuito finance-investimento-poupana-funding em economias abertas

    MARCO FLVIO DA CUNHA RESENDE*

    The finance-investment-savings-funding circuit in open economies. On monetaryeconomies the Finance-Investment-Savings-Funding circuit (F-I-S-F) prevails.Investment precedes savings. This circuit was worked out for a closed economy. Thisstudy seeks to demonstrate that the circuit F-I-S-F also prevails for open economies.A second point studied in this paper relates the relationship between budget deficitsand savings restriction for investment. Conclusions highlight that the circuit F-I-S-Fprevails for open economies and that budget deficits do not cause savings restrictionfor investment. In some situations budget dficits transfer the effects of investmentfor national savings formation from domestic economy to the rest of the world.

    Key-words: Finance-Investment-Savings-Funding, open economy, nationalsaving.

    JEL Classification: E12, E21, E62, F41.

    INTRODUO

    Em economias monetrias prevalece o circuito Finance-Investimento-Pou-pana-Funding. O investimento antecede a poupana que, por seu turno, resultado crescimento econmico. O papel da poupana consolidar (mas no finan-ciar) a acumulao de capital, reduzindo a instabilidade financeira que acompa-nha o crescimento econmico e proporcionando sustentabilidade ao mesmo (Key-nes, 1988b, 1988c; Davidson, 1992 e 1994; Minsky, 1986, Studart, 1995).

    O circuito acima descrito foi originalmente formulado para o caso de eco-nomias fechadas. Ademais, parece no haver um estudo que considere este cir-

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    * Do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Universidade Federal de Minas Gerais,e-mail [email protected] O autor agradece a Adriana M. Amado, Flavius M. L. Vasconcelose a dois pareceristas annimos pelos profcuos comentrios referentes a uma verso preliminar desteestudo, eximindo-os de responsabilidade pelos erros e omisses porventura remanescentes. Submeti-do: Fevereiro 2006; aceito: Agosto 2006.

  • cuito e seus mecanismos em economias abertas. Portanto, este trabalho visa ava-liar se as caractersticas do citado circuito permanecem vlidas para economiasabertas, em especial se o investimento continua precedendo a poupana aps aabertura da economia monetria.

    No mbito do debate sobre a precedncia do investimento em relao pou-pana, uma segunda questo tambm no consensual: trata-se do argumentoreferente insuficincia de poupana nacional em relao ao investimento, pro-vocada por um dficit pblico. Este argumento no seria vlido no referencialterico ps-keynesiano, pois no pode haver insuficincia (ou restrio) de pou-pana em relao ao investimento se este que precede aquela. Pretende-se, tam-bm neste trabalho, abordar este ponto a partir do conhecimento da relao en-tre dficit pblico e formao da poupana nacional no contexto do circuitoFinance-Investimento-Poupana-Funding.

    Alm desta introduo o artigo conta com outras 4 sees. Na seo 2 explici-ta-se a relao de causalidade do investimento para a poupana no mbito do cir-cuito ps-keynesiano finance-investimento-poupana-funding de uma economiafechada. Em seguida, demonstra-se a validade deste circuito para economias aber-tas. Na seo 4 discute-se a relao entre dficit pblico, investimento e formaoda poupana nacional no mbito do circuito finance-investimento-poupana-fun-ding em economias abertas. A seo 5 destina-se s concluses do trabalho.

    O CIRCUITO FINANCE-INVESTIMENTO-POUPANA-FUNDINGNA ECONOMIA FECHADA

    O financiamento do investimento elaborado em Keynes (1988c) apresentaduas etapas: i) o investimento planejado, quando a poupana ainda no foi cria-da via multiplicador;1 esse investimento corresponde ao crdito de curto prazodemandado pelas firmas no intervalo de tempo entre a deciso de investimento esua implementao, visando financiar a produo de bens de capital. Essa de-manda de crdito foi denominada por Keynes de finance motive; ii) o investimen-to propriamente dito, ao qual corresponde uma poupana agregada que surgevia multiplicador dos gastos.

    O financiamento de curto prazo est ligado a um fundo rotativo.2 O cr-dito associado ao finance encontra sua oferta nesse fundo. Ele usado para esti-mular a atividade na indstria de bens de investimento, gerando, neste processo,uma renda atravs do multiplicador keynesiano.3 Parte desta renda retorna ao

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    1 O investimento planejado isto , o investimento ex ante pode precisar garantir sua provisofinanceira antes que ocorra o investimento, quer dizer, antes que a poupana correspondente se pro-cesse. Keynes (1988b:322).2 Detalhes em Keynes (1988c).

  • sistema financeiro visto que no usada para consumo, constituindo-se em pou-pana. Ao final desse processo, a poupana, resultante da despesa de investimen-to, usada para transformar a dvida de curto prazo dos investidores junto aosistema bancrio em passivo de longo prazo. O funding corresponde a esse pro-cesso de consolidar a dvida de curto prazo, isto , transform-la numa rela-o de longo prazo atravs da emisso de aes e de ttulos.4 Assim, poupana efinanciamento da despesa do investimento no se confundem, necessariamente.5

    A taxa de juros, por sua vez, no depende da poupana, pois se constitui numfenmeno monetrio e se relaciona inversamente com o investimento. Na econo-mia monetria, a taxa de juros no a retribuio pela espera para consumir e,sim, pela renncia liquidez. O juro determinado pela preferncia pela liquideze pela oferta de moeda, esta ltima determinada pela poltica monetria e pelasestratgias de crdito dos bancos. 6 O conceito de preferncia pela liquidez estassociado ao conceito de incerteza.7 Ademais, o investimento sensvel ao grau deincerteza e s expectativas a ele associadas, que, por seu turno, dependem das con-dies de finance e de funding do sistema, entre outros fatores.8

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    3 Empresrios devem ter os saldos monetrios em mos entre os perodos de pagamento relativo aoscontratos de compra de insumos requeridos para a produo de bens de capital de modo a assegurar-se de que esto aptos a cumprir esses contratos. A quantidade de saldos monetrios necessria em ca-da perodo para fazer face a esses contratos (pagamentos) futuros ligados produo de bens de in-vestimento permanecer inalterada enquanto o investimento planejado tambm permanecer. Se, porexemplo, as expectativas de lucro crescerem exogenamente, (...) empresrios demandaro bens de in-vestimento adicionais (...) a demanda por moeda para pagar pela produo desses bens de investi-mento adicionais a qualquer nvel de taxa de juros crescer mesmo antes de qualquer emprego e ren-da adicionais terem sido gerados (...) evidente do Tratado sobre a Moeda e das notas de Keynes de1937 (...) sobre o motivo finanas, que, especificar a demanda por moeda como uma funo diretada renda corrente uma simplificao grosseira e errada de sua anlise da liquidez. Davidson(1994:122-123). Ainda Investimento um processo no tempo e envolve um grande nmero de fir-mas que produzem insumos para a formao do ativo de capital final. Investimento envolve um com-plexo de pagamentos que precisa ser financiado (...) investimento em nossa economia uma transa-o de troca de dinheiro agora por dinheiro mais tarde. Minsky (1986:214).4 Note, neste processo, a relevncia da defasagem temporal existente entre o pedido feito indstriade bens de capital, que corresponde deciso de investir, e a maturao da produo dessa categoriade bens. Note, tambm, a relevncia dos mercados secundrios, visto que estes garantem liquidez pa-ra ttulos de longo prazo. a possibilidade de se desfazer desses ttulos no curto prazo, por meio desuas vendas nos mercados secundrios, que os tornam atrativos para os poupadores. Este seria o la-do positivo, desses mercados. O lado negativo corresponde sua natureza especulativa, que podeprovocar uma reduo nos preos dos ttulos (dado um aumento da preferncia ela liquidez), em ge-ral, deteriorando o nvel de fragilidade financeira de todo o sistema econmico (Minsky, 1986).5 Mas financiamento nada tem a ver com poupana (...) Financiamento e compromissos de fi-nanciamento so simples entradas contbeis de crdito e dbito, que facilitam aos empresrios iradiante com segurana. Keynes (1988b:323).6 Sobre o comportamento da firma bancria em economias monetrias, ver, por exemplo, Minsky(1986, 1992) e De Paula (1999).7 Sobre o carter endgeno da oferta de moeda, ver Davidson (1994:135-136) e Carvalho (1993). So-bre o conceito de incerteza, ver Amado (2000) e Carvalho (1992,a,b).8 Conforme Keynes (1988a:101),O leitor notar que a eficincia marginal do capital definida aquiem termos da expectativa da renda e do preo de oferta corrente do bem de capital. Ela depende da

  • Este modus operandis da economia monetria de produo verifica-se por-que nesta economia as concepes de moeda, de tempo e de incerteza so funda-mentais. Estas concepes rompem com os axiomas neoclssicos e introduzemnovos fundamentos para a economia monetria, invalidando a teoria neoclssi-ca, conforme demonstram Carvalho (1992a,b), Amado (2000), Davidson (1992).Deste modo, em economias monetrias prevalece o circuito Finance-Investimen-to-Poupana-Funding (F-I-S-F). O investimento antecede a poupana que, porseu turno, resulta do crescimento econmico e se presta consolidao da acu-mulao de capital. O circuito acima descrito foi originalmente formulado parao caso de economias fechadas. Na prxima seo avalia-se se esse circuito per-manece vlido para economias abertas.

    O CIRCUITO FINANCE-INVESTIMENTO-POUPANA-FUNDINGNA ECONOMIA ABERTA

    O circuito F-I-S-F para uma economia fechada est representado no fluxo-grama 1, onde BCS = bens de consumo e BK = bens de capital. Na economia fe-chada o circuito caracterizado pela realizao do finance, seguida da comprade BK e da gerao de renda (inicial) no setor produtor desta categoria de bens.Parcela desta renda ento usada para consumo e o restante constitui-se em pou-pana no mbito do processo multiplicador dos gastos. Ao final desse processotem-se a poupana necessria para a realizao do funding, completando-se ocircuito F-I-S-F.

    Fluxograma 1: Finance-Investimento-Poupana-Funding em Economias Fechadas

    Financedomstico

    ProduoBK

    Gasto/Rendainicial

    Produode BCS

    Multiplicadorda renda

    PoupanaFunding

    Fornecimento de BK visando a produo de BCS

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    taxa de retorno que se espera obter do dinheiro investido num bem recentemente produzido; e nodo resultado histrico obtido por um investimento em relao a seu custo original, quando examinadoretrospectivamente ao fim de sua vida. (grifos nosso). Sobre grau de incerteza em economiasmonetrias, ver Crocco (2002).

  • Na economia aberta estas mesmas etapas so necessrias para o funciona-mento do circuito, porm, a participao do sistema financeiro internacional tor-na-se imprescindvel para a realizao do mesmo. Deste modo, para o caso deeconomias abertas, o sistema financeiro internacional e o comrcio internacionalfazem parte do circuito F-I-S-F, alm das categorias presentes no caso da econo-mia fechada. As principais inter-relaes que se formam no mbito do circuito F-I-S-F com economias abertas esto descritas a seguir.

    A partir do finance realizado atravs da captao de recursos no sistema fi-nanceiro internacional verifica-se a importao de BK. De outro lado, o financerealizado no sistema financeiro domstico destina-se produo domstica deBK. Estes BK, produzidos internamente ou importados, sero exportados ou se-ro usados para produzir BCS que, por seu turno, destinam-se ao mercado exter-no. As exportaes de BK ou de BCS geram a renda (inicial) que detonar o pro-cesso multiplicador de gastos. A poupana surge como resduo ao final desteprocesso e utilizada para a realizao do funding, completando-se o circuito.

    Portanto, em um mundo onde as economias so abertas, a concretizao dasimportaes e das exportaes no mbito do circuito F-I-S-F, como tambm arealizao da primeira etapa deste circuito, isto , do finance, tem como requisi-to fundamental a participao do sistema financeiro internacional.

    Porm, visando alcanar maior detalhamento dos mecanismos que se for-mam no interior do circuito F-I-S-F para economias abertas, ser apresentadonas prximas sub-sees o estudo de dois casos. Ademais, o estudo desses casos relevante para a construo do argumento referente precedncia do investi-mento em relao poupana em economias abertas. Para demonstrar a possibi-lidade de verificao deste argumento no necessrio que se esgote todos os ca-sos possveis. Para demonstrar a validade do argumento, basta que se apresenteuma situao concreta onde o investimento precede a poupana.9 Deste modo,sero estudadas a seguir duas situaes para economias abertas. Na Situao 1,as economias apresentam equilbrio no balano de transaes correntes. Na Si-tuao 2, os balanos de transaes correntes so superavitrios ou deficitrios.

    O caso de economias com equilbrio em transaes correntes

    Nesta subseo ser estudada a Situao 1: suponha duas economias, W eZ, ambas produzindo bens de consumo (BCS) e bens de capital (BK) e operandoa pleno emprego dos fatores.10 Parcela da produo de BK da economia W serexportada para Z, enquanto parcela da produo de BCS desta ltima ser ex-portada para W. A exportao de BCS de Z possui o mesmo valor em moeda es-

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    9 Isto no quer dizer que a situao inversa, onde a poupana antecede o investimento, no seja, tam-bm, vlida.10 O pleno emprego corresponde ao uso de toda a capacidade instalada de produo, mas considera-se que a oferta de trabalho seja elstica.

  • trangeira da exportao de BK de W ambas as economias apresentam saldoem conta corrente equilibrado.

    No pas W, a produo de BK a ser exportada segue o circuito F-I-S-F deacordo com o modelo da economia fechada, numa primeira etapa. H inicial-mente o finance para a produo de BK gerando renda (inicial). Porm, esta serintegralmente usada para importar BCS de Z. Assim, no haver o surgimentode um consumo induzido pela renda inicial, gerada a partir dos gastos realizadosno processo de produo de BK, e, portanto, no haver a poupana associada aeste processo.11 Entretanto, os BK produzidos so exportados, proporcionandoos recursos necessrios para o funding do investimento no pas W. Neste pas, osrecursos externos obtidos com a exportao de BK, como tambm a renda gera-da na produo desses bens, so integralmente usados na importao de BCS deZ, ensejando o equilbrio em suas transaes com o exterior (Fluxograma 2).

    Fluxograma 2: Situao 1 - Pas W

    Exportao (lquida) de BK = Importao (lquida) de BCS

    No pas Z, houve inicialmente o circuito finance-investimento-poupana-funding, produzindo-se BK e BCS. A economia est fechada, num primeiro mo-mento, se comportando conforme descrito em Keynes (1988b,c). Decide-se, en-to, produzir BCS para exportao, o que torna necessria a importao de BK,pois h pleno emprego dos fatores no pas Z. Mediante finance realizado no mer-cado internacional obtm-se os recursos em moeda estrangeira requeridos paraimportar BK. Aps a importao de BK, so produzidos BCS, cuja exportaoenseja, ao mesmo tempo, recursos em moeda estrangeira e a renda inicial (gera-da a partir dos gastos dos estrangeiros com os BCS exportados e que se tradu-zem em renda dos fatores usados na produo desses BCS) que induz um consu-mo interno e, via efeito multiplicador, gera poupana. Essa poupana constitui ofunding da dvida externa de curto/mdio prazo, fruto do finance realizado nomercado internacional visando a importao de BK pelo pas W. Ou seja, supon-do que os BK importados se depreciam totalmente em um nico perodo, ento a

    Financedomstico

    Produo de BK

    Gasto/Rendainicial

    Importaode BCS

    Exportaode BK

    Funding

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    11 A hiptese de que a renda gerada na produo de BK integralmente (ao invs de parcialmente)usada para importar BCS facilita a exposio sem comprometer os resultados.12 Esta hiptese simplificadora facilita a exposio sem comprometer as concluses.

  • poupana surgida neste processo da mesma magnitude no apenas das expor-taes de BCS, mas, tambm, das importaes de BK.12 Assim, a poupana gera-da no processo de produo dos BCS destinados ao mercado externo tem comocontrapartida a exportao destes bens, cujos recursos, em divisas estrangeirais,se destinam ao funding do investimento associado anterior importao de BK.No pas Z a importao de BK imps a necessidade de um finance externo, quefoi consolidado a partir dos recursos originados pela sua exportao de BCS(poupana nacional) Fluxograma 3.

    Fluxograma 3: Situao 1 - Pas Z

    Investimento = Importao (lquida) de BK = Exportao (lquida) de BCS = Poupana

    As transaes das economias W e Z ficam, ento, equilibradas. No pas W,o investimento pode ocorrer sem a necessidade de poupana prvia, mas a rendagerada na produo de BK no usada para adquirir BCS domsticos e, sim, osbens importados de Z. Ou seja, aps ocorrer o investimento no pas W no hum crescimento da renda via multiplicador que ir gerar a poupana necessriapara o funding associado produo de BK, visto que houve um vazamentoda renda (importaes). A prpria exportao de BK gera os recursos necess-rios para a liquidao do finance que originou esse investimento.

    De outro lado, a renda gerada na produo de BK em W ser usada para im-portar BCS de Z, e, ento, gerar neste outro pas os recursos em moeda estran-geira necessrios para realizar o funding associado ao finance externo usado porZ para importar os BK de W. Assim, o investimento verificado em Z correspon-de importao de BK, realizada a partir do finance externo e no de uma pou-pana prvia. Essa importao de BK destina-se produo de BCS para expor-tao. A poupana gerada em Z via multiplicador da renda que, por sua vez,

    Financeexterno

    Importaode BK

    Renda/Gastoinicial

    Produode BCS

    Exportaode BCS

    Funding

    Produo de BCS para

    mercado externo

    Multiplicadorda renda Poupana

    142 Revista de Economia Poltica 28 (1), 2008

  • 143Revista de Economia Poltica 28 (1), 2008

    origina-se da renda inicial gerada na produo e exportao de BCS. De outrolado, o finance externo contratado por Z corresponder importao de BK, ge-rando em W os recursos necessrios para o funding do seu investimento. poss-vel, ainda, um segundo cenrio, onde h desequilbrio na balana comercial deW e de Z.

    O Caso de Economias com Desequilbrio em Transaes Correntes.

    Nesta subseo ser estudada a Situao 2: suponha que o pas W exporteBK para Z e que este pas no exporte nada para W. O circuito F-I-S-F verificadoem W o mesmo daquele correspondente economia fechada, a no ser pelo fatode que parcela da produo domstica de BK no se destina ao mercado interno,sendo exportada. Neste caso, o consumo (real) induzido pela renda gerada na pro-duo dos BK exportados, como tambm a expanso do produto real associada aeste processo, s ocorrer se o nvel inicial do produto estiver aqum do nvel depleno emprego h capacidade ociosa na indstria de BCS do pas W de modoque esta pode prescindir dos BK exportados para aumentar sua produo.13

    A renda inicial gerada na produo dos BK destinados exportao induz oconsumo interno e, via efeito multiplicador, a poupana surge como resduo. Nes-se processo, a renda no consumida corresponde poupana cuja contrapartidaso exportaes de BK, isto , supervit em conta corrente. A poupana propor-ciona os recursos financeiros necessrios ao funding relacionado produo deBK e, paralelamente, as exportaes desses bens enseja um aumento das reservasexternas do pas W, que podem ser usadas como oferta de crdito deste pas eco-nomia Z visando o financiamento das importaes de BK desta contribuin-do para reduzir a vulnerabilidade da insero internacional de W (Fluxograma 4).

    Em Z, h pleno emprego dos fatores e o saldo em conta corrente est equili-brado. Uma nova importao de BK produzir um dficit em conta corrente. Ofinance externo usado para importar os BK no consolidado na ausncia dasexportaes de BCS. Contudo, o restante do circuito finance-investimento-pou-pana-funding semelhante quele observado na economia fechada. Os BK im-portados so usados para produzir outros BK e h, para isso, um finance inter-no. Neste processo, a renda cresce e a poupana que consolidar o finance internosurge como resduo. Em Z, o balano de pagamentos permanece equilibrado nocurto prazo, visto que s importaes de BK correspondeu uma entrada de re-cursos externos pela Conta Financeira do balano de pagamentos. Contudo, aeconomia Z passa a carregar um passivo externo, aumentando a vulnerabilidadede sua insero internacional (Fluxograma 5).

    13 Esta hiptese pode ser relaxada quando a economia opera a pleno emprego, porm, uma deprecia-o da taxa de cmbio real amplia sua produo potencial de bens comerciveis, conforme ser ana-lisado na seo 4.

  • Fluxograma 4: Situao 2 - Pas W

    Exportao (lquida) de BK = Poupana = Supervit em conta corrente

    Fluxograma 5: Situao 2 Pas Z

    Investimento = Importao (lquida) de BK = dficit em conta corrente

    Portanto, a precedncia do investimento em relao poupana permanecevlida em economias abertas e em situao de (des)equilbrio comercial, enquan-to o circuito F-I-S-F mais complexo e requer a participao dos mercados fi-nanceiros domsticos e internacionais. As relaes dbito-crdito so ampliadas,como tambm o so a coordenao dessas relaes e a incerteza envolvida nesseprocesso, que, inclusive, engloba a possibilidade de mudanas na taxa de cm-bio, conforme Davidson (1992:83-140; 1994:223-237).14

    No caso do pas Z, tanto na Situao 1 como na Situao 2 o finance inicia-se no mercado internacional. Na Situao 1, a moeda estrangeira percorre o se-guinte circuito: h um finance no mercado internacional realizado por Z visandoa importao de BK para a produo de BCS destinados ao mercado externo. Aimportao desses BK gera em W os recursos em moeda estrangeira que seroutilizados para importar BCS de Z. Ao obter esses recursos a economia Z liquidao finance que realizou no mercado internacional visando a importao de BK.

    Financeexterno

    Importaode BK

    Dficit em conta corrente

    Passivo externolquido

    Financedomstico

    Produo de BK

    Gasto/Renda inicial

    Produode BCS

    Divisasexternas

    (supervitem contacorrente)

    Funding

    Exportaode BK

    Multiplicadorda renda Poupana

    Oferta de crditoexterno(passivoexternoliquido

    negativo)

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    14 Ademais, se as possibilidades de os empresrios verem frustradas suas expectativas aumentam coma abertura da economia, elas se elevam ainda mais quando as trocas internacionais so feitas entreeconomias com graus diferentes de desenvolvimento. Sobre este ponto, ver Resende (2003).

  • Na Situao 2, a moeda estrangeira percorre o seguinte circuito: h um financeno mercado internacional realizado por Z visando a importao de BK para, emltima instncia, produzir BCS destinados ao mercado domstico. De outro la-do, os recursos em moeda estrangeira obtidos por W a partir de sua exportaode BK correspondem ao crdito externo demandado por Z. Com esses recursos aeconomia Z liquida o finance que realizou no mercado internacional, mas suadvida com W permanece ativa. Assim, o passivo externo lquido de Z aumentaenquanto o de W se reduz.

    INVESTIMENTO, POUPANA E TAXA DE CMBIO REAL NO CIRCUITO F-I-S-F

    A precedncia do investimento em relao poupana no consensual naliteratura econmica. No contexto desse debate h uma segunda questo sobre aqual tambm no h consenso: trata-se da insuficincia de poupana nacionalem relao ao investimento, provocada por um dficit pblico. Em equilbrio ma-croeconmico (ex post), o investimento contabilmente igual soma das pou-panas nacional e externa (Feij et alli, 2001:8). A poupana nacional a rendano consumida e est associada produo domstica de capital. Portanto, ar-gumenta-se que o dficit pblico estaria associado ao aumento do consumo paraum dado nvel do produto, o que resultaria em reduo da taxa de poupana na-cional. Conseqentemente surgiria uma insuficincia de poupana nacional paraum dado nvel de investimento (Resende, 1995), o que poderia ser expresso co-mo uma restrio ao crescimento econmico. A manuteno do nvel do investi-mento requeriria, ento, absoro de poupana externa, implicando dficit emtransaes correntes. Este argumento tambm conhecido coma a tese dos dfi-cits gmeos.15

    Conforme Giambiagi & Amadeo (1990), a restrio de poupana ao inves-timento (decorrente do dficit pblico) s se verifica quando o nvel do produtocorresponde ao nvel de pleno emprego. Neste caso, no haveria recursos reaisdisponveis que permitissem absorver um aumento do gasto pblico (lquido).Segundo estes autores, tal absoro s seria possvel mediante uma reduo doconsumo e/ou do investimento.

    Todavia, Giambiagi & Amadeo (1990) cometem dois equvocos que com-prometem suas concluses. Segundo estes autores, h trs restries relacionadasao crescimento: restrio de poupana, restrio externa e restrio de demanda.Porm, para demonstrar a restrio de poupana, eles assumem uma relao de

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    15 Ver, por exemplo, Baharumshah et alli (2005), Winckler et alli (1999), Vamvoukas (1999), Krug-man (1992), Feldstein (1992), Rosensweig e Tallman (1993), Oskooee (1995) , Giambiagi & Ama-deo (1990).

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    causalidade entre poupana e investimento (equao 12 de Giambiagi & Ama-deo, 1990), onde este seria funo da poupana, a partir de uma identidade con-tbil (equao 11 de Giambiagi & Amadeo, 1990), embora eles prprios tives-sem argumentado anteriormente que: i) o investimento causa a poupana, e, no,o contrrio; ii) identidades contbeis no apontam uma relao de causalidade.Ambos os pontos esto amparados nas seguintes passagens:

    o discutido at aqui nada mais que uma apresentao de equa-es contbeis. Estas nada nos dizem, porm, sobre as relaes de cau-salidade envolvidas na anlise. Por isso, fundamental ir alm das iden-tidades (...) A forma como o tema costuma ser tratado na literaturaparece-nos responsvel pela confuso analtica associada relao en-tre poupana e investimento. As anlises feitas a posteriori supem queo aumento do investimento causado pelo crescimento da poupana,ou que o investimento no atingiu o nvel satisfatrio porque a poupan-a foi insuficiente. O que essas anlises no levam em considerao que a deciso dos indivduos de poupar uma parcela maior dos seus ren-dimentos no necessariamente ir se transformar num aumento do in-vestimento e da poupana agregados, ao passo que um aumento do in-vestimento implica necessariamente a gerao de um fluxo de poupanade igual valor [...] Giambiagi & Amadeo (1990:82).

    Ainda,

    Em particular, a relao de causalidade apontada por Keynes, doinvestimento para a poupana contrariamente viso neoclssica continua vlida sob qualquer hiptese, acerca das circunstncias vigen-tes (...) embora em condies de pleno emprego keynesianos e neocls-sicos concordem quanto ao possvel excesso de consumo (...) uma leituraneoclssica dos fatos conduzir recomendao de aumentar a poupan-a, ao passo que uma interpretao keynesiana dos fatos levar a con-cluir que preciso investir mais. A diferena entre ambas as recomen-daes, imperceptvel quando se lida apenas com identidades contbeis,sem discutir a teoria que figura por trs das mesmas, crucial [...]Giambiagi & Amadeo (1990:78).

    Por fim,

    pode-se argumentar que reduzir o consumo e aumentar a poupan-a, se ocorrer um aumento do investimento, correspondem ao mesmofenmeno. Entretanto, a seqncia lgica diferente, ou seja, na prti-ca o que ocorre no que a queda do consumo gera um aumento dapoupana e este uma elevao do investimento e, sim, que o aumentodo investimento acarreta um aumento da poupana e, em condies de

  • pleno emprego, exige uma reduo do consumo Giambiagi & Ama-deo (1990:82). Grifo nosso.

    Portanto, os autores argumentam que no pleno emprego a reduo do con-sumo permitira o aumento do investimento e, em seguida, a poupana tambmcresceria como conseqncia deste. Ora, reduzir o consumo para uma dada ren-da significa ampliar a poupana antes mesmo que o investimento ocorra, poispoupana , por definio, a renda no consumida. Ademais, h neste argumen-to a hiptese de que bens de capital que produzem bens de consumo podem semetamorfosear em produtores de bens de capital j que Giambiagi & Amadeo(1990) no trabalham com a taxa de cmbio real em seu modelo.16

    Alis, tal hiptese de metamorfose dos bens de capital foi feita explicitamen-te atravs de exemplo capcioso apresentado em Giambiagi (1988:12): ele supeque, a pleno emprego, a reduo do consumo de automveis (bem de consumo)permitiria o aumento da produo de caminhes (bem de capital). Porm, nestecaso particular os mesmos bens de capital que produzem bens de consumo (aut-mveis) podem, em geral, produzir tambm um tipo especfico de bens de capi-tal, a saber, caminhes. Mas esta versatilidade dos BK uma exceo, no a regra.

    Do mesmo modo, para demonstrar a restrio externa ao crescimento, osautores, partindo da mesma identidade contbil, assumem que [...] um aumen-to da taxa de poupana interna pode se traduzir no crescimento das exportaese, conseqentemente, das importaes e do investimento Giambiagi & Amadeo(1990:85). Novamente os autores se contradizem, pois nesta passagem a pou-pana antecede o investimento. Alm disso, a identidade contbil no aponta pa-ra uma relao de causalidade entre poupana e exportao e, ento, novamentea demonstrao dos autores no vlida (equao 20).17

    A tese dos dficits gmeos contradiz a abordagem ps-keynesiana. Nestaabordagem a restrio ao crescimento econmico no poderia ser de poupanavisto que o investimento que antecede a poupana e, no, o inverso. Resende(2005) baseia-se em Tavares et alli (1982:35) para argumentar que tal tese no

    147Revista de Economia Poltica 28 (1), 2008

    16 Este ponto ficar claro logo a seguir.17 Por fim, a relao apresentada no Grfico 3 de Giambiagi e Amadeo (1990:86), a saber, um au-mento da propenso a poupar eleva o investimento, tambm no vlida e expressa a contradiodestes autores que consideram correta a proposio de Keynes de que a poupana resulta do investi-mento, e no o inverso. A propenso interna a poupar, si, no afeta o investimento. Tal propenso,que o inverso da propenso a consumir, determina apenas o nmero de etapas do circuito gasto-renda-poupana inserido no processo multiplicador da renda e detonado pelo investimento. Aps terse verificado o investimento, a poupana ser sempre a mesma, sendo ao final do processo multipli-cador igual ao investimento, ou seja, se a propenso a poupar cresce, ento haver um menor nme-ro de etapas no circuito gasto-renda-poupana, de modo que, para cada nvel do investimento, a pou-pana ser a mesma ao final do processo, seja qual for o tamanho de si. Deste modo, o investimentoinicial no afetado pelo tamanho de si, mas, apenas, o nmero de etapas associadas ao multiplica-dor dos gastos afetado.

  • seria vlida para uma economia fechada uma vez que em certo momento do tem-po o estoque de capital da economia est dado. Assim, o aumento da absorodomstica no pode transformar bens de capital destinados produo de capi-tal em bens de capital destinados produo de bens de consumo, e vice-versaResende (2005:04). Neste caso, o dficit pblico no reduz a disponibilidade in-terna de mquinas e equipamentos requeridos para o investimento e, ento, se-riam falaciosas as relaes entre dficit pblico e insuficincia de poupana na-cional e entre dficit pblico e dficit externo.

    Contudo, este mesmo autor considera que o argumento de Tavares et alli(1982) s vlido para economias fechadas. Em economias abertas, mudanasna taxa de cmbio real afetam a poupana nacional. Deste modo, quando o dfi-cit pblico afeta os preos relativos da economia, a oferta de bens de investimen-to e a poupana nacional tambm se alteram. 18

    Uma depreciao da taxa de cmbio real corresponde a um aumento dospreos dos bens comerciveis em relao aos preos dos bens no comerciveis.Conforme Pastore & Pinotti (1995:141), o aumento relativo dos preos dos benscomerciveis estimula a substituio do consumo em direo aos no-comerci-veis, ao mesmo tempo em que estimula o aumento da produo daqueles. Domesmo modo, a apreciao da taxa de cmbio real estimula a substituio doconsumo em direo aos bens comerciveis ao mesmo tempo em que inibe suaproduo. Assim,

    O aumento dos preos dos BC (bens comerciveis) em relao aospreos dos BNC (bens no comerciveis) resulta, ento, em aumento dosaldo comercial. A elevao das exportaes lquidas corresponde con-tabilmente ampliao da poupana nacional. Portanto, mquinas queproduzem bens de consumo no podem se metamorfosear em mqui-nas produtoras de bens de investimento, porm, os bens de consumo ex-portados geram divisas externas para importar bens de capital. Resen-de (2005:5).

    Portanto, atravs de alteraes nos preos relativos que o dficit pblicopode inibir a poupana nacional. Quando o dficit pblico causa apreciao dataxa de cmbio real a poupana se reduz. Resende (2005) estudou a relao en-tre dficit pblico e taxa de cmbio real e concluiu que,

    [...] mesmo supondo ausncia de crowding out e de EquivalnciaRicardiana, no h uma relao sistemtica entre dficit pblico e apre-

    148 Revista de Economia Poltica 28 (1), 2008

    18 Embora no demonstre os mecanismos atravs dos quais o aumento da absoro domstica sobrea produo nacional pode afetar a taxa de cmbio real, Krugman (1992) tambm argumenta que odficit pblico s causa o dficit externo por meio da mudana de preos relativos.

  • ciao da taxa de cmbio real. No regime de taxa de cmbio fixa, talrelao vlida apenas quando a economia opera a pleno emprego.19

    No regime de taxa cambial flexvel, em nenhuma das situaes estuda-das esta relao verifica-se, necessariamente. Resende (2005:7).

    Todavia, mesmo quando o dficit pbico leva a uma apreciao cambial e,conseqentemente, a uma reduo da poupana nacional, na abordagem ps-keynesiana no pode haver restrio de poupana ao investimento j que aquelano antecede este, necessariamente. Ademais, na economia fechada o investimen-to sempre igual poupana nacional, enquanto na economia aberta o investi-mento sempre igual soma da poupana nacional e da absoro de poupanaexterna (dficit em transaes correntes do balano de pagamentos).

    Portanto, qual a relao entre dficit pblico, investimento e poupana emeconomias monetrias abertas? Quando o dficit pblico implica apreciao dataxa de cmbio real, parcela da demanda de investimentos deslocada para o ex-terior, afetando a taxa de poupana nacional.20 O aumento do preo relativo dosbens no comerciveis implica aumento da demanda por bens comerciveis e re-duo da produo domstica destes. Assim, a apreciao do cmbio real reduza disponibilidade domstica de bens de capital, entendida como a soma da pro-duo domstica de bens de capital destinada ao mercado interno e das importa-es destes bens at o ponto onde o saldo em transaes correntes se equilibra.Aps a apreciao da taxa de cmbio real torna-se necessrio aumentar o volu-me de importao lquida (de bens de capital) de modo a viabilizar dado volumede investimento, deteriorando-se o saldo em transaes correntes. Ento, a par-cela do investimento total que corresponde demanda de bens de capital satis-feita atravs da compra destes bens no mercado interno e da importao de bensde capital at o ponto onde o saldo em transaes correntes se equilibra, se re-duz aps a apreciao da taxa de cmbio real, ensejando na mesma medida ummenor volume de poupana nacional no mbito do circuito F-I-S-F.

    Portanto, no se trata, neste caso, de insuficincia de poupana nacional emrelao a uma dada taxa de investimento. Partindo de um dado nvel do investi-mento domstico, quando h apreciao da taxa de cmbio real, surgem dficitsem conta corrente estimulando a formao de poupana no resto do mundo apartir do investimento domstico, enquanto o estmulo sobre a renda domstica

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    19 Porm, conforme Keynes (1988a), em economias monetrias o pleno emprego apenas uma entreinmeras possibilidades de equilbrio macroeconmico. Em geral, o nvel do produto de equilbrioem economias monetrias encontra-se aqum do nvel de pleno emprego. Este argumento corrobo-rado na teoria microeconmica no convencional. Possas (1987), Labini (1962), etc., sustentam quefaz parte da estratgia das empresas trabalhar, em regra, com capacidade produtiva ociosa.20 H na abordagem ps-keynesiana vrios canais atravs dos quais o dficit pblico afeta o investi-mento e que no so objeto de estudo neste trabalho. Trata-se da relao entre: dficit pblico e de-manda efetiva, dficit pblico e melhora ou deteriorao das expectativas dos agentes, dficit pblicoe oferta de finance nacional e internacional, etc.

  • e sobre a poupana domstica ser reduzido. Este efeito do investimento sobre aformao da poupana nacional no contexto de apreciao da taxa de cmbioreal pode ser constatado a partir da anlise das Situaes 1 e 2, anteriormenteapresentadas.

    Segundo Resende (2005), para que o resultado fiscal do governo provoquenecessariamente uma mudana de preos relativos, a economia em anlise deveoperar a pleno emprego e com taxa de cmbio fixa num contexto de ausncia decrowding out e de Equivalncia Ricardiana. Vamos considerar que este o casodo pas Z. Supe-se, tambm, que W e Z apresentam inicialmente saldo equili-brado em conta corrente. Considera-se que W e Z so os nicos pases existentese que o regime cambial de W tambm o de taxas fixas.

    O dficit pblico na economia Z induz a apreciao da sua taxa de cmbioreal, provocando um dficit em conta corrente, pois se supe constante o volumede investimentos em Z e em W. Surge, ento, um excesso de demanda por benscomerciveis no pas Z, inclusive por BK, satisfeito por meio de importaes.21

    Se W tambm opera a pleno emprego, haver excesso da demanda mundial debens comerciveis em relao oferta mundial, gerando aumento de preo des-ses bens e, ento, depreciao da taxa de cmbio real em W. Esta mudana depreos relativos em W amplia sua produo potencial de bens comerciveis.22

    Entretanto, se h capacidade ociosa na economia W, suas exportaes seroampliadas, satisfazendo o excesso de demanda de bens comerciveis do pas Z,sem haver necessariamente mudana de preos relativos. Assim, supondo queaps a apreciao da taxa de cmbio real em Z o volume de investimento no sealtera, nem no pas W, nem no pas Z, tal apreciao cambial resultar em alte-raes no saldo em conta corrente de ambas as economias.23

    150 Revista de Economia Poltica 28 (1), 2008

    21 Parcela da produo domstica de bens comerciveis, inclusive BK, torna-se economicamente in-vivel aps a apreciao da taxa de cmbio real, ao mesmo tempo em que h uma substituio dademanda de bens no-comerciveis pela de bens comerciveis, conforme enfatizado anteriormente.22 Em W, a depreciao da taxa de cmbio real torna economicamente vivel parcela do estoque decapital destinado a produzir bens comerciveis, permitindo a expanso da produo de BK e de BCSsem a necessidade de nova formao de capital fixo. Ou seja, na Situao 2 descrita na subseo 3.2,a produo em W de BK destinados exportao gera uma renda que induzir um novo consumo;porm, a depreciao cambial numa economia que j operava a pleno emprego viabiliza o aumentoda produo domstica de BCS. Note, ainda, que o aumento da oferta de bens comerciveis no restodo mundo no permite que o aumento de preos dos mesmos na economia Z anule completamente amudana de preos relativos inicialmente verificada no pas Z em favor dos bens no comerciveis.23 Se o regime cambial de W fosse o de taxas flexveis, o aumento da demanda de importao do pas Zimplicaria aumento da oferta de divisas externas em W e apreciao de suas taxas de cmbio nominal ereal. Portanto, surgiria no mundo um excesso de demanda por bens comerciveis em relao ofertados mesmos, provocando aumento de preos desses bens e revertendo a apreciao da taxa de cmbioreal tanto em Z quanto em W. Assim, o dficit pblico em Z teria provocado apenas inflao. O au-mento de preos em Z atuaria como mecanismo de reduo da participao do setor privado no produ-to real em favor do aumento da participao do setor pblico. Isto no provoca, necessariamente,

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    At ocorrerem alteraes nas taxas de cmbio, o saldo em conta corrente eraequilibrado em W e em Z. Esta era a Situao 1, anteriormente analisada. Apsessas mudanas, quando passamos para a Situao 2, verifica-se um dficit e umsupervit em conta corrente no pas Z e no pas W, respectivamente. A aprecia-o da taxa de cmbio real reduz a disponibilidade domstica de capital em Z isto , reduz o montante formado pela soma da produo domstica de BK desti-nada ao mercado interno e das importaes destes bens at o ponto onde o saldoem transaes correntes se equilibra. Assim, mantido o mesmo nvel de investi-mento, haver um dficit em conta corrente nesse pas.

    Na Situao 1 no havia poupana no pas W, pois a renda no consumidainternamente era usada para importar bens de consumo. Em W, a Situao 2 sur-ge quando sua exportao de BK eleva-se e sua importao de BCS cai a zero,aps ocorrer apreciao da taxa de cmbio real em Z decorrente, por exemplo,do dficit pblico neste pas. A produo de BK para exportao enseja aumentoda renda em W e, via efeito multiplicador, surge uma poupana cuja contraparti-da so as exportaes de BK em valor igual ao supervit em conta corrente deW. A mudana de preos relativos verificada inicialmente na economia Z estimu-lou o aumento da produo de BK em W, mas, conforme analisado anteriormen-te, tal tarefa exigiu inicialmente um finance no mercado domstico, liquidado apartir da poupana que surgiu como resduo do crescimento da renda. Em lti-ma instncia, a apreciao da taxa de cmbio real em Z estimulou a formaode poupana em W, ao mesmo tempo em que a produo de BK para exportaoneste pas (que corresponde ao investimento na economia Z) no necessitou deuma poupana prvia, mas, sim, de finance.

    Na situao 1, a poupana verificada na economia Z resultava da produode BCS para exportao, apresentando o mesmo valor das importaes de BK,de modo que a poupana nacional era igual ao investimento e o saldo em contacorrente era nulo. Aps a apreciao da taxa de cmbio real, parcela da produ-o de bens comerciveis torna-se economicamente invivel, enquanto a deman-da por estes bens aumenta. Para simplificar o raciocnio, mas sem comprometeras concluses da anlise, digamos que toda exportao da economia Z torna-senula aps a apreciao cambial. Mantendo-se o mesmo nvel de investimento emZ, as importaes de BK aumentaro, realizadas por meio do finance no sistemafinanceiro internacional, conforme descrito na Situao 2.

    Portanto, aps a apreciao cambial em Z, este pas e o pas W passam daSituao 1 para a Situao 2, e o estmulo do investimento na economia Z paraa formao de poupana se transfere parcialmente do pas Z para o pas W. Nopas Z o excesso de investimento sobre a poupana resulta em dficit em contacorrente.

    queda do volume de investimento e de poupana nacional. Portanto, quando prevalece o pleno empre-go nas economias, o caso relevante a ser analisado aquele em que ambas as economias operam sob re-gime de taxas de cmbio fixas.

  • Em suma, quando o dficit pblico provoca uma mudana de preos relati-vos verifica-se um deslocamento (parcial) da demanda por bens de investimentodo mercado domstico para o mercado externo. Por conseguinte, parcela do est-mulo do investimento para a formao de poupana se transfere para o resto domundo, e, ex-post, o investimento permanece sendo igual soma da poupananacional e da absoro de poupana externa.

    CONCLUSES

    O objetivo principal deste estudo foi avaliar se as caractersticas do circuitoF-I-S-F permanecem vlidas para economias abertas, em especial se o investimen-to continua precedendo a poupana aps a abertura da economia monetria.Constatou-se a validade deste circuito para economia abertas.

    Uma segunda questo tambm foi estudada, no mbito do debate referente precedncia do investimento em relao poupana: trata-se do argumento so-bre a insuficincia (ou restrio) de poupana nacional em relao ao investimen-to, provocada pelo dficit pblico.

    Conforme alguns autores, tais como Giambiagi & Amadeo (1990), Garcia(1997), Garcia & Giambiagi (1997), Giambiagi (2002), no pleno emprego nohaveria recursos reais disponveis que permitissem absorver um aumento do gas-to pblico (lquido). Segundo estes autores, tal absoro s seria possvel median-te uma reduo do consumo e/ou do investimento. Assim, a elevao da taxa deinvestimento implicaria, necessariamente, aumento de importaes de BK sem acontrapartida do aumento de exportaes, e a restrio ao crescimento econmi-co seria de poupana nacional. Isto nos remeteu ao argumento ps-keynesiano,segundo o qual o investimento que antecede a poupana em economias mone-trias, e, no, o contrrio. Sendo assim, a restrio ao crescimento econmicono poderia ser de poupana.

    Ademais, na economia fechada o dficit pblico no reduz a produo po-tencial de bens de investimento uma vez que BK que produzem BK no podemmilagrosamente se metamorfosear em mquinas e equipamentos produtores deBCS para atender s demandas de um governo perdulrio.24 Isto , o dficit p-blico numa economia fechada no pode reduzir o limite fsico superior existente ampliao da produo domstica de bens de investimento.

    Porm, na economia aberta, se o dficit pblico provocar a apreciao dataxa de cmbio real, embora aquele no cause necessariamente esta apreciao,

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    24 A indicao de poltica econmica derivada a partir do referencial terico ps-keynesiano no por um contnuo desequilbrio fiscal. Isto seria nocivo para o investimento no contexto da formaode expectativas a longo prazo. Segundo este referencial, o governo deveria ter dois oramentos: o or-amento corrente e o de capital. O primeiro deve ser sempre equilibrado, enquanto o segundo teria opapel de suavizar o ciclo econmico, devendo ser intertemporalmente equilibrado. Sobre este ponto,ver Carvalho (1992a, cap.12).

  • a disponibilidade domstica de capital na economia entendida como a somada produo domstica de bens de capital destinada ao mercado interno e dasimportaes destes bens at o ponto onde o saldo em transaes correntes se equi-libra ser reduzida. Mas, na tica ps-keynesiana, isto no quer dizer uma res-trio de poupana nacional em relao ao investimento. O que ocorre to so-mente que, no pas onde houve apreciao cambial, h uma transferncia para oresto do mundo de parcela do estmulo dado pelo investimento domstico para aformao de poupana.

    Deste modo, o investimento permanece antecedendo a poupana, mesmoquando a economia opera a pleno emprego, ou seja, o circuito ps-keynesianoFinance-Investimento-Poupana-Funding permanece vlido em qualquer situa-o. Porm, parcela da poupana estimulada pelo investimento forma-se fora dopas onde houve apreciao da taxa de cmbio real.

    Por fim, haveria na tica ps-keynesiana uma restrio fsica (restrio dedisponibilidade de recursos reais) ao aumento do investimento quando a econo-mia opera a pleno emprego? Quando o aumento da absoro domstica decor-rente do aumento do investimento induz a apreciao da taxa de cmbio real, osaldo em conta corrente deteriora-se e parte do estmulo do investimento para aformao da poupana se transfere para os parceiros comerciais do pas onde oinvestimento est sendo efetivado. Neste caso, a restrio ao investimento quepoderia surgir seria de recursos externos (restrio externa), e, no, de poupana.

    Porm, se a taxa de cmbio real no se apreciar, o aumento do investimentoresultar em inflao, o que poder desestimular o prprio investimento (aumen-to do preo de oferta dos BK) e/ou reduzir a participao de algum setor da econo-mia no produto agregado em favor do aumento da participao dos investidores.

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