_louis dumont - homo aequalis

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Louis Lumont homo aequalis da ideologia economica Tradu9ao Jose Leonardo Nascime.nto Revisio T6cnica Antonio Penalves Rocha 1 um estudo compa- rativo da ideologia moderna e do lugar que nela ocupa o pensamento " . econom1co Nisto consiste a tragedia do espirito moderno que "resolveu o enigma do universo", mas, apenas para substitui-lo pelo enigma dele mesmo, Alexandre Koyre (Eludes newtoniennes, p.43) . ' .Este estudo e determinado, em sua oriema,ao, pelo em- preendimento mais vasto do qua! ele faz parte. A ideia geral de um estudo comparado da ideologia moderna brotou do meu tra- ba.lho anterior de antropologia social. Entendo o atual come a se- qGencia natural do anterior, mas do ponto de vista academico ha uma grande distancia entre a antropologia e a pesquisa que per- tence, a primeira vista, ao que se denomina freqlientemente his- t6ria das ideias. Nao e fora de prop6sito, por conseguinte, justi- ficar ou ao menos descrever esta passagem, esta e ca- racterizar, ao mesmo tempo, o empreendimento no interior do qual este livro representa somente o primeiro capftulo. A parecera imediatamente menos inverossimil se considerarmos, de um lado, que as ideias e os valores constituem um aspecto importante da vida social, e, do outro, que a antropo- logia social e essencialmente comparativa, mesmo quando explici-

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  • Louis Lumont

    homo aequalis g~nese e.plenit~d~ da

    ideologia economica

    Tradu9ao Jose Leonardo Nascime.nto

    Revisio T6cnica Antonio Penalves Rocha

    c~ftulo 1

    um estudo compa-rativo da ideologia moderna e do lugar que nela ocupa o pensamento

    " . econom1co Nisto consiste a tragedia do espirito moderno que

    "resolveu o enigma do universo", mas, apenas para substitui-lo pelo enigma dele mesmo,

    Alexandre Koyre (Eludes newtoniennes, p.43)

    . ' .Este estudo e determinado, em sua oriema,ao, pelo em-preendimento mais vasto do qua! ele faz parte. A ideia geral de um estudo comparado da ideologia moderna brotou do meu tra-ba.lho anterior de antropologia social. Entendo o atual come a se-qGencia natural do anterior, mas do ponto de vista academico ha uma grande distancia entre a antropologia e a pesquisa que per-tence, a primeira vista, ao que se denomina freqlientemente his-t6ria das ideias. Nao e fora de prop6sito, por conseguinte, justi-ficar ou ao menos descrever esta passagem, esta transi~ao, e ca-racterizar, ao mesmo tempo, o empreendimento no interior do qual este livro representa somente o primeiro capftulo.

    A transi~d.o parecera imediatamente menos inverossimil se considerarmos, de um lado, que as ideias e os valores constituem um aspecto importante da vida social, e, do outro, que a antropo-logia social e essencialmente comparativa, mesmo quando explici-

    NathanHighlight

  • introduc;ao

    tamente nao o seja. (Dumont, 1964 A, p.15-16). Durante aproxima-damente vinte anos, estive ocupado em aplicar os metoclos da an-tropologia social ao estudo de uma sociedade de tipo complexo, ligada a uma das grandes civiliza~Oes do mundo, a soCiedade

  • introdu~ao

    0 individualismo, tal como foi definido, faz-se acompanhar de um ou dois aspectos de grande importancia que estarao em evidencia mais a frente e que seria l'.itil introduzi-los imediatamen-te. Na maioria

  • introdu~ao

    concomitantes, repousa sobre uma inova~ao sein precedente: a separai;ao radical dos aspectos econOmicos .do tecido social e da

    s~a constru\,ao num domfnio autOnomo. Limito-me, em suma, a propor um ponto de vista um pouco mais amplo sobre esta tese fundamental, largamente aceita hoje em dia, ao mesmo tempo que elaboro uma consrru0!o te6rica sobre uma velha tradi>iio sociol6gica. Com efeito, o contraste holismo/individualismo ta! coma foi desenvolvido en1 meu estudo sem imita~ao direta1 ou consciente,' caminha na mesma dire,ao da distin.lo de Maine entre. estatuto e contrato e da de Tennies entre Gemeinscbaji e Gesellscbaft. Simplesmenre, a hierarquia dos valores e desta vez colocada no primeiro plane, o que, creio, torna o contraste mais precise e mais Util ao meu prop6sito. Nao e, ademais, dificil fa-zer remontar mais alto a origem desta distin9ao. T6nnies mesmo a exprimiu sob uma outra forma, opondo a vontade essencial ou espontanea (wesenwi//e) a vontade arbitraria ou refletida (K1'r-wille) (1971, p.6 etc.). A expressao guarda um sabor hegeliano nao apenas devido a, colocal'iio da enfase sobre a vontade (que recorda, mais pr6ximo a Tonnies, Schopenhauer, e que e, alias, em geral, alemao) n1as igualmente em seu conteUdo geral: o jo-vem Hegel estava preocupado com o contraste enrre a participa-(:ilo espontanea do anrigo cicladao greg6 na vida da cidade e o isolamento que resulta para o indivfduo cristao de sua conquis-ta da subjetividade e da liberdade. E Rousst.~Ll jii escrevia no Contrato social que o cristao e mau cidadao, propondo, como conseqiiencia, uma religiao civil. Veremos aqui que se a distin-9ao nfo e analiticamente utilizacla por Marx e porque ele a con-siderou como um tra>o pato!6gico que seria eliminado pela re-

    Gromo somente lLtna tendencia anteriormeme atestada. A prop6sito dos esco!asticos, Schumpeter n1enciona (1954, p. 85) a esc.'Ola universal de K. Pribram e 0. Spann, e parece antecipar o presente estudo:

    "~ao suste~~o que as. categoria.s universais-individualistas sejam despro-v1das de t1t1lidade para outros tins que nao os meus. Importantes aspec-

    t~s do pensamento econ6mico, panicularmente os aspectos Ctico-reli-g1osos, po

  • introdui;ao

    aqui dito para efeitos de lembran01, pois neste trabalho nao chega-remos a esta complexidade (cf. 1967, 22, 118).

    Urna distin(;ao forrnulada anteriormente (1965, p.15; 1967, 3) representa um papel central nesre esrudo, e e preciso repro-duzi-Ja. Designamos correntemente pela expressao "homem indi-vidual'.'(ou o "indivfduo") duas coisas extremarnente diferentes que e necessario distiguir:

    1) o sujeiro empfrico da palavra, do pensamento, da vontade, moscn1 represencach:a da .especie humana, ta! coino e enconrr.aclo em todas as sociedades; 2) o ser moral, independente, aut6nomo e assim (essencialmen-re) nao social, ta! coma se encontra, antes de tudo na nossa ideologia moderna do homem e da Sociecla'iles, possuem urna ideologia comum. Isto nao exclui, absoluta-mente, as diferenps nacionais e, no interior da cada pafs, as dife-renps sociais, regionais, etc. Ao contrario, a pr6pria tentativa de esboc;;ar o que as nai;Oes manifestam de comun1 revela, de pron-to, suas divergencias. 1sto nao impede, entfetanto, que toda con-figura~ao_ nacional possa ser tomada como uma variante da ideo-logia geral. (cf. veremos, p. 25)

    120

    um estudo comparativo da ideologia modema

    Naquilo que concerne a India e a China, deixando de !ado a diversidade interna que e um outro problema, e possfvel que elas apresentem diferen~as ideol6gk."as profundas entre si. PorCn1, comparadas a n6s, elas sao semelhantes: as ideologias tradicionais indiana, chinesa, japonesa sao holistas, enquanto a nossa e indi-vidualista. Que sejam holbtas de diferentes maneirns nao altera o seguinte fato: a tarefa de descrever comparativamente estas socie-dades seria facilitada se nosso quadro de referenda, inteiramente impregnado pelo individualismo, pudesse ser substituido por un1 outro, construldo a partir destas mesmas sociedades. Cada vez que trazemos a Iuz uma idiossincrasia da mentalidade moderna, tornamos um pouco mais possfvel a compara(;iio universal.

    Em suma, a revolu(;ao dos valores da qua! brotou a ideo-logia moderna representa o problema central da comparacao das sociedades, seja para descrever e compreender as sociedades tradicionais ou civiliza~Oes superiores - e tambem as sociedades reputadas mais simples, ou culturas arcaicas que sao ainda o ob-jeto mais habitual da antropologia, seja para situar a nossa pr6-pria sociedade em rela,ao as outras. Ambas as tarefas sao de comperencia da antropologia e, de fa.to, as duas fundem-se .numa Unica, pois, se pudessemos desenvolver uma visao antro-pol6gica da nossa pr6pria sociedade, a con1preensao das outras rios seria grandemente facilitada, pois disporfamos de um qua-dro de referencia, de um sistt:ma de coordenadas que nao seria mais tornado da nossa mentalidade particular - e excepcional -, masque seria verdadeiramente universal. (cf. meu artigo 1975a).

    Pretendo, sob o risco de ser repetitivo, lembrar a perspec-tiva geral na qua! se insere o presente ensaio. Ele e e permane-ce limitado, nao ha como esquecer disso, na medida em que uma s6 ideologia tradicional, a da India, !he serve de base, qualquer que seja a generalizacao que proponho (da hierarquia ao holis-n10, etc.). Seria ate mesn10 provavel que ensaios de comparai;ao semelhantes, partindo

  • introdu~ao

    muito, ha alguns anos, de "fim da ideologia". Se me for permiti-do tomar emprestado, alem de tantos outros, um termo de Tho-mas Kuhn, diria que assistimos, sobretudo, a uma crise do para-digma ideol6gico moderno.' E certo que a tendencia a enxergar crises em codos os lugares e um tra~o saliente da ideologia mo-derna, e se ha crise, ela nao data de ontem; em um senticlo am-plo, esta crise e n1ais ou menos consubstancial ao sistema, ate 0 ponto em que haveria mesmo entre n6s aqueles que encontra-riam neste fato um motive de orgulho. Ao que parece, a ctise do paradigma no seculo XX cohheceu recentemente uma intensifica-~o ou, sobretudo, uma generaliza~ao.

    No piano

  • cado de maneira facual sob a forma de fen6menos que contradi-zem os valores admitidos e que, por esca razao, escapam, em sua essencia, a percep,ao intelectual ingenua, nao comparativa.

    Se, tendo encontrado na fndia holismo e hierarquia, procu-rarmos o que fizeram deles uma "civiliza\'ii.o", um conjunto de so-ciedades, que valoriza o oposto do individuo e

  • mum. Este enfraquecimento e mantido pela confusao que reina nos espiritos, e que os meios de comunica~ao multiplicam, entre coisas que o progresso da nossa civiliza~ao havia distinguido, em particular, a confusao entre os domfnios dos quais a violencia ha-via sido banida como exercicio ilegitimo da forga e outros, con10 as rela~Oes internacionais, em que o direito nao havia consegui-do coloca-la fora da lei. O totalitarismo precisamente apagou a fronteir~1 entre a guerra e a paz, estendendo 3 paz, e a:; rela
  • introdu~ao -----------+-

    a seu ponto de partida, mas felizmente esta falta inicial nao comprometeu a descri,ao do progresso do individualismo, do nascimento do Estado e

  • introdu~iio

    ta~ao particular neste conj unto ou "falsa", "racional" ou "tra.dicio-nal", "cientffica" ou nao, nada tern a ver com a natureza social da coisa. Tomemos um exemplo: que a terr-d gira em torno do sol e uma proposi,ao cientffica, admitida, porem, pela maior parte de nossos contemporaneos sem que os mesmos sejam ca-pazes de demonstra-la. Ademais, me.Smo para aqueles que sao capazes de faze-Io, esta concepc;,;ao e parte de -sua concepc;,;ao do mundo tanto quanta da concep~ao de cantos outros incapazes de perfazerem o caminho da demonstrafao. Como ta!, ela pode legitimamente ser tomada coma parte integrante da ideologia global, coma elemento mantendo cerras rela,oes com outros elementos da ideologia. E necessirio se resguardar de um ten-

    d~ncia cientificista largamente difundida que confunde o pre>ble-ma da relafao emre as atividades cientificas especializadas, tao desenvolvidas em torno de n6s, e as formas gerais da conscien-cia. Nenhuma ideologia em sua totalidade pode ser dita "verda-deira" ou "falsa", pois nenhuma forma de consciencia nao e ja-m_ais completa, definitiva ou absoluta. Marx caF.:1.cterizou a reli~ giao coma uma forma de consciencia mediante um rodeio (au) etnem Umweg) (A questao judaica, in Werke, I, p.353, aqui mais abaixo). Hoje em dia, sabemos lnais: todas as formas de cons-.ciencia sao semelhantes no sentido q1:1e nenhuma opera sem uma "grade" atraves da qua! tomamos consciencia do dado e, ao mesmo tempo, deixamos de lado uma parte deste dado. Nao exi~te consciencia direta e exaustiva de nada. Na vida de todos os dias e, a prindpio, por intermectio da ideologia de nossa so-ciedade que nos tornamos conscientes de qualquer coisa. Tudo o que podemos afirmar sobre a rela~ao entie o que e repiesen-tado e o que "existe de fato", e que tal rela93-o e necessciria e que ela nao e uma identidade. A coisa e essencial, pois reconhe-ce entre o ideol6gico e o nao ideol6gico uma dualidade que per-mite evitar, ao mesmo tempo, o ideaiismo (a ideia e tudo) e o materialismo (a ideia e um epifenomeno) - ao pre,o, e verdade, de um trabalho sem fim (1967, nota 1 a , etc.). Esta dualidade nos ajuda tambem a nos prevenirmos contra o relativismo que da diversidade concluiria a irrealidade. Mencionei a "relativida-de social" da ideologia tal como e dada. Esta relatividade e nao um ponto final, pois a compara,ao a transcende: nossa tarefa e tornar possfvel a transifaO intelectual d.e uma ideologia para ou-tra, q que e exeqtifve1 gra~as a inclusao em nossa comparai;ao

    !so

    um estudo comparativo da ideologia modema

    do residue "nao ideol6gico", ele mesmo revelado pela anftlise compar-ativa, exclusivamente por ela (1967, 118). Esta ea ra-zao da minha reserva ao uso da expressao "concep,ao do mun-do", copiada daquela Weltanscbauung ("intui,ao") tao carrega-da de relativismo e adotada com predilefaO pelos nazistas - cuja ideologia racista negava a mUtua comunica~ao entre as culturas.

    Deste n1odo, a ideologia de um dado pals pode, sem in-conveniencia, ser ton1ada coma englobando todo seu patrimOnio intelectual contanto que sejam nela incluidas apenas as represen-ta,oes sociais e nao as representa~oes excepcionais ou unicas. Mas aqui M um problema: nosso material e constituido de textos particulares de autores particulares. Como reconhecer o que e so-cial e o que nao e social em cada texto? A resposta encontra-se, a princfpio, na rela~ao entre os diferentes textos. Pode ocorrer que eles se copiem mutuamente ou, ao contrario, que eles nao tenham nada em comum. No conjunto, entretanto, ha represen-tar;6es fundamentais, configura~Oes que sao comuns a um gran-de n(imero deles. Podem, igualmente, estar implfcitas nas discus-s6es entre conten1poclneos, e tocan1os aqui um ponto mais deli-cado: a importancia relativa destas representa('iies na sociedade em geral. Como ocorre habitualmente nos estudos

  • introdu1tao

    Deparamos aqui com um paradoxo classko: os elementos de base da ideologia permanecem quase sempre implicitos. As ideias fundamentais sao tao evidentes e onipresentes que rlao tern necessidade de ser expressas: sabre o essencial nada e precise ser dito, e o que se chama "a tradi~ao" (1964b, p.97-98). Antes, citei Mauus sobre este ponto, mas vejam a mesma ideia safda da pena de David Hume: "Os pontos de vista mais familiares sao suscep-tfveis, por esta mesma razao, de nos escaparem" (1875, t. IV, p.199). Evitarei denominar estes pontos de vista de " inconscien-tes", devido ao sentido especial do termo. Nao e diffcil percebei' por tras das palavras "liberdade" e "igualdade" o substrato, a va-loriza(:iio do individuo. 0 mesmo procedimento ocorre na maior parte do tempo: somente os predicados siio expressos, niio o su-jeito. Conseguimos pOr em evidencia este Ultimo, no caso presen-te, isolando o indivfduo como valor, por um duple movimento: de um lado, n6s o reencontramos sempre em outras partes do mes-mo campo ideol6gico, de outro, esta orienta(:iio global nos apare-ce em contraste com uma outra, o holismo, o qua! permanece, de resto, geralmente implfcito, tendo sido necess

  • introdu~ao

    to, segundo Hegel, e no Estado que o Individuo moderno se fun-de no bolismo da sociedade. O paradoxo nao deve surpreender: a reconcilia(:ao dos contrarios e procedimento habitual deste fil6-sofo. O essencial e que, para Hegel, uma vez dados os Indivfduos da "sociedade civil", ou seja da vida econ6mica, a fusao deles s6 e possfvel no piano da consciencia, pela vontade explfcita, pelo consenso, em outros termos, no piano politico: e somente como Estado que o wdo constitufdo pela sociedade e acessfvel ii cons-ciencia do Indivfduo. Parece estranho ver a vontade individual, que atomiza a sociedade, tornar-se instrumento da fusao social, e pode-se ver um exerclcio de prestidigita93.o no 274 da Filosofia do direito (mais a frente, p.184) e na passagem do Contrato so-cial em que se aborda a questao de "modificar, por assim dizer, a natureza humana'' (mais adiante, capftulo 7, n. 6). Hegel esta af en1 continuidade nao apenas com Rousseau mas tambem com Hobbes, como assinalei em outro lugar (1965, p.38-59), e seu Es-tado, alem da institui~ao polftica que com esta palavra designa-mos, e o que o soci61ogo chama de sociedade global; voltarei a este tema mais a frente a prop6sito de Marx (capftulo 7, p.185 s.). Evitaremos aqui um contra-senso bastante propalado se, em lu-gar de contarmos com nossas etiquetas familiares, reconstituir-mos, ajudados pela distin\;'aO inclividualismo/holismo, a configu-ra(:ao real das ideias na obra considerada.

    Sem d(1vida, percebe-se agora, o motivo ptindpal que me levou a recusar uma distin,ao substancial entre ideologia, cien-cia, filosofia, etc.: niio se trata de acrescentar um novo comparti-mento aos j:i existentes. A voca~ao desta pesquisa se situa no ex-1.remo opos1.o, e consiste er.a revelar a.s relai;;Oes entrc os compar-timentos familiares de nossa estante mental, inclusive profissio-nal, em recuperar, admitindo a insuspeitada determina~ao de cada um deles, a unidade do conjunto e as principais linhas de for9a de nossa cultur-.a em sua rela~o vital mais implicita.8

    ~~ Quando a filosofia inanif~sta a ambii;ao de ser cif:ncia das ciencias, de-1 ~~ra.mo-nos com ttma constrw;ao pessoal e nao com uma doutrina so-

    da!. Pode-se dizer que no plano das ciencias sociais a sociologia C esta cif:ncia geral? E necess:lrio, novamente, reconhecer, que neste sentido nao h{I sociologia, mas sociologias. s. No piano das d. ------ _ _1_34 -

  • introdu.yao

    cessito, porem, antes de tudo, de uma etiqueta gE:ral que me per-mita con1par&r o caso n1oderno, excepcional, no qual a concep~ao geral dos val ores nao coincide com o que se denomina prima fa-cie religiao, e o caso tradicional en1 que ha coincidencia; mas nao encontrei palavra melhor para este fim (cf. 1971 a, p.32-33)

    Agora, apliquemos estas referencias gerais ao ponto de vista econ6tnico. Observaremos de infcio que, ao contr

  • introdu9ao

    Agora, se o objeto, a '1economia", e. uma constru~ao e se a disciplina particular que o constr6i nao pode nos dizer como a faz, ;se n~to pode nos dar a essncia do econOmico, os pressupos-tos de base sobre os quais ele e construido, entao, sera necessa-rio procura-Io na rela~ao entre o pensamerito econOmico ea ideo-logia global, ou seja, no lugar do economico na configura('ao ideol6gica geral10. Dada a primazia do ponto de vista econ6mico no mundo moderno, e natural super que este ponto de .vista deva estar profundamente enr.:1.izado na constitui9fi.o mental do homem moderno, que deva ter para ele implica,oes particulares nao des-providas de significa,oes, mas que sao susceptfveis de !he esca-par, con10 afirmava Hume.

    Veremos que a maneira pela qual se constr6i a realidade considerada externa, objetiva, denominada "econornia'', e coman-dada pelas imposi1C6es internas da ideologia ger-Jl; uma aplica,ao desta assertiva que poderia servir para verifica-la indiretamente seria o esclarecimento do curso extraordinariamente desigual do desenvolvimento da ciencia econOmica nos seus prim6rdios, tal como ele e entrevisto na obra magistral de Schumpeter (1954).

    Na ausencia desta Hist6ria da andlise econOmica, a inves-tiga~o que desenvolvo, provavelmente, nao teria sido en1preen-dida: Como o tft1Jlo o indica e como o ~utor insiste em inumeras passagens, Schumpeter nao se ocupa de todo o pensamento eco-nomico, mas exclusivamente, do que pode ser considerado como cientffico. Sua Hist6ria separa, por assim dizer, o grdo cientffico da palha nao dentffica -, e sob este angulo ela sera nosso apoio prin-cipal. 0 resultado desta pesquisa, conscientemente fundada sobre toda uma vida de estudo e uma imensa erudi(:ao, nao e somente de que existe muita palha ao lado do grao. A sucessao hist6rica mostra que nao ha crescimento regular, mas uma grande desor-dem e as mais surpreendentes descontinuidades em ponros deci-sivos. Schumpeter nao se cansa jamais de sublinhar estas irregu-laridades: como as aquisil'6es e descobettas feitas cedo permane-ceram por longo tempo letra morta, ou foram negligenciadas pela

    138

    10. E preciso que estejamos equipados para iclentificar esca relat;ao. E a compara~ao que nos capacitara. Todavia, como nosso equipa-mento con1parativo e in~ompleto, t: possivel que descubfamos ape-nas de maneir'.i. incompleca a rela\:3.0 que procuramos. Neste sentido, a questao devera permanecer aberta.

    urn estudo comparativo da ideologia modern.a

    corrence principal, e tiveram de ser redescobertas muito mais tar-de (como a utilidade marginal em Galiani, Daniel Bernouilli, etc.) 954, p.300-305, 1054), como as obras que tiveram mais influencia nao eram as n1ais sugestivas ou as mais cientfficas (Adam Smith), como as vias fecundas e os desenvolvimentos saos foram cons-cientemente abandonados ou anulados por um tempo, e quanta aparece estranho retrospectivamente o 1'desvio ricardiano" que domina o periodo classico (mesmo se, segundo Schumpeter, a in-fluencia de Ricardo tenha sido mais restrita entre os especialistas ingleses do que se admite com freqi.iencia). Schumpeter exprime seu espanto, pode-se dizer quase sua constema~'iio, sobre tudo isto, que ele nao explica, e, no fundo, nao pode explicar, porque sua investiga~ao supOe o ponto de vista econOmico come dado, e ela mesma situa-se no interior deste ponto de vista.

    Somente alguem que se mantiver no exterior podera inten-tar mostrar como este ponto de vista particular veio a luz. Neste sentido, a Hist6ria de Schumpeter exige um complemento do tipo tentado aqui, independente da despropor1:ao que possa haver em conhecimento, extensao e em merito entre um e outro destes tr.i-balhos. Se considerarn1os a perspectiva econOmica con10 parte da ideologia, nao indagaremos, de inlcio, se uma proposi\,'3.0 econ6-mica dada e falsa ou verdadeira, mas, apenas, como e pensada em rela,ao a outras proposi\'6es - interiores ou exteriores ao discur-so econOmico -, e, particularm~nce, em rela

  • -----!

    bordina

  • introdu900

    sear. Pode parecer estranho, mas e mais f3.cil formar uma ideia relativamente certa

  • introdU
  • Louis Lumont

    homo aequalis g@nese e plenitude da

    ideologia econ8mica

    Tradu9S:o Jose Leonardo Nascimento

    RevisS:o T6cnica Antonio Penalves Rocha

    ' . '

    '.Q. exito ideol6gico de marx. digressao sobre a sua teoria s6cio-hist6rica

    P odc-se considcrar a teoria geral da sociedade e da his-t6ria, en1 Marx, conlo consistindo, e$sencialmente1 na afirn1ac;;ao da supremacia de taro dos fenOmenos econ61nicos. Se esta pre-dominancia estava, como procurei demonstrar, implicada desde 0 nasciinento da categoria econ6n1ica e se, de outra parte, e an1-plamente admitida no mundo moderno, e porque constitui um aspecto in1ponante de sua ideologia e. portanto, pode-se afirn1ar gue Marx levou a ideologia econOmica a sua realiza~ao, a sua plenitude, independenten1ente do que pos.sa1nos pensar a res-peito do valor cientffico de sua teoria ou de sua an::'i.lise econ6-n1ica. A contribui\,ii de Marx a este respeito 61 ao que parece~ inigualaveL 0 exito lhe pertence com exdusividacler Esta ques-tfto nao C perrinente do ponto de vista presente. Pretenclo, uni-camente1 4uc o acontecitncnto tenha St: prodtizido en; e p;;;;-Marx e ine pergunto por qu&.

    Considerando retrospectivamente todo o desenvolvimen-to, esta claro que uma visao nova do tipo de idcologia economi-ca nao poderia sc in1por de un1 1no1nento para outro. Antes que o novo ponto de vista possa se rivalizar con1 outros pontos de vista ;a esrabelecidos, don1ina-Ios ou suprin1i-los1 e necessario que se estabele~a) que con1bata vitoriosan1ente pelo scu rcco-nhecimento aos olhos, senao do grande p(1blico, ao menos de tun cfrculo de especialistas coin algun1a audiencia c1n 1neio as pes.soa.s in.scruldas. F.. son1ente assin1 que a nova Anschauurzg pode esperar al~ar un1a 6rbita elevada e converter-Se nun1a cs-pecie de sol no finnan1ento intelectual.

    2251

  • a plenitude: karl n1arx -----~~----M-----~---~

    Esta segunda etapa poderia ex1g1r proceditnentos inteira-rnenre diferentes dos quc definir.:tn1 a prin1eira etapa. Etn todo caso, 6 esta a visao que sugere a seqCtencia de acontecimentos que cscolhi do seculo XVII ao XIX. Percebe-sc, assim, uma cspecie de necessidade na diferenc:;a de atitude de Marx en1 rela~ao a .seus predecessores. U1na veZ assenta

  • a plenitude: karl rnarx

    te, obtido a urn ce1to prei;,:o: que a ciencia econ6111ica desen1bo-que em uma condena~'iio da pr6pria sociedade que !he deu nas-citnento. En1 outro.s tern10.si a realidade econ6n1ica C contradit6-ria e pod~ apenas .se tornar hun1ana1nente significativa, ou inoral, 1nediante sua destruis;ao parcial, peneirando, de fato, (>S hons as-pectos quc .se11to conse1vado.s e o.s n1au.s, todos aquelesque so-breviveran1 a sua lltilidade, que serao suprin1idos.

    Observa1nos al co1no, sen1elhanten1cntc a tuna passagen1 dos Mauuscritos, o div6rcio entre o econ6n1ico e a n1oralidadc nao foi v

  • a plenitude: karl n1arx

    outra, as conclust>es e os resultados sao, de n1arieira 1nuico desi-gual, integrados na teoria geral. Pen.:ebe,.se, e1n seguida, o co1ne-

    ~o de Luna configura

  • a plenitude: karl inarx o exito ideol6gico de man:: ------------------------ --------. ------

    central na ideologia n1oderna e exig:itia um estudo.) Isto se deve ao fato que, nesta passage1n, Marx nao esteja preocupado com a sociedade; as necessidades, o trabalhb, a produ~iio pertencem ii econotnia, ou .seja, esscncialinente ao honiem individual na sua

    rela~ao con1 a natun:za. Ven1os,

  • a plenitude: karl n1arx --~------ .. -"--

    A prinleira resposta que ven1 ao espfrito C que para Marx e evidente que a fonna burguesa de sociedadc represerlta () api-Ct:, o

  • e que rermite registrnr uma continuidade entre todas as socieda-des do passado. .

    Sc nao subscrevern1os cste Credo, a socicdadc hurgul!sa aparecen1 en1 clara oposic;ao a todas as outr&s con1 a sua Cnfase nas rela

  • ':~ a plenitude: karl n1arx 0 exito ideol6gico de n1arx

    e sentida con10 contradit6ria. E apenas na segunda, a forma n10-derna, que a oposii;ao !'!c desenvolve en1 tuna contradis;ao, "u1na fornKt enCrgica qut faz pressao no sentido

  • a plenitude: karl rnan:

    s6rio da terra." Nao se trata sotnente de distinguir aspectos con-tr

  • a plenitude: karl 1narx

    tamenrc: Jlirgen Habermas 0970, p. 61). Sua ambi\;aO de constituir un1a analise dos tra~os universais da a~ao social e justificacla ape-nas na tnedida en1 que e, atraves