interlúdio - crítica

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Interlúdio -1949 – Alfred Hitchcock Hitchcock é daqueles diretores que dispensa apresentação, tanto entre cinéfilos quanto entre apreciadores casuais da sétima arte. Não é fácil, entretanto, escrever sobre sua obra. Seus medos, fantasias e obsessões se entrelaçam nas entrelinhas de seus filmes de forma sutil e silenciosa. Cada Hitchcock está conectado não só pela maestria técnica de sua direção, mas pelos temas subjetivos repetidos obsessivamente, como motivos imersos em diversos movimentos de uma sinfonia. Interlúdio, obviamente, não se distancia disso. Interlúdio é um suspense noir estrelado por Ingrid Bergman e Cary Grant. Bergman é, Alicia Huberman, a filha de um agente duplo nazista condenado nos tribunais americanos pela sua traição. Suas relações passadas e uma gravação onde declara seu patriotismo, levam o governo americano a recrutá-la, por meio do tradicionalmente Hitchcockiano agente Devlin, para uma missão que envolve espionar nazistas refugiados no Rio de Janeiro. Previsivelmente, os protagonistas se apaixonam e a tensão das dificuldades da missão passa a se confundir com a turbulência causada por esse romance. Filmado apenas um ano após a Segunda Guerra, o filme aproveita o clima de desconfiança da época para causar suspense, mas a questão dos nazistas foragidos dificilmente pode ser considerada um tema central. Comunistas, mafiosos ou qualquer outro grupo de “inimigos públicos” poderiam funcionar muito bem como substitutos, o que nos leva a perceber que esse plano de fundo é apenas um recurso de roteiro. O mesmo utilizado por Orson Welles em seu thriller O Estranho (também de 1949). Outros recursos como esse também aparecem ao longo do filme, como o popular “MacGuffin” (Elemento da história que aparenta motivar o protagonista, mas que, ao final, pouco importa), que aparece aqui como a substância química encontrada na adega do antagonista. Outro elemento deixado em segundo plano é a própria cidade do Rio de Janeiro. Com sua beleza exuberante, a cidade habituada a encantar estrangeiros e a protagonizar os filmes que a escalam, é aqui apenas um recurso exótico do roteiro, se deixando admirar de forma tímida ao longo da película. A mise- en-scène, todavia, não deixa de ser interessante. A mansão e quartel general dos nazistas é grandiosa e carregada de estilo,

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Crítica do clássico "Interlúdio", de Alfred Hitchcock.

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Interldio -1949 Alfred Hitchcock

Hitchcock daqueles diretores que dispensa apresentao, tanto entre cinfilos quanto entre apreciadores casuais da stima arte. No fcil, entretanto, escrever sobre sua obra. Seus medos, fantasias e obsesses se entrelaam nas entrelinhas de seus filmes de forma sutil e silenciosa. Cada Hitchcock est conectado no s pela maestria tcnica de sua direo, mas pelos temas subjetivos repetidos obsessivamente, como motivos imersos em diversos movimentos de uma sinfonia. Interldio, obviamente, no se distancia disso. Interldio um suspense noir estrelado por Ingrid Bergman e Cary Grant. Bergman , Alicia Huberman, a filha de um agente duplo nazista condenado nos tribunais americanos pela sua traio. Suas relaes passadas e uma gravao onde declara seu patriotismo, levam o governo americano a recrut-la, por meio do tradicionalmente Hitchcockiano agente Devlin, para uma misso que envolve espionar nazistas refugiados no Rio de Janeiro. Previsivelmente, os protagonistas se apaixonam e a tenso das dificuldades da misso passa a se confundir com a turbulncia causada por esse romance. Filmado apenas um ano aps a Segunda Guerra, o filme aproveita o clima de desconfiana da poca para causar suspense, mas a questo dos nazistas foragidos dificilmente pode ser considerada um tema central. Comunistas, mafiosos ou qualquer outro grupo de inimigos pblicos poderiam funcionar muito bem como substitutos, o que nos leva a perceber que esse plano de fundo apenas um recurso de roteiro. O mesmo utilizado por Orson Welles em seu thriller O Estranho (tambm de 1949). Outros recursos como esse tambm aparecem ao longo do filme, como o popular MacGuffin (Elemento da histria que aparenta motivar o protagonista, mas que, ao final, pouco importa), que aparece aqui como a substncia qumica encontrada na adega do antagonista. Outro elemento deixado em segundo plano a prpria cidade do Rio de Janeiro. Com sua beleza exuberante, a cidade habituada a encantar estrangeiros e a protagonizar os filmes que a escalam, aqui apenas um recurso extico do roteiro, se deixando admirar de forma tmida ao longo da pelcula. A mise-en-scne, todavia, no deixa de ser interessante. A manso e quartel general dos nazistas grandiosa e carregada de estilo, representando com preciso a suntuosidade daqueles que estavam acostumados com o luxo da preponderante elite nazifascista. O filme repleto de planos interessantssimos para a carreira de Hitchcock, extremamente precisos e elegantes. Tudo no filme preciso e elegante, afinal. A direo de Hitchcock conhecida pela mincia no trato dos aspectos visuais. Seu mais famoso plano, que se inicia mostrando de cima o salo onde ocorre uma festa e termina com um close na mo de Ingrid Bergman, que segura a chave da adega, onde os protagonistas descobririam o segredo nazista, carrega uma sensibilidade arrebatadora e extremamente necessria para o gnero de suspense. A cuidadosa utilizao de closes para forar a ateno do pblico aos elementos importantes da trama influenciou outros grandes diretores de suspense, como o norte-americano David Fincher (que praticamente s utiliza seus closes com essa inteno). A elegncia dos planos e da mise-en-scne se v completa pelo charme dos protagonistas. Ingrid Bergman e Cary Grant representam perfeitamente seus papeis, no sendo toa seu reconhecimento como grandes astros do cinema. O expressivo Claude Rains, como o antagonista Alexander Sebastian, tambm atua de forma brilhante. Sem o nvel de excelncia dos trs seria impossvel conduzir o tenso tringulo amoroso que culminaria em um dos finais mais simblicos e emocionantes de Hitchcock. A escada representa, para Huberman e Devlin, a liberdade e a concretizao de seu romance, enquanto, para Sebastian, sua desgraa. Cada degrau transposto pelos personagens aumenta a tenso da cena. O desespero do antagonista ao encarar as indagaes de seus vingativos comparsas frente situao estranha e sua conscincia de que aquele ser seu final criam um desequilbrio capaz de congelar o pblico, eletrizado.

Tambm interessante ver como, em plena dcada de 40, o filme lida com sexualidade. Nada explicitado, mas sabemos exatamente o que acontece. Hitchcock dribla com sutileza o conservadorismo do cinema da poca. Outra questo que pode ser observada a misoginia arraigada no pensamento da sociedade. Alicia constantemente acusada de devassido e promiscuidade, inclusive pelo seu par romntico, devido ao seu estilo de vida liberal. A personagem , em diversos momentos, desqualificada e vtima de comentrios desagradveis por parte dos personagens masculinos.Interldio pode ser listada entre as maiores obras de Hitchcock, apesar de no ser to nica quanto Um Corpo que Cai ou consagrada como Psicose. O filme cumpre com louvor seu papel e supre as expectativas propostas, diferente de muitos filmes atuais do gnero. No h quem possa questionar sua importncia para as carreiras de Hitchcock, Grant e Bergman, sendo simplesmente essencial para os fs do mestre do suspense.