hÉlade - volume 3, número 3 - helade.uff.br · universidade federal fluminense (uff) instituto de...

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  • Volume 3, Nmero 3 - Dezembro de 2017

  • Universidade Federal Fluminense (UFF)Instituto de Histria (IHT)

    Programa de Ps-graduao em Histria (PPGH)Ncleo de Estudos de Representaes e de Imagens da Antiguidade (NEREIDA)

    REVISTA HLADE - ISSN: 1518-2541Ano 3, Volume 3 - Nmero 3

    Dexembro de 2017

    EditoresProf. Dr. Alexandre Santos de Moraes (UFF)

    Profa. Dra. Adriene Baron Tacla (UFF)Prof. Dr. Alexandre Carneiro Cerqueira Lima (UFF)

    Assistentes de EdioProfa. Thas Rodrigues dos Santos (UFF)Grad. Geovani dos Santos Canuto (UFF)

    Profa. Beatriz Moreira da Costa (UFF)

    Conselho EditorialProfa. Dra. Ana Livia Bomfim Vieira (UEMA)

    Profa. Dra. Ana Teresa Marques Gonalves (UFG)Profa. Dra. Claudia Beltro da Rosa (UNIRIO)

    Prof. Dr. Fbio Faversani (UFOP)Prof. Dr. Fbio de Souza Lessa (UFRJ)

    Prof. Dr. Gilvan Ventura da Silva (UFES)Prof. Dr. Jos Antnio Dabdab Trabulsi (UFMG)

    Profa. Dra. Maria Beatriz Borba Florenzano (USP)Profa. Dra. Monica Selvatici (UEL)

    Prof. Dr. Pedro Paulo de Abreu Funari (UNICAMP)

    Conselho ConsultivoProf. Dr. lvaro Alfredo Bragana Jnior - Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

    Prof. Dr. Alvaro Hashizume Allegrette - Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo (PUC-SP)Prof. Dr. Antonio Brancaglion Jnior - Museu Nacional/Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

    Prof. Dr. Andrs Zarankin - Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)Sir Barry Cunliffe - Universidade de Oxford (Inglaterra)

    Profa. Dra. Elaine Hirata - Universidade de So Paulo (USP)Dr. Elif Keser Kayaalp - Universidade Mardin Artuklu (Turquia)

    Prof. Dr. Fbio Duarte Joly - Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP)Prof. Dr. Joo Lupi - Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

    Profa. Dra. Luciane Munhoz de Omena - Universidade Federal de Gois (UFG)Profa. Titular Lynette G. Mitchell - Universidade de Exeter (Inglaterra)

    Profa. Dra. Mrcia Severina Vasques - Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)Profa. Dra. Maria Aparecida de Oliveira Silva - Universidade de So Paulo (USP)

    Profa. Dra. Margarida Maria de Carvalho - Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho (UNESP- Franca)Profa. Dra. Maria Cristina Nicolau Kormikiari Passos - Universidade de So Paulo (USP)

    Profa. Dra. Maria de Ftima Sousa e Silva - Universidade de Coimbra (Portugal)Profa. Dra. Maria Isabel dAgostino Fleming - Universidade de So Paulo (USP)

    PD Dr. Philipp W. Stockhammer - Universidade de Heidelberg (Alemanha)Profa. Dra. Renata Senna Garraffoni - Universidade Federal do Paran (UFPR)Profa. Dra. Violaine Sebillotte Cuchet - Universit Paris 1 Panthon-Sorbonne

    Professor Emrito Wolfgang Meid - Universidade de Innsbruck (ustria)

    A responsabilidade pelas opinies emitidas, pelas informaes e ideias divulgadas so exclusivas dos prprios

    autores.

  • SUMRIO

    EDITORIALHLADE: PRIMEIRO TRINIO DA NOVA SRIE ......................................... p. 4Alexandre Santos de Moraes

    ARTIGOS DE TEMA LIVRE

    O FEMININO COMO OUTRO: UMA ABORDAGEMACERCA DA ALTERIDADE NA ANTIGUIDADE GREGA ........................ p. 9Talita Nunes Silva Gonalves

    GOLPE, STSIS E METABOL: CRITRIOS CONCEITUAIS PARA RUPTURAS POLTICAS E INSTITUCIONAIS NA ARISTOTLICA CONSTITUIO DOS ATENIENSES ............................ p. 19Dnis Renan Corra

    MUERTE E INFRAMUNDO EN LA ANTIGUA ROMA: INMORTALIDAD Y ETERNA MEMORIA ................................................... p. 36Julio Lpez Saco

    ESCONDER OS CORPOS E OS CRIMES: O MAR COMO UM LUGAR DE NO-RETORNO ............................................................................... p. 48Camila Alves Jourdan

    A ETNICIDADE NA SALA DE AULA: O USO DE ADAPTAES DE CLSSICOS DA ANTIGUIDADE ................................. p. 59Renata Cardoso de Sousa

    COMPETIO, COOPERAO, CONFLITO E NEGOCIAO:AS TENSES TICO-POLTICAS ENTRE AQUILES E AGMENON NA ILADA ...................................................................................... p. 83Alexandre Santos de Moraes

    A REORGANIZAO TERRITORIAL TICA SOB CLSTENES: A DEMOCRACIA COMO ENFRAQUECIMENTODOS PODERES PARENTAL-ARISTOCRTICOS ........................................ p. 96Bruno DAmbros

    TRABALHO FEMININO NA HISPNIA ROMANA: PRECONCEITOS E RESGATES ........................................................................ p. 106Paulo Pires Duprates

    NORMAS DE PUBLICAO ............................................................................. p. 130

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    Editorial

    Editorial

    HLADE: PRIMEIRO TRINIO DA NOVA SRIE

    Alexandre Santos de Moraes1

    Thas Rodrigues dos Santos2

    Passaram-se trs anos desde 2015, quando decidimos pelo retorno da Hlade, e estivemos diante de trs desafios interdependentes. Em primeiro lugar, nosso objetivo era resgatar o contedo da srie original que, por fora do tempo e das circunstncias, encontrava-se bastante disperso e, em parte, inacessvel. Esse esforo devolveu comunidade acadmica um total de 48 artigos completamente reeditados. Em segundo lugar, em constncia com essa disposio, buscamos recuperar a histria da revista, as iniciativas que caracterizaram sua srie inicial e os princpios editoriais da primeira revista eletrnica brasileira exclusivamente dedicada aos estudos da Antiguidade. Finalmente, em terceiro lugar, concentramos nossas energias para consolidar a Hlade como um espao isonmico de publicao, amplo, receptivo e democrtico, aberto a pesquisadoras e pesquisadores do Brasil e do exterior. Com esse nmero, chegamos ao primeiro trinio da nova srie, perodo razoavelmente seguro para lanar um olhar retrospectivo e fazer um balano dessa nova fase da revista.

    Ao longo desses trs anos, foram publicados oito nmeros: dois em 2015, trs em 2016 e outros trs em 2017. A mudana na periodicidade tem a ver com a generosa acolhida da revista junto aos especialistas e o correspondente apoio de pareceristas ad hoc que asseguraram no apenas a viabilidade do sistema de avaliao s cegas, mas tambm a melhoria significativa dos

    1 Professor do Departamento de Histria e do Programa de Ps-graduao em Histria (PPGH) da Universidade Federal Fluminense. Membro do Ncleo de Estudos de Representaes e de Imagens da Antiguidade (NEREIDA/UFF) e colaborador do Laboratrio de Histria Antiga (LHIA/UFRJ). Editor da Hlade.

    2 Mestranda do Programa de Ps-graduao em Histria da Universidade Federal Fluminense (PPGH/UFF). Membra do Ncleo de Estudos de Representaes e de Imagens da Antiguidade (NEREIDA/UFF). Assistente editorial da Hlade.

  • Editorial

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    trabalhos aps as crticas e sugestes pertinentes. A opo pela publicao de dossis3 estimulou diversas reflexes acerca de temticas prementes do nosso presente, referendando no apenas o fato de que toda Histria , por princpio, contempornea, mas tambm que a Antiguidade um locus privilegiado para refletirmos sobre nossos dilemas e conflitos. Os nmeros que sintetizam esse trabalho so bastante elucidativos: foram publicados at o momento um total de 67 artigos, o que assegura uma mdia de pouco mais de 8 artigos por nmero.

    Desde o incio, a revista buscou garantir a ampla participao de especialistas que se dedicam ao estudo da Antiguidade. Uma vez que os artigos so avaliados pelo sistema duplo-cego, os editores partiram da premissa de que a qualidade estava antes associada ao mrito dos trabalhos do que pura e simplesmente titulao. Nesse sentido, ao longo desses trs anos, acolhemos com entusiasmo artigos assinados por mestres, doutorandos e doutores4, contrariando a lgica do doutoramento obrigatrio comumente adotado como critrio nas avaliaes. Outrossim, como indicam os nmeros, 68,2% dos artigos foram enviados por especialistas com doutorado5 (45 no total) e 31,8% por mestres (22 no total). Trata-se, em certa medida, de uma proporo esperada, tendo em vista que usual acumular mais debates e reflexes medida que possumos mais tempo dedicado s pesquisas. Outrossim, a participao de pesquisadores em estgios iniciais de formao tambm foi assegurada atravs de artigos em coautoria. Do total, 56 artigos (83,3%) foram assinados individualmente e 11 (16,6%) em coautoria. Ao longo do trinio, a Hlade contou a participao de 70 autores; desses, apenas 6 (8,7%) assinaram mais de um artigo.

    3 O primeiro nmero da nova srie (v. 1, n. 1) foi uma edio especial em que convidamos autores

    da primeira srie da revista a revisitarem os temas publicados h 15 anos. Em seguida, publicamos

    dossis com os seguintes ttulos: Literatura Antiga: Tempo e Tradio (v. 1, n. 2); Jogos, Desporto e Prticas Corporais na Antiguidade (v. 2, n. 1); Religies no Mundo Antigo (v.2, n. 2); Homoerotismo na Antiguidade (v. 2, n. 3); Golpes e Formas de Resistncia na Antiguidade (v. 3, n. 1) e Etnicidade e as Polticas das Identidades nas Sociedades Antigas (v. 3, n. 2).

    4 Alm de graduandos, graduados e mestrados, desde que em coautoria com doutores, como

    indicado em nossas normas de publicao (http://www.helade.uff.br/normas.html).

    5 Incluindo os artigos em coautoria e, nesse caso, considerando a titulao mxima de um dos

    autores.

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    EditorialA diversidade terico-metodolgica foi assegurada pela ampla participao de pesquisadores e pesquisadoras de Histria, Letras, Psicologia, Filosofia e Arqueologia. A pluralidade de temas tambm ficou marcada por artigos que versavam sobre questes associadas Antiguidade Clssica, ao Antigo Oriente Prximo e ao Ensino de Histria. Em relao origem institucional dos autores, os nmeros indicam uma crescente ampliao do escopo da revista e a recusa intransigente a qualquer possibilidade de endogenia. A maioria dos participantes est vinculada a universidades brasileiras6 (80,3%),

    6 Lista de universidades brasileiras participantes: Universidade Regional de Blumenau (FURB),

    Universidade do Estado do Amap (UEAP), Universidade Estadual do Maranho (UEMA),

    Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Universidade Federal do Esprito Santo

    (UFES), Universidade Federal Fluminense (UFF), Universidade Federal de Gois (UFG),

    Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP),

    Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Universidade Federal do Paran (UFPR),

    Universidade Federal do Recncavo da Bahia (UFRB), Universidade Federal do Rio de Janeiro

    (UFRJ), Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Universidade Federal de

    Santa Catarina (UFSC), Universidade de Braslia (UnB), Universidade Estadual de Campinas

    (UNICAMP), Universidade Federal de So Paulo (UNIFESP), Universidade Federal do Estado

    do Rio de Janeiro (UNIRIO) e Universidade de So Paulo (USP).

  • Editorial

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    mas a diversidade institucional dos autores estrangeiros7 (19,7% do total) sinaliza uma tendncia bastante significativa de internacionalizao da Hlade. No total, foram vinte universidades brasileiras e dez universidades estrangeiras representadas por seus autores ao longo desse primeiro trinio.

    A preocupao com a divulgao dos trabalhos tambm marcou e consolidou a participao ativa da Hlade nas redes sociais, em particular no Facebook (https://www.facebook.com/revistaheladeuff/). Atualmente, nessa rede social, 4.755 usurios acompanham nossas publicaes. Alm de replicarmos notcias relativas Antiguidade, divulgarmos a abertura de concursos pblicos, entrevistas, lanamentos editoriais e nmeros de revistas tambm dedicadas ao estudo do mundo antigo, a divulgao dos dossis aproximou a Histria Antiga de um pblico muitas vezes privado do acesso produo acadmica pela forma com que nosso campo se estrutura. O ndice de alcance das publicaes um poderoso indicativo desse movimento. O ltimo dossi publicado, Etnicidade e as Polticas das Identidades nas Sociedades Antigas (v. 3, n. 2), teve um alcance de 36.272 pessoas. Nmero, decerto, bastante expressivo, mas em nada equiparado ao de temticas que dialogam diretamente com questes polticas em que estamos diretamente envolvidos no presente da vida social. O dossi Golpes e Formas de Resistncia na Antiguidade (v. 3, n. 1), por exemplo, atingiu 51.116 pessoas, menos da metade das 127.540 pessoas alcanadas pelo dossi Homoerotismo na Antiguidade (v. 2, n. 3). Esta atuao atravs das redes sociais ser ampliada no incio de 2018 com a construo de uma pgina no Academia.edu.

    A Hlade resultado do envolvimento coletivo dos membros do Ncleo de Estudos de Representaes e de Imagens da Antiguidade (NEREIDA), vinculado ao Departamento de Histria e ao Programa de Ps-graduao em Histria (PPGH) da Universidade Federal Fluminense (UFF). Trata-se de uma iniciativa somente possvel no marco de um trabalho em equipe que envolve editores, assistentes de edio, conselho editorial e conselho consultivo. O crescimento e consolidao da Hlade tambm a expresso do suporte assegurado pela universidade pblica e pelo trabalho que busca recrudescer seu carter democrtico, assegurando o compromisso com uma instituio que

    7 Lista de universidades estrangeiras participantes: Universidad Central de Venezuela, Universidad

    de Alicante, Universidad de Morn, Universidad Nacional de Mar del Plata, Universidade Aberta

    de Lisboa, Universit degli studi di Roma Tor Vergata, Universit degli Studi di Verona,

    University of London, Newcastle University e Universidade de Coimbra.

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    Editorial

    deve ser sempre gratuita e cada vez mais apta a fomentar ensino, pesquisa e extenso de qualidade. Ainda que os nmeros ajudem a produzir uma sntese do trabalho realizado nesse trinio e forneam dados estatsticos para os planejamentos futuros, eles so incapazes de representar nosso contentamento pelo acolhimento da revista. A equipe da Hlade agradece os leitores, assim como aos autores dos artigos, que tambm possibilitam que este trabalho acontea. Seguiremos com a mesma disposio.

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    O FEMININO COMO OUTRO: UMA ABORDAGEM ACERCA DA ALTERIDADE NA ANTIGUIDADE GREGA

    Talita Nunes Silva Gonalves1

    Resumo: O presente artigo visa fazer uma breve discusso sobre o conceito de alteridade e seu uso nas pesquisas referentes a antiguidade grega para posteriormente abordar a construo da identidade helnica e, mais especificamente, a do cidado ateniense por meio da contraposio com o feminino.Palavras-chaves: Identidade, alteridade, cidado, Atenas, feminino.

    Este artigo tem por objetivo inicial apresentar como o conceito de alteridade tem sido abordado nas pesquisas em Histria Antiga e, particularmente, na Antiguidade Grega. Num segundo momento, propomos uma reflexo concernente construo da identidade helnica em contraposio a figura do Outro, o que se deu principalmente aps o fim das guerras contra os persas. Por ltimo, abordamos a alteridade feminina e a sua particularidade de se constituir um Outro dentro da prpria cultura grega e, especificamente, na ateniense.

    A noo moderna de alteridade surge na dcada de 1960 no bojo dos estudos feministas e das pesquisas relativas aos esquecidos, isto , aos excludos da histria (dentre os quais podemos citar as mulheres, os escravos e os pobres). Tais estudos refletem intensamente sobre o significado deste conceito na sociedade. As concepes relativas alteridade se disseminaram por outros campos de estudo, como a antropologia e a cincia poltica, por meio da adaptao gradativa das ideias do filsofo Emmanuel Lvinais. Seu pensamento encontra-se articulado em Alterit e transcendance (1995), obra que rene uma coleo de artigos publicados entre a dcada de 60 e o final dos anos 80.

    1 Doutora em Histria Antiga e professora substituta da Universidade Federal Fluminense. Endereo eletrnico: [email protected].

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    Tema Livre

    Raphal Weyland, pesquisador que trabalhou com o tema Visions de laltrit dans lAntiquit: lhistoriographie et le cas des Perses sassanides (2012), ao refletir sobre a alteridade pondera que os trabalhos publicados nos ltimos anos sobre o assunto nos mostram que cada um rejeita por meio da figura do outro (uma figura externa) as caractersticas que sua cultura considera negativas (WEYLAND, 2012, p. 4). O autor observa que este outro no necessariamente tnico: ele pode ser tambm econmico, sexual ou mesmo poltico. O estudo da maneira como o outro representado permite, portanto, compreender melhor os valores importantes da sociedade do emissor destas opinies.

    O trabalho de Weyland, relativamente recente, mostra que a noo de alteridade e os questionamentos suscitados por ela alcanaram igualmente as pesquisas em histria antiga. H um bom nmero de publicaes que se inserem nesta perspectiva dentre as quais podemos destacar o livro O espelho de Herdoto (1999) do historiador francs Franois Hartog. Esta obra tem sido, desde sua publicao, muito importante para a reflexo relativa alteridade e a maneira como ela foi descrita. Neste livro Hartog se concentra especialmente sobre o modo como Herdoto descreveu os costumes dos citas e apresenta as contradies entre os relatos do historiador antigo e os dados arqueolgicos. Por meio da anlise das Histrias de Herdoto o historiador francs busca examinar a psiqu grega. Para Hartog a identidade de um povo na antiguidade definida pela documentao textual por meio da contraposio a um outro. A identidade grega seria, portanto, delineada em oposio s caractersticas de outros povos. Obras como as de Edith Hall, Inventing the Barbarian (1989), e de Paul Cartledge, The Greeks: A Portrait of Self and Others (1993), se inserem igualmente nesta perspectiva.

    Quanto s publicaes mais recentes destacamos aqui Rethinking the Other in Antiquity (2011) de Erich Gruen, The Invention of Racism in Classical Antiquity (2004) de Benjamin Isaac e The invention of Greek ethnography: from Homer to Herodotus (2012) de Joseph Edward Skinner. A escolha por mencionar estas obras se deve a fornecerem um indicativo das discusses atuais referentes questo alteridade e antiguidade. Gruen se concentra nos gregos, romanos e judeus, enquanto Isaac nos dois primeiros e Skinner especificamente na Grcia antiga. Erich Gruen busca se contrapor aos trabalhos publicados sobre alteridade na documentao antiga. Ele critica a viso prevalecente entre os classicistas de que os povos da antiguidade reforavam sua auto-percepo se contrapondo com o Outro frequentemente atravs de esteretipos e caricaturas hostis. Gruen pretende mostrar como as atitudes dos antigos com relao ao Outro no expressam simplesmente contraste e alienao,

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    mas tambm constantemente reciprocidade e conexo. No entanto, acaba exagerando a importncia das passagens que descrevem o Outro de forma positiva. J Benjamin Isaac reitera a persistncia dos comentrios negativos com relao aos Outros povos na documentao antiga. Isaac procura refutar a crena comum de que os antigos gregos e romanos nutriam preconceitos tnicos e culturais, mas no raciais. Sua definio de racismo e o fato de se concentrar na documentao textual tem sido criticados.

    Quanto ao livro de Skinner seu objetivo suplantar a viso tradicional de que a etnografia grega um feito do sculo V a.C. O autor analisa os escritos deixados pelos grandes autores da antiguidade com o intuito de perceber como os gregos antigos representavam outros povos e a si mesmos. Neste sentido, busca mostrar que os discursos de alteridade e identidade so na realidade muito mais antigos do que os apresentados na literatura etnogrfica relativa s guerras entre gregos e persas. Skinner v o percurso da etnografia grega como comeando com Homero e segue este movimento at Herdoto. Para ele a obra deste historiador antigo, fundamental para a etnografia helnica, delimita o que ser grego. Com relao a este aspecto, isto , ao que ser grego Jonathan Hall reconhece a guerra contra os persas como um momento decisivo no modo como os helenos concebiam sua prpria identidade. At ento, observa o autor, a afiliao tnica (identidade tnica) era preponderante na construo da auto-identidade helnica.

    Em Hellenicity: Betwenn Ethnicity and Culture (2002) Jonathan Hall define a etnicidade. Destacamos aqui alguns dos elementos de sua definio: 1) O grupo tnico uma auto-definio de uma coletividade social que se constitui em oposio a outros grupos de uma ordem semelhante; 2) Lngua, religio, traos culturais e elementos biolgicos podem parecer ser marcadores de identificao, mas em ltima instncia eles no definem o grupo tnico. Eles so marcadores superficiais; 3) Os elementos centrais que determinam a participao no grupo tnico - e o distingue das demais coletividades sociais - so uma suposta descendncia comum e parentesco, uma associao a um territrio especfico e um sentido histrico compartilhado. Nesta definio, a descendncia e parentesco comum (fictcio ou no) assumem uma posio central. Jonathan Hall, no entanto, argumenta que a base definidora da identidade helnica mudou de tnica para um critrio cultural durante o sculo V a.C. Para Hall, assim como para a maioria dos historiadores, a guerra contra os persas fez entrar em cena a figura do brbaro que passou a ser equivalente a no-grego. A emergncia da imagem estereotipada do brbaro no sculo V a.C. foi frequentemente considerada como um fator fundamental para a auto-

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    Tema Livre

    definio helnica. Entretanto, regularmente se sups que helenos e brbaros eram categorias irremediavelmente opostas.

    Contrariamente, a essa posio Jonathan Hall considera que mais comumente os brbaros no eram vistos como uma categoria diametralmente oposta. Pois se considerava que poderiam ser includos entre os helenos. Isto , um brbaro poderia se tornar grego se adotasse a lngua, os costumes e as prticas gregas. Para hall a possibilidade desse cruzamento s era possvel porque a identidade grega passara a ser compreendida primeiramente em termos culturais. O historiador observa tambm que a definio de helenicidade no Livro VIII das Histrias de Herdoto coloca os laos de sangue no mesmo nvel dos critrios culturais. Contudo, no plano de fundo das Histrias, as consideraes culturais acabam por superar as noes tnicas nas definies dos grupos populacionais. Jonathan Hall observa que mesmo em Tucdides os brbaros aparecem num estgio de desenvolvimento cultural mais primitivo do que os gregos. Mas h uma suposio implcita de que os brbaros podem se tornar mais helnicos por meio da convergncia cultural. Os escritores antigos do sculo V a.C., mas tambm do IV a.C., conceberiam assim as diferenas humanas em termos mais culturais.

    Neste sentido, Genevive Proulx em Femmes et fminin chez les historiens grecs anciens (2008) pontua que Herdoto ao desenvolver o tema central de suas Histrias (as guerras entre os gregos e persas) e considerar a questo das diferenas culturais acaba por conceder um lugar s mulheres no estudo dos nomoi dos brbaros. Deste modo, as atividades das mulheres nas exposies etnogrficas tornam-se importantes critrios de descries. Das 375 ocorrncias de mulheres nas Histrias, segundo Carolyn Dewald em Women and culture in Herodotus Histories (1981), 212 as apresentam como ativas (agindo de vrias maneiras) e neste caso mais da metade das ocorrncias se encontram em descries etnogrficas. Alm disso, Genevive Proulx mostra que as personagens femininas que aparecem individualizadas so tambm muito presentes em Herdoto. Estas mulheres que desempenham um papel no desenvolvimento dos eventos so mais frequentemente pertencentes aos brbaros. O fato destas mulheres que aparecem como personagens individualizadas e das passagens que retratam as mulheres em posio ativa se referirem mais comumente a no-gregas apontam distines entre os costumes dos helenos e dos brbaros.

    Desta forma, notamos que o Outro assume um importante papel na definio da identidade grega, especialmente aps as guerras contra os persas quando o termo brbaroi que se refere - como nos mostra Edith Hall - primeiramente aos persas acaba por incorporar o significado mais genrico

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    de no-grego. No entanto, a definio do que ser grego no se d apenas em oposio ao brbaro. Ele no o Outro absoluto. A cidade grega - e destacamos aqui que no s as pleis com regimes democrticos -subsistia por meio de excluses, isto , por meio da segregao das diferenas existentes internamente. Barbara Cassin e Nicole Loraux no prefcio da obra Gregos, Brbaros, Estrangeiros: A cidade e seus outros (1993) asseveram que a cidade grega, se referindo as pleis que foram democracias, funcionava por meio de dois tipos de excluses: exteriores (estrangeiros e brbaros) e interiores plis (mulheres, metecos, escravos). Isto posto, iremos nos concentrar daqui em diante no papel da mulher como Outro, ou seja, como um dos Outros em contraposio aos quais o homem grego se definia. Ademais, centraremos nossa anlise na Atenas Clssica e no papel do feminino na construo da cidadania ateniense, isto , na definio do cidado.

    Marta Mega de Andrade ao falar de seu livro A cidade das mulheres: cidadania e alteridade feminina na Atenas Clssica (2001) afirma que ele tenta evidenciar a profunda alteridade que o gnero feminino representa na cultura clssica. Nesta obra, por meio do teatro ateniense de Eurpides e Aristfanes, Andrade busca observar o papel das mulheres (particularmente das cidads) na construo da cidadania ateniense. A relao do feminino com a cidadania surge devido ao fato de que a definio da cidadania implica o reconhecimento de si e a delimitao do Outro. Sua definio se d, portanto, em oposio aos Outros, ou seja, aos no-cidados. O feminino faz parte desta alteridade e no espao do teatro a representa. Em Eurpides e Aristfanes vemos a mulher como o Outro na plis. No entanto, a alteridade que ela simboliza fundamental para a existncia da comunidade polade e da cidadania. No s pelo papel que a plis institucional lhe reserva na procriao de filhos legtimos e nas festas cvicas, mas tambm pela sua atuao no cotidiano (os espaos que ocupa na plis dos habitantes). O teatro mostra assim que o papel da mulher era muito mais amplo do que o que lhe era destinado pela comunidade dos cidados. Assumindo a sua alteridade, seu carter dbio e potencialmente subversivo, vemos em Eurpides as mulheres inseridas em espaos que lhe so negados como o da discusso poltica. J em Aristfanes a presena delas na cidade apresentada como uma possibilidade de governo do feminino.

    Em nosso entender, Marta Mega de Andrade considera que ao assumir sua alteridade as mulheres (e aqui se refere s cidads) ocupavam a plis no cotidiano, assumindo deste modo uma relao ativa com a cidade. Ao contrrio do que o modelo de recato, silncio e recluso lhes prescrevia, ao ocupar a cidade do cotidiano as cidads se apropriavam da sua caracterstica como Outro. A autora pontua que ao representar as mulheres ocupando espaos

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    o teatro as mostra, por meio do desempenho de sua alteridade, tomando uma posio ativa na plis. J os discursos polticos, como o Econmico de Xenofonte, apagariam a caracterstica do feminino como Outro ao mostrar as mulheres integradas ao papel (rainha do lar) que a cidade lhes confere como vemos abaixo:

    Ento, ordenei a minha esposa a se acostumar a ser, tambm, disse, ela mesma, a guardi das leis de nossa casa, a inspecionar, quando a ela mesma parecesse conveniente, os utenslios da casa, como o comandante de uma guarnio inspeciona e examina se cada soldado est em boa condio, como o conselho examina os cavalos e seus cavaleiros, a elogiar e a honrar, como uma rainha, a quem for digno de ser e a reprovar e castigar a quem disso precisa (XENOFONTE, Econmico, IX, 14-15).

    Deste modo, para a historiadora a plis ateniense era tambm uma plis das mulheres.

    Marta Mega de Andrade pretende assim fazer ver que o tal clube de homens que teria sido a cidade grega (modelo que a historiografia ao longo do tempo reproduziu) era na verdade apenas uma parte do que constitua a cidade. A plis que as mulheres ocupavam (a cidade das mulheres) no era a comunidade dos cidados, a plis institucionalizada, mas sim a cidade cotidiana. As cidads transitavam entre as duas cidades. A dos cidados e suas famlias (a cidade dos includos) e a dos outros (ocupada pelos excludos, isto , por aqueles que no eram cidados). Ademais, segundo Violaine Sebillotte Cuchet, as mulheres tambm desempenhariam o poltico. Embora no como os cidados masculinos que o desempenhavam, por exemplo, por meio de sua atuao na assemblia. De acordo com a historiadora, a

    prtica cvica funcionava, factualmente, graas incluso do lado escondido do poltico, ou seja, as cidads. (...). Nas prticas cvicas, nicos lugares efetivos do poltico, operavam cidados e cidads. Essas prticas incluam, para os primeiros, assembleias deliberativas e judicirias e, para todos, os rituais comuns (incluindo o teatro), o intercmbio de bens (terras, principalmente) e de pessoas (casamentos e adoes) (CUCHET, 2015, pp. 17-18).

    Isto posto, retomemos a perspectiva de anlise de Marta Mega de Andrade com relao a caracterizao de feminino em Xenofonte.

    Ao contrrio do que Andrade afirma, no consideramos que a alteridade feminina se perde em Xenofonte. Acreditamos que ela ainda est presente em

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    seu discurso. Mesmo que o perigo do Outro feminino parea apaziguado pela integrao da mulher como esposa e rainha do lar, a alteridade representada pelo feminino ainda est presente. Pois no Econmico as atividades de Iscmaco e os espaos em que deveria desenvolver preferencialmente suas funes (o espao pblico) se contrapem as atividades de sua esposa e ao espao no qual as deveria desempenhar (o okos). Embora as atividades de Iscmaco e de sua esposa se complementem no deixam de ser diferentes. Por conseguinte, o papel do cidado e suas atribuies so delimitados em contraposio ao da cidad. Desta forma, mesmo neste discurso no qual o feminino integrado (adequado) ele ainda representa o Outro. E consideramos que mesmo quando a cidad procura observar os preceitos de comedimento, silncio e recluso elas carregam o estigma da suspeita. Violaine Sebillotte Cuchet pontua que

    as cidads nunca foram uma classe parte, nem tampouco foram percebidas pelos cidados como um grupo ameaador ou reivindicativo. s vezes, as mulheres, enquanto mes e esposas, enquanto parceiras sexuais e parceiras de filiao, excitaram a imaginao, o desejo ou o dio dos homens, e no as cidads, enquanto tais (CUCHET, 2015, pp. 17-18).

    No entanto, mesmo que as cidads enquanto grupo no despertassem o temor dos homens consideramos que como mulheres elas levavam consigo o peso do estigma referido acima. Pois, as mulheres so filhas de Pandora: personagem mtica que personifica a alteridade do feminino no pensamento grego.

    Pandora a primeira mulher. Dela descende todo o genos gunaikon. A narrativa mtica de sua criao se encontra nos poemas Teogonia e Os Trabalhos e os Dias de Hesodo. O mito de Pandora, assim como os de outras sociedades, se insere no conjunto de narrativas mticas que ao abordar a criao da mulher explicam o porqu existem dois sexos e no apenas um. Em tais narrativas a mulher frequentemente um adendo na criao. Isto , ela criada posteriormente a emergncia do homem. O motivo dessa criao secundria explicado com freqncia nos mitos por uma atitude de uma divindade masculina visando atingir os homens. Na tradio judaico-crist a criao de Eva no livro do Gneses mostrada como um ato de compaixo divina: a mulher criada para amenizar a solido do homem. J no mito grego, o surgimento de Pandora decorre da fria de Zeus. Independente do motivo de sua criao, o surgimento da mulher estabelece a condio humana. Isto , a mulher introduz a morte, a angstia e o mal no mundo, assim como o trabalho penoso (ZEITLIN, 2003, p. 59).

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    esta temtica, o estabelecimento da condio humana - a diferenciao entre homens e deuses, juntamente com a origem do cosmos e a repartio das prerrogativas e domnios entre as divindades olmpicas que constitui o assunto da Teogonia. Como punio ao ardil do tit Prometeu por roubar o fogo, Zeus cria a mulher: um mal sobre a aparncia de um bem. E mesmo se o homem resolve se apartar dele fugindo do casamento no fica imune aos efeitos danosos que surgem com a criao da mulher:

    Quem quer que, fugindo do casamentoe atos perniciosos das mulheres,escolhe no se casar chega a velhice destrutivasem algum para cuidar dele em sua avanada idade.(HESODO, Teogonia, vv. 603-605)

    Em Os Trabalhos e os Dias, Hesodo tambm aborda a partir dessa perspectiva o surgimento da mulher:

    Ento encolerizado disse o agrega-nuvens Zeus:Filho de Jpeto, sobre todos hbil em suas tramas, apraz-te furtar o fogo fraudando-me as entranhas;grande praga para ti e para os homens vindouros!para esses em lugar do fogo eu darei um mal e todos se alegraro no nimo, mimando muito este mal.(HESODO, Os Trabalhos e os Dias, vv. 53-105)

    Por conseguinte, neste poema o poeta tambm aborda o estabelecimento da condio humana a partir da mulher. Hesodo nomeia a primeira mulher como Pandora e se concentra na descrio detalhada dos dons (dolos) que lhe foram conferidos pelos deuses. Pandora que dada ao irmo de Prometeu, Epimeteu, abre a jarra que continha todos os males os espalhando pelo mundo. A partir de ento os homens convivero com doenas e muitas angstias.

    Antes vivia sobre a terra a grei dos humanosa recato dos males, dos difceis trabalhos, das terrveis doenas que ao homem pem fim;mas a mulher, a grande tampa do jarro alando, dispersou-os e para os homens tramou tristes pesares.(HESODO, Os Trabalhos e os Dias, vv. 90-95)

    No entanto, de acordo com Pauline Schmitt Pantel, o mito grego da criao da mulher vai mais longe do que outras narrativas da criao em sua avaliao negativa das mulheres (2009). Pois, como vimos, Pandora um ardil criado por ordem de Zeus e utilizado com o objetivo de se vingar da astcia

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    de Prometeu. Criada com a inteno de causar um dano a natureza da mulher ser um mal (SCHMITT PANTEL, 2009, p. 196). Alm disto, as mulheres (o gnos gunaikon) no mito grego aparece como um grupo a parte. Embora a forma da mulher se assemelhe a humana, ela no pertence humanidade. Entretanto, ela no pertence igualmente ao mbito divino. O feminino um outro por natureza. Sua alteridade est ligada a ser um ardil, um engano e a sua natureza ambgua (no faz parte da humanidade e nem da esfera divina). Marta Mega de Andrade pontua que devido a alteridade do feminino estar ligada a sua ambigidade que ele pode representar o Outro dentro de um nomos.

    Destarte, em Hesodo j podemos ver bem delineada a alteridade do feminino. Seus poemas, segundo Pauline Schmitt-Pantel, se tornaram cannicos no pensamento grego como narrativas da criao da ordem vigente do mundo e como base dos valores gregos. O mito de criao de Pandora representado em seus poemas teve, portanto, um impacto sobre a maneira como as mulheres foram vistas e o lugar que ocuparam na sociedade da Grcia Antiga. A negatividade com que Hesodo representou s mulheres se tornou a base de uma atitude permanente com relao a este Outro. Desta forma, seus poemas influenciaram os autores gregos das pocas posteriores que as trataram como uma ameaa a unidade da sociedade masculina (SCHMITT-PANTEL, 2009, p. 198). Acreditamos que essa atitude negativa com relao ao feminino baseada nas caractersticas que lhe foram atribudas pelo mito de criao e que foram reproduzidas pelos demais autores gregos tiveram ressonncia na excluso das mulheres da plis institucionalizada.

    Abstract: The present article aims to make a brief discussion about the concept of alterity and its use in researches concerning Greek antiquity to later address the construction of the hellenic identity and, more specifically, that of the athenian citizen through the opposition with the feminine.Keywords: Identity, alterity, citizen, Athens, feminine.

    Bibliografia

    Documentao Textual:HESODO. Teogonia. Trad. Jaa Torrano. So Paulo: Iluminuras, 2006.________. Os Trabalhos e os Dias. Trad.Luiz Otvio de Figueiredo. So Paulo:

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    ZEITLIN, Froma I. Cap.4. Signifying difference: the myth of Pandora. In: HAWLEY, Richard; LEVICK, Barbara (ed.). Women in Antiquity: new assessments. 2003, p.58-74.

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    GOLPE, STSIS E METABOL: CRITRIOS CONCEITUAIS PARA RUPTURAS POLTI-CAS E INSTITUCIONAIS NA ARISTOTLI-CA CONSTITUIO DOS ATENIENSES

    Dnis Renan Corra1

    Por que fazer o elogio do anacronismo quando se historiador? Talvez para convidar os historiadores a se dispor escuta do nosso tempo de incertezas, prestando ateno a tudo que ultrapassa o tempo da narrao ordenada: as disparadas, assim como as ilhas de imobilidade, negam o tempo na histria, mas fazem o tempo da histriaNicole Loraux, loge de lanachronisme em histoire, 2005.

    Resumo: O artigo aborda o vocabulrio e a estrutura de referncias sobre rupturas polticas e institucionais na aristotlica Constituio dos Atenienses com o intuito de problematizar a ideia de golpe jurdico-parlamentar contra a presidente brasileira Dilma Roussef em 2016 e os imbrglios ticos e conceituais desde tipo de mudana poltica. O texto discute o vocabulrio antigo especialmente no contexto ateniense com nfase no pensamento poltico de Aristteles. Palavras-chave: Constituio dos Atenienses, golpes de Estado, rupturas polticas.

    1. A definio de golpe de Estado difcil e polmica. O termo significa a deposio do poder de alguma pessoa ou instituio legalmente investida de autoridade, com diferentes graus de violncia e/ou cerceamento poltico. Sua formulao clssica remonta ao sculo XVII na obra Considrations politiques sur les coups destat de Gabriel Naud. Concebida no contexto intelectual do debate sobre as razes de Estado a obra oferece uma viso mais ampla e positiva da ideia de golpe de Estado do a que utilizamos hoje, podendo ser definida como uma medida extraordinria que excede as leis, mas que um prncipe se v obrigado a executar em vista do bem comum (GONALVES, 2015, p. 10; p.

    1 Prof. Adjunto de Histria Antiga da UFRB. Licenciado e Mestre em Histria pela UFRGS e atualmente realiza doutoramento em Estudos Clssicos pela Universidade de Coimbra. E-mail para contato:[email protected].

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    26-33). Trata-se claramente de uma defesa maquiavlica da estratgia poltica na qual governantes desrespeitam as leis do Estado e fazem uso de violncia ilegal com uma racionalidade poltica especfica e, supostamente, nobre. No entanto, na contemporaneidade o termo qualificado pela violncia poltica explcita e, portanto, possui um tom predominantemente negativo.

    No vocabulrio histrico contemporneo golpe de Estado faz fronteira semntica (e tica) com a expresso revoluo social, pois possui sentido semelhante, mas no coincidente. At o sculo XVII o termo revoluo expressava a rotao cclica e natural dos astros, mas no XVIII ele toma forma como uma operao histrica prpria de uma ideologia do progresso (KOSELLECK, 2006, p. 37). A distino reside na emergncia de algo inteiramente novo na Histria (ARENDT, 1988, p. 17-23), diferentemente das mudanas cclicas concebidas por Naud e Maquiavel. Sendo um produto lingustico da modernidade europeia, a revoluo passa a expressar ambivalentemente golpes polticos sangrentos e inovaes cientficas (KOSELLECK, 2006, p. 62), o que j denota seu verniz mais positivo, em contraste com a racionalidade de Estado maquiavlica com que Naud defendeu o golpe de Estado. Nas concepes iluministas e marxistas revoluo pressupe mudanas no apenas no aparelho estatal, mas tambm na prpria tessitura da sociedade, tendo como exemplo as revolues liberais e socialistas na Europa contra o Antigo Regime.

    Em resumo, revoluo social se distingue de golpe de Estado pela noo de progresso social e histrico, que de certa forma justifica a ruptura poltica e social violenta. Desta forma, configura-se uma dicotomia entre golpe de Estado e revoluo social no que diz respeito s rupturas institucionais que remetem s ideias de retrocesso e progresso social e histrico. No entanto, esta dicotomia faz sentido ainda hoje? Qual outro arcabouo conceitual se pode procurar para explicar perturbaes polticas contemporneas?

    Os exemplos na histria recente do Brasil tm sido definidos a partir da dicotomia descrita acima: em livros didticos brasileiros a ascenso de Getlio Vargas ainda mencionada ambiguamente como Revoluo de 30 ou Golpe de 30, assim como de forma menos frequente o Golpe de Estado Civil-Militar de 64 tambm caracterizada como revoluo, ainda que somente por seus defensores mais abertos, entre eles figuras protofascistas como o parlamentar Jair Bolsonaro, que goza de relativa popularidade na sociedade brasileira. Desta forma, o golpe de Estado no se caracteriza s por ser violento, mas por

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    ser um retrocesso, portanto algo negativo. Recentemente este imbrglio tico-conceitual se abre novamente com a derrubada da Presidenta Dilma Rousseff em 2016, no qual os seus opositores acusam um golpe de Estado, ainda que jurdico-parlamentar, sem apoio militar.

    Ainda que amparado por foras polticas legtimas como o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal, o processo que derrubou Rousseff flagrantemente fruto de um regime de exceo que fez da Presidenta um bode expiatrio de escndalos de corrupo que penetram em quase toda classe poltica brasileira, especialmente os protagonistas da sua deposio: o ento presidente da Cmara dos Deputados Eduardo Cunha, e o vice-presidente Michel Temer. Cerca de um ano depois do Impeachment, Eduardo Cunha encontra-se condenado a 15 anos de priso por corrupo, e o Presidente em exerccio Michel Temer vive intensa crise de legitimidade devido a gravaes que comprovam seu envolvimento em crimes de corrupo. Golpe? Impeachment? A discusso precisa partir do consenso da irregularidade do sistema poltico brasileiro que atuou na deposio. Alm disso, precisa desnudar as foras sociais atuantes neste processo.

    O que o pensamento poltico grego clssico tem a nos dizer sobre tal imbrglio tico-conceitual contemporneo? Grosso modo, os termos golpe de Estado e revoluo social no tm correspondentes na antiguidade (ARENDT, 1988, p. 17) e comparar sociedades to dspares obviamente arriscado. Por outro lado, a prpria estrutura de referncias a partir de qual o pensamento moderno atribui sentido ao jogo poltico oriundo do vocabulrio clssico: poltica, democracia, oligarquia, povo e aristocracia so termos inequvocos desta aproximao entre antigos e modernos. O objetivo aqui discutir quais eram as referncias para a ideia de ruptura poltica na Atenas antiga, e especular como elas podem ajudar a compreender as disputas e reviravoltas contemporneas. Para tanto, opta-se por analisar a Constituio dos Atenienses, obra escrita em Atenas na segunda metade do sc. IV a. C., pela escola peripattica sob direo de Aristteles. Ao fim do artigo voltarei a discutir o Impeachment de 2016 ao governo de Dilma Rousseff.

    Os noticirios da poltica brasileira se assemelham a um enredo de traies, delaes e reviravoltas constantes, mas providencial extrair da alguma racionalidade que nos ajude a sair do crculo vicioso de crise e paralisia poltica imposta por instrumentos oligrquicos de poder. Como historiador e antiquista, sigo o esprito da epgrafe que abre este artigo e disponho-me a

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    escutar este tempo de incertezas, de forma que o recurso das fontes antigas possa gerar o estranhamento necessrio que dissolva o assombro intelectual diante das malcias do poder contemporneo.

    2. No captulo 41.2 a Constituio dos Atenienses enumera as mudanas () no regime poltico (2) ateniense at a poca de sua escrita entre os anos 329 e 322 a. C. (RHODES, 1992, p. 51-58). A ltima mudana ocorre em 403 quando Trasbulo liderou a faco popular, que ocupava militarmente a regio porturia (File e Pireu, na citao abaixo), numa guerra aberta contra os Trinta Tiranos que haviam sido postos no poder com apoio do estratego espartano Lisandro, aps a derrota ateniense na Guerra do Peloponeso. O cap. 41.2 passa em resumo as mudanas que ocorreram desde o perodo heroico at esta restaurao de 403:

    Das mudanas [de regime] esta foi a dcima primeira em quantidade. Desde o princpio, a primeira aconteceu com a migrao de Ion e seus companheiros, pois ento pela primeira vez foram formadas as quatro tribos e se estabeleceram os reis das tribos. A segunda, mas a primeira a ter uma forma de regime poltico, foi a ocorrida na poca de Teseu, pouco divergindo da realeza. Depois desta, foi a da poca de Drcon, na qual leis foram publicadas pela primeira vez. A terceira depois da stsis na poca de Slon, e a partir da qual se tornou o comeo da democracia. A quarta foi a tirania na poca de Pisstrato. A quinta, aps a derrubada dos tiranos, foi a de Clstenes, mais democrtica que a de Slon. A sexta foi depois das Guerras com os Medos, estando a cargo do Conselho do Arepago. A stima, depois desta, foi a que Aristides comeou e Efialtes completou tendo derrubado o Conselho do Arepago, e nesta aconteceram muitos equvocos por causa dos demagogos e do imprio martimo. A oitava foi o estabelecimento dos Quatrocentos, e logo em seguida, a nona foi a democracia de novo. A dcima foi a tirania dos Trinta e a dos Dez. A dcima primeira foi depois do retorno daqueles de File e do Pireu, a partir da qual se desenvolveu at a que existe hoje, sempre aumentando o poder para a multido3.

    2 O termo denomina os direitos polticos individuais e o sentimento de pertencimento dos cidados das pleis antigas, mas tambm o regime poltico de uma plis, tradicional dividido num esquema tripartite do critrio de extenso da soberania poltica para apenas um individuo (monarquia), para poucos (oligarquia), ou para muitos (democracia). Esta classificao ter desdobramentos em outros tipos, e tambm existira na tradio clssica todo um gnero literrio das politeai, do qual a prpria Constituicao dos Atenienses faz parte. Ver BORDES, 1982: 16-46, 231-260.

    3 Todas Tradues de textos antigos so de minha autoria. Constituio dos Atenienses 41.2: . , .

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    As rupturas institucionais so chamadas , isto , mudanas, e estas somam onze no perodo narrado pela obra. Mas o que so tais mudanas? Obviamente, implicam num novo regime poltico, mas o que isto significa? Certamente nada semelhante ao novo da revoluo Moderna (ARENDT, 1988, p. 17). A derrubada de pessoas em cargos de poder ou de uma instituio? Elas sempre ocorrem de forma violenta? Um novo regime pode advir legalmente e pacificamente? Quais os critrios da Constituio dos Atenienses para definir uma ?

    O comeo da obra est mutilado e no temos informao sobre as duas primeiras mudanas alm do texto acima, nada mais do que a racionalizao dos mitos heroicos de Ion e Teseu. A obra destaca a novidade de cada mudana: na de Ion foram formadas as quatro tribos pela primeira vez ( ); na de Teseu o governo assumiu a forma de pela primeira vez ( [] ), ainda que pouco divergindo da realeza ( ). Da terceira mudana temos apenas uma breve descrio no cap. 4, que considerado uma interpolao por muitos autores (RHODES, 1992, 84-88; FRITZ, 1954) e esta tambm destaca uma novidade: Drcon publicou leis pela primeira vez ( ). Cabe notar a estranha redao na qual a mudana de Drcon no contabilizada, a que vem a seguir listada como terceira (), o que s refora a ideia de tratar-se, de fato, de uma interpolao inserida posteriormente.

    A terceira mudana apresenta um ingrediente que acompanhar todas as seguintes: a na cidade gera uma na ateniense. O termo significa tomar posio, mas tambm levantar-se (BAILLY, 1901) assim como a ideia moderna de um levante, mas nem sempre enquanto combate violento. A frequentemente traduzida por guerra civil, mas importante distinguir da bellum civile romana, como a que ops Mrio e Sula, sendo o exemplo romano uma guerra de fato, cada lado constitudo

    [] , . , . , . . , . , . , , , . , , , . . , , .

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    por um exrcito organizado, pois os latinos chamariam de seditio ou secessio, sedio ou secesso (BOTTERI, 1989, pp. 87-100). Estas ocorrem dentro do coletivo de cidados, e no entre dois grupos de cidades diferentes, o que designa o termo , guerra (LORAUX, 2009, p. 41; pp. 51-52; p. 61), logo est fora do modelo tradicional de guerra e seu ideal cvico de combate militar. Em contraste com este carter positivo da , a vista como negativa, como uma interrupo do equilbrio e da ordem, ou mesmo uma doena da cidade (LORAUX, 2009, p. 58; p. 61). Tal negatividade se expressa na religiosidade, pois a recuperao de uma muitas vezes pode exigir alguma forma de purificao religiosa, como a que o sbio Epimnides de Creta realizou em Atenas aps a tentativa de tomar o poder na cidade realizada por Clon (Constituio dos Atenienses, cap. 1.1).

    Alm disso, a grega ope dois grupos de cidados: de um lado, o povo () ou multido (); do outro, os notveis (), ricos () ou poucos (). A oposio se expressa na forma de anttese e assimetria: um polo formado pelos que so muitos, annimos e pobres, enquanto o outro pelos que so poucos, ilustres e ricos4. No por acaso, a Constituio dos Atenienses destaca que o regime de Slon, aps a que ele arbitrou sem tomar partido, tornou-se o comeo da democracia5 ( ). Segundo John J. Keaney (1963, pp. 128-136) a obra narra a expanso do poder do povo sobre as instituies da plis, especificamente os Tribunais, a Assembleia e as magistraturas, e cada uma das mudanas de regime representa um avano ou recuo do povo sobre tais instituies. De fato, a partir de Slon a obra no menciona mais aquilo que aconteceu pela primeira vez em cada regime, mas sempre destaca o conflito entre estas foras antitticas e assimtricas como a causa de um novo regime.

    Boa parte destas da obra consiste na instaurao ou derrubada de tiranias de forma violenta (quarta, quinta, dcima e dcima primeira mudanas), portanto estas analisarei estas, pois so conflitos militares com campos bem definidos. No discutirei tambm o complexo termo , mas inequvoca sua relao com a ruptura institucional e os conflitos sociais nas cidades antigas (TRABULSI, 1984 e IRWIN, 2008, pp. 205-261). No entanto, h que no se confundem com , ou seja, no so conflitos militares, portanto so operadas dentro de limites legais, tornando-

    4Observa-se o eco do pensamento aristotlico da Poltica 1296a, segundo a qual o lado vencedor impe um regime de natureza oligrquica ou democrtica.

    5Segundo a ideia tipicamente aristotlica que Slon foi o criador do regime, mas no previu suas caractersticas negativas posteriores. Ver a Constituio dos Atenienses, 9.2, e a Poltica, II 1274a-b.

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    se um objeto interessante para comparao com a situao brasileira em 2016. Por qual motivo a obra no distingue mudanas institucionais pacficas com rupturas violentas? Qual o critrio principal para a definio de uma ?

    3. Vejamos o exemplo da sexta mudana, no cap. 23.1:

    Depois das Guerras Mdicas, o Conselho do Arepago tornou-se forte de novo, governava a cidade sem que nenhum decreto lhe garantisse a hegemonia, mas porque assumira a responsabilidade na batalha naval de Salamina. De fato, com a hesitao dos estrategos em relao aos acontecimentos, tendo proclamado que cada um se salvasse por si, o Arepago proveu oito dracmas para cada um, e distribui e embarcou os barcos.6

    O conselho do Arepago uma instituio oligrquica, pois dele s participam indivduos que j ocuparam um dos cargos dentre os nove arcontes, magistraturas para as quais estavam aptos somente membros das duas mais abastadas classes de cidados: os cavaleiros e os pentacosiomedmnos7. Em contraste com este carter oligrquico, o regime anterior, a quinta mudana realizada por Clstenes, descrita no cap. 41.2 como mais democrtica do que a de Slon ( ). A obra clara ao afirmar que o poder do Arepago no advm de nenhum decreto ( ), e sim fruto do vcuo poltico criado pela crise militar durante a guerra contra os Persas; um vcuo de poder que uma vez preenchido, torna-se poder de fato pelos prximos dezessete anos (cap. 25.1).

    Esta concepo da Constituio dos Atenienses est certamente ligada ao movimento saudosista do sc. IV do regime ancestral, que idealizava a Atenas do perodo anterior Guerra do Peloponeso (FINLEY, 1989, cap. 2, LEO, 2001, p. 43-72 e ATACK, 2010). Este regime idealizado descrito como uma constituio moderada (Iscrates Areopagtico) ou mista (Aristteles, Poltica, 1295b), com equilbrio entre oligarquia e democracia. A ideia que em meados do sc. V o regime era gerido de fato pelo Arepago, cuja natureza oligrquica garantia o domnio da elite, enquanto que as instituies

    6 Constituio dos Atenienses 23.1 , , . , [] , .

    7A criao desta classificao censitria atribuda na obra Slon, ver cap. 7.3-4, no entanto ela ser mais ou menos vigente por todo o perodo da democracia ateniense clssica.

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    democrticas como a Assembleia e os Tribunais Populares equilibravam os excessos da elite e davam um quinho se poder ao povo. O poder do Arepago ser drasticamente restringido na stima mudana a seguir, e voltar a crescer durante o sc. IV, novamente ligado ideia de regime ancestral (HANSEN, 1999, p. 288).

    No sc. V a hegemonia do Arepago durou cerca de dezessete anos (cap. 25.1), sendo este despojado do poder aos poucos atravs de processos contra os areopagitas e suas prerrogativas impetrados pelos lderes do povo Aristides (41.2) e depois Efialtes (25.1-2), tanto nos Tribunais Populares como na Assembleia. Nesta as armas so processos legais de lideranas democrticas como Aristides e Temstocles (23.3-5), este ltimo, segundo o autor, a mente por trs de Efialtes, assassinado em condies suspeitas (25.3-4). Portanto, a hegemonia do Arepago e sua posterior derrubada (sexta e stima mudanas de regime) so descritas como resultados de uma espcie de fria, sem o calor da violncia e da ruptura institucional. O enfrentamento das faces antitticas e assimtricas (o povo e a elite) ocorre nos Tribunais e Assembleias, mas no desemboca em conflito militar. O nico assassinato mencionado na obra, de Efialtes, ocorre no contexto de vitria de sua faco popular. A Constituio dos Atenienses menciona apenas certo Aristdico de Tnagra como assassino, enquanto que Plutarco conta a verso (Vida de Pricles, 10), que o prprio Plutarco no d crdito, de que o mandante do crime foi o sucessor de Efialtes como lder do povo: Pricles.

    Aps a stima mudana, Pricles seguiu tornando o regime mais popular, retirando mais atribuies do Conselho do Arepago (27.1). A Constituio dos Atenienses passa, ento, a criticar os excessos demaggicos deste perodo, especialmente o relaxamento do regime realizado por demagogos (26.1) o que se intensificou aps morte de Pricles (28.1). Um dos aspectos deste relaxamento que comearam a aceitar no arcontado os membros da classe dos zeugitas, menos abastados do que os cavaleiros e os pentacosiomedmnos (26.2), uma medida certamente democrtica. Pricles tambm criou a remunerao pela participao nos Tribunais Populares (27.3), outra medida de carter anti-oligrquico. A obra destaca que depois de Pricles foi quando pela primeira vez, o povo adotou um lder que no gozava de boa reputao entre os capazes ( , 28.1). O eufemismo da palavra , capazes, aptos, obviamente descreve os mesmos oligarcas que se opuseram ao povo nas de outrora, pois o mesmo termo utilizado tambm no cap. 26.1 para designar a faco oligrquica. No h sangue nestas mudanas de regime, mas h faces e seus respectivos lderes, logo, h , ainda que fria.

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    4. A oitava mudana foi o estabelecimento do regime dos Quatrocentos, no contexto da Guerra do Peloponeso e da desastrosa expedio contra Siracusa na Siclia. Nesta ocorrem claros sinais de esquentamento da ateniense. Veja-se o cap. 29.1:

    Entretanto, depois do que aconteceu na Siclia a posio dos Lacedemnios ficou mais forte por causa da aliana com o Rei [da Prsia], e foram forados ao regime dos Quatrocentos, tendo posto em ao a derrubada da democracia (...) mas muitos foram persuadidos, sobretudo por achar que o Rei iria se aliar a eles, se fizessem uma oligarquia.8

    Ainda que influenciada pela guerra externa, o novo regime no implica numa tomada violenta do poder. Pelo contrrio, a obra menciona que muitos foram persuadidos que tornar o regime mais oligrquico era uma estratgia para conquistar a aliana Persa e a salvao da cidade. H relatos discrepantes sobre o clima poltico desta mudana de regime, como descreve Tucdides em VIII, 66:

    Mas o povo e o Conselho ainda se reuniam na mesma forma de sorteio, no deliberavam nada que no fosse da opinio dos conspiradores, alm disso, os oradores eram todos deles e com eles examinavam o que estava prestes a ser dito. Nenhum dos outros falava contra eles, tendo medo e vendo a grande organizao [dos conspiradores], se algum falasse contra, era diretamente executado de forma rpida. No ocorria nem busca dos culpados, nem justia se fossem suspeitos, mas o povo se mantinha quieto e to perplexo que se considerava lucro no ter sofrido alguma violncia se ficasse calado.9

    O medo da violncia mantinha o povo calado, ainda que as instituies democrticas continuassem a funcionar. As violncias contra opositores no

    8 Constituio dos Atenienses 29.1 , [] (...) [] , .

    9 Histria da Guerra dos Peloponsios e Atenienses, VIII 66: , . , , , , , , .

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    eram investigadas, o que ajudava a manter as aparncias e alimentava o medo de opor-se aos conspiradores. O relato de Tucdides brutal, especialmente vindo de algum que narra a conspirao de perto, como se dela tivesse participado (CANFORA, 2015, pp. 298-299). Em seguida, Tucdides conta (VIII, 69-70) como os conspiradores mantiveram-se prximos s armas ou com punhais escondidos, mas permanecendo o povo quieto a violncia no se fez necessria. Trata-se da mesma entre povo e elite, que pouco a pouco se torna mais quente e secretamente violenta, ainda que haja esforo para manter as aparncias institucionais.

    Vejamos o contraste com Tucdides no cap. 29.4 da Constituio dos Atenienses:

    Os eleitos [para redigir proposies para a salvao da cidade] primeiro escreveram ser compulsrio aos prtanes submeter ao voto todos os pronunciamentos sobre a salvao [da cidade], em seguida anularam as aes de ilegalidade, as denncias e as intimaes, para que assim qualquer um dos atenienses pudesse debater sobre as propostas como quisesse; se algum por conta disso multar ou intimar ou denunciar no Tribunal Popular, que seja feito o depoimento e a priso dele diante dos estrategos, e estes o entregariam aos Onze10 para a pena de morte.11

    A e a , aqui traduzidas como aes de ilegalidade e denncias eram modalidade de processos jurdicos contra, respectivamente, proposies de leis e cidados que cometessem abusos contra as leis e o povo. Possuam um carter eminentemente poltico e atuavam como instrumentos contra abusos de poder de magistrados, e tambm como perseguio contra adversrios (HANSEN, 1999, pp. 205-218). Aos oligarcas pareceu necessrio neutralizar tais instrumentos legais que poderiam se voltar contra eles, e punir com a morte quem abrisse processos contra suas reformas, ou seja, neutralizar as armas legais da qual dispunha o povo para resistir mudana de regime. A obra clara ao descrever o regime dos Quatrocentos como uma derrubada da democracia (29.1,

    10 Os Onze so magistrados cuja funo era aplicar prises e sentenas de morte aos condenados nos tribunais.

    11 Constituio dos Atenienses 29.4 , , . , , .

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    ), mas enquanto Tucdides menciona duas vezes que os Quatrocentos assassinaram seus opositores (VIII, 66 e 70), a Constituio dos Atenienses no menciona tais mortes. O contraste claro na comparao com a descrio que a mesma obra faz do regime dos Trinta Tiranos, ao qual atribui a morte de milhares de cidados (35.4).

    Os Quatrocentos prometeram entregar o regime aos Cinco Mil cidados mais capacitados por suas pessoas e por suas riquezas (29.5, , ). Os captulos seguintes (cap. 30 e 31) descrevem como seria este hipottico regime que nunca veio a existir, uma vez que os Quatrocentos foram depostos quatro meses depois (33.1). A Constituio dos Atenienses menciona, em parfrase a Tucdides (VIII, 68), que era a primeira vez que se estabelecera uma oligarquia em Atenas nos ltimos 100 anos, desde a expulso dos tiranos (32.2, (...) ).

    Segundo a obra, o regime dos Quatrocentos ruiu devido defeco de alguns dos conspiradores, entre eles Termenes12, insatisfeitos com o fato que os Cinco Mil foram eleitos apenas nominalmente e os Quatrocentos governaram a cidade de fato (32.3). A administrao brevemente remetida diretamente aos Cinco Mil (33.1-2), e em seguida, o povo depe estes do regime com rapidez (34.1, ), restabelecendo a democracia novamente (41.2). Esta a nona mudana, mais uma vez uma fria, j que a Constituio dos Atenienses no menciona nenhuma violncia nesta deposio, enquanto Tucdides descreve como ela foi antecedida pelo assassinato de um dos lderes dos Quatrocentos, Frnico, e a priso de outros por tropas sublevadas sob liderana de Termenes quando perceberam uma tentativa de facilitar a invaso espartana (VIII, 92). Todos foram julgados pelos Tribunais, como convm na democracia antiga, e muitos foram condenados. Apesar disso, pode-se dizer que a derrubada dos Quatrocentos tambm foi uma fria, pois as condenaes no foram por derrubar a democracia. Os processos contra os lderes dos Quatrocentos os acusavam de enviar embaixadas para Esparta, em navio inimigo e atravs de territrios ocupados, com propostas de paz desvantajosas para Atenas (CANFORA, 2015, p. 343-347). Entre estes processos incluem-se o inslito caso contra o cadver de Frnico (condenado depois de ter sido assassinado), e

    12 Sobre a polmica historiogrfica que se abre em torno da figura controversa de Termenes, na qual a Constituio dos Atenienes se engaja avidamente nos cap. 28.5, ver CANFORA, 2015, p. 411-427.

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    tambm contra o clebre orador Antifonte. A defeco de Termenes e outros permitiu a reintegrao de boa parte dos apoiadores dos Quatrocentos ao corpo poltico da cidade, enquanto os restantes foram responsabilizados por tentarem negociar uma paz desvantajosa por Esparta, mas no por algo que os historiadores modernos chamam de golpe oligrquico dos Quatrocentos.

    5. A guerra aberta, a quente, sanguinria e traumtica, acontecer em 404 com a instalao dos Trinta Tiranos aps a derrota por Esparta (dcima mudana). Aps uma acachapante derrota na batalha naval de Egosptamo, Atenas ocupada pelo general espartano Lisandro que no tratado de paz exige que a cidade adote o regime ancestral (34.2-3). Mais uma vez a se faz presente (34.3):

    De um lado, os populares tentavam preservar a democracia, do outro, aqueles associados em confrarias de notveis e aqueles dentre os exilados que retornaram depois da paz desejavam a oligarquia (...) Sendo Lisandro favorvel aos oligarcas, o povo apavorado foi forado a votar a oligarquia.13

    Aqui no h dvida do carter impositivo do regime por um exrcito ocupante, no por acaso usado o termo tirania para descrever um regime cujo iderio era oligarca. Os Trinta revogaram as leis que restringiam o poder do Arepago (35.2) comeam a perseguir opositores causando enorme mortandade na cidade, segundo a obra no menos que mil e quinhentas pessoas (35.4). Entre os mortos est Termenes, que expulso do regime e condenado morte por ter trado os Quatrocentos (37.1).

    A expulso dos Trinta Tiranos (dcima primeira mudana) ocorre graas ao exrcito ateniense que permanecera democrtico e retornara da cidade aliada de Samos para reconquistar Atenas pela regio porturia em 403 (cap. 37 e 38). Aps este restabelecimento de democracia e a execuo dos lderes dos Trinta, a negociao de paz, a Anistia no por acaso o mesmo termo usado no fim da Ditadura Civil-Militar brasileira longa, traumtica e complexa. Os partidrios do Trinta foram isolados no distrito de Elusis e proibidos de transitar em Atenas (cap. 39 e 40). A Constituio dos Atenienses silencia sobre isso, mas Xenofonte (Helnicas, II, 43) relata que os conflitos no cessaram, e alguns lderes de Elusis foram massacrados numa emboscada

    13 Constituio dos Atenienses 34.3 , , (...) , .

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    em 40014. Quatro anos passaram-se entre a instalao dos Trinta em 404 e o ltimo acerto de contas em 400. Quatro anos para a ateniense esfriar novamente e os assassinatos e combates entre cidados cessarem, iniciando um longo perodo de oitenta anos nos quais a obra no identifica nenhuma mudana de regime. A no deixa de existir, apenas torna-se novamente fria.

    6. Pode-se concluir que as mudanas de regime na Constituio dos Atenienses no residem na ideia de rompimento do Estado de Direito, ou seja, do sistema institucional vigente, uma vez que as instituies podem ser legalmente reformadas ou mesmo extintas sem que haja distino entre reformas e golpes de Estado: para a Constituio dos Atenienses todas so . Tais mudanas, no entanto, s ocorrem dentro de uma oscilao dos trs tipos de regime (monarquia, oligarquia, democracia) e suas variantes positivas e negativas. Ou seja, elas refletem sempre os conflitos entre grupos antitticos e assimtricos, os ricos contra os pobres, os notveis contra a multido15. A raiz histrica desta concepo est na idealizao do regime de Slon, cuja poesia um testemunho de um pensamento que tenta equilibrar as tenses entre pobres e ricos, multido e notveis16. Minha contribuio central perceber tais podem assumir a forma de combates armados ( quente) ou de processos jurdicos e emendas legislativas ( fria).

    Inexiste no pensamento poltico clssico e aristotlico a ideia de progresso histrico, que marca as concepes modernas de revoluo social e golpe de Estado. O ideal que se busca de equilbrio e moderao: diminuir os excessos e desigualdades dos extremos, e no necessariamente tomar o partido do povo, algo provavelmente estranho ao pensamento peripattico e tambm esmagadora maioria dos autores clssicos, membros das elites. Os prprios democratas no se enxergavam como mais progressistas que os oligarcas. Ao contrrio, ambas faces viam a si mesmos como legtimas representantes de um idealizado regime ancestral de Atenas.

    O dilogo constante entre o contemporneo e o antigo perigoso, e o anacronismo inevitvel. A democracia ateniense era muito diferente da moderna: pressupunha participao direta, bem como a excluso de mulheres, metecos e escravos. O dilogo pode ser til quando conceitos polticos do

    14 Ver CANFORA, 2015, pp. 437-450.

    15 Esta concepo, no qual a desigualdade a causa motriz de toda no est distante daquilo que discutido no livro 5 da Poltica.

    16 Sobre a representao de Slon na obra ver o comentrio dos cap. 2, 5-12 em CORREA, 2012, pp. 83-91.

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    contemporneo so redefinidos com o contraste do antigo. Investigar este dilogo nos ajuda a elucidar os sentidos contemporneos atribudos aos termos antigos, bem como a levantar questes que no enunciamos mais por nossa incapacidade de olhar com estranhamento para nossos prprios referenciais ticos e conceituais.

    Neste sentido, cabe notar que um dos aspectos centrais da crise poltica instaurada no Brasil desde 2016 a insuficincia da diminuio das desigualdades sociais na sociedade brasileira, isto , da distncia entre ricos e pobres. A bonana econmica dos Governos Lula garantiram estabilidade poltica e a renda mnima dos setores mais vulnerveis sem, no entanto, combater privilgios de setores oligrquicos. Pelo contrrio, adotou-se um presidencialismo de coalizao no qual a cooptao de partidos ocorre atravs de uma poltica patrimonialista, transpartidria e parasitria ao Estado que se pode chamar Pemedebismo (NOBRE, 2013). Esta uma modalidade oligrquica da poltica, que tomou forma desde a redemocratizao de 1985 e se caracteriza pela ampla utilizao de corrupo sistmica e estrutural no prprio aparelho administrativo do Estado, nas empresas estatais, e tambm em oligoplios privados que negociam apoio financeiro a Partidos em troca de vantagens em contratos e licitaes pblicas. Se tal prtica j era presente nos governos de carter neo-liberal e privatista do Partido da Social Democracia Brasileira (1995-2002), parece ter se intensificado nos governos do Partido dos Trabalhadores (2003-2016).

    Dilma Rousseff foi derrubada do poder pelo o Congresso Nacional e pelo Supremo Tribunal Federal, instituies legtimas, mas o contexto histrico que marca o processo no uma sbita vontade de aplicao rigorosa da lei, mas uma crise poltica intensa que criou a oportunidade para reformas polticas de teor oligrquico, que visam o estancamento de polticas de diminuio de desigualdade no contexto de recesso econmico. Dilma Roussef um bode expiatrio de todos os crimes de morosidade e corrupo da classe poltica brasileira, e o sucessor Michel Temer rapidamente se apresentou como um reformador, isto , algum que reverte todo o processo instaurado anteriormente. uma fria entre os grupos antitticos e assimtricos de ricos e pobres, do povo e dos donos do poder. O Brasil conheceu processo semelhante no Golpe Militar de 64 contra o Governo Joo Goulart, sendo ento uma quente, com violncia institucional explcita. Em ambos os casos, a Mdia tem papel predominante em pautar o debate pblico e criar identidades junto s camadas populares que simpatizam com as reformas oligrquicas a partir do seu teor conservador moralista, de manuteno do

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    status quo, ameaado pelas polticas de distribuio de renda e discusses ticas em torno da politicas identitrias.

    O presidencialismo de coalizao entrou em curto-circuito aps a reeleio de Dilma Roussehf em 2014 e o incio de uma poltica de ajuste econmico que contrariava a propaganda eleitoral da candidata. Este embuste eleitoral, somado s polticas de combate corrupo iniciadas pelo prprio governo que acabaram se voltando contra ele prprio e sua base partidria, fez uma crise econmica torna-se tambm poltica. A mdia e o sistema jurdico criaram uma situao de fragilidade na qual os setores oligrquicos se rebelam contra um Governo de centro-esquerda enfraquecido, radicalizando a brasileira. Aps 13 anos, o Partido dos Trabalhadores foi sacado do Poder no por invasores externos, mas por seus fiadores oligrquicos que se identificam pelo patrimonialismo, pela corrupo sistmica e estrutural do Pemedebismo, somado fora conservadora da Mdia e demais setores privados.

    A brasileira pendeu para o lado oligrquico, revelando o esgotamento do presidencialismo de coalizao e pondo a nu os limites da poltica de cooptao da base atravs de corrupo sistmica. No por acaso, os escndalos que atingem a esquerda, ainda que reais e condenveis, so bodes expiatrios nos quais a Mdia, o Sistema Judicirio e a oligarquia poltica descarregam seu rancor contra as polticas de diminuio da desigualdade. Mesmo quando estes setores oligrquicos tentam fazer valer a mesma letra dura da lei para o lado conservador, so barrados por outras foras que no correspondem luta contra corrupo, mas sim , o conflito de interesses entre pobres e ricos, entre multido e elite.

    A Esquerda partidria, se ainda reivindica defender interesses populares e democrticos, precisa declarar uma guerra irrestrita cultura poltica patrimonialista do Pemedebismo. Esta guerra no pode ser combatida somente atravs do sistema partidrio-eleitoral, uma vez que o Pemedebismo j est instalado em quase todos os Partidos e tem forte influncia no Judicirio, aliana esta que permitiu a derrubada de Dilma Rousseff. preciso atacar a fonte de poder do Pemedebismo: o aparelhamento do Estado e o patrimonialismo parasitrio, e so outras formas de radicalizao da democracia que podem cumprir este papel. Nesta luta, a lio da Constituio dos Atenienses pode ser til: a uma luta de grupos antitticos assimtricos: de um lado uma multido, pobre e annima; do outro, polticos profissionais oligrquicos, grupos miditicos e corporativos conservadores. Se a esquerda quer ter um papel nesta luta, precisa juntar foras com um destes grupos, mas jamais com o outro.

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    Abstract: The paper approaches the vocabulary and the structure of references about political and institutional ruptures in the Aristotelian Athenian Constitution in order to problematize the idea of legal and parliamentary coup against the Brazilian president Dilma Roussef in 2016 and the ethical and conceptual imbroglio of such kind of political change. The text discusses the ancient vocabulary especially in the Athenian context and emphasize Aristotles political thought.Keywords: Athenian Constitution, Coup dtat, political overthrow.

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    MUERTE E INFRAMUNDO EN LA ANTIGUA ROMA: INMORTALIDADY ETERNA MEMORIA

    Julio Lpez Saco1

    Resumen: Los mitos de origen griego vinculados con la muerte, as como los deseos de alcanzar la inmortalidad y una nueva vida en el Ms All a travs de la eterna perduracin del alma, impregnaron la imaginacin religiosa romana. Con posterioridad a la muerte, el ser humano se transformaba en una serie de entidades (lemures, manes, larvae, penates, lares) de no siempre fcil identificacin. Desde la ptica romana la muerte requera una serie de honores funerarios bien establecidos para evitar la conversin del fallecido en un fantasma sin descanso y para, de ese modo, apaciguar los componentes malignos o negativos. En la antigua Roma la muerte era un acto social que, en cuanto a los lugares de inhumacin, modos de celebracin y cultos, no igualaba a los fallecidos, existiendo notables diferencias segn la condicin social o el estatus del muerto.Palabras clave: muerte, inframundo, rito, culto.

    Introduccin

    El significado social del mundo de la muerte en la antigedad romana solamente puede conocerse gracias a determinada documentacin literaria y epigrfica (inscripciones funerarias), la presencia de monumentos histricos y necrpolis (con sus tipos de tumbas y ajuares funerarios), a la ritualidad que envolva el duelo as como a la interpretacin de los mitos (BENASSAR, I. & GARDNER, J.F., 1995, p. 5).

    En la antigedad, dos de los temas bsicos ms relevantes en los que se centraron los relatos picos y mitolgicos fueron, sin duda, la adquisicin de la

    1 Doctor en Ciencias Sociales y Doctor en Historia. Investigador y Profesor Titular. Escuela de Historia, Universidad Central de Venezuela, Caracas. Doctorado en Historia, FHE-UCV. E-mail: [email protected].

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    inmortalidad y la bsqueda de la eterna juventud (PLATN, Fedro, 245e)2. En el trasfondo de tal bsqueda se encuentra la preocupacin por la muerte, tal y como innumerables mitos han reflejado de modos bastante variados (Gilgamesh, Orfeo, Heracles).

    En trminos generales, los mitos de la muerte en la mitologa (particularmente griega) afirmaban que las almas de los difuntos viajaban al mundo subterrneo de Plutn y Persfone, guiadas por Mercurio, la deidad psicopompa por excelencia. Se vean obligadas a atravesar la laguna Estigia en la balsa conducida por Caronte. El mundo subterrneo tena en su entrada un temible custodio, el Can Cerbero (vase ilustracin 3). Una vez en el inframundo, se llevaba a cabo un juicio a las almas. Despus del veredicto, las mismas eran trasladadas a siete regiones, segn fuese el caso. La primera estaba destinada a los infantes no natos, que no eran juzgados; en la segunda moraban los inocentes condenados injustamente; la tercera corresponda a los suicidas, mientras que la cuarta, denominada Campo de Lagrimas, era la zona en la que permanecan los amantes infieles; la quinta estaba habitada por hroes crueles, en tanto que la sexta era el famoso Trtaro, lugar en el que se proceda a castigar a los perversos; y finalmente, la sptima corresponda a los Campos Elseos, sitio de morada de las almas bondadosas, en la felicidad eterna.

    Muerte e inmortalidad en las fuentes clsicas

    Si bien ya los pitagricos mencionan el alma, ser PLATN (Repblica 580e; Fedn 69e-84b) quien ofrezca la posibilidad de una esperanza ante la muerte. Lo mortal y lo inanimado es el cuerpo fsico, mientras que lo animado, el nima, es lo que pervive, el alma. Las almas transmigran, idea que tambin defiende, en el mbito romano, OVIDIO (Metamorfosis XV, 165-166), SALUSTIO (Sobre los dioses y el mundo, 20-21) y VIRGILIO (Eneida, VI, 730-750). Este ltimo autor seala que el alma, al morir, ascenda por mediacin del aire, para luego atravesar las aguas que haba sobre el aire y, al fin, recorrer la atmsfera que est expuesta a los rayos solares. Tal viaje supona una purificacin del alma mediante los elementos, el aire, el agua y el sol (fuego), de modo que pudiese lograr estar limpia (purificada) para acceder al Elseo (PEREA YEBENES, S., 2012, pp. 34-36; RHODE, E., 1948, pp.

    2 La fama, la gloria imperecedera, as como la permanencia en el recuerdo de los vivos (adems de la descendencia), siempre constituy una forma peculiar de inmortalidad. Una preocupacin evidente en hroes guerreros como Aquiles o en grandes generales conquistadores, como Alejandro Magno, pero tambin en personalidades como Julio Csar. La inmortalidad, segn Platn, ser as una prerrogativa del alma humana.

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    145-149 y ss.). En el Elseo poda permanecer o tambin ser conducida al Leteo (olvido), para afrontar una nueva existencia terrenal.

    Tambin CICERN, en Sueo de Escipin (Sobre la Repblica, VI, 13-26) defenda la permanencia y, por consiguiente, la inmortalidad del alma. Para los estoicos, como SNECA (Cartas a Lucilio, XLIV, 2; De la Consolacin a Helvia, XI, 7), el alma es aquello que el ser humano tiene de racional, adems de divino. Es la que ayudada por la filosofa, nos har resistir a la fortuna y saber, por tanto, afrontar la muerte.

    Por el contrario, los epicreos negaban la inmortalidad. El espritu que confera vida se disolva en el aire y se perda para siempre tras la muerte. Ello implicaba que las personas no tenan, entonces, por qu temer el mundo del ms all, de modo que podan dedicarse a disfrutar de este (TIEMBLO MAGRO, A., 2011, p. 87; PEREA YEBENES, S., 2012, p. 40-45).

    No hubo conceptos concretos en el mundo romano en relacin a en qu se convertan los difuntos despus de fallecer. En cualquier caso, la tradicin romana vislumbra la existencia de los espritus de los muertos. Se trataba de los Dii parentes et Manes, ntimamente asociados a los Genii. Tales genios permanecan activos durante la vida, diferencindose por sus valores morales, que se prolongaban tras su muerte. Dichos genios continuaban habitando en las sepulturas, un factor que motiv su identificacin con la osamenta, las cenizas e, incluso, con los propios sepulcros.

    Los autores antiguos presentan disparidades en relacin a la entidad en la que se trasformaba el ser humano con posterioridad a la muerte del cuerpo. En tal sentido, existieron distintas denominaciones (COULIANO, I. P., 1993, pp. 122-125; FERNNDEZ URIEL, P. & MAAS ROMERO, I., 2013, pp., 346-348 y ss.). El Genius del difunto se relacionaba con el vocablo Manes (los ilustres), emparentado, a su vez, con Lares, Penates, Larvae y Lemures. La profusin de denominaciones demuestra, en cualquier caso, la existencia de la creencia en la inmortalidad del alma tras la desaparicin del cuerpo.

    Entidades del ms all: los Manes

    Aquellos difuntos bondadosos, que velaban por sus descendientes, se denominaban Lares familiares, mientras que los inquietos, perturbadores o sencillamente nocivos, y que, adems, asustaban con apariciones nocturnas, se llamaban Larvae (PICCALUNGA, 1961, pp. 87-89 y ss.). Si no se saba

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    con seguridad en qu se haba convertido el alma del fallecido se nombraba Manes3. Manes eran, en general, los espritus de los muertos. Los Manes familiares eran aquellos difuntos que pasaban a formar parte del conjunto de espritus, metamorfoseados en divinidades. Se puede decir que era la sombra del difunto, su espritu santificado por el deceso y, en consecuencia, proclive a ser objeto de veneracin y respeto, aunque al tiempo de temor y ofuscacin a lo desconocido.

    De una manera o de la otra, lo cierto era que haba que distinguir entre genios buenos y malos. En tal sentido, las almas de los difuntos eran dioses de los muertos o, en todo caso, entidades que se hallaban en el mundo de los muertos, al lado de las divinidades infernales (Orcus, por ejemplo). De esta forma, los Manes podan ser identificados con esas deidades (MONTERO HERRERO, S., 1990, p. 42).

    Desde la poca de Augusto, algunos autores, sobre todo Virgilio y LIVIO (Ab Urbe condita, III, 58,11), emplearon el trmino Manes para detallar a ciertas divinidades infernales y sombras de los muertos. SERVIO, por su parte (Commentarius ad Aeneidam, III, 63), menciona que en tanto los dioses celestes eran los de los vivos, las otras deidades, en concreto, los Manes, eran los dioses de los muertos. Seran, entonces, unos dioses secundarios, que dominaban las tinieblas nocturnas. Se podra decir, al modo de TCITO (Vida de Agrcola), que eran sombras, espritus fantasmales (PROPERCIO, Elega IV, 6-7)4.

    En trminos generales, el hombre comn no saba con exactitud el significado de los Manes; esto es, si representaban el alma del difunto, o se trataba de deidades de ultratumba. En las inscripciones funerarias (vase ilustracin 1) se mencionan estas divinidades sin precisar ni carcter, ni funciones ni atributos particulares (MONTERO HERRERO, S., 1990, p. 43; COULIANO, I. P., 1993, p. 126 y ss.). En ocasiones aparecen al lado de D.M. o Dis Manibus, eptetos, como inferi (con lo cual se implicara su calidad

    3 Aunque designe el alma de un muerto, el vocablo se usaba en plural. Es probable que ello se deba a las arcaicas costumbres funerarias de la cultura Terramara, por la cual se inhumaban los fallecidos en recintos comunes. De tal modo, el alma de los muertos permaneca viva entre sus descendientes, convirtindose en espritus familiares. VARRN (De Lingua Latina, VI, 3,24; IX, 38,61), confunde los Manes con los Lares. Los considera a ambos figuras etreas. Habitualmente se confunda Lares con Larvae y con los Manes.

    4 Este autor seala que los Manes existen y que, en correspondencia, la muerte no es el final definitivo. Horacio expone que los Manes eran como ceniza, sombras, un recuerdo.

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    de dioses de ultratumba protectores de los fallecidos, CIL, II, 2464; 2722; VI, 12311; X, 2322, 2565), y unas pocas veces otros como sacer o castus5.

    Para algunos autores, como APULEYO (De Deo Socratis, 25), el espritu humano, despus de haber salido del cuerpo, se transformaba en una suerte de demonio que los antiguos llamaban Lemures.

    La ritualidad de la muerte

    En los funerales era imprescindible que se tributara los honores debidos al fallecido (Iusta). Si se produca algn olvido o una irregularidad, el difunto se convertira en un fantasma que no descansara hasta que sus allegados o parientes le hicieran la debida justicia. Esa necesidad de unos ritos funerarios que atendieran al difunto se continuaba tiempo despus de la inhumacin para asegurar su descanso eterno. Exista, entonces, la necesidad de que se recordara al difunto, se dejara constancia de su existencia y se le rindiera culto a su numen (y a su nomen) para que perviviese en la memoria eterna.

    Un relevante nmero de rituales se orientaban ms hacia el objetivo de apaciguar los componentes malignos de los difuntos que hacia una imprescindible splica como deidades activas. En todos los casos, se inmolaban vctimas, se realizaban juegos, combates de gladiadores como homenaje, se ofrendaban alimentos en la tumba en determinados das concretos6 (cumpleaos, da de difuntos) y se conformaba un ajuar de diversos objetos.

    La muerte se c