experimento nas formas de narrar

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OLINTO

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  • 228 Itinerrios, Araraquara, n. 24, 219-228, 2006

    Allison Leo

    LE GOFF. J. Documento/monumento. In: _____. Histria e memria. 5. ed. Campinas: Ed. UNICAMP, 2003. p.525-541.

    NORA, P. Entre mmoire et histoire: la problmatique des lieux. In: _____ (Dir.) Les lieux de mmoire. Paris: Gallimard, 1997. p.23-43.

    RAMA, A. A cidade das letras. So Paulo: Brasiliense, 1985.

    SANTIAGO, S. O narrador ps-moderno. In: _____. Nas malhas da letra. So Paulo: Companhia das Letras, 1989. p.38-52.

    SANTOS, R. C. dos. O exterior. In: _____. Modos de saber, modos de adoecer. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1999. p.51-60.

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  • 231Itinerrios, Araraquara, n. 24, 231-245, 2006

    Experimentos atuais da arte de narrar

    EXPERIMENTOS ATUAIS DA ARTE DE NARRAR

    Heidrun Krieger OLINTO1

    RESUMO: As refl exes propostas pretendem oferecer uma viso parcial, mas exemplar, de experincias inovadoras recentes e de tendncias internacionais da produo literria. O fenmeno do intercmbio em escala mundial, afetando sensivelmente os produtos do capital cultural, amenizou fronteiras lingsticas e geopolticas da esfera literria com freqentes cruzamentos, o que favoreceu a emergncia de um cenrio altamente desierarquizado, marcado por negociaes complexas com tradies passadas e pela coexistncia de ofertas miditicas plurais que benefi ciaram a esfera literria pelos constantes deslocamentos e assimilaes anacrnicos intercontinentais. Segundo o diagnstico relativo s formas narrativas, apesar da extrema variedade e da nfase em formas hbridas, pode-se constatar a emergncia de um NOVO REALISMO que se situa no limiar de projetos mimticos e anti-mimticos, oferecendo novas articulaes entre a esfera esttica e poltica de narrativas contemporneas. As discusses, surgidas inicialmente nos Estados Unidos, contra e a favor da emergncia de uma suposta nova dominante cultural o ps-moderno , com refl exos profundos nas tendncias literrias e nas formas de sua teorizao, favoreceram uma reavaliao do par dicotmico centro versus margem, priorizando a formao de mltiplos microcentros responsveis pela coexistncia de formas literrias de extrema variedade em um cenrio cultural novo, marcado por expressivos processos de desierarquizao.

    PALAVRAS-CHAVE: Narrativas contemporneas. Teoria da literatura. Novo realismo literrio.

    O fenmeno do intercmbio em escala mundial, afetando sensivelmente os produtos do capital cultural, amenizou fronteiras lingsticas e geopolticas da esfera literria com freqentes cruzamentos, o que favoreceu a emergncia de um cenrio altamente desierarquizado marcado por negociaes complexas com tradies passadas e pela coexistncia de ofertas miditicas plurais que benefi ciaram a esfera literria pelos constantes deslocamentos e assimilaes anacrnicos intercontinentais. As refl exes propostas pretendem oferecer uma viso parcial, mas exemplar, de experincias inovadoras recentes e tendncias internacionais da produo literria.

    1 PUC Rio Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro Departamento de Letras. Rio de Janeiro RJ Brasil 22453-900 [email protected]

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    Experimentos atuais da arte de narrar

    Um olhar sobre produes literrias surgidas na Alemanha e nos Estados Unidos sinaliza que, no primeiro caso, uma parte signifi cativa se explica a partir das profundas transformaes que afetaram todas as esferas da vida social e cultural e, de modo signifi cativo, a vida literria a partir do evento poltico da queda do Muro de Berlim, enquanto, no segundo caso, uma avaliao se justifi ca, tambm, a partir da importncia e veemncia das discusses contra e a favor da emergncia de uma suposta nova dominante cultural o ps-moderno com refl exos profundos nas tendncias literrias e as formas de sua teorizao.

    A origem deste debate e a sua disseminao posterior em pases europeus, at ento considerados centros de produo e divulgao da cultura ocidental, precisam ser consideradas para se entender as rearticulaes nesta esfera e a formao de mltiplos microcentros, que tornaram questionveis a manuteno da idia tradicional de campos opostos, representveis pelo par dicotmico centro versus margem. Alm disso, podemos aventar que o tradicional movimento pendular que priorizava ora modelos referenciais, ora auto-referenciais, deu hoje lugar coexistncia de formas literrias de extrema variedade em um cenrio cultural novo, marcado por expressivos processos de desierarquizao (OLINTO; SCHOLLHAMMER, 2002).

    No mbito dessa discusso, o questionamento atual do conceito do moderno demanda uma redefi nio e atualizao para o que habita por mais de trezentos anos a nossa fantasia poltica e a prxis social, para o entendimento de nossa experincia contempornea. Nas ltimas dcadas, esse espao tem sido ocupado por uma nova fantasia conceitual expressa por um prefi xo perturbador: PS-. Certamente a magia e a irritao diante dessa adio talvez infeliz e possivelmente equivocada transformaram a provocao do ps-moderno em ganho, porque permitiram enxergar, de novo, o moderno como bero do conceito de pluralidade uma idia durante certo tempo soterrada em nome de interesses polticos e estticos hoje de difcil adeso e permitiram perceber o ps-moderno como radicalizao desse motivo bsico da sndrome de crise que incomoda a nossa conscincia desde o incio do sculo passado. E, nesse sentido, o valor da circulao do termo ps-moderno pode ser considerado inestimvel, por ter levado ao extremo a necessidade de pensar mediaes.

    Problematizado nos estudos de literatura, nos Estados Unidos, desde fi nais da dcada de 50, transformado em fi gura emblemtica visvel da arquitetura durante os anos 70, e disseminado nos debates na sociologia, na fi losofi a e na histria na dcada subseqente, o termo PS-MODERNO, em vez de incomodar, parecia inspirar tanto defensores quanto adversrios a ponto de convergirem durante algum tempo na convico de que, do posicionamento dos intelectuais, artistas e cientistas dependiam nada menos do que os fundamentos do pensamento, do trabalho artstico e da produo do conhecimento acadmico (OLINTO,

    1996). Neste sentido, o programa do ps-modernismo no se entende, em nossa perspectiva, como fenmeno de limites estreitos, reduzido condio americana e ao pensamento francs, nem como fenmeno de vida breve, porque tenta elaborar questes profundas e problemticas da situao contempornea. Assim, mesmo quando o ps-moderno deixar de ser o centro da discusso em curso o que segundo diversos diagnsticos j ocorreu no ter o seu mrito diminudo, por ter oferecido boas oportunidades para refl etir e se expor pluralidade extrema como condio bsica da nossa experincia vivencial no momento atual. Uma primeira distino dessa conscincia plural percebe-se hoje, portanto, no fenmeno de sua abrangncia radical enquanto condio fundamental de sociedades em que predominam prticas de ao e formas de construo de sentido muito distintas e complexas. Um olhar sobre a aceitao/rejeio e sobre a circulao do rtulo ps-moderno nas produes literrias e, sobretudo, a sua adoo pela crtica literria, revela certas curiosidades e acentua algumas assimetrias e dissonncias. Enquanto nos Estados Unidos a discusso assentava sobre uma tradio literria expressa parcialmente por um projeto (neo-)realista, e por certas manifestaes experimentais, mas igualmente sobre uma ressonncia reduzida das vanguardas histricas europias no ps-guerra norte-americano reforada pela divulgao dos clssicos modernistas europeus quase simultnea disseminao, nos anos 60, dos produtos da contracultura mesclados com ofertas da mdia de massa na Alemanha, o modernismo, por razes histricas particulares, teve uma valorizao extempornea especfi ca e signifi cativa no mesmo perodo ps-guerra. Esta situao explica, em parte, uma certa cegueira da crtica literria e uma indiferena dos escritores alemes que s usaram o rtulo e, mesmo assim, timidamente , com um atraso de quase vinte anos.

    Na Frana, igualmente, o termo no foi usado com freqncia, mas sistematicamente aceito para classifi car escritores FORA do prprio pas. Assim, Geert Lernout cita, por exemplo, Julia Kristeva, que, sem o menor problema, situa o seu marido, Philippe Sollers, como ps-modernista, no entanto, em uma contribuio para uma antologia publicada nos Estados Unidos. Para uso domstico, o termo MODERNO parece sufi ciente, na Frana, para descrever um fenmeno em outros lugares classifi cado de ps-moderno. Mesmo assim, crticos americanos e alemes utilizam o termo para descrever o pensamento francs, tanto dos anos 70 quanto dos anos 80, como ps-moderno, ainda que, com freqncia, articulando-o com a tendncia descentralizada do projeto ps-estruturalista, de tal modo que os dois conceitos ocupam reiteradamente e de forma equivocada o lugar de sinnimos.

    Essas classifi caes, de certo modo impuras, repetem-se na distribuio de etiquetas para a literatura francesa contempornea. Os romancistas continuam escrevendo a partir de uma sensibilidade que eles prprios consideram moderna,

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    Experimentos atuais da arte de narrar

    que, no entanto, chamada de ps-moderna por crticos da cultura fora da Frana, com algumas hesitaes. Nomes como Nathalie Sarraute, Claude Simon, Raymond Queneau e Alain Robbe-Grillet foram citados por William Spanos e Ihab Hassan como representantes do ps-modernismo, enquanto, para Brian MacHale, a linha divisria entre poticas modernistas e ps-modernistas coincide com as diferenas entre o Nouveau roman e o Nouveau nouveau roman, que podem coexistir, inclusive, na produo literria de um mesmo autor (LERNOUT, 1997).

    Nos anos 90, detecta-se uma Nouvelle Fiction representada por uma nova gerao de escritores, que redescobrem, de modo expressivo, o prazer da arte de narrar. De algum modo este diagnstico sintoniza com o de John Barth, em seu clssico ensaio de 1980, A literature of replenishment, em que sublinha esta caracterstica na obra de Italo Calvino. Este escritor representava para ele, naquele momento, o verdadeiro ps-modernista, com um p no passado narrativo e com o outro no presente ps-estruturalista parisiense. Nos anos 80 por ocasio de sua disseminao no espao europeu tornou-se mais clara a relutncia em jogar fora uma herana modernista a favor de um ecletismo radical, e o termo passaria a exibir a sua ambigidade estrutural com mais nitidez em posies pluriformes que, entre outras, reintroduziram com fora e criatividade a narrativa e a arte representacional to massacradas pelo Nouveau Roman. Esse hibridismo, visvel na negociao entre extremos a refl exividade na literatura e um NOVO realismo ou seja, a negociao entre uma arte austera e cerebral e uma arte ps-formal que acentua novamente afetos e sensibilidades, encontra a sua traduo mais signifi cativa e glamurosa no conceito de impureza. Que diz quase tudo e quase nada.

    Enquanto na Itlia ps-68 conviviam um grupo comprometido com princpios tico-polticos opostos ao ecletismo acrtico e um grupo centrado sobre aspectos auto-refl exivos e metafi ccionais da literatura geralmente identifi cado com os advogados do ps-moderno em meados dos anos 80 se tornou mais clara, por um lado, a proposta de uma reconstruo da perspectiva marxista e, por outro, uma mescla de elementos neo-hermenuticos e ps-estruturalistas na fi losofi a do chamado pensamento debole, que sinalizava certas afi nidades com questes epistemolgicas acentuadas, em 1979, por Jean-Franois Lyotard no documento de fundao da crtica da cincia ps-moderna, La Condition Postmoderne. Il Pensiero Debole, uma coletnea de ensaios editada por, em 1983, exprime, a seu modo, essa nova postura favorvel a mediaes, uma postura que problematiza a razo clssica, forte, pela contraproposta de novas racionalidades mltiplas, questionando a idia de ultrapassagem, cara ao modernismo, contrapondo-lhe a idia de fl utuao entre passado e presente sem que um seja subordinado ao outro. Segundo a terica da literatura Monica Jansen, uma postura similar promovida tambm pelos jovens escritores italianos dos anos 80, chamados signifi cativamente

    de giovani narratori, que demandam novos modelos de acordo com uma nova situao cultural de multiplicidade e complexidade (JANSEN, 1997).

    O imenso sucesso do livro O Nome da Rosa, de Umberto Eco, publicado em 1980, e acompanhado trs anos mais tarde por um PS-ESCRITO, pode ser creditado em parte a essa nova sensibilidade que, reconhecendo a impossibilidade de destruir o passado, prope a sua revisitao, no com nostalgia, mas com ironia. Eco (1985) defi ne, ento, o seu romance ps-moderno ideal citando John Barth como aquele capaz de transcender o confl ito entre realismo e irrealismo, formalismo e conteudismo, literatura pura e literatura engajada, narrativa de elite e narrativa de massa. Uma acomodao conciliatria do romance, situado entre o experimental e o mercado, um romance que convida um pblico ps-industrial, ps-moderno, descrito como nova classe mdia culta, em funo de sua capacidade de criar algo novo a partir da tradio e a partir do uso de elementos que localiza esse tipo de fi co entre o romance de alta qualidade e o seu sub-gnero de mercado, consciente dos materiais da fi co popular.

    O que, no entanto, diferencia essa nova situao, de um modo geral, a coexistncia de toda uma srie de fases distintas e contraditrias uma certa dissincronia do sincrnico que abrange as transformaes ocorridas desde a cultura pr-moderna ps-moderna. E essa formidvel desordem seja ela rotulada de ps-moderna ou no empresta um perfi l inovador a um cenrio que abriga tanto atitudes provocadoras de confl ito, tpicas das vanguardas, quanto essa nova pacifi cao criada pelos escritores jovens que clamam, no entanto, tambm uma razo crtica a partir da demanda de uma literatura que postule novamente uma tica de limites aps o reino alegre da idia do ecltico anything goes. O que no deixa de ser um novo acento na distribuio de valores.

    Uma anlise da cena literria, na Alemanha, revela sintonias com a situao internacional, mas exibe tambm marcas singulares, impressas pelo incontornvel evento poltico da queda do Muro de Berlim. Enquanto nos anos 80 cresceram lamentos acerca do rpido envelhecimento da literatura mais recente e do fi m da prpria narrativa, desponta na dcada subseqente uma nova gerao de autores conscientes da distncia que os separa dos colegas mais velhos, ainda ontem classifi cados de vanguarda. O que primeira vista diferencia os seus autores sintetizvel como busca de novos vnculos com a literatura internacional, com a mdia eletrnica concorrente e com um pblico mais jovem e indiferente a distines entre literatura de elite e literatura de massa.

    Segundo o diagnstico de Wieland Freund (2001), responsvel por um dos ensaios mais relevantes da importante coletnea Der Deutsche Roman der Gegenwart (O Romance Alemo do Presente), publicada em 2001, o momento de uma virada geracional pode ser ilustrado pela ltima contenda liderada por dois

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    gigantes do palco literrio alemo: de um lado, o autor Gnter Grass e, de outro, o crtico literrio Marcel Reich-Ranicki. Quando publica, em 1995, o romance Ein Weites Feld, o escritor arrasado pelo crtico, repetindo-se com este gesto o confronto protagonizado pelos dois h quarenta anos atrs, por ocasio da publicao do livro Die Blechtrommel (O Tambor). Se 1959 pode ser considerado retrospectivamente como ano do boom da literatura alem ps-guerra, 1995 afi gura-se como momento da mudana tornada visvel pela derradeira disputa de dois protagonistas da cena literria, antes que o prmio Nobel dado a Gnter Grass pudesse enterr-la no silncio da historiografi a.

    Para Wieland Freund (2001), em 1995 encerra-se uma poca com a simultnea publicao de Helden Wie Wir, um romance picaresco de Thomas Brussig sobre o desmoronamento da antiga Repblica Democrtica Alem; do romance Faserland, de Christian Kracht, que substitui o habitual tom crtico por uma postura claramente afi rmativa, e, ainda, da publicao de Flughunde, de Marcel Beyer, que tem por tema um passado j no vivenciado pelos protagonistas. Assim, no mais tardar cinco anos aps a queda do Muro de Berlim, tornou-se visvel uma nova fase etiquetvel como aps o ps (FREUND, 2001, p.12), que permitia, ento, por exemplo, a incluso no cnone contemporneo de um autor como Patrick Sskind, cujo romance O Perfume, ainda cinco anos antes, tinha sido desqualifi cado pela crtica como literatura de massa. Um bestseller made in Germany, algo inusitado e, por isso, visto com desdm no prprio pas como romance trivial, ainda que curiosamente adotado nas escolas para revitalizar o morno ensino da literatura germnica. O valor pedaggico deve-se, em grande parte, ao uso de diversos padres narrativos, tais como o romance policial, o romance experimental, o romance histrico, o romance de viagem e o romance fantstico. Neste ltimo ponto, o campo referencial mais signifi cativo o Romantismo alemo do sculo XIX, com suas marcas explcitas do sobrenatural, este lado negro do Romantismo vinculado ao erotismo e morte, motivos sado-masoquistas e satnicos (CERSOWSKY, 2001, p.112). Mas o surpreendente sucesso pode ser atribudo tambm ao fascnio provocado pelo estranho, grotesco, abjeto. Sskind cria, com o seu protagonista, uma fi gura de feira exorbitante, um monstro nascido entre o lixo de uma banca de peixes, que causa asco e pavor. Uma criatura sem emoes, sem odor corporal, mas de olfato apuradssimo, que se transforma em assassino mltiplo para realizar um desejo ultimativo: produzir a quintessncia de um cheiro que o torne irresistivelmente amado pelos outros. O Perfume, com cenrio situado no sculo XVIII, no constri uma distncia histrica, mas o seu territrio permanece a linguagem comum do sculo XX, incluindo-se a retrica da mdia de massa e a publicidade, mescladas com ingredientes antigos que criam algo inusitado, mas de fcil compreenso e consumo. Existe um outro dado que distancia Sskind do ceticismo dos modernos com respeito capacidade representativa da linguagem. Ele tenta demonstrar, ao

    contrrio, que se trata to somente de um clich retrico pensar que odores so avessos a uma representao verbal.

    Quando Jochen Hrisch publicava, em 1995, o livro com o ttulo programtico Deutschsprachige Gegenwartsliteratur. Gegen Ihre Verchter (Literatura Contempornea de Expresso Alem. Contra os Seus Detratores), ele ofertava ao pblico uma clara viso das transformaes ocorridas entre 1959 e 1989 esses dois anos polares antes mencionados legitimando-as a partir da hiptese de uma efetiva melhora da prpria concorrncia miditica do cinema e da tv , que passou a assumir funes decisivas at ento consideradas privilgio indiscutvel da literatura, e no a partir da desqualifi cao da nova literatura em comparao com a produo literria dos anos 60. Em outras palavras, para ele, representava uma indevida simplifi cao supor que a literatura alem do presente se encontrava em crise. Parecia mais adequado supor que ela tinha perdido o seu, at ento inquestionvel, papel de mdia diretora, antes de mais nada, porque no contexto da nova sociedade miditica o romance contemporneo tinha abdicado de uma refl exo sobre essas condies e esses condicionamentos alterados.

    Para muitos crticos foram, sem dvida, os acontecimentos de NOVEMBRO DE 1989, culminando com a queda do Muro de Berlim, os responsveis por toda a turbulncia de um renovado clima. Mas foi talvez somente em 1996, quando da publicao de Wenn der Kater Kommt, que a esfera pblica literria despertava para esses novos sinais de mudana. Com o subttulo O novo narrar, uma antologia organizada por Martin Hielscher unia, entre outros, nomes como Helmut Krausser, Karen Duve, Katja Lange-Mller, Burkhard Spinnen, que passaram a representar, ento, o incio do boom da literatura alem do presente. Foram, de certo modo, estes escritores alemes que iniciaram uma nova escrita contempornea, conhecida como NOVO NARRAR, e escritores contemporneos clssicos como Gnter Grass, Siegfried Lenz, Martin Walser e Heinrich Bll at ento indiscutveis representantes da literatura alem contempornea deixaram de ter infl uncia signifi cativa sobre a gerao subseqente, a no ser de forma negativa. Assim, por parte da chamada literatura pop, por exemplo, havia uma oposio ntida, sublinhada ainda pelo carter afi rmativo quase cnico do presente, e por sua atitude provocativa diante da gerao ps-guerra, ao acentuar e privilegiar o consumo em detrimento da crtica ao consumo, contrapondo acintosamente os smbolos capitalistas do bem-estar ao movimento da gerao de protesto, e, ao substituir a obsesso da literatura ps-guerra com a memria do passado pelo esquecimento do passado, perceptvel especialmente nas formas da cultura pop. Mesmo nesse contexto e, de modo paradoxal, a histria alem pregressa e a obsesso em situ-la, s vezes com certa indiferena, continuavam ocupando espao nessa literatura do momento imediato, ao lado desses novos projetos afi rmativos, deixando, contudo, de fazer parte de uma experincia efetivamente vivenciada. Deste modo, a busca de vestgios do passado

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    pde transformar-se, entre outros, em tpico temtico de uma procura manaca de fragmentos do passado vislumbrveis na situao do presente, ou facilitar a contaminao da histria pela prpria esfera do fi ccional.

    Em 1995, foi publicado Der Vorleser, de Bernhard Schlick, um dos livros de maior ressonncia dos anos 90. O romance gira em torno dos vnculos afetivos entre um estudante de quinze anos e uma cobradora de bonde de meia idade. A percepo tardia, pelo jovem, do misterioso passado da parceira como guarda de um campo de concentrao um vcuo histrico chamado Auschwitz que permanecia uma confrontao ausente , permite ao protagonista entender o equvoco de se imaginar a vida passada pelo olhar contemplativo de um observador passivo em contraposio vivncia atual experimentada como agir participativo. Em sua contundente formulao fi nal, a tarefa da histria e do historiador equivale construo de pontes entre passado e presente, observao simultnea das duas margens e atuao em ambas. O livro foi recebido como resposta nova aos romances anteriores e sua preocupao com um passado alemo voluntariamente esquecido ou recalcado, que difi cilmente escapava a uma economia de culpa e acusao (GRAF, 2001, p.24).

    No mais tardar nos anos 90, ocorre na literatura alem, igualmente, um abrandar do ensimesmamento do indivduo em sua auto-experincia radical, formalizada pela instncia narrativa em primeira pessoa centrada sobre a prpria interioridade. A literatura da subjetividade, interpretada como capitulao do ego enamorado de si e distante da realidade vivencial, cede lugar ao interesse pelo indivduo em sua complexidade existencial, cultural, social e histrica, substituindo o seu gueto cultuado pelo contato pleno com o mundo exterior. A literatura dessa NOVA OBJETIVIDADE sinaliza a redescoberta de realidades e possibilidades alternativas de vida, acentuando uma abertura para o mundo que comea a libertar-se concomitantemente de uma crtica engajada e moralizante das condies polticas e sociais, que tinha sido marca emblemtica da literatura de protesto do ps-guerra. A essa literatura, que torna tudo digno de ser narrado, corresponde tambm uma nova confi gurao do discurso narrativo baseado na fuso do subjetivo com o objetivo, do narrador com o mundo narrado. Personagens e instncias narrativas emergem como potencialidades abertas, fazendo com que o romance da dcada de 90 se caracterize pela absoro da totalidade de modos de vida, seja do real, seja do possvel.

    O romance Morbus Kitahara (1995), de Christoph Ransmayr o ttulo alude sugestivamente a uma doena oftlmica , ilustra essa discusso crtica da realidade atual, apresentando o mundo moderno como guerra de todos contra todos, como cenrio devastado por crises e catstrofes sem fi m, em que as vtimas de ontem se transformam em agressores de amanh, incapazes de aprender com a histria. A guerra como verdadeira fora mundial ganha vida demonaca prpria na escalada

    de uma inescapvel violncia blica, fazendo com que o passado da barbrie e das guerras se transforme, ao mesmo tempo, em seu prprio futuro.

    Seria obviamente temeroso querer determinar tendncias, intenes, problemas ou at viradas na literatura atual a partir de um nico livro. No entanto, segundo Burkhard Spinnen (2001), Libidissi, de Georg Klein, de 1998, oferece uma boa oportunidade de entender questes importantes e decisivas na literatura alem da virada do sculo. Para o crtico, a fora do romance alimenta-se do questionamento radical da prosa alem contempornea, reticente, por exemplo, em relao fi co cientfi ca, em relao a todas as formas de exotismo e, de modo geral, em relao a uma escrita adepta de um estilo narrativo fundado sobre a profuso de tpicos temticos e de intrigas que recheiam as estrias inventadas. At os anos 90, a vanguarda literria alem tinha expulsado do cnone dos topoi admissveis a permanncia nos reinos da imaginao, desvalorizados como mundos triviais. Nesse romance de Klein, o prazer da imaginao exibe o seu poder criativo na inveno de uma cidade Libidissi , localizada em algum lugar distante e misterioso, mesclando-se fantasias sobre o Oriente Mdio, a sia e a Amrica do Sul. Comparado com o laconismo narrativo do modernismo literrio tardio, sublinhado, ainda, pelo dogma da desconstruo que se fazia acompanhar pela separao cada vez mais forte , da literatura do prprio presente e de sua linguagem, esse novo prazer de narrar, a travessia para os terrenos do romance policial, de espionagem e da fi co cientfi ca, so testemunhos explcitos de uma riqueza imaginativa libidinosa, cujas qualidades voltam a ser admitidas recentemente aps um interregno de soberania metadiscursiva (SPINNEN, 2001, p.216). Uma outra distino refere-se ao compromisso moral da literatura. A justa indignao da literatura moderna diante da dominao e a revolta engajada dos escritores contra governantes tiranos tinha-se transformado em identifi cao habitual e dogmtica na modernidade tardia, desembocando em uma esttica moralizante que passava a priorizar a inteno poltica custa da forma artstica.

    No h dvida de que, especialmente na Alemanha, havia boas razes para tirar lies da relao entre arte e poder, mas, como acham, ento, os novos escritores no necessariamente atravs de compromissos morais da literatura com o politicamente correto. Nesta perspectiva, Burkhard Spinnen (2001, p.219) reverte em ganho o seu veredicto -diabolicamente incorreto- sobre o livro de Georg Klein: [...] o livro realmente incorreto, provocativo e perigoso. Em outras palavras, igual a toda a boa literatura.

    Uma avaliao da cena literria americana recente mostra que, se at incios dos anos 90, nos Estados Unidos, o romance ainda podia ser classifi cado a partir da idia de um rompimento com o processo mimtico, um diagnstico atual precisaria acentuar, ao contrrio, uma volta da mmese (ICKSTADT, 1998, p.2). De fato,

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    Joseph Ickstadt, historiador da literatura e autor do livro Der Amerikanische Roman im 20. Jahrhundert. Transformation des Mimetischen (O Romance Americano no Sculo XX. Transformao do Mimtico), publicado no limiar da virada para o novo sculo, oferece uma viso da histria da literatura americana marcada pela oscilao entre formas de representao mimtica e antimimtica, vinculando cada mudana a procedimentos mimticos singulares que, no fi nal do sculo XIX, passam do realismo clssico de um Mark Twain e Henry James para diversos experimentos neo-realistas de Ernest Hemingway e Don DeLillo, por exemplo, incluindo ainda verses do realismo mgico do romance tnico.

    No mbito dessa discusso nos Estados Unidos, uma pergunta pertinente pode ser formulada assim: como foi possvel que o conceito do mimtico, no decorrer das diferentes fases da histria americana, tenha sido propagado como instrumento literrio de democracia e iluminismo, sendo, no entanto, desacreditado nos anos 60 como instrumento de hierarquia e represso, passando toda a funo redentora a ser atribuda fora subversiva do marginal, do imaginrio e do catico? Neste novo contexto, a mimese passava a ser defendida simultaneamente como projeto progressista da ampliao das fronteiras do familiar e como defesa conservadora do familiar face s reivindicaes do no-familiar.

    A crise econmica e social dos anos 30 fez surgir um novo interesse por um realismo esclarecido, mas, antes de representar a volta a convenes de uma tradio realista gasta, tratava-se de sua radicalizao em contexto cultural, social e poltico alterado. A valorizao enftica de uma experincia AUTNTICA e de uma realidade documentada corria paralela abertura da instituio literria a novos agentes sociais: autores, crticos e leitores com participao ativa na vida literria, dando-lhe uma feio moderna pelo acento em uma vida social comunitria de grupos e etnias em confl ito. Essa primeira volta dos procedimentos mimticos de representao caracterizava o romance americano at o fi nal dos anos 50. O segundo rompimento com a mimese foi mais veemente em comparao com o precedente, por causa da longa crise social e poltica dos anos 60 e 70, sendo concebido como nova virada cultural por crticos como Leslie Fiedler e Ihab Hassan, e por tericos simpatizantes do iderio ps-estruturalista, posteriormente substitudo pelo ps-moderno. O ataque macio a posies mimticas assumiu propores radicais com base no questionamento da existncia de uma verdade ontolgica subjacente a processos perceptivos e representativos do real, a favor do acento em meras formas projetivas, imaginativas e refl exivas. O que se acreditava ser uma experincia autntica da realidade foi visto, ento, como algo sempre preformado pela cultura e pela linguagem e, nesse sentido, acessvel to-somente por meio da confi gurao textual. ordem do real foi negada, portanto, uma correspondncia com um real natural, anterior e posterior, sendo ele mesmo concebido como inventado, e o efeito do real, visto como procedimento que pretende encobrir o

    seu carter artifi cial. Assim, a suposio de valores e experincias compartilhadas esconderia, sob a iluso do gesto democrtico, apenas formas de represso e de excluso, dissimulando a diferena do outro. Por esse motivo, na interpretao de Heinz Ickstadt (1998, p.9), parece at surpreendente que o impulso mimtico tenha sobrevivido a esse massacre terico. Segundo o autor, a nova necessidade de formas de representao explica-se parcialmente a partir da expanso da vida literria decorrente da incluso de novos grupos sociais seja de autores, seja de leitores at ento sem voz literria, que confrontaram o enfraquecimento geral da ordem simblica do real com teorias de alteridade e diferena. Em certos casos, tais grupos recorrem a representaes mimticas que facilitam defi nir o seu lugar, a sua identidade e a sua histria, dentro e fora de uma nova ordem. Em outros, prevalece a fora persuasiva da prpria experincia cotidiana, medida que a realidade projetada continua sendo assumida como algo preexistente e envolvente em seu poder formador, ainda que simultaneamente ela seja compreendida como construda em processos de apropriao. Em outras palavras, a experincia vivencial do mundo coexiste com a conscincia de ela ser preformada pela cultura e pela linguagem, tornando, dess modo, problemtica a idia de uma representao autntica, no mediada. E, nesse sentido, a necessidade de representao paralela necessidade de question-la e rejeit-la. No contexto dessa argumentao, parece plausvel que a prpria problematizao do mimtico tenha se transformado em modo de representao mimtica e tpico temtico representativo, ocorrendo, ento, o cruzamento de formas mimticas e antimimticas. Nesta coexistncia, multiplicam-se, portanto, diversas funes do mimtico, diferenciando-se basicamente as funes referenciais, pragmticas, e as funes estticas ou auto-referenciais, que relacionam o signo literrio respectivamente com o mundo da experincia e da percepo, com a esfera do receptor e da ao social ou cultural, enquanto a funo esttica despragmatiza o signo literrio ao sinalizar a sua prpria confi gurao.

    A tendncia da literatura ao se transformar em tema e problema da prpria representao um dos indcios do potencial inovador do modernismo inicial , j foi assimilada pela gerao posterior Segunda Guerra Munidal como herana e conveno literria, transformando os mestres em monumentos vivos de um modernismo elevado categoria do clssico. Os novos escritores, Saul Bellow e Ralph Ellison, por exemplo , assumiram novamente compromissos com questes referenciais de um realismo literrio, retomando tanto a tradio narrativa do sculo XIX quanto a tradio modernista, ao vincularem a responsabilidade do escritor ao ethos de craftmanship literrio e, ao mesmo tempo, ao ethos de um humanismo liberal engajado. O efeito pretendido interpretado por Ickstadt como sintonizao entre a experincia cotidiana de seus leitores e a funo esttica auto-referencial de seus textos. O romance passou a ocupar, ento, um considervel espao simblico para discutir questes sociais e a situao dos indivduos em uma sociedade de

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    composio modifi cada. Certamente no pode ser visto como acaso que uma reencenao simblica do indivduo tenha passado a ser uma questo urgente, especialmente para escritores preocupados com a complexidade de identidades e minorias emergentes, marcadas por experincias de classe, por preconceitos raciais e tnicos em confronto com uma suposta classe dominante, como sinaliza o romance tnico, por exemplo.

    A tentativa de redefi nio do real contra o discurso do real ocorre de vrios modos e se explica, em seu conjunto, como dvida profunda com respeito ao prprio estatuto do real. Uma dvida que se manifesta, na produo literria do perodo, pela formao de distintos metadiscursos sobre a prpria fi co. Essa crise do conceito de realidade explorada pelos romances para rearticular a fi co com o conceito de autenticidade vinculado a textos documentais, devolvendo ao prprio romance uma nova atualidade e relao com o mundo experimentado. Para Philip Roth, por exemplo, trata-se de uma rearticulao bem-vinda, porque, nos Estados Unidos, a realidade, h muito tempo , escapa fi co, medida que o verdadeiramente fantstico deixou de ocorrer no mundo aprisionado entre as duas capas do livro, mas est presente na prpria realidade (ICKSTADT, 1998, p.142).

    O romance histrico dos anos 60 tinha tematizado a textualidade do histrico ainda de forma ldica e sob ntida infl uncia da literatura sul-americana, sobretudo a de Jorge Luis Borges e Gabriel Garca Mrquez. Esse uso parodstico do material histrico que apaga os limites entre fatos e fi ces, criando um novo espao para o fi ctual, superpondo, de certo modo, as fronteiras entre realidade e fantasia por um procedimento narrativo denominado por John Barth de IRREALISMO, que se distancia de formas anti-realistas pelo acento em uma realidade narrada atravessada por fi ces , pode ser compreendido, tambm, como contaminao da realidade pela fi co. Histria, caso esse termo ainda tenha algum sentido nas condies desta incerteza radical, torna-se apreensvel apenas nos processos de constantes metamorfoses, de indeterminvel orientao. Histria equivale a um passado imaginado, e o romance inventa um mundo que j foi inventado, ele prprio, como dado.

    A crtica literria denominou de ps-moderno esses textos metafi ccionais responsveis pela destruio da iluso do real, transformando-os em modelo dominante do romance contemporneo. Pelo menos durante certo tempo.

    Foi nesta situao que surgiram pleitos por uma volta s funes tradicionais da literatura e de suas possibilidades comunicativas. E se John Barth, em 1980, ainda podia situar a narrativa contempornea no movimento mundial da fabulao ps-moderna, o clima literrio do fi nal da dcada era outro, como ilustrado por Tom Wolfe (1989, p.47), no ensaio Literary Manifesto for the New Social Novel, em que conclamava [...] a brigade of Zolas to herad out into this wild, bizarre, unpredictable Hof-stumping Baroque country of ours and reclaim it as

    literary property [...]. No se tratava de um clamor isolado, ainda que a vontade de restaurar um discurso neo-realista na instituio literria no se expressasse necessariamente como volta a Zola. Em todo caso, o movimento pendular entre modelos narrativos referenciais e auto-referenciais, entre perodos de rompimento com modelos mimticos e a sua reinstitucionalizao, revela, hoje, claras tendncias favorveis ao plo da referencialidade, embora sob condies especifi camente PS-ps-modernas.

    A fi co dos anos 90 tende a ocupar uma posio neo-realista intermediria, em que se fazem ouvir os ecos dos caminhos do sculo XIX e da dcada de 30, mas em confi gurao distinta. Nos dois caminhos assinalados, por um lado, a literatura ps-moderna, a literatura tnica e o acento em aspectos pragmticos mimticos e, por outro, a nfase na problematizao de seus aspectos referenciais, pode-se entrever o projeto de um NOVO realismo que envolve alguns dos projetos literrios atuais mais expressivos, nos Estados Unidos.

    Ainda que a nossa tentativa de esboar uma cartografi a no seja capaz de oferecer um diagnstico sinttico, alguns traos fi cam visveis numa perspectiva comparada de diversas literaturas nacionais. Primeiro, gostaramos de salientar que a literatura atual parece estimular a coexistncia de confl itos criativos entre projetos modernistas e realistas, presentes dinamicamente em toda a literatura ocidental desde o incio do sculo XX, que, entre o ps-guerra e os anos 80, se readaptaram e se articularam nos moldes de um experimentalismo moderno e ps-moderno, por um lado, e nas vrias formas que sinalizam um REALISMO NOVO, por outro. O que acontece no cerne da experincia ps-moderna, que entendemos como questionamento e radicalizao do prprio projeto modernista, uma retomada de gneros como o romance histrico, o realismo mgico e o romance experimental, misturados com gneros menores como o jornalismo, a crnica, o policial, o melodrama e a pornografi a, que, nessa nova confi gurao, problematizam as fronteiras entre o experimentalismo e os gneros referenciais e mimticos. A literatura refl ete, desta maneira, a experincia de uma realidade em que a experincia viva e concreta se encontra constantemente ameaada e afrontada, no contrapolo, por experincias mediadas, manifestando, desse modo, tentativas de atingir um realismo mais efi ciente e performativo.

    luz dos tpicos desenvolvidos para desenhar um pequeno mapa da atual cena literria, podemos aventar que o tradicional movimento pendular que priorizava ora modelos narrativos referenciais, ora auto-referenciais marcando perodos de rompimento com modelos mimticos e a sua reinstitucionalizao deu hoje lugar coexistncia de formas literrias de extrema variedade em um cenrio cultural novo, altamente desierarquizado. O princpio mimtico clssico desdobra-se hoje em mltiplas formas REALISTAS de narrar alheias s dicotomias excludentes

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    tradicionais. O prazer de narrar marca este NOVO REALISMO hbrido, liberando uma energia imaginativa capaz de transformar o prprio laconismo narrativo de certas formas do modernismo tardio em fascinante plenitude.

    OLINTO, H. K. Recent experiments in art of narrating. Itinerrios, Araraquara, n. 24, p. 231-245, 2006.

    ABSTRACT: The proposed refl ections intent to offer a partial, but exemplary, view of innovating and international tendencies of literary narratives. The phenomenon of interchange in a world wide scale is affecting the products of cultural capital reducing linguistic and geopolitics bounds of the literary sphere with frequent crosses, in favor of the emergence of a highly non-hierarchic scenery marked by complex negotiations with past traditions and the coexistence of plural mediatic offers that benefi ciate the literary sphere by constant dislocations and intercontinental anachronic assimilations. Despite of the extreme variety and of the emphasis on hybrids forms, it seems possible to observe the emergency of a NEW REALISM situated in the boundaries of mimetic and anti-mimetic projects, offering new articulations between esthetic and political dimensions of contemporary narratives. The discussions, initially appeared in United States, against and favor of the emergency of a supposed new cultural dominant the post-modern with profound consequences to literary tendencies and forms of theorization, in favor of a revaluation of dichotomic concepts, like center versus margins, in prior of the formation of multiples microcenters, which are responsible by the coexistence of literary forms of extreme variety in a new cultural scenery marked by hierarchic less processes.

    KEYWORDS: Contemporary narratives. Literature theory. New literary realism.

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