jesus o senhor segundo o apóstolo paulo: uma síntese teológica

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Todos os direitos reservados. Copyright © 2019 para a língua portuguesa daCasa Publicadora das Assembleias de Deus. Aprovado pelo Conselho deDoutrina.

Título do original em inglês: Jesus the Lord according to Paul the ApostleBaker Publishing Group, Grand Rapids, Michigan, EUAPrimeira edição em inglês: 2018Tradução: Marcelo Siqueira Gonçalves

Preparação dos originais: Daniele PereiraRevisão: César Moisés CarvalhoCapa: Joab SantosProjeto gráfico e editoração: Anderson LopesConversão para ePub: Cumbuca Studio

CDD: 230 - CristianismoISBN: 978-85-263-1997-4ISBN digital: 978-85-263-2005-5

As citações bíblicas foram extraídas da versão Almeida Revista e Corrigida,edição de 2009, da Sociedade Bíblica do Brasil, salvo indicação em contrário.

Para maiores informações sobre livros, revistas, periódicos e os últimoslançamentos da CPAD, visite nosso site: https://www.cpad.com.br.

SAC — Serviço de Atendimento ao Cliente: 0800-021-7373

Casa Publicadora das Assembleias de DeusAv. Brasil, 34.401 – Bangu – Rio de Janeiro – RJCEP 21.852-002

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1ª edição: 2019

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suave. A água corria na rocha logo abaixo de nós. Havia sons da vela de umbarco rasgando o vento ao passar por nós, o bufar de uma foca pescandoembaixo do “deck”, e os gritos e risadas das crianças que pulavam de umbalanço em uma árvore ali perto. E no meio disso tudo, o calor e oentusiasmo irradiavam do meu pai à medida que fazíamos juntos a leitura deprova do seu novo livro. A obra descrevia de forma rigorosa e bela oentendimento que Paulo tinha acerca da pessoa de Jesus de Nazaré, Filho deDeus, Senhor e Cristo. À medida que trabalhávamos naquela tarde, percebinovamente a forma profunda e similar com que Paulo e meu pai amavamJesus. E, mais uma vez, como havia ocorrido tantas vezes quando eu lia pelaslentes de Paulo junto com o meu pai, algo passou do campo do conhecimentopara o do entendimento, do entendimento para a sabedoria, do conhecimentoacerca de algo para o conhecimento relacional. Paulo e meu pai estavam,novamente, proporcionando-me um conhecimento mais profundo de umamor mais profundo por Jesus.

Naquele dia de verão, secretamente, eu esperava que os capítulosresumidos que estávamos lendo de Cristologia Paulina, um dia, estivessemacessíveis a todas as pessoas da igreja e que isso proporcionasse a mesmavida e alegria que o outro livro mais resumido do meu pai acerca doentendimento paulino e da relação que Paulo tinha com o Espírito Santo,Paul, the Spirit, and the People of God [Paulo, o Espírito e o Povo de Deus].E ei-lo aqui! Este livro é mais um presente para os crentes profundos quedesejam conhecer Jesus e a sua vida como um todo em relação à sua própriavida humana, renovados de modo significativo segundo a sua imagem. Alémdisso, este é, muito provavelmente, o último livro que o meu pai publicará nasua longa carreira. Essa percepção, junto com o impacto profundamentetransformador que este material teve na vida e obra, tanto no meu caso comodos meus alunos, fez com que eu mesma resolvesse escrever este prefáciopessoal, por pura gratidão e sem maiores pretensões.

Na obra mais densa, Cristologia Paulina, e agora nestas páginas, temos

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contato exatamente com o mesmo Senhor, ainda encarnado, que se encontroucom Saulo de Tarso dois mil anos atrás enquanto Paulo levava consigodocumentos mortais para os cristãos de Damasco. Quando aquele judeuerudito brilhante, fariseu e zelote encontrou-se com o Senhor, o próprioYahweh, na carne ressurreta de Jesus, acompanhado pelo poder ofuscante ecurador do Espírito Santo, tudo que ele compreendia em relação a Deus e aomundo virou de pernas para o ar e assumiu uma nova orientação, de formainequívoca e eterna. A graça, o amor e a justiça incorporados de Deus setornaram radicalmente autoevidentes na revelação do seu Filho, e esse amorcruciforme transformou Saulo de Tarso em Paulo, Apóstolo do Senhor, JesusCristo. A graça de Deus em Cristo, que havia reordenado o telos, ou objetivo,do mundo, agora reordenou o mundo de Paulo, transformando a suaidentidade e enviando-o a um novo povo, predominantemente gentio, paraanunciar o nome de Deus. Sua devoção a Yahweh e reconhecimento dospropósitos divinos desde a primeira criação até a nova levam a um esquematrinitário — ao único Espírito Santo, ao único Senhor Jesus e ao único Deus ePai de todos.

Ao longo dos anos, Paulo se tornou um amigo íntimo de meu pai, quetambém experimentou o amor e a graça do nosso Senhor ressurreto e umchamado subsequente para dEle prestar testemunho. A primeira vez que meupai me apresentou o seu amigo foi quando eu era jovem. Como pré-adolescente, eu achava Paulo um tanto rude, imprevisível no seu tom e, àsvezes, um pouco arrogante — por exemplo, quando ele apelou para que oscrentes da igreja de Tessalônica o imitassem. Certa noite, enquanto estava noginasial, confessei ao meu pai que não sabia se gostava de Paulo. Naquelanoite, ele se sentou comigo no seu escritório, que ficava no porão da casa, eme perguntou o que eu entendi das palavras de Paulo, e quais imagens esentimentos elas me provocavam. Também compartilhou comigo um poucomais sobre a perspectiva de Paulo. Ele me contou histórias que descreviam opano de fundo dessas igrejas e de Paulo, e o seu relacionamento com elas. À

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medida que íamos conversando, percebi que a minha ambivalência revelava omeu evangelho obtuso e um tanto legalista que me levou a uma vergonhaincômoda.

As perguntas do meu pai, entretanto, também revelaram em mim umanseio pelo amor destemido de Paulo e pela sua alegria de ser amado porDeus. Reconheci esse mesmo amor destemido em meu pai, e ali percebi,então, que ele conhecia e amava a Jesus de forma muito semelhante à dePaulo. Além disso, meu pai conhecia e amava Paulo com empatia, gratidão erespeito. E, acima de tudo, ele confiava na experiência que Paulo havia tidocom Deus. Se Paulo era inacessível e, às vezes, impecavelmente santo paramim, meu pai não o percebia dessa forma. Meu pai me ajudou a perceber queo pedido de Paulo aos tessalonicenses para que o imitassem estavafundamentado em um amor compartilhado e na confiança no Senhor e unsnos outros. Comecei a considerar que algumas pessoas mencionadas nascartas de Paulo o entendiam de modo diferente porque elas o conheciammuito melhor do que eu. E outras, como eu, entendiam-no de modoambivalente porque ainda não conheciam, nem confiavam em Deus — ou emPaulo — como meu pai e outros conheciam e confiavam. Todavia, para nóstodos, tanto para quem confiava como para os ambivalentes, as palavras dePaulo provocavam experiências de renovação graciosa em nossa vida, pormeio da sua mensagem consistente acerca do amor generoso e precioso em epor meio do seu Filho e da vida não negociável do povo de Deus por meio doEspírito Santo.

Ao longo dos anos seguintes, meu pai continuou a me convidar paraparticipar das suas conversas com ele e com Paulo, e Paulo foi se tornandomais acessível à medida que eu ia conhecendo-o mais intimamente. TantoPaulo como o meu pai foram profundamente impactados pelo amor de Deus,e eu também passei a desejar conhecer a Deus daquela forma. Desde aquelanoite no seu escritório, à medida que a minha vida em Cristo ia sefortalecendo e se tornando mais desafiadora pelo Espírito, Paulo e as suas

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igrejas foram se tornando mais reais para mim, e a minha curiosidade sóaumentou. Fiquei intrigada com a maneira com que Paulo incorporou ahistória de Jesus e das igrejas nos relatos e nas metáforas do AntigoTestamento, com as quais ele parecia estar muito à vontade, mas que eupouco compreendia. Como seria de se esperar de uma jovem ginasial, euqueria saber do contexto dramático e da sujeira: O que levou Paulo aexpressar pastoralmente o seu amor, preocupação, frustração, alegria,advertência, celebração, admoestação e júbilo nesses relacionamentos, tantoos presumidos quanto os mencionados? Nos meus melhores momentos, quiscompreender ainda mais o contexto dessa grande história de Deus e domundo expressa no Senhor crucificado e vê-la se desenrolar na vida dascomunidades do Novo Testamento, para que eu pudesse reconhecer melhor odesenvolvimento dessa história também na minha própria vida e comunidade.

Os meus anos de ginásio na Nova Inglaterra incluíram a participação emuma igreja doméstica que se reunia na nossa sala de estar. Todas as semanasnós cantávamos, conversávamos, orávamos, chorávamos, ríamos e fazíamosrefeições juntos. E eu assistia ao meu pai se emocionar e derramar lágrimasde deslumbramento e amor diante da graça de Deus em Cristo, normalmenteexpressadas por meio do amor de Paulo por Cristo que permeavam aqueleespaço quando o meu pai falava de alguma das epístolas de Paulo. Todavia,as lágrimas do meu pai não ficavam restritas à nossa sala de estar. Eu ouviaalunos, naqueles encontros, falar sobre como o meu pai não conseguiaterminar uma única preleção sem derramar lágrimas. Até que um dia, numanoitecer de novembro, depois do meu horário de trabalho, parei noseminário para dar uma carona ao meu pai de volta para casa. O seu escritórioera o único que ainda estava aceso, e caminhei até lá para apanhá-lo. A portado escritório estava aberta, mas eu não o avistei lá dentro. Então ouvi um somabafado. Ao dar a volta na sua escrivaninha, eu o encontrei no chão, aosprantos.

— Pai, você está bem?

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— Claro que estou, querida — disse ele, enquanto puxava o fôlego,levantava-se e assoava o nariz. — Só estava preparando a preleção para aaula de amanhã. O evangelho sempre me deixa perplexo.

Ao olhar para a sua mesa, vi um esboço em grego de uma das epístolas dePaulo que ele passaria em uma aula de exegese avançada. Isso não é paraqualquer um, posso garantir a você! Só que para o meu pai, que passavaquase o tempo todo com Paulo, imerso nas profícuas Boas Novas de Deus emCristo, por meio do Espírito, aquilo era um material típico da sua adoração.Eu o havia interrompido ali, no chão, apanhado no amor do Deus Triúno.

E ninguém vai se impressionar se eu disser que nos meses de inverno quese seguiram eu me sentei, voluntariamente, em uma sala cheia de pessoas queeu não conhecia na igreja para ouvir o meu pai lecionar um curso deinvestigação do Novo Testamento. O meu desejo pessoal por Deus e por umaleitura menos individualista das Sagradas Escrituras cresciam juntos. E adevoção preciosa que Paulo tinha por Jesus sempre estava diante de mim.Quando fui tentada a me desviar, no período final do Ensino Médio, foiexatamente por causa do alto preço a pagar pelo evangelho na minha própriavida, com relação às minhas amizades. Meus pais, a certa altura, chamaram-me de volta para casa da forma mais paulina possível: fazendo-me lembrar deque os membros da nossa família pertenciam uns aos outros, queprecisávamos uns dos outros para atingirmos o objetivo para o qual fomoscriados, e que sem nos termos uns aos outros — modelando-nos epermanecendo juntos em confiança e amor incondicional — nãoconseguiríamos chegar a ser quem precisávamos ser.

Na época em que fui para a Universidade, Paulo, o grande amigo de meupai, já havia se tornado o meu amigo mais velho. Nas cartas de Paulo euouvia a voz de Jesus — e do meu pai — chamando-me para as magníficaspercepções do evangelho nos meus relacionamentos, e cresci emconformidade cada vez maior a Cristo, no nível individual e comunitário.Singularmente, eu e Robert ouvimos a voz de Jesus ressoando tanto por

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intermédio da voz de meu pai quanto pela voz de Paulo no nosso casamento,quando meu pai fez uso das palavras de Paulo para nos conclamar à vida emcomunhão e unidade com o Deus Triúno. Espero que a minha própria voztenha ecoado a deles quando, alguns meses mais tarde, logo depois de meformar na Universidade, liderei um grupo de mulheres com o dobro da minhaidade em um estudo da Carta de Paulo aos Filipenses. Essa experiência mecolocou num patamar completamente novo de confiança à medida que nóspassamos a lutar juntos na vida fazendo uso do poder transformador de Jesusque nos era oferecido pelo irmão Paulo: recebendo a sua oferta de vida noEspírito, para o louvor do nosso Pai que está no céu; reconhecendo que Paulonão somente estava familiarizado com o sofrimento e com as dificuldades,mas também considerava que isso fazia parte da realidade de estar unido comCristo; e vendo, junto com Paulo, que Cristo havia se unido a nós, e com asnossas dores, para pronunciar uma palavra final, gloriosa e diferente sobre anossa vida.

Tem sido uma alegria e privilégio, como adulta, continuar a caminhar aolado do meu pai, vasculhar a sua obra acadêmica e testemunhar o podertransformador dessa obra na vida e comunidade de cada um de nós, bemcomo na vida e comunidade de um número incontável de outras pessoas. Aobra do meu pai, no seu comentário ao livro de Coríntios, acabou inundandoas minhas leituras, orações e meditações, oferecendo novas percepções para aminha igreja na Califórnia, à medida que aprendemos mais a respeito da vidano Espírito. Recordo-me de conversas parecidas durante a composição docomentário ao livro de Filipenses, feito pelo meu pai, e da forma como issoacabava impactando a sua igreja e a sua comunidade no Regent College. Foiesse profundo reconhecimento da inter-relação entre a sua obra acadêmica e avida da igreja que levou meu pai e minha mãe a encararem o desafio amorosode transformar o livro God’s Empowering Presence [A PresençaFortalecedora de Deus] em outro chamado Paul, the Spirit, and the People ofGod [Paulo, o Espírito e o Povo de Deus] — uma versão mais compacta do

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mesmo conteúdo que seria mais acessível e utilizável para um público maisabrangente de irmãos e irmãs que precisavam profundamente da sabedoria dePaulo em sua vida, e na vida das suas igrejas.

E, à medida que eu avançava no meu curso de doutorado em TeologiaSistemática na década seguinte, retornei várias vezes a esses textos, bemcomo às reflexões de meu pai sobre os escritos de Paulo que eram feitos demodo simultâneo a igrejas reais em situações específicas. A TeologiaSistemática que eu lia nos meus estudos geralmente tentava organizar a fé emDeus numa estruturação coerente. Só que não encontramos Paulo “fazendoteologia” dessa forma nas suas cartas. Ele não faz a sua reflexãosistematicamente em cima da pessoa e obra de Cristo Jesus, ou na do EspíritoSanto, ou em cima da relação entre as pessoas triúnas, apesar de tudo issoestar pressuposto e emergir de formas mais pontuais, especialmente nas suasorações. Antes, suas cartas surgem a partir de relacionamentos específicosque ele mantinha com o novo povo de Deus. Ele fala às preocupaçõesespecíficas dessas igrejas à luz da sua identidade como filhos de Deus peloEspírito e o impacto do evangelho nos seus relacionamentos comunitários enos seus contextos culturais mais amplos, como pessoas que levavam umavida de acordo com o Reino futuro de Deus no presente. Quando comecei aensinar os graduandos e a mentorear os líderes estudantis, o livro Paul, theSpirit, and the People of God [Paulo, o Espírito e o Povo de Deus] me foiuma ajuda inestimável. A particularidade dos esforços de Paulo no ensino davida comunitária no Espírito às suas comunidades neotestamentárias ajudouos estudantes aos quais eu ensinava a perceberem a vida no Espírito nos seuscontextos específicos. Repetidas vezes, fui grato aos meus pais por teremassumido a tarefa de transformar a obra acadêmica do meu pai em materiaismais acessíveis à igreja. Por meio desse livro, as palavras de Paulo à IgrejaPrimitiva estavam ajudando a transformar vidas no século XXI pelo poder doEspírito Santo.

Uma transformação similar começou a abrir caminho por meu intermédio

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naquela tarde na Ilha de Galiano quando eu e meu pai revisávamos as folhasde prova do seu livro Cristologia Paulina. Nas cartas de Paulo, nós o vemosrefletindo, provocando, exultando, argumentando, criticando, incentivando,abençoando e chamando à frente a Igreja como novo povo de Deus, salvo dopecado e da morte e salvo para uma vida renovada como filhos humanosimortais de Deus que foram colocados como soberanos sobre uma novacriação. Paulo fez isso porque teve um encontro com o novo Adão do mundo,o primogênito entre os mortos, cuja vida eles compartilham como coerdeiroscom Cristo pelo Espírito da ressurreição que promove a adoção, e que levaráa cabo a sua vida humana gloriosa e eterna. Com Paulo, nós descobrimos apessoa de Jesus Cristo como a autorrevelação da vida triúna e dos propósitosde Deus. Esses propósitos, nas palavras de Paulo, tinham a intenção einiciaram a partir da criação até o seu clímax em Cristo e, agora, seguemadiante em direção ao seu início supremo e irrefreável, atrelados a Jesus até oseu advento final.

Apesar de haver muito material escrito a respeito da Soteriologia dePaulo, é comum que esses estudos deixem de lado a compreensão paulina e oamor pela pessoa de Jesus de Nazaré, o Filho de Deus. Paulo não fazdistinção entre a pessoa e a obra de Cristo. A Teologia Sistemática podetentar, só que fazer isso é deixar de explicar o fato de que a pessoa implica aobra e vice-versa. Tanto a pessoa como a obra de Cristo estão firmementearraigadas na história de Israel. O título que Jesus recebe de Kyrios (Senhor)surge a partir da linguagem que fala do Senhor no Antigo Testamento grego;Paulo apresenta Jesus como o Messias, ou o ungido, de Israel (o Cristo).Todavia, Paulo entende que, por meio do clímax da história de Israel emCristo Jesus, Deus revelou a história futura do cosmos como um todo.

Enquanto eu lia a Cristologia Paulina com meu pai naquela tarde,maravilhei-me de um modo diferente, mais especificamente, diante dahumanidade de Jesus. O que me impactou foi o modo informal com que ahumanidade de Jesus era entendida por Paulo e pelo meu pai como

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companheiro de Paulo. Às vezes, a nossa teologia deixa de lado ahumanidade de Cristo ao argumentar em favor da sua divindade de modo queesquecemos que Cristo, como o novo Adão ressurreto, não é uma metáfora,mas a realidade e a esperança fundamentais sobre a qual está fundamentada anossa vida humana presente e futura. Para Paulo, não havia nada demetafórico a esse respeito. Se Paulo raramente dá visibilidade a aspectos davida humana cotidiana de Jesus, é porque ele não tinha qualquer dúvida arespeito da humanidade da vida dEle. A humanidade autêntica de Jesus não osurpreendia, salvo o alinhamento impressionante que Jesus tinha com o Paiem obediência impoluta por meio do Espírito. “Por que Paulo não nos fazlembrar da vida humana de Jesus pelo Espírito com mais frequência?”,perguntei em voz alta, enquanto trabalhava ao lado de meu pai. “Por que elepensaria que deveria fazer isso?”, perguntou meu pai, com perplexidade. Oradicalismo da Cristologia de Paulo não está na sua ênfase na humanidade deJesus, mas na equivalência que ele promove entre Jesus e Deus: Deusencarnou no meio de nós, mas não para usar isso em proveito próprio (daí avida em submissão ao Espírito), foi crucificado e ressuscitou, e agora estáexaltado e exercendo o seu reinado, trazendo os filhos de Deus nascidos peloEspírito aos primeiros estágios da sua nova vida escatológica em conjunto.

Nos anos seguintes, esse novo entendimento da humanidade de Jesus,expresso nas páginas do livro Cristologia Paulina, tem permeado todo o meuentendimento cristão, bem como os meus escritos e preleções acadêmicas.Assim como eu me baseava no livro Paul, the Spirit, and the People of God[Paulo, o Espírito, e o Povo de Deus] nos meus primeiros anos de ensino ementoreamento de estudantes na vida no Espírito, passei também a me basearno conteúdo desse livro quando ensino e mentoreio estudantes a respeito dahumanidade ressurreta e assunta de Jesus, e das suas respectivas promessaspara a nossa própria humanidade renovada. A humanidade contínua eglorificada de Jesus é boa nova deveras magnífica para a igreja. Todavia, semuma versão mais sucinta e mais acessível do conteúdo de Cristologia

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Paulina, tudo permaneceria fora do alcance de muitos. Por muitos anosesperei que esse conteúdo se tornasse acessível para a igreja como um todo,da mesma forma como os meus pais desenvolveram o livro Paul, the Spirit,and the People of God [Paulo, o Espírito e o Povo de Deus] a partir domaterial contido em God’s Empowering Presence [A Presença Fortalecedorade Deus]. Estou feliz porque O Senhor Jesus segundo o Apóstolo Paulofinalmente cumpriu essa minha esperança.

Ao longo dos anos, uma das minhas maiores alegrias tem sido encontrar-me com outras pessoas que também foram transformadas, de maneirasemelhante, pelos escritos e ensinamentos do meu pai sobre Paulo. “O amordele por Jesus, pelo Pai e pelo Espírito transformou a minha vida.” “Fuiatraído para a vida triúna e para o amor de Deus por esse homem cuja vidatoda esteve comprometida e atrelada a isso.” “Eu não conhecia a vida noEspírito até ouvir o convite de Gordon Fee.” É muito comum eu ouvircompanheiros acadêmicos, irmãos e irmãs em Cristo na igreja, estudantes eseminaristas me falarem essas coisas — às vezes, a respeito de Paulo, outrasvezes, a respeito do meu pai. Meu pai tem passado muito tempo nacompanhia de Paulo — esse amigo dentre a grande nuvem de testemunhas,seu irmão, companheiro de alma, e coerdeiro da comunhão dos santos. EPaulo tem guiado o meu pai repetidas vezes ao seu Senhor comum e Irmãomais velho, em cuja imagem ambos estão sendo transformados. Aexperiência impressionante de Paulo ao ser liberto do legalismo por meio deum encontro com o Cristo divino, e o seu ministério em resposta a esserelacionamento e chamado continuam a atrair o meu pai — e por meio dele,eu e muitas outras pessoas — a um relacionamento mais profundo, e àmodelação segundo a imagem do nosso Irmão e Senhor já assunto aos céus.Se esta é a última obra do meu pai, haveria uma forma melhor de encerrar asua carreira?

Cherith Fee NordlingProfessora Adjunta de Teologia

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Northern Seminary, Lisle, Illinois (EUA)

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NSanto e da pessoa de Cristo. Como os meus interesses pessoais sempreestiveram no âmbito da Teologia Bíblica que fluía diretamente da análisecriteriosa dos dados, os dois livros que surgiram a partir desses interesses,God’s Empowering Presence [A Presença Fortalecedora de Deus] eCristologia Paulina, acabaram tendo um tamanho desanimador para o leitor.1

Há muito me preocupo com livros de Teologia Bíblica que proporcionem aoleitor somente os resultados finais da exegese que um autor faz dos textosbíblicos sem apresentar-lhe como o autor chegou àquelas conclusões. Essapreocupação se expressou em dois livros bastante longos (o que um revisordo New York Times certa vez descreveu como “livros grandes o suficientepara matar uma barata em um tapete felpudo”!). Porém, como a principalforça motivadora dos dois projetos era tornar os resultados mais acessíveispara qualquer leitor interessado das Sagradas Escrituras, decidi selecionar oconteúdo teológico dos dois livros e apresentá-lo em um formato maisacessível, o que resultou naquilo que os meus filhos normalmente chamam demeus “pequenos livros de Paulo”.

O primeiro “pequeno livro de Paulo”, publicado sob o título de Paul, theSpirit, and the People of God2 [Paulo, o Espírito e o Povo de Deus],apresenta a doutrina de Paulo acerca do Espírito Santo de forma maisacessível do que a obra mais extensa chamada God’s Empowering Presence[A Presença Fortalecedora de Deus]. De modo semelhante, este livroapresenta a síntese teológica da minha obra exegética sobre a Cristologia dePaulo de uma forma que pode ser mais acessível para um grupo maisabrangente de leitores do que a obra mais extensa, intitulada CristologiaPaulina.

O presente volume está dividido em quatro partes. A primeira partedescreve Cristo como Salvador ao apresentar uma visão geral do significadoda salvação em Cristo para o Apóstolo e, depois, examinando as implicaçõescristológicas da cosmovisão totalmente cristocêntrica de Paulo, em especialquando ela aparece na sua devoção a Cristo. Isso nos leva a um exame da

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compreensão paulina acerca de Cristo como pré-existente, já que de outromodo é praticamente impossível explicar tal devoção por parte de ummonoteísta fervoroso sem que a sua compreensão do Deus Único agoraincluísse o Filho de Deus na identidade divina.

Só que a pré-existência como Deus também significa que o Jesus daHistória deve ser compreendido em termos de uma encarnação; e umentendimento dessa magnitude da parte de Paulo deve ser levado muito asério: o Filho divino de Deus teve uma existência verdadeiramente humanano nosso planeta. A segunda parte, portanto, aborda a questão da humanidadede Cristo por meio do uso que Paulo faz de “Adão” na palavra crucial eikōn(“imagem”) a partir de Gênesis 1–2, apontando que a preocupação supremadessa analogia é a ênfase tanto na humanidade genuína de Cristo como nofato de Ele ser o portador e restaurador da imagem divina perdida na queda.

A terceira e a quarta parte tratarão das duas ênfases cristológicasfundamentais que surgem regularmente no corpus e que, apesar dequestionamentos, possuem as chaves que dão acesso à resposta paulina àpergunta: “Quem é Cristo?”. A resposta sugerida é que Cristo é, antes detudo, o Messias dos judeus e o Filho de Deus (terceira parte), e, em segundolugar, o “Senhor” agora exaltado de Salmos 110.1 (quarta parte), e que, paraPaulo, passou a ser identificado com o Kyrios (= Yahweh), que era a formacomo a Septuaginta transliterava o Nome Divino. Como esse uso exclusivode “Senhor” para Cristo tende a dominar a compreensão paulina de Cristo noseu atual reinado soberano, concluo não somente com uma recapitulação dasmuitas maneiras com as quais Paulo se refere a Cristo por meio depressuposições, atribuindo a Ele atividades que um judeu monoteísta somenteatribuiria a Deus, mas também considerando como Paulo entende orelacionamento do Filho com o Pai, já que ele jamais abandonou — naverdade, retém firmemente — o seu monoteísmo histórico. Por outro lado,existem vários textos conhecidos onde parece claro que Paulo entende Cristoem termos de sua divindade eterna; por outro lado, e, por tudo o que possa se

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argumentar, não existem duas divindades. Portanto, ao final, perguntasteológicas mais abrangentes acerca da Trindade precisam ser levantadas.

Algumas observações sobre o presente volume seguem esta ordem. Emprimeiro lugar, os leitores perceberão que as quatro partes nem de perto têm omesmo tamanho. Essa disparidade não é intencional, mas resulta da minhatentativa de apresentar cada aspecto da Cristologia de Paulo em separado. Ecomo alguns aspectos da Cristologia de Paulo simplesmente exigem maiscategorizações — cada um deles recebeu um tratamento específico numcapítulo separado — e isso resulta numa inevitável disparidade no conteúdo.

Em segundo lugar, os leitores familiarizados com a Cristologia Paulinaperceberão que a presente obra omite não somente a primeira grande porçãodaquele volume, que oferece a minha análise exegética detalhada de cadauma das cartas de Paulo, mas também os dois apêndices ali contidos,inclusive o importante apêndice que trata de “Cristo e a SabedoriaPersonificada”. Segundo argumento naquele apêndice, creio que a assimchamada “Cristologia sapiencial” foi um dos momentos mais malfadados dahistória do academicismo do Novo Testamento. Na minha opinião, aCristologia sapiencial não tem qualquer fundamento exegético sobre o qualpossa se manter de pé e, felizmente, ela parece estar desaparecendo dosestudos acadêmicos paulinos. No linguajar de Tennyson, essse pequenosistema teve os seus momentos de glória, mas agora não existe mais. ComoPaulo deixa claro no seu desmonte contundente da suposta sabedoria doscrentes em Corinto (1 Co 1.18–2.5), a única “sabedoria” que Paulo conhecia,ou com a qual se preocupava, era o que ele chamava intencionalmente de“loucura de Deus”, que dizia respeito à salvação por meio do oxímorosupremo de um “Messias crucificado”. Deus, Paulo insiste, escolheu sedesfazer de toda sabedoria humana por meio dessa “loucura divina” suprema.Somente o Deus eterno é tão “sábio” a ponto de demolir o orgulho humanode forma tão inimaginável. Como escreveu o autor de hinos cristãos EdwardMote há quase dois séculos, a nossa esperança está edificada sobre nada

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menos que o sangue e a justiça de Jesus. A nossa fé se baseia completamentena crucificação e ressurreição do encarnado, aquEle que escolheu adentrar ànossa existência humana empobrecida, viveu e morreu para que por meio doRessurreto nós pudéssemos alcançar a vida verdadeira na vida presente eeterna com o Redentor e os seus remidos.

Em terceiro lugar, como em todas as disciplinas acadêmicas, o mundoacadêmico do Novo Testamento tem os seus próprios termos técnicos quenem sempre são conhecidos pelos leitores fora da disciplina em questão. Porisso, inclui um glossário de termos técnicos para auxílio dos leitores nãoespecializados, na esperança de que isso, de certa forma, alivie o que, paraalguns, poderia facilmente se tornar uma leitura enfadonha.

Finalmente, salvo onde outra tradução for informada, todas as traduçõesda Bíblia para o português foram retiradas da versão Almeida Revista eCorrigida. Além de acrescentar itálicos em certos momentos para fins deênfase ou dar destaque a várias características do texto, há um ponto no qualeu altero essa tradução — a saber, ao inserir uma vírgula entre “Senhor” e“Jesus Cristo” para fazer a distinção entre o “título” e o “nome”, comoexplico na quarta parte. Para facilitar, escolhi apresentar o texto bíblico noinício de cada análise e sem o número dos versículos, que acabamprejudicando a boa leitura. Mesmo sabendo que a introdução da passagembíblica poderia prejudicar a leitura normal de algumas pessoas, pensei que seeu facilitasse o acesso do leitor ao texto bíblico, quando me referisse apassagens específicas, seria melhor do que forçá-lo a interromper a leiturapara consultar a Bíblia todas as vezes, naqueles pontos específicos. Todavia,continuo pensando que seria muito bom, para quem preferir — e só possodesejar que o façam —, o procedimento segundo os judeus de Bereia, que“[examinavam] cada dia nas Escrituras [para confirmar] se estas coisas eramassim” (cf. At 17.11). Neste caso, obviamente, esse exame ajudará adeterminar a verdade da interpretação de Paulo apresentada neste estudo!

Gordon D. Fee

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1 God’s Empowering Presence: The Holy Spirit in the Letters of Paul (Grand Rapids: Baker Academic,2011 [Peabody, MA: Hendrickson, 1994]) chegou a 992 páginas ao passo que Pauline Christology: AnExegetical-Theological Study (Grand Rapids: Baker Academic, 2007 [Peabody, MA: Hendrickson,2007]) chegou a 740 páginas.2 Grand Rapids: Baker Academic, 2011 (Peabody, MA: Hendrickson, 1996).

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Abreviações

Parte 1: O Salvador1. O Salvador Divino2. O Salvador Pré-Existente e Encarnado

Parte 2: O Segundo Adão3. Paulo e a Teologia da Nova Criação4. A Ênfase Paulina: Um Salvador verdadeiramente Humano e Divino

Parte 3: O Messias Judeu e Filho de Deus5. O Prenúncio de Jesus na História de Israel6. Jesus como o Filho de Davi7. Jesus como o Filho Eterno de Deus

Parte 4: O Messias dos Judeus e Senhor Exaltado8. O Uso que Paulo Faz do “Nome” do Senhor9. A Compreensão Paulina do Papel de Jesus como Senhor10. Jesus, o Senhor: Partícipe de outras Prerrogativas Divinas

Conclusão: Paulo como Prototrinitário

Glossário

Índice de Assuntos

Índice de Passagens Bíblicas

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ca. circa(por volta de)

i.e. id est (isto é)

d.C. depoisde Cristo

lit. literalmente

cf. confira(compare com)

trad. tradução (de)

cap(s). capítulo(s) v(v). versículo(s)

Versões BíblicasESV English Standard Version [Versão Padrão Inglesa]

NVI Nova Versão InternacionalKJV Versão “King James”NLT New Living Translation [Nova Tradução Viva]

LXX Septuaginta (Antigo Testamento em língua grega)

NRSV New Revised Standard Version [Nova Versão Padrão Revisada]

NAB New American Bible [Nova Bíblia Americana]

Antigo TestamentoGn Gênesis 1-2 Cr 1-2 CrônicasÊx Êxodo Ed EsdrasLv Levítico Ne NeemiasNm Números Et EsterDt Deuteronômio Jó JóJs Josué Sl SalmosJz Juízes Pv ProvérbiosRt Rute Ec Eclesiastes1-2 Sm 1-2 Samuel Ct Cantares1-2 Rs 1-2 Reis Is IsaíasJr Jeremias Jn JonasLm Lamentações Mq MiqueiasEz Ezequiel Na Naum

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Dn Daniel Hc HabacuqueOs Oseias Sf SofoniasJl Joel Ag AgeuAm Amós Zc ZacariasOb Obadias Ml Malaquias

Novo TestamentoMt Mateus 1-2 Ts 1-2 TessalonicensesMc Marcos 1-2 Tm 1-2 TimóteoLc Lucas Tt TitoJo João Fm FilemomAt Atos Hb HebreusRm Romanos Tg Tiago1-2 Co 1-2 Coríntios 1-2 Pe 1-2 PedroGl Gálatas 1-3 Jo 1-3 JoãoEf Efésios Jd JudasFp Filipenses Ap ApocalipseCl Colossenses

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da encarnação, inclusive na sua vida, crucificação, ressurreição e ascensão. Arazão para começar por aqui é que tudo o que Cristo conquistou pelarevelação e redenção (sua obra) está totalmente fundamentado em quem Elefoi e é (sua pessoa). A sua obra e a sua pessoa estão interligadas de talmaneira na concepção de Paulo que podemos começar a compreender a suapessoa iniciando pelo exame da sua obra. As partes 1 e 2, portanto,apresentam uma visão geral da compreensão que o Apóstolo tem da obrasalvífica de Cristo — o domínio doutrinário que os teólogos chamam deSoteriologia. Antes de passar para a obra de Cristo como criador de umanova humanidade na segunda parte, na Parte 1 nos concentraremos na suaobra como Salvador da humanidade ao examinar como Paulo enxerga Jesustanto como Salvador divino (cap. 1) quanto como o Salvador pré-existente eencarnado (cap. 2).

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Em primeiro lugar, Paulo utiliza uma gramática um tanto consistente arespeito da salvação, e que assume o seguinte formato trinitário: a salvaçãoestá fundamentada no amor de Deus-Pai, ela é efetuada por meio da morte eressurreição de Cristo, o Filho; e é tornada efetiva por meio do Espírito deDeus, que também é o Espírito do Filho. Assim, na primeiríssima passagemque fala disso, nas suas cartas preservadas, Paulo identifica os crentes deTessalônica da seguinte forma: “irmãos amados do Senhor [=Kyrios],3 porvos ter Deus elegido desde o princípio para a salvação, em santificação doEspírito” (2 Ts 2.13; aprox. em 49 d.C.). Essa forma tripla de falar sobre asalvação continua ao longo de todas as suas cartas, até o fim: “Deus, nossoSalvador [...] nos salvou pela lavagem da regeneração e da renovação doEspírito Santo, que abundantemente ele [Deus] derramou sobre nós por JesusCristo, nosso Salvador” (Tt 3.4-7; aprox. em 65 d.C.). Na verdade, essaforma trinitária de falar a respeito da salvação, que é resultado da experiênciade salvação dos primeiros crentes, é a base fundamental do Novo Testamentopara a futura articulação da Doutrina da Trindade. Ela foi formulada sob oImperador Constantino, durante o quarto século, quando ele conclamou umConcílio Eclesiástico para tratar da questão da linguagem a respeito daTrindade. Ali, foi redigido um documento que acabou se transformando emum dos credos da Igreja.4

Podemos notar, por exemplo, a introdução um tanto improvisada quePaulo faz na sua resposta aos crentes de Corinto a respeito dos dons doEspírito: “Ora, há diversidade de dons, mas o Espírito é o mesmo. E hádiversidade de ministérios, mas o Senhor [=Kyrios] é o mesmo. E hádiversidade de operações, mas é o mesmo Deus que opera tudo em todos” (1Co 12.4-6). Seja qual for a linguagem que utilizarmos para esse fenômenotrinitário divino, o qual acabou gerando a designação da Trindade, a justiça éfeita a Paulo somente quando reconhecemos que a salvação humana estáfundamentada e é realizada pelo Deus Uno: Pai, Filho, e Espírito Santo.

Em segundo lugar, a Soteriologia de Paulo emprega uma estruturatotalmente escatológica, o que significa dizer que a morte e a ressurreição de

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Cristo e o dom do Espírito marcam a passagem das eras. Na verdade, acosmovisão consistente dos vários e diversos autores dos documentos que setransformaram no nosso Novo Testamento era que, com a vinda de Cristo,Deus colocou em movimento a nova criação, na qual todas as coisas, por fim,serão renovadas na conclusão escatológica da presente era.

Em terceiro lugar, para Paulo, o propósito supremo da redenção humananão é simplesmente a salvação de indivíduos e sua inclusão no céu, por assimdizer — por mais que isso possa ser verdadeiro e desejável — mas,principalmente, a criação de um povo para o Nome de Deus, reconstituídopor uma Nova Aliança.5 Apesar de as pessoas da Nova Aliança serem salvasindividualmente, o propósito supremo dessa salvação é a formação de umpovo que, na sua vida em conjunto — como ocorreu com o Israel daantiguidade — reflita o caráter do Deus que os redimiu. Afinal, a narrativabíblica começa com os seres humanos sendo intencionalmente criados àimagem e semelhança de Deus. Para Paulo, a verdadeira eikōn, ou imagem,do Deus eterno nos foi apresentada em Cristo, na sua encarnação, e Cristo,por sua vez, está no processo de recriar um novo povo de Deus à sua imagempor meio da obra do Espírito.

Em quarto lugar, para Paulo, o meio de salvação é a morte de Jesus deNazaré na cruz e sua posterior ressurreição, a qual, por sua vez, foi seguidapela vinda do Espírito Santo para capacitar aqueles que vivem na presentecultura autoabsorta a viverem, em vez disso, de maneira cristã. Assim, pormeio do que acabou se transformando no acontecimento que verdadeiramenteabalaria o mundo, o Deus eterno escolheu redimir a humanidade decaída dasua escravidão presente a si mesma e ao pecado, de modo que a própria mortefosse, dessa forma, derrotada. Uma leitura atenta de Paulo revela que todos osseus interesses teológicos básicos são uma consequência da sua confissãofundamental, encontrada em uma das suas primeiras cartas, que foi escritamenos de duas décadas após os fatos em si mesmos: “que Cristo morreu pornossos pecados, segundo as Escrituras, e que foi sepultado, e que ressuscitou

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ao terceiro dia, segundo as Escrituras” (1 Co 15.3-4; cf. Rm 4.25). De ummodo que excede toda a mera imaginação humana, aprendemos que Jesus foientregue à morte como uma expiação pelos nossos pecados e foi ressuscitadoà vida para a nossa justificação, ou redenção.

Apesar do primeiro desses pressupostos básicos refletir o principal temadeste estudo, neste capítulo nós nos concentraremos nestes dois últimospontos: como Cristo pode ser, ao mesmo tempo, o propósito e o meio dasalvação. Uma atenção especial será dedicada a Cristo como o propósito dasalvação, já que essa ideia raramente é apresentada nos debates a respeito daSoteriologia de Paulo e porque o papel de Cristo nem sempre é tão óbvioaqui, como ocorre em outros pontos.

O Propósito da Salvação: A Nova Criação segundo aImagem Divina

O Povo de DeusUma das graves fraquezas da maior parte da Teologia Protestante

tradicional é a sua propensão a aceitar a doutrina da salvação (Soteriologia)que não leva em conta a doutrina da igreja (Eclesiologia). Ou seja, atendência é enfatizar a salvação de um modo individualista que perde de vistaa dimensão do “povo de Deus” na perspectiva paulina. Isso se deve, emgrande parte, a uma ênfase pressupositiva, especialmente em muitas teologiasprotestantes, na descontinuidade entre as duas alianças, com pouquíssimoapreço pela dimensão significativa da continuidade. Essa ênfasepressupositiva deixa de reconhecer que esse individualismo é, em grandemedida, o produto da civilização ocidental moderna e que ele praticamentenão existia, se é que de fato existia, no primeiro século.

Para sermos francos, o ponto de partida da descontinuidade reside naimportante realidade de que a entrada no povo de Deus da Nova Aliançaocorre de modo individual, um a um, por meio da fé em Cristo Jesus e da

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capacitação do Espírito. Tal como ocorre com todos os documentos do NovoTestamento, as cartas de Paulo, de modo mais específico, pressupõem queforam escritas para os crentes da primeira geração que agiam exatamentedessa forma. Também é importante notarmos que as igrejas para as quaisPaulo escrevia duas décadas depois da inauguração da era cristã eram, então,compostas majoritariamente de gentios, e não de judeus. Como os crentes dasegunda geração se tornaram membros da família de Deus é uma área deamplo debate e de divisão entre os cristãos das eras posteriores, em grandeparte porque estes primeiros crentes não poderiam ter imaginado que depoisdeles ainda se passariam vinte séculos. O debate e divisão subsequentesocorreram, em parte, porque Paulo, sem falar no restante do NovoTestamento, simplesmente não trata, de modo mais específico, da questão doscrentes da segunda geração. Todavia, aderir à realidade da “salvaçãoindividual” e rejeitar a dimensão igualmente importante do “povo de Deus”na obra salvífica de Cristo é, seguramente, distanciar-se em muito do quetransmitiu o Apóstolo.

Nesta questão, Paulo é o produto de duas realidades: a sua históriapessoal na comunidade judaica e o seu chamado divino para ser um apóstoloaos gentios (Rm 1.5; cf. At 9.15). Juntas, essas duas realidades o levaram apressupor que o propósito da obra salvífica de Deus em Cristo é criar umpovo do fim dos tempos para o nome de Deus a partir de judeus e gentios, emconjunto. A paixão de Paulo por esse povo encontra expressão especialmentenas suas Cartas aos crentes da Galácia e Roma. Esta também é umapreocupação motivadora fundamental em Efésios, onde a ênfase recai maisclaramente na igreja como uma comunidade de crentes, e não na salvação doscrentes de modo individual. Na verdade, em Efésios, a questão não é, deforma alguma, a justificação pela fé. A ênfase ali é, de forma um tantosingular, na combinação de judeus e gentios sendo recriados de modo aformarem um único povo de Deus, fundamentado na crucificação eressurreição de Cristo e percebido pela fé e pela habitação do Espírito.

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De modo semelhante, toda a argumentação da Carta de Paulo aos crentesde Roma culmina ao final (Rm 15.5-13) com a sua afirmação acerca dosignificado da vinda de Deus em Cristo: “para que concordes, a uma boca[judeus e gentios conjuntamente], glorifiqueis ao Deus e Pai de nosso SenhorJesus Cristo” (v. 6). Isso, por sua vez, é seguido de uma série de quatropassagens do Antigo Testamento (vv. 9-12) cuja ênfase recai completamentena inclusão dos gentios!

A Carta de Paulo aos crentes da Galácia, de modo semelhante, concluicom uma repetição de seu aforismo: “Nem circuncisão, nem incircuncisãosignificam alguma coisa”. É fácil para nós, vinte séculos mais tarde, entenderisso como algo normal, mas essa jamais teria sido a compreensão de umhomem judeu do século I , para quem a circuncisão era tida em altíssimaconta. Todavia, o que conta, prossegue o apóstolo, é “a nova criação” — quepara ele significava a união de judeus e gentios, que são descritoscoletivamente como “o Israel de Deus”. Esse aforismo surgiu inicialmente naprimeira das cartas paulinas preservadas, escrita aos crentes de Corinto,6 ondeele é seguido pela linha: “[O que conta é] a observância dos mandamentos deDeus” (1 Co 7.19)! Mal podemos imaginar como essas palavras cairiam nosouvidos de um companheiro de fé judeu na comunidade de crentes deCorinto. É difícil vivermos em uma cultura tão diferente, e numa época tãodistante no tempo; talvez não possamos nem chegar perto de sentir oucompreender o impacto que uma declaração assim tão chocante teriaprovocado aos seus primeiros destinatários.

Ao mesmo tempo, uma pessoa que se converte vinte séculos depoistambém precisa ouvir o que o contexto do próprio Paulo deixa muito claro —que a salvação baseada na fé em Cristo Jesus pressupõe também que seespera que o crente viva de tal forma que reflita o caráter de Cristo Jesus,assim como o nosso próprio Senhor viveu durante a sua vida terrena, demodo a exemplificar o caráter do próprio Deus. Para utilizar uma linguagemmais contemporânea, o propósito pleno da vinda de Cristo, e da nossa própria

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salvação, é a recriação de um povo de Deus que — remido pelo SalvadorCristo e capacitado pelo Espírito Santo — leve uma vida segundo o propósitooriginal de Deus. É a recriação de um povo que, de forma pessoal ecomunitária, seja o portador da imagem e semelhança divina na sua vidacotidiana e, especialmente, no seu relacionamento com as outras pessoas.

O próprio chamado de Paulo é expresso de acordo com esta preocupação:“Mas, quando aprouve a Deus, que [...] me chamou pela sua graça, revelarseu Filho em mim, para que o pregasse entre os gentios” (Gl 1.15-16; cf. Rm15.15-19). Infelizmente, apesar do que Paulo afirma tão claramente, essafrase normalmente é mal compreendida, passando a significar a revelação deDeus a Paulo, e não a revelação de Deus em Paulo e por intermédio da vida edo chamado de Paulo como um exemplo da graça de Deus nesse respeito.Quando essa preposição-chave (en no grego) é produzida de forma imprecisacomo “para” (o que ocorre em várias traduções populares nas línguasocidentais) essa tradução desconsidera em muito a compreensão paulina aofazer essa afirmação. O seu ponto claro é que ele, um inimigo de Cristo, nãoera simplesmente um destinatário daquela revelação, mas sim um exemplosupremo da magnífica graça de Deus. Dessa forma, Paulo expressa oentendimento que ele tinha de si mesmo ao ecoar a linguagem de Isaías, quetinha vislumbrado a inclusão dos gentios no povo de Deus dos “últimos dias”.Essa visão de inclusão, que se mostra logo no início de Isaías (2.2-5),encontra expressão várias vezes a partir dali (11.10; 42.6; 49.6).

Como Isaías 46.6 e 49.6 aparecem nos chamados Cânticos do Servo, nãoé surpreendente que Paulo entenda uma passagem no início do últimoCântico do Servo (54.1) como tendo sido cumprida pela inclusão dos gentios(Gl 4.27), uma inclusão encontrada várias vezes em outras passagens datradição profética (Mq 4.1-2; Sf 3.9; Zc 8.20-22; 14.16-19). Essa visãoprofética, por sua vez, faz com que retornemos à aliança original de Deuscom Abraão: “E far-te-ei uma grande nação [...] e em ti serão benditas todasas famílias da terra” (Gn 12.2-3). O fracasso de Israel nesse respeito é

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retomado como parte do fim dos tempos por alguns dos profetas — umatradição à qual Paulo parece estar totalmente vinculado.

A versão de Lucas desse chamado é apresentada no seu relato do discursofinal de Paulo em Atos: “[...] livrando-te deste povo e dos gentios, a quemagora te envio, para lhes abrires os olhos e das trevas os converteres à luz edo poder de Satanás a Deus, a fim de que recebam a remissão dos pecados esorte entre os santificados pela fé em mim” (At 26.17,18). Apesar de alinguagem ser de Lucas, o seu conteúdo pertence totalmente ao apóstolo e,portanto, era fundamental para o entendimento que os cristãos primitivostinham do seu próprio papel na nova realidade magnífica que Deus lhesestava apresentando. Seria preciso que um homem como Paulo reconhecesseque, pelo Espírito, o próprio Deus agora havia transposto o abismo entre osjudeus e os gentios!

A linguagem utilizada por Paulo para descrever o povo de Deus, queagora inclui (em especial) também os gentios, é simplesmente uma extensãoda linguagem da Antiga Aliança. O termo mais comum que Paulo utiliza éhagioi, os “santos”. Essa linguagem foi tomada diretamente de empréstimodo livro de Daniel (7.18,22), o que é, por si só, um eco de um momentofundamental da história do próprio povo de Israel: “porque toda a terra éminha. E vós me sereis reino sacerdotal e povo santo” (Êx 19.5,6, hagios naSeptuaginta).

Para aqueles que leem uma Bíblia de versão mais atualizada, entretanto,essa tradução passou a significar algo consideravelmente diferente do queeram as suas origens. A palavra “santo” se tornou um termo utilizado quaseque exclusivamente para aqueles que são estimados como especialmente“santos”. Como resultado, acostumamo-nos a ouvir sobre “São Paulo” ou“São João”, mas ninguém, em circunstância alguma, ousaria se referir aoautor deste livro como “São Gordon”! Em contraste, para Paulo esta era umalinguagem padrão para designar todo o povo de Cristo, e não somente umpequeno grupo seleto.

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O crucial nesse uso que Paulo fazia era a promessa de que “os santos” aofinal abarcariam “que todos os povos, nações e línguas” (Dn 7.14).Infelizmente, como vimos acima, essa forma de se referir às “congregaçõesdo povo do Senhor” (1 Co 14.33), que incluía todos os crentes de umadeterminada localidade, passou a se referir a um grupo exclusivo de crentesque são considerados como particularmente notáveis, tanto pela suasantidade, como pelo seu serviço em favor de Cristo. Todavia, o uso bíblicoprecisa prevalecer. Somente se todos aqueles que pertencem a Cristo viveremde acordo com o seu próprio Senhor, o mundo ouvirá ao evangelho.

O mesmo senso de continuidade entre o Antigo e o Novo Testamentos,entre o povo anterior e o atual povo de Deus, é encontrado no uso que Paulofaz do substantivo grego ekklēsia (lit. “assembleia”, porém traduzido maisfrequentemente como “igreja” nas versões bíblicas). Essa palavra tambémtinha a vantagem de ser bem conhecida no mundo grego como referência aqualquer ajuntamento de pessoas para um propósito comum. No uso dePaulo, entretanto, a palavra era, antes de tudo, determinada pela sua apariçãona tradução grega do Antigo Testamento (LXX) como uma forma de se vertera palavra hebraica qahal. Essa palavra era utilizada consistentemente para sereferir à congregação de Israel e tinha relação com a “reunião” do povo deDeus. Ela era utilizada com frequência, por exemplo, para se referir aoajuntamento do povo de Deus diante do Monte Sinai.

Desse modo, para Paulo, havia uma feliz coincidência entre qahal eekklēsia que lhe servia como uma forma útil de fazer o vínculo entre duasalianças. É por isso que a atual tradução desse termo nas línguas ocidentaiscomo “igreja” é tão infeliz, já que para a grande maioria das pessoas que temo português, ou o inglês, como primeira língua, a palavra “igreja” geralmentedescreve uma construção — um significado que não existia, de formaalguma, na época de Paulo — e não uma comunidade de crentes — reunidospara adoração e comunhão. Na verdade, a expressão “ir à igreja” é uma dasimitações quase burlescas do Protestantismo contemporâneo, já que

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utilizamos a mesma linguagem para nos referirmos ao “ir à” escola, “ir a” umevento esportivo, ou mesmo “ir para” uma caminhada no parque. Todavia, alinguagem de Paulo era no sentido de nos incentivar a “nos reunirmos” comoigreja, de modo a adorar a Deus e a Cristo, bem como a estarmos emcomunhão com outros.

Uma continuidade similar entre o velho e o novo pode ser vista no usoque Paulo faz dos termos “eleição” e “nova aliança”, que ocorrem váriasvezes nas suas várias cartas. O termo “eleição” aparece tanto nas suasprimeiras (1 Ts 1.4; 2 Ts 2.12) como nas suas últimas cartas (Cl 3.12; Ef1.4,11) e é sempre uma referência aos crentes, seja no sentido local, seja nouniversal, em que a ênfase é simplesmente que Deus nos chamou para sermosparte da família de crentes. De modo semelhante, o termo “nova aliança”ocorre tanto nas primeiras (1 Co 11.25; 2 Co 3.6-17) como nas últimas (Gl4.24; Rm 2.29), e, em cada caso, ecoa um momento crucial deDeuteronômio: “E o Senhor [= Yahweh], teu Deus, circuncidará o teucoração e o coração de tua semente, para amares ao Senhor, teu Deus, comtodo o coração e com toda a tua alma, para que vivas” (30.6)

Igualmente revelador é o uso que Paulo faz das figuras do templo para opovo de Deus de determinada localidade (1 Co 3.16,17; 2 Co 6.16; Ef 2.20).Essas figuras se valem da “presença de Deus”, que era um temaespecialmente importante no Antigo Testamento, que em Gálatas 3.28 éexplicitamente aplicada à realidade da união entre judeus e gentios comoidentificação de um novo povo de Deus formado através das três maioreslinhas de divisão: gênero (macho/fêmea), etnicidade (judeu/gentio) e posiçãosocial (escravo/homem livre). Para sermos francos, Paulo não chegou a atacaressas divisões na posição social; para ele, naquele momento da história, issoera simplesmente um fato. O tempo todo, a sua paixão singular era por umacomunidade de crentes — cada qual sendo uma combinação de três sinais deidentidade — para que a sua vida em conjunto revelasse o caráter e o amor deDeus pelo mundo.

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A preocupação do Apóstolo com relação ao povo de Deus também éencontrada de outras formas ao longo das suas cartas. Por exemplo, é mais doque um interesse passageiro o fato de a maioria das suas cartas a igrejasserem endereçadas a congregações como um todo, e não a um líder, oulíderes. Na verdade, mesmo quando os líderes são incluídos na saudação(como em Fp 1.1), isso ocorre na forma de um adendo: “junto com os bispose diáconos”. De modo semelhante, quando um problema na igreja é oresultado direto dos desvios de um único indivíduo, Paulo jamais se dirigediretamente ao transgressor, e raramente o identifica por nome. Antes, elechama a atenção da igreja toda, e não somente dos líderes, para que tratem daquestão como um problema comunitário. Isso é especialmente verdadequando foi preciso lidar com os casos de incesto e ações judiciais nacomunidade de crentes em Corinto (1 Co 5.1-13; 6.1-12). O que estava emquestão, em cada um desses casos era, fundamentalmente, a comunidadecomo o novo povo de Deus formado em Corinto.

A respeito do caso de incesto, Paulo escreve: “[...] juntos vós e o meuespírito, pelo poder de nosso Senhor Jesus Cristo, seja entregue a Satanáspara destruição da carne” (1 Co 5.4,5); “Alimpai-vos, pois, do fermentovelho, para que sejais uma nova massa, assim como estais sem fermento” (v.7); e finalmente: “Tirai, pois, dentre vós a esse iníquo” (v. 13, fazendo uso dalinguagem de Deuteronômio). Esse senso de responsabilidade socialcomunitária, que normalmente não existe mais nos tempos modernos, está nocoração da compreensão paulina do real significado de sermos povo de Deus.Especialmente digno de nota é que essa deveria ser uma comunidade de ação,e não de um grupo seleto de pessoas na liderança.

O mesmo volta a ser verdade no próximo problema a ser abordado, asaber: a falha da comunidade de crentes em assumir a responsabilidadecomunitária quando um dos seus membros levava outro irmão para ostribunais “diante dos ímpios” (1 Co 6.1-6). Esse tipo de ação não ocorria emum tribunal fechado, mas sim na Ágora de Corinto, a “praça central” da

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cidade e, portanto, na presença da cidade toda, por assim dizer. Paulo ficaatônito e revoltado ao saber que havia quem sentisse que, para obter justiça,deveria recorrer aos tribunais romanos, por melhores que eles pudessem ser(e como normalmente eram, em geral). Ele exorta: “Não há, pois, entre vóssábios, nem mesmo um, que possa julgar entre seus irmãos?” (v. 5) entreaqueles que, como seguidores do Senhor crucificado e ressurreto, deveriamter uma visão diferente do mundo e da justiça?

Nesse caso, Paulo, finalmente, fala dos dois litigantes (nos vv. 7,8 e 9,10,respectivamente), só que a sua ênfase principal está no que essa ação judicialrepresentou para a comunidade como um todo, em termos de falha grave.Para sermos francos, os transgressores individuais deveriam ser confrontados,mas somente quando a comunidade se encontrasse para adoração — ou seja,no lugar onde o Espírito do Deus Vivo tivesse escolhido para habitar na terra.No fim, a vergonha sobrevinha tanto ao ofensor, em primeira instância, comotambém àquele que, quando foi ofendido, preferiu levar as suas queixas parafora da comunidade de fé. Só que, para Paulo a vergonha repousava,especialmente, sobre a comunidade como um todo, entre os quais o Espíritodo Deus vivo havia escolhido habitar, mas cujas ações, de formas tãodiferentes, haviam se transformado exatamente no contrário da semelhançacom Cristo. Na verdade, os atos da comunidade normalmente seguiam umpadrão do que Paulo costumava chamar de “mundo” (1 Co 1.20,21,27; 3.19;6.2; 2 Co 10.2-4).

Em suma, para Paulo, a “salvação em Cristo” tem a criação de um povopara o nome de Deus como seu objetivo, e essa preocupação deve ser vista,de modo especial, como sendo uma continuação do povo de Deus que foiconstituído pela Aliança anterior. O Deus eterno veio a este mundo como umde nós, como a única e final forma efetiva de recriar um povo para o nome deDeus. Nas cartas de Paulo, esse novo povo formado deve ser o portador docaráter e da semelhança de Deus, tanto na vida pessoal, mas, de maneiraespecial, na sua vida comum em comunidade no meio de um mundo decaído

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e corrompido. A nossa vida como seguidores de Jesus seria muito mais fiel erobusta se nós compreendêssemos e apreciássemos a paixão que o apóstolotinha nesses temas e nas suas implicações para o nosso contexto pessoal.Infelizmente, compreensões errôneas bastante sérias acerca dos interesses dePaulo têm levado muitos a se tornarem imunes à radicalidade das suaspaixões, tanto para as suas próprias igrejas como para a igreja contemporâneacomo um todo. Que possamos caminhar mais de acordo com o Espírito,compartilhando das paixões e preocupações de Paulo, para nosconformarmos cada vez mais ao nosso Senhor Jesus Cristo como povo deDeus.

Uma Nova CriaçãoOutra faceta da Soteriologia de Paulo pode ser vista no uso que ele faz da

terminologia da “nova criação” para falar do resultado do evento salvífico emCristo. Paulo expressa essa ideia não somente em termos de “nova criação”explicitamente, mas também com o seu uso da linguagem acerca da “imagemde Deus” e do “segundo Adão” com referência a Cristo. Esse aspecto daSoteriologia paulina — especialmente na sua relação com a Cristologia — étão importante que dedico todo o capítulo 3 para apresentá-lo. Todavia, fareiaqui algumas observações preliminares a respeito dessa linguagem, já que elapertence, de forma bem específica, à Soteriologia paulina.

De acordo com a Teologia da Nova Criação de Paulo, a morte e aressurreição de Cristo desencadearam uma perspectiva radical de uma novaordem — a vida da ressurreição marcada pela cruz, como Paulo explica napassagem-chave da “nova criação” na sua Segunda Carta aos crentes deCorinto (2 Co 5.14-21). Essa nova perspectiva está no coração de tudo o quePaulo pensa e faz (cf. Fp 3.4-14), o que, por sua vez, leva à uma série depassagens nas quais Paulo retoma o uso das figuras acerca do “segundoêxodo” de Isaías 40–66. O Deus eterno, proclama o profeta, está prestes afazer “uma coisa nova” (Is 43.18-19) e, no fim, estabelecerá “novos céu e

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uma nova terra” (Is 65.17; 66.22-23).Nas cartas de Paulo, esse tema é aplicado aos crentes que, por meio de

uma associação com a morte e ressurreição de Cristo, experimentam umaforma de morte e ressurreição para a novidade de vida. Esse tema é expressoem diversas passagens, do início ao fim dos escritos paulinos (Rm 6.1-14;7.4-6; Cl 3.1-11; Ef 4.20-24). O que é comum a essas apresentações — sejade modo explícito (Rm 6.1-14), ou implícito (por exemplo, compare Cl 2.9-12 com 3.1-11) — é uma associação com o batismo cristão, o pontofundamental de entrada na comunidade dos crentes, em que o “sepultamento”nas águas simboliza a morte para a velha vida e o ressurgimento para umanova vida no mundo pelo poder do Espírito.7

A esse respeito, a passagem de Colossenses é especialmente notável, jáque ela conclui: “Onde não há grego nem judeu, circuncisão nemincircuncisão, bárbaro, cita, servo ou livre; mas Cristo é tudo em todos” (Cl3.11, cf. Gl 3.28). Na nova ordem, já desencadeada por meio da morte eressurreição de Cristo, as distinções entre as pessoas baseadas em valores —etnia, posição social, gênero — perdem o sentido; todos juntos passam a serirmãos e irmãs na mesma família de Deus. É uma tragédia que aqueles que seconsideram filhos do mesmo Pai celestial e, portanto, seguidores docrucificado, raramente parecem ter aderido às paixões do apóstolo nesseponto.

Além dessa linguagem que faz referência explícita à nova criação, o usoque Paulo faz da linguagem alusiva à “imagem de Deus” ecoa o anúnciodivino fundamental a respeito da humanidade que aparece logo no início danarrativa bíblica (Gn 1.26,27). E como os “portadores da imagem de Deus”devem ser divinamente indicados como os vice-regentes que têm aresponsabilidade sobre a criação, temos motivos para crer que por trás desseuso está uma característica comum da suserania no Oriente Médio antigo.Uma forma de um suserano, ou soberano, fazer lembrar os povos sujeitadosda sua soberania sobre eles era colocando “imagens” dele mesmo ao longo do

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território, as quais serviriam como lembretes visuais de quem era o soberano.Assim, Deus expressava a sua própria soberania sobre a criação ao colocá-ladebaixo daqueles que portavam a imagem divina, homem e mulher juntos,criados de modo a demonstrar a imagem divina nos seus própriosrelacionamentos uns com os outros. O que foi distorcido na queda foi aimagem de Deus na humanidade; e, exatamente neste ponto, segundo aTeologia de Paulo, que Cristo entra na história como aquele que está gerandoa nova criação e restaurando essa imagem.

O nosso Salvador é, portanto, o segundo Adão, aquele que, acima detudo, na sua humanidade é o perfeito portador da imagem do Deus eterno (2Co 4.4; Cl 1.15). Ao mesmo tempo, Ele é aquele que restaura essa imagem apartir de uma humanidade decaída, ou seja, naqueles que creem e, por isso,“andam pelo Espírito” (Gl 5.16). O Espírito, por sua vez, fortalece aquelesque nascem de novo para viver e se comportar de modo que reflitam a divinaimagem.

Ao salvar um povo para o nome de Deus, Cristo é descrito como o tonprōtokon, “o primogênito entre muitos irmãos e irmãs”, que foram, elesmesmos, predestinados a serem conformados “à imagem do Filho [de Deus]”(Rm 8.29; cf. Cl 2.10-11). Na verdade, Paulo escreve em outra passagem, écomo se o povo de Deus, pelo Espírito, estivesse olhando para um espelho eenxergando não a sua própria imagem, mas a imagem de Cristo e, assim,sendo transformado naquela mesma imagem, de glória em glória, o quesignifica tanto da glória presente para a glória final como de uma medida deglória para outra (2 Co 3.17-18). Dessa forma, pelo Espírito, Cristo efetua anova criação ao restaurar a humanidade de volta à imagem divina.

Esse propósito divino de (re)criar um povo que seja o portador daimagem de Deus — tanto de forma individual como comunitária — éexatamente o motivo pelo qual Paulo instrui os crentes para que, em vez de secolocarem debaixo da lei, eles deveriam “andar pelo [ou em] Espírito” (Gl5.16) e, portanto, o motivo pelo qual grande parte das demais cartas de Paulo

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tratarem de questões éticas ou comportamentais. Como Gálatas 5 e Romanos12–14 deixam claríssimo, a salvação em Cristo envolve um comportamentoda parte dos remidos que reflita o caráter do próprio Deus; de outra sorte,para Paulo, não haveria como se imaginar que a salvação pudesse terocorrido. Na verdade, esse é o sentido genuinamente bíblico deste velhoadágio: “tal Pai, tal filho”.

A triste falta dessa dimensão comportamental da Soteriologia paulina —compreensivelmente desprezada por causa do papel das “obras” em algumasteologias — tem sido uma falha teológica do Protestantismo histórico. Ouseja, o medo das “obras” que levassem à salvação, às vezes, fez com que sefizesse uma separação entre salvação e ética. Isso desconsidera a ênfase dePaulo no comportamento como uma questão de ser conformado à imagem deCristo pelo Espírito, onde somos salvos do pecado para uma vida da novacriação. Isso não significa supervalorizar as “obras”, mas simplesmente notarque todos somos chamados à conformidade com a própria imagem de Deus.Dessa forma, o anseio de Paulo para os gálatas era que “Cristo [fosse]formado neles” (cf. 4.19), o que, em Romanos, assume a forma de umaadmoestação para que eles “[se revestissem] do Senhor Jesus Cristo” (cf.13.14). Para Paulo, a semelhança com Cristo, ou a restauração à imagemdivina, era o principal objetivo presente da “obra salvífica” de Cristo emnosso favor — sendo ela mesma a restauração final do que foi perdido noÉden.

Na Teologia do apóstolo, portanto, a obra salvífica de Cristo é tanto a(re)criação de um povo para o nome de Deus como a formação desse povopara ser parte de uma nova criação. Crucial para esse entendimento dasalvação em Cristo é que o novo povo formado de Deus — tanto no nívelindividual como no coletivo — deveria amar e servir como portador daimagem de Deus neste mundo. E provavelmente também é por essa razão queas energias de Paulo parecem ser empregadas com frequência (e às vezes deforma exaustiva) para exortar e incentivar suas congregações a vivenciarem

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esse chamado como povo de Deus onde quer que estivessem.Pressuposto em todo o discurso soteriológico do apóstolo, como veremos

no capítulo 2, está tanto a pré-existência como a encarnação do Filho, cujaexistência não teve início quando Ele “nasceu de uma mulher” (Gl 4.4).Antes, Ele foi e é eternamente o Filho, a quem o Pai enviou ao nosso mundo,tanto para portar a imagem divina como para restaurar essa imagem no povode Deus à medida que este se relacionava entre si, com outros povos e com orestante da criação. Na verdade, é exatamente aqui que ocorre umaintersecção entre Cristologia e Soteriologia no pensamento de Paulo.

O Lugar da Devoção a Cristo na Teologia PaulinaEssa interseção de quem Cristo é com o que Cristo fez (Cristologia e

Soteriologia) ajuda a explicar uma das realidades mais conhecidas, mas sobrea qual pouco se reflete, no corpus paulino: o fato de esse monoteísta rigorosohaver se tornado um seguidor e adorador tão dedicado de Cristo, o Filho. EmPaulo, essa devoção a Cristo assume duas formas: (1) a devoção pessoal aopróprio Cristo e (2) a devoção comunitária expressa por meio da adoração aCristo como o Senhor. Essas duas formas de devoção estão repletas depressupostos cristológicos.

Cristo como o Objeto da nossa Devoção PessoalTendo crescido em um lar devoto da Diáspora dos judeus, Paulo teria

sabido de cor o principal mandamento de Israel: “Amarás o Senhor [=Yahweh] teu Deus de todo o teu coração”. Portanto, é interessante que essetipo de linguagem ocorra somente três vezes nas cartas de Paulo: Paulo faladuas vezes “daqueles que amam” a Deus (1 Co 2.9; Rm 8.28), e, na suabênção que encerra a Carta aos Efésios, ele estende a graça a “todos os queamam a nosso Senhor Jesus Cristo” (Ef 6.24). Apesar da escassez dessalinguagem precisa, o tipo de devoção a Deus-Pai que é abraçado nessemandamento fundamental geralmente é oferecido a Cristo, o Filho, nas cartas

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de Paulo. Isso se expressa de diversas formas nas suas cartas, em especialquando ele escreve fervorosamente a respeito do futuro escatológico, tantoseu quanto dos seus irmãos crentes.

Parece que depois do encontro do apóstolo com o Senhor ressurreto, a suaforma de enxergar o mundo se tornou centrada em Cristo, como ficademonstrado na terminologia que ele utiliza nas suas cartas. Nas dez cartasdo corpus eclesiástico, Deus é mencionado consideravelmente mais vezes doque Cristo em Romanos, e apenas um pouco mais em 2 Tessalonicenses e 2Coríntios; no geral, Cristo é mencionado sessenta e três vezes a mais do queDeus (599/536), e isso parece ser proposital. Talvez o mais marcante comrelação a esse fenômeno seja a forma como o Apóstolo possa intercalar deforma tão natural os substantivos Theos (Deus) e Christos (Cristo) dediversas formas quando falava dos atos divinos.

Essa devoção a Cristo é uma característica um tanto marcante à luz dagramática consistente acerca da salvação expressa, em outras partes, porPaulo, notadamente, em uma das suas primeiras cartas (1 Co 8.6). Ali, Pauloremodelou a Shemá judaica de forma a incluir também a Cristo, de modo queo “Deus Único” (a fonte e o propósito de todas as coisas) seja o Pai, e o“Senhor único” (Yahweh, que é o agente divino de todas as coisas) sejaCristo Jesus. E, de modo significativo, na cosmovisão de Paulo, tanto a fontee propósito de todas as coisas como o agente divino de todas as coisas devemser adorados como uma Unidade.

E na forma radicalmente diferente de enxergar o mundo que Paulorecebeu depois do seu encontro com o Senhor ressurreto, portanto, quase tudoé feito em relação a Cristo. As comunidades de crentes existem “em Cristo”,e tudo que os crentes devem fazer é “para Cristo”, “por Cristo”, “por meio deCristo” e “em favor de Cristo”. Só que essas expressões mais generalizadasda vida totalmente dedicada a Cristo também encontram uma expressão maisexplícita. Tomemos, por exemplo, o argumento de Paulo diante dos coríntiosacerca das vantagens da vida solteira. Essas pessoas acabam “cuidando das

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coisas do Senhor — em como elas podem agradar ao Senhor”, e o objetivodelas deve ser levar uma vida “santa, tanto no corpo como no espírito” (cf. 1Co 7.32,34). Na verdade, ser solteiro nos permite uma das melhores de todasas opções: “viver para o que é decente e conveniente, para se unir ao Senhor,sem distração alguma” (cf. v. 35). Não é difícil ouvir Paulo falandopessoalmente aqui, muito embora isso esteja sendo apresentado por ele comouma opção viável para os solteiros de Corinto. No nosso fascínio com aquestão do casamento e da vida solteira, a ênfase cristológica desseargumento não deve ser menosprezada, pois, no centro de toda essa instruçãoe admoestação está “o Senhor” (= Cristo Jesus).

De modo semelhante, apesar do precedente veterotestamentário quecoloca ênfase no “conhecimento que Israel tem de Deus”, esse tipo delinguagem aparece nas cartas de Paulo somente com relação a Cristo. Isso éespecialmente verdadeiro em Filipenses, onde o tipo de “anseio” que Paulotinha em relação àqueles amigos é descrito como “vindo das entranhas [=afeto] de Cristo Jesus” (1.8). Quando ele continua a contar a sua própriahistória como modelo de uma vida segundo a cruz (3.4-14), ecoa ummomento especial de Yahweh mencionado pelo profeta Isaías: “Mas o que segloriar glorie-se nisto: em me conhecer e saber que eu sou o Senhor” (Jr9.24) Paulo afirma que o Senhor em quem ele se gloria é Cristo Jesus. Naverdade, ele prossegue dizendo: “E, na verdade, tenho também por perdatodas as coisas, pela excelência do conhecimento de Cristo Jesus, meuSenhor” (Fp 3.8) Aqui, a identificação do “Senhor”, que em Jeremias serefere a Yahweh, é transferida completamente para Cristo. O significadocristológico disso dificilmente poderia ser questionado, já que essas palavrasforam escritas por uma pessoa cuja herança religiosa incluía o Saltério, ondeesse tipo de devoção é dedicada exclusivamente a Yahweh. Em Paulo, essadevoção a Deus é expressa fundamentalmente a Cristo, no sentido em que elaaparece dessa maneira nas suas cartas com mais frequência do que de outras.Como tais passagens indicam, Paulo age e fala de modo trinitário muito antes

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de essa linguagem ter se tornado parte do vocabulário dos crentes.É à luz dessa “devoção a Cristo” que compreenderemos melhor o desejo

pessoal que Paulo tinha pela chegada do futuro escatológico designado porDeus. Nas cartas de Paulo, esse desejo encontra expressão exclusivamenteem termos de “estar com Cristo”, e nunca de estar expressamente “comDeus”, embora possamos considerar que esse entendimento era inerente aoseu anseio por Cristo. Esse fenômeno já começa nas suas primeiras cartas.Ele escreve aos Tessalonicenses: “e esperar dos céus a seu Filho” para que“vivamos juntamente com ele”, com quem “estaremos sempre” (1 Ts 1.10;5.10; 4.17). De modo semelhante, na carta seguinte, Paulo escreve sobre a“nossa reunião com ele” (2 Ts 2.1). Na sua Segunda Carta aos Coríntios, eleescreve que a “glória eterna que supera” o sofrimento presente é expressa emtermos de “estar ausente do corpo [no seu presente sofrimento] e em casacom o Senhor [com um corpo ‘revestido’ de eternidade]” (2 Co 4.17; 5.8). Eem uma das suas últimas cartas, Paulo escreve sobre o seu desejo de “partir eestar com Cristo” (Fp 1.23). Assim, a devoção a Cristo de Paulo pode servista do princípio ao fim da sua obra.

E, como já vimos, Paulo não escreve nada similar acerca de estar comDeus-Pai. Portanto, não nos causa espanto que uma das expressõesposteriores da bênção-padrão com a qual ele encerra as cartas assuma a formade “a graça seja com todos os que amam a nosso Senhor Jesus Cristo” (Ef6.24). Apesar de essa forma de expressão parecer natural o bastante para nósque já fomos criados e estamos familiarizados com os escritos cristãos eparticipamos com frequência em igrejas cristãs, é marcante observarmos ocontexto original dessas palavras. Estamos diante de um monoteístafervoroso, criado em um contexto que era absolutamente centrado em Deus,que, agora, assume um papel preponderante na sua devoção pessoal aoSenhor, Jesus Cristo.

É significativo que Paulo pareça simplesmente pressupor uma Cristologiaassim na sua devoção pessoal — tão significativo, ou talvez ainda mais

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significativo do que as suas afirmações explicitamente cristológicas. Umacoisa seria se Paulo estivesse tentando demonstrar ou defender tal ponto devista; todavia, é a partir dessa realidade — assumida tanto por Paulo comopor seus convertidos — que ele argumenta em favor de todo tipo de virtudeem uma vida vivida em obediência a Cristo. Dificilmente uma Cristologiapoderia ser superior a essa.

Cristo como Objeto de Adoração ComunitáriaA devoção a Cristo como adoração direta assume várias formas nas cartas

de Paulo, provavelmente como o resultado direto da devoção dos crentes daIgreja Primitiva ao Cristo ressurreto, a qual deve ter começado ao redor darefeição feita em honra a Cristo. Na verdade, numa certa ocasião, o apóstolose refere a essa refeição como a “Mesa do Senhor” (1 Co 10.21). Agora,veremos com mais detalhes as três expressões dessa devoção que possuemimplicações cristológicas: a celebração da Ceia do Senhor, os hinos para esobre Cristo, e as orações feitas diretamente a Cristo.

A Ceia do SenhorO papel central que a Ceia do Senhor assumiu na Igreja Primitiva é a

mais notável das inovações cristológicas. É curioso notarmos que só sabemosda sua celebração nas igrejas paulinas por causa do abuso ocorrido emCorinto. Em todo o corpus das cartas preservadas de Paulo, a Ceia émencionada ou aludida somente na Primeira Carta de Paulo aos Coríntios —e não menos do que quatro vezes (1 Co 10.3,4, 16,17; 11.17-34; 5.8).

Em 1 Coríntios 10.3,4, Paulo faz menção à mesa cristã por intermédio deuma analogia com a comida e a bebida divinamente fornecidas a Israel nodeserto. Essa analogia é quase que certamente expressa como umaantecipação do que Paulo dirá um pouco mais adiante (em 10.16-17), ondeele aponta a Ceia do Senhor como a refeição exclusivamente cristã, o que,portanto, proíbe a participação nas refeições em templos de ídolos/demônios.

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Israel, argumenta Paulo, tinha a sua própria forma de suprimento divino dealimento e bebida; todavia, isso não foi suficiente para “garantir” que elesestivessem com Deus, e por causa da idolatria, a grande maioria deles foi“lançada ao deserto” (cf. 10.3-10). No desenvolvimento desse argumento,Paulo passa a interpretar o pão como tendo relação com a igreja — “nós quesomos muitos” — como sendo o Corpo de Cristo (v. 17). Ao fazer isso,antecipa a questão da unidade e diversidade, que ele tratará mais adiante nacarta (caps. 12–14). Tudo isso coloca a ênfase da refeição cristã diretamentesobre o Senhor Jesus Cristo.

Só que a maior parte do interesse posterior no que Paulo fala a respeito doque veio a ser chamado de Eucaristia (“ação de graças”, no grego) seconcentrou na questão e no remédio que ele apresenta em 1 Coríntios 11.17-34, onde, aparentemente, os mais abastados estariam abusando dos maispobres ao transformar a celebração da mesa em uma refeição privativa queexcluía “aqueles que não tinham nada”. Para corrigir esse abuso, Paulo lhesfaz lembrar das palavras de instituição, que são, praticamente, idênticasàquelas encontradas no Evangelho de Lucas. O que é especialmentesignificativo a respeito dessa passagem, para os nossos interessescristológicos de momento, é que não se pode questionar muito que a refeiçãodescrita é a versão cristã de uma refeição em honra a uma divindade.Podemos observar isso de quatro maneiras nessa passagem.

Em primeiro lugar, a linguagem que Paulo utiliza, neste caso, é “a Ceiado Senhor” (1 Co 11.20), linguagem que ocorre somente nessa passagem doNovo Testamento. Esta é, provavelmente, uma construção paulinaintencionalmente escolhida em contraste com o que Paulo continuachamando de “vossas refeições privativas”. É quase certo que isso se refiraàqueles que tinham uma situação social e financeira mais abastada do quemuitos outros crentes. De especial interesse para o nosso estudo é a palavraque Paulo utiliza para se referir a Cristo, o adjetivo kyriakon, que podesignificar “pertencer a” (“em honra de”) ou “de propriedade do” Senhor,

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significando que esta é uma refeição instituída por Ele próprio. Porém, emqualquer um dos casos, a própria linguagem de Paulo coloca a ênfase no fatode que essa refeição tem relação exclusiva com “o Senhor”, em cujo nome ehonra ela é feita. Assim, como ocorria com a Páscoa de Israel, que serve demodelo para essa refeição, esta é a única refeição singularmente cristã, e tantoa sua ênfase quanto a sua honra, agora, pertencem ao “Senhor” (Jesus), e nãoa Deus-Pai.

Em segundo lugar, essa refeição foi instituída por Cristo no contexto deuma Ceia Pascal, como o próprio Paulo expressa, de duas formas.Primeiramente, em 1 Coríntios 5.7,8, na análise que faz de um caso deincesto na igreja, ele declara: “Porque Cristo, nossa páscoa, foi sacrificadopor nós. Pelo que façamos festa, não com o fermento velho, nem com ofermento da maldade e da malícia” (ou seja, sem a presença do homemincestuoso). Esse tipo de linguagem só pode ser uma alusão à Ceia do Senhore, portanto, à compreensão que Paulo tinha da ligação entre o que Cristo fez ea celebração cristã da sua própria festa. Além disso, em 1 Coríntios 11.23,Paulo utiliza a expressão introdutória: “na noite em que [Ele] foi traído”, umaalusão ao momento em que o próprio Jesus instituiu essa refeição no contextoda Páscoa.

A preocupação de Paulo parece clara: que na comunidade cristã, arefeição pascal antes feita somente uma vez por ano em honra a Yahweh e emlembrança da libertação do seu povo do Egito é, agora, feita de forma regular(provavelmente todas as semanas) em honra a Cristo, como a divindade cristãe, assim, em lembrança da libertação que Ele proporcionou ao seu povo dosdomínios satânicos. Como já vimos, é quase impossível imaginarmos umaCristologia mais elevada do que essa!

Em terceiro lugar, na referência anterior à refeição (1 Co 10), Pauloapresenta intencionalmente a refeição em honra ao Senhor como a alternativacristã às refeições feitas em templos pagãos, às quais alguns dos coríntiosinsistiam em participar já que, de acordo com a Shemá, havia somente um

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Único e Verdadeiro Deus. Aparentemente, segundo eles entendiam, asrefeições pagãs, mesmo sendo feitas em honra a uma divindade, não eramfeitas, verdadeiramente, em honra a uma divindade já que o suposto “deuspagão”, de fato, não existia. Para sermos francos, Paulo admite a eles quehavia somente um único e verdadeiro Deus; todavia, ele identifica aqueles“divindades” como demônios (v. 20), reconhecendo, assim, a sua realidade.

Desse modo, Paulo está, claramente, apresentando a Ceia do Senhorcomo a alternativa cristã àquelas refeições pagãs; ao mesmo tempo, elepressupõe que Cristo deva ser a divindade cristã a ser honrada nessa refeição.Uma refeição assim simplesmente seria inconcebível se fosse feita em honrade um mero ser humano que se sacrificasse a si mesmo em lugar de outros, eque fosse, por isso, altamente honrado por Deus por meio da ressurreição. Naverdade, esses comentários improvisados que revelam os pressupostos dePaulo são, provavelmente, a evidência mais reveladora não somente de que opróprio Paulo tinha uma Cristologia superior, como também de que elepressupunha que ela era compartilhada pelas comunidades crentes que elehavia fundado — e isso ocorre cerca de vinte anos depois da cruz e daressurreição!

Em quarto lugar, o restante das correções de Paulo coloca o abuso deCorinto na estrutura cristológica mais poderosa possível. O abuso do corpodo Senhor (= sua Igreja) na Ceia do Senhor havia resultado em castigodivino. É importante notarmos que essas frases também deixam claro que osjuízos que estavam ocorrendo deveriam ser compreendidos como vindos daprópria divindade que estava sendo desonrada, a saber, “o Senhor” (1 Co11.32), Jesus Cristo. O resultado final era que uma refeição feita em honra aoSenhor representava o juízo do Senhor sobre aqueles que abusassem do seupovo — que carregava corporativamente a eikōn, ou imagem divina — à suamesa.

Na cosmovisão judaica de Paulo, a prerrogativa de julgar pertenciasomente a Deus. E, como já vimos, tudo isso era de entendimento comum e

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tido como ponto pacífico entre o Apóstolo e os crentes, o que revela de formaincontestável a compreensão completamente teológica que Paulo tinha deCristo. Dessa forma, tudo o que diz respeito à análise que Paulo faz da Ceiado Senhor pressupõe ou afirma a forma mais elevada de Cristologia emrelação a Cristo como o Salvador divino.

Os Cânticos e os Hinos a CristoAssim como ocorreu na análise da Ceia do Senhor, Paulo quase que

incidentalmente lembra aos crentes de Colossos que os hinos cantados noculto cristão continham a mensagem sobre Cristo como sua ênfase principal:“A palavra de Cristo habite em vós abundantemente, em toda a sabedoria,ensinando-vos e admoestando-vos uns aos outros, com salmos, hinos ecânticos espirituais; cantando ao Senhor com graça em vosso coração” (Cl3.16) Portanto, a música está no centro da adoração cristã desde o princípio, eesse cantar era cheio de um Cristologia pressuposta. Hinos como aquelespreservados no Saltério que eram tanto “para”, quanto “sobre” Yahweh eram,agora, cantados (aparentemente de forma exclusiva) para e sobre Cristo Jesus.

Em Colossenses 3.16 a principal preocupação da exortação é com a“palavra de Cristo” — isto é, a mensagem do evangelho com a sua ênfasecentral em Cristo. Assim como acontecia com o Saltério judeu, tambémdeveria ser na igreja de Colossos: aquilo que mais verdadeiramente se criasobre Cristo era regularmente afirmado em hinos cantados a Ele, ou em seunome. Desse modo, a preocupação dessas afirmações não está no fato deCristo falar a eles quando estivessem reunidos — muito embora isso tambémpudesse ocorrer por meio de declarações proféticas — nem com os seusensinamentos; antes, como Paulo declara já no início da carta, a sua principalpreocupação está na mensagem do evangelho com a sua ênfase total emCristo. Na verdade, esse é o tema que domina toda a carta: Cristo como ocriador, redentor e encarnação de Deus. Paulo, agora, insiste que esta“mensagem de Cristo” — que, em parte, ele articulou em 1.15-23 — “habite

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no meio de vós” de modo abundante. Ao fazer isso, parte das atividades delesseriam direcionadas uns aos outros (“ensinando e admoestando uns aosoutros”), e parte seria direcionada a Deus (“cantando a Deus com o vossocoração”). Desse modo, o evangelho deve estar ricamente presente entre eles.A estrutura de 3.16 como um todo indica que cânticos de todas as espécies —tendo, agora, Cristo como a sua ênfase e conteúdo — devem desempenharum papel significativo nessa riqueza.

É importante percebermos que é provável, como a maioria dos eruditosagora considera, que as palavras anteriores de Paulo sobre Cristo nessa carta(1.15-18), que agora se concentram no nosso Salvador e na sua obra, refletemum hino cristão da Igreja Primitiva. Se assim for, isso explicaria por quePaulo considera essas várias formas de hinos e cânticos espirituais como umamaneira pela qual os crentes poderiam “ensinar e admoestar-se uns aosoutros”. Esse tipo de cântico era, pela sua própria natureza, uma declaraçãode fé, e, portanto, apresentava à igreja evidências acerca do que os crentesprimitivos criam mais genuinamente acerca de Deus e de Cristo.

Na passagem gêmea em Efésios 5.18,19, a exortação passa para o entoarde cânticos a Cristo. O contexto da adoração bidimensional aqui expressa epressuposta na passagem de Colossenses — hinos que eram, ao mesmotempo, direcionados para a Divindade e didáticos para os participantes —encontra-se no Saltério. Lá encontramos dezenas de exemplos de hinosdirigidos a Deus na segunda pessoa, os quais também apresentam seções naterceira pessoa, enaltecendo a grandeza e a fidelidade de Deus para comaqueles que a Ele cantam. O uso de hinos nos documentos do NovoTestamento indica o quanto eles funcionavam dessa forma bidimensionalpara a Igreja Primitiva. Nas igrejas paulinas, mais especificamente, Cristocostuma assumir a dupla função de ser tanto a pessoa para a qual os cânticoseram dirigidos como a pessoa sobre quem os cânticos eram feitos. Como jávimos, a forma aparentemente incidental ou inconsciente com que Paulotransfere o padrão do Saltério para os hinos cristãos apoia ainda mais a ideia

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de que a devoção anteriormente dedicada de modo exclusivo a Yahweh haviasido transferida a Cristo como “Senhor” na Igreja Primitiva — para aquEleque veio a este mundo tanto para nos redimir como também para nos recriar àsua divina imagem.

Em suma, tal como ocorre na Ceia do Senhor, a adoração na sua formacantada se concentra em Cristo como o eixo central da adoração. Essescânticos continham a mensagem sobre Cristo e eram, às vezes, cantadostambém para Cristo. Uma adoração assim, obviamente, inclui Cristo nadivina identidade, sem jamais esmorecer no Monoteísmo resoluto.Novamente, uma Cristologia superior assim pressuposta costuma ser maisreveladora do que declarações explicitamente cristológicas.

OraçãoA terceira forma de adoração a Cristo, o Salvador, como Senhor vem na

forma da oração dirigida a Cristo exatamente da mesma forma que as oraçõeseram também dirigidas a Deus-Pai. Esse padrão aparece nas duas primeirascartas do corpus paulino, 1 e 2 Tessalonicenses, e continua até o fim (paraaqueles que consideram 1 e 2 Timóteo como o fim do corpus paulino).

A evidência para isso é bastante óbvia ao longo das treze cartas paulinas eabrange a maioria das formas de oração, embora alguns eruditos tenhamsubestimado o papel de Cristo na oração, o que somente pode ser feitoquando se deixa de lado as consideráveis evidência em contrário. Se Cristonão fosse incluído como objeto dessas passagens, todos teriam entendido queestas eram orações verdadeiramente dirigidas a Deus. Porém, como Cristo é oobjeto nessas passagens, alguns eruditos argumentam que nós nãodeveríamos lê-las como orações. Só que, na realidade, esses padrões seguemo mesmo padrão que vimos acima: Paulo ora a Cristo exatamente da mesmaforma que ele ora a Deus-Pai.

Desse modo, nas orações abençoadoras de Paulo, que ocorrem com maiorfrequência nas duas cartas aos Tessalonicenses, o Apóstolo dirige as suas

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orações tanto a Deus como a Cristo. Em 1 Tessalonicenses, ele dirige a suaoração, primeiramente, a Deus e a Cristo, em conjunto (utilizando um verbono singular), para que eles “encaminhem a nossa viagem até vós” (1 Ts 3.11).Isso é imediatamente seguido pela oração a Cristo somente (vv. 12-13), paraque faça com que os crentes de Tessalônica aumentem e Ele os faça crescerem amor, tanto uns pelos outros, como por todos e, dessa forma também“conforte o vosso coração” no viver santo e irrepreensível. Em 2Tessalonicenses, Paulo faz a mesma coisa, só que ao contrário, dirigindo aoração a Cristo e a Deus, conjuntamente (novamente utilizando um verbo nosingular), mas seguindo com uma oração dirigida somente a Deus (2 Ts2.16,17). Só que nas duas orações de encerramento similares (2 Ts 3.5,16),somente Cristo é destinatário. Como já vimos, Paulo não está, dessa forma,afirmando nada a respeito de Cristo como sua divindade; mas, sim, estáassumindo de forma clara e simples essa condição — e está fazendo isso detal maneira que não espera chamar a atenção dos seus leitores de nenhumaforma especial. Novamente, a forma tranquila como isso ocorre — e, nestecaso, ocorre tão precocemente — é uma evidência marcante da Cristologiasuperior de Paulo.

O mesmo fenômeno pode ser observado nas Cartas de Paulo aoscoríntios, tanto nas orações mais diretas como nos relatos que ele faz das suasorações. Assim, em uma oração mais direta, Paulo termina a sua primeiraCarta aos crentes de Corinto com a linguagem (aparentemente) universal daoração da Igreja Primitiva, Marana tha, “Vem, Senhor” (1 Co 16.22). E nessaoutra carta a eles, Paulo relata que pediu especificamente a Cristo, comoSenhor, que removesse o “espinho na [sua] carne” (2 Co 12.7) e que Cristolhe respondeu: “A minha graça te basta” (2 Co 12.9). Aqui, mais uma vez,Paulo não está tentando argumentar a respeito da divindade de Cristo. Ele,simplesmente, está fazendo o que se tornou natural para ele: direcionarorações a Cristo com a mesma frequência que faz a Deus-Pai — e, às vezes,aos dois juntos. A sua divindade é simplesmente tida como algo normal

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nesses momentos. E, como Larry Hurtado declarou, essa devoção é, demuitas formas, teologicamente mais reveladora do que as próprias afirmaçõesteológicas.8 A devoção a Cristo era, simplesmente, um ponto pacífico muitoantes das afirmações mais antigas que conhecemos sobre Cristo teremsurgido na comunidade cristã primitiva. Tanto a aclamação feita pelo Espíritode que “Jesus é Senhor” (1 Co 12.3) como a oração Marana tha (1 Co 16.22)antecedem qualquer tentativa conhecida de se expressar teologicamente asimplicações dessa forma de devoção, e as posteriores, seguramente, surgirama partir das primeiras.

ConclusãoPara Paulo, Cristo, o Salvador, não é somente o mediador da salvação.

Cristo, o Salvador, também surge como o objeto de devoção e adoraçãocontínuas no corpus paulino — tanto para Paulo como para as suas igrejas.Além disso, a adoração não ocorria tanto pelo que Ele fez por nós, masespecialmente por quem Ele é como divino Salvador.

As cartas de Paulo deixam claro que o significado de Cristo comoSalvador divino não começou com a sua vida terrena na pessoa de Jesus deNazaré. Antes, a sua vida terrena foi uma expressão de uma encarnação doFilho pré-existente de Deus. Paulo entende o Filho exaltado de Deus comsendo o Senhor de todos, só que também pressupõe que o Salvador veio aonosso mundo para redimir — uma linguagem que pressupõe não somente onascimento, mas também a encarnação, isto é, o nascimento daquEle que eratotalmente divino. Para compreender o significado cristológico de Cristocomo Salvador divino, então, precisamos levar em conta a compreensãopaulina do Salvador divino tanto como pré-existente quanto como encarnado— e, nessa encarnação, verdadeiramente humano em todos os aspectos danossa humanidade, só que sem pecado. Analisaremos essas questões nocapítulo 2.

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3 O uso que o apóstolo faz do substantivo Kyrios — que nas nossas Bíblias normalmente é traduzidocomo “Senhor” — refere-se somente a Cristo. Isso é impressionante porque durante vários séculosantes da vinda de Cristo, a comunidade judaica havia utilizado o “substantivo” como substituto para“Yahweh” para que o nome de Deus jamais fosse pronunciado em vão. Uma das razões raramentenotadas da antipatia da comunidade judaica para com os seguidores de Jesus foi o uso consistenteposterior do nome substituto para Yahweh, Kyrios, para se referir somente ao Jesus de Nazaréressurreto. Para a comunidade judaica, esta era a blasfêmia suprema, e que fez com que um judeu tãodevoto como Saulo de Tarso perseguisse os seguidores de Jesus de forma tão veemente a ponto de levá-los ao julgamento diante de Deus. Depois disso, o próprio Saulo tornou-se um discípulo de Jesus e,quando passou a utilizar o nome de Paulo, adotou exatamente essa prática.4 Além de levar ao desenvolvimento da doutrina trinitária, a formulação triádica da Igreja Primitivapara a salvação, provavelmente, também alimentou a antipatia — por vezes hostil, em especial no casode Saulo de Tarso — da comunidade judaica para com os primeiros discípulos de Jesus. Junto com ouso de Kyrios para Jesus, essa formulação triádica ajuda a explicar o ódio fervoroso que Saulo tinha doscristãos nascentes, pois todos eram, inicialmente, judeus que havia se tornado discípulos de Cristo. ParaSaulo, a crucificação de Jesus servia como a principal evidência de que o Deus Único teria entregue aJesus de Nazaré o que lhe era justo. Porém, era sabedoria do próprio Deus que o brilhante e totalmenteenfurecido Saulo de Tarso acabasse sendo escolhido — não por escolha própria, para sermos francos —como o desbravador que, com o nome de Paulo, guiaria a nascente fé cristã para alcançar o mundoconhecido de modo a incluir também os gentios.5 Incidentalmente, este talvez seja o elemento ausente na maior parte do cristianismo norte-americanojá que a herança nacional dos Estados Unidos colocou uma ênfase singular no indivíduo, e não no povoreunido como comunidade de fé que, na nossa vida conjunta, demonstra a verdadeira natureza dosignificado de ser salvo.6 A correspondência preservada de Paulo com os coríntios, que chegou até nós na forma de 1 e 2Coríntios, apresenta evidências da existência de outra correspondência entre Paulo e os coríntios quenão foi preservada. Doravante, quando eu me referir a Primeira e Segunda Cartas à igreja de Corinto,estarei me referindo somente às cartas que foram preservadas no Novo Testamento como 1 e 2Coríntios.7 Esse também é o motivo pelo qual toda forma de batismo que abandonou a imersão deu ao rito umsignificado bem diferente da intenção do Apóstolo, que tende a enfatizar o ato de tornar-se membro emcerta comunidade e não a se identificar com Cristo por meio da mesma forma de “morte, sepultamentoe ressurreição”.8 Vide Larry W. Hurtado, Lord Jesus Christ: Devotion to Jesus in Earliest Christianity (Grand Rapids:Eerdmans, 2003); Hurtado, How on Earth Did Jesus Become God? Historical Questions about EarliestDevotion to Jesus (Grand Rapids: Eerdmans, 2005).

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Salvador divino — crucificado, sepultado e ressurreto dos mortos parabenefício de toda a humanidade! Examinaremos, a seguir, essas passagensem detalhes, mas antes precisamos observar o significado teológico danatureza dessas passagens.

A Natureza da Cristologia Encarnacional de PauloTalvez o traço mais característico da Teologia encarnacional de Paulo

seja a ausência de um único caso, nas cartas de Paulo, no qual ele tentademonstrar ou defender a pré-existência e a encarnação. Na verdade, o queocorre é bem o contrário: em todos os casos, Paulo está defendendo outracoisa com base nas afirmações de pré-existência e encarnação que ele e osseus leitores já têm por consenso. O efeito cumulativo desse padrão ao longodo corpus paulino tem um peso cristológico considerável. Se Paulo estivessedefendendo a encarnação, então concordaríamos com ele sobre o conteúdo ea forma do seu argumento quanto a ela “funcionar” ou ser importante. Só quequando ele, simplesmente, pressupõe essas realidades e, portanto, argumentarepetidamente a partir delas, a questão não é mais se Paulo e as suas igrejascriam em Cristo como Salvador divino e pré-existente, mas sim qual era anatureza e o conteúdo da fé que eles tinham em comum.

Para sermos francos, por causa da forma como essas várias afirmaçõeschegam até nós, é concebível defendermos (e, na verdade, já se defendeu)uma leitura não encarnacional de qualquer passagem proposta. Todavia, essaabordagem funciona somente para aqueles que se lançam antecipadamente ademonstrar essa leitura. As conclusões, em todos os casos, são o resultado daanálise isolada de qualquer uma das passagens para, depois, argumentar-seque as palavras de Paulo na passagem não necessariamente afirmam, oupresumem, a pré-existência. Essa é a velha tática de “dividir para conquistar”.Em vez de lermos cada uma das afirmações de Paulo no seu contextooriginal, bem como à luz das demais afirmações, começamos com umaagenda pré-determinada que visa demonstrar que nenhum dos textos em quea igreja — e os eruditos — tem, historicamente, encontrado a pré-existência

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exige, necessariamente, esse ponto de vista. E, depois de demonstrar comouma determinada passagem pode, possivelmente, ser compreendida de outraforma, as pessoas defendem que ela, portanto, não afirma, nem mesmoimplica a pré-existência.

Só que toda interpretação é suspeita se o seu objetivo fundamental forcontornar o que Paulo parece ter pressuposto de forma clara, especialmentequando essa interpretação envolve um acúmulo de frases sem sentido devárias cartas de Paulo escritas ao longo de um período de quinze anos. Umacoisa é olharmos para cada uma dessas frases no seu próprio contexto,isoladamente das outras e, depois, argumentar que esse caso específico nãonecessariamente exige a pré-existência. Uma interpretação assim aindaexigiria uma considerável elasticidade acerca do que o Apóstolo realmentedesejou transmitir aos seus leitores, mas poderia ter certo nível deplausibilidade. Todavia, algo completamente diferente seria argumentarcontra o efeito cumulativo das várias passagens em conjunto e a contra anatureza pressupositiva de cada uma delas dentro do contexto da afirmação,pois junto com as afirmações explícitas em cada um dos casos, a realidadepressupositiva por trás delas forçosamente coloca em questão qualquerinterpretação que negue a pré-existência. Para sentirmos todo o peso do efeitocumulativo dessas passagens, passaremos a examiná-las a seguir, em trêscategorias: Cristo como agente da criação e da redenção; Cristo comoredentor empobrecido; e Cristo, o Filho, como o enviado.

Cristo como Agente da Criação e da Redenção:Duas passagens descrevem Cristo como agente da criação e da redenção:

1 Coríntios 8.6 e Colossenses 1.15-20. Apesar de cada passagem apresentar oseu contexto distinto — a primeira passagem escrita num período muitoantigo e a segunda escrita alguns anos mais tarde —, ambas têm em comum alinguagem da criação e redenção que ocorrem por intermédio de Cristo. E,em cada um desses casos, essas observações são apresentadas por razões

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pragmáticas.

1 Coríntios 8.6Todavia, para nós há um só Deus, o Pai, de quem é tudo e paraquem nós vivemos; e um só Senhor, Jesus Cristo, pelo qual sãotodas as coisas, e nós por ele.

Em uma das afirmações mais impressionantes em toda a coleção de cartaspaulinas, Paulo remodela a sua afirmação fundamental acerca da sua herançajudaica, a Shemá (Dt 6.4), a fim de abarcar tanto o Pai quanto o Filho.Mesmo afirmando no seu Monoteísmo herdado que existe “somente umDeus”, Paulo afirmava que o “Único Senhor” (= Yahweh) da Shemá, agora,deveria ser identificado como o Senhor, Jesus Cristo. E ele faz isso em umcontexto onde está, ao mesmo tempo, concordando e ampliandointencionalmente a perspectiva dos crentes de Corinto.

Mesmo continuando a aderir a uma versão rigorosa do Monoteísmo,alguns dos crentes de Corinto estavam defendendo o seu direito de participarde refeições com amigos nos recintos dos templos pagãos, onde “divindades”de vários tipos eram adoradas. Aparentemente, o seu direito de fazer issoestava sendo justificado com base no próprio Monoteísmo (afinal, se o outro“deus”, na verdade, não existia, o que haveria de errado em tomar partenaquelas refeições?). Paulo, obviamente, estava de pleno acordo com eles naprimeira questão (o Monoteísmo rígido), mas discordava do restante do seuargumento apresentado nessa afirmação. Como vimos na nossa análise daCeia do Senhor no capítulo 1, ao final, Paulo rejeita a argumentação falaciosados coríntios a partir de fundamentos teológicos, afirmando que os “deuses”eram habitação de demônios (1 Co 10.14-22).

Só que nesse ponto inicial da carta, o uso e a elaboração que Paulo faz daShemá tem em mente as pessoas que participam da comunidade de fé, os“irmãos ou irmãs mais fracas”, por quem o Filho de Deus havia morrido e

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ressuscitado (1 Co 8.11). Em função das prévias associações com essasrefeições no contexto de um “deus inexistente”, esses crentes não poderiamparticipar dessas refeições nos templos pagãos sem serem “destruídos”. Paraeles, era uma questão de dissonância considerável e compreensível entre amente e o coração, entre o que poderia ser defendido intelectualmente, mascuja experiência não poderia ser desconsiderada. A resposta de Paulo, nessecaso, é um dos momentos mais impressionantes, à medida que proporcionainformações diretas que ajudaram numa posterior articulação de umanecessária Teologia trinitária.

A afirmação de Paulo, segundo a qual o mesmo Cristo que redimetambém exerceu a função anterior de criador pré-existente, serve como panode fundo para o argumento paulino, dois capítulos adiante, de que osisraelitas haviam posto Cristo à prova no deserto (1 Co 10.9). Os crentes deCorinto, insiste ele, correm um perigo semelhante ao que os israelitascorreram, muitos dos quais morreram no deserto como resultado da suaimoralidade. O Cristo pré-existente, argumenta Paulo, estava junto de Israelcomo a “rocha espiritual que os acompanhava” e foi responsável pela mortede muitos deles por mordidas de serpentes (10.4,9, NVI). O ponto explícitodo argumento de Paulo é que, se a presença de Cristo não foi suficiente paragarantir a entrada de Israel na Terra Prometida, os crentes de Corintoprecisavam cuidar com as possíveis consequências do seu flerte com aidolatria.

Ao mesmo tempo — de uma forma teologicamente mais profunda, aoincluir o Filho pré-existente como o agente da criação —, Paulo incluiuCristo na divina identidade no seu ponto mais fundamental: como o DeusÚnico que os judeus identificavam diante de todos os outros “deuses” como ocriador e soberano sobre todas as coisas. Uma coisa era Cristo ser o meio daredenção, só que Paulo o declarar, igualmente, como agente divino da criaçãoé o mesmo que incluí-lo na sua nova compreensão do “Deus Único” daShemá. Na verdade, o frequente apelo que Paulo faz de Deus como Pai tem a

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sua origem não em Deus como nosso Pai, mas na nova identidade atribuída aYahweh como “o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo” (2 Co 11.31; Ef1.3). Daí a identificação que Paulo faz do “Deus único”, nessa passagemcomo sendo “o Pai” pressupõe Cristo como “o Filho”.

O fato de Paulo ter ampliado a Shemá de forma tão tranquila e clara paraincorporar a Cristo parece indicar que essa visão acerca da unicidade de Deusque inclui tanto o Pai quanto o Filho não começou com essa afirmaçãoespecífica. Tudo o que diz respeito à sua forma pressupositiva de comunicarisso indica bem o contrário: que esta era uma posição teológica já admitida etida em comum tanto por Paulo, como por seus leitores, a partir da qualPaulo segue abordando várias questões práticas. Essa afirmação, portanto,funciona como a base teológica para as preocupações comportamentais dasquais ele, agora, passa a tratar. O Apóstolo aqui, simplesmente, assume umentendimento comum com os seus leitores neste ponto, o qual, então serve debase para a defesa das questões que eles não tinham em comum. Além disso,é significativo que, num certo nível, essa afirmação cristológica notável édesnecessária para que Paulo levante esse argumento diante dos coríntios,exatamente porque nenhum ponto cristológico está em questão, neste caso.Na verdade, em uma carta posterior, em uma doxologia dirigida somente aDeus (Rm 11.36), a expressão “dele e por intermédio dele e para Ele sãotodas as coisas” aparece sem essa modificação cristológica.

Todavia, o perfeito paralelismo poético de 1 Coríntios 8.6 sugere que essanão é a primeira vez que Paulo encontrou uma maneira de reunir duasrealidades importantes: o seu Monoteísmo fundamental e resoluto, e ainclusão que ele faz de Cristo na divina identidade. Esse é o primeiro e umdos mais intrigantes casos em que Paulo faz uma afirmação clara de Cristocomo Filho pré-existente de Deus — bem como a sua mais antiga ocorrênciano Novo Testamento. Todavia, o motivo claro dessa afirmação não é adeterminação dessa realidade, mas sim a expressão de uma preocupaçãopelos “fracos” crentes de Corinto, para que eles não sofressem abuso por

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causa do “conhecimento” de algumas outras pessoas que participavamdaquela comunidade de fé (8.11). Como já vimos, não se trata de algo quePaulo esteja defendendo, mas algo que serve de ponto de partida para o seuargumento, como um ponto pacifico entre ele e os seus leitores, o que sugereque se tratava de uma afirmação teológica aceita por toda a comunidade daIgreja Primitiva. Apesar dos mitos e lendas serem o produto de gerações defolclore, podemos ter bastante confiança de que a afirmação da pré-existênciade Cristo estar plenamente estabelecida já nas primeiras décadas da fé cristã.

Para sermos francos, alguns já tentaram contornar essa assertiva claraacerca da pré-existência de Cristo ao sugerir que a passagem como um todo émeramente soteriológica e não trata da Ontologia (a questão do ser), ou aoidentificar Cristo com a sabedoria personificada e, dessa forma, afirmandoque somente a Sabedoria existira previamente. Todavia, não existe sequeruma sugestão da Sabedoria personificada nessa passagem, e a inserção dessanoção nesse quadro chega a beirar o absurdo. Além disso, a afirmação dePaulo já no início da sua carta — de que um Messias crucificado é o poder ea sabedoria de Deus que confrontava o fascínio que os coríntios tinham coma sabedoria grega — destrói a ideia de que Paulo identificava Cristo com afamosa Senhora Sabedoria, o que estava muito além da capacidade decompreensão dos primeiros destinatários da epístola. Além disso, oargumento de que esses textos falam da Senhora Sabedoria, e não da pré-existência de Cristo, enfrenta dificuldades exegéticas absurdas, já que aSabedoria nunca foi considerada o agente real da criação na LiteraturaSapiencial. Na verdade, quando a Literatura Sapiencial personifica aSabedoria em tais passagens, ela é vislumbrada somente como presente nacriação, como fica claro pelo sábio design da criação (por exemplo, Pv 8.22-31). Em contraste, Cristo é aqui identificado não somente como presente nacriação, mas como o próprio agente da criação.

Colossenses 1.15-20

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O qual é imagem do Deus invisível, o primogênito de toda acriação; porque nele foram criadas todas as coisas que há noscéus e na terra, visíveis e invisíveis, sejam tronos, sejamdominações, sejam principados, sejam potestades; tudo foi criadopor ele e para ele. E ele é antes de todas as coisas, e todas ascoisas subsistem por ele.

E ele é a cabeça do corpo da igreja; é o princípio e o primogênitodentre os mortos, para que em tudo tenha a preeminência, porque foido agrado do Pai que toda a plenitude nele habitasse e que, havendopor ele feito a paz pelo sangue da sua cruz, por meio delereconciliasse consigo mesmo todas as coisas, tanto as que estão naterra como as que estão nos céus.

Em um poema de duas estrofes, mas no início da sua Carta aos crentes deColossos, que mais se parece com uma elaboração das duas linhas deafirmação na sua carta anterior aos coríntios, Paulo volta a afirmar que oFilho de Deus é o agente divino tanto da criação como da redenção. Só que,nesse caso, as duas linhas foram elaboradas de tal maneira que Cristo écolocado no ponto de partida tanto da velha como da nova criação.

Neste caso, Cristo é também identificado explicitamente como o “amadoFilho do Pai” (1.13), que tanto carrega a “imagem” do Deus invisível (v. 15)como é a causa eficiente e o objetivo da ordem criada como um todo (v. 16).Ao mesmo tempo, como Filho, Ele assume o papel do próprio “primogênito”de Deus — tanto no que diz respeito à criação (v. 15) quanto à ressurreição(v. 18). Esse Filho, que é o “princípio” da nova criação (v. 18), à medida quefoi o agente da primeira, reconciliou consigo todas as coisas ao “promover apaz por meio do sangue da sua cruz” (v. 20). O resultado final é que nemmesmo a reconciliação divina foi alcançada simplesmente por Ele, mas

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também foi uma reconciliação com Ele.Paulo está tão decidido a colocar Cristo em posição de supremacia — e,

portanto, acima das “potestades” (Cl 1.16) — que desenvolve o papel doFilho na criação de duas maneiras: na primeira, utiliza duas das trêspreposições que, em uma carta anterior, ele utilizou para se referir a Deus-Pai(por meio de, por; Rm 11.36), e, na segunda, ao utilizar duas vezes aexpressão nele que tem um tom todo inclusivo a respeito do papeldesempenhado pelo Filho tanto na criação como na sustentação do mundo.Cristo, o Filho, portanto, é tanto o Criador de todas as coisas como a esferana qual todas as coisas criadas têm sua existência.

Para colocarmos as afirmações de Paulo de modo enfático: é o Filho queé a imagem do Deus invisível; é o Filho que tem o direito da primogenitura; éatravés do Filho e no Filho que todas as coisas vieram à existência; e é oFilho que, em função da sua ressurreição, inaugura a nova criação, a qual éefetuada por meio da sua morte reconciliadora. As afirmações de Paulo aquisão tão claras e enfáticas que a única forma que alguns acharam para tentarcontorná-las foi negando autoria da carta por parte dele. Só que esse é umúltimo ato de desespero: tornar Paulo um gênio de menor quilate!

A ênfase cristocêntrica de Paulo continua na estrofe que fala da redenção,onde encontramos uma ênfase semelhante sobre a encarnação. Com o uso daexpressão ampliada “toda a sua plenitude”, significando que toda a plenitudedivina inerente ao Deus Uno e Único, Paulo afirma que essa “plenitude”também habitou no nosso Salvador, de modo que, na sua encarnação, Cristopôde reconciliar todas as coisas consigo mesmo — e, assim, por implicação,também com Deus.

Como Paulo não foi ter com a igreja de Colossos, ele explicou em maisdetalhes a afirmação mais condensada que havia sido feita na sua cartaanterior aos crentes de Corinto analisada acima. Isso cria o interessantefenômeno que, apesar da passagem como um todo ter um tom de suposição,ela proporciona o ápice do que podemos encontrar nas cartas do apóstolo do

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que seria uma apresentação intencional da Cristologia pressuposta por Paulo.Portanto, tanto a sua natureza poética como a inserção das expressões acercadas potestades (Cl 1.16) indicam que ele continua apresentando Cristo deuma forma que pressupõe que ele e os seus leitores estão em territóriocomum.

Colossenses 2.9Porque nele habita corporalmente toda a plenitude da divindade.

Quando Paulo volta a sua atenção para a própria situação de Colossos,começa com uma série de imperativos. Em primeiro lugar, e positivamente,os crentes deveriam viver sua vida em Cristo, a quem eles receberam (Cl 2.6).Em segundo lugar, e negativamente, eles deveriam estar alertas às “filosofiase vãs sutilezas” que os ameaçavam na época, “segundo a tradição doshomens, segundo os rudimentos do mundo e não segundo Cristo” (2.8).

Quando continua a identificar o significado de ser dependente de Cristo,Paulo retorna ao que postulou anteriormente (Cl 1.19), só que, agora, comuma ênfase especial na encarnação. “Em Cristo”, declara ele, “habitacorporalmente toda a plenitude da divindade” (2.9). Uma expressão assim tãoresumida parece pressupor claramente a ênfase na pré-existência do poemaanterior (1.15-20), que ele, agora, elabora ao enfatizar a dimensãogenuinamente encarnacional de Cristo como a divina presença enquantohabitou nesta terra.

Como isso se relaciona ao erro dos próprios colossenses tem sido objetode bastante debate e especulações. Todavia, seja qual for o erro deles, oacréscimo que Paulo faz da palavra “corporalmente” exclui qualquerentendimento espiritual de Cristo que não abranja a sua verdadeiraencarnação. Apesar de a pré-existência não estar explícita, neste caso, emfunção da passagem anterior na carta, que apresenta o Filho como o agente dacriação e da redenção, parece que a pré-existência está absolutamente

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presumida naquilo que Paulo está insistindo ao longo de toda a carta.

Cristo como Redentor EmpobrecidoA segunda forma pela qual Paulo pressupõe a pré-existência de Cristo,

como parte do seu argumento, ocorre em duas passagens em que Paulo falada encarnação fazendo uso de uma linguagem metafórica extraordinariamenteforte: 2 Coríntios 8.9 e Filipenses 2.6-8. Nesses dois casos, a ênfase dametáfora recai sobre o empobrecimento que Cristo experimentou ao se tornarhumano. Em cada passagem, Paulo apresenta Cristo como paradigmaexemplar para a conduta a ser esperada dos seus leitores. Aqui, de modoespecial, as metáforas são tão fortes, e a linguagem tão clara, a ponto de darmargem a qualquer interpretação que desconsidere a pré-existência e aencarnação.

2 Coríntios 8.9Porque já sabeis a graça de nosso Senhor Jesus Cristo, que,sendo rico, por amor de vós se fez pobre, para que, pela suapobreza, enriquecêsseis.

Paulo faz lembrar aos coríntios do caráter de Cristo como parte do seuapelo final para que eles sigam cabalmente o seu compromisso de ajudar eprover os pobres de Jerusalém. Ao tentar evitar qualquer aparência decomando ou coerção, ele afirma que a sua preocupação é que os seus atossejam uma demonstração da sinceridade do seu amor. O golpe final de Pauloé falar metaforicamente da encarnação e da redenção de Cristo em favordeles: “Porque já sabeis a graça de nosso Senhor Jesus Cristo, que, sendorico, por amor de vós se fez pobre, para que, pela sua pobreza,enriquecêsseis”. Aqui a expressão “por amor de vós se fez pobre” é umametáfora para a encarnação; e a expressão “para que, pela sua pobreza,enriquecêsseis” também é uma metáfora para a crucificação e seus benefícios

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para os coríntios.Na mesma linha da questão “financeira” levantada — e segundo a

expressão de “graça” do próprio Cristo — Paulo apela diretamente para aenorme “generosidade” da encarnação do Salvador (a qual, por sua vez, levaà sua crucificação). A chegada no nosso mundo daquEle que era pré-existentena forma de Deus somente pode ser expressa em termos de Ele ter se tornadopobre, um “empobrecimento” que significou “riquezas” incontáveis para osoutros (inclusive para os coríntios). Todavia, Paulo argumenta, o seu objetivonão era que eles “empobrecessem”; mas, antes, que em função da grandezada generosidade de Cristo, eles deveriam levar a cabo, alegremente, o seucompromisso com os pobres, o que, na verdade, de modo algum os tornariapobres.

Como já vimos, essa metáfora somente funciona porque Paulo e oscoríntios compartilham do mesmo entendimento pressupositivo de Cristocomo Deus pré-existente que se fez carne. Essa frase metafórica bemamarrada (que perderia o sentido se fosse elaborada) foi escrita para a mesmacomunidade à qual Paulo, anteriormente, havia escrito aquela reformulaçãoformidável da Shemá judaica com o objetivo de apresentar tanto o Pai quantoo Filho (1 Co 8.6).

Filipenses 2.6-8Que, sendo em forma de Deus, não teve por usurpação ser iguala Deus. Mas aniquilou-se a si mesmo, tomando a forma de servo,fazendo-se semelhante aos homens; e, achado na forma dehomem, humilhou-se a si mesmo, sendo obediente até à morte emorte de cruz.

Paulo volta a contar a história de Cristo em Filipenses 2.6-11,principalmente, para reforçar por meio do divino exemplo algumaspreocupações comportamentais que tinha acerca dos relacionamentos

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internos na comunidade de crentes em Filipos. “Nada façais” — insiste ele —“por contenda ou por vanglória” (v. 3). Antes, eles deveriam ter um modo depensar oposto, o qual é exemplificado por Cristo tanto por meio da suaencarnação (vv. 6-7) como pela sua crucificação (v. 8).

Tendo a imitação de Cristo como objetivo de Paulo, ele conta a históriade Cristo numa linguagem particularmente impactante e reveladora. Acomeçar pela existência prévia do Salvador “sendo em forma de Deus” (Fp2.6), Paulo insiste que essa igualdade com Deus, no caso de Cristo, não foiutilizada para demonstrar qualquer comportamento egoísta, nem parareclamar algo que lhe fosse de direito. Ao contrário, e agora com umametáfora especialmente marcante, Paulo afirma que Cristo (literalmente)escolheu “aniquilar-se a si mesmo” com respeito à igualdade que Ele possuíacom Deus ao assumir uma “forma de servo” com respeito à encarnação (v. 7).E para esclarecer o que isso significa, Paulo, então, abandona as metáforasacerca da sua pré-existência divina e fala objetivamente: “fazendo-sesemelhante aos homens”, ou, de modo mais literal, vindo a ser emsemelhança humana (v. 7).

Paulo, então, enfatiza a realidade da encarnação de Cristo ao iniciar apróxima frase com um eco da anterior, a qual repete a ênfase na autenticidadeda humanidade de Cristo. Foi justamente na forma daquele que foi “achadona forma de homem” que Cristo humilhou-se a si mesmo diante do Pai emuma obediência que levou à sua morte na cruz (Fp 2.8).

Esses versículos acabaram se transformando em alguns dos maiscomplicados do Novo Testamento para serem traduzidos para as línguasocidentais. A intenção de Paulo parece clara o suficiente — utilizar aencarnação e a crucificação de Cristo como paradigma exemplar a seremulado por parte dos crentes de Filipos — só que não são os detalhes queprecisam ser emulados, mas a base das atitudes para a ação de Cristo em seufavor. Jesus, como Cristo, esvaziou-se a si mesmo em favor das pessoas queEle amava, por isso Paulo escreve aos filipenses: “Nada façais por contenda

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ou por vanglória, mas por humildade; cada um considere os outros superioresa si mesmo. Não atente cada um para o que é propriamente seu, mas cadaqual também para o que é dos outros” (Fp 2.3,4). Qualquer leitura dessapassagem que não leve a sério a sua ênfase implícita e expressa naencarnação de Cristo é o mesmo que ler o texto sem levar em conta ocontexto no qual Paulo contou a história. Além disso, tanto a gramáticaquanto o conteúdo da passagem desautorizam qualquer outra interpretação.

Alguns eruditos defendem que Paulo, nesse caso, tinha a intenção defazer eco à história de Adão, mas essa posição não faz sentido à luz do que oApóstolo afirma. Ela não leva em conta o contexto do argumento, bem comodesconsidera, o que é crucial, que Adão jamais foi descrito como tendo aforma de Deus, tampouco como sendo igual a Deus. Ao ceder ao pecado,Adão não foi descrito como uma pessoa que se derramou à escravidão da suaqueda e, portanto, de ter se achado um ser humano decaído. Se um eco dojardim do Éden de Gênesis 2–3 estiver, de alguma forma, presente nessapassagem, ele é puramente conceitual: Cristo, que tinha o status divino,escolheu se tornar um ser humano, ao passo que Adão e Eva, que foramcriados segundo a imagem divina, foram atrás de um privilégio divino que setransformou na sua ruína. Todavia, para se forçar essa analogia ainda maisseria necessária uma ingenuidade considerável e a capacidade de lernovamente na narrativa de Gênesis aquilo que a narrativa em si não deixaexplícito. Quem já era somente e meramente humano (Adão) não se tornahumano como o nosso Salvador o fez na sua encarnação.

Assim como ocorreu nas passagens anteriores que vimos, Paulo aquitambém faz uso de Cristo como o paradigma exemplar exatamente porqueesta é uma crença compartilhada com os destinatários da sua carta. Quandoconsideramos que a igreja de Filipos foi fundada no final da década de 40d.C. (isto é, menos de duas décadas depois da cruz e da ressurreição),podemos também subentender que se tratava de uma crença compartilhadapela comunidade cristã no seu contexto maior, numa época

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consideravelmente anterior à composição dessa carta por parte de Paulo.

2 Timóteo 1.9-10[...] graça que nos foi dada em Cristo Jesus, antes dos tempos dosséculos, e que é manifesta, agora, pela aparição de nossoSalvador Jesus Cristo, o qual aboliu a morte e trouxe à luz a vidae a incorrupção, pelo evangelho.

Apesar do tema do empobrecimento não ocorrer em 2 Timóteo 1.9-10,essa passagem, de fato, enfatiza a obra redentora de Cristo.9 E, mais uma vez,a pré-existência e a autenticidade da encarnação de Cristo é tida comopressuposto. A pré-existência de Cristo é asseverada pela frase “que nos foidada em Cristo Jesus, antes dos tempos dos séculos”. A sua encarnação é,então, descrita pela expressão “que é manifesta, agora, pela aparição denosso Salvador Jesus Cristo”. Assim, esse tema bem paulino encontraexpressão no corpus mais uma vez. Cristo preexistia com o Pai, e a certoponto da história humana Ele encarnou para nos redimir.

Cristo, o Filho, como o EnviadoÉ à luz das passagens anteriormente analisadas que devemos ler as duas

passagens que falam do “envio” em Gálatas e Romanos. Apesar de algumaspessoas argumentarem em outra direção, tanto a gramática como o contextodessas passagens exigem uma leitura encarnacional dessas afirmaçõesextraordinárias. Ambas aparecem em contextos em que a preocupação dePaulo é mostrar que tanto Cristo como o Espírito tornaram obsoleta aobservância da Torá e, portanto, ambas são completamente soteriológicas, jáque, em cada um dos casos, Paulo afirma que Deus enviou o seu Filho paralibertar a humanidade da escravidão tanto à Torá quanto à morte.Analisaremos cada uma dessas passagens, sequencialmente, seguidas poruma breve análise das passagens correlatas em 1 Timóteo.

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Gálatas 4.4-7Mas, vindo a plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho,nascido de mulher, nascido sob a lei, para remir os que estavamdebaixo da lei, a fim de recebermos a adoção de filhos. E, porquesois filhos, Deus enviou aos nossos corações o Espírito de seuFilho, que clama: Aba, Pai. Assim que já não és mais servo, masfilho.

Gálatas 4.4-7 apresenta uma base cristológico-soteriológica para ointeresse singular de Paulo ao longo de toda a carta — a saber, pelo fato deestarem em Cristo, os gentios da Galácia não precisavam, de forma alguma,submeter-se à Torá. Assim, essa passagem foi modelada tendo-se em vistaessa preocupação singular. Como Paulo argumenta de diversas formas aolongo dessa carta, o “tempo” de Deus veio com Cristo, especialmente porintermédio da obra redentora na cruz, seguida pela ressurreição.

Em Gálatas 4.4, Paulo declara, em linguagem que pareceintencionalmente escolhida para fazer a ligação entre a obra de Cristo e doEspírito, que “Deus enviou o seu Filho”. Duas questões indicam que essa éuma afirmação da pré-existência de Cristo, de que o Filho é, Ele mesmo,divino e foi enviado do Pai para efetuar a redenção.

Em primeiro lugar, apesar de ser verdade, como alguns argumentam, queo verbo utilizado por Paulo para expressar a ideia de “enviado” nãonecessariamente implique o envio de um ser pré-existente, o verbo não éusado aqui de forma isolada. As evidências gerais dessa passagem apontamna direção da pré-existência. O verbo pode se referir ao envio de um sercelestial, e tanto o contexto como a linguagem geral dessa passagem,especialmente a ocorrência do verbo em uma frase crucial, em Gálatas 4.6,sugerem que este, de fato, é o caso aqui. Isso é confirmado pelo fato de Paulocomeçar a sua frase seguinte dizendo exatamente a mesma coisa a respeito doEspírito. Ao utilizar uma linguagem que remonta a um momento significativo

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do Saltério (Sl 104.30), e em uma frase que representa tanto um paralelismocomo também está intimamente relacionada ao que ele declarou nas suasduas frases de abertura (Gl 4.4,5), Paulo afirma que “Deus enviou aos nossoscorações o Espírito de seu Filho, que clama: Aba, Pai” (v. 6).10 Ao fazer isso,portanto, o Apóstolo confirma que a nossa filiação é assegurada pelo Filho aquem o Pai “enviou” previamente. O paralelismo entre o envio do Filho e oenvio do Espírito — que pode se referir somente à pré-existência do Espíritode Deus, agora entendido também como o Espírito do Filho — confirma que,no primeiro caso, Paulo estava falando, de forma pressuposta, a respeito dapré-existência de Cristo. Como F. F. Bruce declarou certa vez: “Se o Espíritoera o Espírito antes de Deus Lhe enviar, o Filho, presumivelmente, tambémera o Filho antes de Deus lhe enviar”.11

Em segundo lugar, de acordo com o seu argumento como um todo atéaqui, Paulo fala da obra de Cristo como uma realidade histórica e objetiva.No tempo determinado pelo próprio Deus, Cristo adentrou a história humana(“nascido de mulher”) dentro do contexto do próprio povo de Deus (“nascidodebaixo da Lei”), de modo a libertar o povo da observância da Torá ao lhesconceder a “adoção como ‘filhos’“ (Gl 4.4,5). A expressão outroradesnecessária “nascido de mulher” deveria saltar aos olhos do leitor. De queoutra forma, poderíamos perguntar, um ser humano poderia ser trazido aonosso mundo? Apesar da preocupação fundamental de Paulo, nesse caso,estar nas duas expressões seguintes — “nascido sob a lei, para remir os queestavam debaixo da lei” — a menção que ele faz de Cristo como “nascido demulher” somente faz sentido se a pré-existência de Cristo for o pressupostode toda a frase. O argumento de Paulo, nesse caso — mesmo que ocorraquase de passagem — é que Cristo é o Encarnado, aquEle que se mostra,portanto, em franco contraste com as “primeiros rudimentos [forçasespirituais] do mundo” (v. 3) aos quais esses egressos do Paganismo outroraestiveram sujeitos.

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Romanos 8.2-4Porque a lei do Espírito de vida, em Cristo Jesus, me livrou da leido pecado e da morte. Porquanto, o que era impossível à lei,visto como estava enferma pela carne, Deus, enviando o seuFilho em semelhança da carne do pecado, pelo pecado condenouo pecado na carne, para que a justiça da lei se cumprisse em nós,que não andamos segundo a carne, mas segundo o Espírito.

Em uma frase que, ao mesmo tempo, faz referência à argumentaçãoanterior acerca da relação entre a Lei e o pecado (Rm 7.4-6) e tambémencerra uma longa digressão acerca da questão da Torá ser ou não má, Paulopassa a elaborar sobre a “lei do Espírito” observada no fim da sua frase deabertura (8.2; cf. 7.22,23). A própria realidade do Espírito que concede a vidaestá fundamentada na obra redentora de Cristo. Desse modo, ao se referir aopapel de Cristo em tornar obsoleta a observância da Torá, Paulo fala, maisuma vez, em termos de Deus ter enviado o seu Filho para redimir, e faz istocom uma linguagem que lembra a sua afirmação anterior dessa realidade emGálatas 4.4,5.

Só que em Romanos 8 o Apóstolo fala da obra de Cristo em termos deDeus ter “condenado o pecado na carne” (v. 3), o que é quase queseguramente uma expressão de duplo sentido: na morte do próprio Cristo “nacarne” Deus condenou o pecado que reside na nossa “carne”, isto é, na nossanatureza decaída. A explicação fornecida por Paulo sobre como Deus fez issoé apresentada no modificador central: “enviando o seu Filho em semelhançada carne do pecado” (v. 3), o que somente pode significar que Cristo assumiua genuína humanidade, mas fê-lo sem concessões ao pecado.

Como observamos repetidas vezes na questão da pré-existência e daencarnação de Cristo, Paulo não as defende, nem as apresenta comoessenciais ao seu argumento presente; antes, essas duas realidades são opressuposto natural da linguagem de Paulo, especialmente a linguagem que

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fala de Deus “ter enviado o seu próprio Filho na semelhança da carne dopecado”. Essas expressões — em especial à luz das passagens que jáexaminamos — assumem claramente que Cristo ainda não haviaexperimentado a “carne” antes de ser enviado. O que deveria saltar aosnossos olhos nesse caso é a expressão única “seu próprio Filho” na qual “seupróprio” se encontra na posição enfática, no meio da expressão gregautilizada por Paulo. Isso dificilmente é um caso de linguagem de “adoção”;pelo contrário, a expressão aqui pressupõe a relação única com o Pai que é aprerrogativa exclusiva do Filho, ao mesmo tempo em que antecipa a alusão aAbraão e Isaque que aparecerá um pouco mais adiante (Rm 8.32).

Além do mais, a expressão “em semelhança da carne do pecado”, assimcomo a expressão “semelhante aos homens” de Filipenses 2.7, significa queJesus foi semelhante a nós na “carne” em alguns aspectos, mas diferente emoutros. O uso que Paulo faz da palavra “carne” indica a sua intenção, já quese ele tivesse desejado expressar uma identificação mais completa conosco nanossa própria pecaminosidade, ele poderia ter dito simplesmente “empecaminosidade”, ou seja, na nossa condição humana decaída. Portanto,nesse caso, além da pré-existência e da encarnação de Cristo serempressupostas por aquilo que Paulo afirma, a própria natureza imaculada deCristo também é assumida por ele — mesmo que a maior preocupação dePaulo, nesse caso, seja demonstrar a genuína humanidade de Cristo.

1 Timóteo 1.15Esta é uma palavra fiel e digna de toda aceitação: que CristoJesus veio ao mundo, para salvar os pecadores, dos quais eu souo principal.

1 Timóteo 2.5Porque há um só Deus e um só mediador entre Deus e oshomens, Jesus Cristo, homem.

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1 Timóteo 3.16[...] Aquele que se manifestou em carne foi justificado emespírito, visto dos anjos.

Em 1 Timóteo 1.15, a “palavra fiel” modifica ligeiramente a ênfase deCristo ter sido “enviado”, apesar do argumento continuar de pé: “Cristo Jesusveio ao mundo para salvar pecadores”. Assim como ocorre com as passagensque analisamos anteriormente, essa frase não exige que a pré-existência estejasendo considerada. Todavia, essa expressão é uma forma estranha de sereferir à morte redentora de Cristo se ela não pressupuser a sua pré-existência. Uma forma mais parecida como declaração de fé para validar oseu argumento, como a utilizada por Paulo em 1 Coríntios 15.3, seriasimplesmente dizer que Cristo Jesus “morreu” para salvar pecadores.

A ênfase na vinda de Cristo a este mundo nessa passagem é reiterada emdois momentos sucessivos em 1 Timóteo (2.5 e 3.16) com interesseespecífico na realidade da encarnação, o que reforça a leitura encarnacionalde 1.15. A obra do único mediador entre Deus e a humanidade foi realizadapor aquEle que era, Ele mesmo, completamente humano (2.5). Umaafirmação assim implica tanto a sua pré-existência como a sua encarnação. Eessa compreensão dessas duas primeiras afirmações é confirmada pelaprimeira linha do poema na passagem final, que “ele apareceu [lit., foimanifesto] na carne” (3.16). Na verdade, essa ênfase ocorre, quase quecertamente, em resposta a uma forma de Docetismo latente que negava omundo material que está sendo refutado nessa carta.

ConclusãoComo devemos tratar as evidências que Paulo e suas igrejas tinham em

comum de que o seu Salvador, o Senhor Jesus Cristo, teve uma existênciaprévia como Filho de Deus e foi “enviado” ao mundo para efetuar aredenção? De que maneira essa realidade afeta o nosso entendimento geral da

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Cristologia de Paulo?Em primeiro lugar, Paulo entendia claramente que Cristo, o próprio

Salvador, era divino; e não simplesmente um agente divino. Se a maior partedas ênfases cristológicas de Paulo tem relação com o reinado presente deCristo como Senhor no período pós-ressurreição, as passagens paulinas acimadeixam claro que na vinda de Cristo “porque foi do agrado do Pai que toda aplenitude nele habitasse” (Cl 1.19), numa referência ao Jesus Cristo humano.Assim, a plena divindade de Cristo nunca é algo defendido por Paulo; antes,trata-se de um pressuposto constante de tudo que ele diz a respeito de Cristocomo Salvador. E, seguramente, essa realidade pressuposta explica, emgrande medida, a devoção que Paulo tinha por Cristo, examinada no capítulo1. Para sermos honestos, Paulo raramente fala no “Filho de Deus, o qual meamou e se entregou a si mesmo por mim” como faz em Gálatas 2.20; só que osimples fato de, nesse caso, ele identificar intencionalmente Cristo como “oFilho de Deus” sugere que o que deixa Paulo mais extasiado nesse amor nãoé simplesmente a morte de Cristo em seu lugar. O que está por trás dessamaravilha é o sentimento avassalador nutrido por Paulo de que o Filho deDeus pré-existente e, portanto, divino é aquEle que, por meio da suaencarnação e crucificação “se entregou a si mesmo por mim”. A divindade deCristo, portanto, para Paulo não é uma questão menor, mas de importânciacentral na sua compreensão, e na sua devoção ao seu Senhor.

Em segundo lugar, existe, especialmente nas cartas de Paulo, uma ênfaseconsiderável na genuína humanidade de Cristo, que complementa aconvicção que ele tinha a respeito da verdadeira identidade de Cristo comoFilho divino. A ênfase na genuína humanidade de Cristo nas últimas cartas dePaulo sugere que, àquela altura — uma geração completa depois da morte eressurreição de Cristo —, Paulo já tinha de lutar em um segundo “front”, istoé, contra aqueles cujo entendimento da divindade de Cristo poderiasubestimar a realidade da humanidade de Cristo. Apesar de nenhuma dessaspassagens ser abertamente antidocética, elas, todavia, ou falam, ou antecipam

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a heresia do Docetismo. Paulo, de forma alguma, aceitaria esse desatino. Aodeclarar que Cristo veio “em semelhança humana” ou “na semelhança dacarne do pecado”, Paulo não está afirmando que a carne de Cristo não era real(corporal) como a nossa. Antes, essa linguagem protege as duas dimensões deuma encarnação genuína: que em Cristo aquEle que era verdadeiramenteDeus teve uma vida genuinamente humana.

A dupla ênfase na divindade e na humanidade de Cristo é a Cristologiapressuposta que está por trás das afirmações de Paulo examinadas nestecapítulo. Ao mesmo tempo, precisamos manter essas declarações acerca dadivindade de Cristo juntas à insistência de Paulo, em outras passagens, dehaver somente um Senhor, um Espírito e um Deus (Ef 4.4-6; cf. 1 Co 12.4-6),ao lado da repetida ênfase na Trindade Divina como responsável pela nossasalvação. Aliás, foram exatamente essas mesmas afirmações e ênfases quefizeram com que a Igreja Primitiva elaborasse a melhor forma de expressar aconvicção de que sempre houve, e sempre haverá, um Único Deus, mas queessa unidade deveria ser compreendida de modo a incluir Pai, Filho eEspírito. Na verdade, ao examinarmos mais atentamente no capítulo final,essas passagens, em Paulo — junto com afirmações similares no corpusjoanino e no livro de Hebreus —, exigiram que a igreja tentasse articular aforma como o Deus único era, de fato, “Três em Um”.

9 Ao trazer esta passagem à análise, não estou tentando defender nem refutar a autoria paulina dessacarta, muito embora eu, pessoalmente, tenda a ser veementemente a favor da sua autoria. Essa cartaexiste no Novo Testamento porque até o século XVIII ela era tida pela Igreja como obra de Paulo. E aúnica razão para trazê-la à análise aqui é observar que a sua Cristologia, apesar de ser expressa, porvezes, de modo diferente, está completamente de acordo com o modo de pensar de Paulo.10 Vide o cap. 7 a seguir, que analisa o clamor Aba em mais detalhes.11 F. F. Bruce, Commentary on Galatians (Grand Rapids: Eerdmans, 1982), p. 195.

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Assim, um bispo do quarto século chamado Apolinário afirmava que Cristotinha um corpo totalmente humano, mas defendia que esse corpo era habitadopor uma mente divina. Essa visão foi, finalmente, rejeitada pela igrejaortodoxa por eliminar a genuína humanidade de Cristo — já que a mentedivina de Jesus, mesmo quando criança, não teria precisado se desenvolver eaprender como a mente humana precisa. Infelizmente, a influência dessaheresia não bíblica ainda pode ser sentida na igreja contemporânea.

Nesta segunda parte do livro, analisaremos a afirmação da humanidadegenuína de Cristo nas epístolas paulinas ao voltarmos a nossa atenção para asreferências, e, em alguns casos, às alusões que ele faz a Cristo como osegundo ou último “Adão”. Para sermos sinceros, há controvérsias acerca daextensão em que essa análise deve ser feita nas cartas paulinas, já que Adão émencionado especificamente só três vezes (1 Co 15.21,22, 44-49; Rm 5.12-21). Em vez de nos concentramos estritamente no uso que Paulo faz do nomeAdão, a análise será ampliada a fim de incluir o uso que o Apóstolo faz dasfiguras relacionadas a partir da narrativa da criação em Gênesis, inclusive dalinguagem utilizada para se referir à Nova Criação, ao segundo Adão e àimago Dei (cap. 3). A ampliação da análise dessa forma permitirá umaavaliação completa do tópico da obra de Cristo como o criador de uma novacriação e de uma nova humanidade, muito embora em alguns casos a alusão aAdão possa ter sido algo distante. A seguir, voltar-nos-emos à ênfase dePaulo na verdadeira humanidade do segundo Adão: Jesus de Nazaré (cap. 4).

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Paulo da narrativa de Gênesis aparece no mesmo formato que teria ocorridona Bíblia grega utilizada pelo Apóstolo: a Septuaginta.

A Nova CriaçãoEm três ocasiões, nas cartas que abrangem um período de quase uma

década e em situações que visavam tratar de mudanças comportamentais,Paulo baseia o seu argumento no fato de que, com a vinda de Cristo Jesus,especialmente como o resultado da sua morte e ressurreição, Deus haviainaugurado a “nova criação” prometida já desde o fim do livro de Isaías(65.17-25). Esse uso está de acordo com a estrutura escatológica do “já eainda não” que caracteriza a teologia paulina como um todo, e que ele tinhaem comum com o restante da Igreja Primitiva. Esses crentes do períodoprimitivo passaram a entender que Cristo, por meio da sua morte eressurreição, havia inaugurado o princípio do fim (o “já”), ao passo que elesainda aguardavam a sua consumação (o “ainda não”). Duas passagens nascartas de Paulo expressam essa ideia explicitamente, enquanto uma terceiraproporciona mais detalhes, mesmo não fazendo uso da linguagem em si.Consideraremos aqui cada uma dessas passagens, sequencialmente, acomeçar pela mais antiga.

2 Coríntios 5.14-17Porque o amor de Cristo nos constrange, julgando nós assim:que, se um morreu por todos, logo, todos morreram. E elemorreu por todos, para que os que vivem não vivam mais para si,mas para aquele que por eles morreu e ressuscitou. Assim que,daqui por diante, a ninguém conhecemos segundo a carne; e,ainda que também tenhamos conhecido Cristo segundo a carne,contudo, agora, já o não conhecemos desse modo. Assim que, sealguém está em Cristo, nova criatura é: as coisas velhas jápassaram; eis que tudo se fez novo.

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Nessa primeira passagem, Paulo confronta intencionalmente algumaspessoas de Corinto que estavam colocando em questão tanto o evangelho deum Messias crucificado quanto a própria forma de apostolado pautado pelacruz de Paulo. A nova criação inaugurada pela morte e ressurreição de Cristo,argumenta Paulo, anula o ponto de vista da velha era. A expressão que Pauloutiliza poderia ser traduzida de modo literal como “segundo a carne”, o que,muito provavelmente, começou como um jogo de palavras a respeito dacircuncisão do órgão sexual do filho homem, mas como esse jogo de palavrasnão é mais percebido pelos leitores, principalmente nas línguas ocidentais, ostradutores da NVI fizeram certo ao expressar “do ponto de vista humano” (2Co 5.16).

A partir da perspectiva do Apóstolo, a morte de Cristo significa que todaa humanidade foi punida com a sentença de morte, de modo que aqueles queforam ressuscitados para a vida (na nova ordem de Deus) agora vivem porcausa daquele “que por eles morreu e ressuscitou” (2 Co 5.15). O resultado,explica Paulo, é que a partir desse ponto de vista, enxergar Cristo ou alguém(ou qualquer coisa) a partir de uma perspectiva que é “segundo à carne”deixou de ser uma alternativa válida. Por quê? Porque estar em Cristosignifica que nos tornamos parte da nova criação: já que em Cristo “as coisasvelhas já passaram, eis que tudo se fez novo” (v. 17). Esse novo ponto devista radical — a vida marcada pela cruz e que aguarda a ressurreição — estáno coração e serve como a base para quase tudo que Paulo pensa e faz.

Gálatas 6.14-16Mas longe esteja de mim gloriar-me, a não ser na cruz de nossoSenhor Jesus Cristo, pela qual o mundo está crucificado paramim e eu, para o mundo. Porque, em Cristo Jesus, nem acircuncisão nem a incircuncisão têm virtude alguma, mas sim oser uma nova criatura. E, a todos quantos andarem conforme estaregra, paz e misericórdia sobre eles e sobre o Israel de Deus.

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Na sua carta aos crentes da Galácia, a carta mais apaixonada de toda acoleção preservada de Paulo, o Apóstolo encerra afirmando que a velhaordem que fazia acepção de pessoas com base no rito da circuncisão deulugar à nova ordem. Um pouco antes, nessa mesma carta (Gl 3.26-29), Pauloafirmou claramente que a participação na morte e na ressurreição de Cristopela fé e por meio do batismo haviam radicalizado tudo. Na nova ordem, nementidade religiosa (judeu ou gentio), nem condição social (escravo ou livre),tampouco identidade de gênero (homem ou mulher) serve para qualquer coisaem termos do nosso relacionamento com Deus. Nas suas palavras dedespedida àqueles crentes com quem teve algumas desavenças, ele afirmanovamente que o valor e o privilégio com base no status que havia sidodestruído com a inauguração da nova criação.

A mensagem de Paulo ao longo dessa carta foi que na nova ordem dascoisas, o chão — aos pés da cruz, por assim dizer — era igual para todos. Napresente passagem, a sua mensagem era que os crentes gentios não deveriamser coagidos a serem circuncidados, como defendiam alguns, já que na novaordem estabelecida pela morte e ressurreição de Cristo as referências deidentidade deixaram de existir. A vida no Espírito havia eliminado anecessidade de se manter a velha ordem da vida pautada na Lei.

Como aposto final, Paulo oferece a mais surpreendente de todas asafirmações: aqueles que faziam parte dessa nova criação eram agora, de fato,o “Israel de Deus” (Gl 6.16). Deus não havia abandonado o seu antigo povo;antes, tanto judeus como os gentios estavam sendo, agora juntos, recriadossegundo a divina imagem. A preocupação de Paulo era que aqueles quepertencessem a Deus, na qualidade de filhos, deveriam, portanto, portar adivina imagem nos seus relacionamentos com as outras pessoas. É por issoque Paulo enfatiza que o comportamento (e não as “obras”) que correspondiaao apresentado por Deus e Cristo — o amor pelos nossos inimigos, o cuidadocom os pobres, a quebra de barreiras étnicas e culturais (judeus e gentioscomo um único povo de Deus) — é tão importante na nova criação que

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começou por intermédio da morte e ressurreição de Cristo.

Colossenses 3.8-11Mas, agora, despojai-vos também de tudo: da ira, da cólera, damalícia, da maledicência, das palavras torpes da vossa boca. Nãomintais uns aos outros, pois que já vos despistes do velhohomem com os seus feitos e vos vestistes do novo, que se renovapara o conhecimento, segundo a imagem daquele que o criou;onde não há grego nem judeu, circuncisão nem incircuncisão,bárbaro, cita, servo ou livre; mas Cristo é tudo em todos.

Tendo as duas passagens anteriores como pano de fundo, o significado deColossenses 3.8-11 agora poderá ser analisado. Apesar de essa passagem nãoapresentar o termo “nova criação”, ela sugere exatamente isso quando fala donovo homem “que se renova para o conhecimento, segundo a imagemdaquele que o criou” (cf. v. 10). Examinaremos o uso que Paulo faz dapalavra eikōn de forma detalhada na seção final deste capítulo. Por ora,simplesmente observaremos a ênfase de Paulo em Cristo como o ponto focalabsoluto da nova criação.

Anteriormente, nessa carta, Paulo afirmava que a entrada na novahumanidade se dava por meio da morte e ressurreição de Cristo, entendidacomo algo que era evidenciado pela união que ocorria do crente com Cristono batismo (Cl 2.12). Agora, ele reitera que a nova ordem radical que surgecomo resultado — uma nova ordem na qual todas as distinções meramentebaseadas em fatores humanos fundamentados em etnia (gentio ou judeu),religião (circuncisão ou não circuncisão), status cultural (bárbaro, cita) oucondição social (escravo ou livre) foram abolidas (fazendo eco à suaafirmação anterior em Gl 3.28). Por mais importantes que essas distinçõespudessem ter sido para a maioria das pessoas na sua vida cotidiana noImpério Romano — e continuam sendo em muitas culturas contemporâneas

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—, Paulo insiste que elas não têm qualquer importância em termos do nossorelacionamento com Deus e, portanto, não exercem qualquer impacto nosnossos relacionamentos cotidianos na comunidade de fé.

Nessa passagem, Paulo ecoa uma linguagem utilizada na narrativa dacriação de Adão e Eva (Gn 1.26-27; cf. 9.6) bem como expressões do poemasobre Cristo que prefacia essa carta (Cl 1.15,18). É importante notarmos quetudo nessa carta, e essa passagem mais especificamente, indica que o criadoré o próprio Cristo. Somente Cristo está em mente tanto no contexto imediatoda passagem como no contexto maior (2.20–3.11). Além disso, no hino deabertura dedicado a Cristo (1.15-20), Cristo é tanto o portador da imagemdivina como aquEle por meio de quem a criação original veio à existência.De modo semelhante, Ele é chamado o archē (“princípio”) da nova criação(1.18).

Desse modo, aquEle que, como Filho de Deus, carrega a divina imagemtambém é aquEle que, em função da sua morte e ressurreição está, agora,recriando um povo segundo essa mesma imagem. Essa passagem, portanto,reforça o tema da nova criação pelo uso da linguagem da divina imagem.Essa combinação de ideias e linguagem lança o fundamento cristológico paracompreendermos as análises que Paulo faz de Cristo como o segundo Adão.

O Segundo AdãoTodas as três comparações explícitas entre Cristo e Adão ocorrem em

contextos em que a humanidade de Cristo é completamente entendida como opressuposto por trás da preocupação de Paulo, mesmo que esta não seja,necessariamente, a sua ênfase. O que está em questão em todos os trêscontrastes são as duas realidades básicas da nossa humanidade: o pecado e amorte, as quais foram liberadas por Adão na nossa humanidade, mas queCristo, como o “segundo Adão,” venceu pela sua morte e ressurreição. Duasdessas comparações são encontradas no mesmo capítulo, 1 Coríntios 15, e aterceira está em Romanos 5.

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1 Coríntios 15.21,22Porque, assim como a morte veio por um homem, também aressurreição dos mortos veio por um homem. Porque, assimcomo todos morrem em Adão, assim também todos serãovivificados em Cristo.

Paulo não fala nada em 1 Coríntios — nem nas suas duas primeiras cartas(1 e 2 Tessalonicenses) — para nos preparar para a súbita menção de Adãoem 1 Coríntios 15. Ela aparece perto do início da segunda parte do triploargumento de Paulo diante dos coríntios na questão da ressurreição futuracorpórea dos crentes, sobre a qual alguns coríntios estavam muito ansiososem saber! Incialmente, Paulo apresenta a ressurreição do próprio Cristo comoa base para a nossa (1 Co 15.1-11), depois apresenta em detalhes anecessidade da ressurreição de Cristo (vv. 12-34) e, por fim, indica algosobre a natureza de um corpo que foi ressurreto e adaptado para a vida naeternidade (vv. 35-58). O fato de ele voltar a fazer isso de forma tão tranquilana sua última carta aos crentes de Roma (Rm 5) sugere que ele havia refletidopreviamente sobre essa analogia antes de ela aparecer aqui pela primeira veznas cartas posteriores que a nós chegaram.

Nesse primeiro caso, a analogia é simples e direta: a morte se tornou umarealidade humana por causa do primeiro anthrōpos (ser humano), Adão; demodo semelhante, a ressurreição se tornará uma realidade futura para oscrentes por causa da ressurreição do segundo anthrōpos, Cristo Jesus. Isto é,então, repetido com ênfase nos seus efeitos para os outros seres humanos:“Porque, assim como todos morrem em Adão, assim também todos serãovivificados em Cristo” (1 Co 15.22). Como essa é uma resposta direta a umanegação que algumas pessoas de Corinto faziam de uma futura ressurreiçãocorpórea dos crentes, a ênfase está totalmente no fato de que, assim como oanthrōpos que esteve no início da velha criação trouxe a morte para o mundo,do mesmo modo o anthrōpos que está no início da nova criação, por meio da

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sua morte (e ressurreição), assegurou uma ressurreição futura do nosso corpopara aqueles que estão nele.

1 Coríntios 15.44-49 (NVI)[...] Se há corpo natural, há também corpo espiritual. Assim estáescrito: “O primeiro homem, Adão, tornou-se um ser vivente”;12

o último Adão, espírito vivificante. Não foi o espiritual que veioantes, mas o natural; depois dele, o espiritual. O primeiro homemera do pó da terra; o segundo homem, dos céus. Os que são daterra são semelhantes ao homem terreno; os que são dos céus, aohomem celestial. Assim como tivemos a imagem do homemterreno, teremos13 também a imagem do homem celestial.

A ênfase no segundo uso que Paulo faz da analogia entre Adão e Cristoem 1 Coríntios 15 volta a estar no fato de Cristo ser o último anthrōpos, sóque, nesse caso, a analogia se torna um pouco mais complexa porque aquestão mudou consideravelmente. Nas duas primeiras seções desse longoargumento (1 Co 15.1-11 e 12-34), a ênfase esteve na realidade da futuraressurreição dos crentes, que estava fundamentada na ressurreição do próprioCristo. A ênfase na terceira parte do argumento (vv. 35-49) recai na naturezacorpórea dessa futura ressurreição. E se, a partir da nossa última perspectiva,Paulo trata dessa questão de uma forma um tanto prolixa, isso ocorre porqueele deseja enfatizar o fato de o Cristo ressurreto continuar a ter um corpo queestá relacionado com a sua vida como um ser humano. Paulo faz isso pormeio dos adjetivos psychikos e pneumatikos, que, nesse caso significa algocomo “natural” e “sobrenatural”, respectivamente — um uso queprovavelmente tenta transmitir certa ironia, já que os coríntios, ao que parece,não valorizavam o corpo humano psychikos. Portanto, por meio desses doisadjetivos, Paulo defende que o corpo que Cristo Jesus assumiu na suaencarnação era muito semelhante ao que todos nós temos e, desse modo, total

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e completamente adaptado para a vida neste mundo. Só que o corpo que Eleveio a ter na ressurreição foi remodelado para a vida final do Espírito. Assim,trata-se do mesmo corpo, mas não exatamente o mesmo. As váriascomplexidades do presente argumento estão todas relacionadas a essefenômeno.

O resultado é que o primeiro anthrōpos, Adão, tinha um corpo que era daterra, e feito dos elementos desta terra” (do “pó da terra”, 1 Co 15.47). Osegundo anthrōpos, mesmo tendo se movimentado nesse corpo terreno, agoratem um corpo adaptado para o céu (“celestial”, v. 47). O motivo para a formaum tanto complexa de expressar isso acaba sendo uma questão de exortação.Paulo deseja que os coríntios vivam de tal maneira que eles estejam entreaqueles que, na sua ressurreição, também possuirão a “imagem” do segundoAdão (v. 49), já que eles, na verdade, já têm a “imagem” do primeiro Adão.

Muito embora a maioria das versões traduzam o verbo de 1 Coríntios15.49 como um futuro do indicativo (“assim traremos”; no grego, um “o”curto), as evidências dos melhores manuscritos deixam claro que Paulomesmo havia escrito aos coríntios no imperativo” (“portanto, tragamos”, nogrego um “o” longo), significando que eles deveriam fazer isso agora, napresente era. A intenção de Paulo é clara, especialmente à luz de tudo o quese apresentou até aqui: se nós somos portadores do nome de Cristo nopresente, também devemos ser portadores da sua semelhança nos nossosrelacionamentos uns com os outros e com o mundo.

Para sermos francos, se a direção do argumento, nesse caso, mudou umpouco, a ênfase de Paulo em Cristo ter sido “verdadeiramente humano” seguea mesma de antes. A diferença é que Cristo é agora tratado como o progenitorda nova humanidade, assim como Adão foi da primeira. Assim, nos doiscasos apresentados por essa analogia em que Paulo está desafiando a tácitanegação dos coríntios de uma ressurreição corporal futura, a sua preocupaçãoé singular: Cristo, na sua humanidade, por meio da sua morte e ressurreição,não somente se identificou conosco como seres humanos, mas desencadeou

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uma ressurreição futura — como uma nova criação com percepção final deum novo corpo, totalmente adaptado à vida futura. E a base para tudo isso é arealidade histórica de que na sua encarnação Ele se revestiu de um corpo que,verdadeiramente, correspondia ao corpo de Adão.

Romanos 5.12-21Pelo que, como por um homem [anthrōpos] entrou o pecado nomundo, e pelo pecado, a morte, assim também a morte passou atodos os homens [anthrōpoi]

[...] muito mais a graça de Deus e o dom pela graça, que é de um sóhomem [anthrōpos], Jesus Cristo, abundou sobre muitos. [...] Porque,como, pela desobediência de um só homem [anthrōpos], muitosforam feitos pecadores, assim, pela obediência de um [homem{anthrōpos}], muitos serão feitos justos.

A preocupação em ambos os casos do contraste entre Adão e Cristo em 1Coríntios 15 dizia respeito à morte e à vida como tal. Quando Paulo retorna aessa analogia, no início da segunda parte da sua apresentação do evangelhoaos crentes de Roma (Rm 5.12–8.29), a sua preocupação central continuasendo a morte e a vida. A questão agora, entretanto, não é a morte em si, massim a causa da morte: o pecado. Todavia, apesar da ênfase no pecado e najustiça que levou a essa analogia — uma ênfase que é repetidaexaustivamente e é consequência disso —, Paulo prossegue com essaanalogia para enfatizar a morte e a vida. O que Adão liberou neste mundo foio pecado, o qual levou à morte; o que Cristo trouxe ao mundo foi a justiça,que levava à vida. E, assim como em 1 Coríntios 15, ao longo de todo o seuargumento em Romanos 5, Paulo utiliza exaustivamente a palavra anthrōpos

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para se referir tanto a Adão como a Cristo.Todas as três menções explícitas a Adão e a Cristo no restante do corpus

paulino tem um foco bem definido: em cada um dos casos, a analogia temuma relação específica com o primeiro sendo o responsável por trazer a morteao mundo, por meio do pecado, e o segundo sendo responsável por trazer avida ao mundo por meio da sua morte e ressurreição. Todavia, nada mais sefaz com essa analogia. Daí é possível compreender por que muitos assumemuma posição minimalista nessa questão. O argumento de Paulo, ao utilizaressa analogia, parece claro, em especial à luz de tudo o que ocorreu até esteponto. E se ficarmos somente com o que essas poucas afirmações dizem, demodo específico, dificilmente haveria espaço para algo que lembrasse uma“Cristologia adâmica”. Só que existe algo mais que precisa ser dito acercadessas afirmações, porque em cada um dos casos existe uma ênfaseconsiderável em Adão e Cristo na posição de inauguradores de algo. ParaPaulo, eles são os progenitores das duas criações, uma decaída e que gerou opecado e a morte, e a nova, que gerou a crucificação e a ressurreição.Todavia, se uma Cristologia adâmica somente aparece de forma implícitanessa analogia, nas passagens que acabamos de considerar, ela se tornaexplícita em vários outros debates de Paulo sobre a divina imagem, os quaispassaremos a analisar doravante.

A Imagem de DeusÀ luz das passagens sobre a nova criação e sobre o segundo Adão que

examinamos acima, temos boas razões para crer que as diversas referênciasque Paulo faz ao Filho de Deus como sendo o portador da divina “imagem”(no grego, eikōn) fazem um contraste intencional entre Adão e Cristo (comoo segundo Adão). Isso parece especialmente verdadeiro ao observarmos queo primeiro uso de eikōn feito por Paulo dessa forma ocorre no contextoimediato dessa analogia entre Adão e Cristo analisada acima (1 Co 15.49).

O que não fica tão claro na literatura especializada é onde devemos

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colocar a ênfase no uso que Paulo faz da palavra eikōn — se ela recai maissobre Cristo como o portador da divina imagem ou do fato de Ele ser osubstituto de Adão como o único ser humano real sobre quem a divinaimagem foi restaurada. Ou, talvez, a ênfase de Paulo seja, de certa forma(intencionalmente?) ambígua. Para tentar resolver essa questão,consideraremos várias passagens que utilizam o termo eikōn. Nós asabordaremos segundo a sua ordem cronológica, já que algo poder seraprendido ao fazermos isso.

1 Coríntios 15.49Assim como tivemos a imagem do homem terreno, teremos14

também a imagem do homem celestial.

Em primeiro lugar, 1 Coríntios 15.49 apresenta o uso mais antigo deeikōn no corpus paulino. Como vimos acima, a preocupação de Paulo nessapassagem é ajudar os coríntios a compreender a futura ressurreição corpóreados crentes (1 Co 15.35-49), e ele tenta fazer isso retomando a analogia entreAdão e Cristo apresentada anteriormente (vv. 21-22), que ecoa a narrativa deabertura da Bíblia (Gn 1). Com o que parece ser uma espécie de expressão deduplo sentido, a ênfase de Paulo recai, primeiramente, na natureza corporalda ressurreição, a qual hoje é vista em Cristo e que todos os que estão emCristo, ao final, também terão. Todavia, em segundo lugar, Paulo nãoconsegue deixar de insistir para que eles vivam no presente tendo esse futuroem mente.

Assim, nesse momento, já perto do fim da carta, Paulo enfatiza o fato deCristo ser o portador da imagem de Deus, ou imago Dei, na sua vida humana,mesmo se o propósito do seu argumento fosse descrever o corpoverdadeiramente humano, só que agora transformado, de Cristo. Não existeênfase na divindade de Cristo como tal; antes, na sua vinda como o segundoAdão, Cristo fez o que Adão fracassou em fazer: portar a divina imagem na

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sua humanidade e, desse modo, servir como o progenitor de todos os outrosque, pelo Espírito, devem fazer o mesmo.

2 Coríntios 3.18Mas todos nós, com cara descoberta, refletindo, como umespelho, a glória do Senhor, somos transformados de glória emglória, na mesma imagem, como pelo Espírito do Senhor.

2 Coríntios 4.4-6[...] o deus deste século cegou os entendimentos dos incrédulos,para que não lhes resplandeça a luz do evangelho da glória deCristo, que é a imagem de Deus. Porque não nos pregamos a nósmesmos, mas a Cristo Jesus, o Senhor; e nós mesmos somosvossos servos, por amor de Jesus. Porque Deus, que disse quedas trevas resplandecesse a luz,15 é quem resplandeceu em nossoscorações, para iluminação do conhecimento da glória de Deus,na face de Jesus Cristo.

O mais marcante nesse conjunto de afirmações em 2 Coríntios 3 e 4 é quea primeira aparição de eikōn (3.18) não é gerada pela passagem de Gênesis,mas pela figura do espelho que Paulo utiliza ao escrever aos crentes de umacidade famosa pelos seus espelhos de bronze. Todavia, se essa comparação éutilizada para chamar a atenção deles, o que, provavelmente, foi a intenção dePaulo, o impacto principal da frase diz respeito ao próprio Cristo carregar aglória divina inesgotável (em contraste com a glória passageira que Moisésexperimentou). O argumento de Paulo aos seus leitores de Corinto era de queeles, pelo Espírito, deveriam olhar para Cristo como que num espelho, paraque eles mesmos fossem transformados segundo aquela mesma “imagem”, aimagem de Deus que foi apresentada de forma total e perfeita em Cristo.

Quando, na fase seguinte do argumento, Paulo retoma a dupla linguagem

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da “imagem” e “glória” (2 Co 4.4), a ênfase passa, então, para Cristo. Aênfase, neste segundo caso, não está, fundamentalmente, na humanidade deCristo em si mesma — isto é, assumido como inerente à própria figura —mas na verdadeira imagem de Deus que se apresenta naquEle quecompartilha da divina glória, aquEle que, quando se torna objeto de devoçãoe obediência, pelo seu Espírito transforma os crentes segundo a imagem deDeus, pela qual a humanidade foi inicialmente pautada. Só que mesmo comessa ênfase diferente, o uso dessa linguagem para Cristo pressupõe a suahumanidade, que é a única razão para o uso dessa linguagem com referência aCristo!

Já vimos duas passagens na correspondência aos coríntios que chegou aténós em que Paulo utiliza a linguagem da narrativa de abertura da Bíblia (Gn1) com referência a Cristo. No primeiro caso, a sua principal preocupaçãoestá em comunicar que Cristo é o portador da imagem de Deus na suahumanidade (1 Co 15.49); no segundo, a ênfase está no fato de o mesmoCristo partilhar da divina glória com o Pai (2 Co 4.4-6). Assim, Cristo é oúnico ser humano que, por ser totalmente divino, carrega a perfeita imagemde Deus — a imagem segundo a qual os próprios crentes estão sendotransformados.

Romanos 8.29Porque os que dantes conheceu, também os predestinou paraserem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja oprimogênito entre muitos irmãos.

Com a frase explicativa de Romanos 8.29, chegamos à primeira das duaspassagens eikōn (sendo que Cl 1.15 será analisado mais adiante) em queCristo é explicitamente tratado de “Filho” do Pai. Em ambos os casos, adupla realidade (humana e divina) é um jogo de palavras que parte docomeço da narrativa bíblica como um todo (Gn 1), e, nos dois casos, Paulo

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também se refere ao Filho como o prōtotokos (“primogênito”) de Deus, umapalavra que jamais é utilizada como referência a Adão em parte alguma daliteratura judaica. Ao fazer uso desse termo, Paulo não está falando detemporalidade, como se Cristo fosse o primeiro de uma série, mas daquEleque detêm todos os direitos da primogenitura. Assim, mesmo que umaCristologia adâmica provavelmente esteja por trás da linguagem em ambosos casos, a ênfase parece não estar nisso, e sim recair mais em umaCristologia messiânica do Filho de Deus.

O surgimento dessa combinação de eikōn e prōtotokos na presentepassagem ocorre com um momento culminante no desenvolvimento quePaulo faz de como seria a vida no e pelo Espírito (Rm 8.1-30). O seu objetivoé assegurar aos crentes de Roma, tanto judeus como gentios, como únicopovo de Deus, acerca da obra de Cristo em seu favor, bem como do dom doEspírito concedido por Deus — o Espírito que é tanto do Pai como do Filho(8.9,10). Assim, o Espírito é para ambos o capacitador da vida ética, agora,bem com o garantidor da vida eterna por vir.

Desta forma, em uma frase que começa com a nota dupla sobre Deus tê-los conhecido previamente e, portanto, tê-los predestinado, Paulo faz umapausa para esclarecer a forma e o objetivo supremo dessa “predestinação”.Deus não pré-ordenou que eles entrassem no céu, por assim dizer, mas que,no presente, fossem “conformados à imagem do seu Filho”, que é, Elemesmo, o “primogênito” de Deus entre muitos que iriam se tornar seus“irmãos e irmãs”.

Profundamente arraigada nessa linguagem estão as duas ênfases: aprimeira, de que o Filho eterno de Deus carrega perfeitamente a imagemdivina; e, a segunda, de que Ele fez isso ao assumir conosco a sua identidadehumana. Essa primeira ênfase é quase que imediatamente retomada quandoPaulo — com um eco de um momento crucial da narrativa de Abraão (Gn 22)— refere-se à crucificação afirmando que Deus “não poupou nem o seupróprio Filho”, mas o entregou por amor a nós (cf. Rm 8.32). A segunda

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ênfase, sobre a humanidade de Cristo, está contida sobre o próprio versículo29, com a expressão “o primogênito dentre muitos irmãos”. Apesar de nãohaver um eco direto do capítulo inicial de Gênesis nessa passagem (embora aalusão a Abraão nos remeta à narrativa de Gênesis), parece justo concluir queonde Adão fracassou como o “primogênito” de Deus, Cristo foi bem-sucedido — algo pré-ordenado por Deus desde a eternidade passada.

Colossenses 1.15O qual é imagem do Deus invisível, o primogênito de toda acriação.

A palavra impressionante sobre o nosso Salvador em Colossenses 1.15 éa primeira de duas afirmações semelhantes a respeito de Cristo queapresentam um tom poético, e quase musical. Ambas as estrofes desse poemasobre Cristo (Cl 1.15-17 e 18-20) fazem sentido exatamente se levamos asério que “o Filho [Deus] ama” (v. 13) é o sujeito gramatical que rege tanto oinício da primeira estrofe (v. 15) quanto o começo da segunda (v. 18). Dessemodo, Paulo está aqui ecoando o que ele disse aos crentes de Roma (Rm8.29, acima analisado), mas com um interesse consideravelmente diferente.

Esse novo interesse é no sentido de identificar o Filho como o Filhomessiânico de Deus (Cl 1.13), o que parece ser confirmado no versículo 15pelo acréscimo que ele faz de que o Filho também é o prōtotokos do Pai,ecoando, assim, o que veio a ser entendido como uma passagem messiânicado Saltério (Sl 89.26-27). Paulo também afirma que “o Filho” tem o direitode primogenitura sobre toda a criação — a qual também veio a existir pormeio dEle. Desse modo, a ênfase de Paulo no uso de eikōn nessa passagemrecai sobre o Filho encarnado de Deus como o divino portador da imagem, oqual, na eternidade passada, era tanto o agente como o objetivo da ordemcriada.

O fato de Paulo estar, neste caso, ecoando mais uma vez (de modo

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indireto, mas certamente intencional) a narrativa original da criação (Gn 1 éconfirmado pela forma com que ele começa a segunda estrofe do poema aoafirmar que o Filho é o archē, “princípio”). Essa linguagem deveras incomumé um eco direto das primeiras passagens da Bíblia (Gn 1.1), e assim como otermo eikōn que dá início à primeira estrofe, o termo archē é imediatamenteseguido por um segundo uso de prōtotokos. Só que, agora, o referente é o fatode ele ser o “primogênito” da nova criação, marcado pela sua ressurreiçãodentre os mortos. Assim, muito embora a palavra eikōn não ocorra nasegunda estrofe (Cl 1.18-20), ela é presumida o tempo inteiro, de modo que aênfase no fato de o Filho ser o portador da divina imagem na primeira estrofeagora passa para a sua identidade conosco na sua obra de reconciliação nasegunda estrofe. AquEle em quem toda a plenitude divina habitacorporalmente trouxe a reconciliação por intermédio do sangue da sua cruz(vv. 19,20), o que nos leva ao sexto caso em que Paulo utiliza eikōn comrelação a Cristo.

Colossenses 3.10e vos vestistes do novo, que se renova para o conhecimento,segundo a imagem daquele que o criou.

Com a afirmação impressionante de Colossenses 3.10, fecha-se o círculodo presente capítulo. Como já identificamos Cristo, anteriormente, como oportador da divina eikōn (1.15), Paulo, agora, acrescenta que a nova pessoaestá “sendo renovada” (= recriada) segundo a imagem daquEle que criou anova pessoa. Assim, como criador do primeiro Adão, Cristo agora atua com orecriador da nova humanidade, cujo propósito supremo é a recriação segundoa sua própria imagem e, portanto, segundo a imagem do próprio Deus. Dessemodo, aquEle que restaura a humanidade desfigurada e decaída à divinaimagem não é ninguém mais do que aquEle que é a “imagem” de Deus — opróprio “primogênito” do Pai, aquEle que, em virtude da sua ressurreição, é o

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“primogênito” da nova criação. O Criador da primeira criação, que carregaEle mesmo a imagem do Pai, agora é visto como o Criador da nova criação, àmedida que restaura o seu próprio povo de volta à divina imagem e, portanto,à sua própria imagem que só Ele possui de modo perfeito. Nesse caso, aênfase recai, simultaneamente, em Cristo, como o divino portador da imageme, em Cristo, como aquEle que, agora, recria a humanidade decaída segundoessa mesma imagem.

Filipenses 2.6-8Que, sendo em forma de Deus, não teve por usurpação ser iguala Deus. Mas aniquilou-se a si mesmo, tomando a forma de servo,fazendo-se semelhante aos homens; e, achado na forma dehomem, humilhou-se a si mesmo, sendo obediente até à morte emorte de cruz.

Nós examinamos Filipenses 2.6-8 no capítulo 2, e retornamos a ele aquino fim da análise do uso que Paulo faz da palavra eikōn porque houve umaverdadeira onda no mundo acadêmico do Novo Testamento que defendia (ou,com mais frequência, simplesmente afirmava) que a palavra morphē(“natureza”, na NVI), utilizada por Paulo na expressão de abertura da históriade Cristo (v. 6) seria praticamente um sinônimo de eikōn. Só que esta é umapeça de mitologia acadêmica que precisa ser sepultada! A análise anterior douso que Paulo faz do termo eikōn permite que entendamos isso e, ao mesmotempo, demonstremos que o pressuposto da expressão “na forma”, naverdade, reforça a existência pré-encarnada de Cristo.

Há duas razões para se rejeitar a ideia de que morphē seja, praticamente,um sinônimo de eikōn. A primeira é que, como observamos anteriormente, omotivo aparente para a escolha que Paulo faz do termo morphē é porque setrata da única palavra disponível na língua grega que poderia servir tanto paradefinir o modo de pré-existência de Cristo com Deus quanto para indicar a

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natureza extrema do modo da sua encarnação — entrando na nossa históriana “natureza”, ou “forma”, de um servo.16

A segunda razão é que o uso que Paulo faz de eikōn em outras passagensdas suas cartas demonstra tanto a insensatez de equiparar eikōn com morphēcomo o fato de, independentemente do eco da frase seguinte — a qual falaque Cristo não utilizou a sua igualdade com Deus “para proveito próprio” —,ter Adão como referência, ela não pode incluir a expressão “na próprianatureza [morphē] de Deus” que a antecedeu. Paulo não tinha a intenção decomeçar esse poema afirmando que Cristo estava na imagem de Deus comrespeito à sua natureza divina pré-existente, o que seria quase um desatinoteológico. Como já vimos nas passagens anteriores que utilizam eikōn, Pauloutiliza essa linguagem com relação a Cristo somente com referência a Ele sero portador da divina imagem na sua encarnação, e não com referência à suapré-existência. Isso é especialmente verdade pelo fato de essa linguagem nãofazer qualquer sentido como eco dos dois primeiros capítulos de Gênesis.Seja qual for o eco de Adão que se possa encontrar nesse grandioso relato dahistória, em Filipenses 2 ele será somente conceitual (nesse caso, inventadopor leitores posteriores). Não se encontra ali nem sequer um único elolinguístico que pudesse, talvez, fazer a ligação entre os crentes de Filipos eessa comparação, caso esta fosse a intenção de Paulo. E o que os crentes deFilipos não pudessem ter ouvido, ou compreendido, dificilmente seria o quePaulo pretendera transmitir com a palavra morphē.

ConclusãoNeste capítulo vimos três maneiras pelas quais Paulo desenvolve o que

poderia ser chamado de Cristologia adâmica: em primeiro lugar, o uso queele faz da linguagem da “nova criação”; em segundo lugar, nas comparaçõese contrastes que ele faz entre Cristo e Adão, nas quais Cristo é visto como oprogenitor dessa nova criação, aquEle que reverteu os efeitos do pecado deAdão que geraram a morte; e, em terceiro lugar, no uso que Paulo faz do

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termo eikōn, em que o Cristo encarnado é visto como o verdadeiro portadorda divina imagem, e que também está recriando um povo que deve tambémser portador dessa imagem. Estas, entretanto, não são as únicas maneiraspelas quais Paulo se refere ao Jesus terreno. No capítulo 4, faremos umexame de outras evidências nas epístolas paulinas nas quais ele afirma, e porvezes enfatiza, a genuína humanidade de Cristo.

12 Gênesis 2.7.13 Estou apresentando a leitura marginal da NVI aqui, que é quase que certamente a redação original dePaulo já que ela aparece em todos os melhores manuscritos primitivos, exceto um.14 Novamente, estou apresentando a leitura marginal da NVI aqui. Vide a nota nº 2 anterior.15 Gênesis 1.3.16 O uso que Paulo faz da palavra servo (ou “escravo”) é complicado para o leitor moderno, tanto nosEstados Unidos como no Brasil, países que tiveram uma terrível história de captura e escravidão denativos da África e que representa uma mancha eterna na história dos dois países. Todavia, no contextodo primeiro século em que Paulo escreve, essa linguagem poderia, simplesmente, referir-se a ummembro da família que, por vários motivos, pertencia ao senhor da casa e, portanto, não possuía muitosdireitos de escolha pessoal.

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extremo, havia a ideia de que Paulo compreendia Cristo quase queexclusivamente em termos humanos e pensava no status “divino” de Cristoem termos de um salvador humano exaltado ao céu por causa da sua morteautossacrificial.

De certa forma, esses dois extremos podem ser vistos como uma reação auma espécie de “ortodoxia” cristã anterior que fracassou em levar realmente asério a genuína humanidade de Jesus, uma ortodoxia que veio a crer, combase teológica, que Jesus, na sua vida terrena, era non posse peccare(“incapaz de pecar”). Essa ideia precisa ser refutada já que, em últimaanálise, ela transforma Cristo em uma espécie de robô divino, e não em umapessoa verdadeiramente humana que era posso non peccare porque, fazendouso da linguagem de Lucas, “a graça de Deus estava sobre ele” (Lc 2.40). Oque estava em jogo para esse tipo de ortodoxia era a apresentação de umargumento em favor da humanidade de Cristo que não desse a entender queEle não fosse capaz de agir a respeito das suas tentações humanas.

Quando passamos para o apóstolo Paulo, tendo em mente essas últimasquestões teológicas, o mais marcante que observamos é a incrível falta dedados no que diz respeito ao tema maior envolvido. Como já vimos noscapítulos anteriores, em parte alguma Paulo tenta estabelecer esse tipo deCristologia. Antes, como ele estava, fundamentalmente, tratando de diversasquestões comportamentais nas suas igrejas que precisam de correção — etambém de boa “teologia” — as suas referências a Cristo são soteriológicas,na sua ênfase, ou se concentram no seu presente reinado como Senhor.Todavia, Paulo volta ao tema de forma recorrente de modo que podemos,basicamente, reconstruir o que ele e as suas igrejas criam acerca de Cristo —que Ele era o verdadeiro Salvador divino, mas que efetuou essa salvação pormeio de uma encarnação na qual havia se tornado uma pessoaverdadeiramente humana. Neste capítulo reuniremos esses vários dados a fimde apresentar um quadro que represente a compreensão pressupositiva quePaulo tinha da humanidade de Cristo.

O nosso propósito aqui não é defender a ideia de que Paulo tinha

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conhecimento sobre o Jesus histórico. As evidências a favor disso semostrarão claras o suficiente nas passagens que examinaremos a seguir. Emvez disso, o nosso objetivo será simplesmente apresentar várias passagens dascartas de Paulo que confirmam que ele, no mínimo, conhecia as tradiçõesacerca de Jesus que são encontradas nos Evangelhos. Em função dessasevidências, poderemos ver como a vida humana de Jesus era pressuposta portudo o mais que Paulo veio a crer a respeito da morte e ressurreição de Jesus.É simplesmente inimaginável que em uma cultura basicamente oral e auditivaas informações sobre Jesus não tivessem circulado de várias formas quelevassem a Paulo, um homem erudito, o conhecimento sobre a vida eensinamentos de Jesus. E as evidências sugerem que Paulo, na verdade, tinhao conhecimento a respeito do Jesus histórico. Examinaremos, a seguir, osdados paulinos segundo três categorias: (1) o conhecimento da vida de Jesus;(2) o conhecimento dos ensinamentos de Jesus; e (3) outros conhecimentosacerca do Jesus histórico.

O Conhecimento da Vida de JesusApesar de relativamente escassas, as evidências acerca de Paulo conhecer

os detalhes básicos da vida de Jesus são significativas porque, em cada umdos casos, o conhecimento que Paulo parece assumir é incidental aoargumento que ele está propondo, o que o torna ainda mais digno deconfiança. Como costuma ser o padrão de Paulo ao se comunicar com osdemais irmãos, as suas afirmações a respeito da vida de Jesus eram expressasde uma forma um tanto espontânea, de modo que, pelo menos em algunscasos, podemos presumir que o seu conhecimento acerca da vida de Jesus eracompartilhado pelos seus leitores e, portanto, não era algo que ele precisavademonstrar como verdadeiro. Poderemos ver, pelo menos, quatro aspectosúnicos acerca da vida de Jesus presumidos nas cartas de Paulo: (1) que Eleera considerado o Messias dos judeus; (2) que Ele foi crucificado eressuscitou dentre os mortos; (3) que Ele era irmão de um dos líderes da

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Igreja Primitiva e filho de Maria e; (4) que a sua vida representava umexemplo moral que Paulo e os seus leitores deveriam emular.

O Messias dos JudeusNo debate com os crentes da Galácia, no qual defendia que eles não

precisavam observar a lei, Paulo apresenta um breve relato da vida de Jesusque começa com a observação de que Jesus nasceu em uma família de judeusobservadores da lei. Paulo escreve que quando Deus “enviou o seu Filho”,esse Filho divino era “nascido de mulher, nascido sob a lei” (Gl 4.4). Emoutras passagens, Paulo observa que Jesus não era somente judeu, mastambém era considerado o Messias tão aguardado pelos judeus (Rm 9.5; 1.2-4; 1 Co 1.22), o que, mais tarde, significaria que Jesus teria passado a ser osoberano do reino escatológico de Deus (1 Co 15.24; Cl 1.13,14). Naverdade, a repetida ênfase de Paulo na morte e ressurreição de Cristo pode sermais bem explicada à luz da mudança radical desses acontecimentos a partirdas expectativas messiânicas dos judeus — e com tamanha intensidade que asua verdadeira natureza somente poderia ser revelada pelo Espírito (1 Co1.20-25; 2.6-10).

Crucificado e RessurretoA realidade histórica de Jesus não ter morrido por apedrejamento (a

maneira que os judeus tinham de executar os transgressores), mas porcrucificação (e, portanto, na mão dos romanos) é amplamente observada nocorpus paulino. Na mais antiga carta preservada de Paulo, ele descreve amorte de Jesus como pertencente, e de acordo com a tradição da morte “dosprofetas” (1 Ts 2.15). E a alusão anterior feita por Paulo aos sofrimentos deJesus, no contexto das “muitas tribulações” dos tessalonicenses (1 Ts 1.6),provavelmente não se refere somente à crucificação de Jesus, mas também aoespancamento e humilhação que a antecederam. À luz dessas primeirasalusões, não temos muitos motivos para duvidar da natureza completamente

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paulina da afirmação histórica expressada em uma carta bem posterior, queproporciona um detalhe a mais acerca de Jesus ter feito uma “boa confissão”ao testificar “diante de Pôncio Pilatos” (1 Tm 6.13).

Mesmo sendo verdade que a ênfase principal de Paulo está na morte eressurreição de Jesus para fins dos seus argumentos e exortações, isso nãonos diz nada a respeito do restante do conhecimento que Paulo tinha arespeito da vida de Jesus. Paulo estava abordando as necessidades específicasdas igrejas do século I, e não escrevia para satisfazer as nossas curiosidades.À exceção dessa carta (de introdução?) aos crentes de Roma, Paulo escreviaàs suas próprias igrejas para a sua correção e encorajamento, e não paraexplicar aos leitores de épocas futuras quais eram os conhecimentos que ele eos seus leitores tinham em comum.

Irmão dos Líderes da Igreja PrimitivaMuito sobre o restante do conhecimento de Paulo pode ser pressuposto

como pano de fundo dos seus comentários fortuitos acerca dos irmãosbiológicos que eram membros bem conhecidos da primeira comunidade cristãde origem judia (1 Co 9.5; Gl 1.19). Estes comentários constituem-selembretes intrigantes para nós do quão pouco realmente conhecemos arespeito do que pode ter sido a amplitude do conhecimento de Paulo.17

Exemplo MoralMuito embora Paulo não nos apresente muitos detalhes explícitos acerca

da vida terrena de Jesus, a natureza desta vida como vida de serviço era bemconhecida por ele, como ele mesmo faz lembrar aos seus companheiros deFilipos: “[Ele] aniquilou-se a si mesmo” (Fp 2.7). Isso era tão chocante paraas expectativas messiânicas dos judeus quanto era um “Messias crucificado”.Os apelos de Paulo para que a imitação que ele faz de Cristo seja observada,por ser a forma com que ele, por sua vez, esperava que as suas igrejastambém agissem à medida que seguiam o seu exemplo (1 Co 11.1), são mais

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bem compreendidos quando temos por pano de fundo o conhecimento quePaulo tinha da vida de Jesus. Apesar de alguns dos seus apelos poderem sereferir, simplesmente, a uma vida pautada pela cruz — como seguramenteocorre em um dos casos (Fp 3.15-17) e, provavelmente, também em outro (1Ts 1.6-7) — este dificilmente poderia ser o caso no seu apelo de 1 Coríntios11.1, que encerra a sua argumentação diante dos coríntios a respeito daliberdade do crente. Nesse caso, a imitatio, ou imitação, de Paulo se refere aofato de fazer tudo para a glória de Deus e, portanto, tornar-se tudo para todospor amor a muitos (1 Co 10.31-33). Qual conhecimento específico de Jesusestá sendo pressuposto aqui é uma questão de especulação, porém o simplesfato de ele ser presumido é o que o torna significativo. E essa especulaçãopoderia, muito bem, estar fundamentada no apelo feito por Paulo à “mansidãoe benignidade de Cristo” (2 Co 10.1) e aos splanchnois (“afetos”, ou“compaixão”; Fp 1.8) de Cristo, o que muito provavelmente se refere aoamor extraordinário demonstrado por Cristo, que também operava por meiode Paulo.

O fato de não haver mais referências tais como essa nas cartas de Paulosignifica pouco, já que em todos os casos elas são deveras incidentais a umou outro tema que esteja sendo abordado. Em cada caso, a historicidadedessas afirmações não está sendo defendida, mas simplesmente assumida e,portanto, utilizada como base de argumento por ser de conhecimento comumentre os primeiros seguidores de Cristo. Precisamos nos lembrarconstantemente de que Paulo não estava escrevendo cartas tendo em vista osnossos futuros interesses. Todas essas cartas eram específicas. Elasabordavam ou encorajavam os crentes da Igreja Primitiva em diversassituações históricas. Nós somos, simplesmente, privilegiados por sermoscapazes de nos beneficiar da correspondência trocada entre outras pessoas,por assim dizer, principalmente por se tratar de correspondências inspiradaspelo Espírito Santo.

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O Conhecimento dos Ensinamentos de JesusPor razões compreensíveis, não vemos nas cartas de Paulo muito dos

ensinamentos oriundos do próprio Jesus. E, como vimos acima, a respeito davida de Jesus, as preocupações específicas de Paulo não eram,fundamentalmente, com o que Jesus tinha a dizer, mas com quem Jesus era ecom o que Ele fez pelas pessoas e pela nossa salvação. Todavia, assim comoocorre com as referências de Paulo à vida de Jesus, as suas referências aosensinamentos dEle parecem tanto improvisadas — no sentido de que eramalgo obviamente tido por certo entre o Apóstolo e os seus leitores — quantode natureza tão diversa de, novamente, sugerir que nas cartas preservadas dePaulo, encontramos somente a ponta do iceberg do conhecimento que Paulotinha sobre Jesus. Há seis momentos nos escritos paulino em que ele fazalusão aos ensinamentos de Jesus, os quais veremos de modo sequencial.

1 Tessalonicenses 4.15Dizemo-vos, pois, isto pela palavra do Senhor: que nós, os queficarmos vivos para a vinda do Senhor, não precederemos os quedormem.

A primeira referência que Paulo faz ao ensino de Jesus aparece na maisantiga carta preservada no corpus paulino, 1 Tessalonicenses, que foi escritaum pouco antes de passados vinte anos da crucificação e ressurreição deCristo. Aqui, é feito um apelo à “palavra do Senhor”, mas sem citá-la (1 Ts4.15). Como Paulo utiliza “o Senhor” exclusivamente para se referir a Cristo,não pode haver dúvida de que ele esteja fazendo uma alusão aosensinamentos de Jesus. Mesmo que isso, talvez, possa se referir a umapalavra profética do Senhor ressurreto, é mais provável que se trate de umapelo a algo dito por Jesus durante o seu ministério terreno, conhecido peloApóstolo e assumido como algo disponível às demais pessoas e,provavelmente, conhecido também por esses crentes.

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Gálatas 4.6E, porque sois filhos, Deus enviou aos nossos corações o Espíritode seu Filho, que clama: Aba, Pai.

Romanos 8.15[...] recebestes o espírito [...] pelo qual clamamos: Aba, Pai.

É verdadeiramente impressionante que nessas passagens gêmeas deGálatas 4.6 e Romanos 8.15 Paulo afirme que os seus leitores — que eramfundamentalmente gentios e, portanto, de fala grega — estavam clamando aDeus como “Pai” e fazendo isso na língua do próprio Jesus: Aba. Apesar denos Evangelhos essa linguagem ser utilizada por Jesus somente noGetsêmani, ela é, igualmente, parte dos seus ensinamentos por servir, semdúvida, como pano de fundo das suas instruções sobre como orar (Mt 6.9). Ofato de essa palavra aramaica ter sido preservada, mesmo na igreja de falagrega, indica que é um fundamento histórico que atesta a realidade do Jesusterreno.18

1 Coríntios 7.10Todavia, aos casados, mando, não eu, mas o Senhor, que amulher se não aparte do marido.

1 Coríntios 9.14Assim ordenou também o Senhor aos que anunciam o evangelho,que vivam do evangelho.

1 Coríntios 11.23-25Porque eu recebi do Senhor o que também vos ensinei: que oSenhor Jesus, na noite em que foi traído, tomou o pão; e, tendo

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dado graças, o partiu e disse: Tomai, comei; isto é o meu corpoque é partido por vós; fazei isto em memória de mim.Semelhantemente também, depois de cear, tomou o cálice,dizendo: Este cálice é o Novo Testamento no meu sangue; fazeiisto, todas as vezes que beberdes, em memória de mim.

Na terceira carta, no sentido cronológico, do corpus paulino, 1 Coríntios,Paulo recorre três vezes a um ditado, ou ensino de Jesus, como apoio parauma posição que ele está defendendo. No primeiro caso (1 Co 7.10), elerecorre a um ditado a respeito de uma mulher que se separa do seu marido —uma forma bem mais incomum de divórcio no mundo greco-romano do que oprocesso iniciado pelo homem. Como a versão de Paulo é adaptada à presentesituação, existe pouco valor em se perseguir a natureza precisa das suasorigens, mas ela reflete o que aparece em duas formas nos Evangelhos (Mc10.11 // Mt 19.9; Lc 16.16 // Mt 5.32).

No segundo apelo ao Senhor nessa carta (1 Co 9.14), Paulo se refere a ummandamento de Jesus como apoio para a sua afirmação de que ele tinha odireito de apoio material da parte dos crentes de Corinto, apesar de ter abertomão desse direito. Esse mesmo ditado ressurge em um contexto similar emuma carta bem tardia, onde ele escreve que “Digno é o obreiro do seu salário”(1 Tm 5.18), o que, de modo significativo, parece ser uma alusão à linguagemdo Evangelho de Lucas (Lc 10.7), cujo autor era um crente gentio e amigo dePaulo.

Finalmente, na sua tentativa de corrigir o abuso na Ceia do Senhor emCorinto, Paulo apela para as palavras da instituição como algo que ele haviarecebido do Senhor e, por sua vez, havia transmitido aos cristãos de Corinto(1 Co 11.23-25). Apesar de haver certo grau de ambiguidade com respeito aoque ele quis dizer com “eu recebi do Senhor”, o que Paulo cita é quase umacópia fiel do que aparece no Evangelho de Lucas (Lc 22.17-20; cf. Mc 14.22-25 e Mt 26.26-29, os quais refletem uma versão ligeiramente diferente). O

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fato de a forma de discurso de Paulo poder remontar de modo específico àtradição do Evangelho de Lucas, companheiro de Paulo, reforça,basicamente, tanto a historicidade dos relatos evangélicos como oconhecimento que o Apóstolo tinha deles.

Como já vimos, apesar de haver poucas referências aos ensinamentos deJesus nos escritos de Paulo, aqueles que aparecem são evidência suficiente daexistência de uma fonte muito mais profunda acerca da tradição de Jesus daqual Paulo podia citar caso desejasse fazê-lo. O motivo pelo qual ele não ofez tantas vezes é pura questão de especulação, porém a simples frequênciadas referências não é o ponto importante. O fato de Paulo conhecer sobre avida e os ensinamentos de Jesus é algo incontestavelmente atestado pelassuas cartas.

Outros Conhecimentos acerca do Jesus HistóricoJunto com as passagens em que Paulo faz alusão à vida e aos

ensinamentos de Jesus, existem também várias outras partes das cartaspaulinas que indicam o conhecimento do Apóstolo acerca do Jesus histórico.

Filipenses 2.6-8Que, sendo em forma de Deus, não teve por usurpação ser iguala Deus. Mas aniquilou-se a si mesmo, tomando a forma de servo,fazendo-se semelhante aos homens; e, achado na forma dehomem, humilhou-se a si mesmo, sendo obediente até à morte emorte de cruz.

Em uma passagem que começa com a afirmação de que Cristo existia “naexata natureza [ou forma] de Deus”, mas não arrogou, de forma egoísta, a sua“igualdade com Deus” [Fp 2.6], Paulo faz as afirmações mais veementes arespeito da autenticidade do estado humano do Cristo encarnado. Isso seinicia com uma metáfora especialmente reveladora, traduzida de modo literal

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como “ele derramou-se a si mesmo ao assumir a forma [morphē] de umescravo”. Como já vimos no capítulo 3, a palavra grega morphē é quaseimpossível de ser traduzida para a nossa língua por se referir, basicamente, àaparência externa de algo, ou de alguém. Paulo segue interpretando ametáfora em termos de Cristo “fazendo-se semelhante aos homens” (v. 7), oque, nesse contexto, só pode significar que, apesar de Cristo ter tido umaexistência anterior como Deus, a sua encarnação envolveu o nascimento, talqual todos os outros seres humanos, todavia sem que Ele perdesse a suaidentidade divina.

A segunda frase descreve o que Cristo fez como anthrōpos, ou “humano”,a saber, ao aceitar o caminho da cruz em obediência ao seu Pai (Fp 2.8).Desse modo, a linguagem de Paulo, simultaneamente, assume que, num dadomomento da história, Cristo não era humano, e que, depois de se tornarhumano, Ele o foi de forma total e completa. E somente dessa forma averdadeira redenção poderia ter sido possível. Cristo se tornou um de nóspara que pudéssemos ser transformados e, assim, conformados à divinaimagem que havia sido maculada pela queda.

1 Timóteo 2.5-6Porque há um só Deus e um só mediador entre Deus e oshomens, Jesus Cristo, homem, o qual se deu a si mesmo empreço de redenção por todos.

1 Timóteo 3.16[...] Aquele que se manifestou em carne foi justificado emespírito [...] crido no mundo e recebido acima, na glória.

De um modo similar ao que Paulo declarou aos filipenses, 1 Timóteoenfatiza a verdadeira humanidade de Cristo quando fala de Cristo como omediador divino entre Deus e os homens. A ARC apresenta de forma

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interessante: “Porque há [...] um só mediador entre Deus e os homens, JesusCristo, homem, o qual se deu a si mesmo em preço de redenção por todos” (1Tm 2.5,6) — uma linguagem que, a exemplo de Filipenses 2, pressupõe tantoescolha quanto obediência. Assim, muito embora a autoria paulina de 1Timóteo seja objeto de controvérsias, a sua teologia essencial écompletamente paulina. De modo semelhante, o “hino” de 1 Timóteo 3.16começa com a linha: “Aquele que se manifestou em carne”, o que, mais umavez, enfatiza a verdadeira humanidade de Cristo.

Gálatas 4.4,5Mas, vindo a plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho,nascido de mulher, nascido sob a lei, para remir os que estavamdebaixo da lei, a fim de recebermos a adoção de filhos. E, porquesois filhos, Deus enviou aos nossos corações o Espírito de seuFilho, que clama: Aba, Pai.

Romanos 8.3Porquanto, o que era impossível à lei, visto como estava enfermapela carne, Deus, enviando o seu Filho em semelhança da carnedo pecado, pelo pecado condenou o pecado da carne.

Gálatas 4.4,5 e Romanos 8.3 apresentam o que poderia ser chamado de“fórmula de envio” de Paulo. Em Gálatas, a narrativa da salvação encontradaexatamente nesse breve resumo é utilizada em um momento crucial doargumento de Paulo, no qual ele postula que a morte de Cristo eliminou anecessidade da observância da Torá. As suas partes essenciais deixam claro:“Deus enviou o seu Filho [...] para redimir aqueles [que estão] debaixo dalei”. As duas expressões intermediárias que elaboram a primeira parte dafrase e antecipam a última enfatizam a humanidade de Cristo: “nascido demulher, nascido sob a lei”. A primeira expressão elimina qualquer

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possibilidade de um Salvador divino que não fosse verdadeiramente humano;a segunda o coloca rigidamente dentro de um contexto histórico claramenteidentificável. Portanto, apesar de não haver aqui qualquer intenção deenfatizar a humanidade de Cristo como tal, ele, na verdade, fá-lo sem tentar— exatamente porque essa era a compreensão corrente na Igreja Primitiva e,portanto, também a compreensão compartilhada entre Paulo e os seusdestinatários. Na verdade, a partir da perspectiva de Paulo, esta é umarealidade fundamental que faz a amarração de tudo o mais que é apresentadona narrativa cristã. Como já vimos repetidas vezes, o ponto de partida dadefesa de Paulo — por ser algo já aceito por ele e pelos seus leitores — émais significativo do que os argumentos utilizados para justificar o que elesdeveriam crer.

No segundo caso dessa “fórmula de envio”, Romanos 8.3, a ênfase recaiespecialmente na humanidade de Cristo, que o capacitava a servir como umholocausto apropriado. Desse modo, Ele veio “na semelhança da carne depecado”. O argumento de Paulo é que a “carne”, ou o corpo, de Cristo erasemelhante ao corpo de todos os demais seres humanos; entretanto,diferentemente do restante da humanidade, Jesus não se entregou ao pecado.Assim como ocorre em Gálatas, Paulo aqui também defende a partir dessapremissa básica em vez de defender a realidade da encarnação.

Gálatas 3.16Ora, as promessas foram feitas a Abraão e à sua posteridade. Nãodiz: E às posteridades, como falando de muitas, mas como deuma só: E à tua posteridade, que é Cristo.

Romanos 1.3[...] acerca de seu Filho, que nasceu da descendência de Davisegundo a carne.

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Romanos 9.5Dos quais [o povo de Israel] são os pais, e dos quais é Cristo [oMessias], segundo a carne, o qual é sobre todos, Deus benditoeternamente. Amém!

2 Timóteo 2.8Lembra-te de que Jesus Cristo, que é da descendência de Davi,ressuscitou dos mortos.

Várias passagens retratam a humanidade de Jesus em termos da suacondição como o Messias dos judeus que era aguardado havia muito tempo— um retrato que será descrito em detalhes na terceira parte desta obra. Essaspassagens são apresentadas aqui porque, juntas, elas demonstram a naturezapressupositiva da compreensão que Paulo tinha de genuína humanidade deCristo. Jesus é identificado como a “semente” de Abraão (Gl 3.16), aencarnação e o ápice do próprio Israel; como nascido da linhagem real deDavi (Rm 1.3; 2 Tm 2.8); e, de forma mais explícita, como “o Messias” (Rm9.5), a expressão máxima dos privilégios dos judeus.

Como já vimos, a mensagem dessas passagens não é tanto a humanidadede Cristo em si mesma; mas, antes, a humanidade de Cristo que é pressupostana própria linguagem. O mesmo pode ser dito acerca do uso que Paulo faz deChristos, ou “Cristo”, como sua forma básica de identificar o Jesus agoraressurreto. Na verdade, alguns argumentam que o “nome” Jesus Cristosempre carrega a conotação de título, isto é, Jesus como o Messias dosjudeus. Seja como for, esse título transformado em nome — mesmo quandoutilizado simplesmente como um referente de identificação — remonta àrealidade histórica de que o Jesus terreno viveu e morre como o Messias dosjudeus, a quem Deus levantou dentre os mortos para ser o Senhor sobretodos.

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ConclusãoNeste capítulo, vimos que, ao longo de todas as cartas de Paulo, o nome

“Jesus” sempre tem como referente principal o Jesus de Nazaré histórico ehumano, a quem os romanos crucificaram e quem os primeiros cristãos criamser o Messias dos judeus e, agora, o Senhor ressurreto. Apesar de Paulocolocar grande parte da sua ênfase teológica na obra redentora do Messiasexecutada na sua morte na cruz, a linguagem da crucificação jamais perdeu assuas bases históricas. Quando, por exemplo, Paulo fala do “Filho de Deus”,“que me amou e deu-se a si mesmo por mim” (Gl 2.20), não está se referindoà consequência teológica dessa morte, mas ao evento histórico da própriamorte — uma morte terrível por crucificação nas mãos do Império Romano(comprovadamente histórico).

E assim se dá com toda menção da cruz e da morte de Cristo por nós.Para Paulo, esse acontecimento não começa como Teologia; mas sim comoHistória, na qual um Jesus verdadeiramente humano morreu como o Messiasjudeu. O que Paulo veio a perceber claramente foi que esse acontecimentohistórico, que acabou se tornando o sonoro “Não!” da humanidade para Jesusde Nazaré, era, de fato, o “Não!” mais sonoro de Deus ao pecado humano. Amagnífica glória da narrativa bíblica é que Deus declarou um “sim”inconfundível a tudo que o Jesus da história humana fez pelos pecadores porintermédio da sua morte e ressurreição para a vida eterna.

Paulo admite haver um aspecto da nossa humanidade em comum queJesus não conheceu por experiência. Apesar de Ele ser firme acerca dauniversalidade do pecado humano (“todos pecaram e destituídos estão daglória [desejada por] de Deus”, Rm 3.23), ele afirma que Cristo não conheceupecado (2 Co 5.21), pelo que ele quer dizer que Cristo não experimentou opecado.19 Só que mesmo nesse caso a razão pela qual Paulo faz essaafirmação é estabelecer um contraste direto com a expressão máxima:“Àquele que não conheceu pecado, [Deus] o fez pecado [ou oferta pelopecado] por nós” (2 Co 5.21). Essa é a grande troca, e da perspectiva de

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Paulo ela só pôde acontecer porque aquEle que não tinha pecado eraverdadeiramente humano e veio a conhecer a nossa pecaminosidade nãoporque Ele mesmo tivesse experimentado o pecado, mas ao carregar o pesodele na sua morte na cruz. Em tudo isso Cristo jamais deixou de ser Deus. Éexatamente esse mistério que está no coração da fé cristã; e Paulo é um dosseus principais advogados.

Como veremos na terceira e na quarta partes, a convicção de Paulo erauma combinação de duas realidades: em primeiro lugar, que Jesus na suavida terrena cumpriu a promessa de Deus, de que o filho supremo de Daviexecutaria a redenção final do povo de Deus; e, em segundo lugar, que pormeio da sua exaltação, o Filho eterno também assumiu o papel do Senhormessiânico assentado à direita do Pai — o Senhor a quem todos agora estãosujeitos e diante de cujo senhorio, ao final, “todo joelho se dobrará” e “todalíngua confessará” (Rm 14.11, citando Is 45.23).

17 Incidentalmente, esses comentários também colocam em questão a designação que a Igreja CatólicaRomana faz da mãe de Jesus como “a Virgem Maria” — pelo menos, quando essa designação quersignificar a sua virgindade perpétua.18 Um fenômeno semelhante pode ser encontrado entre os antepassados das famílias dos Fees (a minhamãe era uma Jacobson) e Lofdahl (o nome de solteira da minha esposa) que utiliza, ocasionalmente, aexpressão sueca tak sa mycket (que significa “muito obrigado”).19 Na verdade, o verbo hebraico “conhecer” é a forma básica de o judeu se referir ao intercurso sexual(por exemplo, Gn 4.1,25), indicando mais do que um conhecimento puramente cognitivo.

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atenção nas partes 3 e 4 ao entendimento paulino acerca da pessoa de Cristo.Várias afirmações nas cartas apostólicas indicam que o entendimento dePaulo acerca da pessoa de Cristo é duplo: Jesus, o Messias dos judeus, é (1) oFilho Pré-existente de Deus e (2) o Senhor exaltado e, agora, assentado “àdireita de Deus” (Rm 8.34) — na posição suprema de autoridade, ao lado dopróprio Deus.

O duplo entendimento paulino acerca da pessoa de Cristo é baseado, emparte, no Saltério judeu. Em Salmos 2.7, Deus declara que o Messias é o seu“filho”, ao passo que em Salmos 110.1 Deus diz ao Messias: “Assenta-te àminha mão direita”. Na Parte 3, examinaremos a primeira parte doentendimento paulino acerca de Cristo como o Messias dos judeus e Filho deDeus, ao descrever como Jesus é prenunciado na história de Israel (cap. 5),como Ele cumpre o papel de Filho de Deus segundo a linhagem de Davi (cap.6), e é o Filho Eterno de Deus (cap. 7).

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na história desse povo e era compreendido como sendo, por excelência, o“filho” de Deus. Igualmente importante é percebermos que os descendentesmonárquicos de Davi foram, por vezes, celebrados como aqueles queocupariam “para sempre” o seu trono. Essas duas questões serão abordadasnos capítulos 6 e 7. Só que no presente capítulo, primeiramente, situaremos acompreensão paulina de Cristo dentro do relato maior da história de Israel.

Para examinarmos o significado cristológico de Jesus com sendo o Filhode Deus, podemos tirar a nossa primeira pista da carta de Paulo aos crentes deRoma. Romanos é a menos passional das cartas preservadas por ter sidoescrita, principalmente, para pessoas que não teriam se encontradopessoalmente com Paulo e, assim, servido como apresentação do Apóstolopara os cristãos que viviam na capital do Império Romano. Ela também éuma das duas cartas (junto com Efésios) onde a paixão maior do chamadoapostólico do próprio Paulo — a saber, ver judeus e gentios juntos como umúnico povo escatológico de Deus — é defendida à exaustão. Em Romanos,Paulo esclarece de forma clara as origens terrenas do próprio Jesus comofundamentais para a sua condição de Messias dos judeus. No ponto alto daremodelação que Paulo faz no relato bíblico e na forma como ele recontatodos os privilégios dos judeus, o Apóstolo afirma a sua dor com a rejeiçãodos judeus ao seu próprio Christos, ou Messias (Rm 9.5), que os eruditosconcordam, nesse caso, tratar-se exclusivamente de um título para o próprioJesus.

Essa preocupação é tão central por parte do Apóstolo que surge como aprimeira coisa nessa carta aos crentes de Roma, dos quais muitos Paulo nãoteria conhecido pessoalmente, apesar da longa série de cumprimentos ao finalda epístola (Rm 16.3-15). Paulo começa a sua apresentação cuidadosa detodo o seu entendimento acerca do evangelho cristão com uma saudação umtanto elaborada na qual Jesus é apresentado como “[Filho de Deus] quenasceu da descendência de Davi segundo a carne, declarado Filho de Deusem poder, segundo o Espírito de santificação, pela ressurreição dos mortos,— Jesus Cristo, nosso Senhor” (1.3,4). Não é surpreendente, portanto, que

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em contraste com o restante das cartas preservadas de Paulo, em Romanos oprincipal tema cristológico seja Jesus como o Filho de Deus.

A linguagem paulina do “Filho de Deus” não surgiu do nada, masformou-se a partir de uma linguagem que já fazia parte da história de Israel.Veremos, a seguir, como Paulo costumava encaixar Cristo nessa história.Começamos por onde Paulo começa: a partir do encontro que ele mesmo temcom o Jesus crucificado, como o Senhor exaltado de um salmo que ele e amaior parte dos seus contemporâneos considerava ser uma referência aoMessias (Sl 110.1). Na verdade, o encontro de Paulo explica, em grandeparte, o seu próprio entendimento radicalmente alterado do Messias nãosomente como exaltado, mas também como crucificado.

O Escândalo Supremo: Jesus com o Messias CrucificadoO erudito norueguês do Novo Testamento, Nils Dahl, observa que os

estudiosos, por vezes, falam da Cristologia de Paulo sem fazer qualquermenção à Messianidade de Jesus, mas a seguir ele demonstra, compropriedade, que “se Jesus era ou não era o Messias era algo crucial na vidadaquele apóstolo tardio que, outrora, foi o perseguidor dos cristãos”.20 Aavaliação que Dahl faz da posição de Paulo sobre Cristo é confirmada emvárias passagens que são bem antigas na coleção de escritos paulinos.

A realidade histórica de que os líderes religiosos da época de Jesustentaram eliminá-lo, pelo menos em parte por causa de um clamor latente deque Ele era o Messias, está no coração do entendimento de Paulo. O que eraintolerável para eles era um Messias que vivesse e ensinasse de uma formaque atropelasse por completo o seu entendimento e expectativas. Aexpectativa deles era por sinais de poder mais normais, um poder que oslibertasse do jugo de serem dominados por uma potência estrangeira pagã.Porém, o que eles receberam foi um poder de forma radicalmente diferente,envelopado em bondade e mansidão — todavia, um poder verdadeiramentemuito real! De um ponto de vista meramente humano, não nos surpreende

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saber que esses líderes desejavam se livrar dEle: Jesus realmente estava bemdistante das expectativas que todos tinham com relação ao Messias!

Para sermos francos, na história, por vezes, inglória da Igreja posterior,houve inúmeras tentativas de se recriar um Cristo que correspondesse à nossaprópria imagem decaída. Por que, parecemos perguntar com uma certaconstância, Deus não poderia ser um pouco mais parecido conosco de modoque pudéssemos, em última análise, cair de joelhos e adorar alguém que foirecriado à nossa própria imagem? Só que, na nossa época, isso nãofuncionaria melhor do que no passado, porque exatamente no cerne da nossahistória está o oximoro teológico supremo: um Messias crucificado! E omesmo ocorreu com Paulo, de várias e várias maneiras. Por isso, começamospor onde Paulo começou: com o que ele chamava, a partir de umaperspectiva meramente humana de “a loucura de Deus”.

1 Coríntios 1.22-25Porque os judeus pedem sinal, e os gregos buscam sabedoria;mas nós pregamos a Cristo crucificado, que é escândalo para osjudeus e loucura para os gregos. Mas, para os que são chamados,tanto judeus como gregos, lhes pregamos a Cristo, poder de Deuse sabedoria de Deus. Porque a loucura de Deus é mais sábia doque os homens; e a fraqueza de Deus é mais forte do que oshomens.

1 Coríntios 15.3[...] Cristo morreu por nossos pecados, segundo as Escrituras.

Mais no final da sua primeira Carta aos Coríntios, Paulo aborda a questãoda ressurreição corpórea futura dos crentes, uma ideia que era especialmenterepulsiva para aqueles crentes que pareciam buscar algo um pouco mais“espiritual”. Já de início, Paulo os faz lembrar do que foi “transmitido” a

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eles: que aquEle que ressuscitou corporalmente dos mortos é o mesmo“Cristo” que havia “morrido pelos nossos pecados” (cf. 1 Co 15.3). Ao fazerisso, Paulo parece estar citando os elementos básicos de uma fórmulaprimitiva de credo que era aceita por todos nas primeiras comunidades decrentes. Todavia, é interessante notarmos que essa fórmula aparece bem nofim da carta, onde Paulo, finalmente, confronta aqueles que estavam negandoa futura ressurreição corpórea dos crentes. Portanto, e mesmo que essa nãotenha sido a intenção de Paulo, essa passagem serve como uma inclusio com— e deve ser compreendida à luz do — primeiro item abordado na carta(1.13–2.5). Já no início, com uma boa dose de paixão e ironia, Paulo fazlembrar àqueles crentes da “loucura de Deus” (1.25), refletida,primeiramente, na mensagem de um “Cristo crucificado” (1.18-25); depois,nos próprios coríntios, dentre os quais não havia muitos “sábios segundo acarne”, nem muitos “poderosos”, ou “nobres” (1.26-31); e, por fim, nochamado de Deus a Paulo, que não se tornou um apóstolo por causa de suas“palavras persuasivas de sabedoria humana” (2.1-5). Portanto, não nos chamaa atenção saber que havia uma tensão considerável entre Paulo e os coríntios:a sabedoria grega lhes era muito mais atraente do que a ênfase em Cristocomo o Crucificado, a vergonha suprema para qualquer cidadão romano emuma cidade tão importante como Corinto.

O argumento de Paulo faz sentido contextualmente somente se, quandoele escreve “Cristo crucificado” (1 Co 1.23), estiver se referindo a umMessias crucificado. Esta era, especificamente, a “pedra de tropeço”suprema, ou o escândalo para os judeus. Ao mesmo tempo, teria sido a maiordas loucuras para os gregos o simples fato de desejarmos saber por que Pauloimpõe de forma tão veemente esse ponto para os coríntios já na sua primeiracarta a eles. Por que não deixar que Cristo seja simplesmente um nomepróprio e colocar a ênfase na sua morte como sendo “por nós”? Porém, não,diz Paulo, nós pregamos um Messias crucificado, tendo total conhecimentode como judeus e gregos responderiam a isso: “escândalo” para os primeiros

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e “loucura” para os últimos (v. 23). Por que Paulo faz isso? Porque, sustentaele, na infinita sabedoria e poder do próprio Deus, toda pretensão humanaimaginável — de que poderíamos nos considerar capazes de encontrar aDeus, ou mesmo de nos igualar a Ele na sua sabedoria — foi por água abaixo.

Nós, simplesmente, jamais entenderemos Paulo, nem a profundidade doseu compromisso e devoção a Cristo, sem começarmos pelo ponto onde elemesmo começa: com o Messias crucificado. É por isso que a observação deDahl acima citada soa tão verdadeira, e nos leva a perscrutar as razões dopróprio Paulo para essa proclamação, em especial por sabermos tão bemcomo as pessoas dos dois lados do “muro de separação étnico”,instintivamente, resistiriam a isso como “escândalo” ou “loucura”. A respostaa essa pergunta nos leva de volta à história do próprio apóstolo, o queencontra expressão em várias ocasiões, mas, muito especialmente, em doismomentos das suas cartas: o primeiro, em uma defesa apaixonada do seupróprio apostolado diante dos gálatas e, o segundo, em uma carta aosfilipenses que tem todas as marcas do seu amor para com uma das suascomunidades de fé verdadeiramente amadas.

Gálatas 1.15-16Mas, quando aprouve a Deus, que desde o ventre de minha mãeme separou e me chamou pela sua graça, revelar seu Filho emmim, para que o pregasse entre os gentios, não consultei carnenem sangue.

Filipenses 3.4-6Ainda que também podia confiar na carne; se algum outro cuidaque pode confiar na carne, ainda mais eu: circuncidado ao oitavodia, da linhagem de Israel, da tribo de Benjamim, hebreu dehebreus; segundo a lei, fui fariseu, segundo o zelo, perseguidorda igreja; segundo a justiça que há na lei, irrepreensível.

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Já no início do argumento de Paulo aos crentes da Galácia, ao demonstrarque a sua versão do evangelho não tinha nenhum tipo de origem humana e,portanto, não era dependente de Jerusalém, onde estiveram os apóstolos antesdele, Paulo aponta para a natureza radical da sua conversão. Ele começaafirmando que tinha ido muito além dos outros, no Judaísmo, de duas formas:(1) como perseguidor do inimigo percebido, os seguidores de Cristo; e, (2)como um ávido estudante da Torá (Gl 1.13-14). Apesar de a segunda tese ser,talvez, mais importante no longo prazo, ele menciona, já de início, que eraum perseguidor da igreja, nesse caso, muito provavelmente porque esse era omotivo mais claro que o havia distanciado da comunidade cristã primitiva.Para o Apóstolo, o seu zelo na perseguição aos seguidores de Cristo tantodemonstrava a sua independência dos seus leitores como também o colocavanuma posição oposta àqueles que haviam seguido Jesus como o Messias dosjudeus. Na verdade, não havia absolutamente nada na história pessoal dePaulo que o pudesse ter levado a ser um seguidor de Cristo, mesmo assim, elehavia se tornado um deles — e um seguidor deveras apaixonado!Incidentalmente, a narrativa posterior de Lucas, em Atos 9.1-2, concorda coma autoavaliação de Paulo nesse ponto.

A frase que segue esse momento autobiográfico pré-conversão começa deuma forma especialmente significativa: “Mas, quando aprouve a Deus, quedesde o ventre de minha mãe me separou e me chamou pela sua graça,revelar seu Filho em mim, para que o pregasse entre os gentios, não consulteicarne nem sangue” (Gl 1.15-16). A expressão prepositiva que Paulo utilizaaqui, assinalada acima em itálico, teve uma história infeliz nas versõesocidentais (particularmente na língua inglesa) chegando, até mesmo, a sertraduzida como para mim (por exemplo, na NRSV, ESV). Só que esse é umcaso em que os tradutores fazem Paulo dizer o que eles queriam que eletivesse dito, já que fazem um belo estrago com uma preposição grega que,simplesmente, não comunica, de modo algum, o que eles a forçaram acomunicar.

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Ao contrário, ao contar a sua própria história nesse momento inicial dacarta, o Apóstolo apresenta a natureza completamente radical da sua própriaconversão de odiador a um seguidor de devoto de Cristo. Ele,intencionalmente, apresenta-se como o exemplo supremo da graça que incluitanto judeus como gregos. Deus escolheu revelar o seu Filho em Saulo deTarso, significando que Paulo serviu pessoalmente como um candidatocompletamente improvável para exibir o amor e a graça de Deus.

Para sermos francos, para muitos esse momento não é nada mais do queum momento passageiro na sua carta aos crentes da Galácia. Só que, apesardas controvérsias, esse não foi somente um momento incidental pelainsistência de Paulo nos mesmos dois pontos em uma reelaboração bemposterior dessa mesma história. Ao escrever para os crentes de Filipos, noque ficou tecnicamente conhecido como “uma carta de amizade”, Paulo voltaa expressar as suas inquestionáveis credenciais judaicas (Fp 3.4-6). Nessecaso, ele faz isso, primeiramente, em termos do que lhe foi concedido pornascimento (circuncidado, da tribo de Benjamim, israelita de israelitas) e, emsegundo lugar, em termos dos seus próprios feitos dentro do Judaísmo (umfariseu zeloso que tanto havia perseguido a Igreja, como fora um observadorirrepreensível da Lei). A ordem na qual as duas realidades são afirmadasparece refletir a compreensão que ele tinha de si mesmo acerca do significadoda sua postura anterior diante de Cristo e dos seus seguidores. Ele haviatentado eliminar as primeiras comunidades de crentes exatamente porque elasestariam adorando uma pessoa que, na sua concepção, não passava de umrejeitado por Deus ao ser crucificado pelo Império Romano.

É um tanto interessante que nesses dois novos relatos da sua históriaessencial pré-cristã, Paulo coloca a violência contra a Igreja diante da suaadesão leal à Lei. O mais provável é que isso seja o resultado das suaspróprias controvérsias dentro da comunidade judaica, onde ele estavahabituado a fazer lembrar aos outros judeus que ele já esteve na mesmasituação onde eles agora se encontravam. Portanto, aqui ele volta a justapor o

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seu passado como perseguidor da igreja e observador fiel da Lei com oprêmio superior de conhecer a Cristo como Senhor, o que o levou a colocartodos esses privilégios na categoria de zēmia (Fp 3.7), uma palavra grega quetem relação com algo basicamente sem valor, algo que é lançado fora, e queos tradutores da King James traduziam, corretamente, como “esterco”.

Assim, o denominador comum da vida pré-cristã de Paulo era que ele foraum ávido seguidor da Torá, e teve um ódio igualmente ávido daqueles queousaram proclamar que o Jesus crucificado era, de fato, o Messias judeu, oque representava o escândalo supremo para um homem obcecado pela Leicomo Saulo de Tarso. O Deus a quem ele servia com paixão não poderia estarenvolvido em tamanha loucura, que é o motivo pelo qual Paulo considerava oseu encontro pessoal com o Cristo ressurreto como sendo da mesma naturezaque todos os que o antecederam, apesar de ser sido tardio.

Gálatas 3.13Cristo nos resgatou da maldição da lei, fazendo-se maldição pornós, porque está escrito: Maldito todo aquele que for penduradono madeiro [Dt 21.23].

Nós descobrimos o motivo do ódio que Saulo de Tarso tinha pelosseguidores de Jesus na carta de Paulo aos crentes da Galácia, onde oApóstolo associa a morte de Cristo por crucificação à maldição apresentadaem Deuteronômio: “Maldito [por Deus é] todo aquele que for pendurado nomadeiro” (Gl 3.13). Como Jesus havia sido “pendurado em um madeiro”pelos romanos, para Saulo, essa era a evidência clara de que Deus o haviaamaldiçoado; e aquEle que Deus havia amaldiçoado dificilmente poderia serhonrado como o Messias judeu. Isso, especificamente, explica a grandepaixão que Saulo tinha por eliminar o que percebia como uma total heresia. ODeus de Israel não poderia ter feito algo de tamanha loucura — tãoabsolutamente contrário ao que teria ocorrido caso se tivesse buscado a

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direção divina!Desse modo, não se tratava simplesmente de certa expressão de

sabedoria, mas de palavras faladas a partir da sua experiência pessoal, quehaviam levado Paulo a argumentar, anteriormente, com os coríntios (1 Co1.21-24, acima analisada) que aquilo, de uma perspectiva meramentehumana, era o supremo oximoro — um Messias crucificado — deveria serreconhecido como o poder e sabedoria de Deus em ação no mundo. Comovimos acima, o acontecimento histórico que foi entendido como loucura totalpor aqueles que falavam grego (isto é, o mundo gentio) era, ao mesmo tempo,um escândalo inominável para o judeu comum — e, muito mais, para umreligioso apaixonado como Saulo de Tarso.

O fato de este escândalo estar no coração do entendimento pré-cristão quePaulo tinha de Jesus de Nazaré ajuda a explicar a descrição que Paulo faz desi mesmo em uma carta muito posterior como “blasfemo, e perseguidor, eopressor” (1 Tm 1.13). Tamanho compromisso anterior com uma oposiçãoviolenta aos cristãos explica a natureza radical da conversão de Saulo nocaminho de Damasco, que ele relata em termos de ter visto o Senhor (1 Co9.1). Este é um caso indubitável em que o efeito (a devoção total e completade Paulo a Cristo como Senhor) deve ser proporcional à causa (ter sidoconfrontado pelo Crucificado como aquEle que ressuscitou). O seu encontropessoal com o Jesus ressurreto acabou radicalizando Paulo (cf. 1 Co 15.8).Isso também explica a sua partida imediata para a Arábia (Gl 1.17), muitoprovavelmente como uma compulsão para chegar até o histórico Monte Sinai,o local em que Deus entregou a Lei a Moisés, a fim de processar o que lhehavia ocorrido no caminho de Damasco.

Assim, Paulo saiu dessa experiência como um seguidor apaixonado doverdadeiro Messias de Deus, Jesus, crucificado e ressurreto dentre os mortos.O que Paulo veio a perceber, como indica o argumento na sua carta aosgálatas (Gl 3.10-14), é que o soerguimento de Cristo em uma cruz, naverdade, envolvia a maldição da parte de Deus não somente a Cristo. Antes,

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toda a humanidade, no seu pecado e rebelião contra o Deus eterno, é que foicolocada sob a maldição de Deus e, dessa forma, soerguida na cruz porintermédio do único e perfeito sacrifício. Isso foi, de fato, um ato deverdadeira sabedoria da parte de Deus!

A sabedoria paradoxal de Deus está bem no coração da narrativa deCristo: que o Eterno amaria os seres por Ele criados a ponto de redimi-los e,pelo seu Espírito, recriá-los na divina imagem. É por isso que qualquerteologia da redenção que não inclua o comportamento como resultadonecessário da história cristã essencial está longe de representar o ensino dopróprio Apóstolo. Na visão de Paulo, para sermos francos, nós não somossalvos pelas boas obras, mas, na verdade, somos salvos para as boas obras,no sentido de fazer aquilo que é bom para toda e qualquer pessoa. Qualquerteologia que desconsiderar isso, de forma alguma, refletirá as paixões dopróprio Paulo.

Para Paulo, o “não” a Cristo por parte da humanidade foi, de fato, o “não”de Deus para a nossa condição decaída e rebelião, pelo qual Ele nos ofereceua graça e a glória eterna. E, ao ressuscitar Cristo dentre os mortos, Deus disse“sim” para o seu Filho e, portanto, para a humanidade por meio do Filho. Oresultado, argumenta Paulo, foi aquilo que para todo bom judeu era ooximoro supremo — um Messias crucificado — acaba se tornando aexpressão suprema da sabedoria e do poder do próprio Deus contra todaforma de estratagema humano. Somente o Deus eterno, na sua infinitasabedoria, poderia fazê-la ser tão sábia a ponto de ser “louca” a partir danossa perspectiva meramente humana.

O tema de um Messias crucificado é um caso claro em que o critérioacadêmico normalmente citado da “frequência da menção” não tem muitarelação com o significado teológico. O fato de Paulo não se referir com maiorfrequência à sua própria conversão, ou a Cristo como Messias crucificadotem pouco, ou mesmo nenhum fundamento, com relação à importância desseevento para o entendimento teológico posterior de Paulo. Antes, o que surge

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com uma forma de frequência que é teologicamente atraente é o grandevolume das referências que Paulo faz ao Senhor ressurreto, Jesus, como (o)“Cristo”.

Mesmo se admitirmos que, à época das cartas de Paulo, o título “Cristo”já havia se transformado quase em um nome, pelo seu próprio uso, as origensmessiânicas desse “nome” dificilmente poderiam ter sido abandonadas porcompleto a essa altura. No caso de Paulo, isso fica evidenciado pelaconsiderável frequência de todas as combinações imagináveis de nomes etítulos no corpus, inclusive nas Epístolas Pastorais, exceto na combinação “oSenhor Cristo”, que aparece apenas duas vezes (Rm 16.18; Cl 3.24). Osimples fato de essa combinação ter ocorrido já é um indicativo de que otítulo havia se transformado, de fato, em uma espécie de nome; todavia, a suafrequência, em comparação com todas as outras combinações, sugere quePaulo a foi aceitando de forma lenta e gradual. Assim, no devido tempo, oJesus verdadeiramente humano, o Messias crucificado, veio a sercompreendido como o Senhor.

Como “Cristo”, esse título transformado em nome, deriva diretamente doentendimento paulino de Jesus como o Messias dos judeus, podemosidentificar esse entendimento por intermédio do relacionamento de Paulocom a narrativa básica do seu compromisso profundo com o Judaísmohistórico. Independentemente do que se possa dizer a respeito da Cristologiade Paulo, ele estava convencido de que o Cristo crucificado, e agoraressurreto, representava o ápice da história básica dos judeus, como umapassagem na sua carta aos crentes de Roma testifica de forma eloquente.

Romanos 9.1-5Em Cristo digo a verdade, não minto (dando-me testemunho aminha consciência no Espírito Santo): tenho grande tristeza econtínua dor no meu coração. Porque eu mesmo poderia desejarser separado de Cristo, por amor de meus irmãos, que são meus

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parentes segundo a carne; que são israelitas, dos quais é a adoçãode filhos, e a glória, e os concertos, e a lei, e o culto, e aspromessas; dos quais são os pais, e dos quais é Cristo, segundo acarne, o qual é sobre todos, Deus bendito eternamente. Amém!

O clamor de Paulo diante do seu povo em Romanos 9 não é o rompantede um louco, mas a expressão da mais profunda convicção por parte de quemfoi “aprisionado” por Cristo no caminho de Damasco. E Paulo, que parece tersido uma pessoa naturalmente passional, redireciona toda a sua paixão, agora,para aquEle que havia se tornado o seu “Senhor” — a saber, o Jesus deNazaré histórico, a quem Paulo estava convencido ser ninguém menos que oMessias tão aguardado pelos judeus. Nada mais poderia explicar como esseperseguidor passional dos cristãos se transformara em uma pessoa tãoapaixonada por Cristo. Na verdade, Paulo estava tão convicto do senhorio deCristo que essa passagem representa o único local seguro em que o usoconsistente de Paulo é desfeito e ele utiliza o nome “Deus” especificamentepara se referir ao “Messias”, ou Cristo (v. 5). Apesar de o novo entendimentode Paulo a respeito do Messias judeu ser deveras radical, ele retorna àsSagradas Escrituras para ajudá-lo a compreender isso. E, ao fazê-lo, eleinterpreta a Cristo com a narrativa básica do Judaísmo.

Cristo e a Narrativa Básica do JudaísmoPaulo cita, ou ecoa o Antigo Testamento, em cerca de duzentos casos e de

várias maneiras ao longo das suas treze cartas.21 Como o apóstolo tendia acitar o Antigo Testamento, fundamentalmente, na sua argumentação, amaioria dessas referências está, de modo compreensível, nas cartas maisargumentativas de Paulo: as duas cartas aos crentes de Corinto, a carta aoscrentes de Roma, e a carta aos crentes da província da Galácia. Todavia, ascartas nas quais normalmente se considera não haver citações (por exemplo,1 e 2 Tessalonicenses, Colossenses e Filipenses) estão cheias de ecos de igual

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modo importantes do Antigo Testamento de formas tão cruciais, e com tantafrequência, que devemos supor que Paulo esperava que os seus leitores, ououvintes, na maioria dos casos, fossem capazes de discernir esses ecos.22

Quando passamos a analisar o uso que Paulo faz do Antigo Testamentoem geral, o que ganha destaque é o fato de o seu principal interesse recairsobre as características centrais do relato essencial de Israel:

1. Criação2. Abraão (com a promessa da inclusão dos gentios)3. O êxodo (incluindo tanto a libertação da escravidão, quanto a

conquista da terra herdada)4. A entrega da Lei (especialmente Deuteronômio, com a sua

antecipação do fracasso de Israel na observância da Lei)5. A linhagem real de Davi6. O exílio e a restauração prometida (normalmente compreendida

como a consumação escatológica), que inclui, de modo especial,os gentios

Portanto, não é nenhuma surpresa observarmos que apesar de Paulo citarpassagens de todo o Antigo Testamento grego, a maioria considerável (cercade 70%) das suas citações vem de Gênesis, Deuteronômio, Isaías e doSaltério.

O que é mais marcante é o papel que Cristo desempenha na história, namedida em que o próprio relato passa a ser ajustado a fim de incorporarCristo como crucificado, ressurreto e exaltado. Na verdade, para o Apóstolo,Jesus Cristo agora desempenha um papel preponderante em todas as seis dasfacetas fundamentais da história. O capítulo 6 se concentra no quinto e nosexto item: a linhagem real de Davi e a consumação escatológica.Primeiramente, porém, concluiremos este capítulo com uma breve visão geraldo papel desempenhado por Cristo nos primeiros quatro elementos dahistória, o qual, ao mesmo tempo serve para potencializar o efeito do quadro

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maior — que Cristo, que é, acima de tudo, o Filho messiânico de Deus, é,simultaneamente, o Filho eterno de Deus.

A Criação

1 Coríntios 8.6Todavia, para nós há um só Deus, o Pai, de quem é tudo e paraquem nós vivemos; e um só Senhor, Jesus Cristo, pelo qual sãotodas as coisas, e nós por ele.

Colossenses 1.15-16O qual é imagem do Deus invisível, o primogênito de toda acriação; porque nele foram criadas todas as coisas que há noscéus e na terra, visíveis e invisíveis, sejam tronos, sejamdominações, sejam principados, sejam potestades; tudo foi criadopor ele e para ele.

O papel de Cristo na criação é lugar-comum nos dois textos cristológicosmais importantes do corpus: 1 Coríntios 8.6 e Colossenses 1.15-16. Em umdos atalhos estranhos pelos quais seguiu o mundo acadêmico do NovoTestamento, alguns estudiosos têm tentado enxergar Paulo ecoando o supostopapel da Sabedoria personificada nesses dois momentos. Só que, como vimosno capítulo 2, um exame minucioso desses momentos outrora desconexos nascartas paulinas revela que Paulo não está equiparando Cristo com a SenhoraSabedoria. Antes, em cada um dos casos, o que fica implícito (1 Coríntios) ouexplícito (Colossenses) é que Jesus como Filho de Deus é o agente divino dacriação. Ao identificar Deus como Pai na passagem de 1 Coríntios eidentificar especificamente Cristo como o Filho amado do Pai emColossenses, Paulo coloca a criação firmemente no contexto de Jesus como oFilho messiânico e eterno de Deus.

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O uso que Paulo faz das preposições nos momentos marcantes na suacarta aos coríntios é revelador: “do” e “para” o Pai; “por meio de” e “porintermédio do” Filho, que, nesse caso, é identificado como “um só Senhor,Jesus Cristo”. De modo semelhante, ao escrever posteriormente aos crentesde Colossos, Paulo insiste que tudo o que existe veio por meio doagenciamento do Filho amado (eterno), que é expressamente identificadocom a esfera (nEle), o agente (por intermédio dEle) e o propósito (para Ele)de toda a ordem criada. É difícil imaginar uma afirmação mais contundentedo que essa a respeito da identidade de Cristo como o Filho eterno — mesmosem esta ter sido a intenção de Paulo. Portanto, como já vimos, a naturezacompletamente pressupositiva do que Paulo afirma e do que os seus leitorescompreendiam aqui revela uma Cristologia da mais alta ordem.

Abraão

Gálatas 3.16, 29Ora, as promessas foram feitas a Abraão e à sua posteridade. Nãodiz: E às posteridades, como falando de muitas, mas como deuma só: E à tua posteridade, que é Cristo. [...] E, se sois deCristo, então, sois descendência de Abraão e herdeiros conformea promessa.

Romanos 8.32Aquele que nem mesmo a seu próprio Filho poupou, antes, oentregou por todos nós, como nos não dará também com eletodas as coisas?

Fundamental para a forma como a Bíblia Judaica apresentava as tratativasde Deus com o seu povo era o papel de Abraão como progenitor do povoeleito de Deus. Essa afirmação fundamental desempenha um papel de

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destaque em dois momentos em que Paulo se refere à história: Gálatas 3 eRomanos 8. Assim como ocorre com a criação, o próprio Cristo desempenhaa função fundamental (agora escatológica) na remodelagem da história daredenção. Assim, na carta um tanto pesada que Paulo escreve aos crentes daGalácia, Cristo é identificado como a verdadeira “semente” de Abraão (Gl3.16) de modo que todos os que “pertencem a Cristo” devem ser, agora,compreendidos como tendo se tornado os verdadeiros “herdeiros” de Abraão(v. 29).

No argumento da carta que futuramente haveria de ser escrita aosRomanos, a função de Cristo com relação a Abraão é descrita de modoligeiramente diferente, mas que, no final, acaba chegando à mesmaconclusão. Abraão, como vimos, é o ancestral de todos os povos que creem,tanto judeus como também os gentios. Só que, nesse caso, Abraão representauma chave que desvenda grande parte da história: (1) Ele é o exemplo dehomem de fé porque (2) confiou em Deus antes da circuncisão e é, portanto,o pai dos gentios que creem (Rm 4.9-11); ao mesmo tempo, (3) ele recebeu acircuncisão como expressão da sua fé e é, portanto, também o pai dos judeus,especialmente daqueles que têm fé similar (v. 12); e (4) ele serve comoprincipal exemplo de fé por meio do nascimento de Isaque, a quem recebeucomo alguém que ressuscitou dos mortos, o que, por sua vez, leva-nos ànossa fé naquEle que, verdadeiramente, ressuscitou dos mortos (vv. 18-25).

Ecoando a narrativa de Isaque — mais especificamente Gênesis 22.16 —posteriormente na sua carta (Rm 8.32), Paulo faz com que Cristo assuma opapel do Filho da promessa. Assim como Deus abençoou Abraão por ele nãoter poupado o seu próprio filho amado, agora, Deus é retratado como aquEleque assume o papel de Abraão como alguém que “não poupou o seu próprioFilho”. O que é marcante nesse tipo de eco de uma passagem do AntigoTestamento é a tranquilidade com que Paulo faz isso; é mais provável que elesuponha que, no mínimo, alguns dos seus leitores entenderão o eco e, dessemodo, também a relação entre as duas narrativas.

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Assim, toda menção de Abraão e do seu papel nas cartas de Paulo norelato básico está explicitamente ligada a Cristo. Com a vinda de Cristo, apromessa de Abraão de que todas as nações seriam abençoadas havia sidocumprida.

O Êxodo

Colossenses 1.12-16[...] dando graças ao Pai, que nos fez idôneos para participar daherança dos santos na luz. Ele nos tirou da potestade das trevase nos transportou para o Reino do Filho do seu amor, em quemtemos a redenção pelo seu sangue, a saber, a remissão dospecados; o qual é imagem do Deus invisível, o primogênito detoda a criação; porque nele foram criadas todas as coisas que hános céus e na terra, visíveis e invisíveis, sejam tronos, sejamdominações, sejam principados, sejam potestades; tudo foicriado por ele e para ele.

O êxodo como parte do relato bíblico chega até nós de várias formas nascartas de Paulo, principalmente nas passagens que tratam da salvação, quesão muitas para serem citadas aqui uma por uma. Na verdade, toda metáforapara a salvação em Cristo, exceto a “reconciliação”, que também é o termomenos metafórico de todos, vem diretamente do Pentateuco, especialmente otema da “redenção”. Uma passagem em particular, Colossenses 1.12-17, ecoagrande parte da história do êxodo, inclusive a conquista da Terra Prometida,ao mesmo tempo em que faz alusão a outros momentos importantes dahistória de Israel, os quais colocamos em itálico acima. A seguir,apresentamos as muitas alusões dessa passagem:

1. A Criação: Porque nele foram criadas todas as coisas que há nos

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céus e na terra, visíveis e invisíveis [...] tudo foi criado por ele epara ele. E ele é antes de todas as coisas, e todas as coisassubsistem por ele.

2. Abraão: A linguagem do “Filho a quem ele ama” (cf. Gn22.2,16) começa aqui.

3. Êxodo: (a) tanto o verbo “resgatou” quanto o substantivo“redenção” ecoam Êxodo 6.6, um momento crucial na história deIsrael; (b) a libertação é do “domínio das trevas”.

4. A lei: Mesmo não sendo tratada de forma explícita nessapassagem, ela surge como a questão central um pouco mais tarde(2.6-23).

5. A realeza: (a) o filho nos leva ao “reino”; (b) o Filho é o Amadode Deus; (c) o Filho é o “primogênito” de Deus (prōtotokos,como em Êxodo 4.22 e em Salmos 89.26-27).

6. A inclusão escatológica dos gentios: Isso é assinalado pelaintercalação de “vós” e “nós”.

E todos esses temas são encontrados em uma única frase, bem longa etipicamente paulina! Nas cartas de Paulo, Cristo é normalmente visto como ocaminho pelo qual o cumprimento da nova aliança ocorre, e, portanto, écompreendido como estando em continuidade com a primeira expressão dahistória. Na verdade, em uma série de advertências aos crentes de Corinto,tiradas da história do próprio povo de Israel, Paulo compreendia Cristo,expressamente, como um ser presente junto de Israel nessa primeiraexpressão da história: “e beberam todos de uma mesma bebida espiritual,porque bebiam da pedra espiritual que os seguia; e a pedra era Cristo” e “Enão tentemos a Cristo, como alguns deles também tentaram” (1 Co 10.4,9).

A Entrega da Lei

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Romanos 10.4Porque o fim [= propósito] da lei é Cristo para justiça de todoaquele que crê.

A entrega da Lei é, talvez, o tema mais amplamente conhecido da históriade Israel que Paulo alega ter sido cumprido com a vinda de Cristo. Todavia,essa ênfase ocorre em Paulo somente em quatro casos, sendo que todos têmem comum a ameaça dos crentes gentios capitularem na observância da Torá(Romanos; Gálatas; Filipenses 3; Colossenses 2). Em Romanos 10.4, Paulofaz essa ligação de modo tão claro que nem são necessários comentáriosadicionais.

ConclusãoEncerramos a nossa breve revisão do uso que Paulo faz da narrativa de

Israel enfatizando, uma vez mais, a principal preocupação — observar quePaulo simplesmente afirma que Cristo tanto estava presente em lugares-chavedo acontecimento original do relato bíblico, como também é a característicacentral do seu cumprimento presente na história humana. Como veremos nocapítulo 6, Cristo desempenha um papel de destaque no quinto e no sextoelementos cruciais do relato, os quais servem como temas fundamentais daCristologia de Paulo. Passamos, assim, para uma análise dos temasrelacionados a Jesus (1) como o Messias dos judeus e que era, ao mesmotempo, (2) o Filho eterno de Deus.

20 Nils A. Dahl, Jesus the Christ: The Historical Origins of Christological Doctrine (Minneapolis:Fortress, 1991), p. 15.21 Observe que ao longo de todas as suas cartas Paulo se valeu de uma tradução grega da BíbliaHebraica que, por fim, passou a ser conhecida como Septuaginta (LXX), a Bíblia que era utilizada emtodas as comunidades judaicas de fala grega. Essa é a Bíblia com a qual ele foi educado em Tarso, e a

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Bíblia utilizada pelas suas igrejas de fala grega. Isso explica porque as citações que Paulo faz do AntigoTestamento normalmente diferem (às vezes, de modo considerável) de muitas versões em línguainglesa, já que todas as nossas versões foram traduzidas diretamente da Bíblia Hebraica. Isso significaque nas Bíblias modernas em língua inglesa, as “citações” de Paulo estão removidas do original pordois idiomas: elas são uma tradução inglesa da tradução grega da Bíblia hebraica! Desse modo, oconteúdo, normalmente, é o mesmo, só que a forma como ele é dito é, compreensivelmente, um poucodiferente.22 Para sermos francos, alguns leitores contemporâneos poderiam ser céticos acerca dos destinatáriosoriginais de Paulo terem mesmo entendido esses ecos. Como a nossa cultura sobrecarregada apresentamúltiplas formas de experiências verbais, a ideia de que as pessoas pudessem se lembrar das coisas decor parece completamente improvável. Todavia, esse autor conhece por experiência — como também oconhece todo pai que lê para os seus filhos — que ainda hoje as crianças têm uma grande capacidade dememorização. Na verdade, certa vez, quando estava lendo um livro bem conhecido para os meus quatrofilhos, eu modifiquei ligeiramente a história para torná-la mais engraçada, diante do que eu fuirepreendido de imediato: “Ah, papai, você está mudando a história!”.

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contexto assumido pelo Apóstolo como território comum entre ele e os seusleitores (em sua maioria, gentios).

Jesus como o Filho Davídico de DeusNo relato do êxodo, Yahweh instrui Moisés a dizer ao soberano do Egito:

“Assim diz o Senhor [= Yahweh]: Israel é meu filho, meu primogênito. E eute tenho dito: Deixa ir o meu filho, para que me sirva; mas tu recusaste deixá-lo ir; eis que eu matarei a teu filho, o teu primogênito” (Êx 4.22-23). Aqui,Yahweh utiliza um jogo de palavras para descrever o que ocorreria aosegípcios: Israel como povo é chamado tanto de “filho” de Deus, como de“primogênito” de Deus, antecipando, assim, a morte de todos os primogênitosdo Egito de sexo masculino. Esse tema é retomado muito mais tarde peloprofeta Oseias, que cita Yahweh: “Quando Israel era menino, eu o amei; e doEgito chamei a meu filho” (Os 11.1).

No devido tempo, essa designação de “filho” foi também aplicada ao reide Israel, que era compreendido tanto como o representante de Deus diantede Israel, mas especialmente como aquele que se colocava diante de Deus emfavor do povo. À medida que a história avança, o rei vai sendo, regularmente,designado de filho de Deus, inclusive num momento crucial de virada norelato: a aliança davídica, na qual Yahweh declara ao rei Davi: “[...] fareilevantar depois de ti a tua semente, que procederá de ti, e estabelecerei o seureino. [...] e confirmarei o trono do seu reino para sempre. Eu lhe serei porpai, e ele me será por filho” (2 Sm 7.12-14).

Em resposta a essa promessa, lemos que “[...] entrou o rei Davi, e ficouperante o Senhor, e disse: Quem sou eu, Senhor Jeová, e qual é a minha casa,que me trouxeste até aqui? (2 Sm 7.18, LXX) Assim, na aliança davídica, aprogenitura de Davi é chamada de “filhos de Deus”, ao passo que o próprioDavi responde que o que está por trás dessa promessa é o amor de Deus porele.

O tema do rei como “filho” de Deus recebe um destaque especial noSaltério, servindo como estrutura para o que chamamos de Saltério de Davi

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(os livros 1 e 2; Sl 1–41 e 42–72), que terminam com uma nota docompilador: “Findam aqui as orações de Davi, filho de Jessé” (Sl 72.20). Éinteressante notarmos que esse também é o primeiro caso, no AntigoTestamento, em que o “filho real” também é chamado de “ungido” doSenhor, que a Septuaginta traduz como (ho Christos), significando o“ungido” de Yahweh.

No Salmo 2, que introduz o rei de Israel como aquele que serve desubstituto do povo com lamentos e louvores a Deus, o salmista declara tantoque o rei é o “Christos de Deus” quanto é o “filho de Deus”, e que as nações(os gentios) se tornarão a sua herança: “Os reis da terra se levantam, e ospríncipes juntos se mancomunam contra o Senhor e contra o seu ungido [nogrego: Christos]” (2.2). “O Senhor me disse: Tu és meu Filho; eu hoje tegerei. Pede-me, e eu te darei as nações por herança e os confins da terra portua possessão” (2.7-8).

De modo semelhante, e com um aparente cuidado, o compilador doSaltério utilizou um Salmo de Salomão para separar os dois primeiros livros.O tema da filiação aparece, novamente, nas palavras de abertura do Salmo72, e, portanto, como a estrutura do Saltério inicial de Davi: “Ó Deus, dá aorei os teus juízos e a tua justiça, ao filho do rei” (72.1).

Finalmente, foi a natureza “eterna” da aliança davídica que despertou olamento de Etã, o ezraíta em Salmos 89.26-27 (88.27-28 na LXX). Essesalmo foi composto durante o exílio à luz da aparente derrocada do rei e dacidade de Jerusalém. À medida que o salmista recita as promessas da aliançade Deus com Davi (vv. 20-38), ele faz lembrar ao próprio Deus a suadeclaração: “Achei a Davi, meu servo; com o meu santo óleo o ungi; comele, a minha mão ficará firme, e o meu braço o fortalecerá” (vv. 20-21). Aofazer isso, Etã estava refletindo a realidade de que o rei representava o seupovo, o “filho primogênito” original (Êx 4.22-23), que como “filho” tambémé o “ungido” de Deus (Christos).

Como essa revisão abreviada indica, à medida que Paulo estudava as

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Escrituras, o seu Senhor tanto estava presente em momentos-chave naprimeira expressão da história, como também era a característica central doseu atual cumprimento escatológico. Portanto, não nos surpreende que Cristodesempenhe o papel de destaque no quinto e sexto elementos cruciais dorelato, os quais servem de alicerce para a Cristologia de Paulo.

A História de Jesus nos EvangelhosA certa altura, a narrativa de Israel finalmente nos leva ao próprio Jesus,

que, segundo a tradição sinóptica (Mateus, Marcos e Lucas), apresentou-separa Israel como o rei messiânico tão aguardado e, portanto, assumiu para simesmo todos os títulos davídicos, exceto “primogênito”. Na verdade, ostemas fundamentais já haviam sido proclamados no seu batismo, quando avoz que veio do céu declarou — “Tu és meu Filho amado; em ti me tenhocomprazido” (Lucas 3.22; cf. Sl 2.7) — e é reforçada pelo uso que Jesus fazdas duas passagens de Deuteronômio para responder ao Tentador no deserto:“[...] nem só de pão viverá o homem” (Lc 4.4, cf. Dt 8.3) e “Adorarás oSenhor, teu Deus, e só a ele servirás” (Lc 4.8; cf. Dt 6.13). Nessas históriassequenciais do início do seu ministério, Jesus assume o papel de Israel comoFilho de Deus, passando pelas águas e quarenta dias no deserto — masobtendo êxito exatamente nos pontos em que Israel fracassou quando foramtestados durante quarenta anos no deserto. E essas histórias sãoimediatamente seguidas pelas narrativas do Evangelho, segundo as quaisJesus prossegue anunciando o advento do Reino de Deus (vide Lc 4.14-21).

O batismo e a tentação de Jesus ocorreram diante de poucos observadoresexternos, ou mesmo nenhum observador. Portanto, como os autores dosEvangelhos sabem acerca desse evento no qual Jesus assume o papel deIsrael como Filho de Deus e, por implicação, também assume o papelmessiânico do rei de Israel como Filho de Deus? Existem duas respostaspossíveis: (1) que essa é uma criação da Igreja posterior, que veio a crer queisso lhe teria ocorrido, ou (2) que o próprio Jesus revelou essas coisas para

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seu círculo mais íntimo. Apesar de afirmarmos a segunda alternativa, o queestou querendo dizer é que essa narrativa está bastante alinhada com o quePaulo veio a crer acerca de Cristo alguns anos antes de os Evangelhos seremescritos. E como Paulo, segundo o seu próprio testemunho, tinha poucaligação com os seguidores iniciais de Jesus de fala aramaica, dificilmente elepoderia ser acusado de criar essa visão acerca do Jesus histórico.

De modo semelhante, a série de histórias de conflito entre Jesus e oslíderes judeus, quando aparecem nos Evangelhos Sinóticos, apresenta aimagem que surge nos escritos de Paulo. Isso vem à tona especialmente naforma como essas narrativas foram organizadas no Evangelho de Marcos(12.1-37 // Mt 21.33–22.46 // Lc 21.9-47). A parte central dessa série decinco perícopes oferece três formas diferentes de conflitos entre Jesus e oslíderes judeus: na questão do pagamento de impostos a César (Mc 12.13-17);na questão da ressurreição dos mortos (vv. 18-27); e na questão do maior dosmandamentos (vv. 28-34). Esses conflitos estão emoldurados por duashistórias nas quais Jesus assume o protagonismo. A primeira, a Parábola dosTrabalhadores da Vinha, propõe abertamente uma Cristologia do Filho deDeus, segundo a qual o enviado final de Deus a Israel é o seu Filho amado.Essa parábola também incorpora uma referência a um salmo messiânico quefala da “pedra que os edificadores rejeitaram” (Mc 12.10-11; cf. Sl 118.22-23). Igualmente significativa é a forma como essa série de cinco perícopestermina com uma Cristologia do Senhor exaltado, onde a mensagem de Jesusé que Ele é mais do que meramente um filho de Davi. De acordo com Jesus,o Filho de Deus não é ninguém mais do que o Senhor exaltado que deveriaassumir a excelsa honra de se assentar à destra de Yahweh, conformeafirmado no início daquele que tanto os judeus do período pós-exílico comotambém os cristãos entendiam ser um salmo messiânico: “O Senhor disse aomeu Senhor: Assenta-te à minha direita, até que eu ponha os teus inimigospor escabelo dos teus pés” (Mc 12.36; cf. Sl 110.1).

Portanto, de acordo com os relatos do Evangelho, a Cristologia do Filho

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de Deus tem as suas raízes na própria narrativa de Israel. E, assim comoocorre nos primeiros Evangelhos Sinóticos e no Evangelho de João, umpouco depois; ela também ocorre nos Escritos de Paulo. Portanto, aCristologia do Filho de Deus simplesmente não pode ser, como algunsdefendem erroneamente, uma invenção da Igreja posterior, à medida que ahistória era reinterpretada à luz do pensamento grego. O fato de o Messias sero Filho de Deus é uma noção bíblica que está bem no coração do relatobíblico. O que surpreende a todos é que o rei messiânico de Israel, overdadeiro Filho de Deus, não é simplesmente mais um da linhagem real deDavi, mas sim o Filho encarnado, o qual, na sua encarnação, revela averdadeira filiação e o verdadeiro reinado. Isso, por sua vez, também é o quetorna a crucificação tanto um momento radical da injustiça dos romanoscomo o derramamento supremo do amor divino por todos nós.

Jesus como o Rei Escatológico e Filho de DeusMesmo que os escritos de Paulo apresentem o tema da filiação de Davi de

forma menos direta que os Evangelhos, essa compreensão do Messias judeu— e de Jesus como esse Messias — está por trás dos momentos marcantesem que Paulo retira o véu momentaneamente. Na verdade, já no início deRomanos, a carta cuja principal preocupação é apresentar judeus e gentiosjuntos como um único povo escatológico, Paulo faz uma introduçãoelaborada que inclui as palavras “prometido”, “Filho” e “Davi” (Rm 1.2-3).

Mais adiante na carta, no início de uma longa narrativa acerca dafidelidade de Deus a Israel, a litania com a angústia de Paulo assim seexpressa:

Porque eu mesmo poderia desejar ser separado de Cristo, poramor de meus irmãos, que são meus parentes segundo a carne;que são israelitas, dos quais é a adoção de filhos, e a glória, e osconcertos, e a lei, e o culto, e as promessas; dos quais são os

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pais, e dos quais é Cristo [no grego, Christos], segundo a carne,o qual é sobre todos, Deus bendito eternamente. Amém! (Rm9.3-5)

Aqui Paulo identifica Jesus especificamente como o Messias dos judeus,como os tradutores da NVI inglesa acertadamente verteram o texto. Parasermos francos, essa é a mesma palavra que, em outras passagens, éconsistentemente traduzida como “Cristo”, porém essa tradução é a únicaocorrência segura, nas suas cartas em que o uso que o Apóstolo faz deChristos claramente funciona como um título, e não como um nome. Paulo,então, reforça a imagem passada nos Evangelhos de que Jesus é o Cristo, ouMessias, de Israel.

A certa altura, ainda no início das cartas de Paulo, esse título acabou setransformando no principal nome do nosso Salvador: “Cristo”. Na verdade,nas cartas preservadas do Apóstolo, ele utiliza esse nome com frequênciamais considerável do que, agora, havia se tornado o principal título: “oSenhor”. Uma transição similar pode ser vista no uso que Paulo faz dalinguagem do “Filho de Deus”. Essa linguagem está fundamentada noMessianismo judeu, todavia, em função da convicção do Apóstolo acerca dapré-existência do Filho, ela também se refere a Filho divino pré-encarnado.Para Paulo, a Cristologia do Filho de Deus não começa na eternidade; elacomeça com a narrativa que o Antigo Testamento faz das tratativas de Deuscom Israel. Todavia, essa linguagem tem um significado que vai muito alémdas suas origens messiânicas históricas. Essa mudança de perspectiva podeser vista, de modo mais claro, em três passagens das cartas de Paulo nas quaiso relacionamento entre Cristo, como o Filho real de Deus, e, portanto,messiânico, mistura-se com a realidade maior de que o Filho real(messiânico) é, de fato, o Filho eterno de Deus — enviado ao mundo paranos recriar como filhos verdadeiros de Deus.

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Romanos 1.1-4Paulo, servo de Jesus Cristo, chamado para apóstolo, separadopara o evangelho de Deus, o qual antes havia prometido pelosseus profetas nas Santas Escrituras, acerca de seu Filho, quenasceu da descendência de Davi segundo a carne, declaradoFilho de Deus em poder, segundo o Espírito de santificação, pelaressurreição dos mortos, — Jesus Cristo, nosso Senhor.

No prólogo de Romanos, o Apóstolo afirma que o evangelho que eleprega foi prometido de antemão por intermédio dos profetas e que a promessa— agora cumprida — refere-se ao Filho de Deus, que na sua vida terrena foium descendente de Davi. Só que Ele, agora, deve ser conhecido como o“Filho de Deus com poder” (Rm 1.4), por causa da sua ressurreição dosmortos. Mesmo que essa, provavelmente, não tenha sido a intenção, essa éuma passagem das cartas de Paulo, em que, seguramente, as figuras do Filhode Davi e do Filho eterno se misturam. Se tomarmos por base somente essapassagem, podemos ser tentados a adotar uma Cristologia adocionista, naqual Jesus se torna o Filho “eterno” na sua ressurreição e subsequenteexaltação. Só que o restante da sua carta proíbe essa posição. As últimasexpressões desse preâmbulo notável à carta, deveriam ser compreendidascomo a redenção que o Pai e o Espírito fazem do Filho eterno, que havia sidoenviado anteriormente pelo Pai “na semelhança da nossa carne de pecado”(8.3) de modo a servir de divino holocausto — o que é o ponto de partidapara nos tornarmos também filhos de Deus.

No início da narrativa do seu próprio chamado que começa na sua cartaaos Gálatas, Paulo afirma que Deus se agradou em revelar o seu Filho nopróprio Paulo (Gl 1.16). Paulo não está pensando nas origens do Filho comoo herdeiro do trono davídico, mas expressando realidades eternas. O Filho deDeus não é, simplesmente, o rei messiânico, enviado pelo Pai para libertarIsrael da servidão; mas aquEle que o Pai enviou a este mundo para redimir o

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seu povo e conceder a todos a adoção como “filhos” de modo que elestambém possam se tornar herdeiros plenos — agora não mais de uma faixa deterra na costa leste do Mediterrâneo, mas da própria eternidade. Na verdade,como Paulo insiste em Romanos 8, os próprios remidos são coerdeiros com o“primogênito” em cuja imagem eles, agora, estão sendo recriados (vv. 17 e29).

1 Coríntios 15.23-27Mas cada um por sua ordem: Cristo, as primícias; depois, os quesão de Cristo, na sua vinda. Depois, virá o fim, quando tiverentregado o Reino a Deus, ao Pai, e quando houver aniquiladotodo império e toda potestade e força. Porque convém que reineaté que haja posto a todos os inimigos debaixo de seus pés. Ora,o último inimigo que há de ser aniquilado é a morte. Porquetodas as coisas sujeitou debaixo de seus pés.

Em 1 Coríntios 15, Paulo volta a mesclar Jesus como o Messias real comJesus como o Filho eterno, só que nesse caso ele o faz de um modocompletamente diferente e marcante. Na segunda parte do seu argumentodiante dos crentes de Corinto a respeito da certeza da ressurreição corpóreadeles mesmos, o Apóstolo afirmou que, com a vinda do próprio Cristo, “[...]virá o fim, quando [Cristo] tiver entregado o Reino a Deus, ao Pai” (v. 24).

O impacto da passagem envolve o fim dos tempos, quando o Filhotransferirá o seu reinado para o Pai. Paulo afirma que tudo já está debaixo doseu comando; na verdade, prossegue ele, o Messias celestial precisa reinar atéque todos os seus inimigos sejam subjugados, inclusive o inimigo final: amorte. Ao argumentar desse modo, Paulo mescla dois textos que havia muitoeram compreendidos como messiânicos. O Messias exaltado precisa reinarnas alturas até que todos os seus inimigos se tornem “um escabelo para [osseus] pés” (cf. Sl 110.1), e isso ocorre porque o Apóstolo cita uma linguagem

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de um salmo anterior: Deus “tudo puseste debaixo de seus [do Filho] pés (Sl8.6). Assim, quando o Filho messiânico que hoje reina tiver — pelaressurreição à nova vida — destruído o inimigo final, a própria morte, esseacontecimento marcará o fim das funções messiânicas do Filho. Com isso,Cristo retornará à sua “função” prévia de Filho eterno.

Colossenses 1.13-17Ele [Deus] nos tirou da potestade das trevas e nos transportoupara o Reino do Filho do seu amor, em quem temos a redençãopelo seu sangue, a saber, a remissão dos pecados; o qual éimagem do Deus invisível, o primogênito de toda a criação;porque nele foram criadas todas as coisas que há nos céus e naterra, visíveis e invisíveis, sejam tronos, sejam dominações,sejam principados, sejam potestades; tudo foi criado por ele epara ele. E ele é antes de todas as coisas, e todas as coisassubsistem por ele.

Passaremos, finalmente, a um dos melhores momentos do Apóstolo, a“ação de graças transformada em narrativa” no início da sua carta aos crentesda igreja de Colossos. Nessa magnífica afirmação, Paulo se refere àquEle quehavia redimido esses crentes como “o Filho do seu [de Deus] amor” e à suaredenção como tendo inaugurado “o Reino de Deus” (Cl 1.13). É fácilperceber que a maior parte dessa linguagem tem suas raízes no relatoessencial de Israel — a redenção rumo a um reino governado pelo Filho deDeus. Só que quando chegamos ao final dessa breve narrativa, muito emboraPaulo continue ecoando a linguagem do Antigo Testamento a respeito dorelacionamento entre o Filho e o Pai, a sua preocupação passa a ir muito alémda história do Antigo Testamento e passa a abordar as verdades eternas. EsseFilho preexistia junto com o Pai, e é o portador da sua imagem; esse Filhotem os direitos de primogenitura com relação a toda a ordem criada, e isso

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ocorre porque esse Filho é tanto o agente como o objetivo de toda a ordemcriada. Além disso, esse Filho é o cabeça de todas as potestades em favor doseu corpo, do qual Ele também é a cabeça da qual derivam todas as suasforças vitais. Desse modo, o Filho é tanto o redentor como o criador de umanova criação.

ConclusãoComo já vimos neste capítulo, Paulo foi capaz de manter as duas

dimensões da sua Cristologia do Filho de Deus em tensão. Em primeirolugar, Paulo defende que o Filho eterno entrou na nossa história no papel doFilho messiânico, fazendo-se carne para proporcionar a nossa redenção. Essavisão, por sua vez, leva à segunda — e, para Paulo, a suprema — dimensãodo que significa para Jesus ser o Messias dos judeus. Jesus não é ninguémmenos que o Filho eterno de Deus, que se fez carne não somente para redimira humanidade decaída e corrompida, mas também (e especialmente) pararevelar o Eterno, para revelar a pessoa e o caráter de Deus. Trataremos dessasegunda dimensão do Messianismo judeu de forma mais completa nopróximo capítulo.

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mentalmente, ao passo que, simultaneamente, era também totalmentedivino.23 Nas cartas de Paulo, bem como no restante do Novo Testamento, averdadeira humanidade de Jesus recebe plena expressão por meio do Espíritode Deus, ao qual os primeiros crentes vieram a tratar de Santo Espírito, e que,da mesma forma, capacita-os a reconhecer o Ressurreto como aquEle queencarnou.

A seguir, iniciaremos com uma visão geral dos dados coletados a partirdas cartas de Paulo e, a seguir, examinaremos esses dados em cincocategorias diferentes, mas correlacionadas: o Filho de Deus como Salvador,como Filho do Pai, como redentor, como portador da imagem de Deus ecomo criador.

Jesus como o Filho Eterno e Pré-Existente de Deus: OsDadosUma questão básica para todos os leitores das cartas de Paulo é como

entender a designação de Jesus como “o Filho de Deus”, em especial comrespeito à forma como ele percebia o relacionamento do Filho com o Pai.Aqui, inicialmente, apresento uma visão geral da abrangência e natureza dosvários dados que servirão de auxílio ao leitor.

1. Paulo se refere a Cristo como Filho dezessete vezes, dezesseisdas quais são diretamente qualificadas em relação a Deus (seja“de Deus”, “dele” ou “dele próprio”). Todas essas informaçõesaparecem em nove das suas dez cartas às igrejas (Filemom é aúnica exceção). O único caso em que um qualificador não ocorreé na conclusão de um parágrafo no seu argumento com oscoríntios a respeito da ressurreição dos mortos (1 Co 15.28).Nesse caso, entretanto, o intensivo “o próprio Filho” faz comque o leitor retorne a uma frase no meio do parágrafo em quePaulo afirma que o fim virá quando Cristo “entregará o reino aDeus, ao Pai” (cf. v. 24). Para sermos francos, essa última

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expressão acabou se tornando bastante ambígua para os leitoresde épocas posteriores, acerca de Paulo ter tido a intenção dedizer “ao seu Deus e Pai” ou “a Deus, o próprio Pai”. Porém,seja qual for o caso, a linguagem de Paulo implica a filiação daparte do próprio Cristo.

2. Nas dez cartas de Paulo às igrejas — agora incluindo a carta aFilemom, que, como a saudação no v. 2 deixa claro, tambémdeveria ser lida em voz alta para todos os crentes de Colossos —Paulo se refere a Deus como “Pai” trinta vezes, além de trêsoutras menções nas epístolas pastorais posteriores (1 e 2 Timóteoe Tito), que eram dirigidas a indivíduos, e não a igrejas. Comexceção de duas passagens, uma no início (1 Co 15.23-28) eoutra mais tarde (Cl 1.12-13) nos seus escritos, “Filho” e “Pai”não ocorrem na mesma frase ou oração; nessas duas exceções, amenção que Paulo faz ao Filho é separada da menção ao Pai por,no mínimo, vinte e seis palavras. Desse modo, Paulonormalmente se refere a Jesus como “o Filho de Deus” ou “seu[de Deus] Filho”, mas nunca de forma explícita como o Filho doPai, muito embora seja questionável que esse tipo de construçãopossa ter sido intencional em um ou mais casos.

3. Das trinta ocorrências de “Pai,” vinte e três aparecem nacombinação “Deus e Pai”, das quais onze são qualificadas pelouso de “nosso” (“nosso Deus e Pai”). O mais provável é que essalocução significa que beire a “nosso Deus, a saber, o Pai” ou“nosso Deus, o próprio Pai” — que é nosso Pai exatamenteporque é “Pai” do “Filho” que foi enviado para nos redimir comofilhos de Deus de modo a nos recriar novamente segundo adivina imagem.

4. Dos doze casos restantes dessa combinação de “Deus e Pai”, trêssão qualificados por “de nosso Senhor Jesus Cristo” (2 Co 1.3;

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11.31; Ef 1.3), ao passo que a mesma combinação ocorre umavez em Colossenses (1.3), só que sem a conjunção kai (“e” ou“mesmo”). Além disso, parece mais provável que o uso apositivonessa passagem (isto é, “graças sejam a Deus, o Pai do nossoSenhor, Jesus Cristo”) serve como pista de que, nas outrasocorrências, a expressão “o Deus e Pai” também é apositivo (=“Deus, o próprio Pai” ou “o Deus que é Pai em relação aoFilho”).Os Evangelhos dão um claro testemunho acerca de se falar tantosobre e diretamente a Deus como “Pai” nas primeirascomunidades cristãs, uma prática que foi seguida extensivamentepor Paulo. Isso era, por si mesmo, algo especialmente radical ase fazer já que, na comunidade judaica em que Paulo cresceu, onome de Deus, Yahweh, não costumava ser pronunciado em vozalta para que não se corresse o risco de “se tomar o nome deDeus em vão”. Assim, na leitura pública da Bíblia Judaica, essacomunidade normalmente substituía por Adonai (“o Senhor”)onde o Nome Divino ocorria, um fenômeno que ainda persisteem versões contemporâneas da Bíblia em língua inglesa. O fatode esses primeiros seguidores de Jesus se dirigirem ou falaremde Yahweh dessa forma tão direta deve ter sido especialmenterepugnante para as comunidades judaicas da época e, muitoprovavelmente, explica a fúria de Saulo de Tarso por excluir domundo pessoas que cometiam tal “heresia”.

5. A ênfase no aspecto relacional do Filho com relação ao Paiocorre em quatro casos. Dois desses casos são expressos com oadjetivo “amado” (Cl 1.13; Ef 1.6) e os dois outros com opronome reflexivo grego, onde ele funciona como um intensivo(= “dele próprio”, Rm 8.3,32). Em Romanos 8.32, Paulo, muitoprovavelmente, está ecoando a filiação única de Isaque na longa

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narrativa em que Abraão é testado a respeito da sua disposiçãode entregar o seu “único” filho sacrificialmente a Deus (Gn 22.1-19).

O que surge, a partir desses dados, é que Cristo como “Filho de Deus”ocorre em contextos que dizem respeito ao seu relacionamento tanto com oscrentes — como salvador deles —, quanto com Deus-Pai. Passaremos, agora,a examinar com certos detalhes tanto as afirmações, como também assuposições que Paulo faz a respeito destas duas dimensões dosrelacionamentos do Filho.

O Filho de Deus como SalvadorQuando fala da redenção humana, Paulo utiliza a linguagem do Filho de

Deus em, pelo menos, três tipos de contextos. Em primeiro lugar, como jávimos anteriormente — e como seria de se esperar — a linguagem do Filhode Deus surge quando Paulo reflete a respeito da atual posição de Cristocomo rei. Isso se torna especialmente claro a partir de uma leitura atenta dedois momentos-chave da afirmação, um bem no início dos seus escritos (1 Co15.22-25) e outro um pouco mais tarde (Cl 1.13-15). Apesar de não havermais desses momentos nas cartas de Paulo, a própria maneira pressupositivacom que as afirmações dessas páginas são expressas (com intervalo de quaseuma década) é especialmente notável. Mais uma vez, não estamos diante dealgo que é defendido por Paulo, mas simplesmente de algo que serve comobase, como ponto de partida para enfatizar alguma outra questão. Em especialna primeira passagem, o Filho é considerado como alguém que reina e queseguirá reinando até que o inimigo final, a morte, seja destruído e todas ascoisas sejam restauradas ao seu destino anterior à queda, e que agora seráeterno.

Em segundo lugar, Paulo costuma considerar Cristo como sendo o “Filhode Deus” quando reflete no que significa para os remidos estarem em

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relacionamento com o Deus eterno como Pai. Isso transparece especialmentenas passagens gêmeas das suas cartas aos Gálatas e aos Romanos (Gl 4.4-7;Rm 8.14-18). Ao escrever aos crentes da Galácia, ele lhes diz que a redençãohumana é o resultado direto do envio que Deus faz do seu Filho e que aevidência que temos dessa redenção é o envio que Ele faz do Espírito do seuFilho ao nosso coração, pelo que nós utilizamos a linguagem do próprioFilho, Abba, o que significa, por sua vez, que nós mesmos somos filhos e,portanto, herdeiros de Deus. Aqui, de modo especial, a realidade de Cristocomo o Filho messiânico e eterno de Deus se mistura no pensamento dePaulo. O Filho que foi enviado ao mundo para redimir os perdidos faz isso nocontexto do relato bíblico básico (nascido debaixo da Lei). Só que o relatofunciona exatamente porque o redentor é o Filho eterno de Deus, portanto umSalvador totalmente divino. Em um momento especialmente significativo dasua carta de amizade aos crentes em Filipos, ele expõe isso de forma clara.Foi aquEle que esteve eternamente na forma de Deus, e, portanto, era igual aDeus e completamente divino, cuja humilde obediência ao seu Pai naEncarnação levou à sua morte em uma cruz (Fp 2.6-8). Como RichardBauckham acertadamente reconhece: “A Cristologia não pode isolar a missãode Jesus do seu ser. Uma Cristologia puramente funcional que trate apenas daação de Deus na missão de Jesus é inadequada, porque a sua missão estáfundamentada na sua filiação em termos da sua intimidade pessoal com oPai”.24

Esse entendimento da salvação — de que nos tornamos filhos de Deuspor meio da redenção efetuada pelo Filho de Deus — é que está por trás dacompleta devoção de Paulo a Cristo, o Filho, e que acaba tendo a suaexpressão máxima na carta de Paulo aos Gálatas: “[...] a vida que agora vivona carne vivo-a na fé do Filho de Deus, o qual me amou e se entregou a simesmo por mim” (Gl 2.20). Aqui a ênfase recai sobre o amor do Filhoconforme demonstrado no seu sacrifício redentor, mas também é refletido deuma forma muito mais relacional nas quatro passagens em que Paulo fala de

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Deus como o “Pai de nosso Senhor Jesus Cristo” (cf. 2 Co 1.3; 11.31; Cl 1.3;Ef 1.3). A vinda do Filho eternamente radicalizada pela compreensão quePaulo tinha de Deus, que agora não é bendito na linguagem dotranscendentalismo judeu, onde Deus é bendito pelos seus atributos de podere glória e alteridade, mas sim bendito como Pai do nosso Senhor Jesus Cristo,o Deus a quem agora conhecemos por intermédio do seu Filho. E é esse Filhoque veio para o meio de nós, em amor sacrificial, para nos redimir e nosrecriar segundo a imagem divina na qual a humanidade foi, originalmente,criada.

Em terceiro lugar, Paulo reflete uma Cristologia do Filho de Deus quandoconsidera a nossa redenção em termos da nova criação. Os filhos de Adão,que carregam a imagem do seu ancestral decaído, agora estão sendotransformados de volta à imagem do próprio Deus, a imagem que nahumanidade foi completamente manchada pela queda. Essa transformação éefetuada pelo Filho, que, por um lado, carrega perfeitamente essa imagem (o“evangelho da glória de Cristo, que é a imagem de Deus” [2 Co 4.4]), e que,por outro lado, também carrega a verdadeira e perfeita imagem da nossahumanidade (“os que dantes conheceu, também os predestinou para seremconformes à imagem de seu Filho” [Rm 8.29]). Pelo Filho sempre estamossendo transformados segundo a imagem do Deus eterno à medida que vamossendo modelados segundo a imagem do Filho, o ser humano perfeito quecarregou da forma mais verdadeira a imagem de Deus porque Ele foi, de fato,o Deus que viveu uma vida verdadeiramente humana entre nós — mas sempecado.

Na verdade, a Cristologia do Filho de Deus serve de estrutura para todauma passagem bem conhecida e muito amada no meio da carta de Paulo aoscrentes de Roma que fala da “vida no Espírito” de todos os crentes (Rm 8). Anarrativa começa com “Deus, enviando o seu Filho em semelhança da carnedo pecado, pelo pecado condenou o pecado na carne (Rm 8.3) Ele é,novamente, retomado no início da aplicação (vv. 14-17), segundo a qual o

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Espírito do Filho provoca a nossa adoção como “filhos”, o mesmo Espíritoque dá testemunho com o nosso espírito que somos, na verdade, filhos deDeus e, se somos filhos, então somos herdeiros de Deus na qualidade decoerdeiros com Cristo, o Filho.

Mais para o fim dessa narrativa impressionante da vida no e pelo Espírito,o propósito final da obra redentora de Deus por meio de Cristo é expresso emtermos de nós sermos conformados à imagem do Filho “a fim de que ele sejao primogênito entre muitos irmãos” (Rm 8.29). Isso, então, é seguido porecos da história de Abraão e Isaque retirados da narrativa de Gênesis (cf. Gn22), em que Paulo retorna ao tema da redenção proporcionada por Deus pormeio do dom de seu Filho: “Aquele que nem mesmo a seu próprio Filhopoupou, antes, o entregou por todos nós” (Rm 8.32).

Como pode ser visto nesses três momentos nas cartas de Paulo, aCristologia paulina do Filho de Deus, com as suas raízes que penetram afundo na história de Israel, encontra a sua expressão máxima na redenção dahumanidade que transforma os remidos em “filhos” e, portanto, herdeiros deDeus. Não nos surpreende, portanto, que quando Paulo se lança na doxologia,ela é expressa em termos do “Deus que agora é conhecido como o Pai donosso Senhor Jesus Cristo”, o Filho eterno. Para Paulo, não existe qualquertentativa de se persuadir (afinal, a passagem de Colossenses, por exemplo,flui a partir da ação de graças), tampouco existe qualquer necessidade de sechamar a atenção para a fonte dessa linguagem e representação. Antes, essetipo de expressão simplesmente flui no linguajar de Paulo, com muitafrequência como um pressuposto básico sobre o qual se defende algum outroponto. E inerente a essa afirmação de Jesus como o Filho de Deus é o fato deJesus ser o Messias real, que redime o seu povo por meio da morte sacrificiale subsequente ressurreição. Nenhum ser humano poderia jamais ter — nemmesmo desejar ter — criado uma história assim tão improvável.Seguramente, só o Deus eterno é tão sábio a ponto de fazer algo que,superficialmente, pareceria ser tão absurdo!

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O Filho do PaiA análise supramencionada ocorre a partir das implicações cristológicas

que surgem nas preocupações fundamentalmente soteriológicas de Paulo.Como já foi visto, observamos a compreensão paulina acerca da pessoa deCristo, fundamentalmente, em contextos em que ele está falando sobre a obrade Cristo como o nosso redentor. Numa análise mais atida da linguagem dePaulo, poderemos perceber pistas acerca do relacionamento do Filho eternocom Deus-Pai, um entendimento que está arraigado em vários dessesmomentos soteriológicos. Estes, por sua vez, explicam a completa devoçãoque Paulo tinha a Cristo.

O Grito de “Abba”

Gálatas 4.6E, porque [vós] sois filhos, Deus enviou aos nossos corações oEspírito de seu Filho, que clama: Aba, Pai.

Romanos 8.15[...] mas recebestes o espírito de [vossa] adoção de filhos, peloqual [nós] clamamos: Aba, Pai.

Dificilmente poderíamos subestimar o significado cristológico do apelode Paulo ao uso do clamor Aba como evidência de que os crentes da Galáciae de Roma eram, eles mesmos, filhos de Deus por intermédio do dom doEspírito. Nos dois casos, o que está em questão é que os crentes nãoprecisariam observar a Torá. Todavia, não podemos desconsiderar osignificado que isso tinha para o entendimento de Paulo acerca de Cristocomo Filho de Deus — e especialmente interessante é mudança nãogramatical do “vós” para “nosso” ou “nós” nesses dois momentos marcantes.

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Paulo desenvolve um argumento considerável para dizer que esse clamorvem do coração das pessoas porque Deus-Pai enviou o Espírito do seu Filhoaos nossos corações, despertando, dessa forma, o clamor. Assim como oFilho foi enviado ao mundo para efetuar a redenção, o Espírito do Filhotambém foi enviado ao mundo para efetuar a redenção, e o Espírito do Filhofoi enviado ao coração dos crentes para efetuar a percepção experimentaldessa redenção. Analisaremos a natureza trinitária da Teologia de Paulo commais detalhes no capítulo final, mas por ora já conseguimos perceber que nãosomente a dimensão cristológica dessas afirmações duplas correlatas éconsiderável, mas também o caráter inerentemente triúno de Deus implícitonessas duas intrépidas afirmações. Junto das três afirmações claramentetrinitárias de Paulo (1 Co 12.4-6; 2 Co 13.14; Rm 8.14-16), essa passagemtambém serve de base para todas as articulações trinitárias futuras, muitoantes de essas articulações precisarem ser analisadas, debatidas e, por fim,compreendidas como fundamentais para toda fé genuinamente cristã.25

Pouca dúvida pode haver de que esse clamor Aba foi preservado pelacomunidade cristã primitiva, e continuou ainda a ser usado por várias décadasnas comunidades de fala grega, porque o próprio Jesus orava dessa forma eassim ensinou os seus seguidores a orar. E independentemente de comoentendamos o significado dessa oração para o Jesus terreno, essas duaspassagens das cartas de Paulo demonstram que ele a via como a oraçãoterrena do Filho eterno de Deus. Afinal de contas, ambas são passagens quetratam do Filho de Deus, e não precisamos apelar ao sentimentalismoespiritual para reconhecermos que esse uso por parte do Filho eterno (videMc 14.36) aponta para uma compreensão relacional entre Filho e Pai.

Portanto, a forma como Paulo fala do clamor Aba aponta para umacompreensão do Jesus ressurreto como o Filho de Deus que vai muito alémde uma questão que envolva meramente um título. O que fica ainda maisexplícito no Evangelho de João está inerentemente presente muito antes nosescritos de Paulo. Na verdade, o uso paulino está muito mais de acordo com a

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Cristologia do Filho de Deus do que vemos em 1 João, muito embora apreocupação de João esteja explicitamente relacionada a alguns que estavam“negando” o Filho de Deus (1 João 2.22-23), o que é, posteriormente,explicado em termos da sua negação da realidade da encarnação.

Os Ecos de Abraão e Isaque

Romanos 8.3Porquanto, o que era impossível à lei [...] Deus [fez], enviando oseu Filho em semelhança da carne do pecado, pelo pecadocondenou o pecado na carne.

Romanos 8.32Aquele que nem mesmo a seu próprio Filho poupou, antes, oentregou por todos nós...

Colossenses 1.13Ele nos tirou da potestade das trevas e nos transportou para oReino do Filho do seu amor.

Gênesis 22.2Toma agora o teu filho, o teu único filho, Isaque, a quem amas, e[...] oferece-o ali em holocausto.

Gênesis 22.12[...] porquanto agora sei que temes a Deus e não me negaste o teufilho, o teu único.

Esse mesmo entendimento relacional de Jesus como o Filho eterno de

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Deus surge no pensamento de Paulo nos vários ecos que ele faz da narrativade Abraão e Isaque de Gênesis. Esse eco aparece, inicialmente, nas fortesafirmações acerca da confiança dos crentes em Romanos 8. Como vimosacima, essa passagem como um todo está tanto estruturada comodesenvolvida por uma firme Cristologia do Filho de Deus. A estrutura ocorreno início (v. 3) e mais para o final (v. 32) desse momento extraordinário dascartas de Paulo.

Somente nessa parte do corpus, Paulo enfatiza que Deus enviou o seu“próprio” Filho para efetuar a redenção. Isto é, depois, retomado mais para ofinal com uma linguagem retirada diretamente da narrativa de Gênesis, a qualdiz que “Deus não poupou nem o seu ‘próprio’ Filho”, assim como Abraãotambém ofereceu o seu próprio filho — mesmo que essa linguagem nãoesteja presente na narrativa de Gênesis. O uso que Paulo faz de “próprio”(tanto o pronome reflexivo do v. 3, como o intensivo do v. 32) é um caso decompreensão deveras rabínica da narrativa de Gênesis. Pois o que Deusestava pedindo a Abraão era que ele sacrificasse o seu “próprio” filho nosentido de que ele era o filho especial da promessa. Em um momento depercepção inspirada, Paulo reconhece que o Filho a quem o Pai tanto enviouao mundo quanto ofereceu como sacrifício por todos era, de modo similar eexclusivo, o único Filho de Deus.

Devemos ter em mente esse mesmo pano de fundo quando Paulo se refereao “Filho do seu [de Deus] amor” (Cl 1.13; cf. Ef 1.6), já que essa é alinguagem usada na Septuaginta para se referir a Isaque em Gênesis, onde aposição singular de Isaque recebe destaque: “Toma agora o teu filho, o teuúnico filho, Isaque, a quem amas” (Gn 22.2 LXX). Não se trata simplesmentede percepção teológica, mas da realidade teológica que levou Paulo, emRomanos 8, a se referir ao fato de o Pai “não poupar nem o seu ‘único’ Filho”a fim de efetuar a eterna redenção em favor de todos os que se tornariam osseus filhos (= filhos, vv. 14,17).

Esses ecos nos fazem passar de um entendimento meramente posicional

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do Filho eterno de Deus para um entendimento relacional. É esse Filho, queestá eternamente com o Pai, que o Pai enviou “em semelhança da carne dopecado” (Rm 8.3), e a quem Ele “entregou [...] por todos nós (cf. v. 32). Emuito embora o próprio Paulo não enfatize o aspecto relacional do Filhodiante do Pai, a própria linguagem nos empurra a pensarmos nesses termos.

O Filho de Deus como Redentor

Gálatas 2.20Já estou crucificado com Cristo; e vivo, não mais eu, mas Cristovive em mim; e a vida que agora vivo na carne vivo-a na fé doFilho de Deus, o qual me amou e se entregou a si mesmo pormim.

Passaremos, finalmente, a uma expressão muito rara — e muito pessoal— do relacionamento de Paulo com o Filho de Deus na sua carta aos Gálatas.Aqui em Gálatas 2.20, Paulo compreende a natureza e a atividade divinaentre o Pai e o Filho como sendo completamente intercambiáveis, pois eledescreve uma total transferência da atividade do Pai para o Filho. É maiscomum ele expressar a morte do Salvador em nosso favor como evidência afavor, e o derramar do amor de Deus-Pai para com a humanidade decaída,que está em inimizade contra Deus. Isso é especialmente verdadeiro quandose trata da narrativa reflexiva mais teológica do Apóstolo em Romanos 5.6-8e mais marcante, posteriormente, na mesma carta, quando ele escreve:“[Deus] [...] nem mesmo a seu próprio Filho poupou, antes, o entregou portodos nós” (Rm 8.32). Porém, na sua carta anterior aos crentes da Galácia, emum súbito rompante acerca da morte de Cristo, essa verdade é expressa deuma forma completamente pessoal. Portanto, foi o próprio “Filho de Deus”que “me amou”; e, de modo semelhante, foi também o Filho de Deus que“entregou-se a si mesmo por mim”. Foi esse mesmo Filho a quem o Pai

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enviou ao mundo para redimi-lo (Gl 4.4). Esse raro momento é especialmentepessoal e relacional; e por trás disso está uma compreensão do Filho e do Paique também é pessoal e relacional. Isso nos remete, a seguir, para aquelesmomentos das cartas de Paulo em que ele identifica o Filho como aquEleque, na sua encarnação, tornou-se o supremo portador da imagem divina.

O Filho como Portador da Imagem de Deus

2 Coríntios 4.4[...] a luz o evangelho da glória de Cristo, que é a imagem deDeus.

Romanos 8.29Porque os que dantes [Deus] conheceu, também os predestinoupara serem conformes à imagem de seu Filho.

Colossenses 1.13,15Ele [Deus] nos [...] transportou para o Reino do Filho do seuamor, [...] o qual é imagem do Deus invisível, o primogênito detoda a criação.

Como vimos no capítulo 2, uma das reviravoltas mais marcantes nosestudos acadêmicos do Novo Testamento foi a identificação da “imagem” deDeus com a Sabedoria personificada, quando o próprio Paulo utiliza o termoprincipalmente de Cristo como o Filho de Deus. Retornamos aqui àlinguagem da “imagem” para mostrar o seu significado para o entendimentobásico de Paulo acerca do relacionamento do Filho com o Pai. A ênfase dePaulo com respeito a esse uso assume duas direções: (1) o Filho como operfeito portador da imagem divina na sua humanidade; (2) o Filho, acima de

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tudo, como o Filho Divino do Pai, cuja imagem Ele carrega de modoperfeito. Aqui, portanto, está a expressão suprema do adágio “Tal Pai, talFilho”. Nas duas passagens anteriores que tratam da “imagem” (2 Co 4.4; Rm8.29), a ênfase está especificamente no fato de Cristo ser o portador da divinaimagem, ao passo que no contexto da última passagem, Cristo é identificadocomo “o Filho do seu [do Pai] amor” (Cl 1.13).

O Filho de Deus como CriadorFinalmente, retornamos com brevidade às duas passagens cristológicas

correlatas analisadas no capítulo 2 (1 Co 8.6; Cl 1.15-20) a fim de observarcomo Paulo não somente pressupõe a pré-existência do Filho, como tambémenfatiza o papel anteriormente desempenhado por Cristo na criação antes defalarmos no seu papel na redenção. O relato fundamental é expresso na formade licença poética na primeira carta aos Coríntios. O Theos (Deus) Único daShemá judaica é, agora, identificado como o “Pai”, que é a fonte e propósitotanto da criação como da redenção. O Único Kyrios da Shemá é Jesus Cristo(o Filho do Pai), que é o agente divino tanto da criação, como da redenção.Mesmo que Cristo não seja especificado como Filho nessa passagem, issofica implícito pela identificação de Deus como Pai. Paulo deixa claro que oÚnico Senhor — Cristo, o Filho — era eternamente pré-existente ao lado doPai e foi o seu coparceiro tanto na criação como na redenção. Se o Pai é afonte e o propósito de todas as coisas, o Filho é o divino agente de todas ascoisas, inclusive, especialmente, da própria criação.

Essa representação é descrita de modo muito mais explícito e completo napassagem de Colossenses. Ao escrever aos crentes de Colossos, Paulo passado relato da redenção (Cl 1.12-14) para o da criação (vv. 15-17) — e nessaordem. Ele começa identificando especificamente o Filho como aquEle que,na sua encarnação, revestiu-se da imagem do Pai e detinha todos os direitosde primogenitura. O Filho tem esses direitos exatamente porque Ele é aquElepor meio de quem, para quem e em quem todas as coisas foram criadas. A

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natureza expansiva dessa passagem pode ser atribuída, fundamentalmente, aodesejo de Paulo em colocar “as potestades” no seu devido lugar, como tendosido criadas pelo Filho e, portanto, em última análise, sendo subservientes aEle. E como observamos no capítulo 5, o Filho é aquEle que está, nomomento, “recriando” a humanidade decaída a fim de reconduzi-lanovamente à divina imagem como o princípio da nova criação (v. 18) — umaimagem que somente Ele possui na sua forma perfeita (3.10-11).

A Cristologia paulina do Filho de Deus é a sua maneira de expressar nãosomente o relacionamento de Cristo com Deus-Pai, como também a pré-existência eterna de Cristo, inclusive o seu papel na criação original e na novacriação. Como Filho de Deus, Ele carrega a imagem do Pai na suahumanidade; e como Filho de Deus, Ele está recriando um novo povoformado para Deus e reconstituindo nele a divina imagem. Como a minhaherança pentecostal deseja exclamar: “Glória ao Deus eterno”!

Conclusão: A Questão das OrigensPara fins de conclusão, passaremos, finalmente, à questão das origens: De

onde Paulo recebeu a sua compreensão de Cristo como o Filho messiânico deDeus e que, ao mesmo tempo, era o Filho eterno? Levantar a questão da fontedo entendimento de Paulo é, obviamente, diferente de questionar a realidadepor trás desse entendimento. Além disso, o próprio Paulo indica que a origemda linguagem do “Filho de Deus” deve ser encontrada em um Messianismojudeu cujas raízes remontam à aliança davídica, só que o mesmo não ocorrecom a questão da terminologia em si mesma, que seguia a par e passo com asexpectativas que os judeus tinham acerca do fim dos tempos, segundo a qualum Davi superior surgiria e redimiria o seu povo do presente estado deescravidão. Antes, a questão das origens diz respeito à forma como o Filhomessiânico veio a ser identificado com o Filho eterno, que já preexistia naforma de Deus e, portanto, é igual a Deus (Fp 2.6). Existem três possíveisexplicações, que abordaremos sequencialmente.

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Em primeiro lugar, é possível que as suas origens, no caso de Paulo,podem remontar ao seu encontro com o próprio Senhor ressurreto e exaltado.Essa é a posição assumida por muitos, infelizmente, com base emfundamentos insustentáveis de uma leitura errônea de Gálatas 1.15-16.Simplesmente, não existem bases exegéticas — em especial dentro do corpuspaulino — para se entender a gramática clara de Paulo segundo a qual eleexpressa que o Filho foi “revelado em mim” como se Paulo tivesse a intençãode dizer, na verdade, que o Filho “revelou para mim”. Como já vimos nocapítulo 5, Paulo desejava que a sua própria “conversão” fosse motivo derevelação para outros — que na sua própria “conversão” de um odiosoperseguidor de Cristo para um fiel devoto dele, as pessoas pudessem verCristo em ação no mundo. Só que não precisamos desse texto parasubentender que o encontro de Paulo com o Cristo ressurreto pode tê-lolevado a finalmente compreender Cristo como o Filho pré-existente. Eu tendoa concordar com essa possibilidade, muito embora não haja qualquerevidência expressa nas cartas de Paulo para se crer que isso tenha, de fato,ocorrido.

Em segundo lugar, alguns argumentam que a resposta está na tradiçãosapiencial judaica. Todavia, como defendemos no capítulo 2, não existequalquer base exegética, linguística, teológica ou histórica para crermos que aorigem remonte a ela. Essa explicação exige que subestimemos, ouneguemos, que o tema do Filho de Deus nas passagens-chave, especialmentenas afirmações cruciais que recebem destaque na sua carta aos Colossenses(Cl 1.13-17). Essa explicação tanto deturpa a Tradição Sapiencial comointrojeta na leitura de Paulo algo que o próprio Apóstolo dificilmente poderiater compreendido.

Em terceiro lugar, Paulo oferece uma possibilidade, pelo uso que faz dapalavra aramaica Abba como uma forma de se dirigir a Deus-Pai, de queexistia alguma forma de Cristologia do Filho de Deus na comunidade cristãaramaica antes mesmo de Paulo se tornar um crente. Nesse caso, portanto, o

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entendimento de Cristo como o Filho pré-existente muito provavelmentetinha as suas origens dentro da comunidade que o antecedeu. Por qual outromotivo ele, em duas cartas diferentes às comunidades de fé de fala grega,teria utilizado essa palavra aramaica — que é um equivalente aproximado danossa palavra “Papai” — como evidência básica de que o Espírito de Deus-Pai habita no interior do crente (Gl 4.6; Rm 8.15)?

Só que, ao final, todos precisamos admitir que nós, simplesmente, nãosabemos com certeza a resposta à pergunta “Onde foi que Paulo se deparoucom essa compreensão de Cristo como o Filho eterno e pré-existente deDeus?”. Sinto-me atraído pela sugestão de Martin Hengel, que conclui, combase em uma minuciosa análise das evidências disponíveis, que “estedesenvolvimento da Cristologia [inclusive a Cristologia do Kyrios] avançouem um curto período de tempo”.26 Citando Barnabé 6.13 (“Eis que faço dasúltimas coisas as primeiras coisas”), Hengel extrapola a possibilidade de queessa posição também pudesse ser vista de forma invertida: de que asprimeiras coisas devessem ser vistas à luz das últimas. Nas palavras dele: “Oprincípio tinha que ser iluminado pelo fim”.27

Embora as comunidades primitivas tenham desenvolvido umacompreensão da pré-existência do Filho de Deus — seja por revelação, sejapor lembrança de Jesus ou profunda reflexão —, essa realidade existe emPaulo de maneira completamente pressupositiva. Junto com a sua Cristologiado Kyrios analisada na Parte 4, a sua Cristologia do Filho de Deus tantopressupõe como também expressa uma forma de Cristologia superior que éexpressa de modo deveras aberto e articulado no Evangelho de João. Parasermos francos, as suas formas de expressão são um tanto diferentes; todavia,Paulo e João se situam na mesma página cristológica da história, e no caso dePaulo, ele compartilha essa Cristologia superior com os destinatários dessascartas. Como vimos na Parte 3, independentemente de qualquer outra coisana cosmovisão cristã de Paulo, a sua Cristologia do Filho de Deus não éperiférica no seu esforço teológico. Ela é uma parte essencialmente crucial

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que ajuda a dar sentido a todo o restante da sua obra.

23 Como costumo fazer lembrar aos meus alunos de forma a ajudá-los a fixar este tópico: o Filho deDeus usava fraldas descartáveis (ou o equivalente a elas no século I).24 Richard Bauckham, “The Sonship of the Historical Jesus in Christology”, in The Historical Jesus,vol. 3, Jesus’ Mission, Death, and Resurrection, editado por Craig A. Evans (Londres: Routledge,2004), p. 114.25 Além disso, mesmo sem ter a intenção de fazer isso, Paulo declara a sentença de morte de todas asformas de Teologias “dualitárias”, sejam elas pressupostas, sejam explicitamente articuladas por gruposcomo os Mórmons — cuja negação do Espírito como “pessoa” os coloca fora da corrente ortodoxahistórica cristã.26 Martin Hengel, The Son of God: The Origins of Christology and the History of Jewish-HellenisticReligion (Filadélfia: Fortress, 1976), p. 77; itálico no original.27 Ibid., p. 69; itálico no original.

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somente como um título, ao passo que Christos frequentemente funcionatanto como nome quanto como título. Mesmo assim, o título Kyriospredomina nas duas primeiras cartas de Paulo (1 e 2 Tessalonicenses) bemcomo na sua última carta do corpus eclesiástico (Filipenses) e nas CartasPastorais (2 Timóteo). Na verdade, ele desempenha um papel de destaque emtodas as suas cartas, com exceção de duas (1 Coríntios e Gálatas).

Além disso, como vimos na Parte 3, muito embora Christos seja oreferente mais utilizado por Paulo para se referir a Jesus, pouco mais dametade dessas referências aparecem isoladas, ou como sujeito, ou comoobjeto de uma oração, ao passo que dois terços das referências de Paulo aJesus como “Senhor” aparecem isoladamente. Esses números, por si mesmos,já contam parte da história. Para Paulo, “Jesus” era um nome. “Cristo”,entretanto, começou como um título (Jesus, o Cristo = Messias), apesar de,por fim, também ter chegado muito perto de funcionar como um nome. Logo,mesmo que o seu uso tenha sido inconsciente na maior parte dos casos, oApóstolo normalmente se refere ao nosso Senhor em termos do nome Jesus edo título Senhor e com a função de Cristo (= Messias).

Especialmente digno de nota é que nos sessenta e cinco casos onde todosos três nomes/títulos aparecem juntos, o título “o Senhor” aparece somente naprimeira, ou na última posição — isto é, ou vemos “o Senhor, Jesus Cristo[ou ‘Cristo Jesus’]” ou “Jesus Cristo [ou ‘Cristo Jesus’], o Senhor”. Issoserve de evidência de que, para Paulo, Kyrios funcionava exclusivamentecom um título, muito embora as suas origens estivessem no Nome Divino.Por essa razão, eu alterei ligeiramente a tradução da NVI e inseri uma vírgulapara separar “o Senhor” de “Jesus Cristo” ou de “Cristo Jesus”.

Para Paulo, o significado desse “nome transformado em título” de formaalguma pode ser desconsiderado. Esta é a forma como ele começa todas assuas cartas (“o Senhor Jesus Cristo”, isto é, “o Senhor, a saber, Jesus, oMessias”), sempre combinado com “Deus o Pai” ou “Deus, Nosso Pai”. Essaé a linguagem das primeiras comunidades cristãs, as quais, em aramaico,oravam Marana tha (“Vem, Senhor”, 1 Co 16.22). Sobretudo, trata-se da

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linguagem que Paulo utiliza para descrever a sua experiência no caminho deDamasco: “Não vi eu a Jesus Cristo, Senhor nosso?” (1 Co 9.1). Finalmente,essa é a confissão fundamental daqueles que se convertem e, portanto,tornam-se seguidores do Ressurreto: “Jesus [Cristo] é o Senhor” (1 Co 12.3;Rm 10.9; Fp 2.11).

Nesta porção final do livro, examinaremos inicialmente as maneiras pelasquais Paulo adapta o Nome Divino a partir do Antigo Testamento e otransfere para um título de Cristo (cap. 8). A seguir, analisaremos a formacomo Paulo transfere os papéis divinos do Senhor de Israel (Yahweh) paraCristo, inclusive os seus diversos ecos intertextuais das passagens do AntigoTestamento (cap. 9). E, finalmente, analisaremos as várias passagens em quePaulo transfere as prerrogativas divinas do Deus de Israel para o Senhor,Jesus Cristo (cap. 10).

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ser explicado somente em termos de sua plena divindade, um entendimentosimilar àquele que vemos no Evangelho de João e em Hebreus com odescritivo “Filho”. Na verdade, esse uso exige, de modo especial, quefaçamos uso da Teologia, gostemos ou não. Isso ocorre porque (1) o Senhorressurreto compartilha de toda forma de prerrogativa divina com Deus-Pai,salvo o “desencadear” do evento salvífico em si mesmo, mas Ele faz isso (2)dentro do contexto do Monoteísmo absoluto e concomitantemente com (3) osseus papéis de redentor e mediador sempre com Deus-Pai como a primeira ouúltima palavra.

Os dados do presente capítulo, portanto, parecem exigir ou que abramosmão do Monoteísmo (o que Paulo jamais faria) ou fizéssemos como a igrejahaveria de fazer um pouco depois, como resultado dos escritos de Paulo, Joãoe do autor de Hebreus, isto é, encontrássemos uma maneira de compreender efalar do Deus Único como sendo Triúno — como Pai, Filho e Espírito Santo.Todo trabalho acadêmico contemporâneo que promova o que a IgrejaPrimitiva entendia ser heterodoxia, ou “heresia” — isto é, subordinar o Filhoe o Espírito ao Pai — é completamente antibíblico e, portanto, foge dosparâmetros da fé cristã ortodoxa. Utilizamos, aqui, o adjetivo “heterodoxo”no sentido de que esses pontos de vista promovem o que parece ser umgrande mal-entendido a respeito dos escritos paulinos que a Igreja Primitivaincluiu como parte das suas Sagradas Escrituras.

O título “Senhor” — bem como o termo “Filho de Deus” analisado naterceira parte — está carregado de implicações messiânicas. Só que, nessecaso, as implicações dizem respeito à dimensão escatológica de Cristo comoMessias, em que o Senhor messiânico — em “cumprimento” a um momentocrucial do Saltério (110.1) — está assentado à “destra” de Deus, de onderetornará para acompanhar o seu povo rumo à eternidade. No mundo antigo,essa representação era utilizada exclusivamente para indicar a primazia deposição em relação a um soberano. Como veremos a seguir, Paulo utiliza essalinguagem e a aplica ao Senhor ressurreto, Jesus.

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Jesus Cristo, o Senhor Messiânico Exaltado

1 Coríntios 9.1 (NVI)Não sou livre? Não sou apóstolo? Não vi eu a Jesus, nossoSenhor? Não são vocês resultado do meu trabalho no Senhor?

A linguagem que Paulo utiliza para descrever o seu encontro decisivocom o Cristo ressurreto serve como um bom ponto de partida para a nossaanálise. Em um momento crucial da defesa do seu apostolado (“Não sou euapóstolo?”), Paulo faz retoricamente aos crentes de Corinto uma perguntasequencial como a primeira linha de evidência do seu apostolado: “Não vi eua Jesus, nosso Senhor?” (1 Co 9.1). Paulo, então, retorna a esse encontro numponto posterior da carta em que se refere à aparição de Cristo a ele depois queo tempo normal das aparições pós-ressurreição já tinha se encerrado: “e, porderradeiro de todos, me apareceu também a mim, como a um abortivo”(15.8). Mesmo sendo possível (mas improvável) que essa representaçãoposterior seja uma referência autodepreciativa à pequena estatura doApóstolo, ela está muito mais de acordo com o que ele indica em outraspassagens, como a sua forma de reconhecer que o seu encontro com Cristoocorreu algum tempo depois da cessação das aparições do Senhor ressurreto.Todavia, seja qual for o caso, a mensagem de Paulo é clara: ele viu o Senhorressurreto.

A linguagem do Apóstolo nessa passagem indica, de forma bem clara,que ele não pensava no seu encontro com o Senhor como alguma espécie deexperiência visionária. Antes, ele a considerava como sendo da mesmaespécie das que ocorreram com os primeiros discípulos. O Cristo ressurreto“também apareceu para mim” (15.8), escreve Paulo na mesma linguagem queutiliza para descrever as aparições de Cristo aos discípulos — sugerindo,portanto, que Cristo apareceu da mesma forma. Para sermos francos, Pauloteve mesmo experiências com visões, como ele revela em um momento em

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que “se gloria” diante dos Coríntios (2 Co 12.1-5), mas o que ele fala arespeito desses momentos não foi que “viu” o Senhor, mas que “ouviu”coisas celestiais que não podiam ser expressadas aqui embaixo, na terra.Portanto, não deve haver dúvida a respeito do entendimento que o próprioPaulo tinha sobre o que aconteceu. Ele afirma que viu o Senhor, muitoembora isso tenha ocorrido num período posterior à sua ascensão e, portanto,fora do período normal das suas outras aparições. Esse encontro também éevidenciado na versão que Lucas faz — a partir de uma fonte secundária —desse comissionamento no discurso de Paulo diante do rei Agripa (At 26.12-18).

O encontro de Paulo com o Senhor ressurreto foi o momento em que elerecebeu o seu chamado para servir como Apóstolo. Esta parece ser a intençãoda justaposição das três perguntas retóricas que dão início ao momento umtanto discursivo de uma argumentação diante dos crentes de Corinto. Agindoclaramente contra a vontade deles, Paulo proíbe que participem de ceias nostemplos de ídolos (1 Co 8.10). Assim, em resposta às suas objeções(antecipadas) a isso — isto é, Por que não podemos participar já que aqueles“deuses”, na verdade não existem? — ele dispara uma série de perguntasretóricas, dentre as quais está: “Não sou eu apóstolo?”. A partir do que lemosa seguir, pouca dúvida nos resta de que alguns dos membros da igreja deCorinto tinham dúvidas a respeito desse tema. Desse modo, Paulo acrescentadepois dessa pergunta as duas evidências fundamentais que substanciam oseu apostolado. Ele pergunta, de modo retórico: “Não vi eu a Jesus, nossoSenhor?”. Na visão de Paulo, esse é o primeiro requisito para o apostolado.Não temos certeza se os coríntios tinham mesmo conhecimento disso, todaviaele afirma de forma clara que viu e que foi chamado pessoalmente peloSenhor. Para o Apóstolo, esse era o primeiro padrão do apostolado.

A próxima pergunta retórica serve, igualmente, de evidência substantiva:“Não sois vós o resultado do meu trabalho no Senhor?” Da perspectiva dePaulo, o seu apostolado estava baseado em dois fatores: (1) o seu encontro

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pessoal e o seu comissionamento pessoal por parte do Senhor ressurreto e; (2)a fundação de igrejas feita por ele. Para ele, isso era especialmente verdadeiroentre os gentios, os quais, por meio da fé em Cristo Jesus, faziam parte donovo povo formado por Deus, à parte da sua observância da Lei. Para oApóstolo, a inclusão dos gentios era, claramente, o grande despertar queestava por trás do seu argumento apaixonado de que os gentios não eramobrigados a observar a Lei.

Essa sequência ininterrupta de perguntas retóricas é claramentecondensada, todavia as realidades fundamentais foram ali apresentadas.Portanto, o que está em jogo na Cristologia paulina é a forma como Pauloteve acesso a esse uso de linguagem, isto é, a chamar o Jesus ressurreto de“Senhor”. A resposta, em parte, é que essa era a linguagem dos crentes daIgreja Primitiva, desde os primórdios da igreja — bem antes de Paulo setornar um deles — conforme fica evidenciado pela oração da comunidade defala aramaica, Marana tha (“Vem, Senhor”, 1 Co 16.22), talvez ligada à Ceiado Senhor. Parece provável que, assim como outras pessoas da comunidadeprimitiva de crentes, Paulo veio a compreender esse novo título de Jesus à luzda interpretação que o próprio Cristo fez de um momento crucial do Saltério,o qual havia sido transmitido a eles: Disse o Senhor [= Yahweh] ao meuSenhor [o rei Davi]: Assenta-te à minha mão direita, até que ponha os teusinimigos por escabelo dos teus pés. Por várias razões este havia se tornadoum texto messiânico no Judaísmo do Segundo Templo. Essa é a passagemmais frequentemente citada no Antigo Testamento ou aludida no NovoTestamento, inclusive pelo próprio Jesus, na controvérsia com os líderesjudeus (por exemplo, em Marcos 12.35-37). Paulo se refere a ela não menosdo que quatro vezes nas suas cartas preservadas, o que merece um exame danossa parte, nesta obra.

1 Coríntios 15.25-27Porque convém que [Cristo] reine até que haja posto a todos os

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inimigos debaixo de seus pés. Ora, o último inimigo que há deser aniquilado é a morte. Porque todas as coisas sujeitou debaixode seus pés. Mas, quando diz que todas as coisas lhe estãosujeitas, claro está que se excetua aquele que sujeitou todas ascoisas.

Romanos 8.34Quem os condenará? Pois é Cristo quem morreu ou, antes, quemressuscitou dentre os mortos, o qual está à direita de Deus, etambém intercede por nós.

Colossenses 3.1Portanto, se já ressuscitastes com Cristo, buscai as coisas que sãode cima, onde Cristo está assentado à destra de Deus.

Efésios 1.19-23[...] e qual a sobre-excelente grandeza do seu poder sobre nós, osque cremos, segundo a operação da força do seu poder [deDeus], que manifestou em Cristo, ressuscitando-o dos mortos epondo-o à sua direita nos céus, acima de todo principado, epoder, e potestade, e domínio, e de todo nome que se nomeia,não só neste século, mas também no vindouro. E sujeitou todasas coisas a seus pés e, sobre todas as coisas, o constituiu comocabeça da igreja, que é o seu corpo, a plenitude daquele quecumpre tudo em todos.

Salmos 110.1Disse o Senhor [Yahweh] ao meu Senhor [= rei Davi]: Assenta-te à minha mão direita, até que ponha os teus inimigos por

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escabelo dos teus pés.

Na sua longa argumentação com os coríntios a respeito da futuraressurreição corpórea dos crentes, Paulo apresenta esse momento davídicopara falar do atual reinado de Cristo, um reinado que durará até que o últimoinimigo, a morte, seja colocado debaixo dos seus pés (1 Co 15.27). Nocontexto de Paulo, isto se refere à época em que aqueles que depositaram asua confiança em Cristo serão ressuscitados dentro os mortos. Esse uso temimplicações claramente messiânicas, já que no salmo ele está fazendo alusão“ao Senhor” que é aquEle que reina nas alturas (cf. Sl 110.1).

Na sua carta aos crentes de Roma, a alusão assume uma dimensãointeressante ao fazer referência ao presente ministério que Cristo tem deinterceder, no céu, por aqueles que são seus (Rm 8.34). Aqui Paulo faz uso deum sentido metafórico mais amplo, pois a pessoa que se assentava à direitado rei normalmente era reconhecida como a que exercia a maior influênciasobre ele. Assim, na sua última carta aos crentes de Colossos, a mesmaalusão é feita como um ponto de referência acerca da atual posição de Cristo,e tem a intenção, tal como ocorreu na carta aos Romanos, de servir tantocomo incentivo quanto como exortação (Cl 3.1). E, por fim, naquilo queparece ser uma espécie de carta circular aos crentes da província romana daÁsia que foi parar na capital dessa província — Éfeso —, a mesma afirmaçãoocorre na ação de graças e na oração iniciais (Ef 1.19-23). Aqui, tal comoocorreu em 1 Coríntios 15, a alusão ao Salmo 110 é utilizada para fazerreferência ao presente senhorio de Cristo sobre todas as potestadesdemoníacas (Ef 1.20-21).

Podemos notar três observações a respeito das referências que Paulo fazao Cristo ressurreto assentado à “direita” de Deus-Pai. Em primeiro lugar,em nenhuma dessas alusões Paulo utiliza o título “Senhor”, a linguagem realque aparece no Salmo 110 da Septuaginta. Apesar dessa omissão poder seralgo simplesmente acidental, mantendo relação, em cada um dos casos, com

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a questão a ser abordada, esse fenômeno também se enquadra muito bem como uso paulino em outras passagens, especialmente à luz do próximo ponto.

Em segundo lugar, apesar de Kyrios ocorrer ao longo de toda aSeptuaginta como tradução do Nome Divino, Yahweh, para o grego, Pauloutiliza esse título exclusivamente para se referir a Cristo. Desse modo, apesarda sua aparição regular na sua Bíblia grega como a transliteração de Yahweh,Paulo não utiliza esse substantivo como referência a Deus-Pai. Ele utiliza otermo Theos exclusivamente para se referir a Deus — com somente duaspossíveis exceções: Romanos 9.5 e Tito 2.13, cada qual aparecendo nas suascitações da Bíblia grega em que a menção de Deus não é pertinente ao pontoda citação como tal.28

Em terceiro lugar, apesar de uma ou duas exceções bem iniciais nos seusescritos, Paulo utiliza consistentemente o título Kyrios quando se refere aoreinado presente de Cristo, ou à sua vinda antecipada. As principais exceçõesocorrem quando ele se refere a algo dito por Jesus (por exemplo, 1 Co7.10,12; 11.23; e possivelmente 1 Ts 4.15). Portanto, “Jesus” ou “Cristo”morreu por nós, mas jamais “o Senhor”, apesar de as primeiras cartas dePaulo falarem da crucificação como a morte do “Senhor, Jesus” (1 Ts 2.14-15). Nesse caso único, entretanto, a frase parece estar intencionalmentecarregada de ironia (por causa da ignorância de quem Ele era, o povocrucificou o Senhor do Universo!). Paulo está refletindo sobre aquilo que oseu próprio povo fez: eles fizeram com que os romanos executassem o seuMessias, Jesus, a quem Deus-Pai reintegraria na posição de Senhor sobretodos.

A outra possível exceção ao uso consistente que Paulo faz ocorre deforma bastante indireta em um parágrafo importante a respeito do papel deCristo como as “primícias dos que dormem” (1 Co 15.20). Em um momentocrucial do seu argumento, em que Paulo está tentando convencer os crentesde Corinto a respeito da futura ressurreição corpórea dos mortos, ele utiliza alinguagem de um Salmo messiânico (Sl 110.1) para observar que isso

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acontecerá “no fim”, quando Cristo transferir o Reino às mãos de Deus-Pai (1Co 15.24). Como parte desse acontecimento, Cristo “sujeitará todas as coisasdebaixo de seus pés” (v. 27). Só que, nesse caso, a frase de Paulo não tinhaqualquer sujeito gramatical expresso, portanto, o que nos leva a colocar essaaparente exceção em uma categoria completamente diferente quanto aoreferente que o Apóstolo desejou expressar ser Cristo, ou Deus.

Para Paulo é “Cristo” (= o Messias, que está “assentado à destra deDeus”, o que, muito provavelmente, também reflete a intenção do salmista. Ouso que Paulo faz do título “Senhor”, entretanto, não tem muita relação como referente messiânico envolvido. Antes, “Senhor” é o título pelo qual Paulo,regular e exclusivamente, inclui Cristo na divina identidade.

Ao longo de todo o corpus paulino preservado, Paulo permanecesingularmente consistente com o seu uso de Kyrios ao citar ou ecoar aSeptuaginta. Para sermos francos, ele chegou a isso por intermédio da suaprópria tradição, ao substituir Adonai (= Senhor) por Yahweh nas leiturasorais, a comunidade judaica jamais tomava o Nome Divino em vão. Todavia,para Paulo, a designação “Senhor” — que era, acima de tudo, a forma gregade substituição para o próprio Nome Divino — tornar-se um título outorgadoa Cristo. Muito embora o título, às vezes, carregue um grau de ambiguidadepor causa do seu ponto inicial de referência, para Paulo ele é amplamenteutilizado como um título — e exclusivamente como referência a Cristo, oFilho de Deus — e nunca como um nome. É para essa questão que agorapassaremos.

O “Nome” acima de Todo NomeCinco afirmações cruciais nos oferecem pistas ao nosso entendimento

teológico do “nome transformado em título” concedido ao Cristo Jesusressurreto (1 Co 8.6; Fp 2.9-11; Rm 10.9-13; 1 Co 1.2; 2 Tm 2.22). O que éexplicitamente afirmado nesses vários momentos de extraordinária afirmaçãoserve de base pressupositiva para a nossa compreensão do uso regular e

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consistente que Paulo faz de Kyrios como referência a Cristo e, portanto, dasua compreensão básica de quem Cristo é. Nós trataremos cada uma dessaspassagens sequencialmente.

Jesus, o Senhor da Shemá

1 Coríntios 8.6Todavia, para nós há um só Deus, o Pai, de quem é tudo e paraquem nós vivemos; e um só Senhor, Jesus Cristo, pelo qual sãotodas as coisas, e nós por ele.

Já no início do corpus paulino que chegou até nós, Paulo utiliza aexpressão fundamental do Monoteísmo judeu, a Shemá (“Ouve, Israel, oSenhor [Yahweh], nosso Deus, é o único Senhor [Yahweh](Dt 6.4). Essemomento foi provocado por alguns crentes de Corinto que, em nome dagnosis (conhecimento), haviam aberto mão dessa realidade monoteísta demodo a argumentar que, como somente havia um único Deus, os “deuses” e“senhores” dos templos pagãos não existiam. Assim, eles tinham chegado àconclusão de que a participação em festas nos ambientes dos templos pagãosdeveria ser uma questão indiferente para os cristãos, já que não havia nenhum“deus” real ali naquele local.

Ao confrontar essa gnosis dos membros de Corinto, Paulo afirma,primeiramente, a autenticidade do pressuposto teológico básico: “Só existeum Único Deus” (1 Co 8.6). Só que ele rejeita veementemente o que estãofazendo com ele, por duas razões claras. Em primeiro lugar, esse tipo deatitude por parte dos “entendidos” acaba destruindo a fé de outros crentes porquem Cristo também morreu, mas que não conseguem fazer essas distinçõesfinas. Só que, em segundo lugar, e ainda mais importante, eles nãocompreenderam a verdadeira natureza de um ídolo. Paulo terminaráafirmando que muito embora esses “deuses” e “senhores” não existam como

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divindades, os templos pagãos nos quais os ídolos habitam são habitações dedemônios. O que é completamente impossível é que pessoas que creem emCristo como Senhor participem da Ceia do Senhor e também da mesa dosdemônios (10.13-22).29

Na sua rejeição inicial do argumento deles, Paulo faz algo inusitado (1 Co8.4-6). Por ora, ele reconhece que para aqueles que não conhecem o DeusÚnico, na verdade, existem “muitos ‘deuses’ e muitos ‘senhores’“ (v. 5).“Todavia, para nós”, prossegue ele, “há um só Deus [...] e um só Senhor” (v.6). Como Paulo chega a essa conclusão representa um dos momentosverdadeiramente significativos da Teologia da Igreja Primitiva. Ele divide aShemá em duas partes, algo que lhe estava disponível somente naSeptuaginta. Na Septuaginta, a Shemá tem a seguinte redação: “[o] Senhor [=Yahweh] nosso Deus, [o] Senhor é Um”. E como o Cristo ressurreto teve “onome” Senhor a si concedido na sua exaltação, Paulo, agora, faz algoverdadeiramente impressionante: ele aplica as duas palavras da Shemá,“Deus” e “Senhor”, a Deus-Pai e a Cristo, respectivamente. O que Pauloafirma, aqui, é que o Filho exaltado de Deus é compreendido como fazendoparte da divina identidade, como o agente eficiente tanto da criação como daredenção (por meio de quem todas as coisas vieram”), e das quais Deus-Pai évisto como a fonte e propósito supremos. E Paulo faz isso de uma maneiraque não conflita nem com o entendimento seu, tampouco com oentendimento que os coríntios tinham do seu Monoteísmo básico. Para oapóstolo, ao citar ou ecoar o Antigo Testamento (onde Kyrios = Adonai =Yahweh), Kyrios é aplicado de forma consistente e exclusiva ao Senhorressurreto, Jesus. A pista sobre como isso veio a ocorrer deve ser encontradana passagem seguinte a ser examinada (Fp 2.9-11).

Só que antes de passarmos para Filipenses, precisamos chamar a atençãopara o que é dito na presente afirmação a respeito do Senhor único: que Ele étanto o agente divino pré-existente da criação, como o agente encarnado daredenção humana. Como nada mais é dito a respeito da criação nesse

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contexto imediato, a afirmação pode, simplesmente, não passar de mais umadeclaração tipicamente judaica sobre Deus em contraponto a todos os outrosdeuses e senhores. Mas também é possível, e mesmo provável, que essaafirmação sobre o Senhor único como agente da criação prepare o caminhopara uma afirmação posterior dessa carta (1 Co 10.26) no início da próximaparte do argumento (10.23–11.1). Aqui, Paulo está tratando expressamente dealimentos vendidos em feiras, os quais eram comprados para seremconsumidos em casa. Assim, isso representa um contraste considerável dianteda sua proibição absoluta feita anteriormente contra o consumo de alimentosem templos pagãos.

Nesse caso, os crentes são incentivados a “comer qualquer coisa” quelhes estiver disponível nas feiras (1 Co 10.25) já que, nas palavras de umSalmo mais antigo, “do Senhor é a terra e a sua plenitude, o mundo e aquelesque nele habitam” (v. 26; cf. Sl 24.1). Para Paulo, o Senhor Único, JesusCristo, que foi o agente divino da criação num primeiro momento, é o mesmoSenhor diante de quem todo joelho, no fim, há de se dobrar.

Desse modo, Paulo não somente coloca Cristo como o agente pré-existente da criação, mas também o enxerga como o Senhor do Salmo 24,como o Kyrios a quem pertence toda a criação. Isso é uma evidência daCristologia especialmente superior de Paulo, a qual ele, simplesmente, temcomo pressuposto do seu argumento. Na época em que essa carta foi escrita(antes de se completarem duas décadas da crucificação e ressurreição), esta jáhavia se tornado uma linguagem pressupositiva diante da qual Paulo nemmesmo sente necessidade de defender.

A Outorga do Nome

Filipenses 2.9-11Pelo que também Deus o exaltou soberanamente e lhe deu umnome que é sobre todo o nome, para que ao nome de Jesus se

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dobre todo joelho dos que estão nos céus, e na terra, e debaixo daterra, e toda língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor, paraglória de Deus Pai.

Na magnífica passagem cristológica dessa carta aos crentes de Filipos,Paulo conclui a sua narrativa do relato essencial de Cristo afirmando aredenção que Deus-Pai faz do Filho — que aquele que era igual a Deus (Fp2.6) demonstrou o real caráter da semelhança divina por meio do duplo ato dederramar-se a si mesmo, de forma a se tornar um servo de todos, comotambém humilhando-se na sua morte obediente e sacrificial na cruz (vv. 7-8).Na conclusão, a redenção divina assume a forma da outorga do nome aCristo, o qual é identificado como “acima de todo nome” (v. 9).

Qualquer leitura atenta dessa passagem deveria deixar bem claro que alinguagem de Paulo pode se referir somente ao Nome Divino, o que era umacaracterística central da autocompreensão de Israel. O nome do Deus deIsrael, Yahweh, inicialmente revelado a Moisés no Monte Horebe/Sinai (Êx3.1-6), deveria servir como o símbolo fundamental da identidade de Israel.Eles eram o povo “do Nome” — isto é, do seu Deus, Yahweh, que acabouescolhendo Jerusalém para edificar um “templo para o seu Nome” (1 Rs 5.5)e em cujo Nome todo o Israel deveria fazer e cumprir os seus juramentos.

Nesse momento crucial da história da Teologia Cristã, Paulo afirma queesse é o nome que foi outorgado ao Cristo ressurreto na sua exaltação. Agora,entretanto, o nome não é mais repetido na sua forma hebraica original,“Yahweh”. Antes, por meio desse feliz incidente da história, para Paulo epara a Igreja Primitiva, ele aparece singularmente na sua expressão grega,Kyrios. De sorte que o Cristo ressurreto não é o próprio Yahweh, que sempreé tratado por Paulo como Deus. Antes, o Filho pré-existente de Deus retorna,por meio da sua ressurreição, para receber a honra de ter recebido sobre si onome substituto para Deus, o qual, para Paulo então se torna um título paraCristo como “Senhor” — e esse “nome”, agora, passa a ser usado por Paulo

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exclusivamente para Cristo, e nunca para Deus-Pai.Essa era a realidade que já estava posta quando Paulo fez essa afirmação

anterior acerca da Shemá em 1 Coríntios 8.6. E, agora, ao escrever para osseus amados amigos de Filipos, esse uso se torna completamente claro. Nessecaso, o uso intertextual que Paulo faz do juramento divino é expresso naprimeira pessoa em um oráculo de Yahweh declarado por Isaías (45.18-24).Yahweh havia jurado pelo seu próprio nome que “diante de mim todo joelhose dobrará” (v. 23). Em vez de “para/diante de mim” de Isaías, em referênciaao Deus único de Israel, Yahweh, Paulo agora insiste que a promessa de quetodo joelho se dobraria e toda língua o confessaria como único Deus agora foitransferida para o Senhor ressurreto e exaltado, Jesus Cristo. E, assim,aparentemente insatisfeito com a forma como o texto de Isaías estavaredigido, Paulo elabora livremente e inclui “todo joelho” e “toda língua”como forma de incluir todos os seres criados: “nos céus, e na terra, e debaixoda terra” (Fp 2.10).

Para o Apóstolo, haveria um “dia” futuro em que até mesmo o atualimperador romano, Nero César, que era, em última análise, responsável pelopresente sofrimento dos crentes em Filipos, reconheceria o senhorio doMessias. O resultado final é que o Eterno Encarnado, a quem o império haviacerta vez tentado eliminar, fazia parte dos planos do desígnio final supremode Deus. Numa forma de expressão que já havia se tornado típica, Paulo aquicompreende claramente que Deus escolheu, mais uma vez, usar aquilo que omundo consideraria loucura para, do seu próprio jeito, “envergonhar” aquelesque se consideravam “sábios” (1 Co 1.27).

Essa passagem de Filipenses, portanto, serve como um exemplo clássicoda transferência de uma prerrogativa singularmente divina — e, desse modo,de todo modo de privilégio divino — para o Senhor ressurreto, como ficademonstrado ao longo de todo o corpus paulino. Nas repetidas citações, e nouso intertextual que Paulo faz da Septuaginta, ele identifica consistentementeo Kyrios (= Yahweh) da Septuaginta com o Senhor ressurreto, Jesus Cristo,

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toda vez que o Kyrios é a razão, ou, de alguma outra forma, é parte da citaçãobíblica.

Essa passagem também tem uma perspectiva singularmente escatológicaatrelada a si. De acordo com Paulo, esse reconhecimento universal ocorreráno fim dos tempos, o chamado eschaton. Dessa forma, passamos ao nossoterceiro texto significativo para mostrar que esse fenômeno também servecomo o ponto de entrada para todos os que aceitam Cristo como Salvador e,assim, tornam-se parte do novo povo que Deus formou.

A Confissão do Nome

Romanos 10.9-13[...] Se, com a tua boca, confessares ao Senhor Jesus e, em teucoração, creres que Deus o ressuscitou dos mortos, serás salvo.Visto que com o coração se crê para a justiça, e com a boca sefaz confissão para a salvação. [...] Porquanto não há diferençaentre judeu e grego, porque um mesmo é o Senhor de todos, ricopara com todos os que o invocam. Porque todo aquele queinvocar o nome do Senhor será salvo [Jl 2.22].

Deuteronômio 30.14Porque esta palavra está mui perto de ti, na tua boca e no teucoração, para a fazeres.

Na sua carta aos crentes de Roma, cuja maioria ele não conheciapessoalmente, Paulo defende que Deus não abandonou o seu antigo povo deIsrael. Muito embora, no tempo presente, o povo recém-formado agora,muito provavelmente, incluía mais gentios do que judeus, Paulo faz ummovimento tipicamente ousado ao se referir a uma importante passagem doAntigo Testamento que fala da promessa da renovação da aliança. Num

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ponto fundamental do seu argumento, em Romanos 10, Paulo aplica alinguagem da “boca” e do “coração”, retirada de um momento muitoimportante de Deuteronômio (30.14), em que Yahweh assegura a Israel que apalavra nem lhes seria demasiadamente difícil, tampouco ficaria distantedeles. Paulo afirma que é assim que os judeus e gentios, juntos, tornar-se-ão opovo escatológico de Deus: ao confessar com a boca que o Senhor é Jesus eao crer no coração que Ele está ressurreto (e, portanto, é o Exaltado).

Essa justaposição daquilo que é crido no coração e confessado com aboca é muito representativa. O que é crido é que Deus ressuscitou o Messiascrucificado dentre os mortos e o exaltou para o lugar altíssimo, concedendo-lhe “o Nome” (Fp 2.9-11). Assim, a confissão feita com a boca de que Jesus éSenhor é baseada na sua fé anterior que ocorre no coração de que Cristo, pormeio da sua ressurreição e exaltação, assumiu a sua presente função deSenhor sobre todos. Fica claro que a confissão da boca se refere ao mesmofenômeno mencionado em Filipenses pela citação subsequente da passagemde Joel. Não existe distinção entre judeu e grego nessa questão, afirma Paulo,porque “todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo” (Rm 10.13;cf. Joel 2.32). Aqui, mais uma vez, o Apóstolo faz uso de um textoescatológico de primeira grandeza — como ele aparece na Septuaginta, onde“o nome do Senhor” se refere especificamente ao Nome Divino, Yahweh —e o aplica diretamente ao Cristo ressurreto. Assim, a declaração de Jesuscomo “Senhor” (Rm 10.9) — que reflete a confissão escatológica do nome(Fp 2.10-11) — é, para Paulo, o modo de se entrar para o povo da NovaAliança de Deus.

O que acontece tanto no ponto de entrada, como na conclusãoescatológica serve, para Paulo, como uma maneira de identificar o povorecém-formado de Deus. Esse uso também ocorre nas cartas de Paulo devárias outras formas que refletem essa completa transferência do “nome” deYahweh para Cristo na sua forma grega Kyrios (“Senhor”). Esses primeiroscristãos poderiam escolher entre duas formas: continuar com o uso do Nome

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Divino, Yahweh, só que agora na sua forma grega, transferi-lo para o Cristoressurreto. O problema para nós, leitores tardios, num idioma ocidental é que“Cristo” pode parecer isoladamente como um nome, muito embora possamosnos referir a “o Cristo,” querendo falar “do Messias”. Só que isso, de modoalgum, é possível com Kyrios, que, no nosso idioma, jamais pode ser umnome, mas sempre é uma palavra de identificação (ou pronome detratamento), “o Senhor”. Na tradução, portanto, o que poderia ocorrer comcerta sutileza no grego não é possível em português, ou no inglês. Dessemodo, para o leitor ocidental sempre se trata de um título, e jamais de umnome, o que acaba sendo certo empobrecimento de conteúdo.

O Nome a Ser Clamado

1 Coríntios 1.2À igreja de Deus que está em Corinto, aos santificados em CristoJesus, chamados santos, com todos os que em todo lugarinvocam o nome de nosso Senhor Jesus Cristo, Senhor deles enosso.

2 Timóteo 2.22Foge, também, dos desejos da mocidade; e segue a justiça, a fé, oamor e a paz com os que, com um coração puro, invocam oSenhor.

A linguagem de Joel 2.32 que encontramos em Romanos 10.13, tambémocorre em duas outras passagens do corpus paulino, nos dois casos como umamaneira de identificar a totalidade do povo da nova aliança de Deus. Naprimeira carta de Paulo aos Coríntios, a linguagem de Joel aparece nasaudação de forma elaborada, que, muito provavelmente, tinha a intenção dechamar a atenção deles (1 Co 1.2). Paulo faz lembrar aos crentes de Corinto

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que eles pertencem a uma rede muito mais ampla de crentes e, portanto,precisariam manter-se em compasso com aquela comunidade maior. Assim,ele se refere à “igreja de Deus em Corinto” que foi “chamada a ser o seu povosanto” junto com “todos os que em todo lugar invocam o nome de nossoSenhor Jesus Cristo, Senhor deles e nosso” (1 Co 1.2). Com essa única frase,Paulo é capaz de fazer três lembretes: (1) que a conversão dos crentes deCorinto significava que eles, agora, haviam se tornado parte do povo santo deDeus (tradicionalmente chamados de “santos”); (2) que ao fazer isso elestinham se unido a uma rede muito maior de crentes, todos os quais“invocavam o nome do Senhor”; e (3) que eles estavam, portanto, debaixo dosenhorio daquEle a quem clamavam. Dessa forma, para Paulo, aqui estava alinguagem bíblica que enfatizava o aspecto universalizante da obra de Cristoe do Espírito.

Na carta bem posterior de Paulo a Timóteo, o jovem discípulo doApóstolo é incentivado a se unir a outros que “com um coração puro,invocam o Senhor” (2 Tm 2.22) e, portanto, viviam segundo o nome ao qualeles invocavam. A ordem a Timóteo é uma clara referência ao segundo“fundamento sólido” do recém-formado templo de Deus, e Timóteo é,portanto, incentivado, inicialmente, a lembrar que “o Senhor conhece os quesão seus” (v. 19) — ecoando uma afirmação feita por Moisés durante arebelião de Corá (Nm 16.5).

Só que o segundo “fundamento”, segundo Timóteo é lembrado, é queaqueles que pertencem ao Senhor — “todos os que invocam o nome doSenhor” (ecoando Is 26.13) — precisam se “apartar da iniquidade” (2 Tm2.19), com a clara intenção de que um comportamento digno de Cristo sejaassumido, e, portanto, esperado, daqueles que confessam o nome. Assim, o“nome do Senhor” que deveria ser o símbolo identificador do povo de Deusfoi, em cada um desses casos, transferido para o povo recém-formado deDeus, onde “o Senhor” cujo “nome” agora os identifica passa a ser o CristoJesus ressurreto e exaltado. E, segundo o que ele regularmente incentiva nas

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suas cartas às igrejas, “aqueles que clamam [o nome do] Senhor” (v. 22)devem se portar de modo que não traga vergonha ao nome.

Outras Questões Feitas no Nome do Senhor, Jesus

1 Coríntios 6.11E é o que alguns têm sido, mas haveis sido lavados, mas haveissido santificados, mas haveis sido justificados em nome doSenhor Jesus e pelo Espírito do nosso Deus.

2 Tessalonicenses 1.11-12Pelo que também rogamos [...] para que o nome de nosso SenhorJesus Cristo seja em vós glorificado, e vós nele, segundo a graçade nosso Deus e do Senhor Jesus Cristo.

Colossenses 3.17E, quanto fizerdes por palavras ou por obras, fazei tudo em nomedo Senhor Jesus, dando por ele graças a Deus Pai.

1 Tessalonicenses 5.27Pelo Senhor vos conjuro que esta epístola seja lida a todos ossantos irmãos.

2 Tessalonicenses 3.6,12Mandamo-vos, porém, irmãos, em nome de nosso Senhor JesusCristo, que vos aparteis de todo irmão que andardesordenadamente e não segundo a tradição que de nós recebeu.[...] A esses tais, porém, mandamos e exortamos, por nossoSenhor Jesus Cristo, que, trabalhando com sossego, comam o seu

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próprio pão.

Concluímos este capítulo com essa série de momentos incidentais nascartas de Paulo, nos quais, de maneira informal, ele apela ou para “o nome doSenhor, Jesus” ou, simplesmente, para o próprio Senhor. Uma boa passagempara se começar é a forma como ele conclui, na sua primeira carta aoscoríntios, a sua ardente desaprovação aos dois “irmãos” que haviam recorridoa um tribunal pagão para resolver um litígio, em função de um ter sido lesadopor outro (1 Co 6.1-11). Paulo começa com um contraste com a participaçãoem pecados de toda espécie, comuns na vida da Corinto romana, descritos emdetalhes vívidos nos versículos 9 e 10. Isto é, então, seguido de três metáforasimportantes para a conversão, em que Paulo faz lembrar aos crentes daquelagrande cidade que eles foram “lavados”, “santificados” e “justificados nonome do Senhor, Jesus Cristo” — como também “pelo Espírito do nossoDeus” (1 Co 6.11).30

Essa quarta ocorrência da expressão “no nome do Senhor” na carta (omaior número dentre todas as cartas do corpus), muito provavelmente, tem aintenção de servir como a principal marca de identidade do crente. Tal comoocorreu com Israel, na antiguidade, que era identificado como um povo doNome, assim também acontece com os crentes da Nova Aliança. Na suaconversão, eles “invocam o nome do Senhor” exatamente porque esse é onome pelo qual eles, agora, são identificados. Assim, o Senhor Jesus Cristo,para Paulo, agora assumiu o papel que antes pertencia exclusivamente aYahweh na tradição judaica, da qual Paulo fora, e ainda se considera, parte.

Intimamente relacionada a esse uso é a oração que Paulo faz pelostessalonicenses na sua segunda carta a eles (2 Ts 1.12). Depois de uma sériede ecos intertextuais na ação de graças, onde Cristo, o Senhor (= Yahweh)imporá o seu juízo sobre os seus oponentes (ecoando, especialmente, Is 66.4-6), Paulo continua no mesmo rumo na sua oração por eles (ecoando, maisuma vez, a mesma passagem de Isaías). O que Paulo deseja para eles é que,

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pela forma como vivessem, “o nome do nosso Senhor, Jesus, fosseglorificado entre eles” (as palavras em itálico foram retiradas diretamente deIsaías 66.5). Assim, além do novo povo formado de Deus precisar seridentificado como o povo do “Nome”, ele também deve ser instado a viver deuma forma que leve glória a esse Nome — o que, mais uma vez, faz alusãoao tema da “glorificação” de Cristo no seu povo. Como vemos na passagemde Isaías, bem como na conclusão do grande oráculo escatológico deMiqueias (Mq 4.1-5), o profeta contrasta o Israel futuro que Deus criará comas nações vizinhas, os quais “andam no nome dos seus deuses” (= vivem pelaautoridade, e de acordo com os seus deuses). Israel, afirma Miqueias, fará omesmo: “Mas nós andaremos no nome do Senhor, nosso Deus, eternamente epara sempre” (v. 5). Muito embora Paulo não faça uso da metáfora sobre o“andar”, ele reflete essa linguagem em 2 Tessalonicenses bem como em duaspassagens correlatas de exortação, nas quais ele assume que tudo na vida doscrentes era feito “em nome do Senhor, Jesus”.

Assim, em um momento marcante da sua carta aos crentes de Colossos,Paulo conclui uma vasta série de exortações acerca de como podemos vivercomo seguidores de Cristo (Cl 3.12-17) — em contraste com aqueles quevivem de outra forma — insistindo para que eles (e, indiretamente, tambémos crentes de Laodiceia; 4.15-16) fizessem tudo, “fosse por palavras ou porobras [...] em nome do Senhor Jesus, dando por ele graças a Deus Pai pormeio dele (cf. 3.17). Isso só pode significar que eles deveriam viver emColossos de tal modo que os incrédulos da cidade viessem a conhecer algo arespeito do Senhor, ao observarem os seus seguidores em ação. Desse modo,o que os identifica como novo povo de Deus também é o contexto no qualdeveriam viver de modo pleno essa identificação. Na passagem correlata deEfésios, os crentes são instados, especialmente no contexto da adoração, a dargraças a Deus “no nome do nosso Senhor Jesus Cristo” (Ef 5.20).

O último agrupamento de passagens no qual essa expressão ocorre estáligado de modo especial e direto ao que Yahweh ordenou que Israel fizesse:

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fazer os seus juramentos somente no nome de Yahweh (Dt 6.13). Assim, emuma variedade de modos e circunstâncias, Paulo reflete esse uso do “Nome”como sendo o nome (Yahweh = Senhor) que agora foi concedido a Cristo. Ofenômeno ocorre primeiro na mais antiga das cartas de Paulo, onde ele instruios crentes de Tessalônica nas seguintes palavras: “Pelo Senhor vos conjuroque esta epístola seja lida a todos os santos irmãos” (1 Ts 5.27). Quando umalinguagem similar volta a ser utilizada na sua próxima carta a eles, ele lhesordena “em nome do Senhor, Jesus Cristo” que se apartem de todo irmão queanda desordenadamente (cf. 2 Ts 3.6). Essa mesma ordem é transmitida umpouco mais adiante (v. 12), onde ela, agora, é dada “no Senhor” diretamente àpessoa que vive de modo desordenado. Na sua primeira carta aos crentes deCorinto, Paulo, de modo semelhante, ordena e passa juízo “em nome doSenhor” (1 Co 1.10).

ConclusãoEm cada um dos casos examinados neste capítulo em que Paulo utiliza a

expressão “o nome do Senhor” do Antigo Testamento, o nome divinoYahweh (= Senhor) é, agora, o nome outorgado a Cristo na sua exaltação.Desse modo, todas essas passagens refletem várias maneiras pelas quais oNome Divino que pertencia somente a Deus, no Israel do passado, agora étotalmente transferido para aquEle a quem esse nome agora foi dado na suaforma grega: Kyrios. À luz dessa realidade, no capítulo seguinte, passaremosa examinar toda uma variedade de fenômenos em que Paulo compreende oSenhor, Jesus, como alguém que assumiu as funções que, na herança judaicado Apóstolo, eram prerrogativas exclusivas de Yahweh.

28 Nestes dois casos, existe uma considerável ambiguidade na estrutura das frases de Paulo no grego.Ambas são breves, em momentos informais, e em ambos os casos duas (ou três) interpretaçõesdiferentes são opções viáveis para essas frases um tanto ambíguas de Paulo. No primeiro caso, Rm 9.5,

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as alternativas são apresentadas na nota de rodapé da NVI. Paulo teria a intenção de transmitir: (a) “oMessias, que é Deus acima de todos, bendito para sempre” (como está no próprio texto) ou (b) “oMessias, que está acima de todos. Deus seja bendito para sempre” ou (c) “o Messias. Deus que estáacima de tudo seja bendito para sempre”?O que depõe contra a tradução da NVI é a singularidade absoluta dessa forma de falar no corpuspaulino como um todo. Por que, nesse caso específico, Paulo deixaria de lado o seu uso consistente de“Deus” como um referente para Deus-Pai e de “Senhor” como um referente para Cristo? Afinal decontas, o próprio Apóstolo já se expressava “das duas formas”, por assim dizer, no seu uso consistenteda tradução da transcrição “Yahweh” para “Senhor” e aplicando tais ocorrências para o Cristoressurreto. Só isso faria com que o tradutor do presente caso tendesse para uma das outras duas opções,que parecem igualmente aceitáveis.O problema de tradução surge a partir da dupla realidade de que (a) Paulo jamais utilizou a palavragrega Theos (“Deus”) para se referir a Cristo e que (b) o “substituto” Kyrios (= Yahweh) daSeptuaginta é, agora, usado exclusivamente por Paulo como um referente de Cristo, e nunca como deDeus-Pai. Assim, muito embora a gramática de Paulo pudesse seguir outro rumo, o seu uso consistentede Kyrios e Theos em outras partes para se referir a Cristo e a Deus, respectivamente, deveria fazer abalança pender decisivamente nessa direção, neste caso.Isso explica o fato de não utilizarmos o texto da NVI neste caso singular, especialmente à luz daafirmação veemente de Paulo de que “para nós há um só Deus [Theos], o Pai”, e “[há] um só Senhor[Kyrios], Jesus Cristo” (1 Co 8.6). Apesar da famosa frase de Ralph Waldo Emerson segundo a qual “aconsistência tola é o duende das mentes fracas” normalmente ser verdade, neste caso, o próprio Paulo étão consistente que precisaríamos de evidências especialmente fortes de toda espécie para imaginar queo Apóstolo aqui, teria se desviado, já que a sua consistência, de forma alguma, é “tola”.A passagem de Tito é, igualmente, ambígua em termos da estrutura real da frase de Paulo. Teria eledesejado mesmo expressar: “a aparência e glória do nosso grande Deus e Salvador, Jesus Cristo” ou “aaparência e glória de nosso grande Deus, o próprio Salvador nosso, Jesus Cristo”? O problema nestecaso é ainda mais complicado pelo fato de o grego das três Epístolas Pastorais (1 e 2 Tm e Tito) diferiro suficiente das outras dez epístolas a ponto de gerar suspeita acerca da sua autoria — um problema quepreferimos resolver em termos do uso que Paulo faz de outro amanuense que também tinha certaliberdade na “redação” do documento original — sem mencionarmos a sua natureza única como cartasenviadas a pessoas, e não a igrejas.De qualquer forma, em ambos os casos, a combinação da ambiguidade do grego e da total consistênciade Paulo em termos do uso, em outras passagens, deveria fazer com que os tradutores favorecessem aconsistência paulina acima do seu desejo de afirmar a divindade de Cristo dessa forma um tanto incerta.Afinal de contas, essa divindade fica clara ao longo de todo o corpus, e seguir pelo caminho contrárioaqui parece especialmente complicado porque coloca uma tensão considerável na afirmação anterior dePaulo de que “todavia, para nós há um só Deus, o Pai [...] e um só Senhor, Jesus Cristo” (1 Co 8.6).29 É certamente uma das tristes realidades de muitos leitores contemporâneos das Sagradas Escrituras,especialmente aqueles das culturas ocidentais, que os demônios são entendidos como pertencentes àmitologia antiga. Só que qualquer pessoa com o mínimo de experiência nos chamados contextos deterceiro mundo sabe que a realidade do mundo satânico é, verdadeiramente, muito real. Somente nos

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nossos contextos considerados eruditos do mundo ocidental Satanás assumiu por completo o controle!As pessoas das maiorias das culturas não são tão ingênuas a ponto de serem completamente enganadaspelas suas artimanhas. A existência de demônios faz parte de um pacote que envolve tanto a suacosmovisão como a sua experiência.Talvez a dificuldade ainda maior dos leitores posteriores, em uma cultura mais democrática em que arefeição compartilhada é a norma predominante, seria compreender qual era a norma na época em quePaulo redigiu essa carta. Somente precisamos ser lembrados da apresentação da série britânica UpstairsDownstairs, na televisão pública norte-americana, para termos uma noção de como a forma de refeiçãopode variar de cultura para cultura, o que nos ajudaria a compreender a distância que podemos estar dosprimeiros destinatários dessa carta. Isso simplesmente não era feito.Assim, para Paulo e contra todos os padrões culturalmente definidos, este era um nivelamento crucialdo campo de batalha para os seguidores do Crucificado. E os leitores posteriores, criados econdicionados em hábitos alimentares mais democráticos nas culturas ocidentais contemporâneas,precisam, pelo menos, tentar imaginar a natureza radical do que Paulo afirmou aqui. Dificilmentepoderíamos imaginar um chefe de família abastado compartilhando a mesa com hoi polloi, ou “pessoascomuns”, todavia, para o Apóstolo, isso havia se tornado a questão crucial pela qual todos os crentessão reconhecidos como irmãos e irmãs em uma única família divina.30 Com esses verbos, Paulo abrange toda a experiência da conversão, por assim dizer. Eles foram“justificados” como um ato de Deus por intermédio de Cristo; foram “lavados” por meio do Batismo,que significa morte, sepultamento e ressurreição para a novidade de vida; e foram “santificados”, nosentido de terem sido separados, como o povo santo de Deus recentemente formado para carregar asemelhança de Deus tanto em palavras quanto em ações para um mundo ainda decaído.

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intenção é examinar a forma como Paulo percebe o Cristo ressurreto atuandocomo o Senhor eterno e exaltado em todas as questões da terra e do céu.

Como já vimos repetidas vezes ao longo deste estudo, Paulo aqui tambémestá pressupondo, e não defendendo algum ponto de vista a partir de umacompreensão de Cristo como quem age em favor da Trindade divina. Namaioria dos casos, essas afirmações existem como algo a partir do que Pauloelabora o seu argumento, e não algo que ele se lança a defender, já que elascostumam servir de base para o que Paulo incentivará nessas váriascomunidades de crentes, nos seus próprios contextos, e geralmente acerca dealguma questão que envolva o comportamento do cristão.

O Juiz EscatológicoComeçaremos com um agrupamento de afirmações relacionadas a um

aspecto de Cristo, o Senhor, como aquEle que há de vir, em que Ele é tidocomo o agente da justiça divina do fim dos tempos, atuando tanto na salvaçãocomo no juízo final. Várias passagens das cartas de Paulo se encaixam nessacategoria, e muitas delas refletem ecos improvisados da Septuaginta. Juntas,elas deixam claro que a função de juiz, consistentemente atribuída a Yahwehna cosmovisão de Israel, agora foi completamente assumida por Cristo comoo Kyrios (= Yahweh). Em primeiro lugar, examinaremos vários casos em quePaulo utiliza a designação básica para o evento escatológico, “o Dia doSenhor” — passagens listadas na sua ordem cronológica presumida, numperíodo de cerca de dez anos.

O Dia do Senhor

1 Tessalonicenses 5.2Porque vós mesmos sabeis muito bem que o Dia do Senhor virácomo o ladrão de noite.

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2 Tessalonicenses 2.1-2Ora, irmãos, rogamos-vos, pela vinda de nosso Senhor JesusCristo e pela nossa reunião com ele, que não vos movaisfacilmente do vosso entendimento, nem vos perturbeis, quer porespírito, quer por palavra, quer por epístola, como de nós, comose o Dia de Cristo estivesse já perto.

1 Coríntios 1.8O qual vos confirmará também até ao fim, para serdesirrepreensíveis no Dia de nosso Senhor Jesus Cristo.

1 Coríntios 5.5Seja entregue a Satanás para destruição da carne, para que oespírito seja salvo no Dia do Senhor Jesus.

Filipenses 1.6,9-10Tendo por certo isto mesmo: que aquele que em vós começou aboa obra a aperfeiçoará até ao Dia de Jesus Cristo. [...] E peçoisto: [...] para que sejais sinceros e sem escândalo algum até aoDia de Cristo.

Uma das maneiras pelas quais a tradição profética tratava do futuroescatológico do povo de Deus era fazendo uso da expressão “o Dia doSenhor”, um “dia” que incluía tanto a salvação como o juízo divinos. Naverdade, nessa tradição o dia vindouro que prometia abrir caminho para umfuturo glorioso normalmente era retratado, antes de tudo, como um dia dedestruição iminente. Assim, em um dos oráculos proféticos mais antigos,Amós pergunta a Israel: “Não será, pois, o dia do Senhor trevas e não luz?Não será completa escuridade sem nenhum resplendor?” (Am 5.20; cf. Is 2.6-

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22; Jl 1.15; 2.1-11).Na comunidade cristã primitiva, a exaltação do Cristo ressurreto levava

consigo uma grande expectativa do seu retorno, a parousia (lit. “aparição”)de Cristo em glória. E foi à sua vinda antecipada que a comunidade atrelava asua terminologia bíblica do “dia”. A linguagem em si mesma aparece seisvezes nas cartas de Paulo, todas com referência à segunda vinda de Cristo.Em três desses momentos Paulo utiliza a exata linguagem dos profetas, “o diado Senhor”; em outra, “o Senhor” também é identificado como “JesusCristo”; e nas duas passagens posteriores, a expressão é simplesmente “o diade Cristo [Jesus]”. Esse é um caso seguro no qual Paulo se apropria de umalinguagem que pertencia exclusivamente a Yahweh e a aplica ao retornoescatológico esperado do Senhor ressurreto, Jesus Cristo. O Apóstolo,novamente, expressa essa afirmação como uma realidade que, como sesupunha, era tida em comum com os seus leitores. Como já vimos, essatransferência de linguagem é resultado do “Nome” ter sido outorgado aCristo, de modo que “o Dia de Yahweh” é, agora, “o Dia da volta do SenhorJesus Cristo” expresso, frequentemente, em termos da sua aparição ouretorno.

A razão fundamental para essa mudança de linguagem não foiintencionalmente cristológica. Antes, ela foi, simplesmente, a consequêncialógica da expectativa de igreja de que Cristo, o Senhor, que havia ascendidoe, portanto, assumido o lugar supremo de autoridade à “mão direita” de Deus,haveria de retornar mais uma vez em poder e glória. Assim, a parousia doSenhor seria o principal acontecimento da nova compreensão do Dia doSenhor; e, assim como ocorre no Antigo Testamento, essa parousia seria umacontecimento tanto de salvação como de juízo. Para Paulo, tudo que dizrespeito a essa aparição, ou volta, que antes era expresso como prerrogativaexclusiva de Deus, agora passa a se concentrar em Cristo, o Senhor (=Yahweh), das passagens da Septuaginta. Passaremos, agora, a fazer umaanálise das passagens em que Paulo descreve a parousia do Senhor.

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A Parousia do Senhor

1 Tessalonicenses 3.13Para confortar [Deus Pai] o vosso coração, para que sejaisirrepreensíveis em santidade diante de nosso Deus e Pai, navinda de nosso Senhor Jesus Cristo, com todos os seus santos.

Zacarias 14.5[...] então, virá o Senhor, meu Deus, e todos os santos contigo, óSenhor.

1 Tessalonicenses 4.16Porque o mesmo Senhor descerá do céu com alarido, e com vozde arcanjo, e com a trombeta de Deus; e os que morreram emCristo ressuscitarão primeiro.

Salmos 47.5Deus subiu com júbilo, o Senhor subiu ao som da trombeta.

Na mesma linha de uma das preocupações predominantes das duas cartasaos crentes de Tessalônica — a carta mais antiga do corpus paulino —, Pauloconclui uma oração anterior por eles expressando a preocupação pelanecessidade que tinham de se apresentarem irrepreensíveis diante de Deus-Pai na parousia do Senhor (1 Ts 3.11-13). Ele descreve essa vinda com umalinguagem tirada diretamente do profeta Zacarias (Zc 14.5): a vinda, ouaparição, do nosso Senhor”, que agora é identificado como “Jesus”, seráacompanhada por “todos os seus santos”. Alguns já sugeriram que hoi hagioi(“os santos”), neste caso, refere-se aos “santos” cristãos que acompanharãoJesus (com base em 1 Ts 4.14), só que essa leitura, além de importar temas

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estranhos a esse texto (a palavra hagioi não aparece em 1 Ts 4), tambémdesconsidera a importação cristológica do texto de Zacarias por parte doApóstolo. Como Paulo descreverá muito detalhadamente na sua cartaconsecutiva para essa mesma comunidade de crentes (2 Ts 1.7), os “santos”,nesse caso, são uma referência aos anjos, e não a seres humanos. Aimportação cristológica que Paulo faz nessa costura de textos dos profetas éque Zacarias se refere à parousia de Yahweh ao Monte das Oliveiras, quandoa vitória escatológica sobre as nações tiver sido conquistada. Desse modo, afutura vinda de Yahweh, sugere Paulo, agora deve ser compreendida emtermos da parousia do Cristo que hoje reina, e que para o Apóstolo é o“Senhor” único e exclusivo.

Num caso igualmente marcante de intertextualidade nessa mesma carta,Paulo faz um empréstimo da “ascensão” de Yahweh em um dos salmos deentronização e a aplica à “descida” de Cristo: “Porque o mesmo Senhordescerá do céu com alarido, e com voz de arcanjo, e com a trombeta deDeus”. As palavras em itálico, nesse caso, são um eco direto da linguagem doSaltério (Sl 47.5). Como já vimos, com esses movimentos ousados, Pauloaplica ao Senhor (= Jesus) a linguagem do Salmo que se refere a Yahweh.Para sermos francos, Cristo não deve ser identificado com Yahweh dessamaneira; antes, Paulo entende Cristo como o Senhor exaltado que assumirá opapel que no Antigo Testamento era unicamente reservado para o Deus deIsrael, Yahweh (isto é, o Senhor).

2 Tessalonicenses 1.7-8[...] quando se manifestar o Senhor Jesus desde o céu, com osanjos do seu poder, como labareda de fogo, tomando vingançados que não conhecem a Deus e dos que não obedecem aoevangelho de nosso Senhor Jesus Cristo.

Isaías 66.15

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Porque eis que o Senhor virá em fogo; e os seus carros, como umtorvelinho, para tornar a sua ira em furor e a sua repreensão, emchamas de fogo.

Jeremias 9.13 (cf. 32.23)E disse o Senhor [Yahweh]: [...] mas não obedeceram à tua voz,nem andaram na tua lei.

Em outro momento marcante de empréstimo de linguagem, Paulo utilizaa ação de graças inicial da sua segunda carta aos tessalonicenses como umaforma de incentivar aqueles que, entre eles, enfrentam tribulações. Ao fazerisso, ele lhes assegura que, na vinda de Cristo, além de eles mesmos serem“glorificados” (2 Ts 1.12), os seus inimigos atuais serão levados,devidamente, perante a justiça. No caso dos crentes de Tessalônica, o seusofrimento, muito provavelmente, estava relacionado a eles reconhecerem oJesus ressurreto como o Kyrios (Senhor) no contexto de uma cidade livre quenutria uma profunda lealdade para com o imperador romano que eradeclarado o Kyrios sobre a cidade. Isso explicaria porque o Apóstolo, a essaaltura, enfatizaria o papel que o seu Kyrios celestial desempenharia no JuízoFinal. Desse modo, com uma séria de momentos intertextuais, todos retiradosde anúncios proféticos de juízo divino, Paulo reafirma àqueles crentesnascentes que o futuro era deles — e que, portanto, nem de César, nem daTessalônica pagã.

Examinaremos vários desses momentos intertextuais nas duas próximasseções, mas começaremos com a representação inicial da vinda de Cristo nasfrases iniciais dessa carta deveras antiga (escrita mais no final da segundadécada da era cristã). Com uma combinação da linguagem dos oráculos finaisdo livro de Isaías — onde as palavras de juízo e esperança do profeta paraJerusalém são expressas de forma um tanto resumida — Paulo coloca,intencionalmente, o Senhor ressurreto na função que Yahweh deveria

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desempenhar. Isso começa com a sua descrição da própria parousia. Juntocom ecos da sua própria linguagem da primeira carta (“do céu [...] com osanjos do seu poder”), Paulo descreve a “revelação” do Senhor Jesus como“labareda de fogo, tomando vingança dos que não conhecem a Deus e dosque não obedecem ao evangelho de nosso Senhor Jesus” (2 Ts 1.7-8).

As palavras em itálico na primeira parte da frase de Paulo foram tiradasdiretamente de uma passagem de Isaías na qual o “Senhor” é Yahweh (Is66.15). Só que, para Paulo, o Senhor que virá como labareda de fogo paratomar vingança não é ninguém menos que o “nosso Senhor, Jesus”. De modosimilar, a descrição que ele faz do Senhor castigando aqueles que “nãoobedecem ao evangelho do nosso Senhor, Jesus,” parece fazer eco a ummomento marcante de Jeremias, no qual alguns juízos presentes de Yahwehcontra Israel foram expressos em termos da “desobediência [a Yahweh]” ouao “desprezo à sua Lei” (cf. Jr 9.13). No caso de Paulo, entretanto, essalinguagem é aplicada às pessoas de fora — a saber, aquelas que “nãoobedecem ao evangelho de nosso Senhor, Jesus”. Como vimos anteriormente,a identificação que Paulo faz do Senhor ressurreto não é como sendo opróprio Yahweh. Antes, em função do “nome” (Kyrios = Yahweh) lhe tersido atribuído, o Cristo ressurreto assumirá os papéis divinos de Yahwehquando retornar como juiz. Servindo-nos desse uso, passaremos, agora, a umexame de outras passagens em que Paulo compreende claramente que oSenhor, Jesus, assumirá o papel de juiz, tanto do seu próprio povo comotambém dos seus inimigos.

O Juiz Presente e Escatológico do seu PovoUm dos casos mais notáveis em que Paulo descreve Jesus como partícipe

das prerrogativas divinas é quando ele descreve Jesus como o “Senhor” queassume a função divina de Yahweh como aquEle que atua como juiz, tantodo seu povo como do mundo todo. Começamos examinando as passagens emque Paulo descreve Cristo como juiz do seu próprio povo. Essas passagens

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ocorrem várias vezes nas cartas de Paulo, e em cada um dos casos ele estáecoando passagens da Septuaginta que se referem ao Kyrios (= Yahweh), asquais Paulo, então, aplica a Cristo como o Senhor ressurreto.

1 Tessalonicenses 4.6[...] o Senhor é vingador de todas estas coisas, como também,antes, vo-lo dissemos e testificamos.

Salmos 94.1Ó Senhor Deus [Yahweh], a quem a vingança pertence, ó Deus,a quem a vingança pertence, mostra-te resplandecente!

Na sua exortação aos crentes de Tessalônica (1 Ts 4.6), a forma que Pauloutiliza para expressar é tão incomum a ponto de sugerir que ele estivesseecoando a linguagem das palavras de abertura do Salmo 94, onde o Senhor (=Yahweh) é identificado como “um Deus que vinga” (v. 1). Apesar dasversões contemporâneas da Bíblia não utilizarem verbos similares nesses doiscasos, a palavra grega utilizada por Paulo, que é usada na sua forma deadjetivo (lit., “o Senhor vingador”), parece ser, muito provavelmente, um ecoda linguagem com a qual o Salmo começa, conforme sugerido no textogrego.31 Em um contexto em que um irmão abusou de outro em uma questãode imoralidade sexual, Paulo assegura ao agressor que “o Senhor [Cristo] évingador de todas estas coisas” (1 Ts 4.6). Eis aqui um caso em que Pauloparece ter, muito facilmente, transferido para Cristo (como “Senhor”) alinguagem bíblica que pertencia somente a Yahweh.

1 Coríntios 4.4-5[...] pois quem me julga é o Senhor. Portanto, nada julgueis antesde tempo, até que o Senhor venha, o qual também trará à luz as

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coisas ocultas das trevas e manifestará os desígnios dos corações;e, então, cada um receberá de Deus o louvor.

Daniel 2.22Ele [Deus] revela o profundo e o escondido e conhece o que estáem trevas; e com ele mora a luz.

Rumando para o fim da primeira maior questão que ele aborda com oscrentes de Corinto (1 Co 1.10–4.21), depois de abrir uma exceção e respondera algumas pessoas que estavam fazendo julgamentos a seu respeito, Paulodeixa claro que o único que tinha o direito de julgá-lo era “o Senhor” a quemele servia (1 Co 4.4). Assim, muito embora ele não saiba de nada que poderiaser a causa desse julgamento da parte deles, prossegue reconhecendo queisso, em si mesmo, não significava a justificação final para ele já que, emúltima instância, era o Senhor que julgava, ou examinava32 a ele, o queindicava claramente o juízo escatológico por vir.

Nesse caso, como em outros, o Apóstolo conclui ao incluir os próprioscoríntios nesse exame final por parte do Senhor. Portanto, eles deveriam sercautelosos para não julgar nada “antes do tempo determinado”, em que opróprio Senhor (Cristo) virá e (literalmente) “trará à luz as coisas ocultaspelas trevas e exporá os planos do coração das pessoas” (1 Co 4.5, traduçãolivre do autor). No que parece ser um eco da linguagem de Daniel(intencional ou não), Paulo faz lembrar aos coríntios que na época em queCristo exercer o seu juízo de “luz,” o papel de Deus-Pai será “louvar” aquelesque forem encontrados dignos pelo juízo do Senhor (v. 5). Esta combinaçãodeixa bem claro que Paulo compreende o juízo final dos crentes como sendouma prerrogativa exclusivamente divina — agora assumida pelo Senhorressurreto, Jesus Cristo.

2 Coríntios 5.9-11

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Pelo que muito desejamos também ser-lhe agradáveis, querpresentes, quer ausentes. Porque todos devemos comparecer anteo tribunal de Cristo, para que cada um receba segundo o quetiver feito por meio do corpo, ou bem ou mal. Assim que,sabendo o temor que se deve ao Senhor, persuadimos os homensà fé [...].

Junto com as passagens anteriores em que Paulo ecoa a linguagem doAntigo Testamento na questão de Cristo, o Senhor, servir como juiz no fimdos tempos, na sua segunda carta aos crentes de Corinto, Paulo descreveCristo como Senhor que assume a prerrogativa de Deus como um juiz noúltimo julgamento (2 Co 5.9-11), muito embora ele faça isso, nesse caso, semusar uma linguagem advinda de qualquer passagem específica daSeptuaginta. Mais para o fim de uma narrativa e apelo consideráveis econcluindo a sua reflexão sobre o futuro do corpo presente, destinado àdeterioração, mas que será “revestido” no fim dos tempos (vv. 2-4), Pauloutiliza a si mesmo como um exemplo que serve como um apelo subentendidoaos coríntios. Ele faz isso de três modos.

Em primeiro lugar, Paulo expressa o seu desejo de viver de modo a “seragradável” ao Senhor (2 Co 5.9), uma ideia do Antigo Testamento que, emPaulo, é expressa normalmente em termos de agradar a “Deus” (por exemplo,1 Ts 4.1; 2 Co 5.9; Rm 8.8). Só que, nesse caso, assim como na sua cartaanterior a esses irmãos (1 Co 7.32), “o Senhor”, Cristo é aquEle a quem eleprocura agradar.

Em segundo lugar, o motivo para isso é que “porque todos devemoscomparecer ante o tribunal [bēma] de Cristo” (2 Co 5.10). A palavra bēma,na língua grega, refere-se à cadeira que era colocada sobre algum tipo deestrutura, para ficar acima do povo, no ágora (ou mercado público), onde ummagistrado se assentava e ouvia as acusações e reclamações e, depois,aplicaria várias formas de juízos. Nesta frase impressionante, Paulo afirma

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que Cristo, o Senhor, assumirá o papel de Deus ao comandar o juízo finalsobre o seu próprio povo, “para que cada um receba segundo o que tiver feitopor meio do corpo, ou bem ou mal” (v. 10).

Esse é um caso em que Paulo coloca Cristo, o Senhor ressurreto, no papelque todas as pessoas da sua comunidade judaica nativa consideravam ser umaprerrogativa absoluta exclusiva de Deus. Se havia uma coisa que era certa nacompreensão judaica era a justiça de Yahweh e o seu papel como ogovernante supremo do Universo. Isso, por sua vez, significava que somenteYahweh exerceria o juízo escatológico sobre todos os povos no fim. Portanto,mais uma vez aqui, sem argumentar, nem tentar fazer qualquer discursocristológico, por assim dizer, Paulo atribui com tranquilidade esse juízo aCristo, o Senhor a quem ele se esforça para agradar exatamente por essarazão.

Em terceiro lugar, o apelo supremo aos crentes de Corinto era para queseguissem o exemplo do próprio Apóstolo que vem no fim da passagem,onde Paulo fala (literalmente) de “conhecer, portanto, o temor do Senhor” (v.11, tradução livre do autor). Isso fica muito claro onde uma expressãodistintiva do Antigo Testamento que fala de Yahweh é aplicada diretamente(somente nesse caso, como se percebe) a Cristo, o Senhor exaltado diante dequem tanto Paulo como os coríntios precisarão comparecer no tempo dofim.33

O que, talvez, seja mais surpreendente acerca de todos esses diversosmomentos nas cartas de Paulo é a forma tranquila e aparentementeinconsciente como ele atribui ao Senhor ressurreto o que antes eramprerrogativas absolutas de Yahweh, o Deus de Israel. Na verdade, essacaracterística marca um momento singular na carta de Paulo aos crentes deRoma que acaba sendo de difícil solução para os intérpretes, já que nessecaso, ele escreve: “[...] Pois todos havemos de comparecer ante o tribunal deCristo. [...] De maneira que cada um de nós dará conta de si mesmo a Deus”(Rm 14.10,12). Só que, nesse caso, o simples fato de os estudiosos,

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normalmente, terem considerado essa questão tão difícil de ser resolvidaocorre, exatamente, porque Paulo consegue fazer de forma tão tranquila essetipo de intercalação entre o Senhor exaltado e Deus-Pai. Aqui, portanto, é oque parece ser evidência segura de que a plena igualdade de Cristo comDeus-Pai é algo que Paulo, simplesmente, tinha por ponto pacífico e, porisso, expressa-a de maneira automática nessas várias formas. É interessante,ele faz tudo isso sem tentar colocar Cristo e o Pai no mesmo nível. Na épocaem que essas cartas foram escritas, esse tipo de intercalação já havia setornado algo normal para ele. Paulo simplesmente tinha essa Cristologiasuperior como uma realidade básica aceita tanto por ele como pelos seusleitores — e isso ocorria num intervalo de menos de duas décadas depois dacruz e da ressurreição.

O Juiz Escatológico dos ÍmpiosTalvez um dos momentos mais reveladores em que Paulo descreve Cristo

assumindo vários papéis que pertenciam exclusivamente a Yahweh, noAntigo Testamento, ocorre quando Paulo descreve Cristo com a prerrogativadivina suprema de executar o juízo (= justiça) dos ímpios. Uma coisa é oSenhor dos crentes ser o juiz das questões que lhes dizem respeito. Só que daperspectiva de Paulo, Cristo, o Senhor, também é o último juiz daqueles queo rejeitaram, muitos dos quais provocaram sofrimento ao povo do Senhor.Paulo, nesse caso, está claramente atribuindo a Jesus as prerrogativas deYahweh, e faz isso duas vezes em uma das suas primeiras cartas, 2Tessalonicenses, escrita pouco antes de duas décadas depois da morte eressurreição de Cristo.

2 Tessalonicenses 1.9-10Os quais, por castigo, padecerão eterna perdição, ante a face doSenhor e a glória do seu poder, quando vier para ser glorificadonos seus santos e para se fazer admirável, naquele Dia, em todos

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os que creem (porquanto o nosso testemunho foi crido entre vós).

Salmos 68.35Ó Deus, tu és tremendo desde os teus santuários.

Salmos 89.7Deus deve ser em extremo tremendo na assembleia dos santos egrandemente reverenciado por todos os que o cercam.

Isaías 2.10Vai, entra nas rochas e esconde-te no pó, da presença espantosado Senhor e da glória da sua majestade.

Depois de uma descrição da vinda de Cristo como juiz escatológico queecoa a linguagem de Isaías 66 (2 Ts 1.7-8), Paulo passa a se concentrar nojuízo dos ímpios que acaba de ser mencionado. Paulo declara que essaspessoas “padecerão eterna perdição, ante a face do Senhor e a glória do seupoder” (v. 9). A aparente inadequação dessa frase é o resultado direto do fatode as palavras em itálico serem tomadas diretamente da tradução que aSeptuaginta faz de Isaías 2.10, um oráculo sobre o juízo do “Dia do Senhor”contra Judá. Assim como na passagem de Isaías, o juízo resulta na separaçãoda presença divina (“da face do Senhor”), que é, agora, assumido como sendoo Senhor ressurreto, Cristo Jesus. A atribuição que Paulo faz do oráculo deIsaías a Cristo se torna ainda mais impressionante pela inclusão (nesse caso,aparentemente, desnecessária) da expressão final “a glória do seu poder”.Aqui, mais uma vez, Paulo adapta a linguagem de Isaías que se refere aYahweh e se apropria dela na sua descrição do juízo de Cristo sobre ospresentes inimigos dos tessalonicenses.

A frase de Paulo, caracteristicamente longa, termina com uma nota sobre

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o povo de propriedade do Senhor, no momento em que os ímpios estiveremsendo julgados. Novamente, o Apóstolo parece estar refletindo a Septuagintanessa descrição, dessa vez ecoando uma passagem do Saltério em que oreferente é Elohim (Deus) em vez de Yahweh (“o Senhor”). Mesmo assim, nafrase de Paulo, “o Senhor” continua sendo o sujeito do verbo na frase“quando ele vier” (2 Ts 1.10). Assim, fazendo uso da linguagem do Saltério(Sl 68.35; 89.7), Paulo contrasta o juízo anterior dos seus inimigos com arealidade maior de que Cristo, o Senhor, será “glorificado em seus santos” e“admirado entre todos os que creem” (cf. 2 Ts 1.10). Desse modo, toda essafrase longa (vv. 6-10) representa um dos momentos mais significativos dascartas de Paulo, em que vários momentos Kyrios do Antigo Testamento sãotodos atribuídos ao Senhor, Cristo. Para Paulo, é Cristo, o Senhor ressurreto,que virá; é Cristo, o Senhor ressurreto, que assumirá o papel de juiz divinodos ímpios; e é Cristo, o Senhor ressurreto, que será glorificado no seu povo,na sua vinda. Portanto, muito embora Paulo se recuse a chamar Cristo deYahweh ou de Theos (Deus) — que no uso paulino sempre é um referente aoPai e nunca ao Filho, e, desse modo, para aqueles que pertencem ao Filho —o seu uso intertextual do Kyrios (= Adonai/Yahweh) da Septuaginta permite aPaulo que fundamente a sua convicção a respeito da plena divindade deCristo.

2 Tessalonicenses 2.8E, então, será revelado o iníquo, a quem o Senhor desfará peloassopro da sua boca e aniquilará pelo esplendor da sua vinda.

Isaías 11.4[...] e repreenderá com equidade os mansos da terra, e ferirá aterra com a vara de sua boca, e com o sopro dos seus lábiosmatará o ímpio.

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Por fim, em 2 Tessalonicenses 2.8, Paulo volta a colocar Cristo, o Senhorressurreto, no papel de juiz escatológico, só que essa é a única vez que Paulodescreve Cristo como quem cumpre uma passagem messiânica real datradição profética. De acordo com o papel esperado do Messias — que eraexecutar a justiça de Deus sobre a terra na sua vinda — Paulo utiliza umaforma combinada de linguagem do profeta Isaías (Is 11.4). Aqui a fala doprofeta “com a vara de sua boca, e com o sopro dos seus lábios matará oímpio” é condensada na expressão paulina “desfará pelo assopro da suaboca”. Só que o Apóstolo faz isso num contexto de futuro escatológico,quando “o Senhor, Jesus, destruir [os ímpios] com o assopro da sua boca”, aoque Paulo acrescenta: “e os aniquilará pelo esplendor da sua vinda”. AquiPaulo faz as duas coisas. O Senhor exaltado também é o Messias, só que,agora, o Crucificado, na condição de Senhor ressurreto, cumpre o papel dafigura messiânica de Isaías ao executar o juízo (agora final) de Deus contraos ímpios. E o que, novamente, aparece de forma marcante é a totaltranquilidade com que Paulo faz isso em uma das suas cartas mais antigas.

Jesus, o Senhor: Invocado em OraçãoNo capítulo 1, vimos que a devoção a Cristo de Paulo incluía tanto a

adoração como a oração dirigida a Cristo como divindade. Agora,descreveremos com mais detalhes as implicações cristológicas que estão portrás das várias passagens ali apresentadas. Na verdade, em nenhuma parte docorpus, a compreensão paulina da “igualdade do Filho com Deus” (Fp 2.6) émais reveladora do que nas suas orações feitas ao Senhor ressurreto, o queum judeu, normalmente, só faria a Deus. Percebermos aqui as várias formascomo isso aconteceu, concentrando-nos na realidade de que uma oraçãoassim sempre é dirigida ao “Senhor,” que recebeu esse “Nome” na suaexaltação e redenção.

Oração ao “Senhor” na Correspondência aos Tessalonicenses

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1 Tessalonicenses 3.11-13Ora, o mesmo nosso Deus e Pai e nosso Senhor Jesus Cristoencaminhem a nossa viagem para vós. E o Senhor vos aumente efaça crescer em amor uns para com os outros e para com todos,como também nós para convosco; para confortar o vossocoração, para que sejais irrepreensíveis em santidade diante denosso Deus e Pai, na vinda de nosso Senhor Jesus Cristo, comtodos os seus santos.

2 Tessalonicenses 2.16-17E o próprio nosso Senhor Jesus Cristo, e nosso Deus e Pai, quenos amou e em graça nos deu uma eterna consolação e boaesperança, console o vosso coração e vos conforte em toda boapalavra e obra.

2 Tessalonicenses 3.5Ora, o Senhor encaminhe o vosso coração no amor de Deus e napaciência de Cristo.

2 Tessalonicenses 3.16Ora, o mesmo Senhor da paz vos dê sempre paz de toda maneira.O Senhor seja com todos vós.

Em quatro passagens das duas cartas mais antigas para as suas igrejas,muito provavelmente escritas mais no fim da segunda década da era cristã(ca. 49-50 d.C.), Paulo relata aos crentes de Tessalônica como está orandopor eles. Nos dois casos, ele utiliza o modo optativo — o que os gramáticos,nesses casos, chamam de “oração-desejo”, significando simplesmente umaforma indireta de expressão — para expressar a oração a Deus tendo em vista

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e em favor dos destinatários. O mais impressionante a respeito dessas quatroorações é a forma como a Divindade é tratada em cada um dos casos.

No primeiro caso (1 Ts 3.11), Deus-Pai é mencionado em primeiro lugare intensificado por intermédio do pronome reflexivo “ele mesmo”, sendo que“o nosso Senhor, Jesus” aparece na segunda posição. É importante notarmosque isso, por sua vez, é seguido de um verbo que não está no plural, mas simno singular, indicando que ambos estão sendo tratados em conjunto como“um único Deus”. Este que seria uma espécie de “improviso gramatical” é,então, seguido (vv. 12-13) por petições adicionais dirigidas unicamente aoSenhor, pedindo a Ele os favores divinos que somente o próprio Deus poderiaatender, a saber: que o amor deles crescesse e sobejasse uns pelos outros, epor todos, com o objetivo de que o coração deles fosse “fortalecido” emsantidade a fim de que eles fossem inculpáveis diante de Deus-Pai, na voltade Cristo. O restante da oração de Paulo, portanto, reforça as implicaçõesnaturais de as duas pessoas divinas serem tratadas com um verbo no singular.Como um antigo mestre declarou com propriedade: “Deixe-me ouvir a formacomo você ora, que escreverei a sua Teologia”.

Na segunda oração (2 Ts 2.16-17), o padrão da primeira oração éinvertido. A oração continua sendo dirigida às duas pessoas divinas, só que,nesse caso, ela começa como uma oração dirigida “ao Senhor Jesus Cristo”ao passo que a elaboração que se segue diz respeito ao Pai. Todavia, os doisverbos reais que formam o conteúdo da oração são utilizados em outrostrechos dessas cartas para se referir tanto à obra do Pai (“animar o vossocoração”) como à do Filho (“vos fortalecer”). Portanto, a oração em cada umdesses casos parece ser intencionalmente dirigida tanto a Deus-Pai como aoSenhor, Jesus.

Só que ainda mais impressionantes são as duas orações finais, ambasdirigidas exclusivamente “ao Senhor” (2 Ts 3.5,16). O primeiro caso pareceser um eco intencional da oração na sua primeira carta a esses crentesrelativamente novos (1 Ts 3.11), nesse caso, como uma oração de despedida

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para eles. Agora, ao utilizar a linguagem de uma das orações de Davi,registrada em 1 Crônicas 29.18, Paulo se dirige àquele que recebeu o “nome”,para que Ele, “o Senhor” (= Jesus), direcione o coração dos crentes emdireção ao amor de Deus e à paciência de Cristo.

No segundo caso, a conclusão formal da sua carta, Paulo pede a Cristo, “oSenhor da paz”, para conceder-lhes a sua shalom, ou “paz” no sentido de umcoração bem disciplinado que proporcione tranquilidade diante de Deus.Tudo o que diz respeito a esse momento memorável ecoa uma prerrogativa eum apelo singularmente divino, agora dirigido ao Senhor ressurreto.

Alguns defendem que essas duas últimas passagens não são, de fato,orações dirigidas a Cristo por mencionarem somente “o Senhor”. Todavia,como já vimos repetidas vezes, Paulo utiliza Kyrios de modo consistentecomo um referente exclusivamente de Cristo, e nenhuma vez de Deus-Pai. Osmarcadores de identificação do próprio Paulo deveriam, portanto, ditar anossa compreensão da palavra em momentos como esses. Isso éespecialmente verdade no presente caso, já que na correspondência com oscrentes de Tessalônica o próprio Paulo identifica consistentemente Cristocomo Kyrios. E, nessa passagem em particular, ele está repetindo aidentificação da oração imediatamente anterior (2 Ts 2.16-17).

Assim, na sua carta aos crentes de Tessalônica, Paulo consistentementedirige as suas orações para o Senhor que hoje reina, Jesus Cristo — umaprerrogativa que a comunidade judaica reservava unicamente para Deus. Ofato de ele fazer isso de forma tão direta, aparentemente supondo que os seusleitores nem perceberiam, sugere que isso já fazia parte da vida devocionalcotidiana havia muito tempo, e que era algo que ele tinha em comum com assuas igrejas. Em vez de apresentar algo novo a esses crentes, Paulosimplesmente os faz lembrar do que já haviam sido ensinados e insiste paraque vivam de acordo com o que aprenderam.

Outras Orações Dirigidas “ao Senhor”

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2 Coríntios 13.13A graça do Senhor Jesus Cristo, e o amor de Deus, e a comunhãodo Espírito Santo sejam com vós todos. Amém!

1 Coríntios 16.22Se alguém não ama o Senhor Jesus Cristo, seja anátema;maranata!

2 Coríntios 12.8-9Acerca do qual três vezes orei ao Senhor, para que se desviassede mim. E disse-me: A minha graça te basta, porque o meupoder se aperfeiçoa na fraqueza.

Os relatos de oração como os mencionados por Paulo na correspondênciaaos tessalonicenses não ocorrem em outras passagens do restante do corpus,exceto no caso da “graça” abençoadora que encerra todas as cartasendereçadas às igrejas, inclusive Filemom. Isso ocorre, com maiorfrequência, no seguinte formato: “Que a graça de nosso Senhor, Jesus Cristo,seja convosco”. Todavia, encontramos um formato completamente diferenteem Efésios e, em Colossenses, não vemos a expressão “do nosso SenhorJesus Cristo”. Só que, em cada um desses casos, existem duas razões para secrer que esta é uma forma de oração dirigida a Jesus como Senhor.

Em primeiro lugar, se substituirmos “o Senhor” por qualquer outro títuloou nome divino, ficaria claro que esta é, na verdade, uma forma de oração.Funcionaria perfeitamente como uma oração, por exemplo, sesubstituíssemos “Deus nosso Pai” por “nosso Senhor” de modo que a leiturapassasse a ser: “Que a graça de Deus nosso Pai seja convosco”. E, se essefosse o caso, isso seria universalmente reconhecido como uma oração.Porém, é interessante notarmos que Paulo jamais faz isso; ele sempre

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expressa a sua bênção com alguma forma dessa oração: “que a graça denosso Senhor, Jesus Cristo, seja convosco”. Essa expressão, claramente, nãofuncionaria se colocássemos um ser não divino no lugar de “nosso Senhor”.Assim, por exemplo, ninguém jamais pensaria em dizer: “Que a graça dogrande arcanjo Miguel seja convosco”. Mais impensável ainda seria se fazeressa bênção em nome de um mero ser humano, mesmo que este tivesse sidodivinamente exaltado. Portanto, esse uso é uma forma de relato de oração,pura e simplesmente, e é, portanto, mais um exemplo da Cristologia superiorpressuposta de Paulo. Nenhum judeu do século I poderia se imaginar fazendouma oração para alguém que fosse meramente humano, sem que fosseverdadeiramente divino. E, apesar da “conversão” de Paulo no caminho deDamasco, o Apóstolo não somente manteve a sua qualidade de judeu, porassim dizer, como também, algumas vezes, a exaltou sobremaneira.

Em segundo lugar, a elaboração trinitária singular que encontramos naconclusão da segunda carta de Paulo aos crentes de Corinto (2 Co 13.14) é aconfirmação de que essas passagens têm a intenção de servir como oraçõesabençoadoras. Aqui, Paulo começa com a expressão padrão: “Que a graça denosso Senhor Jesus Cristo”, mas, a seguir, por razões não muito claras,acrescenta: “e o amor de Deus, e a comunhão [koinonia] do Espírito Santo”.Os estudiosos concordam que essa bênção trinitária seja uma forma deoração, mas, com certeza, isso também ocorre quando Paulo utiliza aexpressão: “a graça do nosso Senhor, Jesus Cristo” sem o acréscimo de Deus-Pai e do Espírito Santo.

Os outros casos de relatos de oração ocorrem na correspondência deCorinto. Em um dos casos (1 Co 16.22), recebemos a formulação aramaicado conteúdo real da oração mais antiga que se conhece, e que era usada pelosprimeiros seguidores de Cristo: Marana tha (“Vem, Senhor”). Por qualquerdefinição, esta é, claramente, uma oração — dirigida a Cristo como Senhor.

O próximo caso ocorre na sua segunda carta a esses mesmos crentes (2Co 12.8-9) e tem uma característica única e dupla: (1) Trata-se de uma oração

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dirigida “ao Senhor” por uma questão muito pessoal (2) sobre a qual Paulorelata que a resposta não foi exatamente a que ele pediu. “[...] três vezes”,declara ele, “orei ao Senhor, para que se desviasse de mim [o espinho nacarne]”. E Paulo, então, relata a resposta recebida da parte do Senhor: “Aminha graça te basta”.

Para sermos francos, a resposta recebida está muito de acordo com o quePaulo havia passado a conhecer sobre Cristo como seu Senhor. Paulo já haviaaprendido — e argumentado de forma incisiva sobre esse fato aos mesmoscrentes na sua carta anterior — que o poder de Deus é evidente na “fraqueza”do oximoro supremo: um Messias crucificado (1 Co 1.18-25). Como ele jáhavia declarado a eles ali: “Porque a loucura de Deus é mais sábia do que oshomens; e a fraqueza de Deus é mais forte do que os homens” (v. 25) Apresente passagem deixa igualmente claro que o próprio Paulo estava noprocesso de aprender que o discipulado significava uma vida pautada pelacruz — ou seja, uma vida que fosse conformada a Cristo como o Crucificado.Assim, Cristo responde: “A minha graça te basta, porque o meu poder seaperfeiçoa na [sua] fraqueza” (2 Co 12.9).

Pela definição de qualquer pessoa, essa passagem pode ser compreendidasomente como um relato de oração feita por Paulo dirigida singularmente aCristo como Senhor, e que, nesse caso, incluiu a característica incomum deuma resposta a essa oração feita a Cristo, o Senhor. Essa oração, junto com oregistro da resposta, aparentemente, geraria uma tensão considerável a ummonoteísta que não tivesse incluído o Senhor na identidade divina, o quesugere que Paulo, na verdade, vivia para, e falava sobre o Deus único deforma trinitária muito antes desse entendimento de Deus precisar serexplicitado no contexto dos grandes credos posteriores.

Como veremos mais adiante, no capítulo de encerramento, esseentendimento trinitário é expresso de forma mais direta por Paulo no iníciodas suas admoestações contra os abusos dos dons espirituais na sua primeiracarta à comunidade de Corinto: “Ora, há diversidade de dons, mas o Espírito

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é o mesmo. E há diversidade de ministérios, mas o Senhor é o mesmo. E hádiversidade de operações, mas é o mesmo Deus que opera tudo em todos” (1Co 12.4-6) Esta passagem é o primeiro de oito momentos desses no corpuspaulino de cartas que proporcionam a base a partir da qual uma articulaçãoposterior da natureza triuna do Deus Único se torna uma necessidadeabsoluta. Só que, a essa altura, Paulo não está tentando formular umaTeologia trinitária; simplesmente deseja expressar uma convicção que éconsiderada ponto comum entre ele e os crentes de Corinto. O que está emjogo nessas passagens não é a Teologia, mas a forma de agir no contexto doculto, no que diz respeito às manifestações do Espírito na reunião dacomunidade.

ConclusãoNeste capítulo, observamos alguns outros casos do padrão observado ao

longo das cartas de Paulo: na sua aplicação das funções de Yahweh a Jesus,bem como nos seus vários relatos de orações feitas a Jesus, Paulo assume queele e os destinatários das suas cartas compartilham da mesma Cristologiasuperior, a quem ele, então, utiliza como base de sua argumentação e nuncacomo objeto de sua defesa. O Apóstolo não espera que nenhum dos seusleitores, ou ouvintes, fiquem chocados ou perplexos com o que ele afirma.Antes, o que torna o argumento cristológico tão plenamente convincente éque essa espantosa Cristologia superior é algo que Paulo nem sequer esperavaque os seus leitores se apercebessem.

31 A palavra ekdikos, utilizada por Paulo, é de difícil tradução para a nossa língua. The Greek-EnglishLexicon of the New Testament and Other Early Christian Literature, 3ª edição, editado por FrederickWilliam Danker (Chicago: University of Chicago Press, 1979), p. 301, define-a como “pertencente àjustiça sendo feita a fim de retificar o mal feito a outra pessoa”. A palavra inglesa “vingar” é definidano dicionário padrão do inglês (Merriam-Webster’s Collegiate Dictionary, 11th ed. [Springfield, MA:

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Merriam-Webster, 2014], p. 85) como “praticar vingança por” ou “tirar satisfação por”. Para qualquerleitor comum, parece que ekdikos e “vingador” não são totalmente intercambiáveis! Este é um daquelesraros casos em que, provavelmente, a nossa língua não consegue expressar exatamente o que o gregoquis dizer. Simplesmente não funciona bem — por mais que possa estar correto em português cotidiano— se dizer: “O Senhor retificará os maus feitos de tais pessoas”!32 Este é outro caso em que os vários tradutores tenderam a escolher palavras bem diferentes paratraduzir o verbo grego (anakrinō) utilizado por Paulo.33 Este é mais um caso onde o nosso idioma não consegue prover um adjetivo equivalente adequado, jáque “temor, ou medo” nas nossas culturas são, consistentemente, ideias negativas. A ideia de Paulo,antes de tudo, é que os verdadeiros crentes vivam em reverência constante na presença do seu Senhor— já que “o temor do Senhor é o princípio da sabedoria” (Pv 1.7).

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Kyrios (“Senhor” = Yahweh) e onde Ele também é visto, portanto, comoAlguém que assumiu os privilégios divinos inerentes ao texto da Septuaginta.

Cristo, o Senhor dos Textos da Septuaginta, 577-78

O Gloriar-se no Senhor

1 Coríntios 1.31Para que, como está escrito: Aquele que se gloria, glorie-se noSenhor.

Jeremias 9.24Mas o que se gloriar glorie-se nisto: em me conhecer e saber queeu sou o Senhor, que faço beneficência, juízo e justiça na terra;porque destas coisas me agrado, diz o Senhor.

A linguagem do gloriar-se, seja na forma de verbo, seja na forma desubstantivo verbal ou de substantivo abstrato, ocorre cinquenta e nove vezesno Novo Testamento, cinquenta e cinco delas nas cartas de Paulo, e trinta enova destas somente nas cartas aos coríntios — o que sugere que Pauloconsiderava esta uma questão importante na igreja de Corinto!Especificamente, como a primeira questão tratada na primeira dessas cartas, a“divisão” na “casa” por causa de mestres ou líderes itinerantes, especialmenteApolo e Paulo, era baseada, fundamentalmente, no critério da eloquência (1Co 1.10-12). De forma brilhante e significativa, Paulo não os confrontadiretamente na questão específica do gloriar-se; ele tocará no assunto umpouco mais adiante (2.6-16). Inicialmente, ele se concentra no objeto dogloriar-se deles. Ao fazer isso, ele utiliza a linguagem do gloriar-se emresposta a eles de forma não muito negativa, mas, antes, servindo-se de umapassagem importante do profeta Jeremias (Jr 9.23-24), da qual Paulo faz um

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uso considerável ao longo de um parágrafo todo (1 Co 1.26-31).Fica evidente que Paulo está, aqui, fazendo uso intencional dessa

passagem de Jeremias a partir das frases anteriores (1 Co 1.26-28), onde assuas categorias para as coisas no que as pessoas se gloriavam (= colocavam asua confiança) eram os “sábios” e “poderosos” e os “nobres” — umaaparente atualização específica das categorias de Jeremias para o caso daigreja de Corinto: “sabedoria”, “força” e “riquezas” (Jr 9.23).

O argumento de Paulo, então, termina com a expressão “como estáescrito”, seguida de uma paráfrase do texto de Jeremias para tratar dessaquestão em Corinto: “Aquele que se gloria, glorie-se no Senhor” (1 Co 1.31).Em Jeremias, o Kyrios da Septuaginta é uma transcrição de Adonai =Yahweh; ao passo que, para Paulo, o “Senhor” em quem os coríntiosdeveriam “se gloriar” era o próprio Cristo — uma remodelaçãoverdadeiramente notável da passagem de Jeremias, e de modo especialporque o “gloriar-se” deve ocorrer naquele que foi Crucificado (cf. Fp3.3,8,10). Como a Septuaginta é a única Bíblia que esses novos convertidos,tanto judeus como gregos, teriam conhecido, deve restar pouca dúvida quantoà intenção de Paulo nessa leve reprimenda aos crentes que, de modo geral,haviam se colocado numa posição excessivamente superior. Doravante, elessomente poderiam — e, na verdade, deveriam — gloriar-se somente emCristo, o Senhor, e esse gloriar-se deveria ser entendido não comoexibicionismo, mas como o depositar da confiança em algo, ou alguém.

A Mente do Senhor

1 Coríntios 2.16Porque quem conheceu a mente do Senhor, para que possainstruí-lo? Mas nós temos a mente de Cristo.

Isaías 40.13

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Quem guiou o Espírito do Senhor? E que conselheiro o ensinou?

Já num período tão antigo quanto o da primeira carta aos crentes deCorinto, Paulo estava argumentando vigorosamente com eles, decerto para atristeza deles, que a verdadeira sabedoria e o poder de Deus deveriam serencontrados em um Messias crucificado (1 Co 1.18–2.5) A seguir, o apóstolosente a necessidade de explicar ainda mais (talvez de modo um tanto irônicopara aqueles que confiavam nos dons do Espírito) que a única forma pelaqual ele, e eles, poderiam receber essa sabedoria era por revelação do Espírito(2.6-16) — como fica muitíssimo claro mais adiante na carta (caps. 12–14).Só que, no presente contexto, ele conclui essa parte do seu argumento citandouma pergunta muito marcante do texto de Isaías: “Porque quem conheceu amente do Senhor, para que possa instruí-lo?” (1 Co 2.16).

Como em outros casos, também somos levados a ler “o Senhor” nessacitação como uma referência a Deus-Pai. Só que Paulo oferece a sua própriainterpretação, o que desautoriza essa visão. Esta é mais uma passagem doAntigo Testamento que, agora, deve ser compreendida em termos de Cristo.“Mas nós temos a mente de Cristo”, conclui ele, fazendo, assim, ointercâmbio do “Senhor” (= Yahweh) da Septuaginta com “o Senhor, Cristo”— revelando, mais uma vez, a sua Cristologia especialmente superior.

O Amado do Senhor

2 Tessalonicenses 2.13Mas devemos sempre dar graças a Deus, por vós, irmãos amadosdo Senhor, por vos ter Deus elegido desde o princípio para asalvação, em santificação do Espírito e fé da verdade.

Deuteronômio 33.12E de Benjamim disse: O amado do Senhor habitará seguro com

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ele.

Em outro momento verdadeiramente marcante de intertextualidade, nasegunda seção de ação de graças da sua segunda carta aos tessalonicenses,Paulo se dirige àqueles irmãos como sendo os “amados pelo Senhor.” Essemomento único em todo o corpus paulino, facilmente, poderia passardespercebido pelos leitores contemporâneos (tanto é que ele nem chega aconstar como nota marginal da atual edição da NVI, que, normalmente, éuma versão muito atualizada nessas questões). Todavia, o que precisa serobservado aqui é que a linguagem de Paulo é exatamente a da Bíblia grega, aSeptuaginta, que consta da bênção de Moisés à tribo de Benjamin: “O amadodo Senhor [= Yahweh] habitará seguro com ele” (Dt 33.12).

Portanto, em um momento de necessária reafirmação, aqueles a quemPaulo, anteriormente, havia descrito como amados por Deus (1 Ts 1.4) — evoltará a fazê-lo em um momento posterior (2 Ts 2.16) — são aqui tratadossegundo a linguagem da tribo da família do próprio Paulo (vide Fp 3.5): elessão os “amados do Senhor”. E, mesmo que os tessalonicenses não tivessem,eles mesmos, entendido essa referência, Paulo está, mais uma vez, referindo-se a Cristo como o Senhor deles, quando faz a intercalação entre Deus eCristo ao longo da sua carta.

O Senhor Seja Convosco

2 Tessalonicenses 3.16[...] O Senhor seja com todos vós.

Rute 2.4E eis que Boaz [...] disse aos segadores: O Senhor [Yahweh] sejaconvosco.

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Em um momento final e igualmente marcante de intertextualidade nacorrespondência com os cristãos de Tessalônica, Paulo termina a sua segundacarta a eles com o que parece ser um eco da saudação pessoal mais comumentre os javistas do Israel antigo: “O Senhor seja convosco”. Nesse caso,trata-se de um eco de um dos antecessores benjaminitas de Paulo (vide Rm11.1). No livro de Rute, lemos que Boaz saudava os seus trabalhadores com aexpressão: “O Senhor seja convosco” (2.4; cf. as saudações angélicas em Jz6.12 e Lc 1.28). Este é mais um caso em que o Kyrios (= Adonai/Yahweh) dePaulo é aplicado a Cristo — confirmado, nesse caso, não somente pelo temacontextual, mas também (a) pela dupla identificação de Cristo como“Senhor” nessa carta juntamente com Theos como Pai (2 Ts 1.2; 2.16) e (b)pelo uso consistente que Paulo faz de Kyrios para se referir a Cristo ao longodo corpus.

Paulo, assim, encerra a sua carta com essa saudação histórica na forma deuma oração-desejo de que o Senhor exaltado continuasse a estar presente comos crentes de Tessalônica assim como Cristo, na sua encarnação, esteveconosco quando veio ficar conosco para nos redimir. E, como veremos nocapítulo final, Cristo estaria com eles pelo Espírito, que é conhecido, aomesmo tempo, por Paulo, como o Espírito de Deus e o Espírito de Cristo,como fica claro pelo uso que ele faz dessas expressões na sua carta aoscrentes de Roma (Rm 8.9-11).

Perto Está o Senhor

Filipenses 4.5[...] Perto está o Senhor.

Salmos 145.18Perto está o Senhor de todos os que o invocam [...].

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Em uma das afirmações mais intrigantes das suas cartas, Paulo retoma alinguagem precisa de Davi no Saltério como um meio de incentivar oscrentes de Filipos. A dúvida é dupla: primeiramente, porque não sabemos seesta é uma palavra acerca do presente, ou uma afirmação acerca do futuro e,em segundo lugar, se ela diz respeito ao que a antecede, ou ao que a sucede.Ou seja, será que o Apóstolo quis transmitir: “Seja a vossa equidade notória atodos os homens [porque] perto está o Senhor”, ou, o que é mais provável naminha visão, “O Senhor está perto, [portanto] não estejais inquietos por coisaalguma” (Fp 4.5-6)? Seja qual for o caso, esse é mais um caso em que Pauloadotou uma linguagem que falava de Yahweh na Septuaginta e a aplicou aCristo. Desse modo, o Apóstolo vivia e respirava a linguagem da sua Bíblia,e, como fica evidente em todas as partes da sua carta, que ele, por vezes,achava-se falando desse modo tão incomum como encontramos aqui!

Kyrios e Theos Compartilham de PrerrogativasEm vários outros casos nas suas cartas, Paulo intercala uma variedade de

atributos ou atividades divinas entre Deus (Theos) e o Senhor (Kyrios). Parasermos francos, nem todas são prerrogativas estritamente divinas, mas o queé marcante em cada um dos casos é a facilidade e forma não intencional comque Paulo consegue fazer esse tipo de intercalação. Em vez de agrupar, oupriorizar essas passagens, nós simplesmente as apresentaremos abaixo naordem cronológica normalmente aceita para elas. Nós limitaremosintencionalmente a nossa análise às quatro primeiras cartas do corpus paulino(1 e 2 Tessalonicenses e 1 e 2 Coríntios) já que quase tudo o que ocorredepois dessas cartas seria repetitivo.

A Existência Cristã como Estar em Cristo/Deus

1 Tessalonicenses 1.1[...] à igreja dos tessalonicenses, em Deus, o Pai, e no Senhor

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Jesus Cristo: graça e paz tenhais de Deus, nosso Pai, e do SenhorJesus Cristo.

A primeira menção a Deus e a Cristo, juntos, no corpus paulino aparecejá na primeira linha da primeira carta de Paulo (1 Ts 1.1; cf. 2 Ts 1.1) —nesse caso, como objetos (gramaticais) duplos de uma única expressãoprepositiva (“em Deus, o Pai, e no Senhor, Jesus Cristo”). Trata-se de umaexpressão incomum em todas as cartas de Paulo. Aqui ele designa a igrejados tessalonicenses como igual e simultaneamente existente em Deus-Pai eno Senhor, Jesus Cristo. Nas cartas posteriores, ele falará com frequência doscrentes como quem está “em Cristo”, mas aqui ele fala deles também comoquem está “em Deus”.

O significado cristológico dessa expressão é verdadeiramente importante.Afinal, estamos diante de uma afirmação dupla. Em primeiro lugar, Deus eCristo são conjuntamente compreendidos como a esfera na qual os crentesexistem; isto é, eles estão, simultaneamente, em Deus e no Senhor. E,portanto, em segundo lugar, existir em Deus significa, ao mesmo tempo,existir em Cristo. E não se trata de esses crentes estarem vivendo em umadupla esfera de existência. Antes, para o Apóstolo, estar “em Cristo” significaestar “em Deus” e vice-versa — daí a razão de Paulo poder, posteriormente,descrevendo como estando somente “em Cristo”, porque, para ele, estariam,automaticamente, também “em Deus”. Nesse caso, a primeira coisa que oscrentes de Tessalônica ouvirão é a afirmação de que eles existem,simultaneamente, tanto no Pai como no Filho.

Jamais poderemos ter certeza sobre como isso caiu aos ouvidos dostessalonicenses, mas podemos ter certeza do que Paulo desejava com isso emfunção da forma como ele extrapola essas duas realidades na sua cartaposterior aos crentes da Galácia (Gl 4.4-7). Depois de nos tornar “filhos”, omesmo Deus que “enviou o seu Filho”, de semelhante modo, enviou “oEspírito do seu Filho para os nossos corações”. Assim, podemos chamar a

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linguagem do Filho e chamar a Deus de “Pai”, a quem agora nos dirigimos nalíngua nativa de Jesus, “Abba”, um diminutivo que, em português, seria algopróximo de “Pai querido”.34 O que é verdadeiramente marcante é o tomintimamente familiar desse linguajar — e isso vindo de um homem judeu quecresceu em uma comunidade que jamais mencionaria o nome de Yahweh,colocando “Senhor” em seu lugar por medo de pronunciar o nome de Deusem vão!

A Graça do Senhor/DeusO desejo de “graça” para as igrejas de Paulo é outro ponto das suas cartas

em que as prerrogativas divinas são igualmente compartilhadas entre Deus eCristo (o Senhor), só que, nesse caso, em uma variedade interessante decombinações. Por um lado, as cartas de Paulo começam quase todas com aexpressão combinada “graça e paz”, e sempre nessa ordem, já que a segundaé derivada da primeira.35 A fonte dessa graça, por sua vez, é invariavelmenteidentificada: “da parte [tanto de] Deus, o Pai, [como do] Senhor, JesusCristo”. O uso consistente feito por Paulo — aparentemente de modo bemdeterminado, sugerindo que ele desejava que os seus destinatários ouvissemas duas palavras nessa sequência — a começar por “graça a vós”, com baseno amor redentor de Cristo em favor dos crentes, e terminando com acontinuação apropriada, “e paz”. Desse modo, o ato inicial de Deus em nossofavor deveria resultar em “paz”, ou no que outra pessoa já descreveu comoum coração bem ajustado.

Por outro lado, a maioria das cartas termina com a oração abençoadora nosingular: “Que a graça do Senhor [= Cristo Jesus] seja convosco”, a começarpela sua primeira carta aos tessalonicenses (1 Ts 5.28). Todavia, no corpo dascartas de Paulo, a graça é expressada com muito mais frequência comooriunda de Deus-Pai, com três notáveis exceções nas quais ela é um atributode Cristo, o Senhor (2 Co 8.9; 12.9; 1 Tm 1.14). Esse tipo de intercâmbio nãoé o resultado de uma Teologia muito bem articulada, mas já havia se tornado,

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a essa altura, simplesmente uma forma de uso aceita de forma clara entrePaulo e as suas igrejas.

A Paz do Senhor/Deus — o Senhor/Deus da PazA mesma intercambialidade entre Theos e Kyrios a respeito da “graça”

também é verdadeira na palavra que costuma acompanhá-la, isto é, “paz”,que aparece junto com “graça” em todas as saudações, e, como vimosanteriormente, sempre é apresentada na ordem “graça [...] e paz”. Em outraspartes do corpo das epístolas existe também uma expressão interessante deintercambialidade. Por um lado, a expressão “a paz de Deus” ocorre somenteduas vezes no corpus (Fp 4.7), tal como ocorre na sua contraparte, “a paz doSenhor” (2 Ts 3.16). Por outro lado, o descritivo “o Deus da paz” ocorre seisvezes. Ele ocorre quatro vezes sozinho (1 Ts 5.23; Rm 15.33; 16.20; Fp 4.9)— uma forma que, na verdade, é bem rara no Antigo Testamento. Tambémocorre uma vez no composto “Deus de amor e paz” (2 Co 13.11), e ficaimplícita uma vez em um contraste com “desordem” (1 Co 14.33).

Na sua segunda ocorrência na correspondência aos tessalonicenses, Pauloora para que “o mesmo Senhor da paz vos dê sempre paz de toda maneira” (2Ts 3.16). Essa frase deveria ser lida como uma oração, e, nesse caso, trata-sede uma oração feita somente a Cristo — um traço marcante que,normalmente, passa despercebido em função da forma pressupositiva comque essa intercalação de linguagem chega até nós, e que também, agora,acabou se tornando lugar comum.

O Andar de Forma Digna diante do Senhor/DeusOutra dessas intercalações espontâneas e não intencionais entre “Senhor”

e “Deus” ocorre na apropriação que Paulo faz do conceito de “andar” oriundodo Antigo Testamento. No Novo Testamento, ele se torna uma metáforaconsistente, retirada do Antigo Testamento e que diz respeito à forma comouma pessoa vive diante de Deus e do mundo. Na sua primeira carta aos

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crentes de Tessalônica, o Apóstolo implora a esses novos convertidos queandem de forma digna do Deus que os chamou, mesmo em meio às presentesdificuldades (cf. 1 Ts 2.12). De modo semelhante, em uma carta bemposterior — dessa vez por intermédio de um relato de oração — ele insistepara que os crentes andem “dignamente diante do Senhor”, o que, nocontexto, só pode se referir a Cristo, de modo a “agradá-lo em tudo” (Cl1.10).

Como ocorre nos outros casos, essa é uma intercalação que a maior partedos leitores notaria, já que tanto Cristo quanto Deus se encaixariam bem àsnossas expectativas na leitura das cartas de Paulo. E é exatamente essa arazão por que chamamos a atenção dos leitores aqui. Esta é uma ilustração deuma Cristologia pressuposta da mais alta ordem, sem que o Apóstolo tenhatido essa intenção, mas que ele tinha a expectativa de que fossecompartilhada pelos seus leitores e ouvintes.

A Divina Presença na ParousiaIntimamente associada à glória divina no Antigo Testamento está o

conceito da presença de Deus, como a intercalação entre essas duas ideias arespeito do Tabernáculo e do Templo deixa claro. Fazendo referência aoúltimo tema, Paulo consegue falar intercambiavelmente de estar na presençado Senhor ou de Deus, dependendo do seu ponto de ênfase num determinadomomento. Assim, na sua primeira menção à parousia (“vinda”) de Cristo,que aparece na sua primeira carta, Paulo fala dos crentes tessalonicensescomo “nossa esperança, ou gozo, ou coroa de glória”. Quando estiveremjuntos, eles comparecerão “diante de nosso Senhor Jesus Cristo em suavinda” (1 Ts 2.19). Algumas frases depois, no término da sua oração (3.11-13), ele fala de estar (literalmente) “na presença do nosso Deus e Pai naparousia do nosso Senhor Jesus” (v. 13, tradução livre do autor). Este é maisum caso de intercalação entre “Deus” e “o Senhor” — e estas são as palavrasde um monoteísta ardoroso!

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O Senhor/Deus que Fortalece os CrentesNa mesma oração que acabamos de ver, Paulo prossegue expressando o

seu desejo de que “o Senhor [= Cristo] [...] para confortar o vosso coração,para que sejais irrepreensíveis em santidade” (1 Ts 3.12-13). De modosemelhante, na sua segunda carta aos seus amigos de Tessalônica, ele lhesassegura que “o Senhor [...] vos confortará e guardará do maligno” (2 Ts 3.3).No meio dessas duas palavras de afirmação, entretanto, ele ora: “E o próprionosso Senhor Jesus Cristo, e nosso Deus e Pai, [...] console o vosso coração evos conforte em toda boa palavra e obra” (2 Ts 2.16-17). Assim como ele oratanto a Deus-Pai como a Cristo, o Senhor exaltado, também utiliza umalinguagem semelhante tanto para o Pai como para o Filho quando menciona oconteúdo dessa oração.

A Palavra do Senhor/DeusA expressão “a palavra de Deus” ocorre sete vezes no corpus paulino (1

Co 14.36; 2 Co 2.17; 4.2; Rm 9.6; Cl 1.25; Tito 2.5; 2 Tm 2.9), sempre com oque é tecnicamente conhecido como o genitivo subjetivo, de modo que“Deus” é o sujeito gramatical da “palavra” que foi falada, seja na Escritura (oque conhecemos como o Antigo Testamento), seja com referência aoevangelho, de alguma forma. Mesmo que em alguns casos a natureza dogenitivo na expressão “a palavra do Senhor” não seja tão simples de sedeterminar — se ele fala sobre o Senhor (como objeto) ou a partir do Senhor(como sujeito) — na sua primeira aparição no corpus (1 Ts 1.8), a expressão“do Senhor”, muito provavelmente, é um objeto. Em outras palavras, o queestava se espalhando rapidamente era “a palavra sobre o Senhor”, referindo-se a Cristo.

Este, provavelmente, também é o caso na segunda ocorrência, em quePaulo expressa o desejo de que “a mensagem do Senhor” se espalherapidamente (2 Ts 3.1). E deve haver pouca dúvida de que, na sua segundaocorrência na sua carta anterior, Paulo estava usando “do Senhor” como um

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sujeito genitivo — isto é, “o Senhor” é aquele que falou — exatamente damesma forma como ocorre com “a palavra de Deus”: “Dizemo-vos, pois, istopela palavra do Senhor [...]” (1 Ts 4.15). Essa intercalação fica bem clara pelasequência desta expressão, que só pode ser uma referência a Cristo: “nós, osque ficarmos vivos para a vinda do Senhor”.

A Fidelidade do Senhor/DeusUma das formas mais consistentes pela qual Yahweh revela-se a si

mesmo no Antigo Testamento é por meio do atributo primário da fidelidade,que significa, essencialmente, que Deus é digno de total confiança em todosos momentos, e de todas as formas no sentido de ser quem se revelou paranós. Não nos causa surpresa, portanto, que na sua primeira carta aostessalonicenses, Paulo apele a essa fidelidade quando fala que Deus estáexecutando os seus divinos propósitos na vida daqueles crentes: “Fiel é o quevos chama, o qual também o fará” (1 Ts 5.24). O Apóstolo, então, afirma nasua carta seguinte a eles: “Mas fiel é o Senhor, que vos confortará e guardarádo maligno” (2 Ts 3.3). No contexto imediato, no qual duas frases antesCristo havia sido especificamente identificado como “o Senhor” (2 Ts 2.16-17), fica claro que Paulo está se referindo a Cristo como “o Senhor”. Assim,muito embora em outras passagens das suas cartas Paulo comente acerca dafidelidade de Deus (1 Co 1.9; 10.13; 2 Co 1.18), neste caso, ele aplica essalinguagem também a Cristo.

O Evangelho do Nosso Senhor/DeusAo lermos as cartas de Paulo, acabamos nos acostumando com a

intercalação tranquila entre “o evangelho de Deus” (1 Ts 2.2,8-9), onde aênfase recai sobre a fonte do evangelho, e “o evangelho de Cristo” (1 Ts 3.2),onde a ênfase recai sobre Cristo como seu conteúdo básico. Todavia, na suasegunda carta a esses crentes — na longa seção de ação de graçastransformada em anúncio do juízo contra os seus perseguidores que faz a

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abertura da carta (2 Ts 1.3-10) — Paulo se refere aos segundos como “os quenão conhecem a Deus e [...] não obedecem ao evangelho de nosso SenhorJesus Cristo” (v. 8). Esse momento único do Novo Testamento foi moldadopara se encaixar no contexto imediato, já que essa expressão não é nada maisque uma adaptação da linguagem comum para adequar o contexto de Cristocomo executor do justo juízo de Deus — neste caso contra aqueles que estãoperseguindo os crentes de Tessalônica. Trata-se de uma adaptaçãoimpressionante de uma expressão comum, com a ênfase, agora, no evangelhoque tem relação com o Senhor que agora reina.

A Glória do Senhor/DeusEm várias ocasiões, nas suas cartas, Paulo fala da “glória de Deus” como

o objetivo final de todas as coisas. Essa expressão era utilizada para descrevertanto a grandeza infinita de Deus — por exemplo, as instruções de Paulo aoscristãos para que fizessem todas as coisas tendo em vista a glória de Deus (1Co 10.31; Fp 1.11) — e a esfera onde Deus habita (Rm 5.2; Fp 4.19). Pauloutiliza essas duas nuances da expressão quando fala de Cristo, o Senhor.

Na segunda carta de Paulo aos cristãos de Tessalônica, ele afirma que oobjetivo final da salvação é a obtenção da “glória do nosso Senhor, JesusCristo” (2 Ts 2.14) — isto é, estar junto com Ele na esfera da sua glória. Nasua segunda carta aos crentes de Corinto, ele afirma que quando os cristãos sevoltam a Cristo pelo Espírito, eles contemplam, “a glória do Senhor” (2 Co3.18; cf. 4.4). O contexto imediato, nesse caso, deixa claro que a glória doSenhor é a glória do próprio Yahweh, a glória que Moisés não teve permissãode vislumbrar no Monte Sinai.

Paulo Enviado/Comissionado por CristoNa Septuaginta, o verbo grego apostellō (“enviar”) é normalmente usado

quando Yahweh “envia” ou “comissiona” mensageiros para o povo quepertence a Deus. Esse fenômeno explica por que Paulo pode perguntar

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retoricamente: “E como pregarão, se não forem enviados?” (Rm 10.15), ondeele utiliza esse verbo mesmo sem especificar o divino enviador. Só que emuma carta anterior, quando fala do seu próprio ministério, Paulo utiliza omesmo verbo ao escrever “Porque Cristo enviou-me não para batizar, maspara evangelizar” (1 Co 1.17). Para sermos francos, nesse caso “Cristo”, enão “o Senhor”, é o sujeito gramatical do verbo; todavia, Paulo claramenteconsiderava esse envio como parte da sua experiência que ele relata maisadiante na carta, quando pergunta retoricamente: “[...] Não vi eu a JesusCristo, Senhor nosso?” (1 Co 9.1).

O Poder do Senhor/de DeusUma das constantes na compreensão de Deus vistas no Antigo

Testamento é que Yahweh é um Deus de grande e ilimitado poder. Assim,tanto a criação como a redenção de Israel são regularmente celebradas noSaltério em termos do grande amor e poder de Deus (por exemplo, no Sl89.5-18; 145.3-13). Paulo também utiliza essa mesma forma de linguagemnas suas cartas. Por exemplo, ele celebra o poder de Deus revelado naredenção e na criação já no início da sua carta aos crentes de Roma: “Porquenão me envergonho do evangelho de Cristo, pois é o poder de Deus [...].Porque as suas coisas invisíveis, desde a criação do mundo, tanto o seu eternopoder como a sua divindade, se entendem e claramente se veem pelas coisasque estão criadas [...]” (Rm 1.16,20).

Paulo faz uso de uma linguagem similar para se referir à pessoa e à obrade Cristo. Na segunda questão que ele aborda na sua primeira carta aoscrentes de Corinto — a complicada situação do homem incestuoso (1 Co 5)— Paulo começa insistindo para que eles exerçam o juízo que ele declarou“em nome do nosso Senhor, Jesus” (v. 3) sobre tal homem no contexto daassembleia reunida, quando “o poder do nosso Senhor, Jesus, está presente”(v. 4). Apesar do “poder” neste caso ser, provavelmente, uma referênciaindireta ao Espírito, o fato de o Espírito e o poder de Deus serem

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compreendidos como presentes na forma do poder do Senhor exaltado (Jesus)assume também uma importância cristológica. De modo semelhante, na suapróxima carta aos crentes de Corinto, Paulo relata que a resposta de Cristo àsua oração sobre o seu “espinho na carne” foi: “o meu poder se aperfeiçoa nafraqueza” (v. 9; cf. 1 Co 1.22-25). Paulo prossegue afirmando que elesuportaria com prazer aquela fraqueza “para que o poder de Cristo habitassenele” (cf. 2 Co 12.9).

O Senhor/Deus ConcedeuNa narrativa que a Septuaginta faz da criação do Tabernáculo por parte de

Israel (Êx. 31.2-5; 36.1-2), vemos (na Septuaginta) que “Deus deu a[Bezalel]” a sabedoria e o talento para essa tarefa (36.1). Na segunda carta dePaulo aos coríntios, ele faz uso dessa mesma linguagem para se referir aosseus próprios dons no ministério apostólico: “[...] Deus, que nos reconciliouconsigo mesmo por Jesus Cristo e nos deu o ministério da reconciliação” (2Co 5.18). Só que, na sua carta anterior a eles, Paulo se refere aos seus dons eaos dons de Apolo como sendo oriundos do Senhor: “segundo o Senhorconcedeu a cada um” (1 Co 3.5, tradução livre do autor).

O Senhor/Deus DesejaPaulo começa a sua primeira carta aos coríntios notando que o seu

apostolado se dá “pela vontade de Deus” (1 Co 1.1), uma expressão queocorre cerca de treze vezes nas suas cartas. Só que em duas passagensmarcantes da mesma carta, Paulo fala de retornar a Corinto “se o Senhorquiser” (4.19) e “se o Senhor permitir” (16.7), transmitindo assim,completamente, esta prerrogativa absoluta de Deus, a Cristo, o Senhor.

Agradando o Senhor/DeusNa análise que faz do que ele entende serem as vantagens da vida solteira

em detrimento da vida de casado, Paulo assevera que uma pessoa solteira

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pode dedicar toda a sua energia para uma tarefa única: “agradar o Senhor” (1Co 7.32). Na maior parte desses momentos nas suas cartas — tanto antes (1Ts 2.15; 4.1) quanto depois (por exemplo, Rm 8.8; 12.1-2; 14.18; Fp 4.18) —Paulo fala de “agradar a Deus”. Esta é outra forma de expressão do AntigoTestamento (por exemplo, Sl 19.14; Pv 16.7) que foi assumida por Paulo eaplicada diretamente ao Senhor, Cristo (cf. 2 Co 5.8-9).

A(s) Assembleia(s) de Cristo/DeusNo que não se trata tanto de uma prerrogativa divina, mas sim de uma

questão de posse divina, Paulo costuma se referir às comunidades crentesfazendo uso do termo ekklēsia, uma escolha deveras acertada, já que essetermo tem uma dupla função: (1) ele faz referência à linguagem utilizada parase descrever a “assembleia” local do povo nas cidades-estado gregas, que (2)haviam sido convenientemente usadas pelos tradutores da Septuaginta parafalar da reunião da “congregação” de Israel. O descritivo genitivo de Paulo(utilizado como possessivo) para se dirigir a essa “assembleia” é,normalmente, “a(s) assembleia(s) de Deus”; mas, ao encerrar a sua carta aoscrentes de Roma, ele se refere, com a mesma facilidade, às igrejas que estãoenviando saudações a Roma como “as assembleias de Cristo”.

O Temor do SenhorO penúltimo exemplo dessa forma de intercalação entre “Deus” e “o

Senhor” é um dos momentos verdadeiramente significativos do corpus.Trata-se de um indicador seguro da tranquilidade com que Paulo transferia asprerrogativas e atributos divinos para Cristo e, portanto, do entendimentopaulino acerca de Cristo como um Ser totalmente divino, e como alguém quepoderia assumir um papel bíblico que, outrora, ficava restrito somente aDeus. Apesar da expressão “o temor do Senhor” ocorrer com mais frequênciana Literatura Sapiencial, ela é básica no entendimento que Israel tinha deDeus e do seu relacionamento com o Eterno. Nesse caso, a palavra “temor”

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raramente, quando muito, carrega o seu sentido que conhecemos no nossoidioma, como tendo relação com o “estar amedrontado”. Pelo contrário, emquase todos os casos, trata-se de um termo que denota uma reverênciarespeitosa, que é descrita no Antigo Testamento como “o princípio dasabedoria” (Pv 9.10).

É importante notarmos que em uma passagem em que Paulo colocaênfase em Cristo, o Senhor, como o juiz escatológico do seu povo (2 Co5.10), ele prossegue se referindo ao seu “conhecimento do temor do Senhor”,pelo que ele, sem dúvida, refere-se a Cristo (v. 11). Assim como ocorre como uso dessa expressão na Literatura Sapiencial, ela não se refere aqui a termosmedo de Cristo, mas a termos um respeito reverente por Ele.

O Espírito do Senhor/DeusEssa recapitulação das prerrogativas divinas compartilhadas por Deus e

por Cristo chega, agora, à sua conclusão com a única que não ocorre nasquatro primeiras das cartas preservadas de Paulo, ou seja, de que o únicoEspírito Santo, que, geralmente, é tratado de “Espírito de Deus”, em trêsocasiões é identificado especificamente por Paulo como “o Espírito deCristo”. Analisaremos esse fenômeno com mais detalhes no capítulo final,mas, aqui, faremos algumas observações iniciais.

Quando passarmos para as suas instruções a respeito do papel do Espíritona sua carta aos Gálatas, Paulo deixa claro que “Deus enviou aos nossoscorações o Espírito de seu Filho” (Gl 4.6), e que é Ele quem desperta em nóso clamor Aba. De modo semelhante, na sua última carta aos crentes de Roma,essa intercalação é específica e predominante ao longo do documento. O queidentifica o crente como uma pessoa que não vive “segundo a carne” é o fatodo “Espírito de Deus habitar dentro de nós” (Rm 8.9). Só que, depois, Paulofaz, imediatamente, a intercalação: “Mas, se alguém não tem o Espírito deCristo, esse tal não é dele”.

Como, para Paulo, também havia somente “um Espírito” (Ef 4.4; cf. 1 Co

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12.4), esse tipo de intercalação é uma expressão que acaba coroando oentendimento que Paulo tinha acerca da divindade de Cristo. Ao lado deoutras passagens nas suas cartas que já analisamos, esta serve como base parao seu entendimento trinitário de Deus que — junto com o Evangelho de Joãoe Hebreus — acabou levando a igreja a expressar esse entendimento emtermos trinitários. Embora possamos, finalmente, articular o relacionamentoentre o Deus Único e o Senhor Único, esse tipo de coisa somente poderia serexpressa por Paulo porque ele cria que o Filho encarnado, e agora Senhorexaltado, era eternamente pré-existente e, portanto, completamente igual aoPai. E essa realidade é o que nos leva ao nosso capítulo de encerramento. Sóque, antes disso, precisamos fazer um breve resumo do que vimosanteriormente.

ConclusãoAs evidências deste capítulo parecem coroar a Cristologia superior do

pensamento de Paulo que foi observada ao longo dos capítulos anteriores. Eisso ocorre por meio da riqueza de possibilidades que Paulo atribui ao“título” de Jesus que ganhou expressão nas primeiras comunidades de falaaramaica, a confissão de que Jesus é “o Senhor”. Portanto, provavelmente,não é acidente que nas suas três ocorrências nas cartas de Paulo essaconfissão sempre ocorre na ordem “o Senhor é Jesus [Cristo]” (1 Co 12.3;Rm 10.9; Fp 2.11; tradução livre do autor). Apesar de ter sidoverdadeiramente o Jesus terreno, encarnado, que ressuscitou dentre osmortos, foi somente na sua exaltação que Deus-Pai concedeu ao seu próprioFilho pré-existente o Nome Divino de “o Senhor”.

Dessa forma, pela felicidade do Nome Divino ter sido traduzido naSeptuaginta por intermédio do aramaico Adonai (= “o Senhor” = Yahweh)que Paulo foi capaz de recebê-los das duas maneiras. O Filho pré-existente,que se tornou encarnado como Jesus de Nazaré, recebeu o “Nome” na suaredenção. Só que, ao mesmo tempo, ao utilizar ho Kyrios (“o Senhor”)

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exclusivamente para se referir ao Cristo ressurreto, Paulo poderia incluir oFilho na identidade divina de forma completa, porém sem uma identificaçãoabsoluta (mesclando os dois em um) e sem o Filho “usurpar” o papel deDeus-Pai.

Assim, em função das evidências que foram revistas neste capítulo,desejamos enfatizar, para fins de conclusão, duas questões. Em primeirolugar, dificilmente poderíamos deixar de notar a rica variedade de formascom que Paulo incluiu Cristo na divina identidade por meio do nometransformado em título ho Kyrios (“o Senhor”). Esse fenômeno ocorrerepetidamente nas primeiras cartas do corpus e se mantém inalterado até asua última carta, 2 Timóteo. Ele ocorre, regularmente, de duas formas:primeiramente, em frases ou parágrafos inteiros que se referem a Yahweh, e,em segundo lugar, em toda sorte de expressões mais curtas que, no AntigoTestamento, são fundamentalmente domínio exclusivo de Yahweh, mas que,nos escritos paulinos, por influência da Septuaginta, são regularmenteatribuídos ao Senhor exaltado, Jesus Cristo.

Em segundo lugar, como já vimos repetidas vezes ao longo deste livro,seria difícil desconsiderarmos a forma inconsciente como a sua Teologia seexpressa, e a transferência quase casual dos títulos e prerrogativas de Yahwehpara Cristo. Em Paulo, não vemos um homem que tenta afirmar algoincomum no papel do Senhor agora exaltado, mas que simplesmente assumeisso, de todas as formas, no processo de tratar das várias questões com assuas igrejas. Talvez ainda mais significativo seja o fato de ele considerar queesse entendimento era compartilhado pelos seus leitores, especialmenteporque essa questão jamais foi levantada diretamente, nem respondida emqualquer uma das suas cartas. Essa era, claramente, uma questão que era tidacomo comum acordo entre Paulo e os destinatários das suas cartas, e queserve de base para todas as formas de argumentação que ele utiliza para asmais diversas questões. Só que, de forma abrangente, a sua apropriação dalinguagem dedicada a Yahweh no Antigo Testamento para se referir à divina

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atividade do Senhor que hoje reina, tem em si uma compreensão de Cristocomo alguém que assume papéis que, tradicional e exclusivamente,pertencem somente a Deus.

Assim, concluímos a partir das evidências que Paulo nos apresenta umaCristologia tão elevada quanto se poderia imaginar. Portanto, não nossurpreende que, alguns anos depois, quando o apóstolo João decidiu escreveruma versão mais reflexiva sobre a encarnação e a vida ministerial de Cristo,essa forma de compreensão de quem Jesus era fosse expressa de forma tãoousada já no início da sua obra (Jo 1.1-18) e funcionasse como base comumassumida entre ele e os seus leitores. Como veremos no capítulo final, oscrentes da Igreja Primitiva eram trinitários práticos, mesmo que a articulaçãonecessária da Doutrina da Trindade viesse anos mais tarde, quando asrealidades assumidas e expressas por todos os autores dos documentos quevieram a formar o nosso Novo Testamento acabariam demandando maisarticulação e esclarecimento à medida que esses ensinamentos avançam parao território maior do mundo romano. Àquela altura, os pressupostos tidos emcomum numa época anterior necessitariam de uma maior elaboração eexplicação para um mundo gentio não acostumado com a estrutura bíblicados autores e leitores desses documentos da primeira geração. E, assim, ascartas de Paulo, junto com o Evangelho de João e Hebreus, foram trazidos aodebate para dar expressão ao entendimento trinitário de Deus Uno e Único.Independentemente do que se possa pensar de Paulo, ele foi, sem sombra dedúvida, um monoteísta fervoroso do início ao fim do seu ministério. Anovidade é a sua devoção a Cristo, que resultou nessa forma de falar sobreCristo.

34 Na verdade, o nosso equivalente mais próximo seria “Papai”, só que essa palavra carrega muitasoutras conotações que não seriam verdadeiras no caso de Abba para que pudéssemos fazer umatradução adequada. Este é um exemplo claro em que um diminutivo, em um idioma, simplesmente não

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é transferível para o seu equivalente em outro idioma e, portanto, o termo não é, de fato, inteiramentetraduzível.35 É por isso que a tradução “graça e paz a vós” (muito comum nas nossas versões) não é muito precisa.

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M chegar a um acordo a respeito da dupla realidade daCristologia superior de Paulo — a sua ideia de Cristo como o

Filho pré-existente e exaltado que recebeu o “nome” de Senhor — combinadacom o seu monoteísmo vigorosamente defendido. Em linha com a tradiçãojudaica na qual ele foi criado, Paulo normalmente afirmava que só havia umúnico Deus. Portanto, neste capítulo final, a pergunta que fazemos é: O quesignifica para um ardoroso monoteísta enxergar a Divindade única como Paie Filho? E mais: no capítulo anterior, observamos o papel do Espírito nacompreensão que Paulo tinha de Cristo, bem como no seu entendimentosobre o relacionamento do Espírito com o Filho e com o Pai. O nossoobjetivo, nesta conclusão, portanto, é examinar minuciosamente os dados afim de demonstrar que não foi somente o Evangelho de João, mas também astreze cartas de Paulo, que fizeram com que a Igreja, no tempo devido,passasse a se expressar em termos trinitários, e não dualitários. Neste capítulofinal, portanto, vários pontos teológicos serão examinados, não tendo emvista uma solução, mas, simplesmente, para reconhecermos e fazermos umabreve análise dessas questões.

O primeiro objetivo desta conclusão, portanto, será demonstrar asconsideráveis implicações cristológicas encontradas nas diversas e variadasdeclarações de Paulo que combinam o Espírito com Cristo (e com o Pai) naeconomia da salvação. Ou seja, nós perguntamos: Quais são as implicaçõescristológicas da compreensão que Paulo tinha do relacionamento entre Cristoe o Espírito, à medida que isso puder ser descoberto nas suas váriasafirmações teológicas não intencionais? Ao mesmo tempo, o nosso interesseé de examinar onde Paulo se encaixa em uma trajetória que fez com que essesprimeiros monoteístas fervorosos começassem a falar de Cristo e do Espíritoe do seu relacionamento com o Deus-Pai de tal forma que acabou provocandoa resolução Trinitária do início dos séculos IV e V da era cristã.

Como uma forma de interagirmos com essas questões, precisamos,inicialmente, olhar com brevidade ao entendimento básico de Paulo acerca dapessoa e do papel do Espírito na divina economia.36 Depois disso,

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lançaremos um breve olhar sobre o entendimento paulino acerca dorelacionamento entre Cristo e o Espírito, à medida que este surge quase queincidentalmente no corpus paulino. Tudo isso denotará uma Cristologiaespecialmente superior em Paulo, ao passo que, de modo simultâneo, tambémnos empurra em direção a um entendimento trinitário latente do Deus único.Isso, por sua vez, sugere que Paulo defendia uma espécie de visãoprototrinitária de Deus, mesmo que ele jamais tenha chegado nem perto deexplicar como um rígido monoteísta poderia falar sobre Deus dessa formatrinitária — em especial no que poderia parecer algo tão descontraído.

A Pessoa e o Papel do Espírito no Pensamento de PauloComeçamos a nossa análise sobre o Espírito com uma breve visão geral

do uso que Paulo faz da palavra pneuma como um referente ao EspíritoSanto, que ocorre aproximadamente cento e vinte vezes no corpus paulino.Destes, o referente mais comum é simplesmente “o Espírito”, ao passo quedezessete vezes a expressão que mais aparece é “o Espírito Santo”. Todavia,em doze ocasiões, Paulo fala do Espírito como sendo “o Espírito de Deus”, oque, de uma perspectiva mais ampla da Sagrada Escritura, não deveria sernenhuma surpresa. O mais significativo para o nosso presente estudo,entretanto, são as quatro vezes em que Paulo se refere ao mesmo EspíritoSanto como “o Espírito do Senhor” (2 Co 3.17); “o Espírito do Filho [deDeus]” (Gl 4.6); “o Espírito de Cristo” (Rm 8.9); e “o Espírito de JesusCristo” (Fp 1.19). Antes de examinar essas passagens, várias questões acercado entendimento de Paulo sobre o Espírito precisam ser realçadas, já quemuitos crentes compartilham dos sentimentos de um antigo estudante que,certa vez, declarou exasperadamente: “Deus-Pai, eu conheço; Deus-Filho, euamo; mas o Espírito Santo é uma névoa comprida e cinzenta!” — algo de queeu ainda me lembro depois de várias décadas porque deu voz ao que eraverdadeiro para muitos crentes.

Muito embora Paulo entendesse claramente que o Espírito estivesse

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intimamente relacionado a Deus-Pai e a Cristo, ele também entendia que oEspírito tinha uma personalidade distinta por si mesmo, como podemos vernos muitos textos em que o Espírito é o sujeito de ações praticadas por umapessoa (elas seguem em ordem cronológica):

O Espírito penetra todas as coisas (1 Co 2.10).O Espírito conhece a mente de Deus (1 Co 2.11).O Espírito ensina o conteúdo do evangelho aos crentes (1 Co 2.13).O Espírito habita entre/dentro dos crentes (1 Co 3.16; cf. Rm 8.11; 2 Tm

1.14).O Espírito opera todas as coisas (1 Co 12.11).O Espírito vivifica aqueles que creem (2 Co 3.6).O Espírito clama de dentro do nosso coração (Gl 4.6)O Espírito tem desejos que estão em oposição à carne (Gl 5.17).O Espírito nos guia nos caminhos de Deus (Gl 5.18; Rm 8.14).O Espírito presta testemunho ao nosso Espírito (Rm 8.16).O Espírito nos ajuda nas nossas fraquezas (Rm 8.26).O Espírito intercede em nosso favor (Rm 8.26-27).O Espírito opera todas as coisas em conjunto para o bem supremo (Rm

8.28).O Espírito fortalece os crentes (Ef 3.16).O Espírito fica triste quando pecamos (Ef 4.30).

Além disso, na lista que Paulo faz de alguns aspectos do fruto dahabitação do Espírito nos crentes (Gl 5.22-23), ele expressa os atributospessoais de Deus na sua forma adjetivada, algumas das quais ocorrem acimana forma verbal. Ademais, existem três passagens nas cartas de Paulo em queele deixa claro que, além de compreender o Espírito como uma pessoa,também compreendia o Espírito como, de certa forma, distinto do Pai e doFilho.

Em primeiro lugar, na sua longa exposição do papel do Espírito na vida

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do crente na sua carta a “todos os que estais em Roma, amados de Deus,chamados santos” (Rm 1.7), Paulo afirma que é o Espírito que nos concede a“adoção como filhos”,37 como é atestado pelo impulso que o próprio Espíritoprovoca no nosso coração por meio do clamor Aba (8.15). O Espírito se tornaa segunda testemunha necessária à nossa adoção, refletindo, assim a herançabíblica de Paulo de que tudo será estabelecido por duas ou três testemunhas(Dt 19.15; cf. 2 Co 13.1). Como se pode ver, essa é a linguagem que fala deuma personalidade, e não de uma espécie de poder ou influência impessoal.Basta-nos observar o breve argumento do Apóstolo diante dos coríntiosacerca da natureza da verdadeira sabedoria (1 Co 2.6-16), onde ele utiliza aanalogia da consciência interior dos seres humanos (só o nosso próprioespírito conhece a nossa mente) para insistir que só o Espírito conhece amente de Deus. Ali, Paulo escreve: “Porque o Espírito penetra todas ascoisas, ainda as profundezas de Deus” (v. 10). E, por causa desserelacionamento singular com Deus, só o Espírito conhece e revela a sabedoriade Deus, de outra sorte oculta (v. 7).

Em segundo lugar, as várias passagens trinitárias dos escritos de Paulofalam veementemente contra a confusão do Cristo ressurreto e do Espíritoque é derramado sobre os crentes. Os dois textos básicos que foram usadospara defender essa confusão são consequência de Paulo fazer uso depassagens da Septuaginta para reforçar outras preocupações (2 Co 3.17; 1 Co15.45). Só que, ali, Paulo não tem qualquer intenção de identificar o Cristoressurreto com o Espírito. O mesmo se dá com a passagem crucial deRomanos, a qual analisaremos com mais vagar a seguir, na qual Paulo colocaa expressão “se Cristo está em vós” depois da expressão “o Espírito deCristo” (8.9-11). No contexto, isso só pode significar “se Cristo, pelo seuEspírito, está em vós”, e, portanto, não tem qualquer relação com umaconfusão entre o Espírito e Cristo. Antes, para Paulo, o Espírito tem umapersonalidade que lhe é própria. Muito embora Ele esteja intimamenterelacionado tanto ao Pai quanto ao Filho, o Espírito também é, muito

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claramente, distinto de ambos. Isso fica claro, especialmente, pelas muitasdeclarações trinitárias encontradas nas cartas de Paulo, nas quais os papéis,que veremos adiante, do Pai, de Cristo e do Espírito na nossa salvação sãodistintos e únicos, muito embora tudo seja visto, em última análise, comoproveniente do Deus Único.

Em terceiro lugar, a forma trinitária como Paulo fala sobre a nossasalvação humana não dá margem para que confundamos, ou misturemos,nem a pessoa, nem a obra do Filho com a do Espírito. Na atual cosmovisãode Paulo — “entre as eras”, por assim dizer — o Filho está, agora, assentado“à direita de Deus nas regiões celestiais” (Ef 1.20), onde Ele, atualmente, fazintercessão por nós (Rm 8.34). É interessante notarmos que, só duas frasesantes, nessa mesma carta, Paulo se refere ao Espírito como quem habita emnós e nos ajuda nos nossos tempos de fraqueza, intercedendo de dentro denós, falando por nós o que não pode ser expressado (8.26), o que Deus sabeporque Ele “conhece a mente do Espírito” (v. 27). Desse modo, em outraspalavras: na atual “geografia” do céu e da terra, tanto o Pai como o Filho sãovistos como habitando no céu, ao passo que o Espírito é visto comohabitando na terra.

Portanto, é certo que Paulo compreendia o Espírito como pessoal, mastambém como “distinto do” Pai e do Filho, embora intimamente relacionadotanto à presença de Deus como de Cristo dentro e no meio de nós, exercendoo ministério de Cristo na era presente.

Cristo e o Espírito no Pensamento de PauloAssim como a vinda do Filho marcou para sempre a nossa compreensão

de Deus, que passou a ser, dali em diante, conhecido como “o Pai de nossoSenhor Jesus Cristo”, de semelhante modo, a vinda de Cristo marcou parasempre a nossa compreensão a respeito do Espírito. Seja como for, o Espíritode Deus também é o Espírito de Cristo (2 Co 3.17; Gl 4.6; Rm 8.9; Fp 1.19),que leva adiante a obra de Cristo depois da sua ressurreição e posterior

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ascensão ao lugar de autoridade à destra de Deus. Ter recebido o Espírito deDeus (1 Co 2.12) é ter obtido acesso à mente de Cristo (v. 16), o que significacompreender a tarefa de Cristo como tendo total relação com a consecução danossa salvação.

Para Paulo, portanto, Cristo proporciona uma definição mais completa doEspírito: as pessoas do Espírito são filhas de Deus, coerdeiras, junto com oFilho de Deus (Rm 8.14-17). Ao mesmo tempo, Cristo é o critério absolutodaquilo que é verdadeiramente a atividade do Espírito (por exemplo, 1 Co12.3). Na verdade, declara o Apóstolo, ter o Espírito de Cristo habitando emnós significa que o próprio Cristo está presente conosco (Rm 8.9-10). É justoafirmarmos que a Pneumatologia (Doutrina do Espírito) de Paulo é centradaem Cristo no sentido de que Cristo e sua obra ajudam a definir tanto a pessoado Espírito como o envolvimento ativo do Espírito na vida cotidiana docrente.

Em grande medida, a relação entre o papel de Cristo e do Espírito na erada Nova Aliança é bastante objetivo. Isso se torna aparente, com maiorfrequência, nos vários casos em que Paulo fala da salvação dos crentes emtermos trinitários, em afirmações ou declarações que ocorrem ao longo detodo o corpus de epístolas, tanto no seu início como no seu fim. Dentre essescasos estão as passagens semiconfessionais em que ele está afirmando anossa salvação:

Mas devemos sempre dar graças a Deus, por vós, irmãos amadosdo Senhor, por vos ter Deus elegido desde o princípio para asalvação, em santificação do Espírito [...] pelo nosso evangelho,vos chamou, para alcançardes a glória de nosso Senhor JesusCristo. (2 Ts 2.13-14)

[...] mas haveis sido justificados [= Deus vos justificou] emnome do Senhor Jesus e pelo Espírito do nosso Deus. (1 Co 6.11;cf. 2 Co 1.21-22; Gl 4.4-7; Rm 8.3-4,15-17; Tt 3.4-7)

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O relacionamento entre o Espírito e Cristo também é expresso em váriosoutros momentos informais, soteriológicos, etc.:

[...] perante os olhos de quem Jesus Cristo foi já representadocomo crucificado? [...] Aquele [Deus], pois, que vos dá oEspírito e que opera maravilhas entre vós o faz pelas obras da leiou pela pregação da fé? (Gl 3.1,5)

Porque sei que disto me resultará salvação, pela vossa oração epelo socorro do Espírito de Jesus Cristo [...]. Porque acircuncisão somos nós, que servimos a Deus no Espírito, e nosgloriamos em Jesus Cristo, e não confiamos na carne. (Fp 1.19;3.3; cf. 1 Co 1.4-7; 2.4-5, 12; 6.19-20; 2 Co 3.16-18; Rm 5.5-8;8.9-11; 15.16,18-19,30; Cl 3.16; Ef 1.3,17-20; 2.17-18,19-22;3.16-19; 5.18-19)

Nosso ponto aqui é que, para Paulo, a redenção humana é a atividadecombinada do Pai, do Filho e do Espírito. Portanto, a sua gramática dasalvação é deveras consistente, muito embora ela seja bastante específica e,por isso, expressa de diversas formas. Para Paulo, a salvação: (1) estáfundamentada no amor de Deus, que é a sua forma motora; (2) foi efetuadana história por meio da morte e ressurreição de Cristo, o Filho; e (3) se tornareal na vida dos crentes por meio do poder do Espírito Santo. Muito emboraPaulo expresse essa realidade de várias maneiras, uma passagem na sua cartaaos crentes de Roma oferece-nos um típico exemplo: o amor de Deus queencontrou expressão, historicamente, na morte de Cristo por nós (Rm 5.8) foio que o Espírito Santo derramou nos nossos corações (v. 5).

Assim, em um dos momentos mais reveladores na sua carta apaixonadaaos crentes da Galácia, Paulo fala em termos idênticos, primeiramente sobreDeus ter “enviado o seu Filho” (Gl 4.4) e, depois, de ter “enviado o Espíritodo seu Filho para dentro dos nossos corações” (v. 6). No primeiro caso, o

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envio tinha o objetivo de efetuar a salvação no decurso da história humana:Jesus foi enviado pelo Pai para dentro da História humana (“nascido demulher”) no contexto do Judaísmo histórico (“nascido debaixo da Lei”) como propósito expresso de redimir a humanidade. O primeiro envio terminoucom a ressurreição e exaltação do Filho, o último foi assumido de diversasformas ao longo da carta. Portanto, o segundo envio, o “do Espírito doFilho”, ocorreu no período posterior à ascensão, e, do ponto de vista dePaulo, ocorreu exatamente para colocar em efeito a vida que Cristo nos haviaassegurado pela sua morte. Essa presença do Filho por meio do Espírito doFilho é o que torna real a nossa própria “filiação”, ou seja, a nossa adoçãocomo filhos de Deus — baseada na obra redentora do Filho, e efetivada navida dos crentes por meio da habitação do Espírito do Filho.

O resultado final de tudo isso é que, na sua encarnação, o Filho de Deusadentrou a história humana carregando a imagem divina e a presença divinaneste nosso mundo. O Filho veio para efetuar a restauração da divina imagemnaqueles que se tornariam filhos de Deus pela fé nEle; o Espírito do Filhoveio para efetuar a recriação real dessa imagem naqueles que, por intermédiode Cristo e do Espírito, são os próprios filhos de Deus. E o que está em jogoaqui não é a nossa vida pessoal como tal, mas a nossa vida comunitária,unidos, como um único povo de Deus.

Todas essas informações nos levam, teologicamente falando, a duasdireções. Em primeiro lugar, como já vimos, na visão de Paulo existe umaclara distinção entre o Cristo ressurreto e o Espírito Santo, que foi enviado aeste mundo por Deus-Pai. Na verdade, os dados bem específicosapresentados nos capítulos anteriores poderiam, talvez, ser vistos como partede um quadro mais amplo do Novo Testamento no qual a atividade de Deusna nossa redenção é expressa, basicamente, em termos do Pai e do Filho. Sóque, para Paulo, esse não é o quadro completo. No fim, é a experiênciatrinitária de Deus e da efetivação da salvação por parte de Deus, conhecidacomo Trindade econômica, que levou a igreja posterior a expressar a

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Trindade Divina em termos de uma Trindade ontológica, isto é, o próprio Serdivino compreendido como Pai, Filho e Espírito Santo, juntos formando umaunidade.

Em segundo lugar, e mais marcante na Cristologia paulina, está afacilidade com que Paulo consegue, quando se refere ao Espírito, intercalar asua linguagem entre o Pai e o Filho. Em nenhuma outra passagem isso ocorrede forma mais reveladora do que no início de Romanos 8, onde o Espírito nãosomente efetiva a obra de Cristo na vida do cristão, como também capacita ocristão a viver e agir de tal maneira que leve glória a Deus, tanto ao Pai comoao Filho. Assim, perto do início dessa impressionante apresentação da vidano Espírito (vv. 9-10), o Espírito que hoje nos habita é tratado de um modomais casual e informal, em frases sucessivas, como a forma com que tanto oPai quanto o Filho, que “habitam” no céu, são vistos como presentes no nossomundo, agora “habitando” no coração dos crentes: “Vós, porém, não estaisna carne, mas no Espírito, se é que o Espírito de Deus habita em vós. Mas, sealguém não tem o Espírito de Cristo, esse tal não é dele” (Rm 8.9). Ser umgenuíno cristão do Novo Testamento é ser genuinamente trinitário.

Na verdade, se os dados dos nossos capítulos anteriores não transmitirempor si mesmos a visão que Paulo tinha sobre Cristo como plenamente divino,então, decerto, a facilidade com que Paulo, aqui, refere-se ao Espírito deveriafazer isso. No espaço de duas frases, das quais a segunda, obviamente, estáfazendo referência ao que foi dito na primeira, o único Espírito (cf. 1 Co12.4; Ef 4.4) é expresso por Paulo, primeiramente, como “o Espírito de Deusque habita em vós” e, depois, imediatamente, como o “Espírito de Cristo”.Como para Paulo não existem dois Espíritos, tampouco existe mais de umDeus, estas são frases que quase exigem algum tipo de resolução teológica ecristológica da nossa parte — não no sentido de encontrarmos Deus, porassim dizer, mas de tentarmos compreender, ou expressar na forma delinguagem, a realidade divina supremamente incompreensível: a existênciade um Deus em três pessoas. Assim, em vez de pensar em Paulo como uma

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pessoa confusa, ou que provoca confusão com as coisas que faz em Romanos8.9-11, é o papel do Espírito — simultaneamente o Espírito de Deus e oEspírito de Cristo — que tanto enfatiza a plena divindade de Cristo, comotambém nos leva, ao final, a pensar no Deus Único em termos trinitários.

Paulo e a Trindade DivinaUm dos fenômenos mais interessantes na leitura das cartas de Paulo, em

função de ele escrever para os convertidos gentios que teriam vindo de umcontexto fundamentalmente politeísta, é a forma rara com que ele enfatiza asua realidade teológica judaica de haver somente um único Deus. Alinguagem real ocorre somente em seis passagens (1 Co 8.4,6; Gl 3.20; Rm3.30; Ef 4.6; 1 Tm 2.5); está implícita em outra (1 Co 12.6), onde “o mesmo”significa “um e o mesmo”, como uma frase sequencial que fala claramentesobre o Espírito: v. 11); e é expressa uma vez em termos do “Deus único” (1Tm 1.17). Como isso é tão pressupositivo para Paulo e tido como verdadeiropara os seus leitores, raramente ele sente a necessidade de defender essaposição.

Todavia, em cinco das sete ocorrências desse termo ou conceito, aafirmação que Paulo faz do seu monoteísmo consistente ocorre em conjuntocom uma ênfase equivalente tanto sobre Cristo (1 Co 8.6; Gl 3.20; 1 Tm3.20) quanto sobre o Espírito (1 Co 12.6; Ef 4.6). Três dessas passagens (1Co 8.6; 12.6; Ef 4.6) exigem uma atenção especial da nossa parte porque,muito embora em cada um dos casos a “obra” da Dupla ou Tríade Divina sejaexpressa, a ênfase, em cada um dos casos, recai na realidade da unidade deDeus no contexto dessa ênfase estar na “unidade” de Cristo, e na “unidade”do Espírito (quando este último é mencionado).

Junto com mais de vinte passagens em que o “trio” divino é mencionadonas suas funções relativas à redenção humana,38 os textos presentes sãolembretes constantes de que a experiência que Paulo teve de Cristo e doEspírito fizeram com que ele pensasse no “Deus Único” em termos que

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incluíam o Filho e o Espírito. Conforme vimos acima, temos motivos paraanalisar com cautela as passagens mais importantes que citam as “duplas depessoas divinas” nas quais Paulo expande intencionalmente a Shemá paraafirmar o Pai como o “Deus único” e para incluir a Cristo, o Filho, como o“Único Senhor” (1 Co 8.6). Aqui, de modo breve, analisaremos o significadodas três passagens trinitárias para a Cristologia paulina.

1 Coríntios 12.4-6Ora, há diversidade de dons, mas o Espírito é o mesmo. E hádiversidade de ministérios, mas o Senhor é o mesmo. E hádiversidade de operações, mas é o mesmo Deus que opera tudoem todos.

No início da longa correção e instrução acerca das manifestações doEspírito na reunião da comunidade (1 Co 12-14), podemos encontrar algumasimplicações prototrinitárias. O objetivo de Paulo, ao longo de toda estapassagem, é ampliar a perspectiva dos crentes de Corinto acerca da atividadedo Espírito nas suas reuniões de culto (em contraposição ao seu interesseaparentemente singular em falar em línguas). A sua forma de fazer issopoderia ser considerada um tanto exagerada, já que nesse longo argumentoele apresenta nada menos do que sete diferentes listagens de manifestaçõesdo Espírito, sem que nenhuma delas se pareça com a outra! Todavia, em cadaum dos casos, o filho problemático, isto é, o dom de línguas, aparece ou noinício, ou no fim da lista. É em função da singularidade da situação que aTrindade Divina aparece, neste caso, na ordem de “Espírito [...] Senhor [...]Deus” (12.4-6), o único desses casos em todas as cartas preservadas.

Desse modo, ele começa a análise toda observando que a diversidadereflete a natureza de Deus e é, portanto, a verdadeira evidência da obra doDeus único no meio deles. A Trindade Divina é pressuposta na totalidade doargumento, e essas palavras básicas de abertura são ainda mais reveladoras

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exatamente por serem tão incidentais, e expressadas de forma tão livre einconsciente. Assim como existe somente um único Deus, do qual derivam epara quem são todas as coisas, e um Senhor, por meio de quem existem todasas coisas (1 Co 8.6), também existe um único Espírito (1 Co 12.9), por meiode quem o Deus único manifesta-se a si mesmo de variadas formas nacomunidade dos crentes.

2 Coríntios 13.13A graça do Senhor Jesus Cristo, e o amor de Deus, e a comunhãodo Espírito Santo sejam com vós todos. Amém!

A bênção agraciadora marcante do fim da segunda carta de Paulo aoscrentes de Corinto nos oferece várias chaves teológicas para o entendimentoque Paulo tinha da salvação, bem como do Deus Eterno. Váriascaracterísticas exclusivas tornam essa passagem particularmente importantepara a compreensão de Paulo. Em primeiro lugar, vemos que a bênção écomposta e destinada àquela ocasião e, portanto, funciona exatamente comotodas as outras bênçãos agraciadoras, que começam todas, exatamente, dessamaneira, com “a graça do nosso Senhor, Jesus Cristo”. É isso o quedetermina a ordem um tanto incomum de Cristo, Deus e do Espírito.

Em segundo lugar, essa bênção resume os elementos fundamentais daúnica paixão de Paulo: o evangelho, com a sua ênfase na salvação em Cristo,igualmente disponível mediante a fé tanto para judeus como para gentios.Fica claro que o amor de Deus é o alicerce da visão de Paulo sobre a salvaçãoa partir da paixão e clareza com que ele fala disso em várias passagens do seucorpus de cartas (por exemplo, Rm 5.1-11; 8.31-39; Ef 1.3-14). A graça donosso Senhor Jesus Cristo é o que dava expressão concreta a esse amor; porintermédio do sofrimento e da morte de Cristo na cruz em favor dos seusamados, Deus realizou a salvação deles num único instante na históriahumana. A participação no Espírito Santo efetiva continuamente esse amor e

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graça na vida e na comunidade dos crentes. Na verdade, é exatamente assimque o Deus vivo não somente leva as pessoas a um relacionamento íntimo eduradouro com Ele mesmo, como também faz com que elas participem detodos os benefícios dessa graça e salvação — ou seja, habitando nelas nopresente com a sua própria presença e garantindo a sua glória escatológicafinal.

Em terceiro lugar, essa bênção funciona como a nossa porta de entrada aoentendimento paulino de Deus como tal, o qual lhe ficou radicalmenteafetado em função das duplas realidades da morte e ressurreição de Cristo edo dom do Espírito. É verdade que, aqui, Paulo não afirma a divindade deCristo e do Espírito. Todavia, o que ele faz é muito mais revelador: eleequipara a atividade das três Pessoas divinas (para usar a linguagem doscredos) em conjunto e em uma única oração, sendo que a frase sobre Deus-Pai aparece em segundo lugar (!). Isso sugere que Paulo era, no mínimo,prototrinitário. De acordo com essa bênção, o crente conhece e experimenta oDeus Único como Pai, Filho e Espírito, e quando falamos de Cristo e doEspírito, estamos falando de Deus, exatamente da forma que falamos do Pai.

Assim, apesar de fazer uma distinção fundamental entre Deus, Cristo eEspírito, essa bênção também expressa, de forma simplificada, o que éencontrado ao longo das cartas de Paulo — isto é, que a salvação é a obracooperativa do Pai, do Filho e do Espírito.

Efésios 4.4-6Há um só corpo e um só Espírito, como também fostes chamadosem uma só esperança da vossa vocação; um só Senhor, uma sófé, um só batismo; um só Deus e Pai de todos, o qual é sobretodos, e por todos, e em todos.

Na sua carta aos crentes de Éfeso, escrita alguns anos depois da suacorrespondência com Corinto, encontramos a mesma combinação da segunda

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carta de Paulo aos coríntios (2 Co 13.14) — uma formulação em formato decredo expressa em termos das atividades distinguíveis do Deus triúno (Ef4.4-6). A base para a unidade cristã é o Deus uno e único, que se reveloutanto pela encarnação como pelo envio subsequente do dom do Espírito,como Pai, Filho e Espírito Santo. Desse modo, a igreja, como o corpo único éa obra do Espírito único (cf. 1 Co 12.13), por quem nós também vivemos nanossa existência escatológica presente em uma só esperança, já que o Espíritoé o “penhor da nossa herança” (Ef 1.13-14, tradução do autor). Tudo isso setornou possível a nós pelo nosso Senhor único, em quem todos temos uma sófé, fé esta que todos deram testemunho por meio do seu único batismo. Afonte de todas essas realidades é o Deus uno e único “o qual é sobre todos, epor todos, e em todos” (Ef 4.6). Novamente, como o que aqui está emquestão é a obra do Espírito, “a unidade do Espírito cria” (v. 3), a ordem é amesma de 1 Coríntios 12.4-6 (Espírito, Senhor, Deus), que opera a partir darealidade experimentada no presente até a realidade fundacional do DeusÚnico.

Se a última expressão dessa passagem re-enfatiza a unidade do DeusÚnico, o qual, em última análise, é o responsável por todas as coisas —passadas, presentes e futuras — e aglutina a obra do Espírito e do Filho sobesse Deus, a passagem como um todo, ao mesmo tempo, coloca em formatode credo a afirmação de que Deus é experimentado como uma realidadetriuna. Exatamente com base nessa experiência e linguagem foi que a igrejaposterior manteve a sua integridade bíblica ao expressar tudo isso numalinguagem explicitamente trinitária. E as formulações de Paulo, que incluemtanto a obra de Cristo como do Espírito, formam parte da base dessasexpressões em formato de credo.

Nesta passagem (Ef 4.4-6), bem como em 1 Coríntios 12.4-6, acimaanalisadas, Paulo está enfatizando, e não abandonando a realidade teológicabásica da sua tradição: que existe somente um Deus e que somente esse Deusúnico é Deus. Todavia, essa ênfase ocorria, fundamentalmente, em contextos

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em que ele estava expandindo intencionalmente a identidade do Deus único afim de incluir o “único Senhor” e o “único Espírito”. E é o reconhecimentodessa realidade que levou a Igreja Primitiva a encarar com tanta profundidadeesses dados da Bíblia.

ConclusãoAo concluirmos este estudo, observamos que apesar de muitos se

sentirem desconfortáveis com a “declaração” do Credo Niceno que fala deCristo como sendo da mesma “substância”, ou um único “Ser com o Pai”,não é difícil entendermos como esse tipo de linguagem foi o resultado naturalda tentativa de chegar a um acordo sobre a revelação bíblica, à medida emque ela chegava, agora, a território predominantemente grego. O que pareceser seguro, a partir dos dados paulinos, é a inevitabilidade de se falar deDeus, pelo menos, em termos de “Trindade econômica”. Deus se revelou anós como Pai, Filho e Espírito na obra da nossa salvação.

Qualquer coisa menor que essa dupla afirmação pareceria ser o resultadodos nossos próprios pressupostos modernos e racionalidade humana limitadaem vez de aprendizado oriundo da autorrevelação de Deus como Pai, Filho eEspírito Santo. Portanto, cabe a nós deixarmos Deus ser Deus e, de temposem tempos, cairmos de rosto em terra, por assim dizer, e adorarmos comlouvor e ação de graças o Eterno que, desse modo, deveria cuidar dos nossosgostos como seres decaídos. E assim eu termino, dando graças a Deus dojeito consagrado pela minha denominação: Aleluia! Louvores eternos sejamao Deus uno e único!

Todavia, para nós há um só Deus, o Pai, de quem é tudo e paraquem nós vivemos; e um só Senhor, Jesus Cristo, pelo qual sãotodas as coisas, e nós por ele. (1 Co 8.6)

Porque já sabeis a graça de nosso Senhor Jesus Cristo, que,sendo rico, por amor de vós se fez pobre, para que, pela sua

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pobreza, enriquecêsseis. (2 Co 8.9)

Mas, vindo a plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho,nascido de mulher, nascido sob a lei, para remir os que estavamdebaixo da lei, a fim de recebermos a adoção de filhos. (Gl 4.4)

Porquanto, o que era impossível à lei, visto como estava enfermapela carne, Deus, enviando o seu Filho em semelhança da carnedo pecado, pelo pecado condenou o pecado na carne. (Rm 8.3)

Porque nele habita corporalmente toda a plenitude da divindade.(Cl 2.9)

Que, sendo em forma de Deus, não teve por usurpação ser iguala Deus. Mas aniquilou-se a si mesmo, tomando a forma de servo,fazendo-se semelhante aos homens; e, achado na forma dehomem, humilhou-se a si mesmo, sendo obediente até à morte emorte de cruz. (Fp 2.6-8)

Esta é uma palavra fiel e digna de toda aceitação: que CristoJesus veio ao mundo, para salvar os pecadores [...]. (1 Tm 1.15)

[...] graça que nos foi dada em Cristo Jesus, antes dos tempos dosséculos, e que é manifesta, agora, pela aparição de nossoSalvador Jesus Cristo, o qual aboliu a morte e trouxe à luz a vidae a incorrupção, pelo evangelho. (2 Tm 1.9-10).

36 Para ter acesso a uma análise mais completa desses temas, confira os meus livros God’s EmpoweringPresence: The Holy Spirit in the Letters of Paul (Grand Rapids: Baker Academic, 2011 [Peabody, MA:Hendrickson, 1994]) e Paul, the Spirit, and the People of God (Grand Rapids: Baker Academic, 2011

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[Peabody, MA: Hendrickson, 1996]).37 Aqui, como em outras partes, a “filiação” claramente inclui tanto homens como mulheres dentre osfilhos de Deus.38 Em God’s Empowering Presence, refiro-me a isso como “Trinitarianismo Soteriológico” e façotambém uma lista com o resumo dessas passagens (p. 841-842).

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aramaico. A língua falada pelos judeus da Palestina no século I, e, portanto,a língua nativa de Jesus.

julgamento (como juízo). Uma cerimônia formal de julgamento.

oração abençoadora. Uma forma de oração que é feita indiretamente a Deusem favor dos crentes em Cristo.

catena. uma coleção, ou série conectada de itens similares.

d.C. Designação da era cristã, os anos contados depois de Cristo.

Cristologia. A doutrina da pessoa de Cristo — quem Ele era e é e osignificado da sua vida e obra.

cruciforme. Uma vida pautada na de Jesus que o levou à crucificação — istoé, uma vida vivida de modo a gerar benefício ao próximo sem levar em contao preço a ser pago.

Docetismo. Uma heresia antiga que afirmava que a humanidade de Cristo erasomente aparente, e não real.

Eclesiologia. A doutrina da Igreja (do grego ekklēsia, que significa“assembleia”).

eleição. A doutrina da eleição de Deus na salvação daqueles que se tornaramcrentes.

Escatologia. A doutrina do fim dos tempos (do grego eschatos, que significa“último”).

a queda. O pecado de Adão e Eva, que levou à propagação do pecado paratoda a humanidade.

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imago Dei. Expressão latina que significa “a imagem de Deus”, descrevendoCristo como o portador da plena imagem divina na sua encarnação.

encarnação. A doutrina de Cristo assumindo a forma humana.

inclusio. Uma forma intencional de organização de palavras, frases ou ideiasem um modelo ABBA (por exemplo, “ela disse... disse ela”).

intertextualidade. O uso aparentemente consciente feito por um autor doNovo Testamento de uma linguagem oriunda de uma passagem do AntigoTestamento em um novo contexto para os leitores cristãos.

justificação. Um entendimento da salvação a partir da perspectiva de estarliberto da escravidão da Lei.

A Ceia do Senhor. A linguagem utilizada por Paulo para se referir ao queviria a se tornar a cerimônia eclesiástica da Ceia do Senhor.

Messias. O libertador divino ansiosamente aguardado pelos hebreus.

oração-desejo. Uma oração escrita que, indiretamente, expressa uma oraçãoa Deus tendo em vista os destinatários e em favor deles.

pressuposto. Uma crença contextual que é tida como verdadeira em vez deser defendida, e que normalmente serve de fundamento para outras crençasou argumentos.

progenitura. Um grupo específico de herdeiros de uma determinadalinhagem familiar.

Saltério. O livro dos Salmos (Antigo Testamento).

redentor. A pessoa que compra outra de modo a libertá-la do estado deescravidão.

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redenção. O ato de comprar uma pessoa de modo a libertá-la do estado deescravidão.

Soteriologia. A doutrina da salvação (do grego sōtērion, que significa“salvação”).

suserano. Um governante ou soberano.

trinitário. Um adjetivo usado com referência à Trindade divina.

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Vide também segundo AdãoAdonai, 135, 158, 192, 206adoção, 68, 129, 138, 212, 215

Vide também filiaçãoagradar(ável), 204aliança

Abraão, 33davídica, 124nova, 30, 35, 73-77, 81, 88, 120, 166, 168antiga, 33renovação, 164

amor, 41, 137, 194, 214andar, 39, 40, 169, 199anjos, 175anthrōpos, 79, 80, 97Antigo Testamento, 34, 115-116, 128, 154, 173, 179, 198, 200, 204, 207Apolinarianismo, 71apostolado de Paulo, 31, 74, 105, 109-110, 129, 146, 152-154, 202-203

Vide também chamado de Pauloarchē, 86assembleia, 204ausência de pecado em Cristo, 67, 101autoria de Paulo, 59, 64, 99

Bbatismo, 38, 125-126bênção, 187-188, 198, 219

CCaminho de Damasco, experiência no, 112, 115, 150, 188

Vide também conversão de Paulo

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chamado de Paulo, 32-33, 105, 108, 129Vide também apostolado de Paulo

Cânticos do Servo, 33caráter de Cristo, 32, 61carne, 67, 74, 99cartas de Paulo, 54, 55, 71, 106, 166, 167, 174, 188, 194, 203, 217casamento, 42Ceia do Senhor, 44-47, 96crença, 54, 64, 164

Vide também féCristologia

Adão, 80-81, 84, 88pressuposta, 60, 70devoção, 44superior, 46, 47, 50, 187, 206, 207, 209encarnacional, 53-55Kyrios/Senhor, 43, 69-70, 126, 147, 149, 154salvação/soteriologia, 27, 40, 53Filho de Deus, 85, 106, 125-126, 127, 131, 141, 145-146, 215trinitário, 216, 217-218

circuncisão, 31, 75, 118-119Colossos, 48, 58-59, 130Colossenses, erro dos, 60comportamento, 40, 57, 75, 90, 113, 166conceder, 203confortar, 200conhecimento, 43, 90-100, 159Constantino, 28cosmovisão de Paulo, 42, 47conversão dos crentes, 166, 168

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conversão de Paulo, 109-110, 113-114, 146, 188Vide também experiência no Caminho de Damasco

Corinto, 32 nota 4, 36, 42, 45, 47, 55, 58, 61, 78, 79, 83, 96, 108, 168, 193corpo, 78-79, 80, 108, 155

Vide também ressurreiçãocorpus paulino

Vide cartas de Paulocriação

agenciamento de Cristo, 55-61, 118, 144-145, 161narrativa, 72, 85, 115-117nova, 31, 37-41, 75, 76, 86, 138poder, 203soberania, 39

Vide também Gênesiscriador, 77, 87

culto (como adoração), 44, 48, 49, 51cruz/crucificado, 29, 58, 63, 74, 75, 89, 91-92, 100-101, 106-115, 157, 164,192, 193

DDahl, Nils, 106, 109Daniel, 178David, Rei, 105, 116, 123, 124, 125, 127, 128, 195Declaração de Niceia, 221Dia do Senhor, 172, 173

Vide também Escatologiademônios, 159Deus

assembleia, 204-205estar em Deus, 196-197condena o pecado, 67

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maldição, 113eleição, 35o Pai, 41, 44, 50, 57, 59, 85, 95, 130, 133-136, 139-143, 144-145, 151-152,156-157 nota 1, 160, 162, 181, 185, 196-197, 207, 209-210, 211, 215, 216,220, 222temor, 205loucura, 107, 111, 112conceder, 203propósito, 40juiz, 177-181semelhança, 37único, 42, 55, 56, 70, 151, 159, 189, 206, 209, 216, 217, 218, 220-221agradar(ável), 204poder, 58, 113, 203prerrogativas, 196-206presença, 35, 199redenção, 29relacionamento com, 76salvação, 31, 219filho (Israel/rei), 123-124soberania, 39e o Espírito, 211, 212, 217terminologia, 42verdadeiro, 46vontade, 204sabedoria, 58, 108, 112, 113, 193

Vide também divindade de Cristo; Monoteísmo; Filho Yahwehdevoção a Cristo, 41-52divindade de Cristo

fé em, 54

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humanidade, 71, 89, 90juiz, 177, 183Senhor, 158Ceia do Senhor, 47oração, 50pré-existência, 64prerrogativas, 196-206Salvador, 69Shemá, 56Theos, 156-157 nota 1e a Trindade, 216, 218, 221culto (como adoração), 49

Docetismo, 69

Eeikōn, 81, 82, 83, 84, 86-88

Vide também imagem de Deusekklēsia, 34

Vide também igrejaeleição, 35Emerson, Ralph Waldo, 156-157 nota 1empobrecimento de Cristo, 61-64em Cristo, 196-197encarnação, 41, 51-55, 59, 60, 61, 62, 63, 64, 67, 69, 79, 80, 87, 97, 131, 161,207, 215

Vide também humanidade de Cristoensinamentos de Jesus, 93-96envio de Cristo, 64-69, 99Éfeso, 31, 156Escatologia, 27, 28-29, 43-44, 73-74, 152, 164-165, 171-173

Vide também dia do Senhor; parúsia

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escândalo, 108-109, 112escravo (servo), 87Espírito

e Cristo/Filho, 65, 140, 205-206, 209-210, 211, 212, 213-214, 215, 216,221e a igreja, 220vinda, 29e o Pai, 211, 212, 216, 221dom(ns), 28, 140imagem de Deus, 39habitação, 31, 147, 211, 213, 216, 219vida, 67, 85, 138manifestação, 189, 218pessoa, 210-213, 214redenção, 215salvação, 212-215, 220enviado, 137, 215

Etã, o ezraíta, 125Eucaristia, 45

Vide também Ceia do SenhorEva, 77evangelho, 201, 219Evangelhos, 90, 94-95, 125-127, 135exaltação, 164, 173, 209exílio, 116êxodo, 116, 119-121, 123

Ffé, 30, 31, 32, 75, 119, 219, 220

Vide também féfidelidade, 49, 127, 201

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Filipos, 62, 63, 92, 111Filho

agente da criação, 56-57, 59, 117-119, 144-145Cristologia, 84, 105, 106, 126-127, 128, 131, 141, 145, 146-147, 216devoção, 41-42divino, 56, 65, 70eterno, 133-136, 139, 141, 142e o Pai, 129-131, 133-136, 139-143, 160, 162, 185, 196-197, 207, 209,216, 218, 221imagem, 77, 143-144, 215encarnação, 41, 70Messias, 85, 91, 117pré-existente, 41, 56, 70, 103, 162, 209redentor, 143, 215relacional, 141-142

filho de Davi, 127, 128filiação, 66, 124, 127, 134, 136-137, 212, 215

Vide também adoção; Filho

GGalácia, 31, 65, 75, 91, 109, 111, 112, 136Gênesis, 72, 83, 85, 88, 142,gentios, 31, 33, 35, 65, 75, 119, 120-121, 154, 164, 217, 219glória, 82, 173, 202gloriar-se, 191gnosis, 159graça, 197-198, 219

HHengel, Martin, 147heterodoxo, 151-152

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histórico, Jesus, 89, 90, 96-101, 107, 115, 125-127Vide também vida de Cristohumanidade, 87humanidade de Cristo, 61, 62, 63, 66, 69, 70, 71, 77, 79, 84, 85, 89, 96-101Vide também encarnaçãohinos, 48-49

Iigreja, 30, 34, 35-36, 44-45, 47, 220

Vide também povo de Deusimagem de Deus, 29, 30-41, 58, 59, 76, 81-88, 138, 144

Vide também eikōnimitação de Cristo, 92-93irmãos de Jesus, 92ímpios, os, 181-184inglês, traduções, 32, 34, 63, 74, 79, 87 nota 5, 110, 115 nota 2, 165, 197 nota1intercessão de Cristo, 155, 213interpretação de Paulo, 54Isaque, 119, 142Isaías, 33, 176Israel, 33, 43, 45, 56, 75, 116-117, 120, 121, 123, 125, 126, 127, 128, 130,162, 164, 168, 169, 172, 203

JJeremias, 43Judeus

e Abraão, 119Bíblia, 118, 135blasfêmia, 27 nota 1e os gentios, 33, 35, 75, 164, 219

Page 278: Jesus o Senhor Segundo o Apóstolo Paulo: Uma Síntese Teológica

e Deus, 135, 159, 167, 179-180, 217e Jesus, 126Messias, 91, 92, 100, 103, 105, 106, 108, 109, 111, 114, 123, 125, 127-128, 129-131, 154Paulo, 28 nota 2, 47, 55, 187linguagem do Filho de Deus, 146

Joel, 164-165, 166juiz, 171-172, 176, 177-184

KKyrios

Cristologia do, 149-150criação, 161grego, 156-157, 162, 165, 170imperador romano, 176título de Cristo, 27 nota 1, 144, 156-157, 158, 161, 186e Yahweh, 156-157, 172, 177, 183, 191-208

Vide também Senhor

Llinguagem de Paulo, 43, 45-46, 54, 62, 67-68, 145-146, 153, 154, 156-158,161, 164, 173, 175, 177-178 nota 1, 179, 191-192, 203, 207lei, 91, 116, 121, 154

Vide também ToráLucas, 33, 45, 96

MMarana tha, 51, 150, 154, 188Messias

crucificado, 58, 92, 106-115, 157, 164, 193Deus, 156-157 nota 1

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judeu, 91, 92, 100, 103, 105, 106, 109, 110, 112, 114, 123, 127-128, 129-131, 154Senhor, 154, 157, 164, 183Filho de Deus, 85, 127-128, 129-131, 138

ministério de Jesus, 125Monoteísmo, 41, 44, 55, 57, 151, 159-161, 208, 209, 217morphē, 87, 97Moisés, 123, 162, 194, 202morte, 65, 73, 77-78, 80, 89, 136morte de Cristo, 27, 29, 38, 39, 67, 74, 80, 91-92, 100, 101, 143

Nnome de Cristo, 158-170, 173, 184, 206-207

Vide também título de CristoNovo Testamento, 34, 117, 154, 192, 199, 208, 216

Oobra de Cristo, 40-41, 53, 64, 66, 67, 103, 203obras, 40, 113oração, 49-51, 140, 156, 168, 184-190, 195, 198Oseias, 123

PPaganismo, 46-47, 55, 159, 161palavra de Deus, 200parúsia, 174-177Pascoa, 46paz, 198pecado, 67, 68, 77, 89, 99, 101perseguição, 27 nota 1, 110, 111pessoa de Cristo, 25, 103, 105, 203

Page 280: Jesus o Senhor Segundo o Apóstolo Paulo: Uma Síntese Teológica

poder, 203povo de Deus, 27, 29, 30-37, 41, 77, 154, 164, 166-169predestinação, 85pré-existência, 41, 51, 53-54, 56, 57, 60, 61, 65, 68, 88, 103, 128, 133-136,144, 147, 161, 162, 206, 209primogênito, Cristo como o, (prōtotokos), 39, 59, 84, 85, 86, 119-120, 129primícias, 158princípioVide archēprofetas, 172

Qqahal, 34

Vide também igrejaQueda, 29, 39, 63, 67, 88, 97, 138

Rredenção, 55, 61-64, 65, 136-138, 139-140, 160, 203, 215, 216, 217-218reinado, 120, 124, 125, 136, 155reinado de Cristo, 155, 157reino de Deus, 125ressurreição

dos crentes, 77-78, 79, 81-82, 108, 155de Cristo, 27, 29, 38, 59, 77-78, 79, 81, 82, 91-92, 108, 152-158,162-163, 164, 177, 215, 216

Vide também corporevelação, 27, 32, 146, 176, 193, 221ressurreto,

Vide ressurreiçãoRoma, 31, 105-106, 127, 164, 176

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SSabedoria, 58, 117sacrifício, 137, 142santo

vide os santossantos, 33, 166, 174Santo Espírito

Vide Espíritosalvação

comportamento, 40filhos de Deus, 136-139e a igreja, 30propósito, 30-37gramática, 27, 42escatológico, 27, 28-29meio, 29mediador, 51nova criação, 37-41resultado, 37triplo/triádico/trinitário, 28, 70, 211, 212, 216, 217-218, 220, 221

Saltério, 43, 49, 66, 85, 103, 124, 154, 175Saulo de Tarso, 27 nota 1, 28 nota 2, 110, 111, 112, 135Salvador, 39, 51, 53, 69, 85, 90, 136-139segundo Adão, 38, 39, 71, 77-81semelhança com Cristo, 40, 166Senhor

divino, 151exaltado, 103, 126, 152-158juiz, 176, 177-184nome/título de Cristo, 149-150, 160-161, 162, 164, 166-167, 170

Page 282: Jesus o Senhor Segundo o Apóstolo Paulo: Uma Síntese Teológica

oração, 184-190pré-existente, 64e Yahweh, 162, 171-172, 176, 177-183, 191-208

Vide também KyriosSeptuaginta, 115 nota 2, 124, 142, 156, 158, 160, 163, 165, 172, 173, 182,

191-195Shemá, 42, 46, 55, 56-57, 145, 159, 160, 163, 218solteirismo, 42Soteriologia,

Vide salvaçãosubordinação, 151suserano, 39

Ttemor, 205templo, 35tentação de Jesus, 125-126Teologia, 30, 38, 39, 40, 41, 53Tessalônica, 27, 91, 174, 175, 194título de Cristo, 114, 127-128, 149, 158

Vide também nome de CristoTorá, 65, 66, 98, 110, 111, 121, 140

Vide também leiTrindade, 28, 70, 151, 188-190, 208, 209-222

Vvida, 80-81vida de Cristo, 51, 74, 90-93

Vide também Jesus históricovinda de Cristo

Vide Escatologia; parúsia

Page 283: Jesus o Senhor Segundo o Apóstolo Paulo: Uma Síntese Teológica

visão, aparição em forma de, 152-153vontade, 204

YYahweh

e Cristo, 43, 46, 49, 174-175, 193, 197, 201, 202, 203, 207como Pai, 57e Israel, 168, 169, 172juiz, 176, 177, 180, 183e Kyrios/Senhor, 27 nota 1, 49, 126, 156-157, 162, 163, 171, 172, 173, 176,177-183, 191-208nome, 27 nota 1, 156, 158, 164, 184Páscoa, 46filho, 123-125Vide também Deus

Page 284: Jesus o Senhor Segundo o Apóstolo Paulo: Uma Síntese Teológica
Page 285: Jesus o Senhor Segundo o Apóstolo Paulo: Uma Síntese Teológica

Gênesis1 - 82, 861–2 - 161–3 - 731.1 - 861.26,27 - 39, 772–3 - 634.1 – 101 nota 34.25 - 101 nota 39.6 - 7712.2,3 - 3322 - 85, 13822.1-19 - 13622.2 - 120, 14122.12 - 14222.16 -119, 120

Êxodo3.1-6 - 1624.22 - 1204.22,23 - 123, 1256.6 - 12019.5,6 - 3331.2-5 - 20336.1 - 20336.1,2 - 203

Números16.5 - 166

Deuteronômio6.4 - 55, 159

Page 286: Jesus o Senhor Segundo o Apóstolo Paulo: Uma Síntese Teológica

6.13 - 125, 1698.3 - 12519.15 - 21221.23 - 11230.6 - 3530.14 - 16433.12 - 194

Juízes6.12 - 195

2 Samuel7.12-14 - 124

7.18, LXX - 124

1 Reis5.5 - 162

1 Crônicas29.18 - 186

Rute2.4 - 194

Salmos1–41 - 1242 - 1242.2 - 1242.7 - 103, 1252.7,8 - 1248.6 - 130

Page 287: Jesus o Senhor Segundo o Apóstolo Paulo: Uma Síntese Teológica

19.14 - 20424 - 16124.1 - 16142–72 - 12447.5 - 174, 17568.35 - 18272 - 12472.1 - 12472.20 - 12488.27,28, LXX - 12489.5-18 - 20389.7 - 18289.20,21 - 12589.20-38 - 12589.26,27 - 85, 120, 12494 - 17794.1 - 177104.30 - 66110 - 156110.1 - 16, 103, 126, 130, 152, 155, 158118.22,23 - 126145.3-13 - 203145.18 - 195

Provérbios1.7 – 180 nota 38.22-31 - 589.10 - 20516.7 - 204

Isaías

Page 288: Jesus o Senhor Segundo o Apóstolo Paulo: Uma Síntese Teológica

2.2-5 - 332.6-22 -1732.10 - 18211.4 - 18311.10 - 3326.13 - 16640–66 - 3840.13 - 19342.6 - 3343.18,19 - 3845.18-24 - 16345.23 - 101, 16349.6 - 3354.1 - 3365.17 - 3865.17-25 - 7366 - 18266.4-6 - 16866.5 - 16866.15 - 175, 17666.22,23 - 38

Jeremias9.13 - 175, 1769.23 - 1929.23,24 - 1929.24 - 43, 191

Daniel2.22 - 1787.14 - 34

Page 289: Jesus o Senhor Segundo o Apóstolo Paulo: Uma Síntese Teológica

7.18 - 337.22 - 33

Oseias11.1 - 123

Joel1.15 - 1732.1-11 - 1732.32 - 165, 166

Amós5.20 - 173

Miqueias4.1,2 - 334.1-5 - 1694.5 - 169

Sofonias

3.9 - 33

Zacarias8.20-22 - 3314.5 - 17414.16-19 - 33

Novo Testamento

Mateus5.32 - 95

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6.9 - 9519.9 - 9521.33–22.46 - 12626.26-29 - 96

Marcos10.11 - 9512.1-37 - 12612.10,11 - 12612.13-17 - 12612.18-27 - 12612.28-34 - 12612.35-37 - 15412.36 - 12614.22-25 - 9614.36 - 141

Lucas1.28 - 1952.40 - 893.22 - 1254.4 - 1254.8 - 1254.14-21 -12510.7 - 9616.16 - 9521.9-47 - 12622.17-20 - 96

João

Page 291: Jesus o Senhor Segundo o Apóstolo Paulo: Uma Síntese Teológica

1.1-18 - 207

Atos9.1,2 - 1109.15 - 3117.11 - 1826.12-18 -15326.17,18 - 33

Romanos1.1-4 - 1281.2,3 - 1271.2-4 - 911.3 - 99, 1001.3,4 - 1061.4 - 1281.5 - 311.7 - 2121.16 - 2031.20 - 2032.29 - 353.23 - 1013.30 - 2174.9-11 - 1194.12 - 1194.18-25 - 1194.25 - 295 - 78, 815.1-11 - 2195.2 - 2025.5 - 215

Page 292: Jesus o Senhor Segundo o Apóstolo Paulo: Uma Síntese Teológica

5.5-8 - 2145.6-8 - 1435.8 - 2155.12-21 - 71, 805.12–8.29 - 806.1-14 - 387.4-6 - 38, 677.22,23 - 678 - 67, 118, 129, 138, 142, 2168.1-30 - 848.2 - 678.2-4 - 678.3 - 67, 98, 99, 129, 136, 138,141, 142, 2228.3,4 - 2148.8 - 179, 2048.9 - 205, 210, 213, 2168.9,10 - 84, 214, 2168.9-11 - 195, 2128.11 - 2118.14 - 142, 2118.14-16 - 1408.14-17 - 138, 2138.14-18 - 1368.15 - 94, 140, 147, 2128.15-17 - 2148.16 - 2118.17 - 129, 1428.26 - 211, 2138.26,27 - 211

Page 293: Jesus o Senhor Segundo o Apóstolo Paulo: Uma Síntese Teológica

8.27 - 2138.28 - 41, 2118.29 - 39, 84, 85, 129, 138, 1448.31-39 - 2198.32 - 68, 85, 118, 119, 136, 139,141, 142, 1438.34 - 103, 155, 2139.1-5 - 1149.3-5 - 1279.5 - 91, 99, 100, 106, 115, 1569.6 - 20010.4 - 12110.9 - 150, 165, 20610.9-13 - 159, 16410.13 - 165, 16610.15 - 20211.1 - 19511.36 - 57, 5912–14 - 4012.1,2 - 20413.14 - 4014.10 - 18114.11 - 10114.12 - 18114.18 - 20415.5-13 - 3115.6 - 3115.9-12 -3115.15–19 - 3215.16 - 214

Page 294: Jesus o Senhor Segundo o Apóstolo Paulo: Uma Síntese Teológica

15.18,19 - 21415.30 - 21415.33 - 19816.3-15 - 10616.18 - 11416.20 - 198

1 Coríntios1.1 - 2041.2 - 159, 165, 1661.4 -7 - 2141.8 - 1721.9 - 2011.10 - 1701.10-12 - 1921.10–4.21 - 1781.13–2.5 - 1081.17 - 2021.18-25 - 108, 1881.18–2.5 - 17, 1931.20,21 - 371.20-25 - 911.21-24 - 1121.22 - 911.22-25 - 107, 2031.23 - 1081.25 - 108, 1891.26-28 - 1921.26-31 - 108, 1921.27 - 37, 1631.31 - 191, 192

Page 295: Jesus o Senhor Segundo o Apóstolo Paulo: Uma Síntese Teológica

2.1-5 - 1082.4,5 - 2142.6-10 - 912.6-16 - 192, 193, 2122.7 - 2122.9 - 412.10 - 211, 2122.11 - 2112.12 - 213, 2142.13 - 2112.16 - 193, 2133.5 - 2033.16,17 - 353.19 - 374.4 - 1784.4,5 - 1784.5 - 1794.19 - 2045 - 2035.1-13 - 365.3 - 2035.4 - 2035.4,5 - 365.5 - 1725.7 - 365.7,8 - 465.8 - 455.13 - 366.1-6 - 366.1-11 - 168

Page 296: Jesus o Senhor Segundo o Apóstolo Paulo: Uma Síntese Teológica

6.1-12 - 366.2 - 376.5 - 366.7,8 - 366.9 - 1686.9,10 - 366.10 - 1686.11 - 167, 168, 2146.19,20 - 2147.10 - 95, 1577.12 - 1577.19 - 327.32 - 42, 179, 2047.34 - 427.35 - 428.4 - 2178.4-6 - 1608.5 - 1608.6 - 57, 117, 163, 157 nota 1,159, 160, 162, 217, 2228.10 - 1538.11 - 56, 579.1 - 113, 150, 152, 2029.5 - 929.14 - 9610 - 4610.3,4 - 4510.3-10 - 4510.4 - 56, 12110.9 - 56, 121

Page 297: Jesus o Senhor Segundo o Apóstolo Paulo: Uma Síntese Teológica

10.13 - 20110.13-22 - 16010.14-22 - 5610.16,17 - 4510.17 - 4510.20 - 4710.21 - 4410.23–11.1 - 16110.25 - 16110.26 - 16110.31 - 20210.31-33 - 9311.1 - 9211.17-34 - 4511.20 - 4511.23 - 46, 15711.23-25 - 9611.25 - 3511.32 - 4712-14 - 45, 193, 21812.3 - 150, 206, 21412.4 - 206, 21612.4-6 - 70, 140 189, 218, 22112.6 - 21712.11 - 211, 21712.13 - 22014.33 - 34, 19814.36 - 20015 - 77, 79, 80, 129, 15615.1-11 - 78, 79

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15.3 - 69, 10815.3,4 - 2915.8 - 113, 152, 15315.12-34 - 78, 7915.20 - 15815.21,22 - 71, 77, 8215.22 - 7815.22-25 - 13615.23-27 - 12915.23-28 - 13415.24 - 91, 129, 134, 15815.25-27 - 15415.27 - 155, 15815.28 - 13415.35-38 - 7815.35-49 - 79, 8215.44-49 - 7815.45 - 21215.47 - 7915.49 - 79, 8216.7 - 20416.22 - 51, 150, 154, 187, 188

2 Coríntios1.3 - 135, 1371.18 - 2011.21,22 - 2142.17 - 2003–4 - 833.6 - 2113.6-17 - 35

Page 299: Jesus o Senhor Segundo o Apóstolo Paulo: Uma Síntese Teológica

3.16-18 - 2143.17 - 210, 212, 2133.17,18 - 393.18 - 82, 2024.2 - 2004.4 – 83, 138, 144, 2024.4-6 - 82, 844.17 - 435.2-4 - 1795.8 - 435.8,9 - 2045.9 - 1795.9-11 - 1795.10 - 180, 2055.11 - 180, 2055.14-17 - 745.14-21 -385.15 - 745.16 - 745.17 - 73, 745.18 - 2035.21 - 1016.16 - 358.9 - 61, 198, 22210.1 - 9310.2-4 - 3711.31 - 57, 135, 13712.1-5 - 15312.7 - 5112.8,9 - 187, 188

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12.9 - 51, 189, 198, 20313.1 - 21213.11 - 19813.14 - 140, 188, 220

Gálatas1.13,14 - 1101.15,16 - 32, 109, 110, 1461.16 - 1291.17 - 1131.19 - 922.20 - 69, 100, 137, 1433 - 1183.1 - 2143.5 - 2143.10-14 - 1133.16 - 99, 100, 1183.20 - 2173.26-29 - 753.28 - 35, 38, 763.29 - 1184.4 - 41, 65, 91, 143, 215, 2224.4,5 - 66, 67, 984.4-7 - 65, 136, 197, 2144.6 - 66, 94, 139, 147, 205,210, 211, 213, 2154.19 - 404.24 - 354.27 - 335 - 405.16 - 40

Page 301: Jesus o Senhor Segundo o Apóstolo Paulo: Uma Síntese Teológica

5.17 - 2115.18 - 2115.22,23 - 2116.14-16 - 756.15 - 736.16 - 75

Efésios1.3 - 57, 135, 1371.3-14 - 2191.4 - 351.6 - 136, 1421.11 - 351.13,14 - 2201.17-20 - 2141.19-23 - 1551.20 - 2131.20,21 - 1562.17,18 - 2142.19-22 - 2142.20 - 353.16 - 2113.16-19 - 2144.3 - 2204.4 - 206, 2164.4-6 - 70, 2204.6 - 217, 2204.20-24 - 384.30 - 2115.18,19 - 49, 2145.20 - 169

Page 302: Jesus o Senhor Segundo o Apóstolo Paulo: Uma Síntese Teológica

6.24 - 41, 44

Filipenses1 - 971.1 - 361.6 - 1721.8 - 43, 931.9,10 - 1721.11 - 2021.19 - 211, 213, 2141.23 - 442 - 882.3,4 - 632.6 - 62, 87, 97, 146, 162, 1842.6,7 - 622.6-8 - 61, 62, 87, 96, 137, 2222.6-11 - 622.7 - 62, 68, 92, 972.7,8 - 1622.8 - 63, 972.9 - 1622.9-11 - 159, 161, 162, 1642.10 - 1632.10,11 - 1652.11 - 150, 2063 - 1213.3 - 192, 2143.4-6 - 109, 1113.4-14 - 38, 433.5 - 1943.7 - 111

Page 303: Jesus o Senhor Segundo o Apóstolo Paulo: Uma Síntese Teológica

3.8 - 43, 1923.10 - 1923.15-17 - 934.5 - 1954.5,6 -1954.7 - 1984.9 - 1984.18 - 2044.19 - 202

Colossenses1.3 - 135, 1371.10 - 1991.12,13 - 1341.12-14 - 1451.12-16 - 1191.13 - 59, 85, 130, 135, 141, 1441.13,14 - 911.13-15 - 1361.13-17 - 130, 1461.15 - 39, 59, 77, 84, 85, 86, 1441.15,16 - 1171.15-17 - 85, 1451.15-18 - 481.15-20 - 55, 58, 60, 77, 1441.15-23 - 481.16 - 59, 601.18 - 59, 77, 85, 1451.18-20 - 85, 861.19 - 60, 691.19,20 - 86

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1.20 - 591.25 - 2002 - 1212.20–3.11 - 772.6 - 602.6-23 - 1202.8 - 602.9 - 60, 2222.10,11 - 393.1 - 1553.1-11 - 383.8-11 - 763.10 – 76, 863.10,11 - 1453.11 - 383.12 - 353.12-17 - 1693.16 - 48, 2143.17 - 167, 1693.24 - 1144.15,16 - 169

1 Tessalonicenses1.1 - 1961.4 - 35, 1941.6 - 911.6,7 - 931.8 - 2001.10 - 432.2 - 2012.8 - 201

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2.9 - 2012.14,15 - 1572.15 - 91, 2042.19 - 1993.2 - 2013.11 - 50, 1853.11-13 - 174, 184, 1993.12,13 - 50, 185, 2003.13 - 174, 1994 - 1744.1 - 179, 2044.6 - 1774.14 - 1744.15 - 94, 157, 2004.16 - 1744.17 - 435.2 - 1725.23 - 1985.24 - 2015.27 - 167, 1695.28 - 198

2 Tessalonicenses1.1 - 1961.2 - 1951.3-10 - 2011.6-10 - 1831.7 - 1741.7,8 - 175, 176, 1821.8 - 2011.9 - 182

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1.9,10 - 1811.10 - 1821.12 - 168, 1762.1 - 432.1,2 - 1722.8 - 1832.12 - 352.13 - 1932.13,14 - 2142.14 - 2022.16 - 1952.16,17 - 50, 184, 185, 186, 200, 2013.1 - 2003.3 - 200, 2013.5 - 50, 184, 1863.6 - 167, 1693.12 - 167, 1693.16 - 50, 185, 194, 198

1 Timóteo1.13 - 1121.14 - 1981.15 - 68, 69, 2221.17 - 2172.5 - 69, 2172.5,6 - 973.16 - 69, 975.18 - 966.13 - 92

2 Timóteo

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1.9,10 - 64, 2221.14 - 2112.8 - 992.9 - 2002.19 - 1662.22 - 159, 166, 167

Tito2.5 - 2002.13 - 1563.4-7 - 214

Filemom2 - 134

1 João2.22,23 - 141

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Exegese? Para quê?Fee, Gordon D.

9788526319608

416 páginas

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Nesta obra, temos a oportunidade de vislumbrar 25 anos daprodução intelectual de um dos maiores estudiosospentecostais do Novo Testamento da atualidade, GordonFee. São 21 artigos de estudos textuais, exegéticos eteológicos sobre as mais variados passagens do NovoTestamento, entre eles, Paulo como um dos primeirospensadores trinitários, a liberdade e obediência de acordocom Paulo, a cristologia e pneumatologia do NovoTestamento e muito mais. São estudos primorosos quedemonstram o domínio que Fee tem na tarefa exegética eilustram o objetivo da exegese a serviço da comunidadecristã.

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História dos HebreusJosefo, Flávio

9788526313491

1568 páginas

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Em História dos Hebreus o autor escreve com detalhes osgrandes movimentos históricos judaicos e romanos.Qualquer estudante da Bíblia terá em Flávio Josefodescrições minuciosas de personagens do Novo Testamento(Evangelhos e Atos), tais como: Pilatos, os Agripas, osHerodes e inúmeros outros pormenores do mundo greco-romano, tornando esta obra, depois da Bíblia, a maior fontede informação sobre o povo Judeu. Um produto CPAD.

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O TabernáculoCabral, Elienai

9788526318687

160 páginas

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Estudar o Tabernáculo leva a um profundo conhecimentobíblico que revela verdades espirituais para a vida e a umareflexão sobre o tipo de relacionamento que Deus sempreprocurou com Seu povo. E ainda hoje Ele busca habitar emnosso meio, rompendo as barreiras do pecado que insistemem nos separar. O Tabernáculo era a presença física deDeus na terra para que os homens pudessem ver amanifestação da presença divina através de objetos queforam cuidadosamente escolhidos por Deus, entre eles aArca da Aliança. Nesta obra estudaremos sobre oTabernáculo e entenderemos que ele era um tipo perfeito deJesus Cristo, pois Ele também foi a manifestação visível deDeus e habitou no meio do povo. Livro escrito como texto deapoio à revista Lições Bíblicas de Adultos do 2º trimestre de2019 da Escola Dominical, comentadas também pelo autordo livro, pastor Elienai Cabral.

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Heróis da féBoyer, Orlando

9788526311954

272 páginas

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Mais de 300.000 livros vendidos! Um dos maiores clássicosda literatura evangélica. Homens extraordinários queincendiaram o mundo. A cada capítulo uma históriadiferente, uma nova biografia. As verdadeiras histórias dealguns dos maiores vultos da Igreja de Cristo. Heróis como:Lutero, Finney, Wesley e Moody, dentre outros queresolveram viver uma vida de plenitude do evangelho. "Osoluço de um bilhão de almas na terra me soa aos ouvidos ecomove o coração: esforço-me, pelo auxílio de Deus, paraavaliar, ao menos em parte, as densas trevas, a extremamiséria e o indescritível desespero desses mil milhões dealmas sem Cristo. Medita, irmão, sobre o amor do Mestre,amor profundo como o mar, contempla o horripilanteespetáculo do desespero dos povos perdidos, até nãopoderes censurar, até não poderes descansar, até nãopoderes dormir." (Carlos Inwood). Esta obra contém as

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biografias de grandes servos de Jesus. Conheça a vida depessoas verdadeiramente transformadas por Deus e que,por isso, servem-nos como exemplos de vida. Um estímulopara também buscarmos ser reconhecidos comoverdadeiros Heróis da Fé. Um produto CPAD.

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O Governo divino em mãos humanasGomes, Osiel

9788526319073

160 páginas

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A liderança de Davi e de Salomão, como descrito em 1 e 2Samuel contrasta com a conflituosa e instável vivência nolivro de Juízes e ressalta a significância de bons everdadeiros líderes, que tenham compromisso com Deus equeiram, de fato, fazer a Sua vontade. Nesta obra, faremosum passeio pelos livros de 1 e 2 Samuel que compreendem130 ou 140 anos, envolvendo os seguintes personagens:Samuel, Saul e Davi, cada um apresentando algo positivo ealgo negativo.

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