gregolin, remontemos de foucault a spinoza-pecheux

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.- REMONTEMOS(l) DE FOUCAULT A SPINOZAl2J Michel Pêcheux (1977) '" l.íl1gU:I, i,kol,\gin l' discurso' lIl'lll !\IIIlX, 11<.'11I 1.~lIill, IICIII lI{"lllrlllll dC:I:l{"1 'fllC ';1" costuma chamar de "os clássi,cosdo.marxismo"produziu qualquer estudo politicamente organizado sobre esse assuntó. De fa~~)"os peM'adores políticos do marxismo-leninismo detiveram-se. nessa questão, em apontà.mentos de ordem muito geral (por exemplo, naquilo que podemos encontrar em Gramsci), de sorte que, depois de V oloshnov até os nossos dias . . pode-se dizer que essa questão foi, e permanece sendo. essencialmente. objeto dos universitários progressistas (poucos lingüistas, e, sobretudo, dos historiadores e dos filósofos). É o caso hoje, na França, onde se tem falado de uma "'escola francesa de análise do discurso". como um novo domínio de pesquisa universitária. Para mim, toda a questão se concentra., aqui, sobre a relação entre prática política e prática universitária: é o momento de perceber que o termo "universidade" tem tudo a ver com o (\.:rlllO"universalidadc". 110 scntido de gCllcralidadc abstrata ínulIhzávcL Eu coloco essa questão, sem me excluir daqueles a quem me dirijo: estamos certos de que, com a «análise do discurso", nós não estamos, uma vez mais, na presença de alguma coisa que. sobre o terreno particular da linguagem, assemelha-se a uma dialética universal que tem a propriedade. particularmente universitária, de produzir sua própria matéria? Portanto. as questões abordadas situam-se consÚlntclllcntc no nível prático restringe-se a pensar no que se passa no trabalho político sobre os textos (através da sua redação. sua leitura, sua discussão. etc.): não se imediatamente aparecerem as interrogações sobre o sentido daquilo que é dito ou escrito, subjacente às proposições de retificação, clarificação, simplificação, etc., de maneira que, assenhorando-se do espaço de \lll1n díSCllssiio. os l11ilítnntC'll ndotnm II pO.'ltllnt de <'llp('!cinli~tltll dll lillHIIIIHCll1' clc~ filZCllI distinções entre a fonua e o fundo, entre a palavra e a coisa, eles invocam o espírito do texto, eles falam de contexto, de ressonância e de conotação, de propósito da introdução ou da tomada de tal e tal termo ou expressão. eles se referem às intenções (aquilo que "faz fazer") e de tomadas ( as massas "tomam" uma posição sobre tal problema: elas "compreendem" e "não compreendem" tal formulação, etc.). Isso explica que os militantes sejam, em geral, levados a escutar as intervenções daqueles que, sob tal ou tal bandeira. se apresentam como os especialistas "fulI-time" do discurso político. Portanto, não se trata de intervenções puramente técnicas: uma certa maneira de tratar os textos está inextricavelmente imbricada em urna certa maneira de fazer política.. Não podemos pretender falar de discursos políticos sem tomar simultaneamente posição na luta de classes. jti que essu tOlllaua de posiçllo determina, na verdade, U lIlUIlCIJU dc CUlll;coef a:; . jg,~~mate:-i.~~ll~ob as-quais as "idéias" entram em luta na história. (1) NOTADA TRADUTORA: O vcmo "n .'llIoutar·' 1~"Inos s<;:guint~"S significados: a) ir buscar a origem; volver ao passado; b) recstabclcccr, elevar; c) montar novamente, rccquacionar, consertar. Há. ainJ.1, o sentido de aquisição (de cavalos para suprir o cxército). Acho que Pêchcux está brincando também com esse sentido. pois em certo momento diz que sua leitura dos dois fúóso[os (Spwoza e FoucauIt) é ~cavalicre~ (brusca ou cavaleira). Acho quc o título, irônico, tem todos esses sentidos. (2) NOTA DA TRADUTORA: Texto inédito em francês. Trata-se da comunicação de Pêchcux no Simpósio do México sobre "Discurso Político: teoria c análises", realizado de 07 a lllI ln7. Há uma versão deste texto _______ c1llcS{lllnhoLcnl.:.T olooo.:~:~~lr~(ClI. )::..0 (lf.y(·lIr:'«l-p..,II(/~·(J:~M.~!I:!': N!~~n_lmllI<C1n. I.9XO. f" I li 1·20/l, _~_ ••.••••• "-_I , _ i -j

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Page 1: GREGOLIN, Remontemos de Foucault a Spinoza-Pecheux

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REMONTEMOS(l) DE FOUCAULT A SPINOZAl2J

Michel Pêcheux (1977)

'"

l.íl1gU:I, i,kol,\gin l' discurso' lIl'lll !\IIIlX, 11<.'11I1.~lIill, IICIII lI{"lllrlllll dC:I:l{"1 'fllC ';1"

costuma chamar de "os clássi,cosdo.marxismo"produziu qualquer estudo politicamenteorganizado sobre esse assuntó. De fa~~)"os peM'adores políticos do marxismo-leninismodetiveram-se. nessa questão, em apontà.mentos de ordem muito geral (por exemplo, naquiloque podemos encontrar em Gramsci), de sorte que, depois de Voloshnov até os nossos dias .

.pode-se dizer que essa questão foi, e permanece sendo. essencialmente. objeto dosuniversitários progressistas (poucos lingüistas, e, sobretudo, dos historiadores e dosfilósofos). É o caso hoje, na França, onde se tem falado de uma "'escola francesa de análisedo discurso". como um novo domínio de pesquisa universitária.

Para mim, toda a questão se concentra., aqui, sobre a relação entre prática política eprática universitária: é o momento de perceber que o termo "universidade" tem tudo a vercom o (\.:rlllO"universalidadc". 110 scntido de gCllcralidadc abstrata ínulIhzávcL Eu coloco

essa questão, sem me excluir daqueles a quem me dirijo: estamos certos de que, com a«análise do discurso", nós não estamos, uma vez mais, na presença de alguma coisa que.sobre o terreno particular da linguagem, assemelha-se a uma dialética universal que tem a

propriedade. particularmente universitária, de produzir sua própria matéria?Portanto. as questões abordadas situam-se consÚlntclllcntc no nível prático

restringe-se a pensar no que se passa no trabalho político sobre os textos (através da suaredação. sua leitura, sua discussão. etc.): não se vê imediatamente aparecerem asinterrogações sobre o sentido daquilo que é dito ou escrito, subjacente às proposições deretificação, clarificação, simplificação, etc., de maneira que, assenhorando-se do espaço de\lll1n díSCllssiio. os l11ilítnntC'll ndotnm II pO.'ltllnt de <'llp('!cinli~tltll dll lillHIIIIHCll1' clc~ filZCllI

distinções entre a fonua e o fundo, entre a palavra e a coisa, eles invocam o espírito dotexto, eles falam de contexto, de ressonância e de conotação, de propósito da introdução ouda tomada de tal e tal termo ou expressão. eles se referem às intenções (aquilo que "fazfazer") e de tomadas ( as massas "tomam" uma posição sobre tal problema: elas"compreendem" e "não compreendem" tal formulação, etc.). Isso explica que os militantessejam, em geral, levados a escutar as intervenções daqueles que, sob tal ou tal bandeira. seapresentam como os especialistas "fulI-time" do discurso político. Portanto, não se trata deintervenções puramente técnicas: uma certa maneira de tratar os textos estáinextricavelmente imbricada em urna certa maneira de fazer política.. Não podemospretender falar de discursos políticos sem tomar simultaneamente posição na luta declasses. jti que essu tOlllaua de posiçllo determina, na verdade, U lIlUIlCIJU dc CUlll;coef a:;

. jg,~~mate:-i.~~ll~ob as-quais as "idéias" entram em luta na história.

(1) NOTADA TRADUTORA: O vcmo "n..'llIoutar·' 1~"Inos s<;:guint~"Ssignificados: a) ir buscar a origem;volver ao passado; b) recstabclcccr, elevar; c) montar novamente, rccquacionar, consertar. Há. ainJ.1, osentido de aquisição (de cavalos para suprir o cxército). Acho que Pêchcux está brincando também com essesentido. pois em certo momento diz que sua leitura dos dois fúóso[os (Spwoza e FoucauIt) é ~cavalicre~(brusca ou cavaleira). Acho quc o título, irônico, tem todos esses sentidos.(2) NOTA DA TRADUTORA: Texto inédito em francês. Trata-se da comunicação de Pêchcux no Simpósiodo México sobre "Discurso Político: teoria c análises", realizado de 07 a lllI ln7. Há uma versão deste texto

_______ c1llcS{lllnhoLcnl.:.T olooo.:~:~~lr~(ClI. )::..0 (lf.y(·lIr:'«l-p..,II(/~·(J:~M.~!I:!': N!~~n_lmllI<C1n. I.9XO. f" I li 1·20/l, _~_

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Esse ponto pode parecer evidente para os militantes marxistas-Ieninistas. O mesmonão se pode dizer, forçosamente, do .p.onto de vista dos especialistas da linguagem,habituados a pensar seu objeto nos quadros das filosofias espontâneas da lingüística.

Tocando, aqui, na relação velada e contraditória que as teorias da linguagem111:1I11êll1 Colll 11 hislÚtlll, ('11 dilC'I, ~illll'llIh;ulldo 1I1Ullo 1I1llD 1I11Últ'l, JÚ ICllll ("111011(10

trabalho"'), que o estado atual da lingüística apresenta uma certa relação com suas origens,que se exprime persistentemente em várias correntes.

Uma primeira corrcnte, que podcmos qualificar de IÚg,ico-:/Úmw!ista, tem, dt..-sde asorigens da lingüística, como preocupação constante, representar a língua como um~'iíslemaem funcionamento (desde os estóicos, que foram os primeiros gralTláticos,passando poraqueles que se chamou no séc. XVIII de "modistas", a gramática de Port-Royal e agramática clássica). A palavra de ordem teórica dessa primeira corrente poderia se resumirnos termos de gramática, de uma parte, e universal de outra parte, o conjunto repousandosobre uma concepção filosófica segundo a qual a língua é uma est.~tura atemporal,garantida, por sua vez, pela 'estrutura do ser e do pensamento.

Uma segunda corrente é aquela da mudança social na história, da QU3.! encon!.r2.masos primeiros traços nos estudos teológicos críticos dos textos sagrados (Taimud, Pais daIgreja, etc.) e que se funda sobre os trabalhos da filologia, os t!2balhcs àos rieo-gr-:>...máticDSe{)s da lingüística comparada: a concepção filosófica subjacente a,es::':.segunda CC:Temecoloca, contrariamente à primeira, que as línguas se formam, se difere:1cl.am.,e..•.oluem emorrem historicamente, como as espécies \"ivas: a EIelogia., pesquisz Ó.s fiJi.açêes,dasderivações e desaparecimentos, parece constituir a forma clássi-cadessa segunda te:1dênc:aOs trabalhos etno e sociolingüísticos atuais 520, de ce;:a forrr;z..,se~ prolor:g2T.en:oprofundamente transfonnado.

Ao lado dessas duas correntes principais. pode-se discemir urm terceira tendência.qu<.' ('li I.'halllllrci 1.1(':l(llIcllI dos n.\"('1I.\" da Jilla. CllC()llIIHlII-~C ~lHl~ (ltlgCll~1 lti~II('H lc.a~, lia

sofistica e na euristica gregas~vemo-Ia reaparecer na dispU/alio da Idade Média, que seconstituía em uma espécie de esporte verbal no qual os estudantes punham-se a discutir,principalmente fora do ensino (ex calhedra). Reencontramos aspectos dessa tendência,contemporaneamente, nos trabalhos da escola analítica anglo-saxônica. A filosofiasubjacente a essa terceira corrente conceme o uso da fala como uma ~dialogia" onde doissujeitos se confrontam sobre o terreno da máscara(4) e do jogo verbal: "o homem é o lobodo homem", conforme o escrito na capa da revista Semal1likos, que se inscreve largamentenesta corrente.

Pode-se verificar, a propósito das correntes lingüísticas queenufiê~a_tese queavancei anteriormente, a saber, que elas tomam filosoficamente posição na' útá de classesutlUV~Sda sua rde::rêllciaimplicita ou cxplkita à história. Com de::iw:

a tendência lógico-formalista coloca, filosoficamente, que a história nào existe: oespírito humano é concebido como a-historicamente transparente a si mesmo, sob aforma de uma teoria universal das idéias que aparece, assim, como uma pseudo­ciência do todo, capaz de dirigir as origens e os fins.A luta ideológica de classes,

o; NOTADA TRADUrORA: M. Pêchcux rcft.n:-sc ao seu livro Les Vérité.~de 1..0 Palice (.Semáll/ica eDiscurso). No mesmo ano t.>rnque escreveu Remontemos ...• Pêcbcux volta a esta qUt.~1ãodas correnlt.'SdalingUistica no artigo escrito em co-autoria com F. Gadet, cujo tílulo é "Há uma via para a Jillgiiísticafora doJogicismo e do sociologismoT'.(4) NOTADA TRADUTORA: Pêcheux usa aqui 8 palavraJêillte. que tánto pode si~i1icar "csgrima- COlIJO

""••lill!:iIllC:nlt'-.--ItUÍ-'~;~ll- • _ - - - __ ._ . __:_.. _", _.-'-" - - nu.' "-- -"- "------- ---------~-

Page 3: GREGOLIN, Remontemos de Foucault a Spinoza-Pecheux

portanto, não existe mais, no sentido forte do termo: ela é tomada, na verdade. cc:-:".:)

conflitos lógico-éticos e psicológicos que participam da essência humana dasociedade;

a segunda corrente contém uma tese filosófica que eu qualificarei brevemente dehish\licist:1 ao contrÍ!rio til! precedellte, e1u clllocu 11CXlslêll(.:ill da III:ltÚria, flUISsoÍl

a forma da diferença e das transformações sociais, sob a modalidade das

heterogeneidades empíricas que recobrem a homogeneidade tendencial subjacente àsociedade humana. O filósofo Lucien Seve exprime à sua maneira essa concepçãohistoricista das lutas de classes, quando afirma: •• A política,. passará, mas apsicologia não passará". Ele acentua, com efeito, que a heterogeneidade conflitualque marca a divisão política é historicamente contingente. de acordo com aquilo queL. Sêve chama de a essência social do homem(~);

uma palavra somente sobre aquilo que eu denominei a terceira tendência. aquela do"risco da fala", para dizer que ela não tem a autonomia filosófica das outras duasprimeiras tendências. de maneira que ela fuz alianças teóricas tanto com uma quantocom a outra, sobre a base de uma concepção filosófica do afrolltamento dia lógico,que autoriza. por sua vez, uma teoria conflitua! da história como duelo-dua! (duef) euma dissolução da história no dueto-dua! (dUO)(61.

Eu concluirei esse breve apontamento com algumas constatações:

I) A filosofia espontânea da tendência lógico-formalista veicula. explícita eimplicitamente. a posição de classe da ideologia burguesa fundada sobre aeternidade antropológica jurídico-moral do triângulo sujeito-centro-sentido;

2) A tendência historicista (e. acessoriarnente, certos aspectos da terceiratendência), colocando filosoficamente a história como série de diferenças.desloc:llllcnlos (dócalnp.cs). IIllldllllçns, ('Ie slIhordill:t. de' lillo, 11 divj~li1opolíticlI

(que "passará") à unidade antropológica (que "não passará''): essa segundaposição filosófica. opondo-se diametralmente ao etemitarismo da primeira,entende a dominação como forma de interiorização. A posição de classe queresulta dessa invasão ideológica constitui a forma teórica do reformismo, que

subordina a divisão à unidade, e p.ensa a contradição como resultado doencontro de contrários preexistentes. separando, assim. a existência das classes

e a luta das c1asses(1) "0-

3) Ao analisar as filosofias espontâneas veiculadas pelas principais correnteslingüísticas. não ·preteudo condenar o conjunto dos trabalhos, os resultados

obtidcs, os conceitos e os problemas, mesmo dando-Ihes o rótulo de "burguês"

l'l " O Illatl:riali~lo hislórico é a base;da ciência das rdaç3l.:s sociais. \....••..;;;ueiaconcreta do hOlllem." (I.. Sl..··•.\:.,\/arxi.mlO (' '('oria ela personalidade. Pari,,: Ed. Socialcs. 1969, p. 174).lól NOTA [)A TRADUTORA: Pêchl:tLX faz wn jogo dI: palavras com "duer (quc significa tanto "dudo"

~~tº~d:lIaI] e duo (quI: significa "dueto'" ou "dual"'): •• une théorie de l"histoire comme duel el unedissolulion de thist6ire dons le duo" (1990, p. 248)(1) "Para os ~fom1istas (ml..'SIUO que dcs se declarem marxistas). não é li luta de clas.<;(,.'Squc está no primc::-oplano: são as classes... as classes existem antes da luta de classes, Independe11temente da luta de cllb.-sese liluta de classes existe somente depoi5." (L. A1thusser. Resposta a JOM Lewi.'i. Paris: Maspero, 1973. p. 28-29).Althusser acn:scenta: "A tese marxista-Ieninista, ao contrário, coloca li luta de classes no primeiro p~a::o.

~~:=~~~{~\~~~~ca: ela ~!~adO d~_roD_tra~i~o ~bre os contrárim q~~ se afroIltCl.

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ou de «reformista": as práticas de uma ciência não coincidem jamais totalmentecom as filosofias espontâneas que elas envolvem (enveloppent) visto que certosacontecimentos teóricos da lingüística (como a revolução epistemológicasaussureana) induzem a uma configuração de forças filosóficas simultâneas(em prcst'l1<;u). Tmtn-so do UCClItUllf quo 055115 pusiçõcl'I filt)RÚficlI!l têm torle"!

ressonâncias concretas nos trabalhos lingüísticos de diversas correntes e de

alertar politicamente àqueles que desejam diretamente "aplicar a lingüística" aomaterialismo histórico a fim de estudar as ideologias e os discursos políticos:uma mudança de terreno se impõe, se quiser-se evitar que o universitário não sesobreponha (domine) ao político.

É sobre esse ponto que eu gostaria de propor algumas reflexões, sem pretender queelas realizem a mudança de terreno em questão: já me darei por satisfeito se elas

contribuírem para mostrar a sua possibilidade e precisar algumas de suas condições.Para isso. farei um novo percurso em tomo do marxismo. para interrogar aquilo quepodemos chamar o lrabu/Jw dus urt~<:m' a propÓSito da questão que 1I0Socupa. c:;s:J.trajetória passa por dois filósofos não-marxistas, mas nos quais o não-marxismo éum pouco diferente. já que a teoria marxista estava nos limbos da história no casodo primeiro, desculpa que não existe no caso do segundo. Trata-se de dois espiritosfortes, apaixonados pela luta material entre as idéias, dois heréticos obstinados, emque o primeiro terminou proscrito, banido pelos dirigentes de sua comuniàade quenão haviam entendido muito bem aonde ele queria chegar: quanto ao segundo, quenão pára de sonhar(8j com seu banimemo, dá prosseguimento a sua carreira noCollége de France em Paris.Entre Spinoza e Michel Foucault. há, certamente. três séculos de história política.mUlcados pdo desenvolvimento do capitalismo c os inícios teÓrico,", c pr:l:lcm dosocialismo. Mas há também uma diferença, na maneira do fazer a política., quandose é aquilo que se convencionou chamar um "intelectual". Eu pretendo mos:.-::..r,confrontando alguns pontos do Tratado das auloridades leolúgicas e políticas C0:n

a Arqueologia do Saber, que a relação entre Spinoza e Foucault toca diretar::e:::e ,,0destino teórico daquilo que se denomina hoje como "o discurso", pela re:Z7~o

ambígua, que se entrelaça nesse objeto, erttr~ç,poljtico e o universitário.

o primeiro ponto conceme a relação com a lingüística ou aquilo que há em seulugar. No Tratado, Spinoza aborda a questão da interpretação dos textos sagrados eprocura determinar as condições sob as quais eles foram, ou não, desviados de seusentido plimÍlivo, dcsviados ou uno de: sua fuuçno Plimcilu pelo apalclho Icligíü~üIsso o conduz a distinguir língua e discurso, na terminologia de seu tempo (capítuloXII, "Da interpretação das escrituras"):

A pessoa não temjamais proveIto em mudar o sentido de uma palavra, au passoque temfreqüentemente proveito ao mudar o sentido de um texto

Spinoza expõe as razões pelas quais a primeira operação é, para ele, dificilmenterealizável: todos os autores que empregaram tal palavra em tal sentido seguiram seu

,,~' -'-....,~~.)iT •.;.

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natural e seu pensamento; ele acrescenta que, como o tesouro da lín::;'..:~ epropriedade tanto do povo quanto dos eruditos, é pouco provável que os "sábics"mudem (isto é, corrompam) a significação das palavras; ao contrário,.des muda..l;, osentido de certos textos. Spinoza conclui:

Por todas essas razões nós nos convencemos de que unuz pessoa não corrompeum'! lingua, ao passo que é possível corromper o pem.amento de um e.fcritor,mudando o te.\:/oou o ü,terpretando maL

De sua parte, Michel Foucault comenta a relação entre o estu6o<--;hogüísÜcoe otrabalho "arqueológico" sobre os conjuntos de textos, afirmando:

Mesmo que ela tenluz desaparecido há muito tempo, mesmo que ninguém falemais e que tenha sido restaurada a partir de raros fragmentos, uma línguaconstitui sempre um si••tema para C'nunciados po.nÍl·C'i.••· - um conjultto flni/o dC'regra!;· que autoriza um número JIIJittUo de desempellllO!;·. () campo do!;'aconteclmelttos discursivos, em compensação, é o conjultto sempre fmito eefetilla/nente /imitado das únicas seqüências iingüísticas que tenham sidoformuladas; elas bem podem ser inumeráveis e podem, por sua massa, ultrapassartoda capacidade de registro, de memória ou de leitura,' e/as constituem,entretanto, um conjunto flnito. Eis a questão que a análise da lingua coloca apropósito de qualquer fato de discurso." segundo que regras um enunciado foiconstruido e, conseqüentemente, segundo que regras outros enunciadossemelhantes poderiam ser construidos? A descrição de acontecimentos dodiscurso coloca uma outra questão bem diferente: como pareceu um determinadol'lumcia(/o. l' não oll(ro rm .'il'lIll1gar?(9)

Segundo ponto, concemente àquilo que podemos denominar as relações entreenupciados.A propósito da fala de Moisés CDeus é um fogo"), Spinoza interroga-se sobre o queexatamente quer significar Mois~~.•e expõe o meio que, para elt, permite sabê-lo(Capítulo Vil):

Para saber se i/;;!imri verdadeiramente que Deus é um fogo, ou se ele não ocrê, não é sufLCientetirar conclusões a partir da idéia de que isto esteja de acordocom a razão ou que a contradiz., ma.f é nece.fSário relacioná-Ia c,!!/t nutra.••p/dal·ra .••· J~ Altli .••;~. E Já que AltJJ.\b, em ItIuUas pa .••.\·a/.:e1u, elt.\llia muJ/(}

claramente que Deus não tem nenhuma semelhança com as coisas visiveis quehahitam o céu, a terra e a água, nós devemos concluir que essa fala emparticular ou todas aquelas do mesnw gênero dt;1'emser compreendidas comometáforas; e, se ele descarta, assim, apossibilidade do sentido literal, é necessárÚJpesquisar se essa fala em particular - "Deus é um fogo"- admite um sentido outroque o sentido literal, isto é, se apalavra "fogo" signiflCa outra coisa que o sentidoliteraL"

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E Spinoza chega a esta constataçáo (capitulo V):

Como a palal'ra 'jogo" se tomll tat'!bém por "cólera" e por "ciume,. illpeja". éfácil de conciliar entre elas asfrases de Moi ••és e nó."chegaremos legitimamente àconc/u.\ll" ./e" 'file" e".\'.\.'.\JIlII.\ prll'"_\iç.ic".\ "JJe"II.\ ,s fi'K" " e" "JJ"lI~ ,I illl'l:il1-\o" 'ti"uma e só enunciação, "

De sua parte, Foucault, considerando as relações interiores a um conjunto deenunciados, destacados do espaço n-dimensional onde eles se distribuem, propõecomo tarefa pesquisar:

Uma ordem em seu aparecimento sucessivo, correlações em sua simultaneidade,posições assinaláveis em um espaço comum, funcionamento recíproco,transformações ligadas e Itierarquizadas. " (1990: f'4J)

A unàtise dos acontecimentos disculslvos através do pulululIIcllto IItcral dus

enunciados implica, assim, para Foucault, a localização do que ele chama de"formas de repartição" e de "sistemas de dispersão" que governam as relações entreos enunciados. Isso autoriza-o a propor a seguinte definição:

No -caso em que se puder descrever, entre um certo número de enunciados,semelhante sistema de dispersão, e no caso em que entre os objetos, os tipos deenunciação, os conceitos, asesco/has temáticas, se puder definir umaregularidade (uma ordem, uma correlação, posições e funcionamenJos,transformações) diremos, por convenção, que se trata de uma formaçãodi.'iC'IIT.fÍl·O. (1 <)<)0. p. 4J)

Terceiro ponto, concemente à determinação do discurso pelas relações de "lugar".Spinoza explica que, quando lemos um livro que narra acontecimentos incríveis, e

que fala de objetos não perceptíveis ou ~ue desenvolve narrações obscur.i.S, não adianta__procurarmos compreender o sentido daq.lilo que é dito, se nós não puderr 10S determinar

quem é o autor e em quais circunstâncias .) livro foi escrito. (cap. VIl)De sua parte, }<oucaultcoloca as modalidade~ enunciativas enquanto condições da

existência mesma dos discursos (quem fala? Com que direito aquele que fala tomapalavra? ete.) como questões que determinam as condições de existência do enunciado emum conjunto de enunciados. E Foucuult acrescenta:

.Um indil'íduo, um só e mesmo indivíduo, pode ocupar, a cada vez, em uma mesma

série de enunciados, diferente,s posições e 'desempenhar o papel de diferentessujeitos,

Pode-se comentar dizendo que os deslocamentos do sujeito em um tratadomatemático nada tem a ver com a maneira como esses deslocamentos se efetuam em wn

romance, ou em um discurso político.

-- ------------ -----_. ------"-.,.---- ... -- ..--.--- - ..- -.- -_.- ---- -- ~ .- - -----~

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Qual"io e último ponto, sobre aquilo que se pode chamar de regime áematerial idade do imaginário. Spinoza explica que narrativas muito semelhantes podemaparecer em livr<:sdiferentes, sob formas desfigur::das e irreconhecíveis. Sobre a questãodo discurso profético, ele indica (cap. II. "Os profetas"):

As diferenças relativas à imaginação consistem no fato de que se o profeta érefinado, ele perceberá o pensamento de Deus em um estilo igualmente refinado;.çe ele está cOlifuso ele o perceberá também confu.çamente; da mesma forma,diante de revelações representadas por imagens, se o profeta é um camponês asimagens serão bois e vacas; se ele for um soldado elas serão chefes e armas;enfun, se ele é um homem da corte, ele as representará através do trono de um reie de outras coisas semelhantes.

Em outros termos, Deus não tem um estilo próprio: pela boca dos profetas, ele faladiferentemente a mesma coisa: ele pode também designar coisas diferentes por meio dasmesmas palavras.

De sua parte, Foucault aborda essa questão da identidade e da divisão do sentido,por um caminho completamente diferente:

A afirmação de que a terra é redonda e de que as espécies evoluem, nãoconstituem o mesmo enunciado antes e depois de Copérnico, antes e depois de Darwin, e"ão foi ItO iltterior dos enunciados que a.t palavras mudaram de sentido, foi a relaçãodessas proposições com outras proposições, foram suas condições de utilização e deinvestimento, foi o campo de experiência, de veriflCações possíveis de problemas aresolver ao qual podem se referir.

A dupla leitura, muito brusca(lu" que eu venho efetuando, pode levar a pensar (eisso será justo) que, no fundo, Spinoza e Foucault procedem, diante dos textos, da mesmamaneira, a despeito das diferenças terminológicas e dos meios "técnicos" evidentemente, etambém tendo em conta aquilo que se pode chamar as aderências antropológicas deSpinoza (sob "e o sentido literal das palavras. ~obre o autor, etc) que constituem, para opensamento (11aterialistaatual, espécies de "ing<nuidades".

Mas a~ "ingenuidades" de um homem como Spinoza são paradoxais: pois pode-sedizer que com os mei<?s"teóricos de seu tempo, Spinoza avança lá onde Foucau/tpemzanece, hoje em dia, um pouco b/oqueado(II): para além da identidade relativa dosprocedimentos. o político provoca uma dif.erença(feprática.

Eu 111~ explico, suulinlta~ije'~oSPfOCt:dllllCllIUS de análise SpiIlUZISl.llS seinscrevem em uma prática política que se realiza através do Tratado: eu direi que o Tratadotrabalha politicamente as condições da luta do ateísmo no interior da religião judaica;tomando como matéria primeir.a a posição ·teológica que interpreta a palavra de Deus e

(10; NOTA DA TRADUTORA: Pt:cheux usa a palavra "cavalicrc", que tem dois sentidos: "brusca" ou-CB>"alht:ira-.Há ironia. tanlo que D. Maldidicr (Re-Icr...) utiliza essa mesma (,.'Xprcssãoquando comenla ,-:ssakitura que P&heu.x fu. de Foueault.(11) Eu assinalo sobre esse ponto o excelente estudo critico de Dominique Lccourt sobre a Arqueologia doSaher. publicado em La Pellsée. em agosto de 197<1,n° 152. p. 69-87. rcpublieado em Pour une critique del"épistémologie. f1aspcro. Paris, 1972. NOTA DA TRADilTORA: tradução eiii portUguês l.'ttl FOUCAlJLT.

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te:1::io Seu ;:oensamentoe Sua vontade, Spinoza transfonna essa matéria primeira, a ponto deassi::2.lar à religião o .estatuto de material idade imaginária determinada pelas condiçõesrnale~ais da existê~cia dos homens.

Assim, o trabalho de Spinoza constitui uma espécie de antecedente de uma teorial1l~th.'II:dIStl\dl1s iJcologil1s. soh UlIlll fhllllU ludimclltul quc contém. ollllclltlllo, o e:I:lcIICJltl.a saber, a tese segundo a qual quanto. menos se conhecem as causas, mais se é submetido a

•elas.

Por meio desse trabalho de transfonnação que parte da teologia para chegar aodireito e à política, Spinoza envia a todos os teólogos do mundo o mais magnífico recadoque eles jamais haviam recebido: e o que é mais extraordinário é que ele o envia em nomeda religião. falando de religião!

Se não há, então, como já foi abundantemente constatado, uma teoria da contradiçãoexplicitamente formulada em Spinoza, há, entretanto, uma elaboração espontânea dacontradição, que constitui uma extraordinária lição política que conceme diretamente nossopropósito: pois se o primeiro ataque conseqüente contra a ideologia reliftiosa e contra areligião é largamente efetuada em nome da ideologia religIosa, através dela e apesar dela,isso significa que a ideologia religiosa (e o discurso que a realiza) não pode de nenhumamaneira ser tomada como um bloco homogêneo, idêntica a si mesma, com seu núcleo, suaessência, sua forma típica

Esse ponto coloca em causa uma evidência, segundo a qual, como exprime o lógicoJohn R. SearIe (Os aIOSdefala):

Se um predicado é verdadeiro para um objeto, ele é verdadeiro para tudo o que éidêntico a esse objeto, independen:emente da expressão utilizada para referir a esseobjeto. Chamamos a isso de "o axioma de identidade".

No caso particular da religião, o 1.i;alado mostra que o "axioma de identidade" nàose aplica ao objeto ideologia; e toda a prática da luta de classes sobre o terreno da ideologiao confirnla: uma ideologia é não-idêntica a si mesma, ela não existe a não ser sob amodalidade da divisão, ela não se realiza senão dentro da contradição que organiza nela aunidade e a luta dos contrários.

Nessas c:mdições, parece impossível colocar o "discurso da ideologia religiosa", "odiscurso da ideologia política", etc. como tipos essenciais. ou mesmo de subdividir cadauma delas em uma tipologia, mesmo que seja uma tipologia das "formações discursivas ".Este termo, emprestado de Foucault, parece-me que pode ser de grande utilidade, mas coma condição expressa de reequacionar aquilo que, em Foucault, governa o seu uso, paratcnlllr retificá-Io.

No estudo de Dominique Lecourt - que eu mencionei há pouco - é mostrado queFoucault permanece, de uma certa maneira, bloqueado, pela impossibilidade de pensar e deoperacionalizara categoria da contradição. Esse recalque teórico e político não produz,evidentemente, em Foucault, os mesmos efeitos que a sua ausência literal (que é umapresença subterrânea) desta categoria em Spinoza, pois ninguém pode ter impunemente umdiscurso paralelo ao materialismo histórico sem encontrá-Io no contrafluxo. O pensamentode Foucault pretendendo mantê-Io à distância, não escapa a essa regra: a ausência dacategoria da contradição em Foucault é responsável pelo retomo de noções como aquelasde estatuto, norna, instituição, estratégia, poder, etc. que contornam indefinidamente a

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qucstão do poder do Estado como lugar da luta de classes, como o faz toda a psico­sociologia anglo-saxónica na qual todas essas noções são largamente usadas.

Está aí o liame político do pensamento de Foucault com o que eu chamei de, " (12)reformlsmo teonco.Yl:i:llllllS (1 ljIH.' signiíil.:lI n lilfo dl' IIllIll lodos os CrítIcoS llcollll'!{'1I1 FOllClIlll1 COIIIO

um universitário crítico. Isso não ofusca o imenso interesse de seus trabalhos, nos quais omarxismo-Ieninismo pode encontrar surpreendentes objetos de reflexão: pela sua maneirade faze"r falarem os textos. Foucault descortina a possibilidade de uma análisc desscs"regimes de material idade do imaginário" de que já falei anteriormente; ele está muitopróximo dos interesses do marxismo-Ieninismo. - e nisso constitui, justamente, acontradição própria de Foucault. invisível e sem dúvida insuperável para ele.

Não se trata, portanto, de se desembaraçar de Foucault. acentuando a pechareformista à qual ele parece conduzir; trata-se mais de desenvolver a categoria marxista­

leninista de contradição no sentido da apropriação, para a teoria e a prática do Movimentooperário, daquilo que o trabalho de Eoucault contém de materialista e de revolucionário

Eu posso apenas (nos limites do tempo que aqUi possuo) avallt;a1 algulJIlls lllPÓl(;S(;S

nessa perspectiva.O ponto decisivo me parece ser o de tomar capaz de pensar a unidade dividida das

duas teses seguintes:1) Em todo modo de produção regido pela luta de classes, a ideologia

dominante (ideologia da classe dominante) domina as duas classesan tagonistas;

2) A luta de ciasses é o motor da his:ó:12.. e proc::z a história da lutaideológica das classes

Es:;ns duas teses P:UCCC'111 se cOIltraJ".c,c;;:, CO:::2, por cxcn:pio, nacoexistência do estado de fato em contradição com a revolução: t.-ata-se, portanto,

de uma "falsa~ntradição", que repousa sobre uma CO:icepç.ãc errônea d.a Ideologiadominada.

Tomemos o exemplo das relações de produção capitalis--c2S:a burg:.:.es:a e oproletariado formam-se juntos dentro do modo de produção capitalis::.., sob adominação da burguesia, e, em particular, da ideologia burguesa. O proie~~ado nãopertence, então, a um outro mundo que contém como um germe indepenceme .ma

própria ideologia, portanto uma essência ideológica de certa. forma enuàvad.:..

refutada, dominada, pronta a sair armada como Athena e a dominar, a seu tempc, o

,I:' Em UlII cnllc\'islll 1=<:111<:, FOU<:IlU11dcs\'dll pllJ\;illltIlCUlc essa llgu~ao. uo pHJl'U/ '·1111I11IÓgJ<.:1f ljllC -"ç

libertará dos constituint(,'S esterili7.antcs da dialética": "Para pensar o lilllJH.:\ social. o pCllsa1l1("llopolítivo

-burguês" Q<!-,,,,~..)(vm cstabcl\)CC a fanua jurídica do contraio. Para p(,'lssr a lula, o pl:nsam(,111o

..n.•••·olu~·f;dô. ~. XIX estabelece a forola lógica da cO/ltradição: e aqui. sem dúvida, não se fazmelhor doCq~lÍ.. Entconseqüência, os grandcs.(,"l,1adosdo sc5c.XIX estabd\X(.."IIlum p<.:nsamt.:ntoestratégico,por isso as luta~ revolucionárias pensaram sua estratégia. de um maneira muito conjuntural e ensaiam hojeinscreverem-se sobre o horizonte da contradição." E Foucault pro~'<;Cg:ucum pouco mais: " Parece-me queloda essa intimidação quc visa ao medo da rcfonna c!.1áligada à insufil.;C,lcia dc uma análise estratégicaprópria à luta política - à luta no campo do poder político. Este me p~ ser, just81u("JlC,o papl.:!da Il.:Oria

. hoje: não de reformular a ~;stcmaticidade global que coloca tudo em causa; mas analisar a cspcciflCidade dosmeeanismos de poder, descobrir as ligações, as extensões., edificando, pouco 11 pouco, um saber estralégico."(" Poden..-se estratégia!;". Entrevi~ta cóm MicbcI Foucaull Revista Reyoires Logiques, n" 4, p. 96-97, 1977.

-I'arís.) ----.--- ':':::~.:-:";''::::-.:-~-.'.' _.:_=--=::_:.~-_::'

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futuro Esta é uma falsa concepção da ideologia dominada: nào se trata, emrealidade, somente de uma dominação que se constitui do exterior, se assimpodemos dizer, como uma tampa burguesa sobre a marmita das idéiasrevolucionárias. mas também, e sobretudo. de uma dominação interna. quer dizer.de lllll:! dllllliullÇfio que se 111l1l1ifi's11l 11I1prÓpríll OIgllllil'llÇi1o 1II((~11ll\ du ide;,logwdominada. Isso significa simultaneamente que o processo histórico. por meio doqual a ideologia dominada tende·a se organizar "sobre sua própria base" enquanto

. ideologia proletária, permanece paradoxalmente em contato com a ideologiaburguesa, precisamente na medida em que ela realiza sua destruição.

Trata-se, então, de pensar, a propósito da ideologia, a contradição de doismundos em um sÓ já que, segundo a afirmação de Marx, "o novo nasce dentro dovelho", e que Lênin reformulou dizendo: "o um se divide em dois".

Isso nos leva a afirmar que o marxismo-Ieninismo concebe. necessariamente,a contradição como desigual (inégalelI3), o que, naquilo que concerne a ideologia,corresponde ao fato de que os Aparelhos ideológicos do estado são por naturezaplurais: eles não formam um bloco ou uma lista homogênea, mas existem dentro derelações de contradição-desigualdade-subordinação tais que suas propriedadesregionais (sua especialização ·"dirigente de si" ["alIant de soi"] nos domínios dareligião, do conhecimento, da moral, do direito, da pQ.lítica, etc.) contribuemdesigualmente para o desenvolvimento da luta ideológica entre as duas classesantagonistas, intervindo desigualmente na reprodução ou na transformação dasrelações de produção.

Isso nos conduz a pensar que toda formação ideológica devenecessaria ..•nente ser analisada de um ponto de vist2.de classe e de um ponto de vista"regional", e pode ser que isso explique que toda ideologia seja dividida (nãoidêntic.'l fi si lllc.'1mo). I~ porque os fonllllçõcs idcolÓgicns têm um carÚtcr rcgionalque elas se referem ás mesmas "coisas" de modo diferente ( Liberdade, Deus, aJustiça, etc.), e é porque as formações ideológicas têm um caráter de classe que elas

. se. referem simultaneamente às mesmas "coisas" (por exemplo, a Liberdade) sobmodalidades contraditórias ligadas aos antagonismos de classes.

Nessas condições, parece que é na modalidade pela qual se designam (pelafala ou pela escrita) essas "coisas" a cada vez "idênticas" e divididas, que seespecifica aquilo que se pode, sem inconvenientes, chamar de "formaçãodiscursiva", com a condição de se entender bem que a perspectiva "regional" das"formas de repartição" e dos "sistemas de dispersão" de Foucault se encontramassim reordenados à análise das contradições de classe.

Se essas hipótcscs. tem alguma vulidudc, elas Ic ..••ull.ulll. IICCCSSUI iUlIIClltc,

numa transformação do conceito de "formação discursiva", que afeta ­cotlseqüentemente- a prática mesma da análise do discurso: caracterizar uma

. .formação discursiva classificando-a, entre outras, por qualquer tipologia que seja, é.estritamente impossível. É necessário, ao contrário, definir a relação interna que elaestabelece com seu exterior discursivo específico, portanto, determinar as invasões,os atravessamentos constitutivos pelas quais uma pluralidade contraditória, desiguale interiormente subordinada de formações discursivas se organiza em função dos

113) Este ponto está desenvolvido (.:m um recenle texto de AlÚ1us~T intilulado "Soul<:nancc d'Amiens".

" ..-publi •.-.ndtUIa.':.(lktliIlQl/·(I:{j("!./~~.Paris: Edilj(lIl!<Sm:inlcs, 1916, pnnil.'ulnnllcnlc unsplÍp: ::I4~_--'<19.