integração macrosetorial

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Artigo do Possas Revista brasileira de Inovação

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  • Revista Brasileira de Inovao 123

    Elementos para uma integraoMicro-macrodinmica naTeoria do Desenvolvimento Econmico*

    ABSTRACT

    The purpose of this essay is to suggest a mix of Neo-Schumpeterian and Post-Keynesian

    elements that might turn possible an integration of micro and macro dynamical features, so as tosupport a non-orthodox reconstruction of the Theory of Economic Development. Mutually

    compatible theoretical issues are acknowledged and briefly discussed, such as uncertainty (hardor fundamental) and structural instability (without equilibrium), on the structural side, as well asbehavioural ones such as bounded or procedural rationality. The evolutionary Neo-Schumpeterianapproach for the dynamics of firms and markets is shortly reviewed, followed by some well-known dynamic properties stemming from the principle of effective demand, of Kaleckian and

    Keynesian origin e.g. multiplier and accelerator effects, among others. It is argued that their

    integration may provide the basis for a dynamic theory in which micro and macro analyticallevels blend naturally. Such integration will certainly require a disaggregate, multisectoral dynamic

    analysis and instruments. In addition, simulation models should be employed, given the absenceof equilibrium assumptions together with the presence of stochastic variables at the micro level,related to evolutionary processes, especially those of innovative and competitive content.

    KEYWORDS Theory of Economic Development; Macroeconomic Dynamics; Multisectoral

    Analysis.

    JEL-CODES O11 Macroeconomic Analysis of Economic Development; O41 Multisectoral

    Growth Models.

    Mario Luiz PossasProfessor do Instituto de Economia da UFRJ.

    Revista Brasileira de Inovao Vol. 1 Ano 1 Janeiro / Junho 2002

    * O modelo tratado neste artigo est sendo elaborado no mbito de projeto integrado apoiado pelo CNPq.

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    1. Introduo

    Embora passvel de muitas crticas, inegvel que a Nova Economia doDesenvolvimento (doravante NED) desenvolvida pelo mainstream da cinciaeconmica desde o final dos anos 1980 trouxe ao debate sobre odesenvolvimento pelo menos alguns temas relevantes, que, a meu ver, merecemser retomados desde uma perspectiva no-ortodoxa: (i) a prpria recolocaoda questo do desenvolvimento, no s por meio de exaustivas comparaesempricas internacionais, mas enquadrada em termos de teoria econmica, oque havia sido praticamente abandonado desde os anos 1960; (ii) a busca demicrofundamentos embora os que ela utiliza sejam muito discutveis dastrajetrias de crescimento/desenvolvimento, o que era praticamente ausente da

    RESUMOO artigo prope uma combinao de elementos neo-schumpeterianos e ps-keynesianos

    que tornam possvel uma integrao que poderia servir de base a uma reconstruo no-ortodoxa

    da Teoria do Desenvolvimento Econmico. Como fundamentos tericos mutuamente compat-veis so identificados e brevemente discutidos pressupostos estruturais como incerteza (forte oufundamental) e instabilidade estrutural (sem equilbrio), bem como pressupostoscomportamentais como racionalidade limitada ou processual. Em seguida, so expostas as basesevolucionrias neo-schumpeterianas de uma abordagem microdinmica das firmas e dos merca-

    dos que, conjugada aos resultados dinmicos associados ao princpio da demanda efetiva, de

    origem kaleckiana e keynesiana efeitos de tipo multiplicador e acelerador , proporciona umateoria dinmica em que os nveis micro e macro se integram naturalmente. Ao nvel analtico, este

    tipo de integrao requer um tratamento multissetorial, e no agregado, para a macrodinmica.

    Alm disso, devem ser empregados modelos de simulao, dada a ausncia de pressupostos deequilbrio e a presena de componentes estocsticos no mbito microeconmico, associados aos

    processos evolucionrios, especialmente os de tipo inovativo e competitivo.

    PALAVRAS-CHAVE Teoria do Desenvolvimento Econmico; Dinmicas Macroeconmicas;Anlise Multissetorial.

    CDIGOS JEL O11 Anlise Macroeconmica do Desenvolvimento Econmico; O41 Modelos de Crescimento Multissetorial.

    Mario Luiz Possas

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    Elementos para uma Integrao Micro-macrodinmica na Teoria do Desenvolvimento Econmico

    tradio anterior da economia do desenvolvimento, com exceo de algumascontribuies mais recentes de extrao schumpeteriana; e (iii) a preocupao,ainda que freqentemente enquadrada de modo superficial, com os fatoresendgenos do desenvolvimento, destacando-se o progresso tcnico e a presenade retornos crescentes a ele relacionados, o que tem aberto uma perspectiva dedilogo com a tradio schumpeteriana.

    Entretanto, as profundas diferenas em termos de opes tericas emetodolgicas da abordagem do mainstream vis--vis as abordagensevolucionria/neo-schumpeteriana e keynesiana por ns consideradas asreferncias tericas fundamentais para uma construo alternativa tornaminvivel, mesmo a partir de alguns pontos de contato, qualquer tentativa deesforo conjunto, exigindo, ao contrrio, uma demarcao clara das divergnciase das razes desta irredutibilidade. Na tradio de Schumpeter mencionadovrias vezes mas pouco utilizado adequadamente pela NED , bem como deKeynes e dos modelos neo-keynesianos, a teoria do desenvolvimento econmicodeve estar baseada no em pressupostos de equilbrio (ainda que dinmico),mas em decises dos agentes, especialmente de investir, que por sua vez desencadeiam efeitos dinmicos cumulativos de desajuste e de expanso.

    Consideramos que a corrente neo-schumpeteriana, especialmente em suavertente evolucionria, forma com a ps-keynesiana (bem como a neo-keynesiana, mais antiga) no obstante suas diferenas reais ou aparentes aprincipal referncia terico-metodolgica para uma teoria econmica dodesenvolvimento fora do mainstream, como j ressaltado em artigo anterior.1

    Como visto ento, o principal terreno comum, que ao mesmo tempo asdistingue teoricamente do mainstream, a rejeio de dois pressupostos terico-metodolgicos neoclssicos fundamentais, sobre os quais se constroem quasetodos os programas de pesquisa vinculados ao mainstream: o princpio daracionalidade substantiva (maximizadora), mesmo sob informao incompletae incerteza forte; e o do equilbrio de agentes e mercados. Embora obviamenteno restritos s teorias do crescimento e desenvolvimento, tais pressupostostornam-se ainda mais problemticos nestas ltimas, devido maior dificuldade

    1 Ibidem. A corrente neo-institucionalista, embora possua grande margem de compatibilidade e muitos pontos decontato, no se caracteriza especificamente por aportes significativos de natureza terica, e por isso no serobjeto de reviso neste texto.

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    terica e emprica de conciliar seu contedo e suas implicaes fortementeestticas com o carter dinmico do objeto de tais teorias.

    objetivo do presente ensaio indicar as linhas de maior potencial dessascorrentes, em termos de aporte terico passvel de integrao, para uma teoriaalternativa do crescimento e do desenvolvimento econmicos, a partir de umareviso de suas principais contribuies no apenas para esta literatura especfica,mas em particular para os correspondentes fundamentos tericos. A prximaseo elabora o terreno terico-metodolgico comum e as principais diretrizespara uma teoria alternativa que da emergem. A seo 3 reconstitui brevementeas contribuies da literatura ps-keynesiana, no diretamente relacionada aotema central, mas que oferece aportes relevantes a uma teoria geral doinvestimento, crucial em teorias e modelos dinmicos, assim como da vertentechamada neo-keynesiana, mais antiga (principalmente os modelos tradicionais,incluindo o de Kalecki). A seo 4 reconstitui as contribuies da literaturaneo-schumpeteriana/evolucionria, no s as mais especficas ao tema seusmodelos recentes de crescimento e desenvolvimento , como tambm as anlisese modelos de recorte microdinmico, discutindo seus microfundamentos epotencial de integrao com o nvel macro. A quinta e ltima seo prope, emlinhas ainda preliminares, um esquema analtico que integre essas diferentescontribuies numa perspectiva micro-macrodinmica, essencial para tratar ocrescimento e o desenvolvimento econmicos num enfoque alternativo queno apenas seja consistente em termos tericos, mas que tenha potencial deaplicao analtica e modelstica. Segue-se uma breve concluso, apontando paraos principais desafios.

    2. Pressupostos tericos comuns: racionalidade, incertezae instabilidade

    Do ponto de vista metodolgico, em primeiro lugar, diferena dospressupostos adotados nos modelos da NED, os pressupostos correspondentesnos enfoques tanto evolucionrio/neo-schumpeteriano quanto (neo- e ps-)keynesiano no assumem o equilbrio como norma; ao contrrio, extraemimplicaes dinmicas relevantes da presena de desequilbrios. Estes so vistosno apenas como um fenmeno normal da vida econmica no capitalismo,

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    mas como fatores geradores e/ou propagadores de impulsos microeconmicosoriginados em ltima anlise a partir de decises cruciais dos agentes empresariais,dos quais emergem as propriedades bsicas de instabilidade dinmica da estruturaeconmica capitalista, de um lado, e da mudana estrutural e qualitativa quemarca a instabilidade estrutural intrnseca desta economia, de outro lado. Esta uma talvez a divergncia terico-metodolgica fundamental em relao aosmodelos do mainstream, mas de forma alguma a nica, e tem desdobramentosrelevantes, como se ver mais adiante.

    Em segundo lugar, as correntes fora do mainstream com as quais estamostrabalhando adotam (ou so compatveis com) as noes de racionalidadelimitada e processual proposta por Simon, permitindo conciliar o pressupostode racionalidade instrumental do qual a teoria econmica no deve abrir mo,por corresponder a aspectos essenciais da atividade econmica capitalista coma incerteza em sentido forte (Knight e Keynes), caracterstica de um ambienteque gera inevitavelmente lacunas incontornveis de informao, de um lado, ea complexidade da informao, seja no sentido cognitivo (como interpret-la),seja no computacional (sua calculabilidade a custo e tempo aceitveis), de outrolado. Nesse contexto, a racionalidade no invivel, mas pode implicar soluessubtimas (do tipo satisficing, la Simon), mltiplas e dependentes do tempo,levando a possveis estratgias caracterizadas pela adoo racional de rotinas econvenes. Vejamos mais de perto essas questes.

    2.1. Os pressupostos de racionalidade limitada e processual

    Algum princpio de racionalidade essencial para microfundamentarqualquer teoria econmica; portanto, preciso comear por explicit-lo aqui.A noo bsica provm de Max Weber a razo instrumental, que supesimplesmente a adequao de meios a fins. Para ir alm disso, preciso fazerhipteses mais restritivas. No campo neoclssico, faz parte do paradigmaprevalecente assumir adicionalmente (i) maximizao de funo objetivo(utilidade, lucros) e (ii) consistncia das preferncias individuais (prefernciasfracas completas e transitivas). Entretanto, a maioria das posies no-neoclssicas as considera restritivas demais, por serem tidas como (i) inalcanveise, em muitos casos, (ii) um fardo hiper-racional sobre os agentes. sobre (i),

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    mais geral, que se concentra a argumentao predominante fora do camponeoclssico, em torno principalmente das noes de racionalidade limitada(bounded) e processual (procedural) de Simon, por oposio racionalidadesubstantiva (maximizadora) neoclssica.

    bastante claro, mas vale lembrar, que tal limitao no do agente,mas de sua relao com o ambiente: ele maximizaria se pudesse. O que oimpede? Duas condies, tipicamente presentes na economia capitalista: (i)incerteza forte ou fundamental (ou ainda, no essencial, a incertezaKnightiana) e (ii) complexidade. A presena, mais ou menos generalizada,de (i) torna incompletas as funes objetivo, enquanto a de (ii) torna invivelmaximiz-las, por limitaes tanto informacionais quanto computacionais.A rigor, as limitaes informacionais ficam mais claras sob o conceito deracionalidade processual, dentro do qual so vistas como limitaes cognitivas.Admitindo, para simplificar a terminologia, que a complexidade est emltima anlise subordinada incerteza (seguindo Heiner, 1983 e sua noo deC-D gap), pode-se dizer que a posio do agente racional num ambienteincerto necessariamente de interao cognitiva com o mesmo. Informaesno bastam; preciso interpret-las s vezes, como lembrou Simon (1979),o problema de excesso e no falta de informaes , o que requer conhecimentosobre como funciona esse ambiente econmico em sua relao com o agente.Assim, a incerteza no se elimina, embora certamente se reduza, pela simplespassagem do tempo; de certo modo, como se o passado tambm fosse incerto pelo desconhecimento no de informaes, mas das principais relaes decausalidade envolvidas.

    A importncia crucial da incerteza forte para a teoria econmica, comoKeynes (1936) e Simon (1979, entre outros) j haviam ressaltado, que elaaltera as condies de exerccio da racionalidade instrumental por parte dosagentes. Por um lado, se uma deciso econmica deve ser tomada, as lacunas dafuno objetivo devidas incerteza precisam ser preenchidas com hipteses ecenrios sobre acontecimentos futuros plausveis, mas cuja probabilidade no calculvel objetivamente, podendo dar lugar a previses sempre passveis deerros sistemticos. Por outro, a dificuldade de maximizao pode ser contornadapela adoo de regras prticas e rotinas, ou ainda pela adoo de soluessubtimas satisficing, la Simon. Seguem-se duas conseqncias teoricamente

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    fundamentais: (i) como os agentes buscam de alguma forma defender-se contraos possveis prejuzos decorrentes dos (inevitveis) erros de previso, adotamcomportamentos defensivos em busca de proteo (reservas) e/ou flexibilidade(demanda por liquidez, por exemplo); e como, alm disso, (ii) nenhum doselementos expectacionais determinvel de forma unvoca, o processo de decisoracional sob incerteza gera indeterminao no nvel microeconmico; e porextenso em outros nveis, tornando problemtico assumir hipteses de equilbrioj no nvel microeconmico mais bsico.

    essa indeterminao bsica das expectativas e dos processos de decisosob incerteza que torna teoricamente possvel a priori a adoo de diferentesestratgias por parte de um mesmo agente racional, sob incerteza e, portanto,sob racionalidade limitada. irrelevante, nesse contexto, que o agente sejaracional no segundo sentido neoclssico o de conseguir ordenar completa econsistentemente suas preferncias e assim definir uma funo de utilidadeesperada, j que ele no consegue ordenar.

    A questo que possivelmente gera mais incompreenso nesse resultadode que incerteza produz indeterminao num processo decisrio racional cujaimportncia para a teoria econmica, vale repetir, dificilmente poderia sersuperestimada que ele parece contrariar um pressuposto usualmente associadopelo mainstream da cincia econmica racionalidade em geral, quando a rigors est relacionado com a racionalidade substantiva neoclssica: o de que agentesracionais aprendem a partir da experincia ou da observao. Sob essa premissa,erros de previso podem acontecer, mas no poderiam ser sistemticos, comoos modelos de expectativas racionais assumem explicitamente. Por ensaio e erro,e adotando critrios Bayesianos de atualizao de expectativas, seria questo detempo a convergncia entre as expectativas e a tendncia real de um processoeconmico.

    Com base na argumentao anterior, no entanto, no possvel aceitaressa premissa. Supor que os agentes no cometem erros sistemticos de previsoporque aprendem equivale a suprimir, por hiptese, a presena de incertezaforte, diante da qual, por definio, os agentes sempre podem ser surpreendidospor erros no insignificantes, dada a natureza no-calculvel do desconhecimentodo futuro (e no s deste) envolvido. Nesse quadro, faz mais sentido assumirque os agentes racionais, aps a devida experimentao, finalmente aprendem

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    que no aprendem! O aprendizado na economia capitalista se resume quelascircunstncias, que no so muitas, em que ocorrem regularidades importantes(e.g. trajetrias tecnolgicas).

    No diferente a posio a meu ver, essencialmente correta de Davidsonem seu artigo pioneiro (1982/3) e, posteriormente, de Vercelli (1991, cap. 5),quando chamam a ateno para as premissas diametralmente opostas assumidaspor Keynes, de um lado, e pelo modelo de expectativas racionais, de outro: opressuposto de incerteza forte, ao contrrio deste ltimo, implica um ambienteeconmico (capitalista) no qual os processos relevantes so no-ergdicos e no-estacionrios, tornando irrelevante (ou, como props Davidson, irracional...)uma atualizao, bayesiana ou semelhante, de expectativas construdas embase probabilstica. Ressalte-se de passagem uma essencial conseqncia lgicadessa concluso: ela no invalida apenas como reconheceu o prprio Lucas(1981) para o caso de processos no-estacionrios a adoo de expectativasracionais num mundo econmico que no se suponha estacionrio (e, mais queisso, ergdico): a presena de incerteza forte, relacionada biunivocamente aambientes no-ergdicos e no-estacionrios, invalida tambm a aplicao dequalquer noo de racionalidade substantiva ou maximizadora de uma funoobjetivo determinvel (ainda que no determinstica) como microfundamentoda teoria econmica, impondo em seu lugar alguma noo de racionalidadelimitada. O alcance da crtica , portanto, maior do que poderia parecer.

    importante observar tambm que a incorporao de probabilidadessubjetivas, na tradio de Savage ou semelhante, no resolve o problema, comopretende Lisboa (1997). A insistncia de Keynes em que incerteza excluiprobabilidades objetivas no obsoleta (no decorre, por exemplo, de queSavage e De Finetti sejam obviamente muito posteriores, ou ainda que tivesseum ponto de vista objetivista em probabilidades, contra o subjetivista dessesautores); ao contrrio, porque um argumento logicamente geral. Keynestambm considerava que os agentes formam probabilidades subjetivas, atporque no as considerava atributos do mundo real, mas das proposiessobre ele. O problema da falta de objetividade das decises dos agenteseconmicos no mundo real que Keynes assumia como sujeito a incerteza, eportanto no-ergdico e no-estacionrio , que estes no tm elementosobjetivos, no s para formular, mas tambm para atualizar (ou aprender, de

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    forma Bayesiana ou outra) tais probabilidades, assim como as expectativasdecorrentes. Da que as decises mais afetadas por incerteza forte como asde investir sejam indeterminadas, o que obviamente no quer dizer irracionais.

    Probabilidades construdas com base objetiva (ainda que subjetivas nosentido de Keynes) podem ser de duas ordens: baseadas ou no conhecimento(terico) das leis de formao do respectivo fenmeno, ou na freqncia(emprica) observada do mesmo. Processos insuficientemente conhecidosteoricamente (cientificamente) e com poucos elementos (se algum) prvios deobservao por serem, repito a premissa, no-ergdicos e no-estacionrios no podem ser projetados estatisticamente com margem de erro pr-determinada.Foi o que levou Keynes a sugerir que as expectativas econmicas maisimpregnadas de incerteza devam ser descritas por dois atributos, e no apenasum: a probabilidade (subjetiva) e o grau de crena (ou confiana, ou ainda opeso do argumento) depositada pelo agente na previso feita. Esses atributosno so redundantes: para Keynes, pode-se atribuir uma probabilidade alta a umresultado por meio de um clculo cuja base informacional ou cognitiva temconfiabilidade baixa, e vice-versa. Em suma, reduzir (e quantificar) os problemasacarretados pela presena de incerteza apenas a probabilidades subjetivas omitirque o atributo do grau de confiabilidade no mnimo to importante quanto ovalor atribudo probabilidade, e que isso pode por si s mudar qualitativamenteo processo de deciso.

    Finalmente, cabe ainda assinalar o resultado potencialmente drstico deque o ambiente econmico de incerteza forte um ambiente que apresentainstabilidade estrutural (Vercelli, 1991, cap. 4), isto , variabilidade dosparmetros segundo trajetrias que no so determinveis a priori, nem mesmoestocasticamente. No h como supor fundamentos econmicos estveis(preferncias, tecnologia, etc.), que possam definir equilbrios tendenciais, sejacomo em modelos de expectativas racionais ou como em modelos (inclusiveno-neoclssicos) que assumem algum equilbrio de longo prazo. A presenade processos endgenos de mudana estrutural, especial mas no exclusivamenterelacionados a inovaes schumpeterianas promovidas em busca de lucrosextraordinrios (fora do equilbrio), uma condio, alm de universalmentepresente na economia capitalista, inteiramente suficiente para produzir talresultado, que, por sua vez, assegura a permanncia, em graus variados, mas

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    sistemtica, de processos no-ergdicos e no-estacionrios e, com eles, deincerteza forte.

    Em sntese, argumentou-se que, sob incerteza forte, a identificaotradicional de racionalidade com maximizao de funo-objetivo bem definida(o que pode incluir elementos estocsticos) precisa ser abandonada por umanoo de racionalidade limitada, ou ainda, processual. E que isso leva a mltiplassolues para os problemas de deciso racional, seja porque as funes-objetivo lucro esperado, por exemplo possuem lacunas que podem ser preenchidascom diferentes cenrios sob diferentes graus de confiana, seja porque, emlugar de tentar maximiz-las sistematicamente, freqentemente os agentes optempor solues subtimas ou mesmo regras prticas, rotinas ou algo semelhante,o que no exclui mtodos inovadores de obter solues (ver a respeito Dosi eEgidi, 1991). Assim, e apesar da aparncia catica que a presena deindeterminao terica poderia sugerir, regularidades comportamentais so umresultado provvel da presena de incerteza forte e dos comportamentosdefensivos que ela enseja. A instabilidade estrutural, paradoxalmente, induz umgrau considervel de estabilidade comportamental. Nos termos de Heiner (1983),os comportamentos tendem a ser mais estveis que o sistema ambiente, e seroto mais estveis quanto maior o grau de incerteza. Se a presena de regularidades um requisito para construir teorias cientficas, importante constatar que ele tambm satisfeito sob incerteza forte.

    claro que a construo de modelos sob tais premissas mais difcil e sconduz a solues analticas sob hipteses muito restritivas; em geral exigindoanlise por simulao e/ou um esforo terico qualitativo e preliminar deconstruir tipologias de estratgias empresariais e/ou de caractersticas setoriaisda tecnologia e da concorrncia. Do ponto de vista formal, o pressuposto deque sob incerteza e complexidade surgem decises racionais de tipo estratgico,no sentido usual (decises interdependentes no tempo), equivale a admitir queo ambiente econmico no qual elas so formadas no-ergdico e no-estacionrio; o que implica um deslocamento substancial do eixo terico-metodolgico em relao tradio do mainstream.

    As correntes citadas apresentam contribuies relevantes a este tema,embora ainda no sistemticas. Do campo ps-keynesiano evidente a sintoniacom a noo de incerteza, forte (Knight-Keynes) e no-ergodicidade do

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    ambiente econmico, dando lugar a estratgias defensivas e comportamentosconvencionais. Por outro lado, lugar comum que incerteza e complexidadegeram instituies (ainda que estas existam previamente), o que aponta nos para grande parte da herana terica de Keynes, como tambm para ascorrentes neo-institucionalistas. diferena do antigo institucionalismo, taiscorrentes no mais assumem um vis antiterico; ao contrrio, caracterizam-seentre outros aspectos por considerar que as atividades e decises econmicasesto imersas num ambiente socio-institucional que condiciona e at co-determina, por diferentes tipos de feedback, as decises econmicas, de formaque uma teoria econmica relevante deve incorpor-lo em seus fundamentos.De outro lado, por parte dos neo-schumpeterianos notria a filiao,behaviorista aos trabalhos de H. Simon dos fundadores da correnteevolucionria, R. Nelson e S. Winter, que, ao lado de muitos outros tmtrabalhado a idia de diferentes, padres de racionalidade estratgica envolvendocomportamentos rotineiros e inovativos num ambiente incerto e complexo.

    3. Os aportes de Keynes e dos ps-keynesianos

    3.1. Formao de expectativas sob incerteza

    No obstante o interesse e a dificuldade em formular, e eventualmenteformalizar, os problemas de operar com probabilidades subjetivas e a partirdelas tomar decises sob incerteza, a meu ver o problema possivelmente maisdesafiador dessa agenda de pesquisa terica o da formao das expectativassob incerteza, que ganhou particular destaque no programa de pesquisa dacorrente ps-keynesiana. Em outras palavras, trata-se de buscar o quantopossvel sistematizar o contedo das previses (e das respectivas probabilidadessubjetivas, quando for o caso) que, sob incerteza, os agentes constroem eintroduzem em suas expectativas por exemplo, de curto e longo prazos,seguindo Keynes. Este um primeiro aspecto a ser observado: a distinoentre expectativas de longo e de curto prazos, estando as primeiras relativasaos investimentos sujeitas a um grau de incerteza substancialmente maior.A principal conseqncia disso torn-las, em princpio, muito mais exgenas(ainda que no inteiramente) que as de curto prazo.

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    A principal dificuldade que, a qualquer prazo e circunstncia, a presenasistemtica, ainda que varivel, de incerteza retira a possibilidade de efetuarprevises a partir de referncias que sejam claramente mais seguras ou confiveis.No parece haver regra geral: excluda, por hiptese (de que os processosrelevantes no so estacionrios nem ergdicos), a formao de expectativasracionais, diferentes combinaes de expectativas adaptativas (endgenas) comcomponentes exgenos (cenrios, por exemplo) so plausveis.

    Uma das pistas tericas mais promissoras, ainda que nem de longesuficiente, que a formao de expectativas sob incerteza pode tambm aderira procedimentos recursivos de tipo rotinas que ademais representa umafonte adicional (potencial) de regularidades. Em outras palavras, a presenade incerteza (e complexidade) pode induzir no s a rotinas comportamentaisem substituio a procedimentos maximizadores, como visto, mas tambma rotinas expectacionais, em complemento ou substituio a funes-objetivoincompletas por lacunas de informao e cognitivas. Um forte candidato aesse papel a noo de conveno proposta por Keynes (Teoria Geral, cap.12), que, embora formulada no mbito de expectativas de mercadosfinanceiros, pode ser estendida a outros mercados em geral, at porque serefere s expectativas de longo prazo, que por hiptese so as mais sujeitas,pelo tempo mais extenso e menor liquidez envolvidos, a um alto grau deincerteza. E uma das convenes mais simples e por isso provveis (porquede fcil adeso) a projeo do passado recente para o futuro imediato, nafalta de hipteses confiveis de que algo v mudar; na expresso de Keynes, ateoria prtica do futuro.

    A adeso a esse tipo de conveno permite a cada agente acompanhar amaioria, e com ela a tendncia mais provvel, com isso minimizando riscos. Emesmo que no haja adeso porque o agente prefere enfrentar os riscos ,ainda assim a conveno, caso exista, uma referncia crucial para o mercado.Trata-se, numa primeira aproximao, de uma justificativa terica maisconsistente para a adoo de expectativas adaptativas, freqentementedescartadas pela ortodoxia (principalmente novo-clssica) como irracionaisou ad hoc. Em princpio mais adequadas s decises de curto prazo (produoe preos), nada impede estend-las para o longo prazo (investimento), emboranesse caso s parcialmente e com qualificaes.

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    Certamente outros tipos de formao rotineira de expectativas podemser pensados, mas interessante tentar explorar o potencial terico dessa nookeynesiana, especialmente quando aplicada s decises de investimento, devidono s ao maior desafio terico envolvido, mas particularmente sua importnciacrucial para a dinmica econmica. O grande impacto potencial desse tipo deformao convencional de expectativas deve-se ao fato de que supe a adesode grande nmero de agentes, dando lugar a expectativas compartilhadas (aindaque no necessariamente consensuais; suficiente uma distribuio concentradaem torno da mdia), que por isso mesmo tendem freqentemente a se confirmarpelo fato de existirem as chamadas profecias auto-realizadas, de bviaimportncia macroeconmica.

    Assim, a gerao de regularidades comportamentais de naturezaexpectacional, que se reproduzem no s no tempo, mas tambm no espao,longe de implicar estabilidade, implicam freqentemente maior instabilidade(dinmica). Isso particularmente verdadeiro quando esses padres expectacionaisso aplicados anlise dos investimentos e seus efeitos macroeconmicos, sejana forma de ciclos de desequilbrio, como os de Kalecki ou neo-keynesianostradicionais, no os de equilbrio novo-clssicos , ou simplesmente na formade surtos especulativos de crescimento ou de valorizao/desvalorizao de ativos.Vista por esse ngulo que o mesmo do cap. 12 da Teoria Geral de Keynes ,a especulao no uma disfuno, nem mesmo muito diferente doempreendimento normal.

    Mas a formao convencional, ou de algum outro tipo rotineiro, dasexpectativas, apesar da importncia que acredito ter, est longe de esgotar o assunto.Sob incerteza, as expectativas, especialmente de longo prazo (investimentos), nafalta de referncias compartilhadas, so em grande medida exgenas, o que, se noinviabiliza, certamente torna mais difcil a formao de convenes, ao menos emhorizonte de tempo no muito extenso. Como observado antes, essaindeterminao do contedo das expectativas abre espao para a construo demltiplas estratgias por parte de cada agente, num contexto de racionalidadelimitada, no qual a escolha unvoca de uma dada estratgia como a mais racional freqentemente impossvel, por envolver incerteza forte.

    Para tratar terica e analiticamente comportamentos estratgicos,elementos de teoria dos jogos devem ser usados com cautela, porque: (i) seus

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    pressupostos metodolgicos so quase sempre de racionalidade substantiva(maximizao de payoffs), e (ii) em decorrncia, a noo de estratgia s contmincerteza conjectural (em relao a reaes dos rivais, quando sob informaoincompleta), e no incerteza forte, que necessariamente sistmica (envolvendono s os denominados estados de natureza como tambm os prprios cenriosestratgicos e os payoffs esperados pelos agentes em interao). Em suma, anoo de estratgia aqui empregada mais prxima do senso comum domercado e das empresas supe uma seqncia temporalmente consistente edeterminada de decises, construda sob racionalidade limitada, com regrasprevistas de sada la Heiner (1983) significando que nem todo desvio dapreviso leva a mudar a estratgia.

    Creio que o principal item na agenda terica de pesquisa sobre o temadas expectativas sob incerteza seja exatamente o de procurar sistematizarcomportamentos estratgicos, por exemplo na forma de tipologias de estratgias,que possam incorporar, indo no entanto muito alm deste, o comportamentoconvencional. Os efeitos dinmicos, inclusive macroeconmicos, teoricamenteesperados das diferentes hipteses acerca de padres estratgicos de diferentes agentes(empresas) em diferentes mercados, poderiam assim ser extrados pari passu. Emconcluso, a agenda da teoria macrodinmica sob incerteza e seus avanos temnecessariamente de estar atrelada agenda e aos avanos, infelizmente aindamuito incipientes, da teoria da formao de expectativas particularmente asde longo prazo sob incerteza.

    3.2. Desequilbrio e dinmica econmica: da instabilidade deKeynes dinmica dos modelos neo-keynesianos e de Kalecki

    A suposio de que desequilbrios e falhas de coordenao pertencem aocotidiano da economia de mercado intrinsecamente uma economia monetria comum s distintas correntes heterodoxas, notadamente ps-keynesiana, institucionalista e neo-schumpeteriana. Ela equivale a supor que, neste ambienteno-ergdico e no-estacionrio que caracteriza a economia capitalista, os agentespodem cometer erros de previso sistematicamente, sem por isso serem irracionais,e os mercados podem no estar em equilbrio (e portanto cleared, embora arecproca possa no ser verdadeira) mesmo em condies competitivas.

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    Assim, tanto num contexto esttico (tratado como equilbrio geralcompetitivo) quanto na dinmica de uma trajetria temporal, a imposiode condies de equilbrio como um pr-requisito da anlise cientfica,amplamente defendida pela macroeconomia novo-clssica e empregada pelaNED, torna-se uma restrio, alm de desnecessria, sufocante. Grande parteda tradio terica do crescimento e do ciclo econmico at os anos 1960(no neoclssica: neo-keynesiana ou schumpeteriana) assumia a ocorrncia dedesequilbrios como parte integrante da dinmica econmica, seja por suaprpria natureza e seus efeitos, seja em sua propagao em torno de umatendncia de equilbrio mvel ou ainda de uma tendncia que no constituiequilbrio necessariamente.

    Ambas as dimenses, monetria e institucional, dos problemas decoordenao dos mercados, embora eventualmente focalizados por autores domainstream, tm um papel certamente muito mais central tanto na antiga agendaneo-keynesiana quanto na atual ps-keynesiana. Nesse sentido, o desequilbrioe mesmo a instabilidade potencial2 do sistema de mercado so, para essascorrentes, uma referncia intelectual to central quanto o seu oposto, oequilbrio geral competitivo (em geral suposto nico e estvel, mesmo quandono explicitado), para o mainstream.

    Na perspectiva da construo de um esquema integrado de anlise,eventualmente um modelo dinmico, que incorpore elementos keynesianos eps-keynesianos, cabe referir, em primeiro lugar e de modo especial, ao princpioda demanda efetiva3 . Sua principal implicao metodolgica, ao demonstrar,contra um certo senso comum difuso e implcito do mainstream neoclssico ea partir dele para a esmagadora maioria dos economistas, que possvel definirrelaes de causalidade unilateral bem determinada em Economia no caso,entre gasto (determinante) e renda (determinada) sem referncia a qualquernoo de equilbrio.

    Em segundo lugar, vale destacar algumas implicaes dinmicasfundamentais do prprio princpio da demanda efetiva no sentido de gerarefeitos de induo sobre as decises de produo e de investimento das empresas,muito importantes na tradio neo-keynesiana de modelos de crescimento e

    2 Dinmica e estrutural ver Vercelli (1991), caps. 2 e 3.3 Ver uma discusso detalhada recente em Possas (1999b).

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    ciclo econmico com base na interao multiplicador-acelerador,4 mas hojepraticamente abandonados. A perspectiva aqui a de explor-los intensamente,embora num enfoque alternativo certamente, no em mera reproduo dosmodelos neo-keynesianos de dinmica macroeconmica.5

    claro que no se trata de um simples retorno aos modelos da famliaHarrod-Domar, at porque esses modelos so agregados o que incompatvelcom o enfoque multissetorial aqui proposto e teoricamente pobres, mesmonum contexto keynesiano de anlise. Por exemplo, registre-se nesses a ausncia deuma teoria minimamente satisfatria do investimento, que explicado pelomecanismo simplista do acelerador. O desejvel preencher essa lacuna em grandemedida com elementos extrados na teoria de aplicao de capital presente no cap.17 da Teoria Geral de Keynes, apud Minsky (1975), adicionada de elementosanalticos propostos em Kalecki (1954, cap. 9). Alm disso, ser essencial suprir aausncia de progresso tcnico endgeno tpica desses modelos com a anliseschumpeteriana e em particular com a neo-schumpeteriana, como j ressaltado.

    Em terceiro lugar, cabe tambm lembrar o conceito de instabilidade presenteem Keynes, que pode ser caracterizado, antes de um conceito propriamentedinmico, como uma noo de instabilidade potencial.6 Ainda que um esquemade anlise mais especfico, e em particular um modelo, no possa contentar-secom uma noo de efeito potencial como esse, importante pelo menos t-losempre presente, no sentido metodolgico essencial de que qualquer esquema deanlise ou modelo que pretenda retratar com um mnimo de fidelidade a dinmicade uma economia capitalista no pode ignorar que a formao de expectativas delongo prazo deve necessariamente estar sujeita a mecanismos endgenos cumulativos(feedback positivo) do ponto de vista macroeconmico isto , porcontaminao coletiva presente no processo mesmo de formao dessasexpectativas, que se tornam com isso capazes de desencadear crises.

    4 interessante notar como todos esses modelos tinham total nfase na demanda, j que tanto o multiplicador quanto oacelerador so efeitos centrados no ajuste da oferta via produo, emprego e renda, no primeiro caso, e viacapacidade produtiva, no segundo demanda agregada, determinada pelas decises de gasto endgenas sumo e investimento dos agentes.

    5 E no apenas num contexto de curto prazo, como s vezes se supe erroneamente. Basta considerar a importncia,para a tendncia de expanso a longo prazo, dos componentes autnomos do gasto agregado, em particular (mas noexclusivamente) o investimento no induzido por mudanas na atividade corrente, mas de longa maturao (inclusivepblico) ou associado a inovaes ou fatores de desenvolvimento, como tratado por Kalecki (1954, cap.15) e vriosoutros, incluindo o prprio artigo original de Harrod (1939).

    6 Ver a respeito Possas (1986), p. 305 ss.

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    4. Os aportes do enfoque evolucionrio neo-schumpeteriano

    No que se refere corrente neo-schumpeteriana, apesar de um certodesinteresse pelas questes monetrias e institucionais relativas coordenaodos mercados, inegvel a pertinncia destas para sua preocupao crucial coma dinmica econmica no seu sentido mais forte o da mudana institucionalcentrada no progresso tcnico , que d lugar presena de instabilidade estrutural(no sentido acima) das trajetrias possveis da economia capitalista. Odesequilbrio, portanto, mais at do que uma possibilidade real que pode gerarcrises, como nos ps-keynesianos, para essa corrente uma caracterstica essenciale dominante da economia capitalista.

    Em conseqncia, as trajetrias de longo prazo de indstrias ou doconjunto das economias capitalistas podem (e devem) ser analisadas,coerentemente com o quadro anterior, fora do equilbrio. Podem apresentar,alm disso, importantes no-linearidades, decorrentes de aspectos cumulativosde decises empresariais e de seus efeitos estruturais (aprendizado, sinergias,etc.); e regularidades, capazes de reduzir a incerteza (sem elimin-la) e balizar asdecises de longo prazo dos agentes, atenuando os efeitos de instabilidadepotencial do outro fator. O progresso tcnico e correspondentes trajetriastecnolgicas7 claramente um dos principais processos dinmicos capazes degerar tais efeitos de longo prazo, ao criar ao longo do tempo dependncia crescentede ativos adquiridos inicialmente, que geram efeitos de path dependence comrendimentos crescentes e custos irrecuperveis (sunk costs) crescentes, eventualmenteproibitivos.8 A presena de instituies estveis pode gerar efeitos anlogos, aindaque mais complexos e certamente menos estudados pelos economistas.

    J existe uma considervel literatura neo-schumpeteriana abordandodiferentes aspectos tericos das trajetrias de longo prazo, suas fontes deinstabilidade/estabilidade e de regularidade, especificamente relacionadas aoprocesso inovativo nas empresas/indstrias e s correspondentes trajetriastecnolgicas. Numerosos modelos dinmicos tm sido desenvolvidos,caracterizados como evolucionistas ou evolucionrios, isto , cuja trajetriatemporal resulta de processos microeconmicos de gerao endgena de

    7 Ver a respeito Dosi (1982) e (1984).8 Podendo gerar efeitos de lock in: ver Arthur (1994).

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    diversidade, com base em estratgias competitivas inovativas das empresasselecionadas pelo ambiente (mercado).

    O desenrolar desse processo interativo no tempo se caracteriza pormudanas freqentes nos parmetros tecnolgicos e expectacionais dos agentes(no-linearidades), sem produzir em princpio e em geral convergncia aequilbrio nas trajetrias, indeterminadas a priori, em cuja direo incidemtanto efeitos cumulativos de path dependence, capazes de provocarinstabilidade, quanto efeitos de flutuao ou de convergncia (ou ainda deauto-organizao), que tendem a estabiliz-los. O resultado quase sempreimprevisvel, pela complexidade dos fatores envolvidos, podendo-se obter astrajetrias resultantes por simulao, a partir de hipteses ad hoc sobrecondies iniciais e modificaes nos parmetros, em lugar de soluesmatemticas e analticas bem definidas e generalizveis.

    Da extensa literatura pertinente cabe citar, em primeiro lugar, o modelopioneiro de Nelson e Winter (1982), que deu incio a uma srie de modelosque tratam a dinmica industrial (setorial) como um processo evolucionriobaseado na concorrncia schumpeteriana. Essa dinmica resulta de mudanastcnicas e econmicas decorrentes do esforo inovativo de cada firma,obedecendo a uma estratgia inovativa ou imitativa expressa em investimentosde P&D. A competitividade e a lucratividade de cada firma em cada perododecorre do sucesso inovativo/imitativo anterior e dos investimentos em novacapacidade. O investimento em P&D influi na probabilidade de sucessobasicamente por meio de um processo estocstico de Markov. A mudana deestado da firma dada recursivamente ao longo de uma simulao, de modo agerar uma trajetria dinmica.

    Numa segunda leva de modelos, vale observar que ocorre como queuma bifurcao de tipos de modelos evolucionrios neo-schumpeterianos: deum lado, como mostra o survey de Silverberg (1988), merece destaque o modelode Silverberg, Dosi e Orsenigo (1988), para uma trajetria com mudanatecnolgica; de outro lado, e mais recentemente, serve de exemplo o modelo deSilverberg e Verspagen (1994).

    O primeiro modelo foi elaborado com base em um modelo anterior deSilverberg (1987), voltado basicamente para a difuso, e no a gerao, deprogresso tcnico. No mbito da produo e da demanda, o modelo utiliza

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    uma equao de tipo biolgico (replicator dynamics), que faz o market sharede cada firma depender da diferena entre sua competitividade e acompetitividade mdia das firmas da indstria. No mbito da mudanatecnolgica, introduz um modelo de safras com incorporao progressiva deprogresso tcnico nos equipamentos de reposio; a substituio dos antigosobedece a uma regra de perodo de payback. O investimento produz assimefeito tanto sobre o estoque de capital quanto sobre a eficincia tcnica (queainda inclui aprendizado).

    Uma interessante tentativa de integrao entre o modelo pioneiro deNelson e Winter e o de Silverberg et al a de Chiaromonte e Dosi (1991), quetrata a economia como um todo como representada por dois setoresverticalmente relacionados: um de bens de capital (tratado ao estilo Nelson eWinter) e outro que os utiliza (tratado ao estilo de Silverberg et al). Entretanto,embora a modelagem proponha refinamentos interessantes no mecanismo debusca de inovaes, a integrao apenas parcial e no muito satisfatria.

    Recentemente, nossa equipe de pesquisa realizou um esforo adicionalno sentido da mesma integrao entre aqueles modelos,9 mas com a incorporaode elementos comportamentais no-neoclssicos (com racionalidade limitada)mais explcitos, tais como formao de expectativas adaptativas tanto de curtocomo de longo prazo; ausncia de equilbrio de market clearing nofuncionamento do mercado; formao de preos por mark up desejadocombinado com o preo mdio da indstria (apud Kalecki)10, com mecanismode feedback a partir do mark up efetivo alcanado; e restrio financeira, viaendividamento, s decises de investir (apud Keynes e Kalecki).

    O segundo tipo de modelo, mais focalizado sobre o crescimentomacroeconmico de uma dada economia, assume mltiplos agentes eaprendizado coletivo, supondo uma economia sujeita a crescimento endgeno.No nvel microeconmico, Silverberg e Verspagen (1994) assumem que asfirmas decidem os investimentos em P&D na expectativa de conseguir sucessoinovativo, o qual uma funo estocstica desse esforo de P&D. As vantagenseconmicas resultantes da inovao so temporrias, medida que estas sedifundem tanto dentro da firma como entre firmas.9 Veja-se Possas, Koblitz, et al. (2001).10 Kalecki (1954), cap. 1.

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    Um problema metodolgico srio desse segundo tipo de modelo, queo torna inadequado proposta aqui assumida, a ausncia de uma estruturaeconmica definida com padres de especializao setorial e de interrelaosetorial (consumo, investimento, insumos), essencial em qualquer anlisemacroeconmica. Em outras palavras, a passagem micro-macro feita semmediaes entre as empresas e o conjunto da economia, tanto via relaesinsumo-produto como via gerao de renda e demanda final, o que equivalea dizer que, do ponto de vista analtico, o modelo no possui nenhum nvelmacroeconmico. Essa lacuna o torna inaplicvel para a integrao micro-macroeconmica pretendida. Assim, a proposta discutida a seguir se apoiarno primeiro tipo de modelo setorial, como aquele por ns desenvolvido, paraservir de base setorial ou microfundamentada elaborao da passagem micro-macro necessariamente multissetorial requerida para a anlise da dinmicamacroeconmica.

    5. Proposta de integrao micro-macrodinmica: linhas gerais

    Um esforo adicional de aprofundamento de anlise na direo antessugerida, com nfase na elaborao de modelos multissetoriais de simulao,justifica-se pelo menos pelos motivos bsicos que seguem.

    O primeiro e mais geral que a proposta terica antes esboada claramenteuma ambiciosa linha de pesquisa, que por sua amplitude e complexidade envolvegrande nmero de participantes em mbito internacional e dever tomar umtempo considervel de maturao; nosso aporte certamente apenas uma pequenaparte desse esforo. Especificamente, as direes mais promissoras de nossa possvelcontribuio a esse esforo consistem em suplementar a literatura terica emodelstica evolucionria/neo-schumpeteriana com:

    (i) a incluso de elementos considerados como macroeconmicos, masque so totalmente incorporveis num arcabouo multissetorial e dinmico,seja de extrao keynesiana (em particular os monetrios e financeiros, relativoss decises de investir) ou kaleckiana (especialmente os relacionados formaode preos, demanda efetiva e aos efeitos dinmicos do investimento), quepossibilitaro uma articulao micro-macro, quase inteiramente ausente dosmodelos neo-schumpeterianos;

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    (ii) aspectos relativos ao desenvolvimento econmico, que apesar de a teoriadinmica de Schumpeter ter sido explicitamente uma teoria (geral) dodesenvolvimento capitalista permanecem ainda distantes das preocupaes dessaliteratura, que tem preferido limitar-se, na vertente microdinmica (a que nosinteressa mais de perto), anlise e modelagem de trajetrias dinmicas de setoresindustriais sob progresso tcnico. Como j mencionado, nas suas poucas incursesnessa direo, ela tem oscilado entre uma simples (embora inteligente)reconstituio de fatos estilizados ou de fatores institucionais relevantes parao desenvolvimento (cf. nmero especial de Industrial and Corporate Change,1-1994) e modelos de longo prazo agregados e estilizados em nvel de pases,mas com microfundamentao precria pela falta de articulao entre a evoluosetorial, vista como centrada na mudana tcnica, e o comportamentomacroeconmico (como nos modelos de Silverberg e Verspagen); e

    (iii) a incorporao, em forma analiticamente clara, de elementosinstitucionais, reconhecidamente essenciais para uma teoria do desenvolvimento. diferena dos enfoques de tipo explicitamente histrico/institucional,complementares ao nosso mas de menor densidade terica, nosso objetivo nesseaspecto incorpor-los em medida adequada e sob hipteses estilizadasrazoveis, num esquema analtico e modelstico predominantemente terico,em lugar de histrico-descritivo como tem sido a tnica dessa literatura.

    O segundo motivo bsico que desafia e justifica o esforo aqui proposto a nfase metodolgica em modelos de simulao, em contraste aos modelos deequilbrio convencionais. Isso implica detalhar os aspectos quantitativos daanlise, sem perder de vista os qualitativos escolhendo pressupostos e hiptesescomportamentais, transformando estas ltimas em equaes e procurandoparametriz-las de forma compatvel com fatos estilizados conhecidos. Talnfase na construo de modelos de simulao, ou de resultados maisdeterminados, no implica abrir mo do reconhecimento do carterintrinsecamente histrico e institucional de qualquer dinmica econmica nocapitalismo, e a fortiori do processo de desenvolvimento; mas impe apreocupao de avanar analiticamente para alm das consideraes genricascultivadas pela tradio anterior da Economia do Desenvolvimento, nas suasvertentes menos ortodoxas (e mais interessantes), e que parece ter sido em parteresponsvel pelo seu progressivo isolamento acadmico e intelectual.

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    A estrutura bsica do modelo dinmico de simulao multissetorial(micro-macrodinmico) que estamos desenvolvendo na perspectiva indicadaacima est apoiada num modelo dinmico multissetorial elaborado nos anos1980,11 e que se caracteriza pelos seguintes aspectos fundamentais:

    (i) O ncleo desse modelo multissetorial consiste na utilizao de matrizesde relaes intersetoriais, tanto a matriz quadrada de insumo produtoconvencional (construda na forma setor x setor, supondo um mix homogneode produtos por setor), quanto matrizes destinadas endogeneizao decomponentes da demanda final, a saber: matriz (setor x setor) de bens de capital;matriz (classe de renda funcional x setor) de apropriao funcional derendimentos; matriz (classe de renda pessoal x classe de renda funcional) deapropriao pessoal de rendimentos; matriz (classe de renda pessoal x classe derenda pessoal) de apropriao de rendimentos por servios pessoais; e matriz(classe de renda pessoal x setor) de consumo. Essa estrutura intersetorial permiteendogeneizar os principais componentes da demanda final (investimento econsumo), exceto setor externo e governo, que devem receber tratamento emseparado e em grande parte exgeno.

    (ii) Apesar do lugar-comum de que matrizes de insumo-produto sointrinsecamente estticas, pelo fato de os coeficientes das matrizes serem fixos epor isso no se prestarem a um tratamento dinmico, foi justamente esse oobjetivo precpuo da construo do modelo. Essa percepo equivocada, tendosido desmentida por vrias tentativas anteriores, desde Pasinetti, no plano terico,at o prprio Leontief, no plano aplicado. Para nossos propsitos, que envolvemrelaes de determinao baseadas na demanda efetiva e sem qualquer refernciaa posies de equilbrio ou a mecanismos de ajustamento, essa questosimplesmente no se coloca: os coeficientes s so dados (no fixos ouconstantes) durante cada perodo de simulao, podendo mudar segundo regraspr-determinadas, exgenas ou no, entre perodos. Como estes so, porhiptese, intervalos entre as decises consecutivas dos agentes (produo,investimento, consumo), logicamente no surge nenhum problema pelo fatode serem dados durante cada perodo e s poderem ser revistos ao fim do mesmo;isso corresponde exatamente ao que ocorre na realidade. Mas, vale repetir, o

    11 Possas (1983), publicado em verso mais compacta em Possas (1984).

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    resultado que se espera obter so trajetrias dinmicas com tempo discreto(perodos) sem equilbrios a priori, diferentemente da grande maioria dos modelosmultissetoriais que utilizam o instrumental de matrizes de Leontief.

    (iii) De forma coerente com a ausncia de pressupostos de equilbrio, omodelo assume hipteses keynes-kaleckianas associadas demanda efetiva, assimresumidas: a demanda dirigida a cada setor determina suas vendas (expressas emquantidades ou em termos reais),12 restringidas por estoques; a produo programada a partir de expectativas adaptativas (de tipo extrapolativo) combase nos perodos de produo mais recentes, e restringida pala capacidadeinstalada; e esta decidida com base em expectativas extrapolativas de perodosde investimento anteriores, sendo o valor do investimento restringido pelacapacidade financeira de endividamento das empresas. Os preos, por sua vez que no afetam em princpio o nvel de vendas so dados por mark up sobreos custos variveis unitrios, o que determina estruturas setoriais de distribuiofuncional de renda, indispensveis para endogeneizar o consumo no modelo.

    Na verso atualmente em elaborao, essa estrutura bsica mantida,sendo as principais modificaes ou acrscimos como segue:

    (i) A estrutura matricial do modelo permanece, exceto pela circunstnciade o software utilizado permitir simplificar a simulao de mudanas no sexgenas, mas endgenas, dos parmetros e coeficientes setoriais a cada perodo.Isso facilita endogeneizar inteiramente os coeficientes microeconmicos, desdea produtividade (em funo da intensidade do progresso tcnico de cada empresaem cada setor) at os mark ups e preos praticados individualmente. A oferta(produo + estoques) e a demanda, em termos reais, de cada setor soendogeneizadas aplicando-se para cada setor a estrutura do modelo setorialdesenvolvido em Possas, Koblitz (2001). A demanda setorial, afetada pelo preomdio do setor via elasticidade-preo, distribuda entre as respectivas empresaspelo critrio de competitividade individual, dada pela equao de replicator,usada naquele modelo para determinar os market shares em funo dacompetitividade de cada empresa.

    (ii) O consumo por classe de renda pessoal definido por funes-consumolineares com defasagens crescentes e propenses marginais a consumir decrescentes

    12 Supe-se em geral preos rgidos no perodo de mercado (fixprice). Situaes especficas de preos flexveis (flexprice)podem ser convertidas ao caso anterior supondo-se valores razoveis de elasticidade-preo da demanda.

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    com o nvel de renda, bem como componentes autnomos elevados e variveis porsimulao. A distribuio setorial funcional de renda funo dos mark ups mdiose dos salrios mdios, que podem ser objeto de simulao em separado. Osinvestimentos so determinados ao nvel de cada empresa, abrangendo tanto aampliao de capacidade como a modernizao e introduo de progresso tcnicoincorporado. O sucesso dos esforos de P&D uma varivel estocstica, assimcomo o deslocamento da fronteira de produtividade, seguindo o modelo de Nelson& Winter, conforme adaptado em Possas, Koblitz (2001).

    (iii) Alm desse ncleo endgeno do modelo multissetorial, trs outros blocosde condies macroeconmicas parcialmente exgenos sero construdos e abordadosseparadamente: o setor externo (fluxos de comrcio exterior e ingresso lquido decapitais); o setor governo (gasto pblico e receita de impostos); e o setor financeiro(taxas de juros de aplicao e de emprstimos, liquidez, condies de crdito). Umavantagem colateral do tratamento em separado desses blocos a maior facilidade etransparncia na formulao de hipteses de simulao envolvendo essas reasnotoriamente estratgicas para o desenvolvimento econmico, assim como naavaliao de seus efeitos.

    Em suma, os aperfeioamentos introduzidos consistem essencialmente (i) namontagem de um modelo bem mais detalhado e suscetvel a simulaes, inclusivepela disponibilidade de software adequado; e (ii) na microfundamentao explcitaem termos de setores/indstrias que apresentam trajetrias evolucionrias em feedbackcom os resultados macroeconmicos. Em outras palavras, trata-se efetivamente deum modelo de integrao micro-macrodinmica, em que cada um dos dois planostem sua dinmica especfica, mas dependente dos inputs que recebe do outro plano.

    A complexidade e o nvel de detalhe em que essa integrao realizada permitirconstruir e aperfeioar um instrumento de anlise micro-macrodinmica geral quepoder tambm se prestar, em especial, para simulaes comparativas, sob hiptesesestilizadas, entre situaes tpicas de pases desenvolvidos e em desenvolvimento.

    6. Concluso

    O esforo de integrao aqui sugerido ainda est sendo esboado. Emborasua concepo geral e estrutura bsica j estejam razoavelmente delineadas, as etapasmais difceis so as que se esto iniciando: de detalhamento do modelo, de sua

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    programao computacional e de realizao das simulaes, que demandaro muitotempo at completar os testes e ajustes necessrios a torn-lo um instrumento eficazde anlise integrada da dinmica econmica e, particularmente, de aplicao simulao de parmetros e condies especficas de desenvolvimento econmico.

    As referncias tericas adotadas, neo-schumpeterianas e ps-keynesianas(incluindo Kalecki), so ambas indispensveis a esse esforo, tanto pelo terrenocomum de racionalidade limitada, no-equilbrio, instabilidade estrutural edinmica e trajetrias em aberto, quanto pela sua contribuio complementar compreenso da dinmica econmica mudanas estruturais endgenas e efeitossobre o nvel de atividade induzidos via demanda efetiva. A tentativa de articul-losnum nico esquema analtico por meio de um modelo dinmico de simulao um desafio incomum e muito complexo, mas a perspectiva de dotar a abordagemheterodoxa da dinmica macroeconmica de um instrumento de anlise prprio,metodologicamente adequado aos seus prprios pressupostos, e potencialmentefrtil de oportunidades de utilizao, incluindo aquelas voltadas investigao dasespecificidades tericas do desenvolvimento econmico, parecem suficientementeatraentes para compensar o esforo.

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