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INSTITUTO SUPERIOR PEDAGÓGICO FACULDADE DE CIÊNCIAS SICIAIS DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA TRANSFORMAÇÕES SÓCIO-POLÍTICAS NO ALTO LÚRIO O CASO DO REGULADO DE UMPUHUA, C. 1850-1933: CONTRIBUIÇÃO PARA A PESQUISA DA HISTÓRIA LOCAL Adelino Zacarias Ivala Maputo, 7 de Outubro de 1993

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INSTITUTO SUPERIOR PEDAGÓGICO

FACULDADE DE CIÊNCIAS SICIAIS

DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA

TRANSFORMAÇÕES SÓCIO-POLÍTICAS NO ALTO LÚRIO

O CASO DO REGULADO DE UMPUHUA, C. 1850-1933:

CONTRIBUIÇÃO PARA A PESQUISA DA HISTÓRIA LOCAL

Adelino Zacarias Ivala

Maputo, 7 de Outubro de 1993

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INSTITUTO SUPERIOR PEDAGÓGICO

FACULDADE DE CIÊNCIAS SICIAIS

DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA

TRANSFORMAÇÕES SÓCIO-POLÍTICAS NO ALTO LÚRIO; O

CASO DO REGULADO DE UMPUHUA, C. 1850-1933:

CONTRIBUIÇÃO PARA A PESQUISA DA HISTÓRIA LOCAL

Trabalho de Diploma para a obtenção do grau

académico de Licenciatura em Ensino de História e

Geografia

Autor: Adelino Zacarias Ivala Supervisor: dr. Eduardo Medeiros

Maputo, 7 de Outubro de 1993

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ii

Declaração

Declaro que esta dissertação nunca foi apresentada, na sua essência, para a obtenção de

qualquer grau e que ela constitui o resultado da minha investigação pessoal, estando indicadas

no texto e na bibliografia as fontes que utilizei.

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Dedicatória

À memória do meu pai, Hivala

Aos meus queridos filhos Elizabeth, Gilberto, Izilda e Quitéria

Á minha mulher, Celestina, por tudo.

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Agradecimentos

Agradecimentos particulares ao dr. Eduardo Medeiros, meu supervisor neste trabalho e, acima

de tudo, meu professor.

Ao Dr. Carlos Machili, endereço igualmente os meus sinceros agradecimentos, pelos seus

conselhos.

Também agradeço:

- A todos os Professores da Faculdade de Ciências Sociais do ISP.

- Ao dr. Sopa do Arquivo Histórico de Moçambique, cuja atenção e dedicação ao

investigador aprendiz dissipou qualquer tentação de desistência.

- A todos os meus amigos e colegas que pelas suas sugestões e encorajamento

contribuiram, directa ou indirectamente, para que este trabalho fosse uma realidade.

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RESUMO

O presente trabalho tem por título "TRANSFORMAÇÕES SÓCIO-POLÍTICAS NO

ALTO LÚRIO, O CASO DO REGULADO DE UMPUHUA, C. 1850-1933:

CONTRIBUIÇÃO PARA A PESQUISA DA HISTÓRIA LOCAL." O mesmo compreende

duas partes: a primeira inclui os capítulos I, II e III e a segunda é constituída pelo IV capítulo.

O primeiro capítulo dedica-se à caracterização mais genérica dos aspectos geográfico, étnico e

histórico do antigo Distrito de Moçambique e no segundo faz-se o mesmo, mas para uma

região mais restrita - o Alto Lúrio -, com vista a um melhor enquadramento do antigo

Regulado de Umpuhua que constituiu objecto específico do trabalho de investigação de

campo. O terceiro capítulo faz uma caracterização do referido regulado e apresenta os

resultados da pesquisa sobre a sua história. O quarto capítulo debruça-se sobre a problemática

do ensino e da pesquisa da História Local em Moçambique.

No seu conjunto o trabalho pretende responder aos seguintes objectivos gerais, que

foram desdobrados em outros mais específicos:

A. Identificar as características e o funcionamento do sistema sócio-político da

sociedade Macua.

B. Caracterizar o processo da conquista e a ocupação colonial no território da actual

Província de Nampula.

C. Analisar a problemática do ensino e da pesquisa da História Local em Moçambique.

Com este trabalho pretendeu-se realizar uma experiência de pesquisa que permita a

elaboração de uma história local sobre a região que abrange os actuais Distritos de Ribáuè,

Lalaua e Malema, tendo para o efeito sido escolhido o período de 1880 a 1933. Os aspectos

visados estão relacionados com o tráfico de escravos e com a conquista e a ocupação colonial

que se sucederam naquele período, provocando profundas transformações na Sociedade

Macua-Lómuè, grupo étnico predominante no Norte de Moçambique.

A realização do trabalho compreendeu a pesquisa bibliográfica, a recolha da tradição

oral no Antigo Regulado de Umpuhua (Lalaua-Nampula) e a discussão e compilação dos

elementos colhidos.

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ÍNDICE

RESUMO .................................................................................................................................. v

LISTA DE TABELAS ........................................................................................................... vii

INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 1

CAPÍTULO I - Caracterização geográfica, étnica e histórica do "Distrito de

Moçambique" ........................................................................................................................... 4

1.1. Caracterização geográfica................................................................................................ 4

1.2. Espaços étnicos................................................................................................................ 5

1.2.1. Os Macua-Lómuè ............................................................................................... 5 1.3. A conquista colonial ...................................................................................................... 16

1.3.1. Periodização e Caracterização ......................................................................... 16

1.3.2. A ocupação e a evolução da divisão administrativa coloniais ...................... 19

CAPÍTULO II - O Alto Lúrio .............................................................................................. 25

2.1. Definição e caracterização geográfica ........................................................................... 25

2.1.2. Condições ecológicas ........................................................................................ 25

2.1.3. Estabelecimentos humanos: habitat e actividades económicas ................... 27 2. 2. Caracterização etno-linguística .................................................................................... 29

2.3. A conquista e a evolução da divisão administrativa coloniais ...................................... 30

2.3.1. A conquista ........................................................................................................ 30

2.3.2. Evolução da divisão administrativa colonial .................................................. 34 2.4. Transformações nas antigas unidades políticas ............................................................. 35

CAPÍTULO III - Umpuhua .................................................................................................. 42

3.1. Caracterização geral ...................................................................................................... 42

3.1.1. Situação geográfica ........................................................................................... 42

3.1.2. Origem do nome "Umpuhua" e suas designações ......................................... 43

3.1.3. Clãs presentes e suas relações internas e externas ......................................... 44 3.2. A antiga unidade política de Umpuhua ......................................................................... 45

3.2.1. A rota das migrações ........................................................................................ 45

3.2.2. O clã chefal ........................................................................................................ 47

3.2.3. Processos da integração dos outros clãs ......................................................... 49

3.2.4. Poder político e comércio de escravos ............................................................. 52

3.2.5. A morte do fundador e o problema da sucessão ............................................ 52 3.3. Umpuhua sob a dominação colonial ............................................................................. 53

3.3.1. A ocupação portuguesa .................................................................................... 53

3.3.2. A formação da identidade "Enamuuwa" ....................................................... 55

3.3.3. Chefes de povoação e de grupos de povoações e suas relações com as chefias

do regulado .................................................................................................................. 58

CAPÍTULO IV - O Ensino da História da Comunidade local ou regional ..................... 59

4.1. História Local e Regional: algumas reflexões ............................................................... 60

4.2. O Ensino da História Local em Moçambique ............................................................... 62

4.3. Pesquisas da História Local em Moçambique no período pós-Independência: o caso da

Província deNampula ........................................................................................................... 67

CONCLUSÕES ...................................................................................................................... 69

BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................... 72

I Fontes Orais .................................................................................................................. 72

II Fontes Escritas .............................................................................................................. 72

II. 1. Primárias sobre Moçambique .......................................................................... 72

II. 2. Secundárias sobre Moçambique ...................................................................... 74

II.3. De enquadramento teórico ................................................................................. 80

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LISTA DE TABELAS

QUADRO 1: Subgrupos étnicos Macua-Lómuè ........................................................................ 7

QUADRO 2: Capitanias e Postos Militares do Distrito de Moçambique em 1906. ................ 21

QUADRO 3: Capitanias em 1916 ............................................................................................ 22

QUADRO 4: Comandos Militares do Distrito de Moçambique em 1917. .............................. 23

QUADRO 5: Circunscrições Civis do Distrito de Moçambique em 1921. ............................. 23

QUADRO 6: Evolução demográfica no Alto Lúrio ................................................................. 29

QUADRO 7: Grupos étno-linguísticos do Alto Lúrio ............................................................. 29

QUADRO 8: Regulados em 1970 ............................................................................................ 38

QUADRO 9: Regulados em 1940 ............................................................................................ 38

QUADRO 10: Chefes tradicionais fugidos das áreas de Ribáuè e Lalaua, em 1916/17 .......... 39

QUADRO 11: Chefes tradicionais fugidos da área de Malema de 1916 a 1932. .................... 39

QUADRO 12: Clãs do regulado de Umpuhua ......................................................................... 44

QUADRO 13: Professores do EP1 em 1992 ............................................................................ 64

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INTRODUÇÃO

A metodologia proposta para os primeiros anos em que se introduz a disciplina de

História deixa transparecer uma tendência da iniciação pela História Local e Regional.

Entretanto isto parece inviável por duas razões: i) os programas apresentam entre outras

lacunas, um vazio sobre a história de uma grande parte dos grupos (étnicos) regionais,

priorizando a de alguns que se distinguiram muitas vezes no passado, por actos predatórios ou

por pretensas hegemonias regionais em detrimento do desenvolvimento sui generis dos outros;

ii) os Professores do Ensino Primário do 1º Grau (EP1), responsáveis por iniciar as crianças no

ensino da História, não têm possibilidades não só pela sua fraca ou nenhuma formação psico-

pedagógica como pela inexistência de trabalhos elaborados sobre as "histórias locais e

regionais" que, pelo menos, sirvam de modelo.

Sobre este assunto os programas apenas recomendam que sejam os próprios professores

a proceder a investigações usando a sua iniciativa criadora.(1)

Estas constatações levaram à concepção deste trabalho intitulado: Transformações

Sócio-Políticas no Alto Lúrio; o caso do Regulado de Umpuhua, c. 1850-1933:

Contribuição para a Pesquisa da História Local.

Pretende-se retomar as experiências de pesquisa levadas a cabo pelo Círculo de

Interesse da História Popular (CIHP) da Escola Secundária de Nampula nos finais dos anos 70

e princípios de 80, que infelizmente não tiveram continuidade. A referida pesquisa era

dedicada " a recolha de tradição oral sobre a História da Província [de Nampula] e sobre a

História de Grandes Chefes ou de Antigos Estados, bem como à recolhas de carácter

etnográfico." (2)

No seguimento das experiências do CIHP foi escolhido o antigo Regulado de Umpuhua

que pertencia à Circunscrição de Ribáuè do Distrito de Moçambique. A Circunscrição de

Ribáuè e a de Malema constituiam uma região que nos tempos da conquista militar portuguesa

era chamada de Alto Lúrio. A escolha daquele regulado visa a apreensão da história da sua

formação e desenvolvimento num contexto regional (do Alto Lúrio) caracterizado, no período

definido para o estudo, por profundas transformações ligadas ao tráfico esclavagista e à

conquista militar portuguesa. O tráfico de escravos, que atingiu o seu auge nos meados do

século passado, afectou profundamente a sociedade Macua-Lómuè. Por seu turno a conquista

militar portuguesa que se prolongou até 1914/16, culminou com a montagem do aparelho

administrativo colonial, cuja primeira fase terminou com as primeiras Circunscrições Civis em

1921. 1933, ano da 2ª Reforma Administrativa Ultramarina, depois da de 1907, foi um marco

na transformação das antigas instituições locais para o interesse da administração portuguesa:

os régulos e seus dependentes foram transformados em agentes coloniais.

(1) Vd em: a) MEC, s/d:16-35. b) INDE, 1984: 11-66. c) INDE, 1985: 15-41. (2) GRAY, 1980: 50

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O complemento teórico deste trabalho é resultado de reflexões baseadas numa breve

análise dos programas e manuais de ensino da História no período pós-Independência. Não se

pretende fazer análises de pormenor e aprofundadas o que constituiria um trabalho específico;

análises mais circunstanciadas sobre os novos programas de ensino já foram iniciadas,

conforme a seguir se esclarece.

Os novos programas de ensino sujeitos a sucessivos melhoramentos entre 1977 e 1987,

foram, por sua vez, sendo substituídos pelos do Sistema Nacional de Educação (SNE)

introduzido em 1983 e que se completa em 1994. Nestas sucessivas mudanças as disciplinas

relacionadas com as Ciências Sociais, em particular a de História, mostram ser as mais

sensíveis. As opções políticas levaram a que os programas e os manuais de História fossem

elaborados em " resposta à filosofia política [materialista-dialéctica] que norteou o partido no

poder" cujo "miolo se encontra nas contradições sociais" e com a qual "se lê [por exemplo] o

Estado de Mutapa dividido em classes sociais, com um punhado de homens vivendo da maior

parte da sociedade."(3) A partir do 5º Congresso da Frelimo começaram a vislumbrar-se

mudanças, algumas das quais se orientam no sentido da revisão dos manuais de História para a

qual se sustenta que a questão fundamental a ter em conta consiste na substituição de uma

leitura classista da nossa História (e não só) por uma leitura a-classista, de uma leitura de luta

por uma leitura de unidade nas diferenças.(4) O subscritor do documento supracitado reflecte a

opinião de autores de três artigos apresentados aquando do Primeiro Painel de Historiografia

realizado em Maputo de 31 de Julho a 3 de Agosto de 1991.(5)

Foram definidos para este trabalho os seguintes objectivos:

A. Objectivos gerais:

- Identificar as características e o funcionamento do sistema sócio-político da sociedade

Macua.

- Caracterizar o processo da conquista e ocupação coloniais do território da actual

Província de Nampula.

- Analisar a problemática da pesquisa e do ensino da História Local em Moçambique.

B. Objectivos específicos:

1- Explicar o funcionamento do sistema sócio-político vigente na altura da conquista

militar portuguesa, procurando inventariar, as antigas unidades políticas da região do Alto

Lúrio.

2- Mostrar como a antiga unidade política, que viria a ser transformada no Regulado

Colonial de Umpuhua, tendo-se formado numa zona por onde passava uma importante rota do

comércio a longa distância, em particular o de escravos, entre o interior e a Costa Norte de

Moçambique (Quissanga, principalmente), teria o seu desenvolvimento ligado àquela

actividade.

(3) SERRA, 1992: 3. (4) Idem: 4. (5) a) MAXIMIANO & ASSIS, 1991: 157-164; b) HOFISSO & SITOE, 1991: 165-174.e c) OSÓRIO, 1991: 175-192.

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3- Explicar o processo da conquista e da evolução da divisão administrativa coloniais

do antigo Distrito de Moçambique em geral, e do Alto Lúrio, em particular.

4- Comparar o sistema sócio-político resultante da implantação da administração

colonial com o anterior ao período da conquista.

5- Analisar as Unidades Didácticas dos programs e manuais de História das primeiras

classes em que é introduzida esta disciplina.6- Retrospectivar os trabalhos de pesquisa da

História Local na Província de Nampula.

6- Retrospectivar os trabalhos de pesquisa de História Local na Província de Nampula

O trabalho, na sua versão final, compreende quatro capítulos. Os capítulos I e II

destinam-se ao enquadramento mais geral (caracterização geográfica, étnica e histórica do

antigo Distrito de Moçambique) e da região do Alto Lúrio (em particular). O capítulo III

dedica-se à apresentação dos resultados das pesquisas a partir de fontes orais sobre a história

do Regulado de Umpuhua. O quarto é dedicado a reflexões e considerações de ordem teórica

sobre a pesquisa e o ensino da História Local em Moçambique.

O trabalho foi o resultado de pesquisa bibliográfica e de recolha da tradição oral. A

pesquisa bibliográfica centrou-se no Arquivo Histórico de Moçambique (AHM) e nas

instituições do MINED. A documentação escrita sobre o antigo Distrito de Moçambique

relativa ao período da conquista militar portuguesa e que alí pôde ser encontrada é constituída

por relatórios militares e administrativos, alguns dos quais contêm descrições etnográficas.

Dos estudos realizados posteriormente encontram-se algumas monografias, geralmente

baseadas nos referidos documentos coloniais. Em ambos os casos o conteúdo dos documentos

são informações de carácter geral ou que, quando contêm algum detalhe histórico, se limitam

ao litoral e, quanto muito, ao hinterland imediato. Esta situação levanta um sério problema

metodológico para o estudo das regiões do interior longínquo, como o caso da região escolhida

para este estudo. Por esta razão teve que se recorrer ao trabalho de campo, cujo resultado

consta de registos magnéticos e de registos escritos de entrevistas individuais e colectivas. Em

anexo apresentam-se as transcrições das referidas entrevistas.

A recolha de fontes orais foi feita em três ocasiões diferentes, entre 1991 e 1993; esta

actividade carece de muito mais tempo do que a pesquisa bibliográfica, para além de meios

materiais. Por isso, e como as deslocações ao local só puderam efectuar-se no escasso período

das férias escolares e sem meios financeiros, o autor teve que se limitar às localidades onde

tinha familiares. A pesquisa da tradição oral baseou-se principalmente na recolha de biografias

descritivas de segmentos linhageiros

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CAPÍTULO I -

Caracterização geográfica, étnica e histórica do

"Distrito de Moçambique"

Para o correcto enquadramento da região e do regulado sobre os quais se efectua o

presente estudo, apresentam-se em traços gerais, neste capítulo, o quadro geográfico, os

agrupamentos étnicos e um resumo histórico do antigo Distrito de Moçambique que se

restringe à caracterização do processo da conquista militar portuguesa e da evolução da divisão

administrativa subsequente.

1.1. Caracterização geográfica

O "Distrito de Moçambique" era, no quadro da divisão administrativa colonial de

Moçambique, a designação do território correspondente à actual Província de Nampula. O

território é atravessado sensívelmente ao meio pelo paralelo 15° Sul e, tal como o caracterizou

o Pe. Prata,(1) apresenta a forma de um vasto triângulo cuja base assenta no Oceano Índico e

os lados são os rios Lúrio, ao Norte, e o Ligonha, ao Sul, e o vértice é definido pelo encontro

do rio Lúrio e o prolongamento do rio Ligonha pelo paralelo 15° Sul, nas serras da Cucuteia.

Ladeiam este triângulo, pelo Norte, as actuais Províncias de Cabo Delgado e do Niassa; pelo

Sul, a da Zambézia.

Ocupando uma superfície de 81 606 Km2 (78 197 da superfície terrestre e 3 409 de

águas interiores), cerca de 10,2% do territóro moçambicano, o antigo Distrito de Moçambique

tinha em 1930 uma população estimada em 961 792 habitantes(2); em 1940 tinha 1 209 202

habitantes,(3) cifra que subiu para 1 318 018 em 1950,(4) 1 439 256 em 1960(5) e 1735206 em

1970.(6) O primeiro censo populacional no Moçambique independente, em 1980, forneceu o

número de 2 402 700(7) habitantes para a Província de Nampula, correspondendo a 19,8% do

total do país. A sua densidade populacional neste ano era de 29,4 hab/Km2.

Os Distritos da Província de Nampula podem, de acordo com a sua densidade

populacional, ser agrupados do seguinte modo:(8)

1). Menos de 10 hab/Km2 - Lalaua

2). 10-20 hab/Km2 - Muecate, Mecubúri, Ribáuè e Malema

(1)PRATA, 1960: 1-16. (2) ALM, 1932: 622. (3) ALM, 1942: 564. (4) AM, 1951/52: 30. (5) AM, 1962: 15. (6) AM, 1972/73: 13. (7) Este número corresponde à população ajustada, porque a população recenseada foi de 2241745, (Cf. PILILÃO, 1989: 20). (8) INPF, 1986: 26. Os dados sobre a superfície do território foram extraídos desta obra e na mesma página.

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3). 20-30 hab/Km2 - Nacaroa, Meconta, Moma, Mogincual, Mossuril, Murrupula e

Nampula

4). 30-40 hab/Km2 - Namapa

5). 40-50 hab/Km2 - Memba

6). Mais de 50 hab/Km2 - Angoche, Monapo, e Nacala-a-Velha.

Os Distritos menos povoados são os da parte Centro-Ocidental, onde se destaca o de

Lalaua, com apenas 8,4 habitantes por quilómetro quadrado; no outro extremo situam-se

Angoche, Monapo e Nacala-a-Velha. Este desequilíbrio tem explicações não só em factores

ecológicos, como também históricos, devendo-se o seu esclarecimento a estudos

específicos.(9)

1.2. Espaços étnicos

O interior do território entre os rios Ligonha e Lúrio era, no período definido para este

estudo, povoado por comunidades da sociedade Macua–Lómuè e algumas bolsas de grupos de

origem Ajaua e Marave. A região costeira era dominada por núcleos de comunidades Swahili e

Macua islamizados. Os portugueses ocupavam a Ilha de Moçambique e a península de

Mossuril e arredores, territórios então designados por "Terras Firmes".

1.2.1. Os Macua-Lómuè

A seguir apresenta-se uma descrição dos Macua-Lómuè, na qual se dá um particular

enfoque às subdivisões e à organização familiar, social e política.

1.2.1.1. Localização e subdivisões

Os Macua-Lómuè, por vezes considerados como duas entidades diferentes, constituem

a mais numerosa etnia de Moçambique(10) cujo território se estendia, outrora, do rio Zambeze

ao rio Messalo, a Sul e Norte, respectivamente, do Oceano Índico, a Este, até à actual fronteira

com o Malawi, a Oeste.(11) Na actualidade, com o centro em Nampula, os Macua-Lómuè

espalham-se para partes das províncias de Cabo Delgado, Niassa e Zambézia; eles reclamam,

segundo a tradição, uma origem mítica comum, como comuns são também a sua organização

sócio-familiar e a língua que falam. Alguns estudos advogam ser este o grupo bantu mais

antigo desta parte da África Austral, como diz Manuel Simões Alberto(12): "(...) Alguns

(9) Trabalhos de investigação arqueológica levados a cabo naquela província, no âmbito do Projecto CIPRIANA, avançam algumas hipóteses sobre o povoamento da região na Idade de Ferro Superior: (Cf. ADAMOWICZ, 1987: 45-144). (10) Segundo dados do censo populacional de 1980, 26,7% da população moçambicana tinha o emakhuwa como língua materna: MINED/EMS, 1986: 46. (11) CAPELA & MEDEIROS, 1987: 89. (12) ALBERTO; 1947: 22 (AHM-Cópia dactilografada).

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trabalhos de pré e proto-história moçambicana até hoje tidos como os mais próximos da

verdade demonstram que os mais antigos indígenas da colónia, - (sem contudo os podermos

considerar autóctones)-, são os povos Macuas, acrescentado a particularidade de serem os que

menos alterações têm sofrido e terem ocupado sempre a mesma situação geográfica desde o

seu remotíssimo estabelecimento na área que ocupam."

As diferenças que se observam entre os membros das comunidades da sociedade

Macua-Lómuè resultam da sua dispersão por um vasto território, do isolamento de certos

agregados e do predomínio de determinadas linhagens, entre outros factores.(13) É destas

diferenças que resulta, actualmente, a sua classificação em subgrupos que tomam designações

regionais. Os diversos autores que se dedicaram ao estudo do povo Macua apresentam

diferenças quanto à classificação dos subgrupos, particularmente em relação aos da costa. Para

uns, estes não passam de grupos dialectais; para outros, que se guiam por um critério mais

arbitrário, enquadram-nos em subgrupos mais vastos, no âmbito regional. É o caso de Manuel

Simões Alberto(14) que, parafraseando autores anteriores, considera que o grupo MA-KUA

(MACUA ou EMAKUA) se divide em cinco subgrupos, alguns pouco diferenciados: i) Sub-

grupo MACUA-LITORAL, falado em Angoxe, Memba, Nacala, Mossuril, Mogincual e

Moma; ii) Sub-grupo MACUA-MACUANA, falado nos actuais distritos de Nampula,

Meconta, Imala, Eráti, Mogovolas, Mossuril, Memba, Nacala e Mogincual; iii) Sub-grupo

MACUA-METO (ou MACUA do MEDO), falado em Montepuez, Eráti, Mecúfi, Mocímboa

da Praia e Quissanga, com a variante ACHERIMA falada em Ribáuè e Malema; iv) Sub-grupo

MACUA-NYASSA, falado nos actuais distritos de Lichinga, Ribáuè, Malema, Cuamba, Maúa

e Marrupa; v) Sub-grupo MACUA-LÓMUÈ, falado no Alto Molócuè, Gurué, Ile, Lugela,

Milange, Mocuba, Namacurra, Namarrói, Ribáuè e Murrupula.

Nesta divisão o CHIRIMA é considerado como uma variante do subgrupo Meto, o que,

na opinião do autor deste estudo, não corresponde à verdade; embora os dois grupos partilhem

fronteira comum, o que contribui para a formação de variantes locais incluindo características

dos dois, tratata-se na verdade de grupos diferentes. Aliás, o grupo Meto parece ser de

formação mais recente, resultante de cruzamento de gente de várias origens.(15)

No 1º Seminário Nacional dedicado à Padronização da Ortografia de Línguas Nacionais

e de acordo com o Relatório do NELIMO(16) foi considerada a seguinte divisão línguística no

(13) MACHADO, 1970: 106. (14) ALBERTO; 1961: 51-68; (obra citada por MEDEIROS, 1988: 331-353). Neste artigo o autor fez um levantamento das obras escritas sobre as línguas supracitadas, destacando: Obras de carácter variado, Dicionários e Vocabulários, Gramáticas e Métodos, Contos, Adivinhas, Traduções e Bilinguísmo e estudos das línguas africanas de Moçambique. (15)MEDEIROS, 1988 a: 21-29. (16)FIRMINO & alii, 1989: 42. O autor do presente trabalho considera esta divisão de imprecisa porque para as províncias de Cabo Delgado, Niassa e Zambézia, o leitor fica sem saber em que distritos se falam de facto as variantes aí predominantes. É omissa, porque, por exemplo, não faz alusão ao Ekoti e restringe o Echirima ao Niassa.

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que respeita ao Emakhuwa (uma divisão um tanto ou quanto imprecisa e omissa e que por isso

se trancreve na íntegra):

Nampula

Dentro desta província verificam-se as seguintes variantes:

-Emakhuwa, variante falada na cidade-capital e seus arredores, nomeadamente,

Mecubúri, Muecate, Meconta, Murrupula, Mogovolas, Ribáuè e Lalaua;

-Enahara, nos distritos de Mossuril, Ilha de Moçambique, Nacala-Porto, Nacala-a-

Velha e Memba;

-Esaaka, nos distritos de Namapa, Eráti e parte de Memba;

-Esangagi, em parte de Angoche;

-Emarevoni, em Moma;

-Elomwe, nos distritos de Malema, Ribaué, Murrupula e Moma.

Cabo Delgado

As variantes desta província, basicamente Emetto (meto) e Esaaka (saka), são faladas

nos distritos de Pemba, Montepuez, Balama, Namuno, Ancuabe, Quissanga, parte dos

distritos de Meluco, Macomia e Mocímboa da Praia; Chiúre e Mecúfi.

Niassa

As variantes desta província, Echirima, Elomwe e Emetto (meto), são faladas em

Cuamba, Mecanhelas, Amaramba, Marrupa e Mawa.

Zambézia

As variantes desta província, Emakhuwa, Elomwe, Emarevoni, são faladas nos distritos

de Gurué, Gilé, Alto-Molócue, Ile e Pebane.

QUADRO 1: Subgrupos étnicos Macua-Lómuè

Grupo

étnico

Grupos

Regionais

Dialecto Localização

Macua central

Emakhuwa

Distritos de Ribáuè, Mecuburi,

Muecate, Nampula, Murrupula,

Mogovolas,Meconta e Monapo

Meto Emetto Distritos de Marrupa Quissanga

Montepuez e Sul de Macomia

M

Chirima

Echirima

Distritos de Lalaua, Malema, Maúa,

Nipepe, Cuamba, Metarica, Mecubúri,

Norte de A. Ligonha, Ribáuè eNamuno.

A

C

Lómuè

Elómwè

Distritos de Cuamba, Mecanhelas,

Maúa Ribáuè, Lalaua, Guruè, Sul do A.

Mólocuè, Namarrói,Ile, Gilé, Lugela,

Pebane ,Maganja da Costa e Mocuba

Eráti Erati Namapa-Sede, Alua e Memba

U

Chaca Esaaka Distritos de Namapa/Nacaroa, Memba,

Mecúfi, Chiúre, Balama e Ocua

Marrevone Emarrevoni Distritos de Moma e Pebane, na orla

marítima

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A Nampamela Enampamela Interior do Distrito de Angoche

Mulai Emulai Interior do Distrito de Angoche

Cotí

Ekoti

Ilhas de Angoche e arredores

da cidade de Angoche, PA Aúbe e

Litoral do Larde e Moma

Sangage

Esankadji

Na península de Sangage, anorte de

Angoche e litoral de Namaponda

Mogincual Emuhikwari Distrito de Mogincual, faixa costeira

Naharra (Macua do

Litoral Norte)

Enahara Memba, Nacala, Mossuril e Ilha de

Moçambique

Macua de

Cab. Delgado

Emakhuwa Dist.de Mecúfi, Pemba, Quissanga

e Macomia

Muani Kimwani Orla litoral de Macomia e Ibo

Macua do

Rovuma

Emakhuwa

Um enclave incrustado na margem

direita do Rovuma, parte do

distrito de Mueda.

Fontes: - ALBERTO: 1942, 1961 e 1965; PRATA: 1960 e 1990; MACHADO: 1970;

BRANQUINHO: 1969; MEDEIROS: 1985.

Parecendo ser o critério dialectal o que mais se presta para a identificação dos grupos,

tentou-se neste trabalho resumir pelo quadro nº 1 o que se apreendeu dos vários autores; com

este quadro não se pretende no entanto apresentar a situação na sua versão definitiva. Um

trabalho completo nesse sentido carece de um estudo apropriado, baseado em trabalhos de

campo que possam completar ou rectificar o que se encontra registado. Para além dos grupos

apresentados no quadro nº 1 há, como se disse anteriormente, vários grupos locais. Por

exemplo, no Distrito de Namapa, para além dos Erati e Asaaka, há comunidades que se

identificam por Aniphuku e a língua que falam por Eniphuku; estes encontram-se a Este da

região entre a vila de Namapa e a sede do Posto Administrativo de Alua.(17) Outro exemplo é

o que o autor deste trabalho registou em Lalaua e diz respeito ao grupo da área chirima do

Posto Administrativo de Méti, cuja população se designa por Asinamuuwa e a língua que fala

por Enamuua.(18)

O grupo Lómuè comporta várias subdivisões restritas à Zambézia, facto que muitos dos

autores que abordam este tema passaram em silêncio.

Entre grupos vizinhos não existem fronteiras bem defininidas; por isso não parece

muito rigoroso afirmar-se que dois distritos limítrofes têm subgrupos muito diferenciados. Por

exemplo em todas as regiões ribeirinhas do rio Ligonha encontram-se populações do grupo

Lómuè; isto invalida, até certo ponto, a afirmação de que o Distrito de Malema tem 100% de

população chirima e que os de Ribáuè e Murrupula têm toda a sua população pertencente ao

subgrupo macua do centro.(19)

(17) VAQUINA, informação verbal prestada em Agosto de 1993. (18) Vd ponto 3.3.2., do capítulo III. (19)ALBERTO, 1965: 158 e 163.

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Por outro lado, devido à mobilidade das populações por influência de vários factores,

encontram-se em quase todo o território étnico núcleos dos diferentes grupos identificados.

Claro que estes, no decorrer do tempo, acabaram por assimilar as características do grupo

localmente dominante.

Em algumas regiões encontram-se grupos locais de origem exógena ao grupo Macua-

Lómuè, mas que com o tempo foram adquirindo traços deste, embora conservem alguns dos

seus traços característicos. É o caso, por exemplo, dos Maravi, incrustados a Oeste do Distrito

de Namapa, nos Postos Administrativos de Mirrote e Muite; estes desenvolveram um dialecto

próprio que muito se diferencia do dos seus vizinhos Chacas e Erátis.

Os Maravis constituiram-se nos seguintes regulados: Mucarara e Tubruto em Mirrote;

Capelelene em Memba; Metacane em Matibane; Reteta em Balama; Maroro em Mecúfi;

Mucaiaia em Lugenda e Nanguare em Mecula. A história da sua presença no território Macua é

assim descrita: " Os primeiros MARAVES, sob a chefia do clã Gicone ou Chicone ( do qual é

afim o clã Piri ou Aphiri, vulgar nos grupo CHEUA, SENA e NIANJA) vieram dos NIANJAS

(Niassalândia), atravessaram o rio Lúrio e fixaram-se em Balama, onde se cruzaram com os

Metos, e, por pressão dos Angones, atravessaram novamente o rio Lúrio e fixaram-se nas

actuais terras de Muite e do Mirrote, enquanto outro grupo, chefiado por Mehua, seguia para

Matibane, onde existem hoje três regedores Gicones, o dito Mehua, Capelelene e Metacane,

este descendente da rainha Sarima".(20) É o caso, por exemplo, dos Maganja, Mwaniga e

outros nomes na Maganja da Costa e em Pebane, dos Makololos...

Os grupos Ajaua eram, no teritório em causa, em menor número, não tendo chegado a

constituir-se em regulados importantes. A sua presença estaria, segundo se crê, relacionada

com as movimentações verificadas no século passado, devido ao tráfico de escravos(21) e os

pequenos grupos que se instalaram em território macua foram mais ou menos "macuizados"; o

mesmo se passou com pequenas comunidades angones na região de Messalo, em Cabo

Delgado.

1.2.1.2. Organização sócio-política

Quando os europeus conquistaram a África encontraram nela diversas realidades sócio-

políticas que não só diferiam entre si, como quase nada tinham a ver com o modelo de

organização política europeia. Por causa disto muito foi escrito pela pena dos etnólogos e

outros cientistas que na sua maioria assumiram o papel de legitimadores da "acção

civilizadora" dos seus Estados sobre as populações indígenas. Até muito recentemente

prevaleciam ideias defendidas pelos evolucionistas dos meados do século XIX para quem "Não

se podia ainda conceber uma humanidade no seio da qual houvesse várias civilizações

(20) BRANQUINHO, 1969: 317-318. (21) Idem: 322.

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diferentes quer tanto no seu passado como no presente. O outro era em função da nossa

própria realidade, onde o Ocidente ocupava naturalmente a última etapa da evolução."(22)

Apesar de tudo a verdade foi-se impondo sobre os mitos com o reconhecimento de que, como

escreve uma historiadora francesa,(23) "L'expression adoptée pour qualifier les sociétés sans

État de sociétés an-archiques, même si l'on ne se réfere qu'au sens étymologique du terme, est

révélatrice de cette confusion; car l'absence de structures d'État, au sens classique hiérarchisé

en terme, n'impliquait nullement l'anarchie: ni désordre ni confusion, mais l'existence de

structures politiques régulatrices, parfois très précisément réglementées."

A organização sócio-política do povo Macua era baseada no parentesco. Tal como nas

actuais comunidades rurais, o parentesco macua era definido pela via uterina, compreendendo

todos os indivíduos de ambos os sexos, adultos ou crianças, convictos de que descendiam, por

aquela via, de uma mesma antepassada de quem ninguém tinha memória, pois a sua existência

remontava aos "tempos da origem." Era o nihimo (pl.: mahimo ), termo aceite por todos os

autores que se dedicaram ao estudo deste assunto para corresponder ao clã.(24)

Os mahimo Macua tinham nomes específicos por que se distinguiam uns dos outros; o

significado dos nomes dos mahimo carece ainda de uma investigação que permita a sua

explicação racional. Sabe-se contudo que estes eram, geralmente, atribuídos por pessoas

doutros agrupamentos em alusão a uma virtude ou um defeito moral ou físico do antepassado

ou antepassados do grupo, não tendo, portanto, fundamento o argumento partilhado por alguns

autores de que "Os 'mahimo' parecem estar relacionados com uma actividade especial..."(25)

De facto entre os Macua parece não ter havido, ao longo da sua história, uma divisão de

actividades por especialidades exclusivas a grupos de parentesco. Os clãs macuas eram

atotémicos, embora haja autores que entenderam o contrário.(26)

Os etnólogos dizem que "(...) muito frequentemente, o clã não está ligado a nenhuma

área definida, e só os seus segmentos têm realidade espacial, encontrando-se, então, disperso

por várias localidades não contíguas. Quando esta dispersão geográfica é devida a migrações,

não é raro que o grupo mantenha ligações, sobretudo rituais, com o seu lugar original."(27)

Para o caso Macua, os indivíduos pertencentes aos diferentes mahimo encontravam-se, tal

(22)MOUTINHO, 1980: 31. (23)COQUERY-VIDROVITCH, 1985: 67. (24)Alguns dos autores que se dedicaram ao estudo da organização clânica das comunidades Macua-Lómuè são: a) GERARDS, 1941. b) BAPTISTA, 1951. c) CASTRO, 1960. d) MACHADO; op. cit. e) BRANQUINHO, op. cit. (25)GERARDS; op. cit. (26)CASTRO, op.cit.: 55; defende a existência do totemismo entre os Macua: "Pertencem ao mesmo 'niimo' os indivíduos que observam identicos tabus (amuico, muico, no singular) em relação a determinado animal, objecto ou lugar de nascimento, a certa planta ou coisa e a tudo que com eles se assemelhe ou relacione intimammente." Se istofosse verdade para as comunidades do passado haveria concerteza algumas reminescências. O que existe na verdade é a observância de tabús em relação a alguns animais ou plantas para certos indivíduos, independentemente do seu clã de pertença, em virtide de terem sofrido de uma doença e que tenham sido tratados por um curandeiro que lhes tenha prescrito a proibição de consumir ou usar de outra forma tais elementos da natureza. (27)AUGÉ & all., 1978: 35

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como acontece hoje, dispersos pelo vasto território étnico, constituindo-se localmente em

linhagens e sublinhagens, designados por maloko (sing.: nloko)(28) e irukulu (sing.: erukulu =

ventre), respectivamente. Portanto, entre os Macua apenas as linhagens e os respectivos

segmentos se podiam identificar como realidades geográficas. Assim, o que se podia encontrar

nas diferentes secções territoriais, eram as linhagens de diversos mahimo e os respectivos

segmentos, estabelecendo entre si relações de parentesco por intermédio de alianças

matrimoniais, fundamentalmente. Quase todos os mahimo macua evocam a sua origem

(mítica) nas regiões da Alta Zambézia, à excepção de alguns cujos membros se dizem oriundos

do Zomba (Malawi) ou das terras dos Macondes e Ajauas.(29)

A exogamia obrigava a que no território onde se fixava uma determinada linhagem se

encontrassem também os parentes por aliança matrimonial. A uxorilocalidade do casamento

impunha aos homens de outras linhagens irem viver para a unidade residencial das mulheres.

Para que os chefes da linhagem pudessem controlar melhor a circulação dos seus dependentes,

a tendência era a constituição de áreas matrimoniais que coincidiam, naturalmente, com os

limites da chefatura; esta era constituída num território bem delimitado à volta de uma

linhagem dominante. Assim, no interior de cada chefatura, viviam várias linhagens ou

segmentos de linhagens de gente livre, tendo cada uma um pequeno território próprio, um

decano - mwene ou humu e a respectiva pwiyamwene, responsável pela prepaparação de todos

os rituais do grupo.

A matrilinhagem compreendia, tal como o clã, membros femininos e masculinos que se

reconheciam descendentes, através de um sistema classificatório de parentesco, de uma

antepassada comum que no caso da matrilinhagem era genealogicamente reconhecida e

recordada, em especial nas cerimónias de culto mukuttho(30) onde são, geralmente, evocados

todos os antepassados do grupo. Em cada matrilinhagem e respectivos segmentos os membros

masculinos serviam de protectores, especialmente quanto às mulheres e seus filhos, na base do

poder avuncular. O protector de toda a matrilinhagem era, normalmente, o membro masculino

mais idoso, conhecido em algumas regiões por humu. Noutras regiões, tal como naquela em

que decorreu a investigação de que resultou este trabalho, aquele personagem é conhecido por

mwene, termo que designa todos os chefes de diferentes níveis: chefe de segmento de

linhagem, de linhagem ou territorial, sendo este último distinguido pelo adjectivo mutokwene,

grande, (amwene atokwene, plural honorífico). Em caso da morte de um chefe de qualquer um

(28) O termo "nloko" que os etnólogos adoptaram para designar a matrilinhagem pode ser aceite apenas como uma convenção, porque na realidade o seu significado pode ser muito mais vasto ou até restrito. Nloko (pl.: maloko) significa Povo, tribo, nação. Raça. Conjunto de pessoas que formam uma nação. (Cf. PRATA, 1990: 229) (29) BRANQUINHO, op. cit.: 223-253. (30) Nas cerimónias de mukhuttho ou makeya (deposição da farinha de mapira e/ou cerveja tradicional em lugares sagrados) são evocados os nomes de todos os defuntos da sublinhagem ou da matrilinhagem, consoante a amplitude do acontecimente que se pretende celebrar.

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daqueles níveis o vazio era preenchido, normalmente, por um sobrinho uterino.(31) A

sucessão, principalmente a do mwene mutokwene, era revestida de rituais específicos, depois

dos quais o herdeiro passava a representar o defundo em todos os aspectos da vida social.

Estruturalmente a matrilinhagem era concebida na forma de um sistema hierárquico no

qual a ordem e o "status" passavam através das mulheres e projectavam-se nos homens,

segundo a ordem do nascimento. Isto dava origem a maiores ou menores segmentos, irukulu;

tal facto resultava de constantes cisões dos clãs, pois "quando eles se tornavam muito grandes

e os seus membros se encontravam dispersos por um território muito vasto, as relações de

cooperação tornavam-se mais difíceis, e o parentesco deixava de reger as relações

interindividuais da vida privada de todos os membros da linhagem. Da expansão demográfica

resultava, portanto, a ramificação da linhagem numa proliferação de segmentos que ocupavam

novos territórios agrícolas."(32)

Ao contrário do que escreveram Capela e Medeiros,(33) identificando omusi com a

família alargada que "era formada pela matrilinhagem do Ego, pela família materna do pai,

pelos cônjuges das irmãs e respectivos parentes uterinos", apenas os indivíduos da mesma

matrilinhagem e, por extensão, do mesmo nihimo são amosi ou amusi ou amudhi (termo que se

pode traduzir por parentes, os da família, os do mesmo clã), conforme as regiões. De amusi

(sing.: mmusi) deriva a palavra omusi que exprime a pertença à mesma filiação matrilinhageira

ou matriclânica. Todos os indivíduos que não fossem da matrilinhagem ou do clã do Ego eram

designados por amalapo (sing.: mmalapo) no sentido de estranhos à família clânica. A

exogamia e a proibição do incesto eram rigorosos entre os amusi.

Com fundamento principalmente em razões de ordem económica, Eduardo

Medeiros(34) descreveu os processos pelos quais se operaram entre os Macua-Lómuè,

mudanças profundas na sua organização sócio-política. Refere este autor que ao longo dos

séculos XV, XVI e XVII a crescente procura do marfim levou os chefes clânicos a

organizarem grandes expedições de caça ao elefante. O monopólio das actividades cinegéticas

e do trato reforçou o poder de alguns desses chefes, donde resultou uma nova geografia

política no território macua-lómuè. Um outro factor que terá tido maior influência para a

centralização do poder naquela sociedade foi o domínio Marave que se fez sentir em vastas

regiões do território.(35)

(31) Não era necessariamente o filho da irmã germana. Entenda-se que entre todos os membros da matrilinhagem a relção é de irmãos ou tios/sobrinhos, sendo rigoroso o posicionamento hierárquico devido à idade. (32) CAPELA & MEDEIROS, op. cit.: 90-91 (33) Idem: 94. (34)MEDEIROS, 1985: 6. (35) Cerca de 1635 uma facção Marave do Karonga Muzura controlava o imenso território que se estendia até à Ilha de Moçambique. (Cf. António Barroco, citado por RITA-FERREIRA, 1975: 47). O mesmo autor, citando o relato do Pe. Manuel Barreto, apresenta, para depois de 1660, Karonga como o único senhor dos territórios do Vale do Zambeze povoados por Macuas e Lomues. A. Alpers, citado igualmente por RITA-FERREIRA, afirma que no séc. XVIII o Império dos Karongas já tinha perdido a sua unidade e poderio, sustentando como causa o monopólio ajaua sobre o tráfico do marfim efectivo cerca de 1730.

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Entretanto, parece ter sido com o rápido crescimento do comércio de escravos, a partir

do século XVIII, que se acelerou a formação de grandes unidades políticas. A caça ao escravo

provocou um recrudescimento considerável das práticas guerreiras, tanto no interior da

sociedade macua-lómuè como nas terras vizinhas. O esclavagismo vivia da guerra e os

potentados macua fizeram dela a alavanca da reprodução do seu poder. Estas guerras

originaram também o aumento das migrações internas de comunidades inteiras e

diferenciações sócio-económicas regionais de que resultaram traços culturais e dialectais

específicos. As alterações registadas nunca chegaram, no entanto, a destruir a malha da

organização clânica e linhageira dos séculos anteriores que permaneceu como a base da

estrutura social macua-lómuè.(36)

Aurélio Rocha,(37) como que a corroborar esta tese afirma: "Um panorama revelador

de tamanhas convulsões por que passava então a região de entre Lúrio e Ligonha, porventura

relacionado com as tardicionais disputas dinásticas, como também com mudanças aceleradas

na vida económica (consumo exorbitante de bens de prestígio, decadência da agricultura) e na

estrutura demográfica (despovoamento originado pelas guerras de pilhagem e razias e pela

captura e exportação de escravos), e com a posse de armas de fogo nas mãos de potentados -

xeques, chefes e régulos. Esta introdução de armas de fogo pelos Europeus, praticamente

derivada do tráfico de escravos, foi, então, grande factor de perturbação e de aceleração de

conflitos locais, (...)".

A partir dos meados do século XIX, servindo-se de uma prática inerente às sociedades

matrilineares, a reprodução social com recurso ao rapto e incorporação de gente estranha(38), a

classe dominante das chefaturas macua recorreu continuamente aos casamentos com mulheres

cativas. Esta situação permitiu, como refere Medeiros:(39) i) a permanência no território da

linhagem dos seus homens casados com cativas; ii) a punção do sobretrabalho dos maridos

cativos à margem das relações tradicionais de aliança e iii) a formação de grupos de

dependentes que se reproduziam dentro e fora da chefatura. Estes factores provocaram uma

tendência à virilocalidade e a uma poligamia mais agrupada.

(36) A estrutura sócio-política prevalecente na sociedade Macua-Lómuè no período da conquista militar portuguesa pode levar a confusão de que se tratava de uma transição do sistema matrilinear para o patrilinear. Os filhos de uma cativa com um mwene não tinham outra referência que não o pai. Quando crescidos e casados com as sobrinhas do pai o seu poder paternal virava-se para os filhos, porque ainda não tinham sobrinhos. Esta situação era provisória na medida em que a partir da 3ª geração no seio da linhagem cativa reproduzia-se a situação normal, porque os indivíduos já tinham tios. Ao bisavô paterno era devido o respeito apenas como ponto de referência. A dominação colonial e a subsequente divulgação de valores ocidentais concernentes à família veio até certo modo alterar o papel do pai, reforçando-a. (37) ROCHA, 1989: 604. (38) MEILLASSOUX, 1977: 55-56. (39) MEDEIROS, 1985: 8.

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1.2.2 A presença dos Swahili e dos Portugueses na costa

Antes de desenvolver este aspecto torna-se necessáreio esclarecer o que neste trabalho

se designa por swahili. Incluem-se nesta designação "(...) os povos islamizados da costa

oriental africana, que falam uma língua que provém estruturalmente de línguas bantu,

integrando do árabe (mas não só) um grande número de vocábulos, e que partilham uma

cultura específica da costa. Cultura essa resultante da interacção de duas culturas - a cultura

bantu, específica de uma determinada região, e a cultura islâmica, com séculos de permanência

na costa oriental africana."(40) Este autor considera os swahili da costa norte moçambicana

diferentes dos das regiões a Norte do rio Rovuma, porque naqueles "a percentagem do sangue

árabe era muito menor", uma vez que os "(...) islamizados que se vieram radicar na costa

moçambicana actual eram provenientes de centros como Quíloa, Zanzibar e ilhas Comores,

onde um primeiro processo de suahilização tinha já sido encetado."(41) O surgimento dos

centros swahili em Angoche, Ilha de Moçambique, Quelimane, Sofala e ilhas Querimbas,

fundados por aristocratas islâmicos oriundos de Quíloa, data do século XII.

Antes da instalação dos portugueses na Ilha que, mais tarde, seria Ilha de Moçambque,

encontravam-se na região costeira a Sul do rio Lúrio vários núcleos muçulmanos, entre os

quais se podem mencionar Memba, Matibane, Infussi, Mocambo, Mossuril, Ilha de

Moçambique, Sancul, Mogincual, Sangage, Angoche, Moma e Pebane.(42) Foi a partir

daqueles núcleos que ao longo do século XVI se constituiram os chamados "reinos afro-

swahili" ou "Estados swahili": os xeicados da Quitangonha, Sancul e Sangage e o sultanato de

Angoche.

O xeicado da Quitangonha estendia-se da Baía de Fernão Veloso (Nacala) à Baía da

Condúcia, a Norte de Mossuril, com uma frente marítima de 50 Kms; os seus limites

interiores, tal como acontecia com os outros domínios swahili, não eram muito precisos.(43)

Este xeicado teria sido formado entre 1515 e 1585, tendo os seus fundadores saído da Ilha de

Moçambique;(44) era constituído no seu conjunto por domínios de xeiques muçulmanos que

tinham relações directas com Zanzibar, Arábia, Comores, Madagáscar e Reunião, dispondo de

sólidos apoios entre os funcionários e os mercadores da Ilha.(45)

Sancul era outro xeicado com limites prováveis do Lumbo ao porto de Mogincual;

dominava uma linha costeira de cerca de 70 Kms.(46) A sua formação ocorreu, igualmente, no

(40) ROCHA, op. cit.: 582. (41) Ibidem (42) MACHADO, op. cit.: 388. (43) PÉLISSIER, 1987: 57. (44) DH/UEM, 1982: 131. (45) PÉLISSIER, ibidem (46) Idem; p. 56.

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século XVI, tendo os seus fundadores saído também da Ilha de Moçambique; com uma

situação geográfica favorável mantinha um considerável intercâmbio com o exterior.(47)

Os xeicados da Quitangonha e do Sancul foram, durante muito tempo, considerados

como vassalos das autoridades portuguesas. Por força dos termos dessa vassalagem os xeiques

declaravam obediência ao governador-geral, comprometendo-se a não comerciar senão com a

Ilha e abster-se de todos os actos hostis. Em contrapartida, porque a vassalagem lhes dava,

afinal, o estatuto de funcionários da coroa portuguesa, era-lhes devido um salário. Na realidade

os termos desta vassalagem eram observados enquanto os interesses de ambas as partes não

colidissem em flagrante, e desde que os xeiques não se sentissem incomodados nos seus

negócios.

O xeicado de Sangage tinha cerca de 40 Kms de costa entre Mogincual e a foz do rio

Metomode; os seus fundadores eram oriundos de Sancul, o que pressupõe que a sua formação

ocorreu depois deste último. A sua sujeição nominal, desde a sua fundação, ao sultanato de

Angoche "lançava-o para a sombra."(48)

Angoche era um sultanato com sede em Catamoio, no interior da Ilha do mesmo nome.

A sua influência ia desde o Sangage, a Norte, até ao rio Moniga, em Pebane; nesta faixa

costeira de cerca de 300 Kms encontravam-se numerosas feitorias súbtidas daquele sultanato:

Quinga, Sangage, Parapato, Angoche, Larde, Moma, Moebase e Pebane. Nalgumas destas

feitorias vassalas os dirigentes estavam ligados pelo casamento ou pelo parentesco aos chefes

Macua, em cujas regiões iam subsistindo ou prosperando.(49) O sultanato de Angoche, ao

qual, como foi referido, estava subordinado o xeicado de Sangage, considerava-se

independente em relação às autoridades portuguesas com as quais manteve, até 1849, relações

relativamente boas.

Os quatro eram Estados sem continuidade territorial. "Alguns núcleos de suahilis, tanto

homens do xeque como moradores, soldados e pessoas de condição mais modesta, ocupavam

vários pontos da costa. Rodeados de Macuas islamizados ou não - clientes, soldados, escravos

ou compadres de negócio - formavam outros tantos quistos na costa, tolerados pelas povoações

macuas do litoral. Uma vez passados os poucos quilómetros da faixa costeira, os suahilis

tinham uma influência flutuante na miríade de régulos macuas ora aliados, ora súbtidos ora

inimigos."(50)

A organização sócio-política destes swahili carece ainda de um estudo; contudo, a

incorporação nas suas unidades políticas de populações e chefes macuas leva a deduzir que, se

ela era diferente tinha em boa parte elementos do sistema macua-lómuè. Para os angocheanos,

por exemplo, havia "o problema das linhagens e da dupla sucessão, patrilinear e matrilinear, de

(47) DH/UEM, 1982: idem. (48) PÉLISSIER, op. cit.: 64 (49) Ibidem. (50) Idem: 56-57

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extrema complexidade, numa sociedade mista em que, mesmo nas feitorias mais 'seguras', os

Bantos eram sempre em maior número que os suahilis, (...)."(51)

Os portugueses ocupavam nesta altura, por volta de 1850, a Ilha de Moçambique,

capital das possessões portuguesas da África Oriental desde 1752, data em que passaram para a

administração directa de Portugal, separando-se da tutela do Vice-Rei da Índia.(52) Eram

igualmente do domínio dos portugueses as terras do Mossuril, Cabaceiras Grande e Pequena e

arredores, conhecidas sob a designação comum de "Terras Firmes".

1.3. A conquista colonial

1.3.1. Periodização e Caracterização

As lutas que culminaram com a conquista e ocupação colonial portuguesa da região

entre os rios Lúrio e Ligonha podem, para comodidade do seu estudo, ser enquadradas em dois

períodos, de acordo com o grau de envolvimento dos seus intervenientes, entre outras

características. O primeiro período, se se tiver em conta que o tráfico ilegal de escravos foi a

principal causa das confrontações, vai desde c.1836(53) até 1885/86 e o segundo vai desde esta

altura até 1914/16.

O primeiro período foi caracterizado pelas lutas luso-swahili, tendo por causa imediata

a hegeminia mercantil, em particular o tráfico de escravos que se intensificou nos meados do

século passado. Neste período, muito em particular nos seus últimos decénios, era notória a

superioridade dos swahili que, aos poucos, passariam a contar com o envolvimento cada vez

mais crescente dos dignitários das vizinhas chefias macuas, por um lado; por outro lado

verificava-se a fragilidade das posições dos Portugueses que ora se propunham, pressionados

pelos movimentos abolicionistas e pela intervenção britânica, a combater o tráfico, ao mesmo

tempo que os seus funcionários se mostravam "indecisos" devido ao seu comprometimento e

participação no negócio negreiro.

No segundo período, cujo início foi marcado pelo fracasso na fiscalização da

escravatura e nas determinações da Conferência de Berlim (1884/85), impunha-se aos

portugueses , no dizer de Aurélio Rocha,(54) um redireccionamento económico e político. A

partir daqui envereda-se pela imposição de um novo modo de produção pela força das armas,

que se resume na famosa fórmula de Mouzinho de Albuquerque: "colonização=ocupação

militar e sujeição ao imposto e trabalho obrigatório"

(51) Idem: 65. (52) DH/UEM, 1982: 89-90. (53) Sobre o tráfico de escravos e a legislação para a abolição da sua prática há estudos entre os quais se destacam: a) CAPELA, 1978; b) CAPELA & MEDEIROS, 1987; c) MEDEIROS, 1988 b;. José Capela tem outros estudos em publicações periódicas da UEM e do AHM. (54) ROCHA, op. cit.: 598.

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Cada um dos períodos definidos pode, por sua vez, subdividir-se em outros mais

curtos. Para o primeiro período ter-se-iam três subperíodos:

i) o primeiro vai até 1861. O seu termo foi marcado pela invasão de Angoche pelos

zambezianos de João Bonifácio, que tendo, com o auxílio dos portugueses da Ilha de

Moçambique, terrotado Mussa Quanto, permitiu que aqueles se fixassem pela primeira vez nos

domínios do sultanato de Angoche.(55)

ii) no período seguinte, decorrido de 1861 a 1885, verificou-se a intensificação do

tráfico protagonizado pelos sultões angocheanos e os xeiques de outros entrepostos swahili, o

estabelecimento de alianças entre estes e os dignitários das chefias macuas locais e a

multiplicação de recontros luso-swahili(-macua).

iii) no intervalo de 1885/86 a 1896, segundo a caracterização feita por Aurélio

Rocha,(56) "Mudou a natureza da presença portuguesa, que de comercial e retraída passou a

alinhar pela norma colonial de ocupação e domínio territorial. A posse livre do litoral era a

condição sine qua non da expansão para a conquista do interior". A necessidade da protecção e

da preservação do comércio de escravos foi o elemento, que face ao envolvimento cada vez

mais crescente das forças militares portuguesas, ditou neste período a formação da coligação

macua-swahili, que pela primeira vez se estendia de Memba a Moma, e as constantes revoltas.

O segundo período compreende os subperíodos que vão de 1896 a 1906 e desta data até

1914/16. Em Março de 1896 chegou ao Distrito de Moçambique Mouzinho de Albuquerque

que fora nomeado Governador-geral; este facto mudou drasticamente o curso dos

acontecimentos, na medida em que marcou o início das tentativas dos portugueses de

ocuparem e dominarem definitivamente o Distrito. Mouzinho escolheu o interior frente à Ilha

de Moçambique para iniciar a conquista, tendo por alvo os Namarrais; desencadeada a

campanha, as forças portuguesas não só enfrentaram as hostes namarrais como também as de

Farelay de Angoche, do Marave de Sancul e do Alua de Quitangonha, pois no primeiro revez

que os portugueses tiveram na batalha de Mujenga, em 19 de Outubro de 1896, a guerrilha

namarral compreendia aquelas forças conjuntas.(57) Os Swahili e os seus vizinhos teriam

compreendido a necessidade de cooperarem para enfretar o inimigo comum em que os

portugueses se estavam a tornar.

Sem se pretender entrar em detalhes, insere-se uma breve cronologia de alguns

acontecimentos ocorridos ainda durante o governo de Mouzinho de Albuquerque: i) Outubro

de 1896 - Grande campanha contra os Namarrais e o recuo de Mouzinho em Mujenga; ii)

Nov/Dezembro de 1896 - Flagelação dos postos portugueses por Marave; iii) Marave ataca as

(55) PÉLISSIER, op. cit.: 222-224. (56) ROCHA, op. cit: 606. (57) Ibidem

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posições portuguesas em Sancul; iv) 26Fev./6Abr. de 1897 - Primeira fase da segunda grande

campanha contra os Namarrais, submetidos em Junho.(58)

Mouzinho dirigiu as suas campanhas durante dois anos; em 1889 foi chamado de

regresso para Lourenço Marques por causa do conflito entre a Inglaterra e o Transvaal.(59) À

saida de Mouzinho seguiu-se uma "pausa" necessária para a etapa seguinte, caracterizada por

Alexandre Lobato(60) nos seguintes termos: "Depois de Mouzinho, os primeiros anos

gastaram-se no litoral na construção de postos, na abertura de estradas, repressão ao

contrabando de armas, resposta pronta às flagelações do mato, pequenos combates frequentes."

Foi na verdade um período de repressão, se se tiver em conta o número maior de

"régulos" que se viram obrigados a "pegar o pé" sob a pretensão de estarem a assinar tratados

de vassalagem.(61) Foi também neste intervalo em que as forças navais se mostraram

decididas a fazer o assalto final aos traficantes de escravos a Norte de Fernão Veloso.(62)

Em Outubro de 1905, Azevedo Coutinho esboçou um novo plano de ocupação do

interior do Distrito; o esquema foi diferente do de Mouzinho. Este optara pela submissão de

sucessivas zonas circulares a partir do litoral; Azevedo Coutinho estabeleceu cinco linhas de

penetração, a balizar com postos militares ao longo dos rios Mecubúri, Monapo, Mogincual e

Meluli e na Macuana ao longo do histórico caminho das caravanas do Lago Niassa.(63)

O plano de Azevedo Coutinho foi executado por Massano de Amorim, Governador do

Distrito entre Maio de 1906 e Dezembro de 1910, não na sua forma original porque, como

escreve Pélissier(64) "[o esboço inicial] não foi respeitado por falta de efectivos e, também,

apesar da massa de informações recolhidas por Massano de Amorim, a ignorância acerca do

interior do distrito era ainda tal que os eixos de penetração viriam a ter de ser modificados

conforme as circunstâncias e, literalmente, conforme as sucessivas explorações."

A penetração para o interior Centro-Ocidental foi devida, fundamentalmente, a Neutel

de Abreu que soube servir-se dos conflitos inter-clânicos mobilizando importantes chefes ao

serviço da conquista militar portuguesa. De entre esses chefes destaca-se Mucapera de

Corrane, do clã Alaponi, que se encontrava em conflitos não só com os swahili da costa, mas

também com os outros chefes, particularmente os Amulima do planalto interior. Estas

(58) PÉLISSIER, 1988: 479-480. (59) LOBATO, 1971: 18. (60) Idem: 19. (61) A documentação militar da época assinala numerosos casos de régulos que assinaram tratados de vassalagem no período de 1900 a 1904 (AHM; Correspondência do Distrito de Moçambique ao Governo Geral, Cx. 1007 a 1016). O mesmo acontece no Relatório de Massano de Amorim para o período posterior: AMORIM, 1911. (62) Em Março de 1902 foram aprisionados 12 pangaios e libertados 128 escravos na Baia de Simucu, a Norte de Memba. Foi igualmente preso o régulo Nampuita-muno, o maior traficante da região. (AHM; idem, Cx. 1011, 17/3/1902). (63) LOBATO, op. cit.: 19. (64) PÉLISSIER, 1987: 293.

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rivalidades estavam, sem dúviada, relacionadas com a escravatura, pois nesta altura as lutas

pela hegemonia comercial eram muito frequentes.

Para se ver livre dos seus inimigos, Mucapera optou pela colaboração com os

portugueses. Em 1905 convidou o capitão-mor de Angoche, Eduardo Lupi, a visitá-lo, e em

1906 repetiu o convite ao capitão-mor José Augusto da Cunha; no lugar deste, Massano de

Amorim ordenou que fosse Neutel de Abreu que já mandara uma embaixada a Mucapera.(65)

Em Abril de 1906 Mucapera e Neutel de Abreu celebraram um pacto de sangue,(66) facto que

teve efeitos psicológicos enormes não só entre os homens de Mucapera mas também noutros

pontos da região, particularmente a Ocidente. Dalí para diante Mucapera passou a fornecer

homens aos portugueses e até a passar-lhes informações sobre os outros chefes, naturalmente

seus inimigos.

Um Decreto de 1904(67) havia dividido a Macuana em duas capitanias-mores,

Mossuril e Macuana e para ambas foram definidas tarefas no âmbito da ocupação do interior.

Em 1906 começou o avanço em três direcções: i) Norte- Itoculo-Rainho-Imala; ii) Sul-

Mogincual-Liúpo-Corrane-Nampula e iii) Centro- Jagaia-Meconta-Otitane.

A Neutel de Abreu coube o comando da segunda coluna. Depois de fundar o posto de

Corrane, na sequência do pacto firmado com Mucapera, em 1907 atingiu as terras de Nampula

onde em Outubro fundou o primeiro posto militar que passou a sede da Capitania-Mor da

Macuana que até então se achava em Itoculo. A partir de Nampula Neutel de Abreu abriu os

postos militares de Chinga, Ribáuè, Murrupula e mais tarde em Malema.(68)

1.3.2. A ocupação e a evolução da divisão administrativa coloniais

Ainda nos princípios da segunda metade do século XIX Moçambique não existia nem

como uma entidade política, nem étnica, nem económica. Tal como se caracterizou o Distrito

de Moçambique de então, os portugueses encontravam-se acantonados em algumas feitorias da

costa e ao longo do Vale do Zambeze; o interior era o domínio das diversas unidades políticas

africanas que, no âmbito deste trabalho não se pretende descrever. Os actuais contornos do

País são o resultado da colonização portuguesa que culminou com um processo de conquista

militar contra os africanos decorrido entre 1859 e 1918. No final deste período havia em

Moçambique três administrações diferentes que o retalhavam em sete parcelas, como refere

Pélissier:(69)

(65) LOBATO, ibidem (66) CASTRO, 1941: 10. (67) BO. nº 45, 1904: 7-8. (68) CASTRO, op. cit.: 11. (69) PÉLISSIER, op. cit.: 133-135.

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i) As actuais Províncias do Niassa e de Cabo Delgado constituiam os Territórios da

Companhia do Niassa, com cerca de 25% de todo Moçambique, dos quais Portugal se

encontrava ausente.

ii) O Distrito de Moçambique, entre os rios Lúrio e Ligonha, com cerca de 10% do

território, que era directamente gerido pela administração colonial.

iii) A Zambézia Setentrional e Oriental, com cerca de 15%, pertencia a diversas

Companhias Concessionárias, sem privilégios majestáticos, nas quais o Estado delegara uma

parte dos seus direitos (especialmente fiscais);

iv) Alguns enclaves a Oriente do Distrito de Quelimane e

v) o Bárue, perfazendo cerca de 10%, eram da administração directa do Estado.

vi) Os Territórios da Companhia de Moçambique, com uma administração própria,

compreendiam as regiões a Sul e Leste do Bárue, a Zambézia Meridional e uma faixa a Sul do

rio Save, com cerca de 25% do território moçambicano.

vii) O Sul, compreendendo cerca de 15%, era da administração directa do Estado

Português.

A partir dos finais do século XIX os limites daquilo que viria a ser o "Distrito de

Moçambique", com a "ocupação efectiva" portuguesa, sofreram sucessivas alterações, à

medida que a conquista militar ia sendo estendida para o interior. Cerca de 1850 a área do

Distrito estendia-se diante da Ilha de Moçambique pelas "Terras Firmes"; nesta designação

eram incluídas as terras fronteiriças do continente, onde a autoridade dos portugueses se fazia

sentir sem limites fixos por causa dos permanentes ataques dos dignitários das chefias Macua e

Swahili. Essas terras compreendiam, ainda nessa altura, as Cabaceiras Grande e Pequena,

Mossuril, os Xeicados de Quitangonha e Sancul e alguns territórios do interior. Com a

progressão das campanhas da conquista iniciadas a partir do litoral, nos meados dos anos 80,

os portugueses controlavam já em 1895, para além das Terras Firmes, os postos de alfândega

ou cabeças de pontes de Parapato (Angoche), Sangage, Mogincual, Infusse (Sancul), Moma,

Lunga, e Matibane; tudo isto numa altura em que o Distrio se estendia do rio Lúrio ao rio

Moniga.

Até 1906, e como resultado das campanhas militares iniciadas por Mouzinho de

Albuquerque em 1886, "o distrito português era uma simples linha de postos militares situados

a maior parte deles na costa ou num curso de água que desaguava no mar."(70)

Pela Reforma Administrativa de 1907(71) a Província de Moçambique foi dividida em

5 Distritos: Lourenço Marques, Inhambane, Quelimane, Tete e Moçambique, à frente de cada

um dos quais se encontrava um governador. A capital ficou definitivamente fixada em

Lourenço Marques que o era de facto desde 1898. Os Distritos foram subdivididos em

Concelhos ou Circunscrições nas zonas "pacificadas" e em Capitanias-Mores nas recentemente

(70) PÉLISSIER, idem: 292. (71) BO. nº 26, 1907: 1-15.

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conquistadas ou consideradas perigosas. A unidade de base dos Concelhos ou Circunscrições

era o Posto Administrativo; a das Capitanias-Mores era o Comando Militar. Esta Reforma não

abrangia os territórios das Companhias do Niassa e de Moçambique.

QUADRO 2: Capitanias e Postos Militares do Distrito de Moçambique em 1906. Capitania Postos

Fernão Veloso (Norte) Lúrio, Chaonde, Simuco, Fernão Veloso, Memba, Sacamula e Quissimajulo

Mossuril ex-Terras Firmes (Centro)

Matibane, Ibraimo, Naguema, Moemela, Muchelia, Saua-a-Sau, Mutiquite, Lunga, Namuco, Infusse, Mogincual, Quinga e Ligúria

Macuana (Interior) Myali e Itoculo

Angoche (Sul) Sangage, Parapato, Boila, Quilua, Moma, Naburi, Moebase, Iuse e Tejungo

Fonte: PÉLISSIER, 1987:292.

Foi sob o mandato de Massano de Amorim, governador do Distrito de Moçambique

(Maio de 1906-Dezembro de 1910) que a conquista se estendeu para o interior, tendo os

comandantes militares criado vários postos. Entretanto foi sob o governo de Duarte Ferreira (8

de Fevereiro de 1911- 2 de Maio de 1916) que se deu por concluída a ocupação do Distrito; os

Comandos Militares do final deste período viriam a ser, na sua maioria, os antecessores das

futuras Circunscrições Civis.

Em 1916 a divisão administrativa do Distrito de Moçambique compreendia, portanto,

as Capitanias-Mores, Comandos Militares e Postos Militares, discriminados no quadro nº 3.

Em 1917 foram extintas as capitanias e foram criados quinze Comandos Militares(72),

conforme o quadro nº 4.

Pela Portaria 1301 de 20 de Setembro de 1919 foi extinto o Comando Militar de

Umpuhua tendo a sua área sido incorporada no de Ribáuè. Foi ainda, pela mesma Portaria

criado o Comando Militar do Monapo, com sede em Monapo.

O Decreto nº 68 de 30 de Junho de 1921(73) promulgou a extinção dos Comandos

Militares do Distrito de Moçambique, tendo no seu lugar sido criadas as Circunscrições Civis

descriminadas no quadro nº 5.

A partir de 1921, e durante cerca de dois anos, a divisão administrativa do Distrito de

Moçambique passou a compreender as Circunscrições descriminadas no quadro nº 5 e o

Concelho do Lumbo. Nesta altura os limites do Distrito eram os rios Lúrio e Ligonha a Norte-

Oeste e Sul-Oeste, respectivamente, o Oceano Índico a Leste, e o vértice entre o rio Lúrio e o

prolongamento do Ligonha pelo paralelo 15°S, a Oeste.

Em 1923 foi extinto o Concelho do Lumbo.(74) Em 1924 foi criada a Circunscrição de

Moma, a partir de territórios desanexados das Circunscrições de Angoche e Mogovolas.(75)

(72) B.O. nº 29, 1917: 203-204. (73) BO. nº 27, 1921. (74) BO. nº 21, 1923: 131. (75) BO. nº 12, 1924:.65

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Sete anos mais tarde, em 1930, foram criados os Concelhos de Moçambique (de 2ª ordem) do

Lumbo e de Angoche (ambos de 3ª ordem), mantendo-se as Circunscrições de Memba, Eráti,

Imala, Nacala, Mossuril, Mogincual, Macuana, Ribáuè, Malema, Meconta, Mogovolas e

Moma.(76)

Em 30 de Outubro de 1934, à área do Distrito de Moçambique foram acrescentadas as

Circunscrições de Amaramba, Metarica, Metonia e Lago. E a divisão administrativa de

Moçambique, a norte do rio Ligonha, passou a compreender a Província do Niassa subdividida

em dois Distritos: Moçambique e Porto Amélia, passando a sede do Distrito de Moçambique

para Nampula e elevando-se a vila de Nampula para a capital da Província.

Nesta altura a Colónia de Moçambique compreendia três Províncias: i) Província do

Sul do Save, com a capital em Lourenço Marques; ii) Província da Zambézia, com a capital na

Beira e, iii)Província do Niassa, com a capital em Nampula.(77) Em Dezembro do mesmo ano

foram criados os Concelhos de Nampula, António Enes e Moçambique, mantendo-se as

restantes Circunscrições.(78)

Vinte anos mais tarde, em 1954, foi decretada a extinção da Província do Niassa,

criando-se na área que lhe havia pertencido os Distritos de Moçambique, Niassa e Cabo

Delgado, tendo o Distrito de Moçambique voltado aos limites de 1930.(79)

Em 1959 foi criada a Circunscrição de Murrupula, a partir de uma parte da área do

Concelho de Nampula;(80) em 1962 foram criados os concelhos de Fernão Veloso(81) e de

Monapo(82) Dois anos mais tarde, em 1964, as Circunscrições de Mossuril(83), Eráti(84),

Meconta(85), Ribáuè(86) e Moma(87) foram elevadas a categoria de Concelho; em 1966 a

Circunscrição de Imala foi desmembrada em duas: Muecate e Mecubúri.(88)

QUADRO 3: Capitanias em 1916

Capitania-Mor Comandos Militares Postos Militares

Memba Memba, Simuco, Chaonde, Sacumula e Lúrio. Memba Eráti Namapa, Niveta, Naparare e Uante Muagi Namissaco e Matilene

Mossuril Fernão Veloso, Matibane, Lunga e Mogincual. Mossuril Itoculo Itoclo, Iamurrimo, N´tia e Morruto.

(76) BO. nº 16, 1930: 16. (77) BO. nº 48, 1934: 679-680. (78) BO. nº 51, 1934: 698. (79) BO. nº 46, 1954: 621. (80) BO. nº 33, 1959: 809. (81) BO. nº. 37, 1962: 1419. (82) BO. nº 37, 1962: 1457. Monapo já era Circunscrição desde 30/3/57 (Cf. BO. nº 13 p. 267). (83) BO. nº. 16, 1964: 530. (84) Idem: 535. (85)Idem: 542. (86) Ibidem (87) Idem: 536. (88) BO. nº 38,.1966: 1519.

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Quixaxe Quixaxe, Jagaia e Liupo

Macuana Nampula Nampula, Corrane, M'conta, Murrupula e Chinga Imala Imala, Muecate e M'cubury

Alto Lúrio Ribáuè Ribáuè e Ligonha Malema Malema e Mutuáli Umpuhua Umpuhua e Namacala

Angoche Parapato Sangage, Boila, Namaponda e Quilua Imbamelas Matil, Pequerra e Iuluti Matadane Moma e Guarnea Mogovolas Calipo, Namezeze e Muatua Fonte: AHM-Fundo da Direccção Dos Serviços de Administração Civil; Relatórios dos Governadores de Distrito 1915-1616, Cx. nº 6.

QUADRO 4: Comandos Militares do Distrito de Moçambique em 1917.

Comando Militar Sede Comando Militar Sede

Memba Eráti Muagi Itoculo Imala Umpuua Mossuril Matadane

Memba Namapa Nacaroa Nacala Mcubury Umpuua Mossuril Moma

Meconta Macuana Ribáuè Malema Mogincual Angoche Mogovola

Meconta Nampula Ribáuè Malema Mogincual A. Enes Nametil

Fonte: BO. nº 29, de 21/7/1917.

Pelo Decreto 243/73 de 17 de Maio foi criado o Distrito da Ilha de Moçambique,

constituído pelos Concelhos do Eráti, Monapo, Fernão Veloso, Mossuril e Moçambique e

pelas Circunscrições de Memba, Nacala-a-Velha e Mogincual.(89) O Governo de Transição,

através do Dec.Lei nº 41/75 de 15 de Abril, promulgou a extinção daquele Distrito,

reintegrando a sua área naquilo que seria a Província de Nampula.(90)

QUADRO 5: Circunscrições Civis do Distrito de Moçambique em 1921.

Circunscrição Proven. da Área Sede Postos Administ.

Memba Memba e região Este de Muagi Memba Chaonde e Lúrio

Eráti

Eráti, região Norte da estrada de Matilene, Nacaroa, região Este de Imala.

Namapa

Mirrote e Nacaroa

Imala Imala Imala Muite e Mecúburi

Nacala Nacala, Muagi a Sul da rstrada de Matilene, Nacaroa e Imala

Nacala Netia e Itoculo

Mossuril

Mossuril, com excepção da faixa de terreno a Sul do rio Metomonho e toda a área de Monapo

Mossuril

Lunga e Monapo

Meconta Meconta Meconta Corrane

Mogincual Mogincual e Mossuril a Sul do rio Metomonho

Mogincual Quinga

Macuana Macuana Nampula Murrupula e Chinga

(89) BO. nº 61, 1973: 615-616. (90) BO. nº 45, 1975: 242.

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Ribáuè Ribáuè Ribáuè Ligonha e Umpuhua

Malema Malema Malema Mutuáli

Angoche Angoche e o litoral de Matadane Angoche Quilua, Boila, Larde, Sangage e Moma

Mogovolas Mogovolas e o interior de Matadane Nametil Metil e Chalaua

Fonte: BO. nº 27, de 30/6/21, Dec. 68.

É de assinalar, pela importância que tem para a temática tratada neste trabalho, em

particular no respeitante ao comércio (e regimes aduaneiros) que, entre 1891 e 1929, os

territórios a Norte do rio Lúrio estavam concessionados a uma Companhia Majestática, a

Companhia do Niassa. No mesmo período, a Sul do rio Ligonha, imperava a Companhia da

Zambézia e várias outras Companhias de plantações. O Alto Lúrio foi simultâneamente,

durante o período tratado, um corredor de intenso comércio para o litoral da Companhia do

Niassa e para o Tanganyika, Zanzibar, para o litoral do Distrito de Moçambique e Vale do

Zambeze/Quelimane; foi uma região de punção de mão-de-obra, para o exterior e mais tarde

para as Companhias do Centro de Moçambique.(91)

Na opinião do René Pélissier,(92) a Companhia do Niassa era uma colónia distinta que

só em 1929 se reuniria ao resto de Moçambique. Apesar de tudo, e segundo o mesmo autor, os

territórios que a constituiam durante o período da sua existência faziam parte de Moçambique,

por três razões: i) por muito independente que fosse no plano local, ela nunca teve soberania

internacional e implantou-se numa colónia europeia da qual recebeu uma delegação de

poderes; ii) antes da implantação da Companhia, Portugal procurou fazer reconhecer a sua

soberania na costa de Cabo Delgado (1858-1894), já que não podia enviar os seus homens para

o interior; iii) a continuidade étnica entre o extremo Norte e o Distrito de Moçambique. Apesar

da presença económica e politicamente importante dos Ajauas, dos Macondes e dos Nhanjas,

ou até dos Ngunes, a maioria da população foi sempre macua.

A última das três razões apresentada pelo autor parece ser a principal justificação das

migrações massivas da população do Sul do Alto Lúrio para a margem Norte daquele rio, na

sequência dos acontecimentos causados pela ocupação portuguesa, ocorridos na região entre

1917 e 1932, conforme se verá no próximo capítulo.

(91) MEDEIROS; 1983/1993. (92)PÉLISSIER; 1987: 328-330.

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CAPÍTULO II -

O Alto Lúrio

2.1. Definição e caracterização geográfica

2.1.1. Localização e limites

Alto Lúrio foi a designação pela qual passou a ser conhecida, no tempo da conquista

militar portuguesa, a parte ocidental do território do Distrito de Moçambique, compreendida

entre os rios Lúrio e Ligonha. A região está hoje dividida pelos Distritos de Ribáuè, Lalaua e

Malema, mas na época constituia a Capitania-Mor do Alto Lúrio, transformada mais tarde nos

Comandos Militares de Ribáuè, Umpuhua e Malema. Aquando da sua montagem, aos 9 de

Fevereiro de 1915 foram-lhe definidos os seguintes limites:

- A Norte e Oeste, o Rio Lúrio (M'Luli), desde a foz do Rio Buebue (Umpuipui), até

encontrar o paralelo 15 °.

- A Sul, o paralelo 15°, até ao encontro deste com o Rio Ligonha e seguindo o curso

deste rio até à sua confluência com o Rio Muncasse.

- A Leste e do Norte para Sul, desde o Rio Lúrio, na foz do Rio Umpuipui, seguindo

este até ao rio Murruazi e o curso deste por sua vez directamente para Oeste da Serra Muima,

até encontrar o Rio M'Cubury, seguindo o curso deste até à Serra de Chinga, e depois o Rio

Muncasse até ao Ligonha.(1)

Estes limites mantiveram-se até à actualidade, tendo no entanto sido alterados os dos

Comandos Militares que deram origem,primeiro às Circunscrições, depois aos Concelhos e,

mais tarde, aos actuais Distritos de Ribáuè, Lalaua e Malema. O seu traçado na altura não

obedeceeu rigorosamente aos limites das antigas unidades políticas africanas, porque, por

exemplo, o território do régulo Murrula abrangia parte das actuais terras do Distrito de

Mecubúri.(2) Aliás, na altura, os limites não eram rigorosamente definidos, sendo fixados

fundamentalmente pela continuidade espacial das mesmas famílias (linhageiras).

2.1.2. Condições ecológicas

O conhecimento das condições do meio ecológico é importante na medida em que pode

permitir explicações sobre as tendências e comportamentos das comunidades do passado. Não

se pretende aquí defender o determinismo das condições naturais sobre os estabelecimentos

humanos, mas sim reconhecer que elas exercem uma influência importante sobre os mesmos.

Infelizmente não pode ser encontrada literatura específica sobre a região em estudo porque,

(1) AHM - Fundo da Direcção dos Serviços de Administração Civil; Caixa 6, Relatório da Capitânia-Mor do Alto Lúrio,

1916. (2) BRANQUINHO, op. cit.: 42.

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apesar de ter sido reconhecido o seu potencial económico, apenas nos anos 70 foram levados a

cabo estudos particulares, tendo a sua conclusão sido precipitada pela proclamação da

Independência Nacional de Moçambique em 1975.(3) Apesar desta lacuna é possível, usando

as obras de carácter mais geral, extrair alguma informação sobre o Alto Lúrio. Um dos

trabalhos mais recentes deste género é o do arqueólogo Leonardo Adamowicz(4) no qual se

baseiam, resumidamente, as linhas que se seguem.

A Província de Nampula, onde se situam os Distritos de Ribáuè, Lalaua e Malema,

apresenta um quadro topográfico variado, caracterizado por planícies que dominam a faixa

costeira e a região Sul; planaltos médios com numerosos "Inselbergs" na parte central, e

altiplanaltos e manchas montanhosas no Norte e no Oeste. Com efeito, é naqueles três distritos

da região ocidental, incluindo o de Mecubúri, que a paisagem é dominada por numerosas

manchas orográficas cujas altitudes alcançam acima dos 1500 metros. Os altiplanaltos atingem

normalmente os 500 a 600 metros.

Esta particularidade confere ao clima local algumas especificidades; que sendo tropical

húmido no geral, evidencia-se pelas suas temperaturas relativamente mais baixas nas regiões

montanhosas: 20 a 25°C no período quente e húmido e 15 a 20°C no período fresco e seco.

Isto propicia a região para a prática agrícola, pois, enquanto na região Este e Central da

Província o período de cultivo é de 189-120 dias, em Ribáuè e em Malema o mesmo atinge os

240-300 dias.(5) Registam-se duas estações, uma quente e chuvosa que normalmente começa

em Novembro e dura até Abril e, outra seca, que cobre o período de Maio a Outubro. Entre as

duas estações regista-se um período de transição, que vai de Maio a Agosto.

A região é dominada pelas bacias hidrográficas dos rios Lúrio e Ligonha, alimentados

por uma rede de afluentes e subafluentes; os principais afluentes do Rio Lúrio nesta região são

o Nalume, Melema, Neoce, Lalaua e Umpuipui. Tanto estes como os seus afluentes têm um

regime períodico, condicionado pelas chuvas; na época chuvosa são um grande obstáculo para

a circulação, enquanto que na época seca tornam a situação do abastecimento de água bastante

aflitiva, pois a população que não se encontra fixada normalmente nos cursos dos grandes rios

tem de percorrer longas caminhadas à procura da água. As iniciativas dos últimos anos da

ocupação colonial da abertura de furos para o abastecimento da água não deram efeitos

positivos, porque os critérios da sua localização não persuadiram a população a mudar do seu

habitat tradicionalmente disperso.(6)

(3) Alguns desses estudos são de autoria de: CASIMIRO & SOUTO, 1968; CASIMIRO, 1968. Mais recentemente a Hidrotécnica Portuguesa realizou um trabalho mais vasto publicado em três Tomos: HIDROTÉCNICA PORTUGUESA, 1980. (4) ADAMOWICZ, op. cit. (5) Idem: 53. (6) A abertura de tais poços, por exemplo, no Posto Administrativo de Méti deveu-se a criação de colonatos nos anos 70. A população local que aí deveria fixar residência, podendo, por isso, beneficiar-se dos poços, devia igualmente ser mão-de-obra para as plantações do tabaco.

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A caracterização geológica e litológica seria de extrema importância, porque fornece

informações sobre os elementos que participam na formação dos solos; mas não é esse o

propósito deste trabalho, pelo que passa a apresentar-se uma descrição sumária das manchas

pedológicas mais representativas da região.

Em Ribáuè e Lalaua dominam os solos fersialíticos crômicos de rocha cristalina

quartzífera ou materiais de coluviação provenientes da mesma rocha. Localizam-se igualmente

solos do tipo franco-arenoso ou argiloso associados aos luvissolos férricos, frenossolos

câmbicos e litossolos de cores pardacentas, à superfície, e com cores mais ou menos

avermelhadas e vivas, com elevada proporção de elementos feldspáticos e quartzosos com

horizonte B desenvolvido, com reacção mais ou menos ácida sem carbonato de cálcio.(7) Em

Malema ocorrem, geralmente, litossolos e solos litólicos muito fracamente evoluidos, de perfil

pedrogoso com rocha consolidada a menos de 20 cm de profundidade; os afloramentos de

rocha nas áreas de ocorrência em terreno ondulado a mais ou menos acidentado, associados

aos ferrassolos ródicos e/ou cambissolos crômicos do Karro Superior e bassaltos; textura fina

argilosa, pardo avermelhada.

A flora da região é característica de savanas de miombo e/ou floresta aberta com estrato

arbóreo decíduo, de pequena ou média estatura, com copas mais ou menos contíguas,

formando clareiras, com estrato graminoso às vezes esparso ou com mistura de vegetação

herbácea e subarbustiva. Partes de florestas pantanosas foram limpas para a agricultura

itinerante; a floresta de miombo é o tipo de vegetação em que a população local pratica o tipo

de agricultura de corte e queima.(8)

A fauna actual da região limita-se à seguinte população permanente: antílope, impala

piva (namedouro), cabrito de savana, leão, leopardo, chita, três espécies de primatas, pelo

menos 70 espécies de pássaros, algumas espécies de répteis e anfíbios e outros animais

rastejantes. Como refere Adamowicz(9) "Hoje, o elefante, o rinoceronte e os búfalos são

visitantes ocasionais vindos das províncias vizinhas migrando durante a estação das chuvas do

Sul para o Noroeste." Há também vários esquilos de árvores e solo, ratos gigantes e porco

espinho, porcos e javalis.

2.1.3. Estabelecimentos humanos: habitat e actividades

económicas

Seria interessante e de extrema importância uma pesquisa que pudesse explicar a

natureza do habitat e das actividades económicas da população da região. Na falta de tais

elementos, uma descrição, de momento só se torna possível através do que se conhece pela

(7) ADAMOWICZ, op. cit.: 57 (8) Idem: 54. (9) Idem: 57.

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observação empírica durante largos anos de permanência. A população dos três distritos

constitui-se, tradicionalmente, em povoados dispersos; os núcleos mais ou menos concentrados

surgiram pela primeira vez em torno das sedes dos postos administrativos e povoações

comerciais, bem como à volta de algumas instalações de colonos agricultores. No período

colonial tentou-se um povoamento concentrado e ordenado ao longo das principais vias de

comunicação; o resultado disto pode-se observar apenas nas áreas de maior trânsito, como é o

caso do troço da linha férrea Nampula-Cuamba. Nas regiões mais remotas do interior a

população manteve-se dispersa até ao advento das Aldeias Comunais do pós-Independência.

Os princípios da organização dos povoados indígenas obedeciam aos critérios da organização

linhageira e das alianças matrimoniais, conforme ficou descrito no capítulo anterior.

A actividade económica predominante é a agricultura tradicional de subsistência, a

chamada agricultura familiar, sendo as culturas mais frequentes a mapira, as mexoeiras,

diversas espécies de feijões, etc. O milho, introduzido nos primeiros anos da colonização

portuguesa, está tomando a dianteira em relação à tradicional mapira, muito provavelmente

porque aquele se apresenta não só como fonte de alimentação, mas também porque é um

produto que entra em grande peso na comercialização. A mandioca só ultimamente está

ganhando terreno, dado o seu papel de cultura alternativa em caso de acidentes climáticos que

frequentemente inviabilizam a produção dos cereais tradicionais e do milho grosso. Entre as

culturas comerciais destaca-se o algodão, introduzido em Ribáuè, Lalaua e Mutuáli nos anos

30/40, o tabaco em Ribáuè e Malema, o amendoim, o gergelim e, muito recentemente, o

girassol. Na prática das culturas do algodão e do tabaco surgiram na região importantes

empresas agrícolas propriedade de colonos portugueses. Desde tempos recuados que a

população nativa vem desenvolvendo a prática do cultivo do tabaco nas margens dos grandes

rios que se incluia também como mercadoria dos continuadores das tradicionais caravanas de

comércio com a costa. Curiosamente, esta cultura, que continua assumindo um papel

importante na economia da população local, manteve-se sempre marginal em relação às

culturas "oficiais".

A caça e a pesca nos rios são outras das actividades económicas que não parece muito

correcto considerá-las de subsidiárias, pois, na ausência da criação de animais da produção

familiar, para além de galináceos, é da caça e da pesca que a população se abastece de

proteínas animais. É a intensidade da caça aos animais de grande porte para fins comerciais, no

século XIX e princípios deste, que explica a actual escassez dos paquidermes na fauna local.

Para além da caça e colecta de frutos, caules e raízes silvestres para fins alimentares, a

população usa igualmente os recursos florestais para se prover da lenha - principal

combustível -, de paus e de capim para a construção. A exploração dos recursos do subsolo

que abundam na região é feita por agentes exógenos. Entretanto, a tradição refere uma intensa

actividade de mineração e o tabalho do ferro na região dos Montes Mululi, no antigo Regulado

de Namacala. Seria interessante fazer-se um levantamento sobre este aspecto nas outras áreas,

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onde se pressume que houve em tempos o trabalho do ferro, actividade que teve o seu termo

com o advento das possibilidades de aquisição dos instrumentos eficientes de ferro através do

comércio.

Os Distritos de Ribáuè, Lalaua e Malema são, ao lado do de Mecubúri, os menos

despovoados ao nível da Província de Nampula, como foi referido no capítulo anterior. Seria

interessante um trabalho interdisciplinar, envolvendo geógrafos, historiadores e etnólogos, que

permitiria trazer à luz uma explicação deste fenómeno.

QUADRO 6: Evolução demográfica no Alto Lúrio Anos Ribáuè Lalaua Malema

1930 40380(*) 30491

1940 19588 12482 19918

1950 42287 17915 32384

1960 74165(*) 40410

1970 92810(*) 59901

1980 91642 37166 86164

Fonte: AM; 1932, 1942, 1951/52, 1962, e 1972/73; INPF, op.cit.

(*) Lalaua incluído

2. 2. Caracterização etno-linguística

Um levantamento etnográfico realizado pela primeira vez em Moçambique aquando do

censo populacional de 1940, na então Circunscrição de Ribáuè, forneceu os dados que constam

do quadro 7. O referido quadro deixa entender que a área de Malema seria povoada na sua

totalidade por pessoas do subgrupo chirima, enquanto que o de Ribáuè o seria apenas por

macuas do centro. Lalaua aparece como sendo a área de povoamento heterogéneo, incluindo os

subgrupos lómuè e chirima. Como foi referido atrás, o que é verdade é a predominância

daqueles subgrupos nas respectivas áreas, sendo portanto reduzida a presença dos outros. Daí

não ser correcto, por exemplo, que o autor em que este assunto se baseia afirme que Malema

era povoada por 100% de chirimas.(10)

QUADRO 7: Grupos étno-linguísticos do Alto Lúrio

P.Admin. Regulados População Macuas Chirimas Lomués

Murrula 1291 1291

Nicurrupo 4023 4023

Sede Tarrua 3835 3835

Muácua 10439 10439

Murruna 326 326

Invá 2794 2794

Muala 284 284

Muaqueia 1146 1146

Lalaua Umpilua 3173 3173

Namacala 1999 1999

(10) ALBERTO, 1965: 158 e 163.

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30

Mahage 1124 1124

Muititire 1335 1335

Cunvarre 2970 2970

Inharrucué 301 301

Matola 1986 1986

Avarra 2765 2765

Malema Macalia 1802 1802

Malaia 4011 4011

Muimela 1314 1314

Namecuna 4163 4263

Quirole 844 844

P. Malua 63 39 24

TOTAL 51988 19914 28432 3642

Fonte: ALBERTO; 1947:78.

2.3. A conquista e a evolução da divisão administrativa coloniais

2.3.1. A conquista

A presença portuguesa colonial no Alto Lúrio começou a fazer-se sentir em Julho de

1908, quando Neutel de Abreu atingiu Ribáuè e montou ali um Posto Militar no dia 30 de

Outubro daquele ano;(11) quatro anos mais tarde, em 1912, foi aberto o posto de Malema

(Entre-Rios) e em 1913 o de Mutuáli.(12) Em Julho de 1916 foram montados o posto de

Namacala e o Comando Militar de Umpuhua.(13)

Segundo os relatórios militares da época, não parece que as populações locais e os

régulos se tenham oposto com armas a esta penetração, salvo num ou noutro caso. Numa

passagem de um desses documentos pode ler-se: "Sem rebeldias, todos os régulos se foram

apresentando, menos um que foi preciso prender e veio a morrer poucos dias depois na sede da

capitania e um outro que fugiu para os territórios da Cª do Nyassa (...)."(14)

Alguns dos entrevistados para o presente trabalho - que ainda se lembram do que se

disse durante bastante tempo sobre a chegada dos portugueses à região -, dão diferentes

explicações ao facto de as pessoas terem optado por "pegar o pé", em vez de oferecerem uma

resistência armada: i) alguns dizem que nessa altura as pessoas estavam cansadas de ir para

muito longe à procura de mercadorias e que a presença dos brancos significaria a aproximação

do mercado; ii) outros dizem que as pessoas estavam cansadas das guerras, pois os ataques

eram constantes e os que se encontravam ao longo dos corredores para o litoral não deixavam

que as caravanas circulassem livremente; iii) outros dizem ainda que, pelo que se dizia, os

portugueses não inspiravam coragem para se lhes opor resistência armada, porque eram

(11) FERREIRA, 1946: 58 e seguintes. (12) Ibidem (13) ) AHM - Fundo da Direccção dos Serviços da Administração Civil - Relatório da Capitânia-Mor do Alto Lúrio, cx 6. (14) Idem; Relatório do Governador do Distrito de Moçambique, 1916-1917,Cap. VIII.

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militarmente muito fortes. Os que assim haviam procedido tinham sido mortos, por isso, o

mais correcto seria fazer as pazes com eles antes da guerra rebentar, porque Mucapera que

assim fizera tornara-se muito amigo dos brancos.(15)

Com base nestes depoimentos, e no que mais tarde viria a acontecer naquela região,

onde as pessoas preferiram uma paz antecipada, pode concluir-se que o desconhecimento que

se tinha no interior sobre os portugueses não permitira uma correcta avaliação das verdadeiras

intenções destes. O que se sabia era do que se ouvia dizer. As notícias do fuzilamento de

chefes que haviam tentado uma resistência armada impunham muito medo, e o exemplo de

Mucapera, de que se havia feito muita propaganda e se tornara já lendário, era de seguir, uma

vez que isso poderia ser uma vontade de evitar a guerra por um lado, e por outro, expectativa

de manutenção ou de aquisição de uma posição de prestígio.

Entretanto, as pessoas por si só entenderam o que depois significou a instalação dos

postos portugueses nos seus territórios: recrutamento coersivo de homens para carregadores,

imposto de palhota, violação de mulheres por parte de sipaios e soldados a mando dos

portugueses e outras atitudes que o desconhecimento não fizera prever.

A receptividade demonstrada nos primeiros dias não impediu, face às frustrações

subsequentes, reacções contrárias, como se testemunha numa passagem de um outro relatório:

"A submissão dos régulos é aparente; o medo é o principal factor que os contém em respeito.

Os que estão próximo dos limites da capitania quando do imposto de palhota, transpõem os

limites e não há forma de os capturar nem à sua gente, pois dentro da área da capitania,

chegam a procurar asilo em montanhas quase inacessíveis onde os sipaios não os podem ir

capturar, visto serem insuficientes."(16) Foi na sequência das arbitrariedades cometidadas

pelos portugueses e seus agentes que se verificaram numerosas e massivas fugas para os

territórios vizinhos, como se demonstrará noutra parte deste trabalho.

O que se apresenta nos últimos parágrafos não pretende negar o facto de ter havido no

interior focos de resistência assinalável; há nomes que a literatura portuguesa apresenta

conotados com actos de rebeldia e de banditagem. Aliás é também este o tratamento que se dá

aos chefes do litoral; em Ribáuè são referidos os nomes de Tutua em 1908 e Murrula entre

1908 e 1912.(17) Outros houve como Umpilua, Muaqueia e Mucuporeia, do distante Nordeste

da capitania, que ao primeiro contacto ousaram desafiar os portugueses, recusando-se

expressamente a satisfazer as suas exigências.(18)

A problemática sobre o binómio resistência/colaboração na história da colonização

portuguesa em Moçambique tem merecido uma abordagem diversa por parte dos diferentes

(15) CASTRO, 1941: 11. (16) AHM - Fundo da Direcção dos Serviços de Administração Civil, Relatório da Capitânia-Mor do Alto Lúrio, 1915-16, Cx 6 (17) Ver nota nº 11 (18) AHM- Fundo da Administração Civil Relatório da Capitânia-Mor do Alto Lúrio, op. cit. Cx. 6.

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estudiosos que se dedicaram ao assunto. Sem se pretender entrar em detalhes, apresenta-se

uma breve apreciação de algumas dessas abordagens.

Alguns estudiosos como António Rita Ferreira, negam que as relações entre as

autoridades portuguesas em Moçambique e os dirigentes tradicionais se tenham caracterizado

por um antagonismo irredutível; este autor defende que os interesses dos chefes e dos povos da

região foi de manter laços comerciais com o exterior, enquanto as autoridades portuguesas

procuravam manter a operacionalidade de diversos centros que funcionavam simultaneamente

como capitais administrativas e entrepostos comerciais, onde negociantes de diversas origens,

sedentários ou ambulantes, actuavam como intermediáros entre mercadores do além-mar e os

mercados do sertão.(19)

Para justificar os casos de hostilidade, o mesmo autor argumenta que eles surgiram

como reacção indignada às violências e desmandos cometidos por muitos europeus, goeses,

mestiços e outros "homens de chapéu" em posição de domínio, que agiam com rapacidade e

má fé nos negócios. E acrescenta: "Fora dos contextos aqui expostos, nomeadamente os

relacionados com respostas a provocações intoleráveis, não descortinamos na documentação

da época atitudes de resistência activa ou passiva contra a presença portuguesa, essa famosa

resistência que tanto tem inspirado uma corrente da historiografia moçambicana. Diremos que

a maioria dos dirigentes havia já reconhecido a futilidade da resistência e o sucesso da

colaboração ." (20)

Estariam dentro da razão os defensores daquela tese se sustentassem a ideia de que o

interesse dos povos da região foi de manter laços comerciais com o exterior, sem contudo

procurar com isso ilibar as autoridades portuguesas de toda a responsabilidade sobre os

levantamentos havidos, tentando desse modo ignorar tais levantamentos.

Provas em contrário são inúmeras, e as mais evidentes são aquelas que testemunham os

acontecimentos ocorridos no período em que os portugueses se decidiram por uma ocupação

efectiva do território moçambicano. A resistência à penetração portuguesa nesta região da

África data do século XVI, aquando do estabelecimento das feitorias portuguesas em Sofala e

Ilha de Moçambique. Alexandre Lobato diz a este respeito: "Aquilo que modernamente se

chama resistência toparam os portugueses logo na África Central, primeiro em Quíloa, depois

em Sofala, Ilha de Moçambique, nas bocas do Zambeze, e em Angoche. Elemento resistente: o

mouro"(21) Sublinha-se ainda que a hostilidade veio sobretudo dos povos islamizados da

costa, porque foi com estes senhores do litoral e velhos rivais, em termos religiosos, que se

efectuaram os primeiros contactos comerciais no Índico.

No que respeita ao fenómeno "colaboração" que se procura a todo o custo dissociar da

resistência, deveria reconhecer-se que, no processo da conquista colonial, as sociedades

(19) RITA-FERREIRA, 1989: 321-323. (20) Idem: 323. (21) Alexandre Lobato citado por ROCHA, op. cit.:583.

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africanas reagiram de acordo com as condições próprias e particulares e a situações concretas.

Mbwiliza, a este respeito, diz que "na África pré-colonial havia elementos em competição na

sociedade e foram esses elementos que conduziram ao fenómeno de colaboração e da

resistência. A situação colonial agudizou as tradicionais clivagens, porque rompeu o status quo

da dominação e hierarquia e fomentou a formação de rivalidades e competição entre os grupos.

Entretanto, o impacto do colonialismo não se fez sentir de igual maneira em todas as

regiões"(22) Foi a complexa fisiologia das sociedades africanas que, perante a colonização,

produziu o fenómeno da colaboração. Algumas sociedades mobilizaram as suas forças para

resistir à conquista colonial enquanto outras optaram pela colaboração que se fundamentava,

segundo Atieno Odhiambo citado por Mbwiliza, no desejo de conservar uma posição de

importância, ou na esperança de ganhar tal posição, ou ainda no hábito de trabalhar para algum

regime, embora pouco atractivo, ou ainda para a protecção de um grupo contra a usurpação

por um inimigo histórico.(23)

Pelo que se acaba de citar e conforme se demonstrou atrás, não parece racional, por um

lado, refutar os inúmeros factos que provam ter havido resistência e a colaboração ter sido uma

forma específica daquela. Por outro, numa análise da questão da reacção dos africanos face à

ocupação, não se deve procurar apenas descrever o que aconteceu, tal como aconteceu; deve-se

procurar o complexo das causas no contexto em que os acontecimentos ocorreram. Também,

numa perspectiva científica não parece correcta uma abordagem das resistências com modelos

pré-concebidos, apelidando de heróis ou bandidos, de revolucionários ou reaccionários os seus

actores, conforme o binóculo ideológico de quem analisa.

Aurélio Rocha(24) faz uma análise das resistências no Norte de Moçambique, mas

limita o seu estudo às formações swahili. René Pélissier, nos seu estudo sobre a História da

formação do Moçambique actual, dedica uma parte substancial dos seus dois volumes para a

análise das resistências no Distrito de Moçambique; parece ser o primeiro que o faz

abrangendo todo o território, abrindo caminho para estudos mais circunstanciados.(25)

Isaacman(26) faz igualmente análises da resistência moçambicana, mas restrita ao Vale do

Zambeze. A problemática das resistências na África Oriental, Central e Meridional é

analisada, respectivamente, por H. A. Mwanzi,(27) A. Isaacman e J. Vansina (28) e D.

Chanaiwa,(29) respectivamente.

(22) MBWILIZA, 1979: 6-7. (23) Idem: 10 (24) ROCHA, op. cit.:581-615. (25) PÉLISSIER; 1987: 54-70, 198-199, 217-326; 1988: 409-444. (26) ISAACMAN & ISAACMAN, 1979. (27) MWANZI, 1989: 131-146. (28) ISAACMAN & VANSINA, 1989: 147-164. (29) CHANAIWA, 1989: 165-186.

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Muitas vezes algumas iniciativas tendentes à pesquisa da História de Moçambique,

para além do que vem escrito nos manuais, ficam à partida goradas, sob a alegação da falta de

documentos. Isto é verdade porque, como demontra Pélissier, o muito do que foi escrito

encontra-se no estrangeiro; entretanto o fundo de documentação colonial conservada no

Arquivo Histórico de Moçambique é suficiente para se começar, com o complemento das

fontes orais, pelo menos para um período que cobre os últimos cem anos. A bibliografia

apresentada na última parte deste trabalho pretende ser um contributo nesse sentido, no que

respeita ao Norte de Moçambique, em particular para o antigo Distrito de Moçamique.

2.3.2. Evolução da divisão administrativa colonial

Durante os anos que se seguiram ao início do alastramento da conquista militar

portuguesa para o interior, a região do Alto Lúrio, onde os portugueses não tinham chegado

antes de 1908, integrava-se na Capitania-Mor da Macuana, designação genérica para todo o

interior do Distrito de Moçambique.

Em 1914 a região dos actuais Distritos de Ribáuè, Lalaua e Malema foi constituída em

"Capitania-Mor do Alto Lúrio"(30) com sede instalada em Ribáuè no dia 2 de Setembro de

1915.(31) Ribáuè, Malema e Umpuhua eram, então, "Comandos Militares", sendo Mutuáli e

Namacala, respectivamente, os postos militares dos dois últimos. Em 1917, a extinção da

Capitania-Mor deu lugar aos Comandos Militares de Umpuhua, com o posto de Lalaua;

Malema, com o posto de Mutuáli; e Ribáuè, com o posto de Ligonha; independentes uns dos

outros.(32) Em Setembro de 1919 foi extinto o Comando Militar de Umpuhua, tendo a área

que lhe correspondia sido incorporada no de Ribáuè,(33) ficando a região, desta maneira,

constituída em dois comandos.

Em 1921, com a extinção dos Comandos Militares do Distrito de Moçambique e a

criação das Circunscrições Civis, os comandos de Ribáuè e Malema constituiram-se em

Circunscrições, a de Ribáuè com os Postos Administrativos de Ligonha e de Umpuhua e a de

Malema com o Posto Administrativo de Mutuáli.(34)

Em 1932 foi extinto o Posto Administrativo de Umpuhua e no seu lugar foi criado o de

Lalaua, instalado na actual povoação de Lalaua-a-Velha.(35)

Em 1934 Malema foi incorporada na circunscrição de Ribáuè como Posto

Administrativo(36) da qual, mais tarde, em 1942, seria desanexada e de novo elevada à

(30) BO. nº 30, 1914: P. 839 E. (31) AHM - Fundo da Direcção da Administração Civil - Relatório da Capitânia-Mor do Alto Lúrio, op. cit. p. 1. (32) BO. nº 29, 1917: 203-204. (33) BO. nº. 38, 1919: 527. (34) BO. nº 27, 1921 (35) BO. nº 16, 1932: 246. (36) BO. nº 7, 1934: 71.

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categoria de Circunscrição.(37) No ano de 1945 foi criado o Posto Administrativo de Mutuáli,

na área da Circunscrição de Malema.(38)

Em 1957 foi criado mais um Posto Administrativo na Circunscrição de Ribáuè: o de

Iapala;(39) em 1964 a Circunscrição de Ribáuè(40) foi elevada à categoria de Concelho; em

1967 foi criado o Posto Administrativo de Méti na área do de Lalaua.(41)

2.4. Transformações nas antigas unidades políticas

O presente trabalho pretende ser uma experiência de pesquisa sobre História Política

Local. Tornou-se, pois, necessário proceder a uma inventariação das unidades políticas que

existiam na região na altura em que se constituiu aquele que é o objecto específico deste

estudo: o Regulado de Umpuhua.

Até à consumação da conquista militar portuguesa da região do Alto Lúrio, em 1916, a

estrutura política prevalecente era caracterizada por duas variantes principais:

i) Um mwene mutokwene, chefe do nihimo politicamente dominante ou dono das terras;

vários mamwene asikhani, chefes dos diferentes clãs representados no território, incluindo

sublinhagens do clã dominante e linhagens de descendentes de cativos; e, ainda, mamwene de

linhagens a quem tinha sido concedida a terra pelos donos e que possuiam dependentes seus.

ii) Vários mamwene independentes uns dos outros, ligados entre si, principalmente por

laços matrimoniais, possuindo cada um os seus dependentes, e sendo um deles o mais

importante por ter sido o primeiro a fixar-se nas terras.

Em cada caso e em cada escalão ao mwene estava associada uma figura feminina, a

pwiyamwene, e um conselho de anciãos (asitokwene ou anamiruku).

A partir das pesquisas realizadas no terreno, completadas com alguma bibliografia,

apresenta-se um inventário sobre as antigas unidades políticas da região de

Ribáuè/Lalaua/Malema. Este inventário é infelizmente muito incompleto; concorreu para tal o

facto de na documentação escrita não se poder obter uma listagem completa das chefaturas

existentes nos finais do século passado e princípios deste, e não ter sido possível um trabalho

de campo demorado e abrangente. Para uma História Regional do litoral a tarefa não seria tão

difícil como se apresenta para o interior, porque para alí são inúmeras as listas dos chefes

linhageiros e extralinhageiros identificados durante as campanhas da conquista militar

portuguesa.

Insiste-se na questão da inventariação dos antigos chefes, porque para este trabalho foi

traçado a seguinte estratégia: i) identificar os chefes antigos da área de estudo e ii) submeter a

(37) BO. nº 49, 1942:.826. (38) BO. nº 41, 1945: 407. e BO. nº 46, 1945: 822. (39) BO. nº 13, 1957: 267. (40) BO. nº 16,1964: 542. (41) BO. nº 4, 1967: 106.

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um inquérito os actuais descendentes dos referidos chefes ou das chefias respectivas, com vista

à reconstituição das listas genealógicas. Este procedimento permitiria identificar quais das

actuais chefias tradicionais são continuadoras das do passado, quais as que resultaram da

situação colonial e quais das antigas foram extintas.

No terceiro quartel do século passado o consul britânico na Ilha de Moçambique, H. E.

O'Neill(42) referia-se, nos seus relatos de viagem, a Namurola, Muhemela e Mua como alguns

dos chefes importantes do hinterland ocidental da região entre os rios Lúrio e Ligonha e do

actual Distrito de Maúa, respectivamente.

Para 1908, Manuel Ferreira(43) fala de dois régulos que em Ribáuè se rebelaram

aquando da instalação do posto militar, Murrula e Tutua. O primeiro é identificado como um

cruel déspota que se divertia em ver pessoas que mandava atirar ao rio, a serem devoradas por

crocodilos.

Num relatório de 1915-16, o Capitão-mor do Alto Lúrio referia-se à existência na área

de Lalaua dos seguintes régulos: Umpilua, M'tope, M´cuporreia, Muaqueia, Namacala e

Umpuhua .(44)

Em 1919 foi decretada a criação das Conservatórias do Registo Civil, tendo no Distrito

de Moçambique sido criados oficialatos e sub-oficialatos nos Comandos Militares e postos,

respectivamente. Para cada uma dessas unidades administrativas foi feito um levantamento dos

regulados existentes.(45) Para o Alto Lúrio apresentou-se a seguinte lista:

A. 6º Comando Militar de Umpuhua - Sede: Diversos régulos. Posto de Lalaua:

Diversos régulos.

B. 10º Comando Militar de Ribáuè - Sede: Murrula, Nanlaco, Ripia e Ueia, cada um

com régulos independentes e subalternos; Posto de Ligonha: Aria, Iala, Malalo, Muácua,

Nachima, Napata, Napire, Chima-Chima, Purrho e Siquirire.

C. 11º Comando Militar de Malema - Sede: Avarra, Malaia, Macalia, Muimela,

Namecuna, Quirole, cada um com os seus cabados; Posto de Mutuáli: Aha com seus

cabados, e ainda com outros régulos e cabos.

Como se pode ver, estas listas são incompletas, nalguns casos indicando-se apenas a

existência de diversos régulos independentes ou subalternos e cabos. Conforme se explica

numa nota do BO citado, tal facto deveu-se à imprecisão de muitas das listas enviadas pelas

autoridades das respectivas unidades administrativas.

Este inventário está muito longe de ser completo. Com efeito, o mesmo não permite

identificar com exactidão quais dos actuais régulos são descendentes dos grandes mamwene de

outrora na região, e os critérios utilizados na época em que foram listados os régulos não

(42) O'Neill, 1882: 201-205. (43) FERREIRA, 1941: 58. (44) AHM.- Fundo da Direcção da Administração Civil, Relatórios... op. cit., Cx. 6 (45) BO. nº 18, 1919: 316-317

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parecem ter sido uniformes, para além de que a correcta identificação de alguns deles

dependeu especialmente da competência dos agentes encarregues dessa tarefa.

Em todo o caso, a informação recolhida permite afirmar que Murrula, Muácua,

Nicurrupo, Tarrua e Murruna, da área de Ribáuè; Muala, Muaqueia, Invá, Umpilua, Umpuhua

Muititire e Namicoco, da área de Lalaua; Avarra, Malaia, Macalia, Muimela, Namecuna e

Mutala, da área de Malema, devem ter sido alguns dos regulados que descenderam de algumas

das unidades políticas que se desenvolveram na região no período anterior ao da conquista

militar e subsequente ocupação colonial portuguesa. É prova disso o facto das referências a seu

respeito constarem em documentos do período anterior à ocupação efectiva da região, para

além da tradição oral que deles se recorda. Apenas um trabalho de campo poderá trazer à luz a

verdade sobre os factos. O que se pode afirmar com relativa certeza é que, depois da conquista

e instituição da administração colonial, muitos dos representantes das antigas chefias ou foram

destituidos, ou tiveram que fugir com a sua gente para outros territórios, ou então foram

reduzidos para cargos subalternos. Casos há também de algumas chefias que foram criadas

pela administração colonial. Nas linhas que se seguem serão apresentados alguns dos casos que

ilustram o que se acaba de dizer.

Em 1921, por força do Dec. nº 68, foram extintos os Comandos Militares do Distrito de

Moçambique e criadas, em sua substituição, Circunscrições Civis, porque se achava instaurado

"... o domínio efectivo do distrito pelas autoridades ..." e "... a população indígena pacificada."

O artigo 3º da mesma Lei determinava que os limites das Circunscrições e dos Postos

deviam coincidir, tanto quanto possível, com a divisão territorial indígena, de forma que não

fossem divididos os regulados para que as autoridades administrativas pudessem aproveitar os

chefes nativos para a admiminstração pacífica da região.(46)

Com a Reforma Administrativa Ultramarina dos princípios da década de 30 processou-

se a aglutinação dos então regulados em unidades administrativas julgadas populacionalmente

mais representativas, e que passaram a designar-se por regedorias; os regedores passaram a ser,

nos termos da Lei, simples "auxiliares de administração civil."(47)

Na maioria dos casos, os antigos régulos retiraram-se para a sombra continuando a

exercer as suas antigas funções políticas, religiosas e mágicas. Os regedores, quando

designados localmente, eram em regra membros da linhagem do régulo, ou, então, antigos

dependentes descendentes de gente cativa.

Por força do decreto de Novembro de 1933, alguns dos chefes subalternos foram

transformados em chefes de povoação ou de grupos de povoações, sorte que coube também a

alguns dos antigos régulos

(46) BO nº 27, 1921 (47) BO. de 28/11/33: 859-929.

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QUADRO 8: Regulados em 1970

Conc/Circunsc. P. Administrativo Regulados

R I B Á U È

Sede Murrula, Nicurrupoe Tarrua

Iapala Iapala, Muácua e Murruna

Lalaua Invá, Muala, Muaqueia, Namecoco e Umpilua

Méti Umpuhua e Namacala

M A L E M A

Sede Avarra, Malaia, Muimela, Namecuna e Macalia

Mutuáli Cunvarre, Inharucè e Matola

Fonte: - BRANQUINHO, op. cit.: 36-37 e 96-99; DPPIEPM, 1970.

A partir de trabalhos mais recentes elaborados pelas autoridades coloniais sobre as

regedorias do Distrito de Moçambique, foram identificados os regulados constantes do quadro

nº 8.

Pelo recenseamento geral da população da Colónia de Moçambique em 1940, foram

identificados, para a então circunscrição de Ribáuè, os regulados a descriminados no quadro 9.

QUADRO 9: Regulados em 1940

Postos Administrativos Regulados

Sede Administrativa Murrula, Nicurrupo, Tarrua, Muácua e Murruna

Posto de Lalaua Invá, Muala, Muaqueia, Umpilua, Mahage Namacala e Muititire

Posto de Malema Cunvarre, Inharrucué, Matola, Avarra, Macalia, Malaia, Muimela, Namecuna e Quirole

Fonte: ALBERTO, 1947.

De acordo com o administrador Branquinho,(48) nos anos de 1916 e 1917 e de 1928 a

1933, as populações da região de Ribáuè/Lalaua/Malema foram alvo de violências praticadas

por sipaios a mando da administração (sic) e ainda por alguns régulos. Como consequência da

reacção àquela nova situação, que se impôs com a ocupação colonial, registaram-se numerosas

fugas das populações daquelas áreas. Um grande contingente de pessoas, sob direcção dos seus

mamwene (pl. col. de mwene = chefe tradicional) transpôs o Rio Lúrio, refugiando-se nos

territórios da Companhia do Niassa, na Niassalândia ou no Tanganyika. Desses refugiados, uns

regressaram mais tarde e outros permaneceram nas terras do "exílio", mantendo na maioria dos

casos ligações com os que tinham ficado. Foi este factor que contribuiu para a dispersão de

famílias por ambas as margens do rio Lúrio e mesmo além fronteiras, e para o despovoamento

de vastas áreas de entre Lúrio e Ligonha. Num relatório da "Inspecção Ordinária na Província

do Niassa" de 1936/37 são apontadas, na óptica de um funcionário colonial, as causas das

referidas fugas.(49) Alguns dos chefes que, com a sua gente preferiram permanecer nas terras e

(48) BRANQUINHO, op. cit.: 125-133 e 220-221. (49) CORREIA, s/d. (AHM)

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que quiseram manter-se à margem das autoridades coloniais, foram destituídos a favor de

outros complacentes ou colaboradores.

Enquanto as fugas das áreas de Ribáuè e de Lalaua são, na sua maioria, referentes ao

período imediadamente à conquista militar portuguesa, as de Malema são associadas a

acontecimentos ocorridos entre 1926 e 1931. Neste período decorria na área a abertura da

estrada de Namecuna e a construção do Posto Administrativo de Mutuáli, obras em que os

trabalhadores foram sujeitos a violências corporais e injustiças. As fugas foram tão massivas

que resultaram numa "...rarefacção e um enfraquecimento populacionais em todos as

regedorias, com excepção da de Malaia."(50)

QUADRO 10: Chefes tradicionais fugidos das áreas de Ribáuè e Lalaua, em 1916/17

Nome Estatuto Regulado de Origem

Destino Novo Estatuto

Macoa Murrula Nipepe Chefe de pov.

Naipa Murrula Nipepe Chefe de pov.

Muela Nicurrupo Nipepe Chefe de pov.

Umpuhua Umpuhua Nipepe Chefe de pov.

Votiua Muala Nipepe Chefe de pov.

Mualela Muaqueia Muela Chefe de grupo

Vessa Muaqueia Muela Chefe de grupo

Conteia Muaqueia Muela Chefe de grupo

Murronha Muaqueia Muela Chefe de grupo

Nhassa Muaqueia Hamela Chefe de grupo

Muepeta Muaqueia Metarica Chefe de pov.

Maloa Régulo Muala Maúa ?

Mutoliua Régulo Umpilua Namuno

Anchilo Régulo Umpuhua Maúa

Mepenta Régulo Invá - Deposto

Amisse Régulo Namecoco - Deposto

Fonte: BRANQUINHO, op. cit.: 220/221.

QUADRO 11: Chefes tradicionais fugidos da área de Malema de 1916 a 1932.

Nome Estatuto Regulado de origem

Destino Novo estatuto

Serra Ch. de grupo Macalia Mecanhelas Ch. de povoação

Chiposse Ch. de pov. Macalia Mecanhelas Ch. de povoação

Herera Ch. de pov. Macalia Mecanhelas Ch. de povoação

Pahia Ch. de grupo Macalia Cuamba Ch. de povoação

Intepo Ch. de grupo Macalia Cuamba ?

Muchele Ch. de grupo Macalia Cuamba Ch. de povoação

(50) BRANQUINHO, op. cit.: 132. O autor exclui o Regulado de Malaia do grupo dos que perderam a população por fugas, o que, de acordo com MUAIOPUE, (entrevista de 12/9/93 em Maputo), não corresponde à verdade, porque a população daquele regulado por ter ligações com familiares da margem sul do Ligonha transpunha com muita frequência o rio.

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Meteco Ch. de pov. Macalia Metarica Ch. de povoação

Uaquiua Ch. de pov. Macalia Metarica Ch. de povoação

Mocomola Ch. de pov. Macalia Metarica Ch. de povoação

Intato Régulo Macalia Extinto

Vatiua Régulo Vatiua Maúa Régulo

Nipuite Ch. de grupo Nicarara Metarica Ch. de povoação

Nahula Ch. de pov. Nicarara Metarica Ch. de povoação

Muehiva Ch. de pov. Nicarara Metarica Ch. de povoação

Machepa Ch. de pov. Nicarara Metarica ?

Nacomua Ch. de pov. Nicarara Metarica ?

Ioquiua Ch. de pov. Nicarara Mecanhelas Ch. de povoação

Morrola Ch. de pov. Nicarara Niassalândia ?

Muitiua Ch. de pov. Nicarara Niassalândia ?

Nicarara Régulo Nicarara Muimela Ch. de povoação

Macossa Ch. de grupo Quirole Niassalândia ?

Choho Ch. de grupo Quirole Niassalândia ?

Marrua Ch. de grupo Quirole Niassalândia ?

Quirole Régulo Quirole Muimela Ch. de grupo

Muimela ? Muimela Metarica Ch. de grupo

Quelimane ? Muimela Mecanhelas Ch. de grupo

Ndava ? Muimela Mecanhelas Ch. de grupo

Mepuera Ch. de grupo Muimela Metarica Ch. de grupo

Aimo Ch. de pov. Muimela Metarica Ch. de povoação

Fabião Ch. de pov. Muimela Metarica Ch. de povoação

Muripa Ch. de pov. Muimela Metarica Ch. de povoação

Meteia Ch. de pov. Muimela Metarica Ch. de povoação

Jonasse Ch. de pov. Muimela Metarica Ch. de povoação

Quivale Ch. de pov. Muimela Metarica Ch. de povoação

Chovela Ch. de grupo Muimela Cuamba Ch. de grupo

Mucaire Ch. de grupo Cunvarre Cuamba Ch. de grupo

Muconha Ch. de pov. Cunvarre Cuamba Ch. de grupo

Nessara Ch. de pov. Cunvarre Cuamba Ch. de povoação

Jeque Ch. de pov. Cunvarre Cuamba Ch. de povoação

Muanica Ch. de pov. Cunvarre Cuamba Ch. de povoação

Ivala Ch. de pov. Cunvarre Niassalândia ?

Nipuita Ch. de pov. Cunvarre Metarica Ch. de povoação

Murroma Ch. de grupo Cunvarre Mecanhelas Ch. de povoação

Tipacula Ch. de grupo Inharucuè Niassalândia ?

Intuneia Ch. de grupo Inharucuè Niassalândia ?

Mutipia Ch. de grupo Inharucuè Niassalândia ?

Mucurrente Ch. de pov. Inharucuè Niassalândia ?

Mucaia Ch. de pov. Inharucuè Niassalândia ?

Salaha Ch. de pov. Inharucuè Niassalândia ?

Mucopoa Ch. de pov. Inharucuè Niassalândia ?

Comanhera Ch. de grupo Inharucuè Cuamba ?

Malua Ch. de pov. Inharucuè Cuamba ?

Mutala Régulo Inharucuè Cuamba/ Niassalândia

?

Fonte: BRANQUINHO, op. cit.: 121/133.

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Para ilustrar o que acaba de ser dito aponta-se o caso da área do regulado de Cunvarre,

em que ao fim daquele período o número da população desceu de cerca de 20 000 habitantes

para 8 175!(51) A extinção do posto de Mutuáli, em 1933, seguida da extinção da

Circunscrição de Malema no ano seguinte, passando a posto integrado na Circunscrição de

Ribáuè, estaria relacionada com a situação descrita.

Verificaram-se nessa altura, como se pode ver pelo quadro nº 11, fugas das populações

dos então regulados Vatiua, Macalia, Muimela, Quirole, Namecuna, Cunvarre e Inharrucué

para as áreas de Maúa, Cuamba, Mecanhelas e Niassalândia. Outro destino dos refugiados era

a Alta Zambézia, nos territórios da Companhia de Lugela.(52)

O antigo régulo Mutala fugira com uma grande parte da sua numerosa população, logo

a seguir à ocupação colonial, para Cuamba, e mais tarde para a Niassalândia; este movimento

deixou as terras com uma densidade populacional bastante baixa. Aquando da fuga de Mutala,

o chefado de grupos de povoações Matola foi transformado em regulado, anexando as suas

pouco povoadas terras. Mais tarde, com o regreso de Mutala, foi criado o regulado Inharrucué

apenas com o chefe de grupo Periquela, que pertencera a Matola.

Tanto nos relatórios dos tempos da conquista militar como nos documentos produzidos

posteriormente, e tal como ficou exposto neste trabalho, a movimentação massiva das

populações para os territórios da Companhia do Niassa, bem como para a Niassalândia e para o

Tanganyika, é associada aos acontecimentos subsequentes à conquista militar portuguesa:

maus tratos, arbitrariedades, obrigação do pagamento do imposto de palhota, etc. No entender

do autor deste trabalho não parece ter sido apenas aquela situação que tenha contribuído para o

fenómeno. A conquista militar portuguesa parece ter precipitado um processo de migrações

que se iniciara com a formação de unidades políticas extra-linhageiras, relacionada com a

actividade mercantil que envolveu não só os recursos naturais como também, e principalmente,

o tráfico de escravos, do período anterior. É uma hipótese que carece de confirmação através

de trabalhos de pesquisa, que entretanto se baseia em alguns factos. A continuidade étnica

entre o Norte e Sul do rio Lúrio, a que se referiu Pélissier, resultou de um povoamento de

ambas as margens daquele rio por facções das mesmas famílias, ocorrido principalmente no

século XIX. Aponta-se o caso dos mamwene Muuwa e Nkwhapa que constituiram grandes

chefaturas nos actuais Distritos de Maúa e Cuamba e cuja origem recente se refere às terras de

Malema. Estes e outros emigraram para o Norte deixando familiares seus atrás; este facto

facilitou a fixação posterior desses retardários, quando se viram confrontados com os

portugeses.

(51) Idem, pp. 130. (52) AHM - Circunscrição de Malema: Livro para o Registo de Notas, Offícios e Telegramas de 1922 a 1933, Cod. 11-2449 Bm2 a 11-2451 BM3. Neste documento são reportados muitos casos de fugas.

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CAPÍTULO III -

Umpuhua

A informação contida neste capítulo é, na sua maior parte, baseada na tradição oral

recolhida pelo autor, entre Julho de 1991 e Fevereiro de 1993, na cidada de Nampula e no

Distrito de Lalaua, da Província de Nampula. A história do Regulado de Umpuhua é aqui

descrita sob o ponto de vista dos seus "donos", que a relataram. Para escrever uma história

mais digna desse nome seria preciso colher informações das comunidades vizinhas que, com

aquela de Umpuhua, mantiveram largos anos de contacto e seria preciso também confrontar as

fontes orais com fontes escritas da época. Infelizmente a investigação não foi estendida a

outras Localidades por falta de tempo e meios e, muito principalmente, porque o trabalho no

terreno foi levado a cabo em plena guerra. Por outro lado há dúvidas sobre a possibilidade de

se conseguir informações sobre o passado de uma comunidade a partir de outras, porque

mesmo para aquilo que diz respeito à comunidade do entrevistado há imensas limitações. São

problemas das sociedades ditas "ágrafas"! As fontes escritas são devidas à administração

colonial que para regiões remotas como aquela em que se situava o Regulado em estudo pouca

coisa deixou registada.(1)

A principal limitação das fontes orais relaciona-se com a determinação das datas dos

acontecimentos e a sua capacidade em mitificar os factos que transcendem a capacidade dos

relatores. Carecem, por isso, de testemunhos de outra natureza para as datações aproximadas e

para a interpretação científica de alguns ditos. Apesar de todos os contras nada seria menos

digno do que cruzar os braços perante tais limitações.

3.1. Caracterização geral

3.1.1. Situação geográfica

Até 1967 o Regulado de Umpuhua fazia parte do Posto Administrativo de Lalaua da

Circunscrição Civil de Ribáuè (Concelho desde 1964) do Distrito de Moçambique. A partir de

então, e com a criação do novo Posto Administrativo de Méti, a área do regulado foi

desanexada de Lalaua, passando a pertencer àquele, juntamente com o regulado de Namacala e

o chefado de grupos de povoações de Muititiri que pertencia ao regulado de Namecoco. Os

outros regulados, que ficaram a pertencer ao Posto de Lalaua eram: Namecoco, Muala,

Muaqueia, Invá e Umpilua.(2)

Com cerca de 500 Km2, o Regulado de Umpuhua era limitado a Norte pelo rio Lúrio,

servindo-lhe de fronteira com os territórios do Niassa; a Leste pelo rio Mméti, Méti, na grafia

(1) Para uma teoria sobre a utilidade da tradição oral como fonte histórica veja-se: a) KI-ZERBO, 1980: 27-31. b) VANSINA, 1980: 157-179. (2) BRANQUINHO; op. cit.: 98.

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portuguesa, que o separava dos regulados de Muala, Namecoco e o chefado de grupos de

povoações de Muititiri; a Sul, uma linha convencional seguida do rio Nivatha separava-o do

Regulado de Namecuna da Circunscrição de Malema, e a Oeste, uma linha poligonal

convencional seguida do rio Mutacassi constituiam o limite de separação, igualmente com o

Regulado de Namecuna.

3.1.2. Origem do nome "Umpuhua" e suas designações

O termo "umpuhua" é uma corruptela na língua portuguesa da palavra macua

"m'puhuwa" que deriva de "opuhuwa", um verbo que significa "tornar-se numeroso" ou

"multiplicar-se." "M'puhuwa" é, portanto, aquele que se multiplica ou aquele que tem a

capacidade de se tornar numeroso.

Segundo a tradição relatada por Buraimo Nakhuwo(3) e repetida por quase todos os

entrevistados, a origem do nome M'puhuwa, designando um mwene que antes tinha o título

dinástico de Ananchilo, está relacionada com a prática do comércio a longa distância. As

fontes explicam que homens do território de Ananchilo constituídos em caravanas para as

trocas comerciais na costa de Cabo Delgado, particularmente em Quissanga, eram frequentes

vezes vítimas de assaltos nas terras dos Ametto. Não dispondo de recursos defensivos, os

componentes das caravanas que eram em número reduzido, passaram a usar truques de magia

que, aos olhos dos assaltantes emboscados, os tornavam numa massa de gente numerosa com

trouxas à cabeça, transitando pela zona horas a fio. Daquela maneira, os viajantes passaram a

desencorajar qualquer tentativa de ataque inimigo; este passou a chamá-los por

asinampuhuwa, isto é, gente que se multiplica.

No regresso dos seus negócios, os homens das caravanas ao transmitirem ao seu

senhor, Ananchilo, o sucesso das suas façanhas e a informação de que os Ametto os chamavam

por asinampuhuwa, este declarou: "anamwan'aka yari asinampuhuwa, m'puhuwene ti miyó",

isto é, se os meus filhos (súbtidos) são chamados por asinampuhuwa (os que se multiplicam),

eu sou o próprio m'puhuwa (o que se multiplica). A partir de então, M´puhuwa passou a ser o

nome dinástico daquele que fora Ananchilo e as terras que eram Wananchilo passaram a

designar-se por Wanampuhuwa. O mwene dessa época era Khamarru (Anakhamarru, o senhor

Khamarru).

Quando os portugueses chegaram à região onde hoje é o Posto Administrativo de Méti,

em 1916,(4) esta era conhecida pelo topónimo de Wanampuhuwa (a terra do senhor

M'puhuwa). Após a conquista militar o termo passou a designar o Comando Militar entretanto

montado, grafado na forma aportuguesada umpuua ou umpuhua, conforme a documentação

(3) NAKHUWO, entrevista de Julho de 1991. Esta história é do domínio público em todo o território do antigo Regulado de Umpuhua. (4) AHM-Fundo da Direcção dos Serviços da Administração Civil, Relatório...op. cit. cx. 6.

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colonial da época. O território abrangido pelo então Comando Militar de Umpuhua

compreendia, grosso modo, aquilo que mais tarde viria a ser o Posto Administrativo de Lalaua.

Aquando da conquista militar, a sede do Comando havia sido montada na margem esquerda do

rio Mméti, nas proximidades do pwaró de Anampuhuwa. Pouco tempo depois a referida sede

foi transferida para junto dos montes Naculúluè, na sua vertente setentrional. Com a

transformação dos Comandos e Postos Militares em Postos Administrativos (civis), umpuhua

passou a designar um Posto Administrativo. Até aos últimos anos da dominação colonial o

termo umpuhua designava uma regedoria e uma povoação comercial, esta nascida sob as

ruínas do antigo Posto Administrativo de Umpuhua, e aquela coincidindo com as antigas terras

de Anampuhuwa.

Nas entrevistas efectuadas pretendeu-se obter outras versões sobre a origem do nome,

mas, como atrás se referiu, todas as pessoas repetiram este relato, que demonstra, mais uma

vez, a prática entre os Macua de os nomes das pessoas, os epónimos e os topónimos serem,

muitas vezes, designações atribuídos por gente de outros grupos para aludirem a uma virtude

ou defeito moral ou físico dos designados.

3.1.3. Clãs presentes e suas relações internas e externas

A actual população das terras do antigo Regulado de Umpuhua distribui-se por dois

grupos Macua-Lómuè: um maioritário e o mais antigo da zona é Chirima, e o outro, cuja

presença data dos anos 20/30, é Lómuè. Os mahimo, clãs, inventariados nesta pesquisa, por

chefado de grupos de povoações, constam do quadro nº 12.

Os chirimas de Umpuhua, Nipende e Muahage, considerados os verdadeiros

asinampuhua (umpuhuensenses, como se diria em português) dizem que os únicos anethi

(donos da terra) são os indivíduos do clã Amukovo. Os que pertencem aos clãs restantes são

anahumu, filhos dos anethi ou deles descendentes. Há, entretanto, entre os anahumu, aqueles

que se consideram anethi em relação aos outros.(5)

QUADRO 12: Clãs do regulado de Umpuhua

Subgrupo étnico Umpuhua Nipende Muahage Cuiria

Amukovo Amukovo

C Anwatta Anwatta

H Amirassi Amirassi Amirassi

I Amirole Amirole

R Aphiri

I Alaponi Alaponi Alaponi

M Amale

A Amilima

S Amwari

(5) CHOKOWA, entrvista de Fevereiro de 1992.

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Alukassi

L Amirassi

Ó Anela

M Amale

U Amirole

È Aseleje

S Achepani

Fontes: Entrevistas conduzidas pelo autor.

Por exemplo, os Amale são anahumu dos Amukovo e são considerados anethi pelos

Amirassi, descendentes da gente sua cativa. É que a partir de uma dada altura, os descendentes

dos filhos dos donos da terra podiam possuir, por sua vez, cativos, desde que a sua posição

social e económica o justificasse: terem prestado trabalhos valiosos aos seus senhores, e da sua

descendência matrilinear ter-se formado um grupo numeroso, graças à fertilidade das suas

irmãs. Entre os lómuès de Cuiria(6) o nihimo considerado dos anethi é o dos Alukassi, sendo

os restantes anahumu dependentes destes, ou simplesmente livres, mas sem se considerarem

donos da terra.

Há também a considerar um pormenor: em Umpuhua há pessoas que pertencem aos

mesmos mahimo e a linhagens diferentes sem se referirem a uma ascendência comum,

justificando tal situação pelo facto de terem provindo de "caminhos diferentes", em alusão à

procedência dos seus antepassados.

3.2. A antiga unidade política de Umpuhua

Procura-se agora, com base nos relatos registados em Umpuhua,(7) reconstruir a

história da formação da antiga unidade política de Umpuhua, dando destaque tanto aos

processos das migrações e do povoamento, bem como à evolução no seio do clã chefal e ao

papel do comércio de escravos no fortalecimento do poder político. Destaca–se, em relação a

este último aspecto, o processo pelo qual foram integrados os antepassados de algumas das

actuais matrilinhagens.

3.2.1. A rota das migrações

Como atrás foi referido, a linhagem chefal ou dominante em Umpuhua é do clã

Amukovo. Segundo as fontes, os antepassados dos actuais Amukovo de Umpuhua fixaram-se

sucessivamente nas vertentes dos montes Nampatthiwa e Chaláuè, nas terras do actual Distrito

de Malema. De Chaláuè, em data que não se conseguiu determinar, os componentes daquele

segmento clânico encetaram uma nova emigração em direcção ao Nordeste, ao longo da

(6) SIYATA, entrevista de Fevereiro de 1992. (7) CHOKOWA & NAWINLE, entrevistas de 1992 e 1993

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margem direita do rio Lúrio, com uma curta paragem numa zona que se designou por

Wothakoni, a algumas dezenas de quilómetros da confluência do rio Niwossi, (Neoce na grafia

portuguesa) com o Lúrio e entre estes dois rios. De Wothakoni aquela gente dirigiu-se para

Mulipelo, uma zona no rio Lúrio comprendida entre as confluências dos rios Neoce e Méti,

tendo sido ali que se viria a constituir a sede da futura unidade política de Umpuhua. Nesta

zona o rio Lúrio apresenta braços que definem uma ilhotas.

Os entrevistados referem que à saída dos montes Nampatthiwa, o grupo principal era

liderado por Khanttemula (Anakhanttemula) e os outros menores por Muthukumela

(Anamuthukumela) e Pwatthi (Anapwatthi), irmão e sobrinho daquele, respectivamente.

Khanttemula e Pwatthi morreram e foram enterrados em Chaláuè, enquanto Muthukumela

viria a morrer em Bilibiza, Montepuez. Segundo parece, estas movimentações terão tido lugar

entre os finais do seculo XVIII e princípios do século XIX.(8) Após a morte de Khanttemula

subiu ao trono o seu sobrinho, que se chamava Namunawa (An'Namunawa) e que conduziu o

grupo de Chaláuè para Wothakoni, onde viria a falecer pouco tempo depois. Seguidamente o

grupo passou a ser liderado por Khamarru (Anakhamarru) na nova emigração em direcção a

Mulipelo, onde numa ilhota se encontra o seu túmulo e é considerado local de veneração.

Antes de se atingir a zona de Mulipelo, o grupo chefiado por Pwatthi ter-se-ia destacado, indo

fixar-se mais a Sul da confluência do rio Neoce com o Lúrio, a Nordeste da actual sede do

Posto Administrativo de Méti.

As razões que levaram o grupo a movimentar-se de Malema para Mulipelo não

parecem ser do conhecimento dos entrevistados, mas ao que tudo indica devem ter concorrido

para o efeito certos factores, de entre os quais se destacam: i) A pressão demográfica na região

de Malema, para onde parece ter convergido a maior parte dos grupos linhageiros emigrados

da Alta Zambézia para o Noroeste. Esta hipótese baseia-se no facto de quase todos os grupos

que povoam os actuais Distritos de Cuamba, Metarica, Maúa e Nipepe, a Norte do rio Lúrio e

Malema, Lalaua e Ribáuè, a Sul do mesmo rio referirem como tendo saído de Malema. Aliás,

não são apenas os habitantes destas regiões, mas também outros grupos longínquos se dizem

oriundos de Malema.(9) ii) A actividade económica predominante naquela região era a

agricultura de subsistência que, pelas técnicas usadas, levava os solos a um rápido

esgotamento, obrigando a mudanças do local. iii) Muitos desses movimentos migratórios

referem-se ao século passado, altura em que factores de ordem económica produziram

profundas alterações no seio das sociedades. Desses factores há a referir a caça ao elefante e

mais tarde o tráfico de escravos.(10)

(8) A suposição baseia-se no número das gerações, em linha recta. (9) A tradição refere que os fundadores das antigas unidades com os epónimos Cuamba, Metarica, Maúa, Nipepe, Murrula, etc. eram oriundos de Malema. (10) Este aspecto é referido por muitos autores entre os quais RITA-FERREIRA, 1975: 53.

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Fala-se também das invasões dos Nguni, localmente conhecidos por Mavitti, que

levaram alguns grupos a procurarem locais de melhor segurança, mas este facto ocorreu mais

tarde.(11)

3.2.2. O clã chefal

Por estranho que pareça, as fontes que permitem a reconstituição da rota das migrações

até ao estabelecimento do grupo dos Amukovo em Mulipepo não fazem alusão a gente de

outros grupos linhageiros. E mesmo dos actuais habitantes do território que pertençam a outros

clãs, ninguém se refere a ascendentes que tenham "acompanhado" os Amukovo de

Nampatthiwa para Mulipelo. Isto sugere a hipótese de que os inevitáveis aliados por laços

matrimoniais não se deviam ter constituido em grupos de significativa importância com uma

possível continuidade, ou que o domínio dos Amukovo teria sido muito maior, permitindo-lhes

sobrepor-se aos outros. O esclarecimento da verdade fica dependente de um trabalho de terreno

mais demorado e circunstanciado.

A linhagem dos Amukovo de Umpuhua encontra-se representada pelos seguintes

segmentos (irukulu): Asinamokhola, Asinapwatthi, Asinachokowa, Asinamurassai e

Asinamaitho. Dos quatro primeiros diz-se serem descendentes de uma antepassada comum,

Homakassi. Asinamaitho descendem de uma mulher de nome Anamaitho, do clã Amukovo

resgatada por Khamarru a caravaneiros que idos da região de Namecuna, se hospedaram em

Mulipelo, trazendo da Alta Zambézia escravos para vender a Quissanga. Todos os amukovo

que passaram pelo trono da chefatura pertencem à sublinhagem dos Asinamokhola, grupo

sénior. Hierarquicamente posiciona-se em segundo lugar a sublinhagem dos Asinapwatthi,

seguindo-se depois a dos Asinachokowa (descendentes do subgrupo de Muthukumela) e a dos

Asinamurassai.

Um dos sobrinhos do mwene Khamarru, de nome Niwaya, decidiu após a fixação em

Mulipelo, mudar-se para o Sul dos territórios dos Ametto, em Cabo Delgado, na região de

Nanripo, onde deu origem ao Regulado de Niuaia. Os entrevistados argumentam que embora a

cisão do grupo do Niwaya fosse encarada como uma necessidade de independência daquele em

relação aos outros grupos, tal facto não deixava de significar um crescimento do nihimo dos

Amukovo, porque nessa altura a importância de uma secção clânica era avaliada pela

representatividade quantitativa dos seus componentes em muitas secções territoriais,

teoricamente controláveis. E naquela altura a tendência das unidades políticas era colocar gente

sua ao longo das rotas do comércio até à costa do Oceano Índico. Pelo mesmo facto se explica

o povoamento para o Sul encetado pelas restantes sublinhagens, que se foram distribuindo

geograficamente de uma forma estratégica.(12)

(11) PÉLISSIER, 1987: 336, 349-350. (12) Enquanto Khamarru se fixa em Mulipelo, os responsáveis das restantes sublinhagens fixaram-se mais para o Sul.

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No primeiro trabalho de pesquisa na cidade de Nampula, em 1991, havia sido registada

a informação, através de Buraimo Nakhuwo e Gémusse (1991), de que Niwaya seria mais

velho do que Khamarru e que este teria emigrado, com a sua gente, de Cabo Delgado para

Mulipelo. Quando em 1992, e de novo em 1993, o autor do presente trabalho se deslocou a

Méti, esta informação foi refutada, tendo no seu lugar sido relatado o que atrás foi exposto.

Portanto, a partir do núcleo mucovo que emigrou de Malema e se fixou em Mulipelo originou-

se o grupo Niwaya que em Cabo Delgado, na área de Nanripo, constituiu um regulado de clã

chefal dos Amukovo. Ainda de Mulipelo destacou-se um outro grupo liderado por Khololo, que

se foi fixar nos territórios do Niassa, na área de Maúa que não chegou a constituir-se em

regulado. Com a montagem da administração colonial Khololo passou a conselheiro do

Regulado de Nipepe. Um outro núcleo mucovo com posição chefal (chefado de grupo

Umpuhua) encontrava-se em Nipepe, cujas razões da saída de Mulipelo se expõem a seguir.

Para além destes grupos, os entrevistados não identificaram outros núcleos em que a chefia

territorial pertencesse ao clã Amukovo. Afirma-se, entretanto que estes Amukovo teriam

ligações remotas com os Amukovola, em alusão aos Mogovolas do actual distrito do mesmo

nome, no Sul da província de Nampula.

O administrador Branquinho(13) refere-se ao extinto regulado de Quirole da área de

Malema como tendo tido por clã chefal o dos Amukovo; nenhum dos entrevistados conseguiu

recordar-se das ligações entre a gente de Quirole e a de Umpuhua. O autor citado refere-se

ainda a um núcleo mucovo na região de Muite, actual Distrito de Mecubúri, nos regulados de

Antovano, Mecoliua, Muaquia e Nantupe, em que os respectivos régulos eram daquele clã,

subordinados politicamente ao Niuaia de Nanripo onde também havia um outro régulo do clã

Amukovo, o Nantupe.(14) Refere-se também ao chefe de grupos de povoações Muititiri, do

Regulado de Namecoco, e vizinho do Regulado de Umpuhua que também pertencia ao nihimo

Amukovo, mas, segundo os entrevistados de Umpuhua secundados por um outro de

Muititiri,(15) não tinha ligação ou subordinação ao Umpuhua.

Apenas trabalhos de investigação ulteriores poderão explicar a natureza das ligações

entre os diferentes núcleos mucovo A.J. de Melo Machado(16) aponta que na área de Moma,

havia um mwene de nome Mulacero, referido pelos membros locais do clã dos Amukovo como

o seu chefe supremo; este também não é conhecido em Umpuhua. O Pe. Gerards(17) apresenta

aquele clã, identificado na região dos Ametto, como um daqueles que ele considerou de clã "de

gente livre" em oposição aos que ele classificou erradamente por "clãs de escravos".

Em conclusão, cumpre apresentar algumas considerações a respeito do nihimo

Amukovo, encarado a partir da situação do Regulado de Umpuhua:

(13) BRANQUINHO, op. cit.: 125. (14) Idem: 99. (15) SOPIEQUE, entrevista de Maio de 1993. (16) MACHADO, op. cit.: 122. (17) GERARDS (Pe.), op. cit.

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i) Tal como qualquer outro nihimo macua, aquele encontra-se representado em todas as

secções do território étnico através dos seus membros, não tendo predominância política no

interior do mesmo, a exemplo dos mahimo Alaponi, Amilima (Amulima), Alukassi e Amirassi.

ii) Ao nível do regulado de Umpuhua não se encontram referências a um chefe supremo

do nihimo mucovo, como sucede, por exemplo, com os mahimo Alapone, Amale, e Amirassi

cujos membros evocam uma chefia suprema nos mamwene Muatuca, Napaua e Momola,

respectivamente. Os indivíduos amukovo de Umpuhua reconhecem apenas o facto de serem

oriundos de Namuli, dirigidos pelos ascendentes directos do Khamarru.

iii) As ligações entre Umpuhua e Niuaia e a senioridade daquele são indiscutíveis,

ficando por esclarecer as ligações do Niuaia com o núcleo de Muite, bem como dos diferentes

núcleos identificados.

3.2.3. Processos da integração dos outros clãs

A actual malha clânica e das relações familiares no território do antigo Regulado de

Umpuhua, bem como noutros territórios vizinhos do vale do Alto Lúrio, é produto de uma

intensa incorporação de gente "estranha", fenómeno que, embora não sendo novo na sociedade

macua-lómuè, atingiu o seu auge entre os meados do século passado e princípios deste. Com

efeito, foi nesta altura em que a escravatura por compra, captura, penhora ou outras formas

atingiu o seu ponto mais alto. É esta a conclusão a que conduz a presente pesquisa e a que

chegaram estudos anteriores dedicados a esta problemática, particularmente os de

Medeiros(18) e Capela/Medeiros.(19) Esta constatação poderá encontrar provas na história

pessoal de qualquer membro de uma das comunidades daquela região; as biografias descritivas

são de um grande valor como ponto de partida para este tipo de pesquisas.

Conforme ilustra o quadro nº 12, para além do nihimo Amukovo foram identificados,

durante as pesquisas em Umpuhua e para a área chirima (chefados de Umpuhua, Nipende e

Muahage), os seguintes mahimo: Amale, Alaponi, Amirassi, Amirole, Anwatta, Amilima Aphiri

e Amwari. Para a área lómuè de Cuiria foram identificados os mahimo Alukassi, Amirassi,

Anela, Amale, Amirole, Aseleje e Achepani.

Não cabe neste trabalho uma abordagem da história de cada uma das secções locais dos

mahimo identificados, embora fosse esse o procedimento ideal para traçar um quadro mais

completo da história da formação da unidade política em estudo. Será, contudo, feito o retrato

da situação com alguns exemplos, de acordo com as conclusões tiradas com base nos relatos

orais. Para as restantes secções será indicado, caso tenha sido esclarecido, o estatuto com que

foi incorporada a sua antepassada.

(18) MEDEIROS, 1985. (19) CAPELA & MEDEIROS, 1987.

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3.2.3.1. Área Chirima

O nihimo Amale aparece ligado ao chefe de grupos de povoações Muahage. A respeito

da proveniência dos membros deste nihimo reza a tradição que estando Khamarru e os

membros da sua linhagem estabelecidos em Mulipelo e arredores, saiu um grupo de praticantes

da dança eláta (20) encabeçado por Pwatthi, o mwene de um dos irukulu dos amukovo para

uma "digressão cultural" nas terras de Napaua no actual Distrito de Mecubúri. No seu regresso

o grupo trouxe consigo duas mulheres do nihimo Amale, do grupo linhageiro do Napaua, que

se tinham apaixonado pelos dançarinos. Uma dessas mulheres casou-se com Khamarru e

outra, com o próprio Pwatthi; dos dois casamentos nasceram os ascendentes dos actuais amale

da linhagem Muahage. Muahage teve, entre os seus irmãos do mesmo pai, uma maior

projecção graças ao seu empenho nos negócios do pai e à fecundidade das suas irmãs do

nihimo. É ele que em 1940 respondia pelo regulado, aquando da estadia do segundo sucessor

do seu pai no Niassa. Este Muahage, também conhecido por Anathomola (senhor Thomola)

faleceu em 1964 com uma idade bastante avançada, provavelmente entre os 90 e os 100 anos,

o que situando o seu nascimento entre as décadas de 50 e de 60 do século passado, leva a supôr

que Khamarru se teria estabelecido em Mulipelo alguns anos antes de 1850. Estes amale foram

os principais parceiros matrimoniais dos amukovo, de tal forma que, actualmente, é preciso

uma explicação retrospectiva para se entender quem é "pai" de quem.

Há outros membros do nihimo Amale cuja proviniência e processo de integração é

diferente do que acaba de ser apresentado Por exemplo, os da linhagem de Anamwattua

provêm de uma antepassada oriunda da região dos Ametto em pagamento de uma querela.

Do nihimo Amirrassi foram inventariados três grupos. Embora todos se refiram ao

Momola do Distrito de Nampula como o seu chefe supremo, a sua integração em Umpuhua

ocorreu em ocasiões diferentes, como diferentes são também as suas proveniências. O mais

expressivo em termos quantitativos é oriundo da região do actual Mitande, no Niassa, por via

de casamento com os amale do grupo do Muahage. A um outro grupo Amirassi, tal como os

Amulima e Alukassi, pertencem indivíduos cujas antepassadas tinham sido capturadas em

"terras longínquas". Os Amirole dizem ser oriundos da zona de Namecuna, onde a sua

antepassada teria sido comprada. A presença dos Alaponi é um pouco controversa: uns dizem

que eles teriam entrado para as terras de Umpuhua em grupo, fugindo de lutas na sua terra,

(que não sabem localizar) e outros dizem que a sua primeira progenitora teria sido comprada.

A este grupo estão ligados os descendentes de Nikulunkwa, filho de Khamarru e que lideram o

chefado de grupos de povoações Nipende. A presença dos Aphiri carece ainda de explicação.

(20) Trata-se de uma dança praticada por ocasião de festas, cerimónias ou para diversão.

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3.2.3.2. Área Lómuè

Segundo uma informação de Siyata, do clã Alukassi, pertencente ao chefado de grupos

de povoações de Cuiria, a população lómuè que compunha aquele agregado era oriunda do

vizinho Regulado de Namecoco, donde teriam saído por terem estabelecido relações amistosas

com o Muahage, filho de Umpuhua I, que lhes deu lugar nas suas terras. Isto ocorreu entre os

anos 20 e 30 do presente século, altura em que Umpuhua III se encontrava ausente do

território, conforme vem explicado no ponto 3.3.1. deste trabalho. Nessa altura a chefia do

Regulado de Umpuhua coube, por indicação das autoridades coloniais, ao Muahage. O referido

grupo tinha por M'pewe (termo por que designam o mwene mutokwene) o Cuiria, do nihimo

Alukassi; estes Alukassi ter-se-iam desligado do seu núcleo principal, em local que não foi

possível precisar durante a entrevista, por causa da guerra dos Mavitti.

Os Amirassi deste grupo, representados por um ancião de cerca de 80 anos, de nome

Yuuma, consideram-se descendentes de uma bisavó deste que fora capturada, em "terra

longínqua", pelos irmãos linhageiros do Cuiria. Os Anela descendem de uma bisavó que tinha

sido roubada numa festa, igualmente em "terra longínqua". A ascendente dos Amale teria sido

capturada, posteriormente, pelos Amirassi. Os membros do clã Amirole descendem de um

grupo oriundo da zona de Namecuna donde teriam fugido por causa de desavenças familiares.

Os Aseleje são igualmente oriundos de Namecuna, mas na entrevista não se conseguiu apurar a

forma da integração. Ao grupo Achepani pertencem indivíduos descendentes de uma mulher

capturada por homens do regulado de Namecoco na margem Norte do Rio Lúrio, e cuja filha

viria, mais tarde, casar-se com o Cuiria.

3.2.3.3. A descendência do Khamarru

Das várias mulheres que o Khamarru tivera em casamento nasceram muitos filhos, dos

quais a tradição destaca os seguintes varões: Muahage (Thomola), do nihimo Amale;

Nikulunkwa, do nihimo Alaponi; Tchuuluka (Nipepe, que não se deve confundir com o régulo

de Maúa com o mesmo nome), do nihimo Amirassi; Mphero, que uns dizem ter sido Alaponi e

outros Amirassi; Tchaapo, de nihimo desconhecido; Xaapala (Yuuma), de nihimo Amirassi e

Kuviri, de clã desconhecido. Outras fontes referem os nomes de Mwiixi, do nihimo Agikoni,

Manliha e Mwiiriya, de clãs desconhecidos, como tendo sido outros filhos de Khamarru.

Entretanto há fontes discordantes que sustentam que estes últimos, embora fossem

considerados como tal, não eram filhos biológicos.

Como foi referido oportunamente, cada um destes filhos do grande mwene conquistou

uma importância proporcional ao seu empenho nos negócios do pai e na possibilidade

reprodutiva das suas irmãs.

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3.2.4. Poder político e comércio de escravos

Ainda nos princípios deste século deviam ser correntes na zona as movimentações de

caravanas que cruzavam o território na prática do comércio com a costa Norte de

Moçlambique. Os produtos que entravam no comércio integravam, fundamentalmente, cera de

abelha, pontas de elefante e de rinoceronte, borracha e escravos. Em contrapartida obtinha-se

pólvora, armas de fogo, peças de pano, sal e outros produtos.

Enquanto que, logo depois da sua fixação em Mulipelo, os responsáveis pelo tráfico

eram os chefes dos subgrupos linhageiros Amukovo, numa fase posterior aquela actividade

passou a ser confiada aos anahumu, filhos dos anethi. Como se fez alusão anteriormente, as

primeiras cativas dos "donos da terra" foram "caçadas" por grupos que se deslocavam para

terras longíquas, encabeçados por Chokowa, Pwatthi e Murassai. Com o aparecimento dos

filhos destes a prática passou a ser desenvolvida principalmente por Muahage, Mphero,

Nikulunkwa, Xaapala e outros. Foi pelos préstimos demonstrados na prática do tráfico que

alguns destes anahumu passaram a merecer confiança na corte do pai, até atingirem uma

posição de chefia.

Para a aquisição dos produtos da floresta, os grupos de caça podiam ser organizados

localmente ao nível das chefias linhageiras, depois de uma cerimónia própria em que as

apwiyamwene preparavam a farinha para o mukuttho (farinha de mapira para o sacrifício aos

antepassados) na casa do mwene. No regresso, uma parte do produto era dada ao mwene dono

da terra. Algumas cativas foram "achadas" por estes grupos de caçadores; o mesmo

procedimento era observado quando os grupos partiam para a compra de escravos,

principalmente na Alta Zambézia.

O comércio era realizado em Quissanga. A rota seguida pelas caravanas, conforme a

descrição de Buraimo Nakhuwo, ia do Lúrio, em Mulipelo, e seguia por Nevila, Maiaia,

Mazela, Montepuez, até Quissanga. Esta via era utilizada também por gente vinda do Sul, na

zona de Namecuna e outras. A rota descrita nas pesquisas de terreno conincide com aquela que

O'Neill descreveu nos anos 80 do século passado.

3.2.5. A morte do fundador e o problema da sucessão

Khamarru morreu por doença e com idade avançada. Os seus restos mortais jazem em,

numa ilhota do rio Lúrio, conforme o referido anteriormente; em sua companhia foi enterrada

viva uma jovem cativa. Foi enterrado com uma parte dos seus bens, destacando-se uma arma

de fogo deposta à cabeceira É curioso notar que em quase todos os túmulos de grandes chefes

do território macua de outrora encontram-se restos de espingardas, por exemplo Kuphula em

Mogovolas e Komala no Eráti. O sítio onde se encontra a sepultura serve, até hoje, de local de

culto, e em 1992 foi construída uma campa de pedra e cimento.

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Depois da morte de Khamarru seguiu-se um período de crise de sucessão, porque o que

fora investido tinha morrido passado muito pouco tempo, e pensava-se que qualquer membro

do nihimo Amukovo que subisse ao trono teria a mesma sorte. Neste caso, quem se preocupou

para achar solução para esta situação crítica, foram mais os anahumu do que os anethi, porque

a posição social daqueles dependia muito de uma estabilidade na liderança política, uma vez

que eles não tinham no território outro suporte social e político senão os seus senhores; nessa

altura a maioria dos descendentes de cativas contavam apenas uma geração, o que significa que

não tinham tios. Foi assim que Muahage, Nikulunkwa, Mphero e outros filhos de Khamarru

resolveram recorrer à protecção das outras unidades políticas vizinhas; tal protecção não devia

ser no sentido de integração, pois o que se decidiu foi solicitar alguém ligado à liderança

dessas unidades para assumir a chefia dos domínios de Umpuhua. Era imperiosa a necessidade

de se ter à frente um líder político que, embora fosse estranho à família mucovo pudesse impor

a ordem e o respeito, porque de contrário o clima de instabilidade poderia ocasionar a

dispersão da população, ou então autonomizar as sublinhagens mucovo e seus dependentes.

Foram pedir ao vizinho Makhaliha do clã Amirole um familiar, para ser o novo mwene

Umpuhua. Makhaliha não aceitou oferecer nenhum membro da sua família, porque receava

que este fosse também morrer. Perante esta impossibilidade o último recurso foi o grande e

poderoso vizinho Muuwa, do clã Alapone, do outro lado do rio Lúrio; este cedeu um sobrinho

que foi proclamado novo mwene Umpuhua, cabendo-lhe todos os direitos e deveres que

caberiam a um sucessor mucovo. Este Umpuhua Alapone morreu na década de 40 do presente

século, já velho (entre 80 e 90 anos) e depois de muitos anos de chefia. Estimando-se a sua

permanência na chefia em cerca de 50 anos, a morte de Khamarru teria ocorrido entre 1890 e

1900.

A sucessão ao trono por um indivíduo estranho à família mucovo não agradou a todos

os grandes desta linhagem. O principal descontente foi Khololo, sobrinho de Khamarru, que

entretanto vivia no Niassa, nos domínios do Muuwa. Diz-se que Khololo, como forma de

protestar, "fez" leões que em pouco tempo se espalharam pelo território de Umpuhua

semeando mortes. Descoberto por meio de adivinhas, Khololo foi obrigado a desfazer a sua

"magia".

3.3. Umpuhua sob a dominação colonial

3.3.1. A ocupação portuguesa

Quando, em 1916, os portugueses estenderam a sua ocupação às terras de Umpuhua,

encontrava-se à cabeça daquela unidade política um mwene do nihimo Alapone, proveniente de

Maúa, o qual para efeitos deste estudo, será tratado por Umpuhua III; este, segundo as fontes,

perfazia, na altura, largos anos de chefia.

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Anampuhuwa khawanne n'akhunha, yarimwarowela Wanamurrula. É assim que os

anciãos entrevistados começam o relato sobre a instalação dos portugueses em Umpuhua,

querendo dizer: "Umpuhua não lutou contra os brancos, foi buscá-los a Murrula " (Ribáuè). E

o relato prossegue explicando que quando Umpuhua III se apercebeu da presença dos

portugueses nas terras de Murrula, em Ribáuè, a caminho das suas próprias terras, decidiu

antecipar-se indo buscá-los. Procedeu assim porque, segundo informações que havia, os

mamwene que, a exemplo de Mukwepere de Corrane, não teriam oposto obstáculos à entrada

dos portugueses, não tinham tido problemas. E o exemplo contrário era o de Murrula que,

tendo tentado resistir à ocupação das suas terras por gente estranha, havia sido preso e morto.

A principal motivação de receber pacificamente os portugueses parece ter sido de

carácter económico e de obtenção de prestígio. Diz-se que se pensava que, com a instalação

dos portugueses, haveria lojas que viriam facilitar as trocas comerciais, porque nessa altura

ainda se ia ao litoral em caravanas. Foi o desconhecimento das verdadeiras intenções dos

ocupantes que ditou este tipo de reacção, que foi quase genérica na região do Alto Lúrio,

conforme foi referido atrás.

As expectativas ficaram frustradas. Assim que o comandante da coluna portuguesa

chegou à povoação em Julho de 1916 ordenou que se queimasse o muttheko, alpendre da casa

do mwene, onde se reunia o conselho dos grandes, e o nttipa ou ekhavette, o grande tambor,

símbolo da realeza, que só se tocava em circunstâncias especiais. A este primeiro e triste

incidente seguiram-se outros que muita indignação provocaram nas pessoas; seguiram-se

igualmente as arbitrariedades dos militares e sipaios no seio da população em acções como o

recrutamento compulsivo de carregadores ou de homens para outros trabalhos, violação de

mulheres e, particularmente, o imposto de palhota.

A população indignada protestou contra a presença dos portugueses e os seus homens,

com o argumento de que o mwene se deixara enganar ao acreditar que poderia tornar-se amigo

dos brancos, pois estes tinham provado suficientemente que não eram pessoas de paz. Na

impossibilidade de opor uma resistência armada, Umpuhua e grande parte da sua gente

fugiram clandestinamente para o Niassa, indo fixar-se nas terras do seu tio Muuwa, junto do

monte Nanowa, tendo sido aquí que no ano seguinte ao da fuga apareceram os alemães,

aquando da I Guerra Mundial.(21) A descrição feita sobre a ocupação de Umpuhua é baseada

no relato de pessoas que viveram os factos, o que oferece uma maior credibilidade por se

aproximar muito da verdade, conforme a confrontação com a documentação portuguesa da

época cujo estracto a seguir se apresenta. Quanto às informações relativas ao período anterior

ao da conquista, os relatores dizem o que ouviram dizer, com a agravante de não haver outras

fontes para a confrontação; contudo, nesses casos, tentou-se obter versões diferentes cuja

análise comparativa permitiu registar aquilo que parece estar mais próximo da verdade.

(21) Cf.PÉLISSIER, 1987, os alemães atingiram a região em 1917.

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Num relatório da época, redigido pelo então capitão-mor do Alto Lúrio, sobre o

Comando Militar de Umpuhua, pode ler-se: "Apesar de durante bastante tempo ter tido

comandante nomeado, só em Julho de 1916 foi montado o Comando Militar de Umpuûa, com

dois postos em Namacala e Lalaua, este montado ultimamente. Região extensa e afastada,

apesar de até lá ter chegado a influência pessoal do capitão-mór da Macuana [Neutel de

Abreu], não tinham ainda sido arroladas as palhotas nem recebido qualquer imposto. Sem

rebeldias todos o régulos se foram apresentando, menos um que foi preciso prender e veio a

morrer poucos dias depois na sede da capitania, e um outro que fugiu para os territórios da Cª

do Nyassa que tarde ou cedo nunca regressará ao distrito, como sempre sucede com os

indígenas que para alí fogem. (...)" (22).

Um ano após o estabelecimento do régulo Umpuhua e sua gente em Maúa, aquando da

I Guerra Mundial vieram os alemães que queimaram os postos militares portugueses em ambas

as margens do rio Lúrio. Na sequência do final da Guerra, as populações locais foram, mais

uma vez, alvo de arbitrariedades, como represália das autoridades portugesas que as acusavam

de ter colaborado com o inimigo. Esta situação fez crescer as migrações a nível da região do

Alto Lúrio.

Quatro anos depois da passagem dos alemães, Muahage e uma parte da gente de

Umpuhua regressou para as suas terras, onde, por imposição dos portugueses, respondia pelo

regulado um indivíduo chamado Nkino, de origem cativa. A tradição oral atribui a este

indivíduo uma grande responsabilidade por actos de arbitrariedade cometidos contra a

população que tinha permanecido no Lúrio. Conta-se que Nkino ordenava aos seus auxiliares

para vigiar os arredores das cabanas à procura de ossos de carne; aquela família em cuja casa

fossem encontrados ossos de carne consumida recentemente, sem que tivesse dado a parte

devida ao régulo, era sujeita ao pagamento ou a castigos. As autoridades portuguesas, tendo-se

informado que Nkino não era filho do Umpuhua, destituiram-no a favor do Muahage que

assumiu a chefia do regulado até ao regresso do Umpuhua III, nos finais dos anos 30.(23)

3.3.2. A formação da identidade "Enamuuwa"

A população do antigo território do Regulado de Umpuhua, que ocupa uma importante

parcela do actual Posto Administrativo de Méti, no Distrito de Lalaua, pertence a dois

subgrupos Macua-Lómué: Chirima e Lómuè. Os chirimas distribuem-se pelos antigos chefados

de grupos de povoações de Umpuhua, Nipende e Muahage, concentrados no período pós-

Independência nas Aldeias Comunais de Neoce e "Bloco" ( os de Umpuhua e Nipende), e

(22) AHM - Fundo da Direcção dos Serviços da Administração Civil, op. cit. cx. 6. (23) A tradição diz que o régulo regressou na altura em que se construia o troço Ribáuè-Iapala da linha férrea Nacala-Cuamba. Isto sugere que tenha sido nos anos de 1935 a 1936; (Cf. LIMA, 1971, o rítmo das obras na região foi: 1934-Ribáuè; 1936-Iapala; 1939-Malema; 1941-Mutuáli.

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Nachirico e Méti-Sede (os de Muahage). Os lómuès do antigo grupo de povoações de Cuiria,

misturados com uma parte da gente de Muahage, constituem a actual Aldeia Comunal de

Nawawani.

Entre os chirimas e os lómuès daquele antigo regulado, apesar do convívio e

intercâmbio que data desde os anos 20/30 deste século, altura em que os lómuès se fixaram no

território, observam-se diferenças bastante significativas no domínio dos hábitos, que uma

investigação oportuna poderá esclarecer, e da língua; esta última é a mais expressiva na

distinção de uns e outros. Os chirimas que são, portanto, os habitantes mais antigos do

território designados por Asinamuuwa, distinguem-se pelo seu dialecto de pronúncia mais

grave, o Enamuuwa.

Na presente pesquisa realizada no terreno o autor apurou a seguinte explicação, a

respeito da origem e significado dos termos Asinamuuwa (sing.: Munamuuwa) e Enamuuwa. "

Isso de se dizer que nós somos asinamuuwa - disse Buraimo Nakhuwo, uma das fontes, - não

corresponde à verdade. Nós somos asinampuhuwa, filhos (leia-se súbditos) de Umpuhua, tal

como Muuwa tem os seus filhos que são asinamuuwa".(24) Segundo as fontes o que aconteceu

foi, conforme se esclareceu oportunamente, a emigração de Umpuhua III com uma parte

importante da sua população, na sequência da conquista militar portuguesa em 1915/16, para

as terras do Muuwaa, nos territórios da Companhia do Niassa. Lembra-se que o Umpuhua de

então era um sobrinho do grande Régulo Muuwa, situação que favoreceu o facto de ele e a sua

gente serem recebidos de braços abertos. Durante os cerca de 20 anos em que o Régulo

Umpuhua permaneceu no Niassa (1916-1936)(25) deve ter-se verificado uma grande

movimentação da população de e para ambas as margens do rio Lúrio, porque a emigração do

régulo e parte da sua gente fez com que as famílias linhageiras estivessem representadas tanto

a Norte como a Sul do rio Lúrio, o que obrigava a frequentes contactos. Estas movimentações

terão contribuído, sem dúvida, para um amplo intercâmbio sócio-cultural e uma acentuada

troca de valores, que aliás não deviam variar muito, porque tanto os núcleos antigos de Muuwa

como os de Umpuhua teriam, conforme atrás se explicou, emigrado da região de Malema.

Na altura em que ocorreu a invasão militar e a ocupação portuguesas das terras a Sul do

rio Lúrio, Muuwa já se encontrava instalado nos territórios da margem setentrional do rio,

granjeando de uma importante fama entre os seus súbditos e alguns vizinhos. Referências a seu

respeito, como sendo um importante chefe do hinterland macua, encontram-se nas descrições

de viagem de O'Neill, em 1883.(26) Foi na qualidade de um importante e velho régulo macua

que Muuwa recebeu, em Janeiro de 1902, uma missão portuguesa de reconhecimento, liderada

(24) NAKHUWO, entrevista de 1991. (25) Cf. nota nº 23. (26) O'NEILL, op. cit.

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pelo sargento Carlos Humberto da Graça que partira de M'luluca na direcção do Lúrio,

permitindo que a bandeira portuguesa fosse posta a flutuar nas sua terras.(27)

Segundo a tradição colhida pelo Administrador Branquinho, o Muuwa I do nihimo

Alaponi que foi pai dos mamwene Hamela (do nihimo Amirole), Nvathiwa (do nihimo Anela),

Nipepe (do nihimo Alukassi), Cuviri (do nihimo Amirassi) e Murrula (do nihimo Amulima),

teria vivido em tempos nas terras de Malema, junto do monte Chaláuè. Por razões

desconhecidas, conforme o referido funcionário colonial, Muuwa e dois dos seus filhos,

Nvathiwa e Cuviri, ter-se-iam mudado para o Niassa. O I Nvathiwa morreu nas terras de

Malema tendo sido enterrado em Muttittahi, a nordeste do monte Chaláuè, onde se situava o

regulado epónimo. Ainda segundo a fonte citada, o primeiro Namukhuna e o primeiro

Makhaliha, ambos do clã Amirole, seriam filhos do I Nvathiwa.(28) Murrula era o dono das

terras de Ribáuè quando os portugueses as ocuparam, em 1908.(29)

Segundo relatos colhidos aquando desta pesquisa, o autor obteve a informação de que,

quando Muuwa emigrou para o Niassa, por desavenças familiares, encontrou lá instalado um

outro mwene macua de nome Mutchiri (Anamutchiri). Lutas entre os dois terão levado este

último a mudar-se sucessivamente para o Ocidente, até transpor o rio Rietta, indo fixar-se no

território ajaua onde se tornou régulo na estrutura administrativa colonial.(30)

Quando Umpuhua III se apresentou nas terras do seu tio, a sua terra de origem, fê-lo

sob o estatuto de um chefe vizinho, a quem se devia, de acordo com os princípios tradicionais,

ceder lugar para se instalar com a sua gente. Como as terras pertencessem ao grande mwene

Muuwa, todos os habitantes nele presentes, incluindo os "hóspedes", eram designados por

asinamuuwa. Quando os de Umpuhua regressaram definitivamente para as terras donde

haviam partido fugindo das arbitrariedades das autoridades portuguesas, nada ou quase nada os

distinguia dos seus "hospedeiros" e continuaram a ser chamados pelos seus vizinhos por

asinamuuwa e a língua que falam por enamuuwa, - o echirima misturado com elementos do

emetto, cinyanja e o ciyao, uma vez que o território ocupado por Muuwa era um importante

corredor leste-oeste. A identificação dos elementos incorporados das outras línguas com vista a

confirmar com substância os argumentos apresentados, seria tema para pesquisas posteriores.

Em todo o caso, uma constatação se tornou evidente através das actuais pesquisas: as

populações dos antigos regulados de Umpuhua, Nipepe, Maúa e outros da vizinhança possuem

muito de comum, no que respeita a cultura subregional, dentro do mundo Macua-Lómuè em

geral, e no mundo chirima em particular.

(27) PÉLISSIER, 1987: 371. (28) BRANQUINHO,.op. cit.:125-133. (29) CASTRO, op. cit.: 11. (30) CHOKOWA, entrevista de 1992.

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3.3.3. Chefes de povoação e de grupos de povoações e suas relações

com as chefias do regulado

Nos últimos anos da ocupação colonial portuguesa o território de Umpuhua encontrava-

se repartido por quatro grupos de povoações: Umpuhua, Nipende, Muahage e Cuiria. Cada um

destes compreendia os seguintes chefados de povoação ou cabados: 1) Umpuhua- Makereta e

Júriassi; 2) Nipende - Nrotce; 3) Muahage- Etava, Muiria e Sorte e 4) Cuiria - Khawara,

Charawa e Tapara. O régulo e os chefes de grupo eram também chefes de povoação. O

chefado de grupo era localmente conhecido por epukhu (do inglês, book, em alusão ao livro de

registo da população por altura dos arrolamentos anuais levados a cabo pelos chefes de posto).

Assim, havia em todo o regulado treze ipukhu (plural de epukhu). Durante os anos que se

seguiram à ocupação militar portuguesa foram feitas diversas modificações no que respeita às

chefias menores, tendo prevalecido aquelas cujo fundo linhageiro se manteve reprodutivo. As

actuais chefias menores coincidem com os grupos linhageiros mais representativos.

Os chefes de grupo de povoações Muahage e Nipende, dos clãs Amale e Alaponi,

respectivamente, eram descendentes de filhos de Umpuhua (Khamarru) e de mulheres

incorporadas pelos processos atrás descritos. O chefe de grupos de povoação Cuiria, do clã

Alukassi, emigrou do regulado vizinho de Namicoco para as terras de Umpuhua na década de

30, em virtude de ter estabelecido amizade com o Muahage, conforme ficou referido atrás.

Nos primeiros anos da montagem da administração colonial, a pertença a um chefado

de povoação dependia da linhagem ou sub-linhagem a que pertenciam as mulheres, dado que o

casamento era uxorilocal, uma vez que aquela nova unidade administrativa tinha a tendência

de coincidir com os mittetthe (povoações) definidos na base das linhagens ou das principais

sublinhagens. Nos últimos anos do período colonial tal pertença dependia da opção do chefe da

família (marido), já que as mudanças operadas davam importância cada vez mais crescente ao

homem. Foi esta a explicação que se obteve das entrevistas.

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CAPÍTULO IV -

O Ensino da História da Comunidade local ou regional

Os actuais programas escolares são o produto da orientação política adoptada em

Moçambique logo após a proclamação da Independência Nacional, em 1975 e que culminou

com a transformação da FRELIMO em Partido Marxista-Leninista no seu 3º Congresso, em

Fevereiro de 1977. Com base no Marxismo-Leninismo, como ideologia oficial, foi atribuído à

Educação o papel de assegurar a formação política, ideológica, científica e pedagógica dos

professores e alunos.(1) Neste processo as disciplinas ligadas às Ciências Sociais, muito

particularmente a História, constituiram um campo fértil para a concretização dos objectivos

visados: formar cidadãos patriotas, construtores da sociedade socialista e lutadores contra o

imperialismo e o apartheid. Desta forma não é de estranhar que os programas da disciplina de

História nos diferentes níveis priorizem objectivos de cariz político-ideológico que se

reflectem nos conteúdos cuja estrutura privilegia aspectos relacionados com a luta de classes.

Moçambique faz parte do conjunto das nações que constituem o mundo actual. Nos

escassos 16 anos da sua existência como nação independente não esteve alheio aos problemas

internacionais: encontrava-se aliado ao bloco socialista. Como consequência teve que arcar

com o peso das dificuldades que os países do seu nível e estatuto tiveram que suportar durante

os últimos anos da Guerra Fria. Com o advento do fim desta e com o desmornamento do bloco

socialista, Moçambique abre-se para mudanças multiformes. É no âmbito dessas mudanças que

têm sido possíveis reflexões e debates tendentes à revisão dos programas e manuais de ensino,

em particular os de História.

Em Abril de 1992 foi realizado um seminário com o propósito da avaliação pedagógica

do livro escolar, no qual o grupo de História apresentou um relatório subscrito pelo historiador

Carlos Serra;(2) este, na essência, defende que a questão fundamental a ter em conta na revisão

dos manuais de História consiste na substituição de uma leitura classista da nossa História (e

não só) por uma leitura a-classista, de uma leitura de luta por uma leitura de unidade nas

diferenças. No ano anterior, de 31 de Julho a 3 de Agosto de 1991, aquando da realização do

Primeiro Painel de Historiografia em Maputo, foram apresentados alguns artigos

particularmente interessantes para esta questão de reflexão sobre o ensino de História em

Moçambique no período pós-Independência.(3) Na sua essência os autores desses artigos

abordam aquilo que mais tarde estaria reflectido no relatório de Carlos Serra.

(1) MACHEL, 1977: 137. (2) SERRA, 1992. (3)MAXIMIANO & ASSIS, 1991: 157-164; HOFISSO & SITOE, 1991: 165-174; OSÓRIO, 1991: 175-192; ADAM, 1991: 51-72.

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Curiosamente há um aspecto a que os autores dos referidos artigos parece não terem

dado muita atenção: é a lacuna que Conceição Osório chama de "esquecimento das formas de

organização e das particularidades de parentesco das sociedades tradicionais (...)."(4)

Neste capítulo pretende-se retomar as reflexões que apontam para a necessidade de

mudança dos programas escolares ao nível da disciplina de História, mas não no sentido de

repetir os aspectos sobre os quais os outros se debruçaram. Entende-se que uma reflexão

analítica dos programas e manuais de História deve compreender, seguindo Conceição

Osório,(5) as finalidades do ensino da História e das suas dependências: 1) "Dependências

pedagógicas (a idade dos alunos, a organização curricular)"; ii) "dependências da didáctica da

disciplina (como construir o saber, qual o papel da cronologia dos acontecimentos, dos heróis

na aquisição dos conhecimentos? como aprender o aparelho conceptual próprio da História?);

iii) "dependências políticas e ideológicas (institucionais)."

O contributo que se pretende que este trabalho constitua, no âmbito das reflexões acima

referidas, justifica-se pelo facto de o seu autor encarar como bastante séria a lacuna criada pelo

esquecimento aludido pela Professora Osório. Com efeito, o pluralismo étnico que caracteriza

Moçambique deve ser entendido como um indício que justifica a existência de processos

historicos específicos de cada uma das partes sócio-geográficas que constituem a nação ora em

construção. Assim, este último capítulo destina-se a: i) apresentar uma abordagem teórica

sobre o ensino da História Local e Regional; ii) depreender o que é que os programas dizem

sobre o ensino da História Local e Regional; iii) retrospectivar a pesquisa da História Local em

Nampula no período pós-Independência. Trata-se de um trabalho que não terá uma utilidade

imediata para alunos ou para professores dentro da sala de aulas; é um esquema para futuros

trabalhos que deveriam envolver as intituições que têm por vocação formar professores, como

seja o I.S.P. Estas deveriam dedicar atenção especial para à formação prática dos futuros

docentes, e, porque não formar investigadores?

4.1. História Local e Regional: algumas reflexões

Segundo uma pedagoga portuguesa que se dedica à Didáctica da História, o ensino da

História da comunidade local ou regional do aluno conduz ao desenvolvimento de uma

História Local.(6)

A História Local pode ser encarada sob diversos pontos de abordagem. Sob o ponto de

vista social procura reconstituir as condições de vida dos diversos grupos locais num

determinado período histórico, analisando os aspectos da produção material, estruturação

social ou de mentalidades; sob o ponto de vista demográfico privilegia a história da

(4) OSÓRIO, op. cit.: 186. (5) Idem: 175 (6) PROENÇA, 1990: 139-143.

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composição do agregado familiar, e, numa perspectiva de abordagem da História Política,

interessa-se pelo papel das elites locais na distribuição do poder.

Para a História de Moçambique dos últimos cem anos estas abordagens tornam-se

possíveis graças à utilização dos arquivos coloniais, das tradições orais e dos estudos

etnográficos sobre os hábitos e comportamentos característicos duma região. A tradição oral é

uma fonte preciosa e um complemento indispensável das outras fontes convencionais.

Na prática do ensino da História Local ou Regional deve partir-se do estudo de

fenómenos locais para os nacionais, confrontando semelhanças e contrastes específicos,

contribuindo assim para obter uma compreensão mais profunda da unidade nacional, apesar de

toda a sua diversidade. Este método didáctico-pedagógico despertará certamente no aluno o

interesse em conhecer a especificidade da sua região em confronto com a situação nacional.(7)

A História, num país como o nosso, onde a diversidade étnica é nota dominante, deve,

portanto, ser uma história de todas as populações sem ignorar as suas diferenças e as suas

semelhanças, tornando-se, por isso, necessário que se alerte os alunos para as realidades que os

rodeiam e que eles estão mais aptos a captar e entender, estabelecendo depois a ponte entre

essa realidade, que lhes está mais próxima, e a realidade nacional.(8) Com o recurso ao meio e

à inserção do aluno na realidade do passado da comunidade pretende-se permitir ao aluno uma

melhor compreensão da sociedade em que vive e na qual virá a intervir. O recurso às fontes

locais permitirá familiarizar o aluno com o método de pesquisa histórica e contribuirá para o

desenvolvimento de capacidades e competências específicas como o rigor de análise, o

pensamento reflexivo e o sentido crítico.(9)

O recurso à História Local tem também, como refere a autora citada,(10) vantagens no

campo da motivação, porque permite a utilização de métodos que interessam aos alunos

(inquéritos, entrevistas a pessoas mais idosas, entre outros), porque estes ao lidar com as fontes

locais, encontram referências a pessoas, factos e lugares conhecidos.

No trabalho com os alunos recomenda-se que sempre se deva optar por uma zona que

lhes seja familiar, "mas não tão restrita que impeça a concretização das várias fases do método

de investigação histórica."(11) Por esta razão se aconselha que, no nosso caso, a unidade

territorial seja no mínimo um posto administrativo ou um distrito, porque grande parte das

fontes locais, para a história dos últimos 100 anos, se encontram nas sedes administrativas. A

concretização desta estratégia de ensino exige que o professor faça um prévio levantamento

das possibilidades que a localidade oferece em termos de fontes, devendo por isso fazer um

(7) Idem: 142. (8) Ibidem. (9) Idem: 143. (10) Ibidem. (11) Ibidem

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reconhecimento dos arquivos, bibliotecas e de todos os aspectos patrimoniais com interesse

para o ensino da disciplina.(12)

A História Local apresenta uma utilidade com um interesse duplo, porque ao mesmo

tempo que se torna uma estratégia de ensino, pode também ser um estímulo para o professor

desenvolver uma actividade de investigação complementar da sua actividade.(13)

4.2. O Ensino da História Local em Moçambique

Relativamente ao ensino da História em África, J. Devisse(14) preconiza vários níveis

de enraizamento, dos quais destaca: i) a história da etnia de origem do jovem aluno; ii) a

história prospectiva da nação em processo de construção; iii) a história de todo o continente

africano; iv) a história do mundo negro, em África e fora da África; v) a história do conjunto

do mundo.(15) Sobre a primeira, o autor refere que ela "repousa facilmente sobre a existência

de fontes orais presentes por todo o lado e finalmente sobre os problemas quotidianos com os

quais são confrontadas as comunidades de base; ela atrai, desde logo, aqueles que se

preocupam em construir a África sobre as comunidades de base mais ou menos autogeridas, e

de tomar em conta línguas e tradições.(16)

As opções políticas levaram a que os programas de História vigentes no Moçambique

do pós-Independência fossem orientados de acordo com o segundo modelo preconizado pelo

autor que se acabou de citar, porque, e de acordo ainda com o mesmo "[este modelo] tem o

apoio de todos os que querem fugir às 'armadilhas do tribalismo' e desejam construir

rapidamente uma consciência nacional junto dos jovens cidadãos dos novos Estados, nascidos

em grande parte, em 1960."(17) Foi nesta óptica em que foram concebidos os modelos de

História ensinada ao longo dos últimos anos, em que alguns dos grandes acontecimentos

foram, no dizer de Yussuf Adam,(18) "avaliados ideologicamente e não sob o ponto de vista

do historiador profissional."

De facto os passos dados em Moçambique no sentido de se iniciar o aluno no estudo da

História a partir da sua própria localidade são incipientes, e no que diz respeito ao grupo social

a que pertence, nada foi feito. Os programas vigentes logo a seguir à proclamação da

(12) Ibidem (13) Ibidem (14) DEVISSE, 1985: 29-38. O texto em francês foi traduzido pelo INDE em Fevereiro de 1985 a partir da Revista "Recherche, Pédagogie et Culture", nº 46 (Março/Abril, 1980). (15) Idem: 33. (16) Ibidem. (17) Ibidem. (18) ADAM, 1991: 54, aponta alguns exemplos que demontram a manipulação ideológica da história: "O Estado de Gaza e, sobretudo, o papel do Gungunhana. Gungunhana foi promovido a Herói Nacional com juramentos de fidelidade feitos nos locais onde combateu. Na memória histórica de grandes regiões do país, Gungunhana era o Hossi de um Estado construído por invasores ngunis que atravessaram o Maputo cerca de 1820 e que ergueram o seu Estado com base na subjugação das populações locais e com base na pilhagem quer do gado quer de mulheres."

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Independência Nacional privilegiaram, para o estudo da História de Moçambique, a História de

alguns reinos e impérios que se diziam terem tido uma grande influência na História

Nacional.(19) Desta forma manteve-se um silêncio sobre a história de vastas regiões e de

diferentes grupos que tiveram um desenvolvimento sócio-político próprio e fora das esferas

consideradas representativas e por isso, prioritárias.

Nos Programas do Sistema Nacional de Educação (SNE) do ensino da História na

República de Moçambique, relativamente à História Pátria, os conteúdos afins com o tema

tratado neste trabalho enquadram-se na Unidade 2 da 4ª Classe e nas Unidades 2 e 3 da 5ª

Classe, respectivamente, A História da nossa Localidade e dos nossos Pais; Reinos e Impérios

Antigos; e A Colonização Portuguesa e a Resistência do Povo Moçambicano.

Nos objectivos preconizados para a unidade "A HISTÓRIA DA NOSSA LOCALIDADE E DOS

NOSSOS PAIS" destaca-se que, ao terminar esta unidade o aluno deve: a) reconstruir a história

da sua localidade através da pesquisa (recolha de testemunhos orais, observação de edifícios,

monumentos, lápides com evidência do passado); b) dar exemplos das formas de exploração

no tempo colonial.

Para o cumprimento destes objectivos recomenda-se: "O trabalho dos alunos necessita

de grande apoio do Professor e este deve prepará-lo convenientemente."(20) Para apoio a este

trabalho o Livro do Professor a ele destinado trás doze textos muito resumidos.(21)

Na 5ª Classe os aspectos do programa afins às temáticas tratadas nos capítulos

precedentes deste trabalho dizem respeito às formações políticas dos Reinos e Impérios

Antigos: Manyikene, Mutapa, Marave, Yao, Prazos do Vale do Zambeze, Gaza e ainda a

Colonização portuguesa e a Resistência dos moçambicanos face à ocupação.(22)

Não se pretende, como atrás foi referido, discutir a adequação psico-pedagógica aos

alunos das matérias em que são leccionadas, pois o objectivo é o levantamento da questão

sobre com que História começar na classe em que a criança é confrontada pela primeira vez

com o ensino desta disciplina.

Como se pode depreender, tal como o preconizado para o ensino da História nas Zonas

Libertadas, os programas actuais priorizam o estudo da História de algumas formações antigas

que, pelas circunstâncias específicas do seu desenvolvimento, submeteram outras formações

ou distinguiram-se por actos predatórios ligados ao tráfico de escravos ou projectos ambiciosos

de hegemonias regionais. Esta estratégia do ensino da História apresenta defeitos que, no

entender do autor deste trabalho consistem nos aspectos que a seguir se expõem: Embora no

discurso oficial, através das orientações expressas nos programas escolares, a ideia seja a de

que as crianças devem começar por aprender a história da sua localidade devendo progredir

(19) FRELIMO, 1971. (20) INDE/Tempográfica, 1985: 30. (21) Idem: 36-44. (22) INDE/Tempográfiaca, 1987: 17-31.

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para os níveis regional, nacional e daí para a História Universal, a prática mostra que isso é

utópico.

Não tendo sido possível cumprir o que se pretende na 4ª classe, porque as condições

não são propícias, a criança passa para a classe seguinte onde deve estudar a história dos

Reinos e Impérios Antigos. Para muitas regiões e comunidades de Moçambique a história

daquelas formações é, tal como a História de Portugal para os moçambicanos, a "história do

outro". A criança não deveria, em princípio, ser iniciada no estudo da "história do outro" da

qual os seus antepassados foram, muitas das vezes, objecto e não sujeito. O ensino da História

num país tão multi-étnico como o nosso não deve limitar-se à História das formações políticas

do tipo estadual; deve abranger todas as formações que foram possíveis e das quais são

descendentes os actuais cidadãos da nação em construção. O estudo da história do Império de

Gaza não deve servir para fazer ignorar as formações Tsonga, Bitonga, Chope e outras por ele

submetidas.(23) Da mesma forma a história das formações Macua-Lómuè não deve ser

encarada apenas sob o ponto de vista da dos Swahili da costa Norte de Moçambique e da dos

Marave ou Yao, que as instrumentalizaram durante largos séculos de tráfico esclavagista.

Tanto ao nível da 4ª classe como da 5ª os objectivos preconizados só poderiam ser

alcançados se em todas as escolas do país houvesse condições óptimas: professores com uma

formação especifíca adequada para conduzir o ensino pela pesquisa, bibliotecas equipadas e

acessíveis para todos os docentes, material e meios didácticos adequados, etc. Estas condições

não existem, mesmo nos meios urbanos. Para demonstrar esta situação seria necessário um

trabalho de campo que envolvesse as escolas e os docentes do nível visado nesta reflexão; isso

não foi possível porque não era esse o objectivo do trabalho. Mas porque tal reflexão se impõe,

faz-se a seguir uma caracterização do corpo docente com base nos elementos disponíveis e na

experiência pessoal.

Embora as estatísticas indiquem que a maior parte dos professores do EP1 possuem

formação psico-pedagógica (vide quadro 13), a verdade é que muitos deles encontram imensas

dificuldades devido ao seu isolamento, em particular nas zonas rurais. Por outro lado o baixo

nível com que entram para a formação e a carência de um trabalho posterior de

aperfeiçoamento torna ineficaz o desenvolvimento de um trabalho da natureza do preconizado

pelos programas, contando apenas com a sua iniciativa.

QUADRO 13: Professores do EP1 em 1992

Povíncia C.Del. Gaza Inh. Man. Mpt. Npl. Nias. Sof. Tete Zbz. C.Mpt Nac.

Total 2328 1837 1845 1104 1234 4497 1175 1413 1094 3871 1734 22132

C/Formação 1528 1174 1379 858 825 3656 - 1082 662 2780 856 14800

% 65. 63.9 74.7 77.7 66.9 81.3 - 76.6 60.5 71.8 49.4 66.9

Al/Turma 47 49 50 43 50 39 44 44 46 47 59 47 Fonte: (Direcção de Planificação do MINED; Estatística da Educação, Maputo, Julho de 1992: 5)

(23) Vide nota nº 10 deste capítulo.

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Quando se introduziram os novos programas de ensino de História, encontravam-se nas

escolas professores que de História não sabiam senão aquilo que haviam aprendido dos

portugueses. Em muitos casos, particularmente para as escolas da 5ª e 6ª classes, foram

recrutados estudantes do ensino secundário para ocupar os lugares deixados vagos pelos

professores portugueses que tinham abandonado o país; esses novos professores não

dispunham de nenhuma formação psico-pedagógica e didáctica. O que sabiam era apenas que a

História a ensinar era outra; mas que metodologia a utilizar? Ninguém os havia ensinado!

Eram momentos de euforia pela Revolução e pela Independência; tudo o que a propaganda

político-ideológica difundia era assumido, na maioria das vezes acriticamente, e ensinado aos

alunos. Foram os alunos daquela primeira geração de professores-estudantes que frequentaram

os primeiros cursos de formação docente da 6ª classe mais um ano e que viriam a cobrir a

imensa rede escolar que entretanto emergiu. Formou-se um ciclo vicioso: alunos preparados

por professores sem formação tornam-se professores com formação inadequada e assim

sucessivamente.

Nesta situação, embora os programas deixassem entrever a sua orientação para o ensino

de uma "História Activa", era inconcebível a sua realização. O professor ensinva a História da

Frelimo, de Monomotapa, de Gaza e da Evolução do Homem tal como entendia dos

documentos que caíam nas suas mãos. Os seus alunos tinham que decorar os nomes dificílimos

dos símios que se sucederam na evolução para a formação do Homo Sapiens Sapiens, segundo

uma teoria que por vezes ele próprio não só não entendia como também duvidava da sua

veracidade.

É uma situação que prevalece ainda hoje e que foi caracterizada em 1981 aquando da

elaboração da Lei do Sistema Nacional de Educação:(24)

-Diversidade nos métodos de formação e nos próprios conteúdos programáticos de

disciplinas comuns aos vários tipos de formação;

-Existência, no mesmo nível de ensino, de professores com habilitações muito

diversificadas, o que exigia a adopção de caminhos diferentes na acção de formação e

aperfeiçoamento;

-Ingresso nos Cursos de Formação de Professores de candidatos com um nível de

habilitações iguais ao nível em que iriam ensinar, o que origina baixo nível de formação.

Esta situação seria mais que suficiente para merecer atenção dos pedagogos

moçambicanos que se limitaram a inserir nos manuias do professor algumas listas contendo

"datas e informações" sobre alguns aspectos da História Nacional, "(...) informação que tem

por objectivo apoiar o professor; esta deve[ria] ser enriquecida com outras fontes, em especial

a tradição oral."(25)

(24) R.P.M., 1985: 185. (25) Veja-se em INDE/Temográfica, 1985: 36-44.

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Em função da reflexão que acaba de se fazer é oportuno agora referir em que medida se

julga útil, para fins didácticos, um trabalho de pesquisa como este. Na essência ele pretende ser

uma experiência de pesquisa da História Local, a partir das condições existentes; não se

pretende que a história de um regulado constitua matéria da disciplina da História ao nível de

um distrito ou província. O conhecimento daquela realidade é importante para os professores

cujas escolas se situam no território outrora pertencente ao regulado. O que interessaria para a

leccionação seriam os aspectos comuns das várias unidades políticas que no conjunto podem

definir uma região, no caso concreto um posto administrativo ou um distrito. É a história

destas unidades territoriais que merece ser explorada para fins didácticos; a um nível mais

avançado o distrito seria integrado num conjunto mais vasto, até se chegar ao nível da

província ou de uma região historicamente homogénea.

Em todas as unidades territoriais do país, postos administrativos ou distritos, há

memórias de personagens históricas, líderes linhageiros, territoriais ou regionais que se

distinguiram pelos seus feitos na condução dos destinos das suas comunidades. Há tradições

que recordam acontecimentos que no passado marcaram a vida das populações actuais.

Encontram-se aspectos da cultura material, linguísticos e artísticos que distinguem a população

de uma localidade dos seus vizinhos, mesmo no seio de um mesmo grupo aparentemente

julgado homogéneo. É isto que o presente trabalho procurou mostrar.

Entretanto, a prática da condução do processo do ensino de História a partir daquelas

realidades locais, não se adquire espontaneamente. A sua aquisição deve fazer parte do

conjunto de matérias que o futuro docente deve aprender; para o professor em exercício devem

organizar-se actividades de reciclagem com vista ao domínio daquela mesma prática.

Sob o ponto de vista didáctico, o presente trabalho poderia condensar-se sob o título

FORMAÇÕES MACUA-LÓMUÈ, devendo subdividir-se em: i) Localização geográfica; ii)

Organização sócio-política; iii) Transformações decorrentes de contactos com culturas

exógenas e da situação colonial.

Esta abordagem é geral, isto é, abrange todo o território étnico; a parte do trabalho com

ela relacionada é o ponto 1.2.1. do capítulo I. Ao nível de cada uma das regiões em que se pode

dividir aquele território, isto é, ao nível distrital ou de um grupo de distritos com características

historicamente homogéneas, as subdivisões obedeceriam ao exposto no capítulo II, pontos 2.1,

2.2 e 2.3. A conquista militar e a ocupação colonial portuguesas são abordados nos programas

de uma forma generalizada, para além de que o material destinado ao apoio do professor é

extremamente insuficiente.

Para o período correspondente à conquista e à ocupação coloniais é possível elaborar

textos para todas as localidades do país, textos que tratem, por exemplo, da EVOLUÇÃO DA

DIVISÃO ADMINISTRATIVA, tal como se fez neste trabalho para o antigo Distrito de

Moçambique, em geral, e para os ex-Concelhos de Malema e de Ribáuè, em particular, (pontos

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2.3.2 e 3.3 do presente trabalho). É um trabalho bastante facilitado, porque, pelo menos para

esta matéria, a legislação colonial é completa.

Sobre o tratamento que é dado à resistência à ocupação colonial, impõe-se reconhecer

apenas que é ainda um aspecto que carece de análises profundas e adequação para fins

didácticos. A informação disponível em documentos é diversa para todas as regiões do país,

não se justificando por isso que ela se limite às antigas unidades políticas ditas como as mais

representativas.(26)

4.3. Pesquisas da História Local em Moçambique no período pós-Independência:

o caso da Província deNampula

A experiência de pesquisa sobre a história local levada a cabo pelo autor deste trabalho,

abrangendo uma parte da Província de Nampula, não é pioneira. Nos finais dos anos 70 e

princípios de 80 tiveram lugar nesta Província experiências de "recolha de tradição oral sobre a

História Antiga da Província e sobre a História de grandes chefes ou Antigos Estados, bem

como recolha de carácter etnográfica."(27) O objectivo central daquele trabalho era a

preservação e valorização do Património Cultural; para o efeito haviam sido criados Círculos

de Interesse, processo que estava sendo dinamizado em todas as escola do país, fazendo parte

das Tarefas Escolares Obrigatórias.(28)

A nível da Província de Nampula distinguiu-se naquele processo a Escola Secundária

de Nampula, na qual se havia criado um CÍRCULO DE INTERESSE SOBRE A HISTÓRIA

POPULAR (CIHP), constituído por um núcleo de 4 professores, 25 alunos e um funcionário.

Entre as actividades daquele CIHP destaca-se a recolha da tradição oral sobre o trabalho

forçado na construção da linha férrea, a inventariação de locais históricos e a recolha de dados

sobre as formas de resistência à penetração colonial. Neste âmbito e durante as férias de

Agosto de 1979, o CIHP da Escola Secundária de Nampula levou a cabo um trabalho de

recolha de dados sobre Khupula-Munu no Distrito de Mogovolas, do qual resultou um artigo

subscrito por Richard Gray.(29) Consta também terem sido realizados trabalhos similares

sobre Mukutu-Munu no Distrito de Mossuril Komala-Munu no Distrito do Eráti. O trabalho

sobre Khupula-Munu teve o mérito de ter sido publicado pelo seu coordenador nas revistas

citadas. Para além da publicação destes trabalhos em forma de artigos, a valorização e

divulgação dos dados recolhidos eram feitos igualmente através de poesia, contos, e peças de

teatro, que eram apresentados tanto na Escola como na Comunidade.(30)

A reflexão sobre os resultados daquele tipo de trabalho teria sido muito útil como ponto

de partida para a reposição da verdade (deturpada) sobre a História, porque a confrontação das

(26) Idem: 36-44; e INDE/Tempográfica, 1987: 31. (27) GRAY, Março de 1980: 50-55 e Abril de 1980: 62-63. (28) MEC, 1979 e 1980. (29) GRAY, 1981. (30) GRAY, 1980: 50

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informações permitiria uma reinterpretação das fontes escritas portuguesas da época da

conquista militar.

Se hoje é possível referir estes trabalhos é porque, como se referiu atrás, tiveram a sorte

de terem sido publicados. Os outros que o não foram porque à frente dos Círculos de Interesse

colectores dos dados não estava a mão de tantos outros Richards, são dados perdidos! E a

maior parte das iniciativas de então perderam-se com as euforias do momento; foram

iniciativas a seu tempo impulsionadas pela Comissão de Apoio Pedagógico Provincial (CAP)

que não só não tiveram continuidade com o devido aperfeiçoamento da metodologia aplicada,

como não foram explorados para fins pedagógicos, apesar do reconhecido interesse de alguns

deles. No seu conjunto seriam trabalhos de extrema importância para repor a verdade sobre a

história das populações da Província. Mas, para além de não terem tido continuidade, não

foram utilizados para discussão em grupos de disciplina ou em seminários de aperfeiçoamento

de professores. Por outro lado não parece que os responsáveis pela elaboração dos manuias

(UEM e INDE) tenham estado ligados àquelas iniciativas.

Para além dos trabalhos desenvolvidos pelos Círculos de Interesse, deve também fazer-

se referência para as recolhas levadas a cabo por brigadas do ARPAC, ainda nos anos 80; só

que estes não tiveram uma orientação especificamente para a História; destinavam-se, sim, à

recolha de elementos culturais.

Numa perspectiva mais antropológica Christien Geffray empreendeu pesquisas na

região do Eráti das quais editou uma série de artigos e obras.(31)

Outro suporte para se obter a história do passado recente de vastas regiões do país

seriam, para além dos idosos a que recorreram os pupilos de Richard, as fontes dos

missionários, porque da época em que instalaram as primeiras missões deve existir muita

informação que eventualmente ficou registada.

Embora não digam respeito à Província de Nampula, importa referenciar os trabalhos

do Doutor G. Liesegang sobre as fontes narrativas.(32) A existência dessas fontes é de extrema

importância para a história das regiões a que elas se referem, tornando-se, por isso, necessária

não só a sua inventariação como também o seu estudo, como sugere o autor.

(31) GEFFRAY, 1984; 1991.(Em colaboração com PEDERSON),1985 e 1985. (32) LIESEGANG, Abril de 1988: 12-34; e Abril de 1992: 37-66.

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CONCLUSÕES

Em conformidade com os objectivos definidos para o trabalho seguem-se as conclusões

implícitas nas análises feitas ao longo do texto.

(i) Até 1885, altura em que, pressionados pela situação internacional e em particular

pelas decisões da Conferência de Berlim, os portugueses se decidiram pela conquista militar e

ocupação da região de entre os Rios Lúrio e Ligonha, o interior até então praticamente

desconhecido era dominado na sua totalidade por numerosas comunidades Macua-Lómuè.

Eram comunidades organizadas na base do parentesco matrilinear e suas alianças e

constituídas politicamente em pequenas ou grandes chefaturas (omwene). Os Portugueses

ocupavam a Ilha de Moçambique e o continente fronteiro, numa área que se estimava em 500

Km2, em pontos da costa incrustados num mundo de reinos Swahili (sultanatos e xeicados) e

potentados de Macuas islamizados ou não.

(ii) Em quase todo o território Macua-Lómuè as chefias existentes na segunda metade

do século XIX e princípios do séc XX eram o resultado da reprodução sócio-política baseada

na incorporação de cativos e no tráfico de escravos.

(iii) O quadro da conquista militar portuguesa e a ocupação colonial do território que

constitui a actual Província de Nampula compreendeu, grosso modo, dois períodos

caracterizados pelo grau de envolvimento das forças de ocupação. Até 1885/6, a característica

dominante foram os constantes revezes e a ambiguidade de posições dos portugueses perante

os potentados Swahili e Macua do litoral nas lutas pela hegemonia comercial, em particular

sobre o tráfico de escravos. O segundo período, decorrido entre 1885/6 e 1914/16, foi

caracterizado pelo esmagamento progressivo dos reinos Swahili pelos portugueses, apesar do

envolvimento cada vez mais crescente dos Macua e da multiplicação de alianças entre estes e

os primeiros, à medida que a ocupação efectiva se ia consumando. Este último período

culminou com a ocupação do território e a consequente instalação da administração colonial

que, até 1921, teve como base instituições militares.

(iv) A conquista militar portuguesa pôs termo ao tráfico da mercadoria humana no

Distrito de Moçambique ao eliminar os seus concorrentes locais: os Swahili e os chefes

Macua. Mas isto não trouxe a libertação definitiva das populações, porque para além do tráfico

ter continuado por mais alguns anos através dos vizinhos Territórios da Companhia do Niassa,

a conquista e a ocupação coloniais impuseram uma nova forma de escravatura: o trabalho

forçado e a punção da mão-de-obra para as plantações locais e para S. Tomé.

(v) As mudanças ocorridas nas antigas unidades políticas locais resultantes da

conquista militar e a ocupação colonial portuguesas caracterizaram-se pela transformação de

algumas delas naquilo que passou a ser designado por "regulados", e pela extinção de outras,

conforme o papel desempenhado face à conquista. Com a Reforma Administrativa Ultramarina

dos finais de 1933 os régulos foram transformados em regedores - agentes da administração

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colonial -, o que originou a dualidade do poder, porque a par destes regedores persistiram os

"legítimos" detentores do poder e da autoridade tradicional.

(vi) Durante a conquista militar portuguesa a reacção das populações do litoral onde o

inimigo era suficientemente conhecido e os seus interesses eram confrontados com os dos

potentados locais, foi caracterizada por numerosos levantamentos militares enquanto no

interior, cujos chefes viam nos portugueses um potencial aliado comercial de cuja aliança se

poderia obter prestígio, foram frequentes os pactos de "amizade" antecipados. Entre outras

causas desta situação destaca-se, portanto, o desconhecimento da natureza das intenções do

inimigo.

(vii) No Alto Lúrio, onde os levantamentos armados foram escassos e onde a ocupação

se consumou apenas no decurso da I Guerra Mundial, a reacção generalizada face à presença

inimiga foi a emigração massiva para os Territórios da Companhia do Niassa, para a

Niassalândia e para o Sul do Tanganyika. Foi uma reacção devida fundamentalmente à

brutalidade com que se fez a implantação do sistema de dominação colonial capitalista;

entretanto causas de outra natureza e o impacto real das migrações está por avaliar.

(viii) O Regulado de Umpuhua resultou de um núcleo linhageiro do clã Amukovo que,

no território Macua-Lómuè, não tem uma expressão dominante, estando, entretanto, os seus

membros representados nas diversas secções do mesmo. O núcleo referido serviu-se da

incorporação de mulheres cativas e da sua participação activa no comércio a longa distância e

no tráfico de escravos para a sua afirmação política, tendo para esse efeito concorrido a sua

fixação num ponto estratégico da rota Alta Zambézia-Quissanga.

(ix) A proclamação da Independência Nacional rompeu com o ensino colonial. Com

efeito, foram adoptados novos programas de ensino adequados ao panorama político que se

impunha para a nova nação; como foi sendo constatado, os novos programas, particularmente

os da disciplina de História, continham uma excessiva ideologização. Face aos novos

imperativos de mudança, reflexões estão sendo feitas com vista à reformulação dos referidos

programas. Neste contexto o presente estudo constatou ser necessário que essa reformulação

não se deve limitar apenas ao distanciamento com a filosofia que esteve na base da política do

pós-Independência e que ditou a adopção dos programas ora contestados. A questão crucial

defendida neste trabalho é adopção de programas de História que ao nível das últimas classes

do EP1, com continuação nas classes seguintes, dêem o devido lugar ao ensino da História

Local, para o que se avançam algumas recomendações:

(ix). 1. Tal como aconteceu em Nampula, terá havido noutras regiões do país

experiências da recolha das histórias locais que entretanto não tiveram continuidade. Posto isto

seria importante que as instituições vocacionadas para o desenvolvimento da Educação em

Moçambique, o INDE, o ISP, a UEM e o próprio MINED se responsabilizassem pela

reactivação dessas experiências, sendo para isso necessário a capacitação de pessoal para o

efeito; não basta recomendar ao Professor que faça as recolhas usando a sua iniciativa.

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(ix). 2. Na formação dos Professores de História as instituições para isso vocacionadas,

os CFPP, os IMP e o ISP, em particular esta última, devem contemplar nos seus programas de

formação aspectos ligados com o ensino da História Local em Moçambique e com as

metodologias de investigação que não se devem limitar aos aspectos teóricos.

(ix). 3. Os organismos pedagógicos do MINED e os responsáveis pela elaboração de

progrmas e manuais de História devem ter em consideração a situação dos Professores do

EP1, destinando-lhes Manuais do Professor que não contenham apenas algumas orientações,

mas sim textos e documentos adaptados ao seu nível. Isto, porque as bibliotecas de que se fala

nas orientações metodológicas dos actuais programas são uma utopia para quase todo o País. A

4ª e a 5ª Classes são leccionadas em Localidades cujo acesso é extremamente difícil, de onde

raramente o Professor se desloca à sede do distrito, para não falar da capital provincial.

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Méti

Méti

Méti

Méti

Méti

Méti

Méti

Méti

Méti

Méti

Méti

Méti

Malema

Namapa

±85

±85

±70

±90

±55

±65

±80

±80

±55

±70

±65

±80

±50

±50

32

Cidade Nampula/Niw.

Cidade Nampula

Méti-Sede

Méti-Sede

Méti-Sede

Méti-Sede

A.C.de Nawawani

A.C.de Nawawani

A.C.de Niwossi

A.C.de Niwossi

A.C.de Niwossi

A.C.de Niwossi.

A.C.de Niwossi

A. C.de Munheweni

Cidade do Maputo

Cidade do Maputo

Julho/91-Jan/93

Julho/91

Fever/92-Fev/93

Fever/92-Fev/93

Fever/92-Fev/93

Fever/93

Fever/92

Fever/92

Fever/92-Jan/93

Janeiro/93

Janeiro/93

Janeiro/93

Fever/92-Jan/93

Maio/93

Setembro/93

Agosto/93

Nota: a) Todos entrevistados, com a excepção do Alberto Vaquina que é médico, são

agricultores domésticos. As entrevistas foram coduzidas pelo autor nos locais e datas

indicados. O registo foi feito em fita magnética.

II Fontes Escritas

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-Boletim Oficial nº 30, I Série, de 1914, P. 839 E de 25 de Junho.

-Boletim Oficial nº 29, I Série, de 1917

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-Boletim Oficial nº 27, I Série, de 1921, Dec. 68, de 30 de Junho.

-Boletim Oficial nº 21, I Série, de 1923, P. 479, de 25 de Junho.

-Boletim Oficial nº 12, I Série, de 1924, P. 669, de 23 de Março

-Boletim Oficial nº 16, I Série, de 1930, DL. 228

-Boletim Oficial nº 16, I Série, de 1932, P. 1633, de 16 de Abril

-Boletim Oficial nº 7, I Série, de 1934, P. 2189, de 14 de Fevereiro

-Boletim Oficial nº 48, I Série, de 1934, Dec. 24621, de 31 de Outub.

-Boletim Oficial nº 51, I Série, de 1934, P. 2377, de 19 de Dezembro

-Boletim Oficial nº 49, I Série, de 1942, P. 4941,

-Boletim Oficial nº 41, I Série, de 1945, P 6162 de 13 de Outubro

-Boletim Oficial nº.46, I Série, de 1945, P. 6202, de 17 de Novembro

-Boletim Oficial nº 46, I Série, de 1954, Dec. 39858, de 13 de Novev.

-Boletim Oficial nº 13, I Série, de 1957, P. 11932, de 30 de Março

-Boletim Oficial nº 33, I Série, de 1959, P. 13286, de 17 de Agosto

-Boletim Oficial nº 37, I Série, de 1962, P. 16346, de 16 de Setembro

-Boletim Oficial nº 16, I Série, de 1964, PP. 17741/47/48/55/56, de Abril

-Boletim Oficial nº 38, I Série, de 1966, P. 19707, de 17 de Setembro

-Boletim Oficial nº 4 , I Série, de 1967, P. 19923, de 28 de Janeiro.

-Boletim Oficial nº 61, I Série, de 1973, Dec. 247/73, de 17 de Maio

-Boletim Oficial nº 45, I Série, de 1975, DL 41/75, de 15 de Abril

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-Anuário de Lourenço Marques, 1942, 28º Edição

-Anuário de Moçambique, 1951-52, 37ª Edição

-Anuário de Moçambique, 1962, 44ª Edição

-Anuário de Moçambique, 1972/73, 51ª Edição

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-Distrito de Moçambique. Relatório do Governador (1911-1913),

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II. 2. Secundárias sobre Moçambique

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