lourdes cividini cassarotti ametalinguagem na obra de...

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Lourdes Cividini Cassarotti A METALINGUAGEM NA OBRA DE CLARICE LISPECTOR A HORA DA ESTRELA Monografia AI)resentadn para obtcnc;ao do titulo de Espccialista no Curso de Especializac;iio em Lingua Portuguesa dn Univcrsidadc Tuiuti do Parana. Orientadora: Doutora Denizc Araujo. CURITIBA 2000

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Lourdes Cividini Cassarotti

A METALINGUAGEM NA OBRA DE CLARICE LISPECTORA HORA DA ESTRELA

Monografia AI)resentadn para obtcnc;ao dotitulo de Espccialista no Curso deEspecializac;iio em Lingua Portuguesa dnUnivcrsidadc Tuiuti do Parana.Orientadora: Doutora Denizc Araujo.

CURITIBA2000

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Dcdico cste tr:lb:tlho :1 meus pais, M:irio e Rorlensia. I)QI-me (el-em ensinfldo a ami"- e

respeilfll- aos meus semclh:wtes e tambcm par me (erem mostrado 0 c:Hninho flOS

estudos

II

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AGRADEClM ENTOS

Agr:ldc~o primci."umcntc a Delis, que me dell vid:! c :1oporlunidHde de faze-Ill Iltil. Aprofessora Denize Ar;lujo, pcla atell~iio c dedic:u;iio nn odcnt:u;ao destc tnlbalho. Ao

Adair, meu Querida esposo, que me deu Illuito apoio pam que ell rcalizassc este

cstudo. Ao Leoll:lrdo e Amanda, meus adomdos filhos, que tivcl';lIn pacicncia comigo

durante esta pesquisa. A Reny, :nnig:l e colaboradom c Isabel que scmp'"c me ;tuxiliou

du.-ante to do 0 curso. A lodos quantos, anonim:lmentc, contribuir:lnl para a

I'caliz:1ciio dest:) pesquiS:l. As minh:Is irmas c inniios que scmprc me apoiarallI.

III

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SUMARIO

DEUICA TORIA ..........................................................................•........................... n

AGRADECIMENTOS 11I

SUMAIUO IV

I INTRODUCAO 1

2 A L1NGUAGEM EM SIW USO EM DIFERENTES MOMENTOS 3

2.1 As Fun~oes da Linguagem.. . 4

2.2 Defini~ao de MClalinguagem ,.. .5

3 CONTRIBUICAO RENOVADORA DE CLARICE L1SJ>ECTOR

NA L1TERATURA II

4 AS MULHERES DE CLARICE t5

5 ANALISE DA OBRA "A HORA DA ESTRELA" 18

6 CONCLUS.:i.O 35

REFEll.ENClAS BIBLlOGRAFlCAS 37

IV

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I. INTRODU(:AO

No come~o de nosse secul0, e mais propria mente com 0 inicio do modernismo, a

prosa da ficc,;ao adquire aspectos muhiformes. No seu intuito de represenlar a vida, a

litcratura ficcional tenIa colccar em forma de ane os varios problemas do homem moderno.

o genera narrativo sofi'e mudam;as profundas, quer nas formas e esteticas, quer nos

conteudos ideoJogicos, devido it grande variedade de tendencias e correntes. (0'

ONOFRIO, 1997, p. 430).

Por esta razao, a litcratura contcmporanea aprofunda a sondagem psicologica que ja

vinha seodo desenvolvida por autores anteriores. No case do romance psicol6gico cairiam

as mascaras mundanas que empetccavam as historias mcdiocres do pequeno realismo helle

epoqJle. 0 renovado convite a introspeccao far-se-ia com 0 esteio da Psicaml.lise afetada

muita vez pelas angustias religiosas do novos criadores. (BOSI, 1997)

Ainda, 0 socialismo, 0 freudismo, 0 catolicismo existencial: cis as chaves que

serviram para a decifracao do homem em sociedade e sustentariam ideologicamente 0

romance empellhado desses anos fccundos para a prosa narrativa. Clarice Lispeclor com

seu romance inovador e com sua linguagem alta mente poelica «poe em x.eque os modelos

nan·ativos tradicionais" e os limites entre a poesia e a prosa, e ao meSlllo tempo, obriga a

critica literaria a rcver seus modelos de aml.lise e av.alii.19aOda obra litenlria. Em suas obras

e constante 0 uso intensivo da metat"ora insolita, a entrega ao Ouxo da consciencia, a

ruptUnl com 0 enredo faclual

No inicio da decada de 40, 0 percurso da 8uIOra ticou registrado, como num

oscilograma de perplexidade e reconhecimenlo, junto a seus leitores, potencial mente mais

privilegiados. A autora nao se comenla com 0 desencasular e configurar, ela vai alt~m,

apoiada em estudiosos conlemporaneos como Joyce, Umberto Eco, Jacques Aubert.

"Trocou os contornos e detiniu a eficacia poetica, sem perder de vista a matriz Joyceana do

processo ( ... ) para fisgar 0 que hit de propnamente especifico e revelador" (CAMPOS,

1992, p. 183 a 185).

E por que a escolha de Clarice Lispector em A flura cia t.:wrela? Por seT essa obra

intrigante. pelo trato dado a palavra e por ir a16m da palavra, ate a metalinguagem, e por

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essa obra "dialogar com todo 0 universo ficcional de Clarice Lispeclor"

o objetivo geral desse trabalho e de fazer um estudo e amiiise (contempodinea) da

ficc;ao brasileira, na obra A flora do E\·lrela.

Na sequencia dessa pesquisa usaremos como metodologia as seguimes etapas:

- uma breve inlrodu9ao it linguagelll~

- detini9ao das fUnf;oes de linguagem;

- defini90es do termo metalinguagem dando exemplos pnlticos de sua existencia, tendo

como base alguns criticos desse assunto.

Pensamos que trabalhar a rnetalinguagem contribuira para incentivar outros

professores a desenvolver este tema. Em diversos momentos, em sala de aula, alunos

questionam e analisam 0 "estrangulamento" da leitura introspectiva intimista dos caracleres

presentes nessa obra. Muitos problemas aflorados a respeito dessa ohra tiveram que ser

submetidos a uma sondagem mais sistematica: rarefacao do enredo; a diluiCao ou 0

hibridismo dos gel1eros~ a posiCao singular das personagens narrativas, diluindo-se 0 her6i

em palavra, enfim, problemas vivos desse "universo", que se impos na literatura

contemponinea.

Ainda, nessa proposta, merece urn capitulo especial, a contribuiCao renovadora da

fiCC30 claricean3 e a figura da tllulher, sempre rastreada nas obras de Clarice Lispector.

A essencia desse trabalho e tambern eilicidar a metalingllagem na obra A Hora da

C\·,rela. Segundo BARTHES (1970): "0 escritor tern que destacar uma fala segunda do

visgo das falas primeiras que Ibe fornecem 0 mundo, a historia, sua existencia. A tarefa do

cscritor e inexprimir 0 exprimivcl", ou scja, as personagens de Clarice LispeclOf vivem

uma realidade inexprimivel, cm que 0 sentido surge apenas do proprio ato de escrever -

numa assimilayi'i.o do sujeitO it 1inb'lJagcm. E "como se cm vez de escrever, descrevesse

conseguindo urn cfeito magi co de reflexo da linguagcm, que deixa it mostra 0 "aquilo", 0

"inexpressado" (NUNES, p. 74,75).

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2. A LlNGUAGEM E SEU usa EM DlFERENTES MOMENTOS

A linguagem, como mcio de comunicayao do homem, jamais se fundamentou em

urn modelo padrao numa determinada cultura por muito tempo. Uma lingua que nao

acompanhou a evoluc;:ao e Slias exigencias pereceu

"A evo\w;ao da lingua, como tada evoluc;:ao hist6rica, pode ser percebida como uma

necessidade de funcionamenlo livre uma vez que alcanc;:ou a pOSiC;:30 de uma necessidadc

consciente e desejada" (BAKHTTN, 1995, p. 127)

As novas fOfmas de se utilizar de uma linguagem para a cornunicac;:ao liteniria

sernpre intrigaram os criticos. Em muitos casas os inovadores roram criticados na cpoca

que surgiram. Mas 0 tempo rendell-Ihes homenagens, nao apenas pel a criatividade, mas

tambem pe\a audacia de desafiar conveJlc;:oes e tradi90es. Enquanto 0 poeta ciassico quer

transmitir ao lei tor sentimentos provenientes da idealiza9ao da natureza cosmica, C 0

romantico angustias do seu isolamento espiritual, 0 poeta moderno agride 0 lei tor com seus

versos inefaveis, alimentando-se do prazer aristocriltico de nao ser compreendido de

desagradar 0 publico leitor, trabalhando com simbolos autarquicos, estranhos ao c6digo

ideo16gico, e explorando contClldos sonambulicos C alucinantes.

No entanto, trabalhar com a metalinguagern, em qualquer que seja a natureza Oll

genera de obra liteniria,"e ser artista da palavra", conhecer a coordena9aO nao apenas de

natureza morfol6gica, sintatica ou semantica, mas principal mente do sentido, que envolve,

principal mente, a filosotia da linguagem ou 0 seu sentido psicol6gico

Certamente, tudo isso e muito mais, estava no caminho da capacidade imaginativa e

criativa da obra de Clarice Lispecror, que sera mais detalhada em algumas compara90es,

depois de uma n'tpida analise das func;oes da linguagem, e algumas defini96es e exemplos

da metalinguagem.

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2.1. AS FUNC;:OES DA L1NGUAGEM

Quando falamos da linguagem nao podcmos deixar de razer referencia as suas

flln~5cs em todo processo linguistico. Urn emissor envia uma mensagcm a urn receptor

atraves de urn canal, utilizando-se de um c6digo que se refere a urn contexto. Pode-se

represcnlar de forma mais simples na seguintc ordcm, CSle esquema:

REMETENTE

MENSAGEM

CONTEXTO

CODIGO

CONTACTO

DESTINATARIO

A cada urn desses elementos, corrcsponde lima funy30 linguislica diferente,

segundo ROMAN JAKOBSON (1969. p.122 a 129):

I. FUIl.;:ao referendal: tamhem chamada de denotativa, cognitiva Oll informativa, apresenta

urn pender para 0 referente, lima orientacao para 0 contexto.

2. FUllyao emotiva ell expressiva: esta ccntrada no emissor e tern como objetivo manifestar

a atitudc de quem fala em reiacao aquilo que csla fa lando. Visa lrallsmilir uma certa

emoQao.

3. Fun~ao conativa ou apelativa: quando a intem;;ao do emissor e falar objetivamente sobre

alguma coisa do mundo exterior, as expressoes gramaticais mais puras sao sempre

encontradas no imperativo e no vocativo

4. Fum;:ao fatica: orientada para 0 contato entre os interlocutores, visa verificar as

condiryoes de comunicabilidade, iSlo e, verificar se 0 canal funciona. Serve tambem para

prolongar ou interromper a c0l11unica9ao e atrair a atenQiio do interlocutor Oll confirmar sua

atenQao continuada.

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5. Fun~ao metalinguistica: ocorre quando 0 discllrso focaliza 0 codigo, sempre que ha

necessidade de sc verificar. se os interlocUlOres estao usando 0 meslllo codigo, ou quando

usamos a mesma linguagem para falar del a mesilla. Portanto podemos dizer que a funiVao

metalingiiistica e 0 conjunto de elementos que, numa mensagem verbal se destinam it

explic<liVaOdas proprias palavras

6. Funr;ao poetica e estetica: centra-se na mensagem pcr cia propria. A mensagem e urn

meio que possibilita as ou[ras func;:6cs; na poetica, a mensagem centraliza na mesma com

aprofundamento da dicotomia fundamental de signos e objetos, estabelece-se a autonomia

do signo.

Embora possamos distinguir seis fun((oes linguisticas difcrentes, e dificil encontrar

mensagcns em que apenas lima dclas se fac;:a presentc. 0 que se veri fica e a coexistencia

das func;:oes havendo, naturalmcnte, a predominancia de uma sobre as dcmais

(JAKOBSON, p.123 " 127).

POll ante, nesta linha de pcsquisa, falaremos da metalinguagem da literatura,

daquela que sc encontra no texto: na poesia do peema, oa poesia da narrativa. Para isso, no

entanto, e preciso situar no ambito das ciencias da linguagem, 0 lugar da lingiiistica, que

sistemalizou 0 modele comunicacional e organizou as relac;:6es entre as diferentes func;:oes

de linguagem referentes aos falores basicos da comunicac;:ao. Pois func;:ao metalingUistica e

fun~ao da linguagem (CI-IALHUB, 1988, p. 10).

2.2. DKFINICAO DE METALINGUAGEM

Muito se tern escrilo sobre metalinguagem. Ha inllmeras discussoes sobre 0 tcrmo

ou sua dcflniiVao mais correta. Sendo 0 teflllO em questao um efeilo de linguagem que vem

sc tornando bast ante presentc nas obras contemporaneas, e natural que seja relacionado

com a modernidade. Nessa verdade da narrativi.l modernista. nao e mais considerada

apenas um meio para a representacao do real, mas e a criadcra de novas realidades, pois

utiliza-se de signos sem referentes exlratextuais. (. ..) As novas criacoes linguisticas agem

de maneira direta, it consciencia lingOislica imp6em-se dccididamente nos processos de

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formayao da obra, eo estado de conscicncia a ser projetado traduz-se em uma nova sintaxe

e em composiyoes vocabulares ousadas (D'ONOFRIO, 1997, p. 439).

o !laSSO objetivo de estudo metalinguagem tcm sua origem, modemamente, nosestudos sobre poetica, mas a rctarica; cstudo do discurso e slias regras. A rigor,essa reflexao sobre 0 discurso l1ao e privilegio das cicncias modemas: 0 quc ernoderno e sua sitematizayao e as rclayoes interdisciplinares provocadas por todasas areas de saber que tem a linguagelll como ponto de referenda (CHALHUB,1988, p. 18).

Durante seculos nossos escritores nao imaginavam que fosse possivel considerar a

literatura como uma linguagem, submctida como qualqucr outra linguagem, a dislinyao

16gica: nunca se dividia em objeto ao mesmo tempo olhante e olhado; em suma., cia falava

mas nao se falava. Mais tarde, ( ... ) a literatura comeyou a sentir-se dupla: ao mesmo tempo

objeto e olhar sobre esse objeto. fala e f.11adessa rala. literatura - objeto metaliteratura ( ... ).

E, precisamente, ( ... ) onde a literatura finge destruir-se como linguagem - objeto sem se

destruir como metalinguagem se define em ultima instancia como uma nova linguagem

objelo (BARTHES, p. 27 e 28).

Mas aqui 0 importante denlro dessa proposta de trabalho c rastrear algumas

definiyoes e excmplos de metalinguagem cncontrados em diciomirios de literatura e oulros

pesquisadores da area.

Segundo JAKOBSON (1967, p. 127), uma dislin9ao foi feila. na logica modema,

entre dois niveis de 1inguagcm, a «linguagem-objcIO", que fala dc objetos, e a

"mctalinguagcm", que fala da linguagem. Mas a metalinguagem nao C apenas um

instrumento cientifico necessario, utilizado pelos lingiiistas, desempenha tambcm papel

importante em nossa linguagem. Como 0 Jordain de Moliere, que lIsava a prosa sem 0

saber. praticamos a metalinguagem sem nos dar conta do caniter metalingOiSlico de nossas

operayoes. Scrnpre que 0 remelcnte e/ou 0 deslinalario tern necessidade de verificar se

eslao usando 0 mesmo c6digo, 0 discurso focaliza 0 Codigo; desempcnha a funyao

METALINGUiSTICA (islo e de gloso) (. ..). Todo processo de aprendizagem da

linguagem, panicularmente a aquisiyao pela crianya, da lingua materna, faz largo uso de

tais operayoes metalingOistica; e a afasia pode ser definida, <lmiude, como uma perda da

capacidade de realizar opcra90es melaling(iislicas.

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melalinguislica pode ser percebida qLlando uma mensagem e 0 ralOr c6digo que se faz

referenle, que e aponlado" (CHALHUB, 1988, p. 27).

COI11Oexemplo podemos citar a metalinguagem como signos idcmicos, como se

pode observar a scguir:

"A rnetalinguagcm esta direcionada para 0 c6digo (lingua ern que se esta falando)

POl1anto. sempre que emissor ou receptor tem necessidade de verificar se estao

empregando 0 mesmo c6digo. ou signos identicos de um c6digo. temos uma fun~iio

melalinguislica." (JOVANOVIC, 1987, p. 46).

Para JAKOBSON (1967, p. 127), metaJinguagem nao e apenas urn instrumenlO

cientifico necessario, utilizado pelos 16gicos e pelos iinguistas, cia desempenha papel

importante em nossa linguagem cotidiana, como veremos a seguir: Na sala de aula, a

rela~i'io professor-aluno diante de uma exposi~i'io cognitiva e uma rela~ao metalinguistica.

Diz 0 professor: "Percebe 0 que eu quero dizer."

Caetano Veloso quando compos ("Eu vou fazer lima canyao singela brasileira") e a

can~ao falando sobre a canyao. Se Woody AJlen, diretor calor de cinema, andou vestindo

uma camiseta que 0 estampou, Woody Al1en, num curioso narcisismo metalinguistico,

referia-se a si proprio.

Um excmplo pratico segundo CHALHUB (1988, p. 8): na lata de Azeite Carbonell

observamos a figura de uma componesa que mostra em sua mao, uma lata de Azeitc

Carbonell, essa lala por sua vez, reduplica ate 0 ponto zero.

Dutro exemplo pratico de melalinguagem sao os dicionarios. "Neles traduz-se em

termo, utilizando-se 0 proprio codigo a que pettencc esse termo" (CHALHUB, p. 28).

Traduzir de lima lingua para a outra e um trabalho melalingllistico. "Aprender lima lingua esobretudo operar metalinguisticamcntc." id, p.28.

Mas enfim, os cxemplos seriam intinitos porque, enquanto cxtensao conceitual,

"Iinguagem acerca da linguagem, refere-se a tudo desde que 0 homem e uma animal

simbolico,o ser da fala - assim se faz sua rela~ao dial6giea com 0 Universo, em si ja e urn

sistema de sinais( ... ) linguagem da linguagem e metalinguagem" (CHALUB, 1988, P. 7 e

8).

Modernamente, podemos dizer que a metalinguagem se define atraves da

illleflcxtualidadc, tomando como referencia a lingttagem anterior. Nesta busca de

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defini¥ocs a mais apropriada dentro desse contexto "(. ..) Metalinguagem poderia ser

tambem uma recriayao, 0 objeto de crilica ou explica9ao." (DANTAS e MOREIRA, 1974,

p.2)

Num sentido mais lato, metalinguagem e uma recriay3.o, com objetivo de crttica ou

explica9ao. Mas, em verdade, "se metalinguagem e semprc urn processo relacional entre

linguagem, tratando-se de literatura, haveni Scm pre esse di.ilogo intertextual."

(CHALHUB, 1988, p. 52)

Como reterencia, podemos citar na literatura um procedimento intenextual na

"Procura da Poesia"

Pcnetra surdamente no reino das palavrasLa estao os poemas que esperam ser escritosChega mais perto e contempla as palavrasCada lima tem mil faces secretas sob a face neutrae te pergunta, sem interesse pela resposta,pobre Oll terri vel, que Ihe deresTrouxeste a chave?' (DRUMMOND, 1945, p. II)

A reflexao sobre 0 ate de escrever faz parte das preocupa90es do poeta e ajuda 0

leitor entender 0 conceito de poesia.

A verdade da arte litenl.ria c reveladora: rastreia 0 sentido das coisas, aprcsentando-

as como se tudo fosse novo, porque nova c a forma de combinar as palavras (. ..) As

definiyoes na~ sao limitadoras, nem (micas, a ambiguidade que se reveste 0 signo instiga

( ... ) provocando tentativas de apreensao do real. (CHALHUB, 1988, p.9, 10)

I Na mesma send1 de Dmmlliond. Alice Ruiz produz essil fiC<1opoetic:] ··Sc eu fizer pocsia/com luamiserialainda tc falta paofp';'} mim nao" (RUlZ. 19&8.p. 29)

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Ainda nessa vertcntc segundo PIGNATARl (1974, p. 79):

·'A Illultiplicac;:ao c a multiplicidade de codigos e linguagens cria lima novaconscicncia de linguagelll, obrigando a continuos cotejos entre eles, a continuasoperac;:oes intersemioticas e, pOr£amo, a lima visada mctalillgiiistica, mesmo 110

ato cri<ltivo au melhar, principalmentc nele, mediante processos demeta Iinguagem analogica, processos inlcmos ao ato criadar."

Falaremos port an to, da rnetalinguagern da literatura: na poesia do poema, e talllbem

l1a poesia da narrativa.

Guimaraes Rosa, em Primeiras eslorias, Hila-nos do "Famigerado" Damazio

homem perigosissimo - "quem dele nao ouvira?" - COllla-nos 0 narrador, foi-Ihe "pcrguntar

a vosmeee uma opiniao sua explicada ... " Urn maca do Govemo 0 tinha chamado de

"famisgerado, faz-me-gcrado, falmisger(lldo, familhas-gerflldo", isto e, famigerado, e, nao

sabendo 0 significado do termo foi busea-Io com 0 narrador. (CHALHUB, 1988, p. 31)

Este diz.

- Famigerado e inoxia, e "celebre", "nolorio", "notavel" ...- (...) Mas me diga: Ii desaforado? E cac;:oavcl? E de arrenegar? Farsancia? Nomede ofensa?- (...) Pais ...e 0 que c que e, em mla de pobre, linguagem de em dia-<le-semana .. Famigerado? Bem e: "irnportante" que merece louvor respeiro ... (ROSA, 1967,p. 16).

Digamos que toda a obra de GuimaraesRosa, emissor de alta taxa informacional

estetica apresenta entremeios metalinguisticos; e ainda podemos dizer que e uma especie

de "fala" que [.11a0 significado das palavras, jogando com a propria palavra 0 signo sendo

apreendido do lade do seu significado. Uma elaboracao de metalinguagem em que se

centraliza 0 proprio c6digo.

Dando sequencia a essa proposta podemos citar a mctalinguagem das formas, lima

estreita ligacao. Segundo JAKOBSON (1969, p. 130) "Poesia e metalinguagem, todavia,

estao ern oposiyuo diametral enlre si; em metalinguagem, a seqOencia e usada para

construir uma equacao ao passo que em poesia e usada para construir uma sequencia."

"A relayao desses dois niveis de trabalho - com 0 c6digo e com a mensagem - vai

resultar fla metalinguagem das fOfmas poetica." (CHALHUB, 1988, p.39).

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10

Um texto configurado pocticamente pretcnde traduzir 0 objeto real. Eo faz como?

"Dc um modo iconico, ( e um tipo de signa que se caracleriza par reiaQoes de semelhanya

com 0 objcto represcnlado), ista e, 0 objclo sabre 0 qual 0 poema fala esui na diagrama<;ao

do texto 0 objeto nasee no texto" (id. p. 39,40).

"0 pacta e um designer da linguagem" (P1GNATART, 1974, p.29).

Observe 0 pocma de Oswald de Andrade, 0 movimcnto das palavras e semelhante

do movimento dos ponteiros do objeto-relogio.

As cois<lS saoAs caisas vernAs coisas vaoAs coisasVaa e vernNao em vaoAs horasVao e vemNao em vao

"DigalTIos que, ai, 0 objeto roi capturado atraves do movimento da leitura marcando

o ritmo. icane analogi a: no dizer sabre 0 rcl6gio metalinguagem da mensagcm poetica,

auto renexiva. Dentro do contexto podemos dcfinir: "Metalinguagem e uma tradLH:;:aodas

forrnas da estrutura ( ... ) e uma equa~ao, que se mont a entre dizer = fazer"

(CHALHUB,1988, p.39, 41).

Nesta busca de detiniC;iio mais apropriada para a metalinguagcm, podemos notar

que a palavra abrange varios conceitos que se modificarn. Em razao disto, utilizaremos 0

rermo "metalinguagem" no sentido literario e comllnicacional de retomada do texlo.

Segundo CHALHUB (1988, p.32), a fUIlc;ao metalingliistica, em sintese, centraliza-

se no c6digo, e c6digo "1~lando" sobre 0 codigo ( ... ) e linguagem "falando" de linguagem,

e musica "dizendo" sobre musica, e literatura sobre literatllra, e palavra da palavra, e teatro

"fazcndo teatro"

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II

3. CONTRIBUU;:AO RENOVADORA DE

LlTERATURA

CLARICE LISPECTOR NA

Ler Clarice Lispector e emaranhar-se l1uma teia de linguagem, para la se perder,enredado na refinada tmma de signos, tessitura de 31110re morte. Impassivel sairileso desse embate em que narrador, personagens e leitor se misturam, IlUIll jogoespecuJar em que as palavras e imagens, sons e silencio se combinam segundouma 16gica complexa, criadora de subjetividadc (CULT, 1997, p.46).

Hit 20 anos marria a cscritora Clarice Lispector, deixando uma ohra que

revolucionou a literalura brasileira, e que, aD e1eger 0 Mal como urn dos sellS temas

recorrentes, exprcssa 0 carater demoniaco da linguagem.

''Em uma ponta da vida, a memoria da culpa na infancia, pel a constatayao

incJemente da impotencia frente ao destin~. Na outra ponta do fio enredada. No ultimo

romance publicado ern vida, A Hora da E'ilrela, a confissao cu1pada e cu1posa do oficio

pouco uti1 para salvar da fome e do esquecimento vagos her6is an6nimos cujo direito aD

grito exige imediata translerencia mais patente ... " (CULT 1997, p.47).

Quer polus origens familia res ou pelas viagens realizadas ou pelas leituras, (leraDostoievski - Crime e Casligo, quando mellina). e a escritora brasileira melhorpossui a consciencia da cul£ura OcidentaL No rastro de Joyce (considerado 0 pajda ficlYaomodema) de Proust, de Woolf. de Faulkner, ela tenta renovar aestmturado genero narrativo, construindo enredo pelo 1110nologointerior dospersonagens (D'ONOFRIO, 1977, p. 439).

Assim, os criticos nao deixaram em paz os textos complexos e abstratos de Clarice.

BOSI (p.478,479), salienta que:

Os contos e os romances clariceanos sao exacerbados do momento interior, que asell itillen'lrio, a propria subjetividade, entra em crise. 0 espirito, perdido nolabirinto da memoria e da au[o-amllise, reclama urn novo equilibrio ( ...). 0 sujeito"so se salva" aceitando 0 objeto como tal, como a alma que, para todas asreligioes, deve reconhecer a existencia de lim ser que transcende; para beber nasfontes da sua propria existencia.

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Trata-se de um salto psicol6gico para 0 meta fisico, saito pienamente amadurecido

na consciencia da narradora?

E ainda podernos salientar que a literatura clariceana redimensionando 0 significado

da produ~ao liteniria na Illodemidade, assume uma etiea fatalistica - mas nao tni.gica - , na

qual afloram, par lima lado urn profunda tE~dioe uma agressividade contra si mesmo, per

Dutro, Lima real sentimento de compaixao relo homcm, independcntemente de quaisqucr

barreiras de credo ou fronleiras de classc. 0 tedia, a insatisfacao e a impaciencia de Clarice

(na verdade Rodrigo) nas paginas finais do livro deixa entrever inelicios de uma escritl.lra

assumidamcntc fracassada.

Oai 0 que Bencdito Nunes chama de "estilo dominado rei a assombraoy3.o do silencio

usando uma expressao de Sartre a respcito de Cosmus; tecnica de desgaste" ao compara-Io

com 0 estilo de acn~scimo de Guimadies Rosa. Neste salientam-se "palavras novas,

riqueza semantica, exploraoyao das vias arcaicas da lingua, de modalidades sintaticas,

porque a realidade e urn vir a ser continuo e a transccndencia se alcanoya pela afinnaoyao do

mundo" (NUNES, p. 74, 75). Em Clarice e "como se em vez de escrever ela descrevessc

conseguindo lim cfeilo magico de reOuxo da linguagem que deixa a 11l0stra 0 aquilo, 0

inexprcssado" (NUNES, p. 74, 75).

E ainda segundo NUNES, a linguagem fracassa, mas sendo ainda fruto da

Iinguagem, consritui a viloria da romancisla ( ... ) a linguagem se revel a falivel e essencial, e

a criayao lilerilria ganha senlido existencial. Citando a expressao de Wittgenslein ao

escrever no fecho de seu Traelalils ft)gico filosofico, que devemos silenciar a respeito

daquilo sobre 0 que nada podemos dizer, BenedilO Nunes encerra 0 ensaio formulando a

replica implicila e vilOriosa na ficyao de Clarice Lispector: "E preciso falar daquilo que

nos obriga ao silencio" (NUNES, p. 77).

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Falaremos U1l1 poueo sobre suas obras e personagens reflexao sobre 0 mal, a c

o crime e 0 castigo espalbam-sc por suas cronicas, contos c romances, como alguns de seus

temas mais reeorrentcs. Nao Ihe sendo destinado 0 "consolo da punic;:ao" previslO pela

crenc;:a religiosa, Clarice sente-se culpada com freqUencia: imputa-se tal condic;:ao em

relac;:iio as empregadas, as quais julga explorar, acusa-sc ao Hamor torto" que oferece aos

filhos; pune-se por eslar se traindo ao fazer da escritura urn oficio, escrevendo para os

jornais para ganhar dinheiro ... Ate meslllo a questao da escritura acaba questionando, por

vezes escrever e uma maldic;:ao; olltras, e urn divinizador do ser humane (CULT, p. 48).

Ate mesmo nos livros infantis, ora personifica seu cao Ulisses, atribuindo-Ihe 0

posto de narrador da estoria, para tralar de direitos e discutir as ideias de sacrilicio e

perdao; ora questiona 0 sentimento de gostar, que nao impede a tentac;:ao de devorar e

destruir.

Na narrativa de A via cmcis do (;01])0, sexo e morte sao aproximados, gerando

crimes inverossirnilmente perdoados pel a justica oficia!'

Perto do CorO(;oo Selmgem (1943), seu romance de cSlreia, traz a protagonista

(Joana) dotada de uma forc;:a interna reeonhecida por ela e pel os que a ccrcam. Como

Maligna, embora 0 mal, no seu caso, seja antes disposic;:ao que ato, mais potencia que

realizac;:ao.

"0 uso de liberdade e de livre arbitrio apareec como possibilidade comportamental

no plano da vida e da arte e a potencialidade maligna, dirigida para 0 fazer artislico,

confere-lhe tambem lima dimensao transgressora: somente a inaugurac;:ao tern a forc;:a do

mal pais - para Joana e para Clarice - criar e transgredir, e possibilidade e meio de ruptura

com 0 cstabelecido" (CULT, 1997, p. 50).

Em 0 Lustre (1946), os protagonistas Virginia e Daniel pralicarn 0 mal, ora como

agentes (beneficiarios) ora como vitimas. Nas brincadeiras de infilncia entre os dois

irmaos, 0 menino cxercita sua maldade com jogos perversos que denunciam 0 abuso do

poder de que se sabc possuidor.

Para 0 menino, 0 mal mctamorfoseia-sc em perversidade, exige relac;:ao,

necessidade de um outro para se completar: pratica 0 mal pelo mal, convertendo-se 0 meio

em lim.

Na Cidade Siliada, de (1949), os personagens sao mais COl·pOSque eonsciencia,

mais objetos que sujeilOs, 0 mal aparece e se faz presente, os cavalos rebeldes do Morro do

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'"

Pasto. A protagonista Lucrecia ve, vivencia-os com exterioridade. Em seu contato direlO

com 0 mundo - seu avcsso -, depara-se com 0 mal, nelc cai e dele se uliliza. "0 conflito

dentro dos signos e a crise dos generos, tcmatizados peia ficcionista, refletem uma posi~ao

de nao-accitacao, de cOfllundente oposiCao" (CULT, 1997, p. 51).

Em Agl/o Viva (de 73) Clarice leva a extremas a insurreicao formal e a

desestruluracao da Carma romancsca, criando um genera hibrido, marcado pela fluidcz,

pela aparcncia inacabada, produto de liberdade, de lim cet1a est ado de embriagucz

produtiva que rompe com limites e fronteiras nOfmativas. "Quero captar 0 mell e. E canto

aleluia para 0 ar como faz 0 passaro. E meu canto e de ninguem" (AV., p. 10).

E poderiamos dizer ainda que nos text os de Clarice, «as palavras assumem estaluto

dcmoniaco, transgressor, sendo anles destrutiva que edificanle, no sentido em que 0 fluxo e

energia, for~a ernilica, negay30 a alitude scrvil e disciplinada ( ... ). E mais: intenciona fixar

na matcrialidade da palavra 0 abSlrato da vida e 0 fluir do tempo. Assim, 0 texto de Clarice

Lispector aproxima-se do nao-texlo, do nao-livro, pairando sempre a ameaya do silencio."

(CULT, 1997, p.51)

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4. AS MUUI ERES DE CLARICE

Ao rastrear as obras de Clarice LispeclOr, podcmos perceber que 0 ser feminino tem

um lugar de dcstaquc em seus documentarios. Clarice Lispector mantem·se fic1 a esse

modo de narrar, revclando os conOitos existenciais da mulher em busca de auto

conhecimento.

E ninda podemos dizer que as primeiras crilicas e influencias provocaram "a

vincula~ao de nossa romancisla nao 56 a tecnica narrativa inaugurada por James Joyce.

mas ao rol bast ante grande no exterior de Tllulheres escritoras. cuja produyao se centra na

hist6ria individual feminina. Essa filiayao leva ate hoje alguns crilicos a lerem os textos de

Clarice sob cerlO feminismo militante" (GUlDIN. 1994, p. 14).

Nos personagens femininos de Clarice predominam 0 modelo da dona-de-casa

pequena burguesa em connilO com sua condiyao de mae c esposa, vivcndo um cotidiano

instilllcionalizado e sem soluyao. «Esse modelo eontrasta eom as mulheres dos romances,

que vivem em geral sozinhas. nao mantem relayoes amorosas estaveis e nao telll filhos;

persanagens dilacerados pela propria subjetividade. vivem em contata com a cuhura

urbana letrada e nao apreselllam problemas de ordem financeira. Exercem profissoes

definidas: professora, pintora, escultora, escrilora" (GUI01N, 1994, p. 16).

Nesta perspccliva c1ariceana podemos citar algumas obras imponantes:

Ja na decada de 60, Clarice publicou em (\969), um polemico romance: lima

Apre/ldizogem ou 0 lillru dosprazere,\·. A personagcm feminina e semelhanle as outras em

sua inlrospec~ao it bllsca de identidade. A personagem e Lori, professora primaria.

Uns dos mais interessanles contos da escritora "as tiesoslres de Safia"(em a Legilia

Eslrallgeira) refcre·se a uma menina, que escreve redayao apressada e alrevida. que agrada

e intriga 0 mestrc. Chamada para comentar 0 texlo, a menina descobre lim !nundo sensual.

Outra obra de grande importancia dentro da Litcralura contemponinea Perla c/o

Cora~'lioSefl'agem, a protagonista Joana personagem feminina tambem, vai em busca de

sua idcntidade. Ela e dotada de lima for~a interna reconhecida por e\a e pelo que os cercam

como maligna.

o usa da libcrdade e do Iivre-arbitrio aparece questionado por Clarice pois, para

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Joana e para Clarice: "Criar e transgredir, e possibilidade e melo de I11ptura com 0

estabclccido."(CUL T, 1997, p. 49-50)

Em 0 I.uslre, a protagonista e Virginia - a !listoria de dais irmaos perversos que

cxperimentam 0 mal atraves de jogos perversos.

«Em seu contato direto com 0 mundo - sell avesso ., depara-se com 0 mal, nele cai

e dele se uliliza." (CULT, 1997, p. 50)

E ainda poderiamos eitar outros como: A 11111/herque matolf ospeixes (infantil) A

Bela e a !-:era e A I'ida illlimo de Laura (infantil) e muitos QuIros.

E claro, nao poderiamos deixar de eila" A Hom do /;;',",rela, em que a persona gem

feminina Macabea, representou na epoca. Urna hist6ria de um inocencia pisada, de uma

miseria anonima, au seja, por tnis da alegria da pobreza e da ignonillcia sao parodiadas as

mesmas marcas do espirito feminino ja analisados por Clarice." (CULT, 1997, p. 52)

E para encerrar, este capitulo, poderiamos dizer que Joana, Lucrecia, Lori, Virginia

e outras personagens citadas por Clarice em suas obras lembram Macabea com algumas

diferenyas, e com algumas caracterislicas semelhantes. Observe: Joana a protagonista de

j)er/o lora<-'GO Se/va)?em criadora de f.ltos imaginarios, forte como Joana D'Arc a da

ficyao atonnetada, lembra Macabea no seu itinenirio de sofrimento, sua morte de algum

modo relacionado com a de Maca

Virginia juJgada prostituta, lembra Maca com urn ser f1uido, seu destino e lido pela

Sibila (cartomante Cecilia). Ambas vao ao destino da cidadc grande. Virginia como

Macabea morrem atropcladas. "A marca do jogo e da luz esHio de algum modo

relacionadas com 0 lustre e a estrela.

Lucrecia e protagonista da cidade grande da Cidade sitiada.

"A moya e 0 cavalo, em Lucrecia viva; a mOya eo cavalo em Macabea morta.

Macahea sa he espiar como Lucrecia Neves Correia"(SA, 1993, p. 278).

Lori, em Ullla Aprclldizagelll, lembra Macabea que compreendeu seu destino de

"Mulher" E ceno que nao conheceu as desmaios do alnor nos bra~os de Ulisses, mas 0

seu desmaio de ansi a sensual foi 0 ahrayo da morte. "Mas quem nao sabe que a morte e 0

amor se tocam na vida e nn ane" (SA, 1993, p. 279).

Clarice companilha conosco esses personagens citados acima, que fluem dentro da

literatura brasileira. Quem nao se apaixonou por Macabea, ou por uma dessas

personagens? Fones, frageis, sofridas, ironizadas, mas [odas marcantes, cheias de fantasias,

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invenc;oes de palavras que poderiamos traze-las para a realidade. E cabe a nos compreender

que todas se resumem em uma s6 Macabea da A Hora do E!ilrela.

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5. ANALISE DA OIlRA A HURA DA ESTRELA

A Hom da E"lreia de Clarice Lispector e a ultima obra revisada e publicada em

vida (1977).

Este livro dialoga com todo 0 universo ficcional de Clarice, e, particularmente,

contraponteia com Aglla Viva. '"Ninguem espcre do livre, avisa 0 narradof, Rodrigo S. M.

Hequintes, brilho de estrelas," "(..,)nada cintilara, trata-se de materia apaea e por sua

propria natureza desprezivcl pOl' lodos" (li.E., p. 21). "A eSlreia que se trata e 'estrela de

cinema' e S0, aparece mesmo na hora da morte. Essa e A Hora da E\1rela "(SA, 1993, p.

269).

a texlO engloba 0 processo de metalinguagem em que os pcrsonagens sao narrados

em processo de construyao assim e1es sao queslionados, ironizados e sofridos. com as

perplexidades da narrativa moderna em geral, e as de fic.;ao clariceana em particular. E

nessa perspectiva procm'amos eSlabelccer algumas relayoes temillicas estruiurais

melalingOisticas, sobre alguns pontos importanles em que 0 narrador ~ personagem ao

mesmo tempo que narra, tambem questiona-se a si mesmo.

o narrador do romance, Rodrigo, senle-se culpado por se vel' afastado do homem

comum, ao perceber que uma real identificacao com sua personagem, e com os que ela

representa, e fato negado pela experiencia, mite cuja inviabilidade pratica moSlra-se na

incapacidade que ele carrega c por cia sente compaixao, no sentido primeiro do sofrer -

com, atingindo no maximo, os limiles da piedade. (. ..) Ve Macabea, mas nao a alcanca.

(CULT, 1997. p. 48).

Anles de analisarmos essa obra fundamental, facamos uma analise sabre a

significado da obra.

Quanto aos personagcns 0 narrador dClennina que sejam "sele", mas que na verdade

sao mais. Observe 0 significado do sele: na simbologia e a ordem completa, periodo cicio

E composlo pela uniao do termirio e do qualemario, pelo qual se atribui excepcional valor.

Corresponde as sele direcoes do espaco (as seis existcilies mais 0 centro, a estrela tambem

sete pont as, it conexiio do quadrado e do triangulo, pel a superposicao desle (ceu sobre a

terra) (...), ligada tambem ao numero de planetas e suas divindades, dos pecados capitais e

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de scus oponenles, it cruz tradicional que c simbol0 da Oor (CIRLOT, [984, p. 414-415).

Poderiamos dizer que 0 apelido Maca, e U111 ironia aos personagens biblicos.

"imagem ironica dos sele macabeus, personagens biblicos (LUCCHESI, 1987, p. 92).

Macabea, a alagoana, e feita de materia rala, quase imponderavcl. Tern 0

herol51110dos seus innaos biblicos. Seu nome abreviado Maca e, graficamcntcquase idcntico it Ma~, sem as adomos sinuosos do til e da cedilha, que situamaquela fruta na cscliridao nasal e sibiliantc dos bosques e das tenta~oes. Maca eIlordestina, toda fome do deselto. "Logo ela, Maca? Ve se te manea!" diz-lheGloria, a ailliga oxigcnada (sA., 1993, p. 27 I).

E ainda podcrtamos acrescenlar algumas referencias sabre a estrutura da narrativa:

o Tempo: deve ser cronologico e linear. a tempo embara~a 0 narrador. que

prcferiria come~ar pelo tim. Depois de muitas hesita~5es, em que 0 narrador mais se narra,

ele acaba come~ando pelo meio, quando a mo~a nordestina recebe 0 aviso de despedida do

emprego e vai refugiar-se no banheiro.

o espayo. e a cidade grande, espayo social urbano, 0 Rio de Janeiro. As ruas, 0

quarto fetido e pequeno, que as mOyas partilham-se entre si, 0 lugar do trabalho, nesse

espayo hft espelhos comidos pel a ferrugem, bares, relogios, etc ...

a estilo da narrativa: "hft de sel" simples, sem arte." a narrador estft enjoado de

literatura. Nao usani tennos suculentos, "adjetivos explendorosos", "carnudos

substantivos", "verbos csguios que atravessam agudos 0 ar em vias de ayao" (1-1.E., p. 29).

a narrador e urn dos personagens principais. Desvenda-se a narrativa a sua

problemiltica interior a medida que nos faz conhecer a protagonista, lambem conhece a

propria identidade.

"0 narrador e onipotente. Cria urn destino. E onisciente, pois sabe tudo a respeito

de suas personagens. Tudo nao, a verdade que 0 nalTador inventa. Ele nao a conhece

inteira. Ele se 'escreve' todo alraves de Macabea" (SA, 1993, p. 274). E a natureza da

fic~ao e invenyao do real.

"0 universo ficcional como 0 universo real jamais tem come~o. Como comCyar

pelo inicio, se as coisas acontecem antes de acontecer?" (H.E., p.IS).

"Macabea e quase incorporea, a historia c uma "nevoa umida", ela morre querendo

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vomitar sangue luminoso. estrela de mil pont as. Ela C sim uma estrela. porque tem 0 peso

da luz. A pesquisa que cnvolve 0 sel' e 0 cscrever escorre sangue vivo. Sangue que coagula

em cubas de geieia trcllluia. "Sen! essa hisloria um dia 0 mClI coagulo?" (1-1.E., p. 16).

Oepois de analisarmos alguns aspectos impol1anles da obra A Hora da £SIre/a,

vamos estClbelecer, 31raves de algumas citayoes dessa obra , algumas relac;:oes

metalinguisticas; as quais sao objetivos desse trabalho.

"Enquanto ell tiver perguntas e nao hOllver respostas, continuarei a escrever. Se

anles da pre-historia jit havia manslro apocaliptico?" (H. E., p.25)

Nesse trecho 0 cmissor utiliza 0 c6digo como lima resposta, veja: "Se esta historia

nao cxislc passan't a cxistir. Pensar C lIlll ato. Sentir e urn fato. Os dois juntos - sou eu que

escrcvo 0 que estou escrevendo. A vcrdade e sempre lim contato interior e inexplicavel"

(H. E., p.25).

"Escrevo neste instante com algum pudor por vos estar invadindo com tal narrativa

HiD exterior e explicila. De onde e claro que a historia e verdadeira, em bora inventada" (H.

E., 1'.26)."qui 0 narrador falando da propria narraliva. D narrador bem sabe 0 que diz. E

ainda continuando: "A historia - detcrmina com falso livre arbitrio - vai ter lIns sete

personagens e eu sou um deles e claro. Eu, Rodrigo (. ..). Assim e que experimentarei

contra os meus habitos uma historia com comeyo, meio c gran finale seguido de silencio e

chuva caindo" (1-1.E., p.27).

Aqlli a histeria relatando como se da a propria historia. "Assim sen do, Clarice

imp6s ao narrador - autor na verdade rm'l.scara de si mesma ( ... ) Rodrigo S. M. da

personagem motivayao de sua perplexidade" 4 (DANTAS, 1974, p.37,38).

Dutra citayao melalingiiistica da obra A Hora do ESfrela e 0 narrador falando da

propria narrayao, veja: "0 que escrevo c mais do que invenyao e minha obrigayao contar

sobre essa moc;a entre mil hares del as. E dever meu nem que seja de pOllca ane, 0 de

rcvclar-Ihc a vida. Porque 1u10 direito ao !::.1l·ito.Entao Cll grito" (H. E., p.27).

Ncsse trccho mClalinguistico. 0 narrador scnte-se no dever dc denuneiar a dura

rcalidadc sobre Macabca e tantas oulras, e isso exige dcle uma garganta potente .

.j ~Rcconhoccr as iniciais do sobrcnOIllC S. M. a pro\'awJ indica~io cia frase. "Sou M:lcabC:I." ObdamCIllC.11;10sc dcscja aquf afirmar a anulaciio do ser Rodrigo em favor de Mac:rbCa."

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Muitas vezes nos nos calamos diante dos f..1Ios, em que poderiamos externar CfP?~

direito ao b'Tito. "Mas a pessoa que Hdarei, Illal tem corpo para vender, ninguem a quer, cIa

e virgem inocua, !laO faz falta a ninguem. Alias - descubro eu agora, C ate 0 que escrevo

um outro escreveria. Um outro escritor, sim, mas teria que ser homem porque escritora

J11ulher pode lacrimejar piegas" (H. E., p.27,28).

Neste trecho percebe-se a fUl1yao metalinguistica, 0 narrador dil. dados de como sent

a narrativa, apesar de Macabea nao ler nenhum pn!-requisilo, completamente ignorada.

Somente 0 homcm poderia descreve-Ia por ser mais racional

Sim, mas nao esqucccr que para escrever n50 importa 0 que 0 mel! material basico ea palavra. Assim e que essa historia sera feita de palavras que se agmpam em frasese desta se evola um sentido secreto que ullrapaS5.:1palavras e frases. E claro que,como todo cscritor, tenho a tenracao de usar termos suculentos. (. ..) de 'alcancar umasensa~o fina' e seu relata teni como pano de fimdo a penumbra atomlentada quesempre hi! nos sonhos (H. E., p.29).

E impOt1anle salientar aqui que a mctalinguagem define a propria palavra material

bil.sico dessa obra, ultrapassando palavras em rrases. " ... intenciona fixar na materialidade

da palavra a abstrato da vida eo fluir do tempo" (CULT, 1997, p.51).

Assim, a "Palavra, material bilsico da narrativa, nao pode ser enfeitada e

artisticamente va, tern que ser apenas ela" Embora, ao que parece nao aprovasse na

linguagem duas consoantes juntas c copiava a letra linda e redonda do amado chefe a

palavra "designar" de modo como em lingua falada diria: 'designar' "(1-1. E., p.28, 29).

Nestes trechos podemos notar que a palavra ainda continua sendo 0 material basi co.

Pot1anto, pet1encem it funt;ao metalinguistica todos os elementos que, numa mensagem

verbal, se destinam a explica<;:ao das pr6prias palavras.

E 0 que escrevo e lIllIa nevoa llinida, as palavras sao sons transfundidos desombras que se entrccruzam desiguais, csralactites, renda, musica transfiguradade 6rg<10. Mal ouso damar palavrns a ossa rede vibrante erica, morbida eobscttfa tendo como conlralos 0 baixo grosso da dor. Alegro com brio tcnlareitirar ouro do carvao. Sci que estoll adiando a hist6ria e que brinco de bola sem abola. 0 fato e um ato? Jura que este livro e feito sem palavras. E uma fotografiamuda. Este livro c um silencio. Estc livro e uma pergullta (H. E., p.30,31).

Na cita<;:ao acima, 0 codigo define 0 proprio c6digo. A luta com a palavra,

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transformando-a em estreia, explicando oulras palavras e os sentidos, 0 narrador acaba

contando 0 dificil procedimento de fazer romance, a tarefa dificil e ardua, os obstaculos de

denunciar a dura realidade social, fica entre a "cruz e a espada" a alma e a culpa, por sua

alienada tarefa de escritor. E como se fizcsse arte sem saber de arte,

E dande colltinuidade as £.11a5 metalinguisticas na obra A Hom da L'sll'e/a podemos

citar

Transgrcdir, porem, as mcus pr6prios limites me fascinou de repente. E foiquando pensei em escrever sabre a realidade, ja que essa me ullrapassa (...). Epelo menos 0 que escrevo nao pede favor a ningucm e ml0 imp lora socorroagucnta-se fla sua chamada doce com uma dignidade de barno. C..) Mas aconteceque 56 escrevo 0 que quero, llao sou um profissional - e preciso falar dessallordestina sellao sufoco. Ela me acusa eo meio de me defender e escrever spbreela. Escrevo em tra!yos vivos e rispidos de pintura (faz um contraponto com AguaViva). (H. E., p.JI).

Aqui tambem fica bern claro a metalinguagem, 0 narrador emerge, transcende,

uhrapassando os seus limites. Nessa perspeetiva a palavra e urn meio e tambem pode ser

urn obstaculo. "Contar pareee faei!, mas e diticil tornar nitido 0 que mal se ve" (sA., 1993,

p.273).

A narrativa tem que ser firme e rude como na pintura. "A linguagem alude, e a

possibilidade do impossivel, 0 exito do tl"acasso, a tentaliva de falar diante do si1t~ncio"

(SANT' ANNA, 1995, p.204)

"Sera mesmo que a a93.0 ultrapassa a palavra? Mas que ao escrever - que 0 nome

real seja dado as coisas. Cada coisa e uma palavra. E quando nao se a tem, inventa-se-a

Esse vosso Deus que nos mandou invemar." (HE., p.32)

Nessa perspectiva a metalinguagem aparece na palavra explicando de como deve

ser a narrativa quando nao se tern as palavras. E como uma faca de dois gumes. Ou voce

inventa ou voce cscrcvc num sentido nato 0 que nao d<iprazer no texto.

E dando sequencia a uma das cita~6es, 0 narrador escritor adverte 0 lade penoso da

personagem Macabea.

"Quero nesse instante falar da nordestina. E 0 seguinte: ela e como uma cadda

vadia era teleguiada exclusivamente por si mesma. ( ... ) Quero acrescentar, a guisa de

informa~6es sobre a jovem e sobre mim, que vivemos exclusivamcnte no presente pois

scmpre c eternamente e 0 dia de hoje e 0 dia de amanh3. sera urn hojc, a etemidade e 0

estado das coisas neste momento" (I-I. E., p.32,33).

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A rispidez do narrador registra a importancia do "vcr-se" no Dutro. (. ..) A

compreensao profunda accrca da limita~ao de Macabea tern na origem a consciencia de

Rodrigo quante aD espa«o que ele mesmo ocupa.5

Dianle da cita~ao dada acima nao poderiamos deixar de mcncionar a signiricativa

contribuic;ao do critico Benedito Nunes, reconhecidamente urn dos mais serios

pesquisadores da obra de Clarice Lispector: "0 Narrador se identifica com a mo<;:a

nordestina, com quem, par sua vez, sem deixar de rcitera!" e de assimilar a sua mascara

litenlria, Clarice Lispector Icrmina por confundir-se, aD dcclarar-se autora da obra, Clarice

Lispeclor e laO personagCIll quanta Macabea.,-6

E cis que fiquei agora receoso quando pus palavras sabre a nordestina. E apcrgunta e: Como esercvo? Verifieo que eserevo de ouvido assim como aprendiIngles e frances de ouvido. Antecedentes meus de esc rever? ( ...) Mas quandoescrcvo mio minto? Sim nao tenho classe social, marginalizado que sou. A classealta me tern como urn rnonstro esquisito, a media com desconfianya de que ellPOSS<ldesequilibra-la, a cJ<lssebaixa nUllca vem a mim. Nao, nao e facil escrever.E ..,d..,urocomo qucbrar rochas. Mas voam faiscas como ayos espelhados (H. E.,p.-,-,).

"Tudo isso, sill1, a hisleria e hisleria. Mas sabendo antes para nunca esquecer que a

palavra e frulO da palavra. A palavra tem que se parecer com a palavra. Atingi-Ia e 0 mel!

primeiro dever para cornigo. E H palavra nao pode ser enfeitada e artisticamente va, tem

que ser apenas eJa" (1-1. E., p.34).

Neste Irecho metalingUistico, novamcnte podemos nolar que a palavra e a eslrela

dessa obra. Preocupayao conSlante em que 0 narrador escritor da conceilos de que a

palavra lem que ser ela mesma, e que nao pode ser carregada ou seja enfeitada.

Na seqOencia do lexlo podemos mostrar como sera a a((ao: "A a\=ao desla hist6ria

leni como minha transfigura\=ao em oulrem a minha materializa~ao enlim em objelO. Sim e

talvez alcance a nauta doce em que eu me envolverei em macio cipe" (H. E., p.35).

Com rclaeao it metalinguagem 0 narrador da noeao de como a aeao sera, cle cleven\.

se transfigurar e penetrar dentro da personagem com delicadeza.

~ LUCCHESI. 1\'0. Crise e I-:'''crilllra - Ullin leitlll"{l de Clarice f.Jspecror e / ergilio Ferreira. sao Paulo:

Forcnse Universilario. 1987.p.)7.

(. NUNES. BcncdilO. FiIQsojia e !JteTilI/fra: 11 paix{io de ChlriC~ Li:';/1<:'::10,.. IYSI. pAO.

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"Assim sendo, Clarice impos ao narrador, aut or, flU verdade mascara de si mesma"

(LUCCHESI, 1987, p.39,40).

E continua danda tapicos da narrativa. "Por que escrevo sabre lima jovem que nem

pobreza enfeitada tern? Talvez porque nela haja U111 recolhimento e tambem porque na

pobreza de carpo e espirito ou toco na santidade, eu que quero senlir 0 sapro do meu ahem

Para ser mais do que eu, tao pouco sou" (H. E., p.35).

o narrador escritor se descreve atraves da narrativa, a personagem e sublime 0

narrador sabe que por fora nao ha beleza, mas denlro lui uma beleza indescritivel, faz um

grande esfon;o humane, mas as palavras fogem e na~as tern em pensamcnto.

"Escrevo por naa ler nada a fazer no mundo: Sabrei e naD ha lugar para mim fla

terra dos homens. Escrevo porque sou um desesperado. C.,) Ser nao fosse a novidade de

escrever eu me 1llorreria simbolicamente todos os dias (H. E., p.35,36).

o absurdo do existir uma vida absurda. E sob 0 impacto de tao cruel constataf¥80

que 0 narrador ve-se impedido a avaliay30 de si mesmo

A narrayao argumenta a propria narraf¥ao, os termos metalingllislicos sao bern

c1aros.

A existencia de Macabea, a medida que e introjetada pelo narrador, desperta nesta a

dolorosa sentenya ora impossivel de ser negada.

( ... ) Ja estou quase na hist6ria (...) afianco tambem que a hist6ria sera igualmenteacompanhada pela violino piangente tocado par um homcm magro bem nacsquina. (...) Pais esta hist6ria e quase nada 0 jeito e comecar de repente naagua gelida do mar, modo de enfrentar com lima coragem suicida 0 intenso frio(...)

Apcsar de ell nao ter nada a ver com a maca terei que me escrever todo atravesdela par entre espantos mells. Os fatos sao sonoros mas entre as fatos ha umsussuro (H. E, , p.39)

Aqui 0 aspecto metalinguistico da informayoes sobre a hist6ria. 0 narrador-escritor

tern que ser corajoso, mais do que nunca ele se faz personagem e adentra na hist6ria.

Dando sequencia it narrativa podemos atribuir alguns pedis da personagem sem

nome. Rodrigo acrescenta exiguos e nlpidos dados biograficos que encobrern a identidade

da mOf¥apois nao dao marcas nitidas de ancestralidade ou raizes culturais.

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«Nascera inteiramente raquitica, hcranca do sertao - as maus antecedentes de que

faleL Com dais anos de idade, Ihe haviam morrido as pais de febres ruins, no sertao de

Alagoas, lei.onde 0 diabo perdera as botas" (1-1. E., p.43).

«Nao hil adereeos ou encantos a procurar em Macabea, inviaveis pela descrieao

(descriC;ao descrevendo os (1105) aviltada da personagem. Atraves do burlesco e da

caricalura. Rodrigo nega a personagem qualquer uso etlcaz das insigneas femininas de

sedu~iio" (GUlDIN, 1994, p.39).

No trecho que segue a personagem aparece como ser anonimo e indetinido: «Pois a

vida e assim: aperta-se 0 botao e a vida acendc. S6 que ela nao sabia qual era 0 botao de

acender. Nem se dava conta de que vivia numa sociedade tecnica onde ela era 0 parafuso

dispensavel (. ..). Ela falava sim, Illas era extremamenle muda. Uma palavra dela eu as

vezes consigo. Mas ela me foge por enlre os dedos"(I-l. E., p.44,4S).

Aqui, na refcn!ncia dada, ensaia-se 0 modo ll1etalinguistico em que 0 narrador da

dados e escreve explicalivamente, ou seja linguagcJl1 da linguagem. Percebe-se que

Macabea e urn ser quc nao se adapt a ao meio em que vive.

"Pensando bem: quem nao e acaso na vida? Quanto a mim, s6 me livre de ser apenas

urn acaso porque cscrcvo, 0 que e um ato que e urn fato. ( ... ) Para que escrevo? Eu sei? Sei

nao e verdade, as vezes lambern penso que eu nao sou eu, pareeo pertencer a uma galaxia

longinqua de tao estranho que sou de mlm. Sou eu? Espanto-me com 0 meu encontro."(H.

E., p.52)

Na citneao aClma 0 narrador faz algumas qucst6es, ao se autocriticar. Isso implica em

metalinguagem, linguagem da linguagem - que diz que sabe 0 que diz. "0 que a

metalinguagem indica e a perda da aura, uma vez que dessacraliza 0 mito da criaCao,

colocando a nu 0 processo de produeao da obra" (CHALHUB, 1988, p.42).

E <linda quanto a escrita, poderiamos dizer que 0 nan·ador sente um profundo tedio e

agressividade contra si meSIllO ao se alltocriticar, par outro lado um real sentimcnto de

compaixao pelo homem:<Todas as madrugadas ligava 0 n'tdio (. ..) e nenhuma musica. s6

pingava em som de gotas que cacm - cada gota de minuto que passava. (. ..) aproveitava

intervalos entre as tais gotas de minuto para dar antlllcios comerciais - ela adorava

anuncios" (1-1. E., p.S3).

"Vivesse de 5i mesilla como se comcssc as pr6prias entranhas. Quando ia ao trabalho

parecia uma doida mansa porque ao correr do oniblls devaneava em altos e deslumbrantes

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sonhos. ( ... ) cram vazios porque lhes faltava 0 tlllc1eo essencial de uma previa experiencia

de - de cxtase, digamos. A maior pane do tempo tinha sim 0 saber 0 vazio que enche a

alma dos santos. Ela era Santa?" (H. E. ,p.54).

"Talvez fosse assim para se defender da grandc tentac;ao de ser infeliz de lima vez e ter

pena de si. (Quanto penso que eu podia ter nascido - e por que nao? - estremec;o. E parece-

me covarde fuga 0 falo de eu nao a ser, sinto eulpa como disse num dos titulos)" (H.

E.,p.54). Observe que nos treehos citados aeirna 0 usc dos travess5es indica que, apos a

pausa, faremos nova explicac;ao esclarecendo as refert!neias anteriores. Explieac;ao da

cxplica9ao. E entre parenteses tambem mClalinguagem da metalinguagem, porem

informativa, cogniliva.

Maio, Illes das borboletas, noivas f111tllandoem brancos vellS. Sua exclamar;aotalvez tivesse sido um prenLJIlcio do que ia acontecer no final da tarde dessemesmo dia: no meio da chuva abllndante encontrOll (explosao) a primeira especiede namorado de sua vida, 0 corar;ao batendo como se ela tivesse englutinado lim

passarinho esvoar;ante preso. (. ..)... Se olharam por entre a chllva e sereconheccram como dois nordestinos, bichos da mesma especie que se farejam(H E.,p.59).

Ai nova mente temos um lexto Illelalinguistico, e a palavra exemplificando a propria

palavra, referenciando-se ao mes de maio, mes das noivas, de toda beleza e, a atrayao da

prolagonista e um processo de conslruc;ao da narraliva.

Confronta-se lambem ullla argumentayao das vidas de Macabea e Olimpico de Jesus,

seu primeiro e unico namorado. Este. a excmplo da dalilografa, tambem se enconlra

Iimilado socialmenle pela sua condic;iio de operilrio. e migranle, 0 que em principio os

torna semelhanles.

Enlrelanto, h8 em Olilllpico 0 impulso originado da tomada de consciencia de sua

limitavao. No amago de Olimpico habita a forc;a do imaginilfio que, a despeilo da condic;ao

de oprilllido, alimenta-lhe 0 desejo da conquisla de alguma lorma de poder: «Macabea era

na verdade lima figura medieval enquanto Olil11pico se julgava peya-chave, dessas quc

abrem qualqucr porta" (H. E., p.63).

Eu tambem otlyi uma mllsica linda, ell ate chorei.- Era Samba?- Acho que era. E cantada por um homem chamado Caruso que se diz que jamorreu. A voz era tao macia que ate doia ouvir. A musica chamava-se "Una

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FlItura Lacrillla" ( ...) fora a lmica coisa belissima na sua vida. Enxugan at;EPP\:.proprias hlgrimas tentou contar 0 que olivia. Mas sua voz era cnl3 era crua e taodesafinada como ela mesma era. Quando ouvill come~ra a chorar. Era a primeiravez que chorava, nao sabia que tinha tanta agua nos olhos. ( ...) chorava porque,atraves da musica, advinhava talvez que havia outros modos de sentir, haviaexistcncia mais delicada e ate COnlum cellO luxo de Alma (H. E., p.67,68).

No Irecho acima a fun({3o metalinguistica se da atraves da Illusica, impregnando

toda a narrativa. somos impulsionados II en tender II rela~ao que mantem com 0 texto, 0

significado, a emotividade de uma certa forma. a arte, a significa({3o da musica e outras

questoes relativas it proposta ficc;onal do livre. Ela achava Ol1rnpico muito sabedor das

coisas. Ele dizia 0 que ela nunca tinha ouvido. Uma vez ele falau ass;m:

"A cara e mais importanle do que 0 corpo porque a cara mostra 0 que a pessoa esta

sentindo. Voce tern cara de quem comeu e nao gostou, nao aprecio cara trisle, ve se mud a -

e disse uma palavra dificil- ve se muda de c<expressao" (H. E., p.69)

o Irecho meralinguistico cilado acima mostra 0 hom em tentando manter-se fiel asimplicidade verbal da persollagem, Rodrigo reproduz a convic({ao da nordestina.

(Mas e eu? E etl quo estou contando esta historia que nunca me aconteceu e nema ningucm quo eu conher.;a? Fico abismado por saber tanto a verdade. Ser.i que 0meu oficio doloroso code adivinhar na came a verdade que ninguem queenxergar? Sci quase tudo de Macabea e que ja peguci uma vez de reJance 0 olharde tlma nordcstina amarelada. ( ...) Quanto ao paraibano, na certa dcvo tcr-lhefotografado mentaimente a cam - e quando se presta aten~iio cspont3nea e virgemde imposi~aes, quando se presta aren~ao a eara diz quase tudo.) (H. E., p. 74).

o parentese indica metalinguagem informativa, cogniliva. 0 narrador-escritor se

dcpara com a verdade, que nao somos capazes de enxergar 0 vazio existencial de Macabea

como exemplo de uma camada social aniquilada tamo nos projetos como na aparcl1cia e

tambem em suas aspirayoes. E quanto ao personagem "Olimpico em seu aJllago habita a

forya do imagimi.rio que, a despeito da condiyao de oprimido, alimenta-Ihe ° desejo da

conquista de alguma forma de poder" (LUCCHESI, p.44).

"Mas ainda !laO expliquei bem Olimpico. Vinha do sertao da Paraiba e tinha uma

rcsistencia que provinha da paixao por sua terra braba e rachada pel a seca. ( ... ) Nascera

crest ado e duro que nem galha seco de arvore ou pedra ao sol" (H. E., p.74).

A metalinguagem centraliza-se no personagem Olimpico, atraves de informayoes, a

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condi~ao de vida do nordeslino, do seu jeilO de ser e de agir. Da para analisar 0 porque do

seu jeito grotesco, com a slia condit;:ao de }ida anterior e posterior. Porque 0 hornem nao

pade tef pelo menos 0 necessitrio para sua sobrcvivencia?

"Olimpico na verdade nao mostrava satisfaQao nehl/rna em namorar Macabea - e 0

que ell descubro agora. Olll11pico talvez visse que Macabea nao tinha rOfya de raya, era

subproduto. Mas quando ele viu Gloria, calcga da Macabea sentiu logo que cia tinha

classe." (HE, p. 76)

ali rnpico faz ullla comparayao entre as duas mulheres, seres com comportamentos

difcrentes~ Macabea era raquitica, urn seT negado, para ele, cia e incapaz de ler urn

relacionamento, pais e justamcnte igual a ele. Quante a Gloria, tem lad as as refen!ncias

que um homem se interessa.

Veja nos trechos seguintes algumas informac5es sobre a personagem Gloria que Ihe

chama a alen~ao

Gloria possuia no sangue um bom vinho portugues e tambem era amaneirada no

bamboleio do caminhar por causa do sangue africano escondido. Apesar de branca, tinha

em si a for~a da mulatice. Oxigenada em amarelo-ovo os cabelos crespos cujas raizes

estavam sempre pretas. Mas meSlllo oxigen ada ela era loura, a que signi ficava um degrau a

mais para Olimpico. (1-1.E., p.?6)

"( ... ) ele soube que Gloria tinha mae, pai e comida quenle em hora certa. JS50

tomava-se material de primcira qualidade" (H. E., p.??).

Pcrcebemos nesta cita~ao tambem as informa~oe5 sabre Gloria, a loura falsa que

tanto cncantava 0 coracao de OHmpico, pois ela sim era diferente, tinha 0 que Macabea

nao tinha. Macabea sofre urn processo de sucessivas perdas comparando-a com Gloria. No

proccsso de sucessivas perdas de Macabea, soguir um triangulo amoroso se oferece, pais a

decisao de Olimpico, ao companl-las e irrccorrivel (GUlDIN, 1994, p.4S).

''rvtacabca, esqueci de dizer, tinha uma infelicidade: era sensual. Como e que nUill

corpo cariado como 0 dela cabia taflla lascivia sem que cia soubesse que tinha? Misterio"

(H. E., p.78)

Macabea era toda desajeitada, corrompida pel a vida que nada Ihe ofel1ava, tinha 0

seu lado sensual, tomando-a infeliz.

Outro momento metalingi.iistico do texlO uA Hom da }~·sll·e}a"e mais informa~5es

sobre a protagonisla, e lambem uma metafora: «corpo cariado", mas e essa infelicidade

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dramatizada com lima marca (ou nadoa) da escrita. atraves da qual se ve assumida e

problematizada a rela~ao do escritor COIll a sociedade em que, lamentave! e

miseravelmcnte prolireram as Macabeas

''Esla hist6ria sao apenas falDs nao trabalhados de materia-prima e que me atingem

direlo antes de eu pcnsar Ser muita eaisa que nao posso dizer: Alias pensar 0 que?" (H

E.,p.87).

Acima, mais uma vez a hist6ria revela fatos que podem ser explorados e

mencionados. A narrativa e de crlfica social, onde Clarice LispecLOr mostra os

desencontros SCIll mesilla pader falar, e de nao pader Irabalha-Ios, mas eles os atingem,

diretamente, confi'ontando com a dura realidade.

Estou absolutamcnte cansado de litcratura; so a mudez. me faz companhia. Seainda escrevo e porque !lada rnais tenho a fazer no rnundo enquanto espero amorte. A procura da palavl7I no escum. 0 pequeno sucesso me invade e me pOeno olho da ma. Ell queria chafurdar no lado, minha necessidade de baixeza ellmal em controlo, a necessidade da orgia e do pior gozo absoluto. 0 pecado meatrai, 0 que e proibido me fascina. Quem ser porco e galinha e depois mostrar-Ihes e beber-lites 0 sangue. Penso no sexo de Macabea, miildo masinesperadamente coberto de grossos e abundantes pelos negros - seu sexo era allilica marca veemente de sua existcncia. Ela !lada pec.lia mas seu sexo ex.igia,como um nascido girassol nUIll tl1l1llJlO(H. E., p.88).

Esvaziando a escrita e meditando sabre seu proprio fim de vida, leva a personagern,

o narrador c a si propria do abismo final. Ou seja, entTcga-se it morte antes da morte. "Sera

essa historia urn dia 0 mell coagulo?" (p.26), pergunla-se 0 narrador. <Trata-se de livre

inacabado porque Ihe faltava resposta" (p.19), emenda 0 autor, na verdade Clarice

Lispector (GUID£N, 1994, p.70)

"Nestes ultimos tn!s dias. sozinho, sem personagem, despersonalizo-rne e tiro-me

de mirn como quem lira uma roupa. Despersonalizo-me a ponto de adormecer" (H. E.,

p.88)

o narrador fala do processo narrativo, e obrigado a desnudar-sc e retirar os veus de

sua consciencia, pois fica sem 0 personagcm, com isso fazendo uma grande reflexao

existenciaL "A ausencia do escrilor que indica a suspellsao do andamento da narrativa

simbolizada por espacos em brancos nas pilginas" (T-l. E., p.88).

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o met! guia ja tinha me avisado que voce vinha me ver, minha queridinha. Comoe mesilla 0 seu nome?Ah 6? E muito lindo. (. ..) Carlola mandou Macabea elltfaf (Como e chato lidarcom mtas, 0 cotidiano me aniquila, estoll com pregui<;a de escrevcr esta hist6riaque e tim desabafo apenas. Vcjo que esc,eVQ aquem C 316m de mim. Nao meresponsabilizo pelo que agora escrcvo) (H. E., p.89,90).

Este tTccho vern expresso com parenteses, novamente a metalinguagcm da

melalinguagcm cogniliva.

«Continuaremos, pois embora com csforco: Madama Carlot a era enxudiosa, pintava

a boquinha com vermelho vivo ... ( ... ) I>arecia lim bonedio de IOllya melD quebrada - vejo,

que !laO dit par aprofundar esta hist6ria. Descrever me cansa" (1-1.E., p. 91)

A cartomanle, lantas vezes presenlc na literatura, e aqui urn estere6tipo da figura

mistica bem construida pela experiencia narrativa de Clarice. "Ex-Cafelina", hoje velha.

mascara os recursos de sobrevivencia com a caridade e a religiao (GUlDIN. p.4S,46,47).

"Voce sabe 0 quer dizer cafelina? Eu uso essa palavra porque nunca live medo de

palavras. Tem genIe que se assusta com 0 nome das caisas. Vocezinha tem medo de

palavras, benzinho?" (H. E., p.93).

Neste Irecho podemos nOlar que 0 narrador fala da linguagem scm medo, do

significado do c6digo em questao: "Cafetina". Podemos perceber lambcm que 0 narrador

!laO tern preocupat;oes vas em trabalhar com as palavras.

E ainda nessa veflente a canomalllc, num discurso sedulor, rccorre a diminutivos,

que intervem todas as negat;oes antes atribuidas a Macabea. De "flor murcha" passa a

"minha florzinha"; de ser solitario, passa a "1l1inha qucridinha". Seu nome, incomprecndido

por Olimpico e laO odiado por Rodrigo,e, para Madama "muito linda" (GUlDIN, p.47).

Retomando 0 texlO ... A funt;ao desse personagem no texlO se Soma todo a percurso

de Macabea no romance.

No texto:

J'Vlacabea separou um monte com a mao treJ11ula: pela primeira vez ia ter umdestin~. Madama Carlota (expJosao) era um ponto alto na sua existencia. Era 0vortice de sua vida e esta se afunilara [ada para desembocar lIa grande dama cujonlge brilhante dava-Ihe a pele, lJma lisura de ma£eria plastica.( ...) -Mas,Macabeazinha, que vida horrivel a sua! Que mell amigo Jesus tenha d6 de voce,filhinha!Mas agora Olivia a madama como se ouvisse lima trombeta vinda dos celiS -enquanto suportava uma forte taquicardia (...) - E agora - disse a madama - voce

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enquanto suportava lima forte taquicardia ( ...) - E agora - disse a madama - voceva embora para encontrar 0 sell maravllhoso destino ( ...)Saiu da casa da cartomante aos troper;os e parou no heeo escurecido pelocrepusculo - crepilsculo que e hora de ninguem. Mas ela tem olhos ofllscadoscomo se 0 ldtimo final da tarde Fosse mancha de sangue e auro quase negro (H.E., p94,95,98).

Com relacao a metalinguagem, e importantc notar que na citacao acima os

travessoes, pausas, dao novas explicar;oes, esclarecendo as novas situac6es em que

Macabea se depara. Depais de ter descoberto como sua vida era obscura e misenivel, ai

entao, sente-se enlouquccida pe\a esperanca de urn futuro melhor.

Num dos treehos mais bonitos em que Rodrigo descreve:

Ate para atravcssar a rua ela ja era cutra pessoo. Uma pessoa gravida do futuro.Sentia em si uma esperanca tao violenta como jamais sentira tamanho desespero.C .. ) Assim como !laO havia mats sentenca de marte, a cartomante Ihe decretamsentenca de vida. Tudo de repente era muito e muito e tao amplo que ela sentiuvontade de chorar. Mas nao chorou: seus olhos faiscavam como 0 sol que morria(H. E., p.98)

"Assim como 0 proccsso dc dCSCOIlSlnH;:iio de Macabea foi IXlUlatillo c corrosivo. set!ingrcsso no mundo ilusOrio ctas profccias cst;) fonnalmcntc llmrCddo. passo a passo. porentre 0 diseurso illl eartomanlc: 'assllslada'. 'boquiabcrta'. '111,10stn!ll1ulas'. 'com corar,:,10grato'. 'como trOl11bcl:l vindl dos celis'. 'com voracidadc dc futuro'. 'Irclllclicando dcfclicid.1dc'. 'bCbada C dcsoriClllada' " (GUlDIN. 199 ..1. p ...J9).

E dando sequencia ainda a esse capitulo, 0 narrador moldura retoricamente a cena

da morte com postergayoes e preces, contrapondo it morte da personagem 0 ral da cLiitura

judaico-crista letrada: "( ... ) desdc Moises se sabe que a palavra e divina (id, p.98).

Segundo GUlDIN (p.S9), afirma que a orayaO parodiada mantem 0 tom de lamento

surdo da ladainha popular nordestina: "Maeabea, Ave Maria, cheia de graya, terra serena

de promissao, terra de perdao, tern que chegar, ora pro nobis, e eu me lISO como forma de

conhecimento" (H.E., p. 10 I).

E ainda podemos dizer que a propria parodia e Lima forma de metalinguagem - uma

Iinguagem que se rcfere a outra, uso de Lima palavra com um sentido transferido de outro:

"Macabea terra serena de promissao ... "

Observe que ao assoeiar Macabea a terra serena e terra de perdao, 0 narrador

cstabeleceu uma comparaQao entre as palavras, venda neJas alguns pontos em comuns, e

chama atenr;ao sobre a linguagem do texto em que oeorre a metafora e dcixa latente

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algumas sugest6es. 0 narrador reveste com grande eloquencia a cella da morte com preces

Podcriamos dizer ainda que a metMora e urn rccurso fundamental da linguagem poetica, e

que aparece com rrequencia na linguagem da ohra

Retomando ainda a hist6ria de Macabea:

Enquanro vivell numa simplicidade organica, eta nao conhecia 0 paradoxa de suacondi~ao de mundo: acupar e 11<10 ocupar iugar ncnhum; mio ser ninguem, masser mulher; amar e estar sozinha. A reJar;ao C0111 Olimpico fugaz e corrosiva, aleva a cartomante: Carlota illsta[a~se em Macabea, atravessa a rU3 e ingressa nocem'!rio da marte. Atropelada pelo automovel e pcla voracidade do fi.Huro,desenvolve na agonia mecanismo de sobrevivencia (GU1DrN, p.66).

Hoje, pensou ela, hoje e 0 primeiro dia de minha vida: nasci (...) ...(A verdade esempre um contacto inferior incxplicavel. A verdade e irreconhecivcL Portantona~ existe? Nao, para os homens nao existe)( ...) Macabea a grande natureza se dava apenas em forma de capim de sargeta - selite fosse dado 0 mar grosso au picos altos das mantanhas, sua alma, ainda maisvirgem que a carpa, se alucinaria e expladir-se-Ihe-ia a organismo, brayos pm ca,intestino para la, cabe!;a rolando redonda e aca a seus pes - como se desmonta ummancquim de cera (H. E., p.99)

"E cia sofria? Acho que sim. Como uma galinha de pescoyo mal cortado que corre

espavorida pingando sangue. So que a galinha roge - como se foge da dor - em cacarejos

apavorados. E Macabea lutava muda "(id., p.IOO).

Os entremeios metalingOisticos na citayao acima mostram a dor e 0 sofrimento de

Macabea alienada it vida sem poder lutar conlra as suas al1iQoes. E ainda mais uma citaQao

de sua angLlstia:

"Macabea por acaso vai mOlTer? Como posso saber? E nem as pessoas presentes ali

sabiam ( ... ) .. 0 luxe da rica llama parecia contar gl6ria. (Escrevo sobre 0 minima

enfeitando-o com purpura, joias e esplendor. E assim que se escreve? Nao, nao e

acumulando e sim desnudando. Mas tenho medo da nudez, pois ela e a palavra final)" (H.

E, p.IOI).

A partir da sua nova condiyao existencial, Macahea conhece entao as profundezas

do morrer.E nessa hora exata que e1a compreende 0 significado da temeridade, como

podemos verificar no texto seguinte:

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Entao - ali deilada - tcve LIma(unida fclicidade suprema, pois ela n3scera para 0abra~o da marte. A marte que e nesta historia 0 meu personagcm predileto. Iriaela dar adeus a si mesilla? Ad10 que cia nao vai marrer, porque tem vontade devi vcr. E havia certa scnsualidade no modo como so encolhera. Ou Cporque a pre-Illotte se parece com a intensa ansia sensual? E que 0 roslo dela lembrava umesgar de desejo. C..) Um goslo suave, arrepiantc. g:elido e aguda como no amor.Soria esta a gra~ a que vas chama is de Deus? 5i111? So iria morrer, nn mottepaSSc'lV3de virgemal11ulher( ... )Seuesfor~odeviverpareciaumaceisaque.senunca cxperimentara, virgcm que era, ao menos intuira, pois so agora enlendiaque mulhcr nasce mulhcr desdc 0 primciro vagido. 0 destine de uma mulher e sermulher (H. E., pi 03).

o desfecho da hisl6ria, com a mOrle da personagem, e eSlcndido narrativamente

alraves da longa descri9iio da agonia de Macabea. E ainda podemos citar de acordo com

GULDrN (p.67) em que Rodligo afirma que a "morte e um encontro consigo"(J-I. E.,

p.I03).

Ncssc caso, vale repensar a pergunta: Clarice traiu sua personagem, matando-a?

Parece que nao. Salvou-a da miseria da ignorancia e, sobretudo, salvoLl-a da neurose e da

carencia.

Deslruida pelo mundo que nao conquistoLi e, talvez, do qual se salva, Macabea

tambem parte da desilusao da propria escritora. Morrelldo a persona gem, 0 que sobra do

cscritor, do narrador, do leitor da narrativa, diante dos quais Macabea e a lembram;:a

insislcnle da infelicidade e da transitoriedade da vida?

o final da obra de Clarice Lispector confirma mais uma vez a metalinguagem, em

que as palavras sc rcvestem do bela:

- Quanto ao nlturo.Tcri! tido cia saudade do futuro? Ou<;:oa mllsica antiga de palavras e palavras,sim,e assim. ( ...) Macabca sente Ulll fundo cnjoo de estomago c quase vomitou, queriavornitar 0 que m10 Ii corpo, vomitar algo lumillOSO. Estrela de mil pontas. ( ...) Eentao - entao 0 subito g.rito estcrtorado de uma g.aivota, de repcllte a <l.!:,'1Iiavorazcrguendo para os altos arcs a ovcJha tcura, 0 macio gato estra9alhando um ratosujo c qualqucr, a vida come a vida. (. ..) Ela estava livre de si c de nos. ( ...)Dcsculpai essa morte. E quc eu mio pude cvita-Ja. ( ...) Agora entendo cstahisloria. Ela Ii a iminencia que ha nos sinos que quase- quase badalam. Agrandeza de cada lUll (H. E., p.104, 105).

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E ainda podemos confirmar com mais uma citar;ao refletindo a relar;ao da escritora

com a personagem e com sua obra. "E agora- agora sO me resta acender um cigarro e ir

para casa. Meu Deus, 56 agora me Icmbrei que a gente morre. Mas - mas eu tambem?! Nao

esquecer que por enquanto e tempo de morangos. Sim" (1-1.E., p.I06).

E concluindo esse capitulo: Macabea incompetente para a vida, a morte para ela

uma libertar;ilo; Macabea, ao marrer, iivrou-se de si e de n6s.

Com a mOlie da protagonista, ocarre [ambem a morte do narrador, resta-Ihe a ele e

a nos apcnas 0 siiencio e a discrela saida pela porta dos fundos.

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6. CONCLUSAO

Apcs a analise feita sobre a metalinguagem utilizada em "A !-lora da Eslre/a ",

algumas considera~oes finais nos parecem imponantes.

Com 0 modern ismo. novas 16gicas, novas artes, novas relacoes sociais deixaram de

lado a Icgica tradicional aristotelica. E com isso 0 conceito de ane criadora transformou-

se. Hoje, nos a percebemos construida na~ mais como expressao, hoje a publico nao e

passivo, pode ser incorporado ativamentc como colaborador leitor denIm da linguagem da

ohra

Retomando a delinicao: "A metalinguagem, como tra~o que assinala a modernidade

de urn texto, e 0 desvendamento do misterio, moslrando 0 desempenho do emissor na sua

luta com 0 c6digo" (CHALHUB, 1988, p.47), podemos notar que 0 tenno em questao foi

1I1ilizado em larga escala na obra A Hora cia 1:;sIre/a, e tambem por outros escritores e

criticos que pretendem romper criticamente corn padroes estabelecidos.

Isso e 0 que pode perceber na obra de Clarice Lispector A flora da /c;slre/a, uma

obra quase toda estruturalmente metalingOistica, apesar tambem de depararmos com outras

fun~6es de linguagem. 0 c6digo em questao c a metalinguagem, it qual 0 narrador

paulatinarnente, narra atraves de urn proccsso de desconstrucao, nao so apenas os fatos de

intera~ao social, mas tambem os das sedw;oes c rela90es amorosas. Atraves deles os vells

se desconinam e IllQstram a pobreza fcia e promiscua e a singeleza de vidas tao pouco

inleressantes.

A prOlagonista nada sabe de si e do meio em que vive. 0 Illundo e completamente

hostil a ela e, com isso, podemos considerar que a narrativa "6 de desnudar saber conhecer

a origem e 0 rim" (BARTHES, 1970) E no sentido de desnudar, a personagem Macabea

busca 0 autoconhecimento no desenrolar da narrativa.

Panindo dessa analise, os veus sao tirados atraves da canomante, Cariota, que

mostra a Macabea sua verdadeira condi9uo existencial e social, que desemboca num futuro

imaginario. A protagonista, antes de ir it Canomante, julgava-se feliz, com toda a sua

condiyao existencial. nada tinha, mas 0 pouco era muito, aqui percebemos a beleza da

personagem. Atraves da narrativa, percebemos que, mesmo sendo uma dati16grafa e

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virgem considerava~se importante, veslia-se de si mesma; como uma crianca docil e

inocente. 0 mundo, as vezcs, mostra 0 outro lado da vida. Macabea percebe 0 seu mundo

miseravel, nunca percebido anles. Ela leve vontade de chorar, mas nao chorou. Com i5S0,

pod cmos ainda eilar um trecho bclissimo da obra: "E mudada por palavras desde Moises se

sabe que a palavra e divina. Ate para alravessar a rua cia jei era oulra pessoa. Uma pe550a

gravida do futuro. Senlia em 5i uma esperanca tao violenta como jamais seilliria tamanho

desespero ( ... ) Assim como havia sentenca de morte, a cartomante Ihe decretara sentenca

de vida." (HE, p. 99)

E assim Macabea, que durante 'luase toda a narrativa earece de con5ciencia de si,

de identidade de comunieaCao, vai torturadamente em busca (sem 0 saber) de uma

idcntidade (acomece que s6 conseguimos ser na medida que conseguimos nos consliluir

pela palavra e a propon;:ao que somos uns para os OUlroS).

Quando sai da casa da cartomallte, Macabca vai em busca do seu futuro conslituido

por Madama Carlota. Clarice Lispector, com toda sua sabedoria, dfl com lodas as letras 0

scu rClrato: A mulher e 0 sujeito da can!llcia. A Hom da I:.:\·,rela e 0 momento de

iluminacao dessa conscicncia, que para Macabea significa 0 momento ultimo da morte.

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